ila barbosa bittencourt - domínio público · 2.1.3. direito penal grego 33 2.1.4. direito romano...

127
ILA BARBOSA BITTENCOURT A TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA E A IMPUTABILIDADE PENAL MESTRADO EM DIREITO PUC/SP SÃO PAULO 2006

Upload: nguyenthuy

Post on 17-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

ILA BARBOSA BITTENCOURT

A TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA E A IMPUTABILIDADE PENAL

MESTRADO EM DIREITO

PUC/SP SÃO PAULO

2006

Page 2: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

ILA BARBOSA BITTENCOURT

A TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA E A IMPUTABILIDADE PENAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para a obtenção do titulo de Mestre

em Direito das Relações Sociais (Direito Penal), sob

orientação do professor doutor Dirceu de Mello.

PUC/SP SÃO PAULO

2006

Page 3: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

BANCA EXAMINADORA

_________________________________

_________________________________

_________________________________

_________________________________

Page 4: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

“ (...) tem me animado até hoje a idéia de que o

menos que alguém pode fazer, numa época de

atrocidades e injustiças, como a nossa, é

acender sua lâmpada, fazer luz sobre a

realidade de seu mundo, evitando que sobre ela

caia a escuridão... riscar o nosso fósforo, como

sinal de que não desertaremos do nosso posto”.

Érico Veríssimo, Solo de clarineta

Page 5: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

AGRADECIMENTOS

“A gratidão é a memória do coração”.

Victor Hugo

Ao meu orientador professor doutor Dirceu de Mello, minha

eterna gratidão por ter tido a felicidade de abeberar-me de seus

profundos ensinamentos.

À professora assistente doutora Waléria Garcelan Loma

Garcia, obrigada pelos seus ensinamentos, confiança e estímulo.

Aos professores desta casa doutores Marco Antonio Marques

da Silva, Márcio Pugliese e Sílvio Luís Ferreira da Rocha, dos quais

tive a honra de ser aluna neste curso de mestrado.

Page 6: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

SUMÁRIO RESUMO 10

ABSTRACT 12

CAPÍTULO I – IMPUTABILIDADE

1. Imputabilidade 14

1.1. Breve introdução 14

1.2. Histórico 14

1.2.1. O direito penal romano 15

1.2.2 O direito penal lusitano 16

1.2.3 O direito penal do Brasil Império 17

1.2.4. O direito penal do Brasil República 19

1.3. Os sistemas de determinação da imputabilidade 24

1.4. A imputabilidade no direito comparado 25

1.4.1. Itália 25

1.4.2. Argentina 25

1.4.3. Peru 26

1.4.4. Chile 26

1.4.5. Cuba 27

1.4.6. Portugal 27

1.4.7. Espanha 28

1.4.8. Alemanha 29

1.4.9. Direito Canônico 29

2. Culpabilidade e responsabilidade 30

2.1. Histórico da evolução dos conceitos 30

2.1.1. Os primórdios da civilização 30

2.1.2. Direito Penal dos Hebreus 33

Page 7: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

2.1.3. Direito Penal Grego 33

2.1.4. Direito Romano 35

2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35

2.1.4.2. Dolo e culpa 37

2.1.5. Direito Penal Germânico 39

2.1.6. Direito Canônico 40

2.1.7. Direito Medieval 40

2.1.8. Período Humanitário 41

2.1.9. Período clássico 44

2.1.9.1. As Escolas Penais 45

2.1.9.1.1. A escola clássica 46

2.1.9.1.2. A escola antropológica 47

2.1.9.1.3. A escola crítica 50

2.2. A responsabilidade no Brasil 52

3. A concepção psicológica da culpabilidade e o conceito

da imputabilidade 56

4. A teoria psicológica-normativa da culpabilidade e o conceito

da imputabilidade 57

5. A teoria finalista ou normativa pura da culpabilidade e o

conceito da imputabilidade. 58

CAPÍTULO II – A ACTIO LIBERA IN CAUSA

1. Histórico 59

1.1. Antecedentes históricos da Actio Libera In Causa 59

1.2. Origem do termo actio in libera in causa 62

2. A actio libera in causa 64

2.1. Conceito 64

2.2. Hipóteses 66

Page 8: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

2.2.1. Caráter de negligência 66

2.2.2. Caráter atípico 67

2.2.3. Caráter doloso 67

3. Divergência doutrinária 67

4. A actio libera in causa e os crimes dolosos 70

5. A actio libera in causa e os crimes culposos 70

6. A embriaguez 72

6.1. A embriaguez e a actio libera in causa 74

6.2. A embriaguez culposa 74

6.3. A embriaguez dolosa 76

6.4. A embriaguez preordenada 76

6.5. O caso fortuito e a força maior 77

CAPÍTULO III – EMBRIAGUEZ NO DIREITO COMPARADO

3.1. Breve introdução 80

3.2. Antiguidade 80

3.3. Idade Média 81

3.4. Itália 81

3.5. França 83

3.6. Países do Benelux 84

3.7. Suécia 85

3.8. Noruega 86

3.9. Dinamarca 86

3.10. Finlândia 87

3.11. Inglaterra 87

3.12. Estados Unidos 88

3.13. Portugal 89

3.12. Alemanha, Suíça e Áustria 90

Page 9: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

Capítulo IV – O HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO

4.1. Código Criminal do Império do Brasil (1830) 91

4.2. Código Penal da República Velha (1890) 92

4.2.1. A origem da redação do Código 92

4.2.2. O conceito de embriaguez da época 97

4.2.3. A embriaguez perante o Código 98

4.3. Os projetos Vieira de Araújo (1893) 100

4.4. Projeto Galdino Siqueira (1913) 101

4.5. Projeto Virgílio Sá Pereira (1928) 103

4.6. Consolidação das Leis Penais (1932) 103

4.7. Projeto Alcântara Machado (1938) 104

4.8. Código Penal de 1940 105

4.9. Lei das Contravenções Penais (1941) 107

4.10. Projeto Nélson Hungria (1961 a 1969) e

Código Penal de 1969 108

4.11. Lei de Tóxico (Lei 6368, de 21 de outubro de 1976) 109

4.12. Lei 7209 de 11 de julho - Reforma penal de 1984 110

4.13. Projeto de reforma do Código Penal 114

CONCLUSÃO 115

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 117

Page 10: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

10

RESUMO

Desde os primórdios da civilização existe o consumo de álcool seja por

prazer ou para desinibir a personalidade. Porém a partir do consumo excessivo

de tal substância ou outras de efeitos análogos advêm problemas sociais e de

saúde, e por essa razão torna-se um objeto de estudo da sociedade.

Do ponto de vista da Saúde o alcoolismo é considerado uma doença

crônica, progressiva e fatal que pode causar seqüelas físicas e psicológicas.

Em particular e como foco desse trabalho temos a visão jurídica sobre a

embriaguez e sobre os efeitos decorrentes da mesma ao longo das décadas.

Nosso sistema penal não condena o ato de se embriagar e declara isento de

pena o agente que não tiver condição de entender a ilicitude do fato praticado

ou de determinar-se de acordo com isso no momento do ato.

Por muito tempo em nosso Código, a embriaguez foi considerada um

atenuante para os delitos cometidos sob seu efeito devido a privação parcial ou

total do agente de seus sentidos, fato que será abrangido nesse trabalho, assim

como a comparação do tratamento da embriaguez na legislação de outros

países.

Atualmente, a embriaguez, voluntária ou culposa não exclui a

imputabilidade, a não ser se derivada de caso fortuito ou de força maior. E se o

agente tiver se embriagado propositadamente a fim de cometer o crime, seja

para se privar parcialmente da consciência, tomar coragem ou ainda tentar usar

essa causa como atenuante em sua pena, ao contrário terá um agravante.

Nesses casos de privação parcial da mente entra em ação o instituto das

actione liberae in causa, que assumem uma política criminal de

responsabilização penal na qual o resultado produzido no estado de

inimputabilidade deveria ser possível de ser previsto ou quisto pelo agente, que

se colocara em condições de incapacidade de entender ou de querer, para

praticar o crime ou então para que tenha uma desculpa para o mesmo.

Dentre as divergências doutrinárias apontadas ao longo do trabalho,

merece realce a confusão realizada com a responsabilidade objetiva ao longo

Page 11: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

11

dos Códigos. Porém na actio libera in causa, ao contrário dessa outra política

jurídica, há a necessidade de haver dolo ou culpa, ou seja um nexo psicológico,

num momento antecedente ao delito cometido.

Page 12: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

12

ABSTRACT

Since the beginning of civilization there has been alcoholic use just for

simple pleasure or for stimulation. But device excessive alcoholic beverage or

another substances of similar effects use has been increased the number of

social and health problems, and then, has became an society object of study,

From Health point of view, alcoholism is a chronic, progressive, and fatal

disease, which has physical and psychological effects.

Particularly and as object of study of this paper, there is yet the judiciary

point of view about drunkenness and its effects throw the decades. Our penal

system does not punish the act of drinking and declare free of punishment the

individual that who at the moment of the act do not have the capacity of

understand the unlawfulness of his act or to behave in accordance with this

understanding.

For long time in our Penal Code, drunkenness was considered an

attenuate for crimes committed under its effect device the agent partial or

complete privation of senses, fact which will be approached in this one, besides

the comparison of other countries legislation treatment for this subject.

Nowadays, voluntary or culpable drunkenness does not exclude

imputability, unless in cases it is result from accident or majored force. And if the

individual has intentionally drunk for practice a crime, or to lose partial or

completely conscience, or gain courage, or to try to use this fact as an

attenuating excuse, otherwise, it will work as an aggravator.

In these cases of partial or complete mental privation enters the institute

of actione liberae in causa, which consist in a criminal politic of penal

responsabilization that assumes the produced result in unimputability stage

should be estimated or wanted by the agent, and this one had been put himself

in this situation for practicing the crime or to have an excuse for it.

Among the doctrinaire divergences approached in this work, deserves a

different position the confusion of action libera in causa and the objective

responsibility. But in the fist one is necessary to be present intention or

Page 13: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

13

guiltiness, or in other words a psychological nexus, in a antecedent moment

related to the crime.

Page 14: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

14

CAPÍTULO I – IMPUTABILIDADE

1. Imputabilidade 1.1. Breve introdução

Embora o Código Penal trate do termo inimputabilidade, alguns autores

preferem tratar o antônimo. Assim, Aníbal Bruno considera imputável o homem

mentalmente desenvolvido e mentalmente são, que possui a capacidade de

entender o caráter criminoso do seu ato e de determinar-se de acordo com este

entendimento que o homem adquire progressivamente, com o desenvolvimento

físico e mental, até atingir o seu pleno crescimento.

1.2. Histórico

Os códigos atuais e de outrora não dispõe sobre a imputabilidade, mas

sim quanto a inimputabilidade, resultando a imputabilidade em conceito “a

contrário senso”. Para que se entenda o conceito moderno é necessário que se

analise a evolução ao longo dos anos e dos diferentes códigos. Para tal,

devemos lembrar que o Brasil foi colônia portuguesa e, portanto, sofreu

influência do código da metrópole, que por sua vez teve sua formação jurídica

inspirada no Direito Romano. A vigência deste é demarcada com a criação da

Lei das XII Tábuas até a morte de Justiniano, em 565 d.C.1.

1 Meira, Silvio A. B. História e Fontes do Direito Romano. São Paulo: Editora Saraiva, 1966.

Page 15: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

15

1.2.1. O direito penal romano

Os romanos alcançaram amplo desenvolvimento da doutrina da

imputabilidade, da culpabilidade e de seus excludentes, assim como os

conceitos de culpa (forma de negligência ou descuido culpável) e dolo (ofensa

intencional à lei moral e à lei do Estado). Dentre os avanços da teoria da

culpabilidade, garantiram a responsabilidade subjetiva (exigência de dolo e

culpa) e pessoal.

Consideravam os infantes (até sete anos) inimputáveis; os impúberes

(entre sete e catorze anos) poderiam ser considerados culpados desde que se

demonstrasse que haviam quisto praticar o mal (dolus malus) e os minores (até

vinte e cinco anos) poderiam ter reconhecidas condições atenuantes2. No caso

de haver se comprovado o discernimento dos impúberes para agir com dolus

malus, eram sujeitados apenas à castigatio, por razões educativas ou

considerações práticas segundo a legislação justiniânea e a esse instituto deram

o nome de ficção da puberdade. O castigatio consistia em assustar os menores

infratores e bater neles com uma correia ou uma vara, nunca sendo constituída

de tortura. Embora a idade do infrator sempre aparecesse ao lado do nome nos

processos, para aqueles com idade próxima à puberdade eram separados o

desenvolvimento corporal e o intelectual, podendo, então, não ter alcançado a

idade especificada para ser julgado de outro modo, mas o será se for

considerado com maturidade e capacidade do dolo. Eram, também,

considerados inimputáveis os alienados, assim como os autores de crimes

praticados em estado passional de máxima intensidade. Os atos cometidos

durante estado de embriaguez, por gerar uma situação de menor lucidez, eram

tratados com menor severidade. Os casos de legítima defesa também não eram

puníveis desde que se comprovasse o ocorrido. Ou seja, em outras palavras, a

imputabilidade no Direito Romano era vista como a condição do indivíduo de

2 Cf. Ferrini, Contardo. Esposizione storica e dottrinale del diritto penale romano, “in” Enciclopédia Del Diritto Penale Italiano, Pessina, Enrico, 1905, volume 1º, p. 62 apud Oliveira, Guilherme Percival, Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda, 1958, p.87.

Page 16: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

16

praticar determinados atos com discernimento, idéia equivalente à capacidade

de Direito Penal apontada por Basileu Garcia3.

1.2.2. O direito penal lusitano

O Direito Penal lusitano passou a vigorar no Brasil após o descobrimento

do mesmo. Na Metrópole vigoravam as Ordenações Afonsinas, publicadas em

1446, sob o reinado de D. Afonso V. Em 1521, D. Manuel I determinou sua

substituição pelas Ordenações Manuelinas. Essas vigoraram até a Compilação

de Duarte Nunes de Leão, em 1569 a mando do rei D. Sebastião. Porém essas

ordenações não chegaram a ser eficazes na colônia devido às peculiaridades

aqui existentes. Portanto, na realidade, existia uma infindável quantidade de leis

e decretos reais para a colônia, que conferiam amplos poderes aos donatários

de terras, deixando cada um com autonomia para aplicar o regime jurídico da

forma que achasse mais conveniente.

Em 1603, Filipe II promulgou as Ordenações Filipinas com punições

cruéis de tortura e predomínio de pena de morte e vigorou por dois séculos. No

livro das Ordenações Filipinas não são encontradas normas que digam respeito

à imputabilidade, semi-imputabilidade ou inimputabilidade, com exceção ao que

se referia ao menor de dezessete anos, contra quem não poderia ser aplicada a

pena de morte natural, sendo conferida ao julgador a possibilidade de

substituição dela por outra sanção de espécie diversa. Essas ordenações

traziam o citado sob o Título CXXXV – Livro V:

“Quando algum homem, ou mulher, que passar de vinte annos,

cometter qualquer delicto, dar-se-lhe-há pena total, que lhe seria

dada, se de vinte e cinco annos passase.

E se for de idade de dezassete annos até vinte, ficara em arbítrio

dos julgadores dar-lhe a pena total, ou diminuir-lha. 3 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal, volume I, tomo I, 2ª edição. São Paulo: Max Limonad Editor de Livros de Direito, 1954, p. 324.

Page 17: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

17

E em este caso olhara o julgador o modo, com que o delicto foi

commettido, e as circunstâncias delle, e a pessoa do menor; e se o

achar em tanta malicia, que lhe pareça que merece total pena, dar-

lhe-há, posto que seja de morte natural.

E parecendo-lhe que a não merece, poder-lha-há diminuir,

segundo a qualidade, ou simpleza, com que achar, que o delicto foi

comettido.

E quando o delinqüente for menor de dezassete annos cumpridos,

postoque o delicto mereça morte natural, em nenhum caso lhe será

dada, mas ficara em arbítrio do Julgador dar-lhe outra menor pena.

E não sendo o delicto tal, em que caiba pena de morte natural, se

guardara a disposição do Direito Commun.”

O Livro V refletia o Direito Penal da época, que tinha a pena de morte

como sanção aplicada quase que invariavelmente, e era marcado pela falta de

critério na distinção entre os conceitos de pecado e crime, bem como pela forma

assistemática e irracional da disposição da matéria criminal, o que retratava a

crueldade previamente citada.

1.2.3 O direito penal do Brasil Império

Mas proclamada a independência do país, duas motivações vieram a

contribuir para a substituição das velhas Ordenações: de um lado, a situação de

vida política autônoma da ação, que exigia uma legislação própria, reclamada

pela animosidade contra tudo o que podia lembrar o antigo domínio; do outro

lado, as idéias liberais e as novas doutrinas do Direito, do mesmo modo que as

condições sociais do tempo, bem diferentes daquelas que as Ordenações foram

destinadas a reger. Em 1823, D. Pedro I abriu a Assembléia Constituinte, que

decidiu manter em vigência as Ordenações Filipinas e no mesmo ano foi

dissolvida, promulgando a constituição no ano seguinte. Acerca da legislação

Page 18: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

18

baseada no Livro V, Baptista Pereira afirmou: “Espelho, onde se refletia, com

inteira fidelidade, a dureza das codificações contemporâneas, era um misto de

despotismo e de beatice, uma legislação híbrida e feroz, inspirada em falsas

idéias religiosas e políticas, que invadindo as fronteiras da jurisdição divina,

confundia o crime com o pecado, e absorvia o indivíduo no Estado fazendo dele

um instrumento. Na previsão de conter os maus pelo terror, a lei não media a

pena, pela gravidade da culpa; na graduação do castigo obedecia, só, ao critério

da utilidade.” Ressalta-se que, embora, essa norma pareça agressiva demais à

época aos estudiosos do presente e alguns legisladores de tal momento

histórico, Rebello Pinho aponta, após análise de outros diplomas penais

europeus contemporâneos que as leis portuguesas não destoavam das dos

demais povos ditos cultos da Europa4.

Projetos de Código Criminal foram montados e apresentados a partir de

1826 por Bernardo Pereira de Vasconcelos e Clemente Pereira, fazendo com

que a Câmara, em 1828, optasse pela criação de uma comissão bilateral para a

análise dos mesmos. Em 1830 finalizou-se a redação do Código que havia sido

imposta pela Constituição do Império no seu artigo 179, inciso XVIII. Esse

mesmo artigo 179 reúne como premissas do novo regime punitivo alguns dos

postulados iniciais do Direito Penal Liberado, os mais opostos ao regime das

Ordenações, como o princípio da igualdade de todos perante a lei (inciso XIII) e

o de que a pena não passaria da pessoa do criminoso (inciso XX)

Nesse Código ficou estabelecido que não se julgariam pessoas com

idade inferior a catorze anos, os loucos de todo gênero que cometessem atos

criminosos fora de possível período de lucidez, e aqueles casos que

caracterizassem a legítima defesa, ou seja, crimes violentados por força ou por

medo irresistíveis. Transcreve-se o Código Criminal do Império em seu artigo

10:

“Art. 10 - Também não se julgarão criminosos:

§1º Os menores de quatorze annos 4 Pinho, Rebello, História do Direito Penal Brasileiro – Período Colonial, São Paulo, José Bushatsky Editor, 1973, p. 81.

Page 19: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

19

§2º Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lúcidos intervallos

e nelles commeterem o crime.

§3º Os que commetterem crimes violentados, por força ou por

medo irresistíveis.

§4º Os que commetterem crimes casualmente, no exercício ou

pratica de qualquer acto licito,feito com atenção ordinária.”

Apesar da prescrição disposta no artigo 10, o referido código não se

fechava à possibilidade de que, mesmo tendo menos de 14 anos de idade, o

“menor criminoso” poderia estar agindo de forma consciente e com

discernimento, segundo o art. 13:

“Art. 13 - Se se provar que os menores de quatorze annos, que

tiverem commettido crimes, obrarão com discernimento, deverão

ser recolhidos às casas de correção, pelo tempo que ao juiz

parecer, com tanto que o recolhimento não exceda a idade de

dezasete annos”.

Em tal caso deveria ser encerrado em uma casa de correção. Esta

prescrição assemelha-se ao direito romano na sua última fase, pois mesmo

julgando não criminosos os menores de 14 anos, se agissem com

discernimento, poderiam ser considerados relativamente imputáveis.

1.2.4. O direito penal do Brasil República

Com o advento da República em 1889, a pedido de Campos Sales,

Baptista Pereira foi incumbido de escrever o projeto de Código Penal, que foi

Page 20: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

20

aprovado e publicado em 11 de outubro de 1890, de acordo com o decreto 847.

Aqui, no Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, fica definido

que os menores de catorze anos que agissem sem discernimento não seriam

considerados criminosos, assim como aqueles que apresentassem imbecilidade

nativa ou enfraquecimento senil ou que estivessem privados totalmente de seus

sentidos e senso no ato do delito ou mesmo dotado de perturbação dos

mesmos. Também seriam considerados absolutamente inimputáveis os surdo-

mudos que não tivessem recebido educação e instrução para diferenciar o certo

do errado e reconhecer seus atos, aqueles que agissem em legítima defesa

devido à ameaça violenta real e danosa à vida.

“Art. 27 - Não são criminosos:

§1º Os menores de 9 annos completos;

§2º Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem

discernimento;

§3º Os que por imbecibilidade nativa, ou enfraquecimento senil,

forem absolutamente incapazes de imputação;

§4º Os que se acharem em estado de completa privação de

sentidos e de intelligencia no ato de cometer o crime;

§5º Os que forem impellidos a commeter o crime por violência

physica irresistível, ou ameaças acompanhadas de perigo actual;

§6º Os que commetterem o crime casualmente, no exercício ou

prática de qualquer acto lícito, feito com attenção ordinária;

§7º Os surdos mudos de nascimento, que não tiverem recebido

educação, nem instrucção, salvo provando-se que obraram com

discernimento.

Page 21: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

21

Art. 29 - Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de

affecção mental serão entregues às suas famílias, ou recolhidos a

hospitaes de alienados, si o seu estado mental assim exigir para

segurança do público.

Art. 30 - Os maiores de 9 annos e menores de 14, que tiverem

obrado com discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos

disciplinares industriaes, pelo tempo que ao juiz parecer, comtanto

que o recolhimento não exceda à idade de 17 annos”.

Posteriormente, vários projetos visando a revisão do estatuto penal de

1890, destacando-se Galdino Siqueira, Sá Pereira e Vicente Piragibe e

Alcântara Machado. O projeto Galdino Siqueira, de 1913, em seu artigo 16,

propõe que os inimputáveis perigosos deveriam ser internados em manicômio

ou em hospitais de alienados, em seção distinta, à qual poderiam retornar, a

cargo da decisão do juiz criminal.

O projeto Virgílio Sá Pereira, de 1928, mencionava os “delinqüentes de

imputabilidade restrita” (art. 29, § 3º), e tornava o decreto do juiz de

internamento do acusado, que absolvido por falta de imputabilidade, ou por tê-la

diminuída, quando manifesta sua “temibilidade” uma obrigatoriedade (art. 171).

A Consolidação das Leis Penais, cujo autor é Vicente Piragibe, aprovada

e adotada pelo decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932, restabeleceu a

maioridade penal aos catorze anos de idade, estipulou regras para a internação

dos criminosos de doença mental e, ainda, fixou causas passíveis de

reconhecimento de inimputabilidade.

“Art. 27 – Não são criminosos:

§ 1º Os menores de 14 anos;

Page 22: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

22

§ 2º Os surdos-mudos de nascimento, que não tiverem recebido

educação nem instrução, salvo provando-se que obraram com

discernimento;

§ 3º Os que, por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil,

forem totalmente incapazes de imputação;

§ 4º O que se acharem em estado de completa perturbação de

sentidos e de inteligência no acto de commetter o crime.

Art.29 - Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de

affecção mental serão entregues as suas famílias, ou recolhidos a

hospitais de alienados, si o seu estado mental assim exigir para

segurança do publico.Enquanto não possuírem os Estados

manicômios criminaes, os alienados delinqüentes e os

condemnados alienados somente poderão permanecer em asylos

públicos, nos pavilhões que especialmente se lhe reservem”.

Francisco Campos convidou Alcântara Machado para a elaboração do

novo código; o anteprojeto foi apresentado em 1938 e foi entregue à comissão

revisora integrada por Nélson Hungria, Roberto Lyra, Narcélio de Queiroz e

Vieira Braga, com a colaboração de Costa e Silva. Reparos foram feitos no

projeto, e assim, Alcântara Machado foi obrigado a refazer seu trabalho,

terminando-o em abril de 1940. O novo código foi sancionado pelo decreto n.

2848, de 7 de setembro de 1940 e entrou em vigor em 1 de janeiro de 1942.

O Código Penal de 1940, na parte geral, título III, arts. 22 a 24 refere-se à

responsabilidade, tratando da irresponsabilidade penal plena no “caput” do art.

22, artigo 23 e 24 parágrafo 1º e da semi-responsabilidade penal no parágrafo

único do artigo 22 e 24, §2º. Trata, ainda, da responsabilidade penal plena no

artigo 24, I e II.

Este estatuto sofreu a influência da Escola Clássica e a responsabilidade

foi assentada na liberdade moral.

Page 23: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

23

O Código Penal de 1969 substitui em seu texto o título responsabilidade

para imputabilidade penal, abrangendo, nos artigos 31 a 34, as figuras

pertinentes:

“Art.31 “caput” - Não é imputável quem, no momento, da ação ou

da omissão, não possui a capacidade de entender o caráter ilícito

do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, em

virtude de doença mental ou de desenvolvimento mental

incompleto ou retardado.

Parágrafo único. Se a doença ou a deficiência mental não suprime,

mas diminui consideravelmente a capacidade de entendimento da

ilicitude do fato ou de autodeterminação, não fica excluída a

imputabilidade, mas a pena pode ser atenuada, sem prejuízo do

disposto no art. 94.

Art. 32 – Não é igualmente imputável o agente que, por

embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior,

era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de

entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo

com esse entendimento.

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se

o agente, por embriaguez proveniente de caso fortuito ou força

maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena

capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-

se de acordo com esse entendimento.

Art. 33 – O menor de dezoito anos é inimputável.

Art. 34 – Os menores de dezoito anos ficam sujeitos às medidas

educativas, curativas ou disciplinares determinadas em leis

especiais”.

Page 24: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

24

Temos, então, o Código resultado segundo o Decreto-Lei nº 1.004, de 21

de outubro de 1969; que foi posteriormente revogado pela Lei nº 6.578 de 11 de

outubro de 1978, nunca tendo entrado em vigor, portanto.

1.3. Os sistemas de determinação da imputabilidade

Para determinação da imputabilidade levam-se em conta três sistemas:

1º) biológico ou etiológico: adotado pelo Código Penal francês no artigo 64 e

pelo pátrio em 1830 e que não considera crime nem delito o ato cujo autor seja

debilitado mentalmente nativo, tal qual desenvolvimento incompleto ou retardo,

ou possua alguma enfermidade que o torne incapaz de responder por suas

ações ou, ainda, aquele que o cometer devido a uma força irresistível ou tomado

por embriaguez completa ou fortuita.

2º) psicológico: acolhido pelo Código dos Estados Unidos do Brasil em 1890 e

que torna irresponsável o autor que ao momento do ato não consiga interpretar

a ilicitude do mesmo (momento intelectual) e posicionar-se de acordo com essa

apreciação (momento volitivo). Ou seja, não há a necessidade de demonstração

da insanidade mental.

3º) biopsicológico: acolhido pelo legislador do Código Penal de 1940 e pela

Reforma de 1984 e que junta os dois sistemas anteriores como se encontra na

Exposição de Motivos do Código Penal, item 18. Em resumo a responsabilidade

por esse sistema só é excluída se o autor devido a uma enfermidade ou

retardamento mental, era, no momento da ação, incapaz de entendimento ético-

jurídico e autodeterminação.

O modelo psicológico deixou de ser adotado devido ao arbítrio judicial

exagerado ou à possibilidade de um extensivo reconhecimento da

Page 25: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

25

irresponsabilidade, em antinomia com o interesse da defesa social. O legislador

também não quis o método biológico por deixar os juízes na dependência dos

peritos médicos, além de não prever os possíveis momentos de bonança que

um enfermo, mental ou não, pode apresentar.

Francisco Campos revelou na Exposição de Motivos os critérios da

Comissão Revisora, que teve por base o projeto de Alcântara Machado, e

preferiu, então, o método biopsicológico que torna, em nosso Código,

inimputáveis todos aqueles que estiverem inteiramente incapazes de

entendimento ético-jurídico ou de auto-determinação voluntária, ao tempo da

ação ou da omissão, em virtude da imaturidade, de doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto, de embriaguez completa ou em caso

fortuito ou força maior.

1.4. A imputabilidade no direito comparado

1.4.1. Itália

Sancionado pelo Decreto n. 1398 de 19 de outubro de 1930 e posto em

execução em 1º de julho de 1931, o Código Penal italiano trata do momento

volitivo e intelectual no momento da prática do crime (arts. 42 e 85 a 89). Trata,

também, dos casos de doença mental e de embriaguez derivada de caso fortuito

ou força maior, que excluem a imputabilidade (art. 91); voluntária ou culposa,

que não exclui, nem diminui a imputabilidade, podendo agravar a pena se fora

preordenada (art. 92); habitual, que agrava a pena (art. 94); e intoxicação

crônica por álcool ou substância psicotrópica, que é abordada no art. 95 com o

mesmo tratamento das doenças mentais (arts. 88 e 89).

1.4.2. Argentina

Page 26: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

26

O Código Penal argentino, sancionado pelo Decreto n. 3992 em 21 de

dezembro de 1984, trata como inimputáveis aqueles que, no momento do fato,

são incapazes de compreender a criminalidade do ato ou de dirigir suas ações,

por insuficiência das faculdades mentais, alterações mórbidas das mesmas ou,

ainda, estado de inconsciência, erro ou ignorância do crime (art. 34).

1.4.3. Peru

Prevê em seu Código Penal, promulgado pelo Decreto n. 635 de 3 de

abril de 1991, que estão isentos de responsabilidade penal os portadores de

anomalias psíquicas ou aqueles que sofrem de graves alterações na

consciência ou na percepção, de modo que comprometa sua capacidade de

entender e querer (art. 20). São isentos também os menores de 18 anos, exceto

nos casos de crimes de terrorismo, caso em que a maioridade penal cai para 15

anos, de acordo com as modificações impostas pelo Decreto-lei n. 25564 de 17

de junho de 1992. O artigo seguinte trata da atenuação da pena para até o limite

inferior mínimo legal que o Juiz pode praticar se não ocorrer algum dos

requisitos necessários para que desaparecesse a responsabilidade penal por

completo.

Os toxicômanos e os indivíduos usuários de álcool imputáveis podem, por

medida de segurança, ser submetidos à internação, antes de cumprir a pena

imposta e por um período que não será computado como cumprimento dessa

pena, porém dependente do sucesso do tratamento o juiz pode reduzir a

sentença ou mesmo decretá-la extinta (arts. 71 e 77).

1.4.4. Chile

Page 27: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

27

O Código Penal, aprovado pelo Decreto n. 663 de 30 de julho de 1999,

declara que são isentos de responsabilidade penal os loucos ou dementes, a

não ser que tenham agido em um intervalo de lucidez; os menores de 16 anos;

os maiores que 16 e menores que 18 anos, a não ser que se comprove que

tenham agido com discernimento; e aqueles que agiram em defesa de sua

pessoa ou direitos, sob quaisquer das circunstâncias dispostas no § 4º (art. 10).

A embriaguez não é abordada no Código Penal peruano, pois existe uma

lei específica (Lei n. 17.105) publicada em 14 de abril de 1969, que sob a rubrica

“Sobre alcoholes, bebidas alcoholicas y vinagres” trata unicamente sobre essa

questão.

1.4.5. Cuba

No Título V do seu Código Penal, instituído pela Lei n. 62, aprovada pela

Assembléia Nacional do Poder Popular em sessão do dia 29 de dezembro de

1987, a questão é tratada sob a rubrica “Pessoas penalmente responsáveis” e

determina que a responsabilidade penal das pessoas físicas acima de 16 anos e

das pessoas jurídicas. Aqueles que têm entre 16 e 18 anos podem ter suas

penas diminuídas à metade com o propósito de reeducá-lo e treiná-lo em uma

profissão, assim como aqueles que têm entre 18 e 20 anos podem tê-las

reduzidas em até um terço.

O capítulo III trata das exceções à responsabilidade penal, sendo a seção

primeira, com o art. 20, dedicada à enfermidade mental.

1.4.6. Portugal

Page 28: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

28

Com Código Penal publicado pelo Decreto-lei n. 400 de 23 de setembro

de 1982 afirma no art. 20 que é inimputável aquele que possuir anomalia

psíquica que o torne incapaz de, no momento da prática do fato, avaliar a

ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação. A

inimputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido causada

pelo próprio agente com a intenção de cometer o fato.

Se o indivíduo, voluntariamente, se colocou em estado de transtorno

mental transitório pela ingestão de bebidas alcoólicas ou substâncias

psicotrópicas, não se aplica a disposição à respeito da inimputabilidade. Isso

também se aplica para outras situações em que poderia ter previsto as

conseqüências de suas ações.

Mais à frente, nos artigos 86 e 87, coloca-se que o usuário abusivo de

álcool será responsabilizado pelo ato ilícito com uma pena indeterminada,

sempre que o crime esteja relacionado com a embriaguez ou com a tendência

do agente. A pena imposta corresponde no mínimo à metade da pena de prisão

que caberia ao crime em questão e no máximo à pena acrescida de dois anos

na primeira condenação e de quatro anos nas restantes.

O princípio da execução da pena é eliminar o alcoolismo do agente ou

combater a sua tendência para abusar de bebidas alcoólicas.

1.4.7. Espanha

Prevê no artigo 20, aprovado pela Lei Orgânica n. 10 de 23 de novembro

de 1995, a isenção de responsabilidade penal para os casos de alterações

psíquicas, intoxicação plena por bebidas alcoólicas, drogas ou substâncias

psicotrópicas, alterações na percepção desde o nascimento e atuação na

defesa dos próprios direitos ou de outros. A exceção está nos casos em que o

agente procurava o estado de transtorno mental transitório com o objetivo de

praticar o delito ou, ainda, nos que deveria prever sua prática.

Page 29: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

29

É considerada circunstância atenuante o crime cometido sob uso

excessivo de álcool ou drogas (art. 21, §2º).

1.4.8. Alemanha

O Código Penal da Alemanha foi inspirado no prussiano, datado de 1851,

e prevê em seus arts. 20 e 21, no capítulo “Fundamentos da penalidade”, que

atuará sem culpabilidade aquele que no cometimento do crime, por razão de um

transtorno mental, de uma consciência alterada ou por razão de deficiência

mental ou de outras anomalias mentais graves, esteja incapacitado de perceber

a injustiça do crime ou de atuar com esta intenção. Se as capacidades do

indivíduo estiverem reduzidas no momento do praticado, sua pena poderá ser

atenuada, porém não poderá uma pena de privação perpétua de liberdade ser

substituída por penas inferiores a três anos; as penas privativas de liberdade

temporárias teriam atenuação máxima equivalente a três quartos do máximo

imposto e o limite inferior elevado de uma pena privativa de liberdade se

moderará no caso de um mínimo de dez ou cinco anos a dois anos, no caso de

um mínimo de três ou dois anos a seis meses, no caso de um mínimo de um

ano a três meses e nos demais casos ao mínimo legal (art. 49).

1.4.9. Direito Canônico

O Código Canônico atual, promulgado pelo papa João Paulo II, em 25 de

janeiro de 1983, dispõe no cânon 1321, Título III, que ninguém é punido, a não

ser que a violação externa da lei ou do preceito, por ele cometida, lhe seja

gravemente imputável por dolo ou culpa. Não será punido aquele que praticou o

ato por omissão da devida diligência, salvo determinação contrária da lei ou do

preceito. Assim como também não será aquele que ainda não completara

Page 30: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

30

dezesseis anos ou, ainda, aquele que ignorava estar violando uma lei ou

preceito; a inadvertência e o erro equiparam-se à ignorância (can. 1323). Pelo

mesmo cânon também são inimputáveis aqueles que agiram por violência física

ou por caso fortuito que não puderam prever ou remediar, aqueles que agiram

forçados por medo grave, necessidade ou grave incômodo (excluindo-se os atos

intrinsecamente maus). O Código anterior trazia a semi-imputabilidade aos

impúberes e a legítima defesa a cargo do juiz ou superior responsável pelo caso

analisar.

O cânon 1324 reúne as circunstâncias atenuantes da pena, tais como uso

parcial da razão e embriaguez (§§ 1º e 2º respectivamente), mas deixa livre ao

juiz observar outras condições que minimizem a pena (§ 2).

2. Culpabilidade e responsabilidade

2.1. Histórico da evolução dos conceitos 2.1.1. Os primórdios da civilização No direito dos povos antigos com relação ao castigo, bastava somente a

produção do fato danoso para a punição, ou seja, era o direito penal puramente

objetivo. Só importava a causalidade física; a concepção de crime não

ultrapassava a noção de dano, não se cogitava de qualquer outra ligação entre

o agente e o resultado danoso, importando apenas o resultado, bastava o

simples nexo causal entre a conduta e o resultado, o que viria a ser conhecido

por responsabilidade objetiva.

O homem primitivo tinha uma visão extremamente limitada do mundo.

Acreditava que seres sobrenaturais responsáveis pelos fenômenos por ele

inexplicáveis podiam premiá-lo ou castigá-lo por seu comportamento. A ira dos

Page 31: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

31

deuses era apaziguada com proibições religiosas, sociais e políticas que ficaram

conhecidas por "tabu"5. Se as proibições não fossem obedecidas, vinha o

castigo. Desse castigo ao infrator, participavam todos os elementos do grupo, a

fim de se eximirem da vingança sobrenatural.

Várias foram as fases de evolução da vingança penal, as quais não se

sucederam sistematicamente, com épocas de transição e adoção de princípios

diversos, normalmente envolvidos em sentido religioso, como era de se esperar

pelo exposto acima. Para facilitar a exposição, lançamos mão da divisão

estabelecida por Magalhães de Noronha6, que distingue as fases de vingança

em:

- privada: a prática de um crime era seguida de uma reação da vítima, que não

guardava proporções com ofensa, dando lugar a brigas de grupos e famílias,

que, normalmente, terminavam por se extinguir. Devido a essa dizimação, a

sociedade preocupou-se em evitar a vingança, sob uma forma análoga da Lei

do Talião, ou seja, pondo um peso na vingança, um peso proporcional ao da

ofensa. A Lei do Talião foi adotada no Código de Hamurabi (2067-2025 a.C.,

Babilônia), no Êxodo (Povo Hebraico) e na Lei das XII Tábuas (em torno de 450

a.C., Roma). Tempo decorrido aparece a fase da composição, que consistia na

oferta, pelo ofensor, de uma recompensa pelo dano causado. Com isso retirava-

se a possibilidade de recair o castigo físico sobre a pessoa do ofensor, ou ainda,

como podia ocorrer, de ser estendido aos membros de sua família. O agente

livrava-se do castigo com a compra de sua liberdade com pagamento em

moeda, gado, armas ou outro material estipulado entre as partes. Foi adotada

também pelo Código de Hamurabi, pelo Pentateuco e pelo Código de Manu

(aproximadamente entre 1300 e 800 a.C., Índia), foi a composição largamente

aceita pelo Direito Germânico, sendo a origem remota das formas modernas de

indenização do Direito do Direito Civil e da multa do Direito Penal.

- vingança divina: essa fase deve-se à influência divina da religião na vida dos 5 palavra de origem polinésia que não comporta tradução, significa ao mesmo tempo o sagrado e o proibido, o impuro, o terríbel. Cf. PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1983, p.119. 6 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal – Volume 1. 27ª edição, Saraiva, 2003, p. 20.

Page 32: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

32

povos antigos como exposto no início desse item. O Direito Penal era entendido

como uma repressão do crime para satisfação dos deuses pela ofensa praticada

no grupo social. A punição era rigorosa, já que o castigo deveria guardar

proporção com grandeza do Deus ofendido. Assim a alma do criminoso ficaria

purificada, podendo ser alcançada a Bem-Aventurança. Trata-se, aqui, do direito

penal religioso, teocrático e sacerdotal, representada por uma legislação típica

como a da Índia (Mânava, Dharma, Sastra), mas esses princípios foram

adotados, também, na Babilônia, na China (Livros das Cinco Penas), no Egito

(cinco livros), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel (Pentateuco). Nessas

culturas os rigores e intolerância a que são conduzidas as legislações de

espírito teocrático, junta a hierarquia de castas criam conclusões intoleráveis

para o nosso sentido de justiça igualitária. Também de inspiração religiosa

outras leis de velhos povos, como as da China Antiga.

- vingança pública: com a evolução social e dos costumes, visando à segurança

do soberano com a aplicação da pena, a pena foi se libertando de seu caráter

religioso e a responsabilidade foi se tornando individual, isto é, dirigida ao

agente. Este período apresentou enorme avanço em relação aos anteriores, já

que salientou o interesse coletivo ao individual, eliminando-se o caráter místico

da vingança divina. Embora se caracterize pela segurança dos soberanos

através da intimidação do povo pelas leis e punições severas, a aplicação das

sanções agia no interesse da sociedade.

No Antigo Oriente, o Direito, ainda, apresentava-se intimamente ligado à

religião. Havia sempre um núcleo sacral nas suas manifestações penais, pois se

a lei tinha origem na divindade, o crime que a transgride, há de tomar o caráter

da ofensa ao divino, que o agente deve expiar pelo castigo da pena. Como se

desejava o bem querer dos deuses de volta para determinado povo, ou mesmo

para o agente, um castigo severo era imposto ou uma forma muito mais

atenuada, as sanções rituais de purificação. O Código de Hammurábi distancia-

se bastante disso, baseando-se na idéia da vingança pública.

Page 33: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

33

2.1.2. Direito Penal dos Hebreus

O direito hebraico acompanhou as modificações do Talmud, processo no

qual ocorreu uma suavização da rigidez da Lei de Talião, como por exemplo, a

mudança da vingança primitiva para práticas dos últimos tempos7. Os crimes

poderiam ser classificados em duas espécies: delitos contra a divindade e

crimes contra o semelhante.

A lei mosaica foi substituída pela multa, prisão e gravames físicos. A pena

capital foi tirada de prática e substituída pela aplicação da prisão perpétua, sem

trabalhos forçados.

2.1.3. Direito Penal Grego

O Direito Grego, extremamente relevante à nossa filosofia jurídica

contemporânea, vem a nossa ciência através de sua literatura, de seus filósofos,

poetas e oradores da época em questão. Dos poemas Homéricos depreende-se

a informação da participação dos deuses na vida e na luta dos homens, sendo

todos submetidos ao destino, paixões e fraquezas humanas. Vale ressaltar que

os poetas não são fontes seguras da jurisprudência grega.

A pena que decorria do crime, tinha a idéia de expiação deixando claro o

vínculo com a religião e juntamente com o resquício da idéia da purificação,

verificada, por exemplo, na obra Eumênides de Ésquilo. Os gregos acreditavam

que o mal era companheiro do pecado e que o culpável levava em si a pureza, e

com a mancha do pecado, tornava-se responsável. Isso tinha para eles, um

caráter humano e sagrado, pois a insubordinação podia ser entre homens ou

contra Deus, caso no qual a intervenção divina dava lugar a vingança. A idéia de

justiça desenvolveu-se baseada na culpa: num primeiro estágio verifica-se a

7 Essas informações são verificadas nos livros da Bíblia e em particular no Êxodo, no Levítico e, sobretudo no Deuteronômio e, por fim, na elaboração jurídica final do Talmud.

Page 34: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

34

pura responsabilidade objetiva, essa decorrente do simples fato lesivo, não se

perquiria da culpa do autor da conduta, isto é, do elemento subjetivo do

comportamento.

Segundo o Direito Penal Grego, especialmente o ateniense, os delitos

poderiam ser cometidos contra os deuses, contra o Estado, ou contra os

particulares. Assim, as penas eram classificadas em:

- aflitivas: a pena de morte, cominada nos casos de homicídio com

premeditação, do sacrilégio, de traição; a pena de desterro, que às vezes era

substitutiva da pena capital; a escravidão penal e o cárcere, reservadas

geralmente para os indivíduos que não gozavam das prerrogativas de cidadão

grego; e a flagelação somente imposta aos escravos.

- infamantes: a privação de sepultura que podia seguir-se a uma sentença

póstuma; a proibição imposta às adúlteras, de ostentar adereços e de entrar nos

templos; a inscrição ultrajante a ser ostentada pelo condenado. Existiam ainda

as penas pecuniárias que consistiam na confiscação total ou parcial dos bens do

condenado, como forma de ressarcimento de danos e prejuízos causados pelo

delito.

A responsabilidade objetiva cede lugar, posteriormente, à idéia de

retribuição pela culpa. Com Sócrates iniciando o movimento no século IV a.C.,

os demais filósofos gregos trazem novos princípios, tais como fundamento do

direito de punir e da finalidade da pena, não discutidos por povos anteriores,

assim como Platão que alcança uma concepção de pena como instrumento de

defesa social, de prevenção do crime e não de repressão. Já Aristóteles fez

penetrar por fim, nas suas construções éticas (Ética Nicomáquea) e jurídicas, a

idéia do livre arbítrio, que não se sabe que ação possa ter tido nas práticas

gregas, mas que veio exercer considerável influência no Direito Penal do

Ocidente. Muitas de suas idéias foram defendidas posteriormente em Roma,

tendo-se tornado a nota principal do movimento renovador do Direito Penal8. É

8 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Vol. 1, p. 77, 78.

Page 35: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

35

comum ainda naqueles costumes a vingança, que era também uma prática dos

deuses, mas relativo a essa religiosidade vinculada, em Atenas inicia-se a

distinguir o que ofende um bem do Estado ou da religião, ou apenas um bem

particular, reservando-se para o primeiro o máximo rigor penal.

2.1.4. Direito Romano

2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano

Direito e Religião separam-se na capital italiana evoluindo-se das fases

de vingança, por meio do talião e da composição, bem como da vingança divina

na época da realeza. O Direito Romano era, assim, dividido em duas seções:

- o Direito Público, isto é, o conjunto de normas relativas aos organismos e

grupos de que se compõe a comunidade romana e às suas relações com os

deuses, com os outros Estados e com os membros pertencentes à própria

comunidade;

- e o Direito Privado que compreendia tudo quanto regulasse a situação jurídica

dos particulares e as relações de uns com outros.

Mas, a divisão entre crime público e crime privado era mais de natureza

processual, isto é, conforme a iniciativa do processo estivesse relacionado a

qualquer pessoa do povo ou somente ao ofendido ou à sua família. Depreende-

se dessa distinção, que o crime passou a ser considerado mais um atentado

contra a ordem pública e menos uma violação ao interesse privado.

Na Lei das Doze Tábuas estipulou-se o princípio da responsabilidade

individual, protegendo, assim, o grupo ou família do ofensor contra a vingança

da comunidade da vítima e aplicação da pena dos crimes ditos públicos dava-se

Page 36: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

36

pelo Poder Público, perdendo, assim, a conotação de vingança privada. Esses

delitos formavam-se em torno do perduenllio (traição) e do parricidium (morte do

pater). A lei definia explicitamente uma série de delitos públicos: crime

magistatis (crimes contra o rei), ambitus (corrupção do leitor), repetundae,

sacrilegium e peculatus (furto de dinheiro público), homicidium, crimen vis,

falsum, e outros que foram definidos durante a República. Esses crimes eram

julgados por um tribunal de jurados (quaestio perpetua).

Os delitos privados eram perseguidos pelos particulares em seu próprio

interesse, enquanto os públicos eram contra o próprio Estado e contra o homem

livre (desde que o Estado tivesse interesse na persecução). Posteriormente, o

Estado começa a perseguir todas as ofensas ao homem livre e aplica penas

públicas por meio do chamado procedimento extraordinário. Finalmente, a pena

torna-se via de regra, pública. As sanções são mitigadas, e é praticamente

abolida a pena de morte, substituída pelo exílio e pela deportação (interdictio

acquae et igni).

Contribuiu o Direito Romano decisivamente para a evolução do Direito

Penal com a criação de princípios penais sobre o erro, culpa, dolo (bonus e

malus), imputabilidade, coação irresistível, agravantes, atenuantes, legítima

defesa, entre outros.

O Direito Romano não reconhecia o princípio nullum crimen, nulla poena

sine lege9. Adversos a essa opinião são os pensadores Francis Bacon e

Pufendorf, que escreveram sobre o assunto e afirmam que o postulado poderia

ser atribuído ao Direito Romano, quando no Digesto estava expresso: “Poena

non irrogatur, nisi quae quaque lege vel que alio jure specialiter huic delicto

9 Princípio com origem histórica na Magna Charta Libertatum (séc. XIII), no Bill of Rights na América do Norte e na Déclaration des Droits de l´Homme et du Citoyen, da Revolução Francesa e com origem ideológica no pensamento do Iluminismo. Tal princípio nasceu para impedir o absolutismo, protegendo o homem, e dando-lhe um valor prioritário. Afinal, o indivíduo, é anterior ao Estado, não em termos de idéia cronológica, mas em termos axiológicos. O Estado existe, pelo homem, para o homem, encontrando nele seu objetivo. Daí porque, ele deve estar organizado para preservar e garantir os direitos do ser humano. Embora o marco histórico inicial seja controverso, é ponto passivo que Cesare Beccaria, na sua famosa obra “Dei Delitti e delle Pene”, tratou de forma clara e abundante, o assunto relacionado, o qual, posteriormente, seria conhecido como princípio da reserva legal. Escreveu Beccaria que “Solo las leyes pueden decretar las penas correspondientes a los delitos, y esta autoridad no puede resisdir sino en el legislador”. Daí por diante, o pensamento iluminista, valorizando sobremaneira o homem como ser pleno, modificou o Direito Penal passando este a ser um sistema de garantia dos direitos fundamentais do homem.

Page 37: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

37

imposita est”. Contestado por Luis Jiménez de Asúa, que corroborando a

opinião anterior, afirma que apesar da formulação em latim o postulado não tem

origem romana.

O poder penal do pater e do rei era arbitrário e os delitos podiam ser

punidos, ainda que a pena não estivesse cominada em lei anterior.

Em resumo o Direito Penal Romano foi caracterizado pelos seguintes

princípios e elementos:

- a afirmação do caráter público desse direito, não obstante a distinção entre

delitos privados e públicos;

- o amplo desenvolvimento alcançado pela doutrina de imputabilidade e da

culpabilidade, e das causas que excluem, especialmente o erro;

- determinação e diferenciação do elemento subjetivo, com influência sobre a

espécie da pena: ao fato doloso se seguia a poenitio; ao culposo se aplicava a

castigario, que tinha um fim de intimação e com tal sentido se aplicava aos

menores e às pessoas coletivas;

- a teoria da tentativa não alcançou pleno desenvolvimento;

- a ilicitude penal não estava sujeito ao princípio de reserva e à proibição de

analogia. Os crimina extraordinário não estavam sujeitos a uma pena cominada

pela lei; eram puníveis ad exemplum legis.

Vale ressaltar que, apesar de grandes juristas, os romanos não

sistematizaram doutrinariamente os conceitos fundamentais do direito de punir.

O Direito para eles era uma prática do justo, aplicada a fatos rotineiros do dia a

dia.

2.1.4.2. Dolo e culpa

Page 38: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

38

Quanto ao conceito de dolo, inicialmente, abrangia toda a esfera criminal,

não cabendo, por isso, ação nos crimes praticados por irresponsáveis, loucos,

impúberes e naqueles cometidos sem o propósito de violar o direito.

Corcullo é veemente na afirmação que faz de que no direito romano não

há crime sem dolo, sendo que o grau deste é que dá o grau de gravidade do

delito. Acredita que na apreciação do dolo, o mais importante para os romanos,

era a causa que lhe dava origem, ou seja, o motivo. A pena era graduada

conforme o motivo.

A culpa, nesse período, só era admitida como fator jurídico de

indenização civil. A ação culposa pertencia à ação privada, segundo a Lex

Aquilia, sendo certo que os delitos não intencionais eram considerados como

uma causalidade.

Numa fase posterior, a culpa criminal libertou-se por um lado da culpa

civil e por outro do "casus", como antítese do "dolus".

A ciência jurídica do tempo da República fez com que o conceito de

responsabilidade tivesse uma evolução, fazendo distinção do dano causado

intencionalmente e o derivado de desatenção ou descuido.

Houve também diferenciação entre o cuidado que todo homem tem que

ter com seu próximo, do cuidado que as pessoas devem ter nas relações

contratuais. A lei nessa época, passou a ser a base do direito penal e a partir

daí houve exigências da fixação dos elementos constitutivos de cada ato

delituoso.

Leis posteriores, com maior alcance, regularam que o fundamento ético

da vontade antijurídica poderia ocorrer como descuido às leis morais e às do

Estado (culpa) ou como ofensa intencional na observância das mesmas (dolo).

A ofensa à lei moral e à do Estado era realizada pelo "animus", que era

designada pela astúcia, dolus malus, com significado de censura. Essas ações

geralmente eram praticadas para enganar ou para a obtenção de um proveito

ilícito. O dolus bonus, era somente empregado para designar a astúcia para

enganar.

Page 39: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

39

Com essas contribuições, os romanos libertaram o direito do domínio da

religião. Assim a culpabilidade conseguiu superar a responsabilidade pelo

resultado e a mera culpa moral dos gregos, assumindo um sentido jurídico.

Destarte, os legados deixados pelos romanos foram decisivos para a

evolução do Direito Penal da Culpa.

Em Roma superou-se a concepção simplória da responsabilidade

decorrente do resultado danoso, revestindo-se a culpa moral desenvolvida pelos

gregos de caráter jurídico. Antes da República Romana, a palavra culpa era

empregada em sentido amplo, como sinônimo de culpabilidade (não se referia a

negligência ou a imprudência). Mais tarde o tempo passou a ser empregado

para designar tanto a culpa latu sensu quanto a falta de cuidado devido.

Cumpre destacar o significativo papel desempenhado pelo direito romano

ao identificar o dolo do agente como característica essencial do delito. A pena

(poenitio), na concepção dos romanos, só poderia decorrer de uma conduta

dolosa.

2.1.5. Direito Penal Germânico

Nos seus primórdios não era constituído por leis escritas, baseando-se no

costume. Era caracterizado pela vingança privada e pela perda da paz

(Friedlosigkeit), pela responsabilidade objetiva e ausência de distinção entre

culpa, dolo e caso fortuito. Eram práticas costumeiras as ordálias, também

conhecidas por juízo de Deus (tais como prova de ferro em brasa, água

fervente) e os duelos judiciários (através dos quais eram decididos os litígios,

pessoalmente ou através de lutadores profissionais, prática que expõe o

conceito dos povos germânicos de que o cada um deve fazer sustentar sua

autoridade e seus direitos pela força, sem esperar que tribunal algum ou

qualquer entidade jurídica que o valha tome alguma decisão a respeito). Muito

tempo depois sofreu a influência da Lei do Talião e do Direito Romano.

Page 40: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

40

2.1.6. Direito Canônico

O Direito Canônico foi elaborado pela Igreja Católica Apostólica Romana,

aplicando-se somente aos religiosos, mas ganha amplitude aplicando-se às

demais pessoas juntamente com a expansão do poder da Igreja.

Aqui se inicia a análise do elemento subjetivo do crime, da

responsabilidade do agente e do sistema de penas visando à regeneração ou

emenda do criminoso, sendo banidas as ordálias e a resolução pela força do

direito germânico, quando esse foi influenciado pelo canônico. As penas severas

foram mantidas, porém a pena de morte não fora tolerada, já que a intenção era

de se salvar a alma do criminoso, os réus eram, então, entregues ao poder civil.

Considerando o vínculo sacral existente, introduz-se o princípio de

igualdade, já que todas os homens são iguais perante o Criador.

2.1.7. Direito Medieval

O direito em vigor na Idade Média é decorrente da intersecção entre os

direitos romanos, canônico e outros locais. Portanto, era caracterizado por

penas cruéis visando a intimidação do agente. As sanções tomadas eram

diferentes pra cada indivíduo levando-se em conta a condição social e opinião

política do réu. Essa arbitrariedade causava desassossego e terror entre a

população.

Em 1532, Carlos V promulga um Código Imperial na Alemanha,

denominado de Carolina que não é um código estruturado metodicamente,

acolhendo a interpretação por analogia. Traz a crueldade dos códigos bárbaros

quanto às sanções, inclusive em modos de se infligir a pena de morte. Insere o

conceito de legítima defesa e afirma o caráter público da atividade punitiva.

Page 41: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

41

Relativo à contribuição do direito germânico, admite diversas formas de

culpabilidade, atenuando a objetividade do código em questão. Do direito

canônico, aproveita o vínculo sacral e introduz o processo inquisitorial.

2.1.8. Período Humanitário

No decorrer do Iluminismo, os pensadores colocaram-se contra a

arbitrariedade das sentenças e contra os monarcas absolutistas, que faziam uso

da primeira e da crueldade. Nesse período sobressai-se Cesare Bonesana,

Marquês de Beccaria, discípulo de Rousseau e Montesquieu.

Com base no contrato social de Rousseau, chamou a atenção sobre as

vantagens sociais que poderiam ser distribuídas na aplicação da justiça penal.

Seu conteúdo foi elogiado publicamente por Catarina, a Grande, que em 1767

ordena a elaboração de um novo código, Frederico, o Grande da Prússia e José

II da Áustria, além de ter sido citado por Voltaire, Thomas Jefferson e John

Adams. O seu sucesso é explicado pelo impacto prático que teria logo em

muitos países e encontra-se no fato de que os princípios de uma reforma penal

foram expressos pela primeira vez de uma maneira sistemática e concisa com

os argumentos os mais lógicos. Foi publicado em muitas línguas no mundo todo

e foi influente na criação e na reforma de sistemas penais através do globo. O

seu texto trazia discussões sobre crime e direitos humanos que era

expressamente discutido e pertinente nesse tempo, e foi escrito de uma maneira

que fosse objetivo e claro.

Propôs, baseado nos pensamentos de seus mestres, que as

controvérsias jurídicas deveriam ser resolvidas por meio de um órgão, o juiz,

que ouviria as partes interessadas, o chefe de Estado que afirma a violação do

contrato social e o acusado que a nega. Beccaria escreve a respeito que:

- as leis devem ser ajustadas por legisladores, que não podem julgar as

pessoas;

Page 42: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

42

- juizes em casos criminais não podem interpretar as leis; leis devem estar

claras e sem necessidade de nenhuma interpretação;

- o criminoso deve ter o direito para recusar alguns jurados;

- nenhuma acusação secreta pode ser feito pelo governo;

- os juizes devem buscar de forma imparcial a verdade e os juizes não devem

transformar-se parte da Tesouraria de modo que não olhe os criminosos como

forma de fazer o dinheiro.

Reafirma a importância de as leis serem claras e sabidas, porque uma

pessoa dotada de discernimento não pode fazer uma escolha racional para não

cometer um ato se não souberem que o ato é proibido. Afirmou, ainda, que

quando o número daqueles que podem compreender o Código Penal, a

freqüência dos crimes tenderá a diminuir, porque indubitavelmente a ignorância

e incerteza das punições adicionam muito ao momento volitivo e intelectual.

Em seu livro “Dei Delitti e delle Pene” (1764) aponta diversas

modificações a serem feitas nos códigos dos países de forma a atenuar as

penas, diminuir o poder das autoridades vigentes e proteger os direitos

humanos. Para retirar a arbitrariedade das decisões das autoridades

competentes estabelece a relação de proporção entre o delito e a pena.

Também se um indivíduo foi aprisionado antes do julgamento, os de crime

severo devem ter menos tempo no tribunal e mais na prisão, se condenados

culpados. Se alguém fosse aprisionado por crime não tão severo, dever-se-ia

gastar muito tempo no tribunal, mas menos tempo na prisão, se culpados.

Há três pontos principais em que a teoria de Beccaria se apóia. Segundo

suas idéias todos os indivíduos possuem livre arbítrio e racionalidade. Beccaria,

como todo o teórico clássico, acreditava que todos os indivíduos têm livre

arbítrio e, portanto, fazem escolhas baseados nas possibilidades. O segundo

ponto, maneira racional, significa que todo indivíduo olha racionalmente para

sua própria satisfação pessoal. Isto é chave do relacionamento entre leis e

Page 43: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

43

crimes. Enquanto os indivíduos procurarão de forma racional seu melhor

interesse, isto pode envolver atos ilícitos e a Lei, cujo objetivo é preservar o

contrato social; tentará, portanto, impedir e penalizar esses atos. O terceiro

ponto em que se apóia a teoria de Beccaria é o motriz humano; os motivos dos

homens ao longo dos anos e ao redor do globo fazem com que as ações dos

mesmos tornem-se previsíveis e controláveis. Em outras palavras, o trabalho do

sistema criminal da justiça deve ser controlar todos os atos ilícitos que um

indivíduo com poder do livre arbítrio e raciocínio lógico faz na perseguição do

prazer pessoal. Temos aí reunidos os momentos intelectual e volitivo e isto é

feito mais facilmente pelo fato de que as ações humanas são previsíveis e

controláveis. Com a punição ou a ameaça certa o sistema criminal da justiça

pode controlar o livre arbítrio do ser humano racional. O problema que o sistema

criminal da justiça tem, está, então, em encontrar a punição ou as ameaças

corretas e cabíveis em cada situação.

Beccaria expressa não somente a necessidade para o sistema criminal

da justiça, mas também o direito do Governo de ter leis e punições. Acredita no

contrato social, ou na idéia que os indivíduos com livre arbítrio e racionais fazem

uma escolha para viver em uma sociedade ao invés de viver isolado. Quando

um indivíduo escolhe viver em uma sociedade, a seguir escolhe desistir de

algumas liberdades pessoais na troca de segurança e conforto de uma

sociedade. As leis são projetadas como a estrutura da sociedade e as regras

para que os atos sejam incentivados ou proibidos. As leis são as condições de

uma sociedade dotada de momento volitivo e intelectual. Há uma necessidade

de haver algum sistema acertado a fim de se assegurar de que os indivíduos na

sociedade estejam protegidos de todos os indivíduos ou grupos que queiram

prejudicar as liberdades pessoais de outros na sociedade. Em sua obra,

Beccaria afirma: “mas meramente estabelecer este depósito não era suficiente;

teria que ser defendido contra a usurpação de indivíduos que tentam sempre

retirar não somente sua própria parte mas também para a dos outros”. Assim há

uma necessidade de se ter leis e um sistema criminal da justiça para assegurar

que todos os indivíduos na sociedade obedeçam ou sigam o contrato social.

Com a criação de leis criminais e de um sistema criminal de justiça, um

protocolo racional de punição deveria também ser criado. Beccaria era

Page 44: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

44

radicalmente contrário às punições cruéis e arbitrárias da época, mas sabia que

o governo tinha o direito e o dever de punir aqueles indivíduos que ameaçavam

a sociedade. O governo tinha somente o direito de infligir as punições que eram

necessárias para o crime, ele afirma: “para que uma punição alcance seu fim, o

mal que é infligido tem que exceder somente a vantagem oriunda do crime; deve

incluir certamente da punição e da perda do bom que o crime pôde ter

produzido. Tudo além deste é supérfluo”. Assim quando o governo poderia punir

não poderia ultrapassar o que era necessário para a segurança da sociedade.

Para determinar que quantidade de punição é necessária para que

preserve a segurança e o que é excessivo, os legisladores devem definir as

punições para cada crime. Então, membros da sociedade racionais com livre

arbítrio, cometerão atos se o prazer desse valer a pena. Para impedir indivíduos

de cometer atos proibidos, as punições devem ser ajustadas de tal forma a

contrabalancear o prazer que os indivíduos possam receber dos atos ilícitos.

Toda a punição brutal ou ligeiramente sobre a quantidade necessária para inibir

indivíduos de cometer atos proibidos seria considerada injusta.

2.1.9. Período clássico

Sob a denominação de período clássico encontram-se aqueles que

escreveram durante a primeira metade do século XIX influenciados pelas idéias

oriundas do período humanitário e, conseqüentemente, do Iluminismo.

Francesco Carrara, nome de destaque pertencente a essa época, em sua

obra Programa del Corso di Diritto Criminale (1859) aponta que o delito é um

ente jurídico constituído por por duas forças: a física (movimento corpóreo e o

dano do crime) e a moral (vontade livre e consciente do criminoso). Torna-se

então, o livre arbítrio pressuposto da afirmação da responsabilidade e da

aplicação das pena e o crime deixa de ser uma ação para ser uma infração.

Nas palavras de Carrara, define-se crime como “a infração da lei do

Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um

Page 45: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

45

ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e

politicamente danoso”.

Esmiuçando-se o postulado, temos que só é considerada infração, aquela

decorrente do princípio da legalidade, ou seja, somente o fato que infrige a lei. A

palavra promulgada é utilizada para que se excluam as “leis” morais e religiosas.

O delito torna-se um ente jurídico ao passo em que é um fato em que se viola a

tutela do Estado dos bens jurídicos, infringindo-se a lei, resultante do único ser

capaz de delinqüir: o Homem. Considerado um ato externo por não ser punível a

mera intenção ou cogitação criminosa e seu ato pode ser positivo quando se

refere a ação (fazer) ou negativo quando da omissão (não fazer o devido). A

vinculação da escola clássica com o livre-arbítrio, como fator de

responsabilização criminal, fez do crime e conseqüente aplicação da pena um

fator derivado da responsabilidade moral do homem, afimando José Salgado

Martins10 que

“conseqüentemente não poderia ser politicamente responsável por

um ato do qual não fosse antes responsável moralmente. A

imputabilidade moral é o precedente indispensável da

imputabilidade política”.

Ou seja, o criminoso seria moralmente imputável já que seu ato baseia-se

no livre arbítrio de que dispõe, desde que fosse são e o ilícito seria politicamente

danoso, pois há um vitimado que fora perturbado e a própria sociedade, que é

posta em estado de instabilidade, insegurança e deve tratar com as respectivas

repercussões sociais.

2.1.9.1. As Escolas Penais

10 MARTINS, José salgado. Direito Penal, Introdução e Parte Geral, São Paulo: Saraiva, 1974, p. 53;

Page 46: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

46

De acordo com a nomenclatura de Sodré de Aragão podemos sintetizar

em três escolas as concepções sobre a culpabilidade ao longo dos anos:

clássica, antropológica e crítica11.

2.1.9.1.1. A escola clássica

Edgard Magalhães Noronha12 separa a escola clássica em dois grandes

períodos. O primeiro, filosófico ou teórico, correspondente a Beccaria, no qual

surge o discernimento para a separação da justiça humana da divina,

combatendo o absolutismo e as crueldades contemporâneas, e o segundo,

jurídico ou prático, no qual houve a construção técnica, ressaltando Francesco

Carrara.

A Escola Clássica prevê uma pena a cada réu culpado, que por ter

praticado um crime de forma livre e consciente torna-se moralmente

responsável, e assim, também o é penalmente. René Ariel Dotti13 afirma que a

escola surgiu inicialmente como “Escola Jurídica Italiana” à luz das concepções

de Carrara e Beccaria. Portanto, desconsidera fatores antropológicos ou sociais,

e dogmatiza a liberdade volitiva, de tal forma que todos têm livre arbítrio em

suas escolhas, sendo assim puníveis pela sociedade com um castigo justo e

proporcionado por qualquer crime cometido. A responsabilidade penal somente

seria excluída ou diminuída caso esse livre arbítrio tivesse sido diminuído, já que

a primeira é fundamentada no segundo.

O método investigativo que deve ser utilizado para as cabíveis

averiguações deve ser o dedutivo ou lógico-abstrato, e não experimental, já que

se baseia nas ciências naturais. A pena, dentro ainda da concepção dos

pensadores citados, é vista como proteção aos bens jurídicos tutelados

11 ARAGÃO, Antônio Moniz Sodré, As Três Escolas Penais: Estudo Comparativo. 6ª edição: Rio de Janeiro, Editora Livraria Freitas Bastos S. A., 1955. 12 NORONHA, E. Magalhães de. Direito Penal, vol, 1, atualizado por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, , 37ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 30; 13 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal, Parte Geral, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 151;

Page 47: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

47

penalmente. A sanção tomada é proporcional ao dano causado, jamais podendo

ser arbitrária, como caráter de defesa social.

Em oposição a essa idéia de pena, em mesma época, colocam-se Luís

Jiménez de Asúa, Carlos Cristian Frederico Krause e Carlos David Augusto

Roeder (Escola Correlacionista) que acreditam que a pena não pode ser

determinada aprioristicamente, já que tem caráter de recuperação do agente e

deve, portanto, ter o tempo necessário para tal. Ainda na discussão relativa a

pena, Eugenio Cuello Calón14 aponta que a Escola Clássica não tinha

unanimidade sobre o caráter da pena, se retributivo (Carmignani15 – Teoria

Absoluta) ou preventivo (Rossi).

Roberto Lyra16 buscou sintetizar em poucas linhas o pensamento clássico

que governa a escola:

“é livre arbitrista, individualista e liberal. Considera o crime

fenômeno jurídico e a pena (castigo) meio de tutela jurídica. Adota

o chamado método lógico abstrato e defende a autonomia do

Direito Penal, valendo-se, como simples auxiliares, das então

denominadas ciências políticas e morais”.

2.1.9.1.2. A escola antropológica

Com a evolução do pensamento científico e os métodos de investigação

da natureza por volta do ano de 1850 houve a preocupação com o homem que

infringe a lei e a razão pela qual a infringe. Foi por uma busca científica de tais

questões que surge o positivismo, visto que a pena retributiva não se mostrava

14 Derecho Penal, tomo I, 10ª ed. Barcelona: Bosch, 1951, p. 46: “ La pena en si misma no puede concebirse sino como la retribución de un mal por el mal, realizada por un juez legítimo, con poderación y medida. El fin esencial del derecho penal es “el restablecimiento del ordem social perturbado por el delito”. 15 Considerado o lançador da pedra fundamental da Escola que escreveu a “Teoria das Leis de Segurança Social e Elementa Iris Criminalis” 16 LYRA, Roberto. Expressão mais simples do Direito Penal. Rio de Janeiro: José Kofino, 1953, p.28

Page 48: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

48

suficiente para o combate da criminalidade. Assim gera-se uma mudança no

objetivo da pena que passa de um caráter retributivo para um meio de defesa

social, diferentemente dos clássicos. O crime passa a ser encarado como

fenômeno natural e social, já que a responsabilidade é decorrente da

convivência social, como será explicitado em seqüência.

A Escola Antropológica tentou tornar o Direito Penal uma ciência quase

que exata, aproximando-se do positivismo científico supracitado, por isso

também denominada de Escola Positiva. Destarte, não existe o livre arbítrio, e,

portanto, não se pode admitir a pena como simples castigo. Não há castigo

possível para o inevitável e o criminoso não é livre de sua essência, ou seja, o

agente regridiu ao primitivismo, e assim como alguns nascem sábios ou

doentes, outros nascem delinqüentes. Esses apresentam características físicas

e morfológicas específicas, tais como: assimetria da caixa craniana, barba

escassa e face ampla e larga, com cabelos abundantes, entre outras. Seriam

ainda, resistentes ao traumatismo, canhotos ou ambidestros, moralmente

insensíveis, vaidosos, impulsivos e preguiçosos.

Essa corrente, inspirada nos estudos antropológicos de Lombroso17,

Ferri18 e Garófalo19, baseava-se nas características naturais do indivíduo para

justificar sua conduta ilícita. Portanto, de acordo com Lombroso, o crime é um

fenômeno biológico, perdendo a condição de ente jurídico de Carrara, e assim,

deve-se usar o método experimental para investigá-lo. Lombroso, sob o enfoque

do crime devido a uma condição de nascimento (criminoso nato) estudava os

cadáveres de criminosos procurando encontrar algum elemento que permitisse

distinguir o homem normal do louco.

Para Ferri, a responsabilidade vinha do simples fato de o homem viver

em sociedade, indo de encontro ao determinismo. Considera que além do

criminoso nato de Lombroso (aquele que nasce delinqüente), existem outras

17 Médico italiano e professor em Turim, publicou no fim da década de 70 do século XIX o livro L’uomo delinqüente studiato in rapporto, all’antropologia, alla medicina legale e alle discipline carcerarie. Juntamente com as teorias vigentes biológicas e evolucionistas (Lamarck e Darwin) analisou o crime como uma manisfestação da personalidade humana e produto de várias causas. 18 Criador da Sociologia Criminal ao publicar livro de mesmo nome e discípulo de Lombroso defendia o trinômio causal do delito: fatores antropológicos, sociais e físicos. 19 Rafael Garófalo introduz na Itália os termos referentes ao Positivismo em sua obra Crimlnologia.

Page 49: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

49

quatro categorias: o louco (portador de doença mental), o habitual (produto do

meio social), o ocasional (agente versátil na prática do crime e sem firmeza de

caráter) e o passional (homem honesto com temperamento instável e agressivo

e muito sensível). Dividiu, também, as paixões em sociais (amor, piedade, entre

outras), que devem ser amparadas e incentivadas e as anti-sociais (ódio, inveja,

entre outras) que devem ser prontamente inibidas.

Assim, a resposta penal possui um sentido de defesa social aplicável

àqueles que poderiam perpetuar o mal, ou na idéia de Ferri, o crime ou delito é

a expressão genuína da personalidade do autor e esse é sempre um anormal,

que terá resposta penal graduada de acordo com sua classificação

antropológica segundo o critério de periculosidade criminal e visando à defesa

social. A Escola Positiva passa, então, a adotar em relação à pena a Teoria

Relativa, conhecida também como utilitária ou utilitarista20, na qual a pena

abandona o seu caráter retributivo e passa a funcionar como instrumento da

defesa societária e recuperação dos infratores. O caráter preventivo surge com

força, exercido através da coação psíquica, intimidação e materializada na

coação física pela segregação. A história registra que o precursor desta idéia foi

Platão, que afirmava que se pune não porque se pecou, mas para que não se

volte a pecar21 (punitur ut ne peccatur). Todavia no século XVIII, Filangieri iniciou

da teorização da prevenção geral pela intimidação, o objetivo da pena, então,

seria o de afastar os homens dos delitos pelo temor ao mal da pena. Dessa

forma, a pena passou a ter um fim prático, a prevenção geral, desestimulando

todos e intimidando com coação psicológica; tese desenvolvida por Feuerbach.

Nessa escola temos a substituição do binômio pena/castigo pelo

pena/recuperação. Aqui, é interessante salientar que o Código Penal Português

(art. 20, n. 3 – mantido pela revisão de 1995) considera eticamente indefensável

dispensar tratamento penal idêntico ao mentalmente sadio e ao psiquicamente

incapaz e prevê que a simples comprovação de incapacidade do agente para

ser influenciado pelas penas criminais comuns constitui índice para o juízo de

inimputabilidade. De fato, de acordo com o pensamento da Escola, não seria útil

impor uma pena quando a manifestação mental patológica impede que o agente 20 Tal teoria teve como maior teorizador Jeremy Bentham com seu Princípio da Utilidade. 21 BRUNO, Anibal. Das Penas. São Paulo: Rio, 1976, p. 15;

Page 50: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

50

aprenda com a conseqüência de seus erros. Deve-se levar em consideração

que existe, também, a “loucura moral”, que deixa a inteligência intacta, mas

afeta o senso moral.

Na Itália, considera-se que o iniciador do Positivismo foi Rafael Garófalo

ao dividir no homem dois sentimentos básicos: a piedade e a justiça, e ao

considerar que o delito é sempre uma lesão desses sentimentos. Ressalta,

ainda, o termo temibilità, o qual usa para descrever a perversidade constante e

ativa do delinqüente e a quantidade do mal que se deve temer por parte do

mesmo.

Finalmente, Liszt defende o sistema clássico, chamado assim na América

Latina, mas conhecido na nomenclatura de Sodré de Aragão por Escola Crítica.

Traz nesse conceito, o pensamento de Ferri da anormalidade social, porém com

o predomínio das razões sociais sobre as biológicas, contudo, sem negá-las.

Entretanto, nega a idéia de livre arbítrio da Escola Clássica, deixando uma

responsabilidade moral presente em todo indivíduo com desenvolvimento

psicológico e mental completos e sãos. Em suma, cada delito é decorrente de

duas categorias de condições: a natureza individual do autor e as condições

exteriores que o cercam (físicas, sociais e econômicas), sendo responsável,

aquele que tem a habilidade de compreender a conduta que corresponde às

exigências da vida coletiva dos homens dentro do Estado.

Vale ressaltar que até hoje a ciência procura explicar cientificamente o

crime; hoje através da genética, com a qual se buscam características

biológicas, por vezes separadas do contexto social, para explicar a ocorrência

de crimes, mas não nos moldes da descrição do criminoso nato feito por

Lombroso22, porém adotando o caráter determinista.

2.1.9.1.3. Escola Crítica

22 Lombroso descreveu o criminoso nato como um indivíduo de baixa estatura, de crânio pequeno, ranquicéfalo, de testa estreita, arcadas superciliares proeminentes, lábios finos e queixada volumosa, assinalava ainda as seguintes características taras degenerativas fisiológicas, tais como o daltonismo, mancinismo, a insensibilidade à dor, a precocidade sexual, e como características psicológicas, a vaidade, as ações impulsivas, o egocentrismo, as tendências alcoólicas, a negligência, as superstições, o uso de gíria, a mprevidência, a instabilidade e a indolência.

Page 51: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

51

A Escola Crítica, também conhecida por Terceira Escola, procura acoplar

o tecnicismo jurídico da Escola Positiva com os princípios da Escola Clássica. É

iniciada com o chamado positivismo crítico, dada a publicação, na Itália, de um

artigo de Manuel Carnevale, denominado “Una Terza Scuola di Diritto Penale in

Itália”, em 189123. Destacam-se nesta fase: a obra de Bernardino Alimena

(“Naturalismo crítico e diritto penale”) e Impalomeni (“Instituizioni di diritto

penale”).

Os adeptos desse pensamento excluíam o fator antropológico e faziam

menção à causalidade do crime e não à sua fatalidade e pregavam a reforma

social como dever do Estado no combate ao crime. Embora acolham o princípio

da responsabilidade moral, não aceitam que a responsabilidade moral tenha

base no livre arbítrio, substituindo-o pelo determinismo psicológico. Para

Impalomeni, a imputabilidade resulta da intimidabilidade; já para Alimena,

resulta da dirigibilidade dos atos do homem, e a sociedade não tem o direito de

punir, mas somente o de se defender nos limites do justo.

G. Maggiori24, resume os pontos de vista como sendo:

“1) respeito à personalidade do Direito penal que os positivistas

absorviam na sociologia criminal;

2) causalidade e não fatalidade do crime e, portanto, exclusão do tipo

criminal antropológico;

3) reforma social como dever do Estado na luta contra o crime”.

Surgiram, depois, posições críticas, ecléticas e, finalmente, unitárias. São

dignas de menção: as Escolas Técnico-Jurídica, chamadas por Ugo Spirito de

Concepção Técnico-Jurídica (Rocco, Manzini, Massari, Battaglini, Paoli, Saltelli, 23 FERRI, Enrico. Princípios de Direito Criminal, com prefácio de Beleza dos Santos, trad. Paolo Capitanio, 2ªed., Campinas: Bookseller, 1999, p. 78; 24 MAGGIORI, Giuseppe. Derecho Penal, volume I apud MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, volume I, p. 85;

Page 52: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

52

di Falco, Finzi); a Escola do Idealismo Atualístico (Groce, Gentile, Costa, Spirito,

Maggiore); e a Escola Penal Humanista (Lanza, Falchi, Montalbano,

Pappalargo). Visa-se a reatar os vínculos do Direito Penal com a Filosofia e a

Moral. O campo da penalidade deve ser idêntico ao da moralidade (Lanza). O

movimento unitário mais significativo foi o da União Internacional do Direito

Penal, criada em 1888 que perdurou até a primeira guerra mundial (Von Liszt,

Von Hamel e Prins).

2.2. A responsabilidade no Brasil

A responsabilidade penal nas Ordenações do Reino de Portugal, as quais

vigoravam no Brasil, tinham como elo o direito e a religião, a pena era dada ao

infrator punindo-se o autor do fato pelo pecado que cometeu. Apesar das penas

cruéis e dessa responsabilidade objetiva mostrada, percebe-se um grande

avanço no Direito Penal, pois se verifica o surgimento do princípio da

proporcionalidade das penas, em que a pena era proporcional ao pecado

cometido. Mas tratemos, previamente, a diferenciação entre os termos

responsabilidade, imputabilidade e culpabilidade e suas relações intrínsecas.

Durante muito tempo houve a discussão no Brasil se o termo

“inimputável” era equivalente ao termo “responsabilidade”, já que o Código

Penal de 1940, na sua redação original, sob a rubrica “Da Responsabilidade”

traz os artigos pertinentes à inimputabilidade (arts. 22 a 24).

Para Nélson Hungria, a inimputabilidade dizia respeito à possibilidade de

não se responsabilizar alguém pelo crime que praticara, submetendo-o a uma

medida de segurança e considerava inútil a tentativa de diferenciá-la da

responsabilidade, além de corroborar com a diretriz do legislador.

Embora no texto da “Exposição de Motivos” do Código Penal de 1940 os

termos tenham sido deixados pelo legislador como sinônimos, há uma pequena

diferença. Ambos significam a presença de mínimas condições de saúde mental

para que alguém seja chamado a responder por algum ato praticado.

Page 53: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

53

Porém, a responsabilidade relaciona o agente ativo do delito e as

conseqüências jurídicas do cometimento do fato típico, em outras palavras, o

aspecto concreto da imputabilidade. Enquanto que essa é um dos elementos da

culpabilidade, ou seja, a capacidade psíquica abstrata de alguém ser

responsabilizado por delito cometido. José Frederico Marques compartilha da

opinião que a imputabilidade é elemento da culpabilidade, sendo um dos dados

que deve compor o caráter reprovável do fato típico e antijurídico25. Para ele o

fundamento da imputabilidade é a vontade livre do homem não se

compreendendo reprovação no juízo da culpabilidade sem livre arbítrio. Já para

Heleno Cláudio Fragoso, a imputabilidade é a capacidade de culpa,

constituindo-se a rigor pressuposto e não elemento de culpabilidade26.

Em outras palavras, a imputabilidade pode ser conceituada como a

aptidão do indivíduo para praticar determinados atos com discernimento. É,

portanto uma condição psicológica equivalente à capacidade do direito penal.

Dessa condição psicológica pode resultar ou não a responsabilidade. Resultará

se não ocorrer uma das variadas causas que afastam a imputação, tais como as

causas excludentes de antijuricidade. É possível que alguém seja imputável e

não responder perante a lei, por ser jurídico o seu procedimento. Segundo este

critério diferencial, responsabilidade não pode ser considerada como sinônimo

de imputabilidade. Esta representa um pressuposto daquela, tal qual acontece

com a ilicitude do comportamento, a qual também constitui pressuposto da

responsabilidade, ou seja, uma condição para que o agente responda pelo seu

ato e sofra as correspondentes conseqüências penais.

Eugênio Florian estabelece parâmetros para se distinguir imputabilidade

de imputação e de responsabilidade, embora reconheça a ligação que existe

entre as três idéias27. A imputabilidade deve ser considerada como o conjunto

de condições psíquicas mínimas necessárias que permitem a abstrata

possibilidade de se atribuir um crime a um homem, com o objetivo de se lhe

aplicar uma pena.

25 Fragoso, Heleno Cláudio, Lições de Direito Penal. 16ª edição: Rio de Janeiro, Editora Forense, 2003, p. 241. 26 Brandão, Cláudio. Teoria Jurídica do Crime, Rio de Janeiro, Forense 2001, pág. 163. 27 Florian, Eugenio, Trattato di Diritto Penale, 4ª edição., volume I, §§ 217 e segs.

Page 54: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

54

Carrara também propunha essa sutil diferença: imputabilidade é

contemplação de uma idéia, enquanto a imputação é um fato concreto28.

Segundo Galdino Siqueira, esse fato concreto equivale à atribuição de

um fato, uma ação a alguém ou afirmar que alguém é sua causa, tomada em

sentido estrito. Quando a imputabilidade penal, conceito indeterminado e

abstrato, se concretiza, em relação a determinada pessoa, ou seja, quando se

afirma que os pressupostos da imputabilidade se unificam a cargo de um

determinado indivíduo, autor ou partícipe de um crime, tem-se a imputação. A

imputação consiste na atribuição hipotética de um crime a uma determinada

pessoa, como feito seu. Verifica-se, pois, certa impropriedade em falar que uma

pessoa seja imputável, ou inimputável, já que esses adjetivos designam

qualidade da ação do indivíduo. Determinado ato imputa-se, isto é, atribui-se a

certa pessoa. Esta não é imputável: o seu ato é que lhe pode ser imputado.

Em outras palavras, a imputabilidade está na lei; a imputação se

concretiza no exercício da ação penal. Da correspondência entre a imputação e

a verdade surgirá o conceito de responsabilidade, situação subjetiva do

indivíduo, que se tem após averiguação dos requisitos da imputabilidade em

concreto, sem que se intervenham motivos de exclusão da mesma ou de não

punibilidade.

Ortolan procura dar as noções de imputabilidade e responsabilidade

figurando que há, para cada um de nós, no campo da moral, como no do Direito,

uma conta aberta, onde são lançados os fatos de que devemos sofrer as justas

conseqüências. Imputar um fato a alguém é levá-lo à sua conta, é afirmar que

ele é a causa eficiente e esclarecida sobre a justiça ou injustiça desse fato29.

Assim, os termos imputabilidade e responsabilidade são de uso comum

do Direito e da Moral, mas, como nota Pedro Lessa, não precisamos estudá-los

a não ser do ponto de vista jurídico, pois são mais próprios deste campo do

saber e mais freqüentemente empregados por juristas do que por moralistas30.

Portanto, processualmente, a responsabilidade penal se traduz na declaração

de que o indivíduo é em concreto imputável e efetivamente sujeito a sofrer as

28 Carrara, Francesco, Programma, § 2, 7ª edição, 1890. 29 Ortolan, J., Elementos de Direito Penal – volume 1º, §§220 e seguintes. Paris: 1875. 30 Lessa, Pedro, Estudos de Philosophia do Direito. 2ª edição, p. 213.

Page 55: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

55

conseqüências jurídico-penais de um crime, como autor ou partícipe, declaração

essa pronunciada pelos órgãos jurisdicionais competentes.

Pois então, conclui que a imputabilidade é pressuposto necessário, da

responsabilidade, mas, nem sempre suficiente, pois apesar de reconhecida a

existência da primeira, poderá não ocorrer a segunda, como por exemplo, na

legítima defesa e no estado de necessidade.

Basileu Garcia adverte que a imputabilidade é um pressuposto da

responsabilidade, que corresponde a um conjunto de condições para que o

agente responda pelo seu ato e sofra as conseqüências penais31.

Costa e Silva corrobora ao conformar que responsabilidade penal

pressupõe, como condição fundamental, a imputabilidade do agente, sendo

aquela a afirmação de que o autor de um crime deve responder, perante o poder

social, pelo seu procedimento e esta, de acordo com Frank e Meyer-Allfeld, a

capacidade para a culpa, tendo como requisitos: certo grau de desenvolvimento

mental do agente e que este possua liberdade de vontade32.

O legislador de 1984, ao reformar o a Parte Geral do Código Penal,

deixou de se referir à responsabilidade. Agora, os artigos pertinentes (arts. 26 a

28) são introduzidos pela rubrica “Da Imputabilidade Penal”.

Garraud vai além desses conceitos, salientando que a culpabilidade e a

responsabilidade são conseqüências imediatas e diretas da imputabilidade*.

Esclarece que o homem será responsável penalmente pelos resultados do que

tiver sido a causa, quando esses resultados lhe possam ser imputados. A

imputabilidade é a primeira condição da responsabilidade. Para que a justiça

possa por uma ação ou inação à conta do agente e fazer com que ele sofra as

conseqüências, é necessário que o mesmo tenha agido com culpa, que seja

culpado. Assim, as idéias de imputabilidade, de responsabilidade e de

culpabilidade estão ligadas e se completam, mas, devem ser separadas, para

que se preservem os respectivos conceitos.

Para Cuello Calón, o agente antes de ser culpado deve ser imputável e

responsável33. Assim, pois, imputabilidade e responsabilidade são pressupostos

31 Garcia, Basileu, Instituições de Direito Penal – volume I, tomo I, p. 234. 32 Costa e Silva, Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, São Paulo, 1930, pág. 132. 33 Callon,Eugenio Cuello. Derecho Penal, tomo I, parte general, 6ª edição, Barcelona 1943.

Page 56: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

56

da culpabilidade. Sendo a imputabilidade o mais importante elemento da

culpabilidade, referindo-se a um conjunto de condições psíquicas existentes no

momento da execução do fato, e que o capacite a responder pelo mesmo diante

do Poder Público. É responsável o imputável que por causa da execução de um

feito punível responder por ele, assim como a responsabilidade é o dever

jurídico que incumbe ao indivíduo imputável de dar conta do fato realizado34.

3. A concepção psicológica da culpabilidade e o conceito da imputabilidade

Embora tenhamos analisado três Escolas diferentes, é de senso comum

que a noção de culpabilidade baseie-se na relação psicológica entre o autor e

fato praticado, seja através da existência do livre arbítrio, ou seja,

fundamentando-se numa análise antropológica e biológica do delinqüente, ou

ainda sem negar essas influências, abolindo o conceito de livre arbítrio e

introduzindo uma responsabilidade moral no indivíduo psicologicamente

desenvolvido e mentalmente são.

A teoria psicológica da culpabilidade foi predominante durante o século

XIX, no qual o pensamento científico ocidental sofreu grande influência do

naturalismo e positivismo, como é apontada por Cezar Roberto Bitencourt35

quando relaciona a teoria psicológica da culpabilidade com o naturalismo-

causalista. Nesse momento histórico o Direito era visto como uma ciência da

Natureza e, portanto, de acordo com tal metodologia, deveria subsistir no dolo

somente o seu elemento naturalístico, que é a vontade. Do conceito de dolo

34 Pero el agente antes de ser culpable debe ser imputable y responsable. Así, pues, imputabilitad y responsabilidad son supuestos prévios de la culpabilidad. La imputabilitad es el más importante elemento de la culpabilidad. Se refiere a um determinado estado espiritual Del agente, a um conjunto de condiciones psíquicas existentes em el momento de la ejecutión Del hecho, que la capacitan para responder de el ante el poder social.Es responsable el imputable que a causa de la ejecución de um hecho punibledebe responder de el, así que la responsabilidad es el deber jurídico que incumbe al individuo imputable de dar cuenta del hecho realizado. 35 Bitencourt, Cezar Roberto, Manual de Direito Penal: Parte Geral, volume 1, 7ª edição: São Paulo, Saraiva, 2002, p. 285.

Page 57: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

57

temos afastada a consciência da antijuridicidade, considerada elemento

normativo. O dolo passa a ser constituído por um elemento intelectivo

(consciência) e outro volitivo (vontade). Ou nas palavras de Franz Von Liszt36,

concebedor do sistema clássico: “o dolo, pois, deve definir-se, em primeiro lugar,

como a representação do resultado, que acompanha a manifestação de

vontade”, não sendo necessária a consciência de antijuridicidade. Ainda,

diferencia a responsabilidade, chamada por ele de culpabilidade em sentido

amplo, e culpabilidade, denominada por ele de culpabilidade em sentido estrito;

sendo a primeira referente a qualquer ato ilícito, civil ou penal, realizado.

Enquanto que a culpabilidade em sentido estrito traduz a relação subjetiva entre

o ato e o autor, partindo do fato concreto e levando em consideração a psique

do autor.

Em outras palavras, somente seria culpável aquele que fosse, a priori,

imputável (capacidade do indivíduo compreender seus atos e resultados dos

mesmos) e tivesse a intencionalidade na sua prática (momento volitivo) ou se

houvesse negligência, imperícia ou imprudência por parte do autor.

Em contrapartida, Carrara discordava desse conceito ao afirmar que o

dolo consistia em uma vontade de se praticar um ato do qual se tem consciência

de sua ilicitude. Essa percepção era deixada de lado, também, ao passo em que

se percebia a implicação de uma longa investigação para averiguar a ignorância

legal do autor do crime, que acabaria invalidando os preceitos penais.

Abandona-se, assim, o conceito de dolo elaborado pelos romanos.

4. A teoria psicológica-normativa da culpabilidade e o conceito da imputabilidade

A teoria psicológico-normativa da culpabilidade foi elaborada por Frank,

em 1907, e aperfeiçoada por Mezger e Goldsmith. Ao contrário da teoria

36 Liszt, Franz von, Tratado de Derecho Penal, tomo II – traducido de la 2ª edición alemana por Luis Jiménez de Asúa y adicionado com el Derecho Penal Español por Quintiliano Saldaña. Madrid: Editorial Réus S. A., 1927, p. 376.

Page 58: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

58

anterior, a culpabilidade não é mais considerada um vínculo psíquico entre o

sujeito e o fato, mas como um juízo de reprovação sobre o agente, por não ter

seguido as normas do Direito. Ainda há a perspectiva psicológica, só que,

agora, normatizada pelo Direito.

Temos, novamente, o dolo conceituado pelos romanos, como elemento

da culpabilidade, ao lado da culpa. Em outras palavras: o dolo seria a vontade e

previsibilidade aliadas ao elemento normativo consciência da antijuridicidade.

5. A teoria finalista ou normativa pura da culpabilidade e o conceito da imputabilidade

Nessa teoria, Hans Welzel reestruturou os elementos da teoria do delito

de tal forma que o dolo encontra-se na ação e não na culpabilidade. Assim, o

dolo é separado de seu elemento normativo, a consciência da antijuridicidade,

voltando a ser puramente naturalístico. Concomitantemente, a culpabilidade

passa a ser um conceito puramente normativo, totalmente despido de todo

elemento psicológico, constituído por:

a) exigibilidade de uma conduta conforme a lei: para que haja a culpabilidade

deve-se haver a certeza de que o autor, além do dever, tivesse o poder de

comportar-se de acordo com a lei.

b) imputabilidade do autor: conjunto de qualidades pessoais que possibilitam a

censura pessoal, ou seja, torna-se imputável o sujeito capaz de alcançar a exata

representação de sua conduta e agir com plena liberdade de entendimento e

vontade. Vale ressaltar, mais uma vez, que o Código Penal não define o que é

imputabilidade, e sim, remete-se aos casos de inimputabilidade.

c) possibilidade de reconhecer a ilicitude do ocorrido, pois esse conhecimento

de antijuridicidade é que possibilita o juízo de reprovação da culpabilidade;

Page 59: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

59

CAPÍTULO II – A ACTIO LIBERA IN CAUSA

1. Histórico

1.1 Antecedentes históricos da Actio Libera in Causa

Mesmo existindo uma grande gama de opiniões, há acordo em alguns

pontos concretos, como por exemplo, no de se considerar o problema da

embriaguez antecedente da doutrina da actio libera in causa. Embora a maioria

de penalistas atuais situe o início desta discussão na Idade Média, existe um

precedente mais antigo, desde a antiguidade foram muitos os filósofos que se

posicionavam na discussão de como deviam ser tratados os ébrios que

cometiam um delito. Não obstante, Aristóteles, acolhendo a Lei de Pitaco, faz

responder o ébrio por ambos os atos: pelo delito cometido em estado de

embriaguez e pela embriaguez em si37. Segundo o filósofo, punia-se um

indivíduo até por sua ignorância, já que esta está presente no homem e ele é o

autor da ação e, assim, a embriaguez é causa da ignorância do agente e estava

a seu alcance não ficar embriagado38.

Existem evidências que no Direito Romano a embriaguez era tratada

como motivo de diminuição de pena, eram os chamados delitos de ímpeto,

embora não existam registros que ofereçam elementos suficientes que

corroborem essa hipótese39.

O Direito Canônico considerava a embriaguez por si só um ato

reprovável, embora não admita a imputabilidade se o indivíduo não possuía

vontade livre e discernimento para compreender a ilicitude. Então, o agente é 37 JUBERT, Ujala Joshi. La doctrina de la “actio libera in causa” en derecho penal (ausência de acción o inimputabilidad provocadas por el sujeto). J. M. Bosch Editor, S. A.,1992, p.34. 38 ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco (trad. Mário da Gama Kury), 2ª edição. Brasília: UNB, 1992, p. 57. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.34. 39 BINDING, Karl. Compendio di diritto penale – parte generale (trad. Adelmo Borettinni, Roma: Athenaeum, 1927). Apud QUEIRÓS, Narcélio de. Teoria da actio libera in causa e outras teses. 2ªedição. Rio d eJaneiro: Forense, 1963. p. 20-21.

Page 60: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

60

inimputável em relação à prática do crime e isentos de culpa os delitos por ele

praticados nesse estado, porém recebe punição correspondente ao estado ébrio

voluntário40.

De forma contrária a essas idéias, temos Bartolo e Baldo que se

posicionam ao reconhecer que a responsabilidade do indivíduo determina-se

pela ação anterior ao crime ao invés do crime em si. Mesmo com relação à

embriaguez voluntária, na qual o indivíduo pudesse prever a conseqüência, a

punição seria imprescindível.

Santo Agostinho mostrou-se partidário de castigar tão somente o fato de

embriagar-se, posto que entendia que era o único fato voluntário pelo qual

poderia, então, ser responsabilizado, e causa de sua posterior conduta41.

A Doutrina de Santo Agostinho, como supracitado, foi acolhida pelos

teólogos da Idade Média42. Estes centraram sua discussão em dois

pressupostos. Em primeiro lugar, analisaram o caso dos pais que se metem na

cama com seus filhos pequenos e, devido ao sono agitado daqueles, do qual

tinham conhecimento, as crianças morriam sufocados43.

Analisaram o caso supracitado autores como Abelardo, Graciano,

Tancredo, Ludovico, Carerio, Farinaccio44, e também aparece nas decretales

(cartas que contém decisões pontifícias) de Alejandro II e de Clemente III. A

opinião da época era que o dormente se comportava sem culpa, e logo partindo

de distintas argumentações, se impunha uma multa ao comportamento dos

pais45. Em segundo lugar, o outro grupo de casos estudados foram as situações

de embriaguez46.

O ponto de partida das discussões medievais foi o caso de Lot, colhido na

Bíblia. Como é sabido, Lot, enquanto embriagado, teve relação sexual com suas

filhas, não estando atento para esse fato. A questão era decidir se, neste caso e

40 QUEIRÓS, Narcélio de. Teoria da actio libera in causa e outras teses. 2ªedição. Rio de Janeiro: Forense, 1963. p. 21. 41 Así; Diaz Palos, Teoria General , p.186. 42 Díaz Palos,Teoría General, p. 186 e ss. 43 Krause, Mayer-FS, p. 306 not. 7. 44 Manzini, DP, p.763, disse que Farinaccio cita o caso do sonâmbulo inglês que dormindo na igreja de Sâo Benedito de Paris; levantou-se, saiu, matou um homem e voltou a entrar no templo, estando todo o momento (tempo dormido). 45 Krause, Jura 1980,p.170. 46 Díaz Paloz, Teoria Generale, p.186 e ss.

Page 61: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

61

outros similares, o sujeito devia responder pelo fato cometido em estado de

embriaguez ou por ter se embriagado. Os padres Ambrósio, Santo Agostinho e

São Tomás, recriminam a embriaguez em si e não o fato cometido em estado de

embriaguez. Pois, então, para os canonistas e os escolásticos a embriaguez era

já em si mesma punível. A doutrina majoritária desta época não aceitava a

imputação do fato cometido em estado de embriaguez. E, o reduzido setor

doutrinal que a afirmava, castigava o fato realizado nesta situação com uma

pena atenuada. Pois segundo Manzini, são os legisladores italianos os primeiros

a conceber de forma correta a doutrina da actio libera in causa47.

Os pós-glosadores seguem majoritariamente estas doutrinas. Por

exemplo, Bonifácio de Vitalinis dizia que não seria castigado o ébrio, se

delinqüiu, salvo que tenha se embriagado de forma dolosa. Para Farinaccio, não

se castiga por delito cometido em estado de embriaguez, no que não há dolo

nem culpa, somente pela culpa e rapidez em que incorreu ao embriagar-se. O

agente que souber que delinqüe, quando embriagado, não se abstenha de

beber vinho de maneira imoderada, se delinqüir não é, entretanto, castigado

levemente, já que tinha capacidade de prever suas atitudes; e é exatamente o

mesmo que ocorre na embriaguez dolosa, visando provocar o efeito de que o

escusa ao delinqüir neste estado. Baldus sistematizou a doutrina relativa a

imputação de delitos cometidos em estado de embriaguez. Segundo este autor,

quando a embriaguez era plena devia castigar-se o fato cometido sob estes

efeitos por imprudência.

Discutiram-se também os casos em que a embriaguez era voluntária,

porém não estava dirigida ao posterior fato delitivo. Para solucionar estes casos,

Angelus de Ubaldis recorreu a culpa anterior (precedente) e com ela a doutrina

do versari in re illicita48.

Em suma, os pós-glosadores discutiram se deviam castigar a embriaguez

47 Na realidade, esta afirmação é de Engelmann, Schuldlehre der Postglossatoren, p. 31. Manzini, DP, p. 762 (not. 3 onde cita este sentido a Engelmann, Die Schullehre der Postglossatoren p. 29) Apud JUBERT, Ob. Cit., p.35. Continua este autor, p.764, dizendo que os legisladores dos séculos XVII e XVIII), incluindo os alemães não fizeram mais que reproduzir, e às vezes de forma incompleta, a doutrina italiana. Também neste sentido, Binding, Normen II, p. 613 e nota 10; L. Schmidt, Zur Lehre p. 22. Não obstante nesta época não havia ainda aparecido, segundo Hruschka, Strafrecht, p. 343 e Krause, Jura 1980, p.171, o termo técnico de actio libera in causa. 48 Cerezo Mir,p. 60 ss.

Page 62: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

62

ou o fato cometido sob tal estado. Embora a doutrina majoritária tenha se

mostrado a favor da primeira alternativa, alguns defenderam a possibilidade de

equiparar o fato cometido em estado de embriaguez a imprudência, e assim

aproximavam a doutrina escolástica da culpa precedente49.

Tiveram também importância para o desenvolvimento posterior das

doutrinas sobre a actio libera in causa, as posturas sustentadas por Bohemer e

por Molina. Segundo parecer de Bohemer dever-se-ia distinguir, por uma parte,

entre a embriaguez completa e a não completa; e por outra parte, entre a

voluntária e a involuntária. Entretanto que esta última fundamentasse a

impunidade sempre que a embriaguez fosse plena; a voluntária conduzia ao

castigo do delito cometido. Molina, por sua parte, rechaçava a equiparação entre

a embriaguez e a imprudência. Em sua opinião, o fato de se embriagar não

encerrava culpabilidade suficiente como para imputar a lesão cometida neste

estado. Tampouco aceitava a doutrina do versari in re illicita. Este autor defendia

a impunidade do ato de embriagar-se50.

Como podemos observar, já no início da discussão havia três posturas

principais, que ainda hoje se defendem:

- a impunidade das situações supracitadas;

- o castigo do ato de se embriagar;

- imputar o fato cometido no estado de inimputabilidade.

1.2. Origem do termo actio in libera in causa

De todos os modos, não se deve esquecer que parece ser que 49 L. SCHMIDT, Zur Lehre p.24; HETTINGER, Die alic, pp. 71 e ss.; TIMM, Der Streit p.44; KOCH, Die alic p.2; SCHWINGHAMMER, Die Rechsfigur, p.4; KATZENSTEIN, Die Straflosigkeit p.6. 50 Versari in re illicta equivale a “quem se envolve com coisa ilícita é responsável também pelo resultado fortuito” segundo TOLEDO, Francisco Assis, Princípios Básicos de Direito Penal, p.307. HETTINGER, Die actio libera in causa, p.65; JARAMILLO GARCIA, Novíssimo Código Penal, p111; PEREDA, Versari, p. 69 e ss. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.36.

Page 63: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

63

anteriormente ao século XVII, já existia uma certa doutrina sobre os delitos

cometidos em estado de embriaguez durante o sono, porém não se utilizava

ainda o termo técnico da actio libera in causa51.

A origem desta locução não está, todavia, clara, e na atualidade, segue

discutindo-se, Hruschka assinala que Tomás de Aquino já utilizou uma fórmula

parecida com a nossa quando, ao falar de paixões que eliminam o uso da razão,

distingue entre paixões voluntárias e paixões involuntárias52. De acordo com

Hruschka, faz falta o estudo dos filósofos do século XVIII a fim de encontrar as

bases concretas do que, também durante este século, os penalistas chamaram

de actio libera in causa. Assim, encontramos uma doutrina clara sobre o instituto

em Christian Wolff53. Este autor parte do princípio que somente as ações que

em si mesmo consideradas são livres podem ser imputadas ao sujeito. Não

obstante, excepcionalmente podiam também se imputar ações que em si

mesma consideradas não fossem livres. Isto sucedia quando o sujeito era

responsável desta ausência de liberdade54.

Hruschka, numa primeira investigação assinala que a expressão concreta

de actio libera in causa é utilizada pela primeira vez em um escrito de Bernhard

Muller, no ano de 178955. Ao lado das ações livres por antonomásia, Müller

acrescenta dois tipos de ações más. Efetivamente, na investigação descrita,

este autor fala, em primeiro lugar, das ações que aludem a liberdade, ainda

quando o delinqüente atue no momento de realizar o delito sem liberdade e

moralidade própria: "actio ad libertatem relata, quamvis actunon libera". E, em

segundo lugar, estão as ações que não são livres nem aludem a liberdade: "nec

actu libera nec ad libertatem relata". Deste modo fica formulado, segundo

Hruschka, o princípio em que se apóia toda a doutrina da actio libera in causa:

trata-se de ações não livres no ato, porém que ao serem livres na causa podem

equiparar-se, enquanto o tratamento jurídico-penal, as ações livres em si.

Certamente, tem-se assinalado que o conceito de actio libera in causa

deve sua origem a uma interpretação crítica dos princípios contraditórios entre

51 KRAUSE, JURA, 1980, pp. 170 e ss. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.34. 52 HRUSCHKA, SchwZstr 90 (1974), p. 55. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.37. 53 citado por Hruschka ,Strafrecht, p. 343 e ss., not. 125 e ss. 54 HRUSCHKA, Strafrecht, p. 345. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.37. 55 HRUSCHKA, SchwZstr 90 (1974), p. 56. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.38.

Page 64: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

64

ações livres e não livres. Frente a dicotomia actio libera - actio non libera se

estabelece a tricotomia actio libera in actu, actio libera in causa e actionec actu

nec in causa libera.

Esta expressão foi também antecipadamente usada por Kleinschrod em

seu compêndio de 179456, por Grolman em sua segunda edição de 1805 de

"Fundamentos da ciência criminal, e por Tittmann no "Livro da Ciência Penal e

da Lei Penal Alemanha" de 180657.

Não obstante, Hruschka, em outros trabalhos, encontra alguns

antecedentes ainda mais antigos58. Não há que olvidar, em opinião deste autor,

que toda a tradição filosófica e jurídica dos séc. XVIII e XIX estava influenciada

pela doutrina de Pufendorf59. O conceito de actio foi elaborado pelos escritores

dos séculos XVII e XVIII, particularmente por Pufendorf em seu "Elementorum

Jurisprudentiae Universalis libri duo", onde distinguiu entre o que estava em

poder de um indivíduo em fazê-lo ou não fazê-lo; o que não estava em poder do

indivíduo de fazê-lo ou não fazê-lo, mas se o estava nem em sua causa; o que

não nem em sua causa nem em poder do indivíduo fazê-lo ou não fazê-lo.

2. A actio libera in causa

2.1. Conceito

O instituto da actio libera in causa, no Direito penal moderno,

compreende:

“os casos em que alguém, no estado de não imputabilidade, é

causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo

56 HRUSCHKA, Strafrecht, p. 348. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.3. 57 HRUSCHKA, SchwZStr 90 (1974), p. 55. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.38. 58 HRUSCHKA, Strafrecht, p. 343. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.38. 59 HRUSCHKA, ZStW 96 (1984), pp.661 e ss., e p. 666, not. 10. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.38.

Page 65: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

65

se colocado naquele estado, ou propositadamente, com a intenção

de produzir o evento lesivo, ou sem essa intenção, mas tendo

previsto a possibilidade do resultado, ou ainda, quando a podia ou

devia prever.”60

Aníbal Bruno conceitua a actio libera in causa, como sendo:

“a ação punível, praticada em estado de inimputabilidade em que o

agente voluntariamente se pôs com o fim de praticá-la, ou

prevendo ou podendo e devendo prever que,assim, a praticaria -

fato livremente querido, ou previsto ou previsível, quando o agente

ainda imputável, mas cometido em estado de inimputabilidade por

ele voluntariamente provocado.”61

Segundo Bettiol, a actio libera in causa ocorreria, portanto, todas as

vezes em que em um segundo momento um crime fosse praticado em estado de

incapacidade, que teria sido gerado em um primeiro momento como

conseqüência de alguma atitude do agente que o privasse parcial ou

completamente de seus sentidos.62 O conceito de punibilidade deve estar

contido no princípio da causalidade em virtude do qual causa causae est causa

causati, ou seja, independentemente da possibilidade de previsão por parte do

agente ou, mesmo, de sua vontade e desejo, aquele deve ser chamado a

responder penalmente por qualquer evento lesivo praticado pela sua pessoa,

mesmo que estivesse em situação de sentidos depreciados, desde que tivesse

posto a si mesmo voluntariamente dessa maneira.

Já segundo Edmund Mezger, a actio libera in causa é aquela em que o

autor estabelece a causa decisiva em uma situação de imputabilidade e se

desenvolve em uma situação de inimputabilidade.63 Nestes casos, o autor utiliza

si mesmo, ou seja, torna-se seu instrumento.

Nas actiones liberae in causa são compreendidas aquelas nas quais a 60 QUEIRÓS, Narcélio. Ob. cit. p. 40. 61 In prefácio o livro de Narcélio de Queirós. Ob. Cit.. p.9. 62 BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal- tomo I, p.65 63 MEZGER, Edmund. Conceito da actio libera in causa- tomo I, p.152.

Page 66: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

66

causa decisiva coloca o agente em condições de imputabilidade, enquanto o

seu comportamento dinâmico, conforme se manifesta, ainda que lhe falte

imputabilidade, torna-se instrumento de si mesmo. Estas se apresentam quando

se produz um resultado contrário ao direito, por um ato ou omissão em estado

de inimputabilidade, se bem que esta conduta tenha sido ocasionada por um ato

doloso ou culposo, cometido em estado de inimputabilidade.64

Em suma, de acordo com a doutrina não é necessária a presença de

vontade durante toda a seqüência de desenvolvimento do delito, bastando

minimamente que a imputabilidade esteja presente em qualquer fase do

processo. Ou seja, quem pratica um crime em estado de inimputabilidade é

punido por ter dado causa ao decorrente delituoso, nexo causal esse que

consiste em uma ação voluntária cometida em estado de imputabilidade.Nas

palavras de Von Liszt:

“o que regula é o momento em que o movimento corpóreo

voluntário foi empreendido (ou se se trata de uma omissão ilegal,

devia ser empreendido); é indiferente o estado mental do agente

no momento em que o resultado se produz”.

2.2 Hipóteses

Distinguem-se em hipóteses metodológicas as situações em que pode-se

aplicar o instituto da actio libera in causa:em caráter de negligência, atípico ou

doloso.

2.2.1. Caráter de negligência

64 LISZT, Franz Von. Tratado de Derecho Penal - vol. II,p.387.

Page 67: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

67

- o agente coloca-se em estado de inimputabilidade ou de ausência de ação

voluntariamente e vem a causar um ato lesivo, porque, no momento de plena

capacidade, infringe um dever de cuidado, ou seja, é o caso do indivíduo que

consegue prever ou sabe de seu comportamento no estado ébrio, mas mesmo

assim não cessa o ato de embriagar-se.

- o agente coloca-se em estado de inimputabilidade ou de ausência de ação por

meio da lesão a um dever de cuidado, nesse caso o agente embriaga-se

voluntariamente e devido ao estado alcançado omite-se de uma ação ou causa

um efeito lesivo.

2.2.2. Caráter atípico

- o agente coloca-se em estado de inimputabilidade ou de ausência de ação

voluntariamente e culmina em um resultado lesivo sem ter havido uma infração

ao dever de cuidado.

2.2.3. Caráter doloso

- o agente coloca-se em estado de inimputabilidade ou de ausência de ação

voluntariamente e causa um efeito lesivo que já estava inserido em sua

consciência. Aqui incluem-se também os crimes cometidos intencionalmente de

forma que o agente usasse a escusa de estar fora de seu estado normal.

3. Divergência doutrinária

Page 68: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

68

Os doutrinadores entram em divergência quanto ao momento em que

começa caracterizar-se o instituto da actio libera in causa. Alguns acreditam que

somente é caracterizada a partir do instante em que o agente se tenha colocado

em estado de incapacidade, configurando o modelo do tipo. Esse nome é

oriundo do fato que aqueles que o defendem concentram-se para tal na

extensão da configuração do tipo, como base para se proceder ao juízo de

responsabilidade. Esse modelo visa a regressão da análise da infração à norma

de cuidado a um tempo no qual o indivíduo ainda não tenha realizado a conduta

efetivamente perigosa para o bem jurídico.

O modelo de tipo pode ser dividido em algumas variantes:

- o juízo de culpabilidade pode se fixar na ação precedente, ou seja, considera

que o evento a ser aferido é o de colocar-se em estado de incapacidade e não o

que virá posteriormente. Schröder concorda com essa hipótese já que o fato

punível iniciou-se quando o agente colocou-se em estado privativo de

entendimento;65

- Aníbal Bruno e Claus Yakobs Roxin concordam que a actio libera in causa

pode ser de autoria imediata, pois o agente faz dele mesmo um instrumento

inimputável quando tem, ainda, sua plena capacidade;

- seriam envolvidas tanto as ações do delito quanto as ações precedentes que

lesem a pretensão dos bens jurídicos;

- a norma que disciplina a inimputabilidade comporta uma extensão quanto à

caracterização do momento do fato, de modo a também nele compreender as

ações precedentes.

Outros doutrinadores crêem que não é importante a relação entre o

indivíduo e o estado de incapacidade, e sim, o vínculo que existe entre o

65 SCHRÖDER, Horst. Verbotsirrtum, Zurechnungsunfähigkeit, actio libera in causa, in Goltdammer’s Archiv nº 57, p. 297. Apud TAVARES, Juarez. Direito Penal da Negligência, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro: 2003, 2ª edição, p. 391.

Page 69: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

69

resultado final e o autor do ato ilícito. Para esses doutrinadores a referência

deve ser fixada no instante em que o ato é praticado e essa posição é

conhecida por modelo de exceção. Essa nomenclatura apóia-se no preceito

jurídico ordinário pelo qual se poderia fazer uma exceção ao princípio de que a

imputabilidade deve estar presente no momento da execução do fato. Esse tem

a pretensão de atuar ao tempo em que ocorra a conduta perigosa para o bem

jurídico, mesmo que o agente não tenha capacidade de compreender seu ato e

de se autodeterminar.

Porém, nenhuma das duas correntes pode preencher de modo completo

os pré-requisitos de afirmação do princípio da culpabilidade. O modelo do tipo

por tentar a antecipação do início da execução do delito para uma fase na qual

não é possível a demonstração de qualquer perigo de lesão ao bem jurídico e o

modelo de exceção por se orientar pelo momento de execução do ato ilícito em

estado de incapacidade, ou seja, para o agente era impossível motivar-se

conforme a norma.

Além disso, Narcélio de Queiroz entende que esse instituto pode justificar

a punição dos delitos cometidos sob emoção, já que esses teriam sido

resultados de um estado emocional que poderia ter sido evitado pelo agente,

mas que não o fora devido à falta de autocontrole do mesmo, sendo assim, na

visão do teorizador, uma ação voluntária na causa66. Hoje, em nosso Código,

encontra-se disposto que por mais avassaladora que seja a paixão, não

extingue o discernimento por completo do agente.

Muitos, ainda, tentaram explicar a punibilidade dessa espécie de delito

lançando mão da responsabilidade objetiva, de maneira incorreta, já que a actio

libera in causa faz com que resida a capacidade penal num momento anterior ao

final do evento, a causa desse. Além disso, a responsabilidade ficta dispensa os

conceitos de dolo e culpa nos quais baseiam-se os alicerces do direito penal

brasileiro e como afirmou Francisco Campos na Exposição de Motivos de 1940

nenhuma pena poderá ser pronunciada sem o pressuposto desses princípios

(nulla poena sine culpa).

66 QUEIROZ, Narcélio de. Teoria da actio libera in causa, p. 77.

Page 70: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

70

Devido a essas controvérsias e dificuldades, alguns autores são contra o

emprego do termo actio libera in causa, optando, inclusive, pela retirada do

mesmo do Código Penal ou, então, minimamente, pela limitação a casos de

aplicação de um tipo especial de delito de perigo, subordinando-o a uma

condição objetiva de punibilidade.

4. A actio libera in causa e os crimes dolosos

A actio libera in causa só deve se reconhecer dolosa quando o agente,

claramente, tiver se colocado de forma dolosa em estado de incapacidade e

estiver vinculado dolosamente ao resultado gerado. Segundo Aníbal Bruno:

“A doutrina tem de manter-se fiel à exigência de um momento de

culpabilidade, isto é, de dolo ou culpa, na fase de imputabilidade,

em relação ao resultado típico, e não só em referência ao ato de

tornar-se inimputável, para não transformar o instituto em uma

espécie do velho versari in re illicita, intolerável sempre”67.

5. A actio libera in causa e os crimes culposos

No caso de crimes culposos, para que se possa admitir a actio libera in

causa deve-se verificar a forma e o modo como a ação do agente viola a norma

de cuidado no momento em que se coloca em situação de incapacidade, além

de como isso se reflete na condução posterior de sua atividade. O problema

decorre que o ato de se privar de sua capacidade mental não consiste por si só

em uma violação de cuidado, tornando, assim, uma avaliação do ocorrido e de

todo seu contexto imprescindível.

67 BRUNO, Aníbal. Direito Penal, volume II, p.52.

Page 71: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

71

O agente embriaga-se voluntariamente em condição de imputabilidade,

mas não ordena sua conduta posterior, deve-se impor uma culpa consciente, já

que o indivíduo deve sempre ser beneficiado pelo princípio in dúbio pro reo, ou

seja, deve-se ter a perspectiva de que o autor teve esperança de que realmente

nada iria acontecer.

Assim foi dada a teoria da actio libera in causa, uma extensão que ela

não comporta, uma vez que tal teoria não diz respeito à fundamentação da

culpabilidade e vem sendo aplicada para os delitos cometidos em estado de

embriaguez voluntária ou culposa em que não há, na fase da imputabilidade,

dolo ou culpa em relação ao resultado criminoso.

Esta aplicação da teoria da actio libera in causa em desacordo com sua

teoria tem levantado indagações sobre a compatibilidade ou não do artigo 28 do

Código Penal com o conceito de imputabilidade adotado pelo referido estatuto.

Vários doutrinadores tentam explicar a punibilidade do fato na referida

hipótese de imprevisibilidade como um caso de actio libera in causa, variando

apenas a fundamentação para a punibilidade desta. Como visto, existem

divergências doutrinarias nessa área e parte deles afirma que o ato de

embriagar-se já é ato executivo do delito, ou seja, o sujeito já estaria praticando

o delito quando começou a embriagar-se, desta forma, já se manifestou. Nélson

Hungria, analisa:

"o que legitima a punição na espécie, sem abstração do nulla

poena sine culpa, é a inegável referência da ação ou omissão

imediatamente produtiva do resultado antijurídico ao momento em

que o agente se coloca em estado de inconsciência ou de abolição

de self control (auto controle)”.

Porém não é correto afirmar que o ato de por-se em estado de

inimputabilidade já seja ato executivo do resultado criminoso, como afirmam os

demais doutrinadores, pois o ato de se colocar em inimputabilidade não passa

de um simples ato preparatório, uma vez que se o iter criminis, se interrompe

nessa fase, não há nada a punir, nem sequer a título de tentativa. É necessário

que o resultado criminoso tenha sido querido ou previsto, ou que fosse

Page 72: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

72

previsível pelo sujeito quando ainda imputável, pois o elemento subjetivo na fase

da imputabilidade é indispensável para a caracterização da actio libera in causa.

Na citada hipótese de imprevisibilidade, falta ao agente o elemento subjetivo em

relação ao crime certo e determinado, uma vez que, no momento em que se

embriaga, não tem sequer a previsão de que irá cometer um delito.O elemento

subjetivo existe somente em relação a embriaguez (o ato de embriagar-se é

livre), porém, esta não é causa de delito.

6. A embriaguez

Para que se entenda a exclusão de imputabilidade e a aplicação da actio

libera in causa faz-se necessário, nesse momento, uma divagação sobre o

conceito de embriaguez e suas classificações.

Segundo Paulo José da Costa Júnior, a embriaguez é uma intoxicação,

aguda e transitória, causada pelo álcool ou substância análoga, que elimina ou

diminui no agente sua capacidade de entendimento ou de autodeterminação.

Em outras palavras, a embriaguez é uma causa capaz de levar à

exclusão da capacidade de compreensão da ilicitude das ações, assim como a

alteração do momento volitivo do agente, em virtude de uma intoxicação aguda

e transitória causada pela ingestão de álcool ou qualquer substância de efeitos

psicotrópicos análogos, sejam eles entorpecentes, estimulantes ou

alucinógenos.

A embriaguez difere do alcoolismo, pois este último é uma embriaguez

crônica, que é caracterizada por um abaixamento da personalidade psico-ética,

tornando o afetado deficiente em velocidade nas suas percepções ou levando-o

a percepções ruins, a ponto de ter delírios e alucinações, afetando a memória e

a mente na associação de idéias que seguem por caminhos ilógicos68.

Embora o álcool tenha um suposto efeito estimulante, devido à perda dos

mecanismos inibidores, na verdade ele é um narcótico, já que o efeito citado

68 ALTAVILLA, Psicologia Judiciária, v. 1, p. 284

Page 73: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

73

justifica-se pela ação da substância sobre o córtex cerebral.

Para efeito judiciário a embriaguez pode ser constatada de três maneiras

diferentes:

- exame clínico, que consiste no contato direto com o paciente, analisando-se o

hálito, o controle neurológico, as percepções sensoriais, o modo de falar, a

cadência da voz, entre outros;

- exame de laboratório, que é a dosagem etílica sanguínea (ou seja, a

quantidade de álcool no sangue);

- prova testemunhal, que pode atestar as modificações de comportamento do

agente.

Naturalmente, o critério mais adequado e seguro é a união dos três

métodos, embora somente um deles possa, no caso concreto, demonstrar a

embriaguez.

Além da dose ingerida, os penalistas levam em consideração, ainda, a

origem desse estado, a forma como o indivíduo veio a adquirir esse estado e o

grau de influência que o conteúdo enebriante apresenta sobre o organismo do

indivíduo. Assim a embriaguez é dividida nos seguintes tipos:

- não acidental: compreende a ingestão de álcool ou de substâncias de efeitos

análogos, que não sejam em razão de caso fortuito ou força maior. Essa se

subdivide em dolosa (voluntária) e culposa. Podemos, ainda, incluir nessa

categoria a embriaguez apontada pelos doutrinadores como preordenada.

- acidental: é aquela proveniente de caso fortuito ou de força maior. O caso

fortuito consiste na ingestão da bebida quando o agente é ignorante de seu teor

alcoólico ou dos efeitos psicotrópicos que podem ser gerados. A oriunda de

força maior prevê uma força externa ao agente, que lhe obriga o consumo.

Ortolan entendia que essa modalidade de embriaguez deveria ter punição

diferente dependendo do grau de intoxicação. Se completa deveria ter a

Page 74: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

74

imputabilidade totalmente extinta e enquanto incompleta, dependeria do grau de

alteração.

A embriaguez, ainda, é analisada sob a perspectiva da intensidade de

perturbação causada ao indivíduo, definindo-se como completa e incompleta. A

primeira situação é aquela em que se percebe a retirada por completo da

capacidade do indivíduo de analisar suas ações no momento e tem seu

momento volitivo, igualmente, modificado; já a segunda consiste em perda

parcial da autodeterminação e da capacidade de entendimento do agente, que,

portanto, ainda detém um resquício de compreensão e vontade.

6.1. A embriaguez e a actio libera in causa

A teoria da actio libera in causa é válida para as hipóteses de embriaguez

preordenada, voluntária ou culposa, nos casos em que o agente antes de se

embriagar, assumiu o risco de produzir o evento lesivo, ou pelo menos era

previsível a prática do mesmo.

A teoria da actio libera in causa, ou da ação livre na sua causa, é aplicada

exatamente para comprovar a imputabilidade do agente que livremente almejou

a conduta criminosa, tendo praticado a mesma quando se encontrava em

estado de inimputabilidade.

A seguir são feitas análises mais profundas sobre cada tipo de

embriaguez apontado correlacionando-os com a legislação em vigor.

6.2. A embriaguez culposa

A embriaguez culposa pode ser apresentada quando o agente não tinha a

intenção de se embriagar, mas foi, imprudentemente, deixando-se levar. Aqui,

Page 75: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

75

cabe uma discórdia entre os estudiosos de diversos países; alguns defendem

que o agente tornou-se inimputável quando na situação de embriaguez, já

outros crêem que o mesmo deveria ser capaz de prever as conseqüências de

seu ato, e assim, cessar o ato de se embebedar.

Para os últimos, a punibilidade aí se justifica, considerando-se que o

autor previu o resultado, mas esperava sinceramente que não acontecesse, ou

não o previu diante de sua situação, mas deveria ser capaz de tal. Trata-se,

então, de uma hipótese de actio libera in causa.

Existe, ainda, a possibilidade de o agente não ter quisto prever, de não

ter previsto e de não haver circunstância alguma particular pela qual devesse

prever a ocorrência do crime. Nesse caso de embriaguez não fortuita, também

não há a exclusão da responsabilidade penal, que segundo a Exposição de

Motivos do nosso Código toma por hipótese a actio libera in causa. Porém, falta

na hipótese o dolo ou a culpa em relação ao crime determinado quando o sujeito

ainda é imputável, tornando a configuração do instituto conceitualmente

impossível de ser estabelecida. Para tal entendimento, basta verificar-se que a

ação livre na sua causa não está no ato criminoso e sim na embriaguez.

Distingue-se a embriaguez voluntária, em que o agente embriaga-se

prevendo a possibilidade de praticar o delito, aceitando o risco da produção do

resultado, e os casos de embriaguez culposa, em que o sujeito embriaga-se

tendo a previsão do resultado, mas esperando que ele não se produza, ou não

tendo a previsão do resultado delituoso, deveria prevê-lo, uma vez que se

encontrava em circunstâncias especiais.

O Código Penal ao se referir à embriaguez, não fez a devida distinção

entre os tipos de embriaguez, principalmente entre as duas hipóteses de

embriaguez voluntária e culposa, pois é possível que nesses casos o agente

tenha previsto e aceito o risco de produzir o resultado, ou tenha previsto o

resultado, mas acreditado que ele não ocorresse, ou nem sequer tenha previsto

a ocorrência do resultado, como também pode acontecer que nenhuma destas

situações tenha ocorrido

No Código brasileiro a embriaguez culposa, seja completa ou incompleta,

nunca excluiu a imputabilidade, já que, como explicitado acima, o que se leva

Page 76: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

76

em consideração é o momento da ingestão, no qual era livre para fazê-lo ou

não, e não a prática do fato delituoso.

6.3. A embriaguez dolosa

A embriaguez dolosa prevê que o agente não pensava em cometer crime

algum enquanto se alcoolizava, fosse para gozar a sensação para ele agradável

ou para suavizar no álcool a tristeza e as preocupações, mas era de seu intento

alcançar o estado de alteração psíquica. É também chamada e conhecida por

embriaguez voluntária.

Nessa categoria, considera-se que a maioria dos casos corresponde a

embriaguez completa, já que o indivíduo tinha o interesse de se embriagar. De

qualquer maneira, considera-se que o agente, que não o fez pré-

ordenadamente, chega a delinqüir porque estava privado da sua capacidade de

querer e de autodeterminação, e não porque possui o animus específico.

Para alguns doutrinadores, essa teoria é de difícil aplicação, e constitui

um resquício da responsabilidade objetiva em nosso sistema penal e pode ser

admitida quando for completamente necessário para não deixar o bem jurídico

sem proteção em caráter excepcional. Nesse caso, vale, então, a aplicação da

actio libera in causa, a fim de que o agente não fique impune e o bem jurídico

sem tutela, ou seja, como apontado diversas vezes leva-se em conta,

exclusivamente, o momento em que o sujeito escolheu livremente entre

consumir ou não a substância.

6.4. A embriaguez preordenada

A embriaguez pré-ordenada consiste em o agente fazer uso da bebida

alcoólica ou de substâncias de efeito psicotrópico análogo com o escopo de

Page 77: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

77

tomar coragem de cometer um crime e sufocar sua consciência que o alerta da

ilicitude do ato que virá a praticar ou, ainda, para fazer uso posterior de um

atenuante. Esta é a forma clássica da actio libera in causa e, portanto, esse

estado de embriaguez não exclui a responsabilidade e nem a atenua, ao

contrário, agrava-a. Esse é, portanto, o caso mais fácil de justificar a aplicação

da actio libera in causa.

Embriaguez preordenada não justificará exclusão da imputabilidade ou

diminuição de pena, conforme a Exposição de Motivos do Código Penal de 1940

(Decreto-Lei n.2848/1940), na qual foi adotada a teoria da actio libera in causa,

segundo a qual o indivíduo será imputável conforme o conceito de Narcélio de

Queiroz: "São os casos em que alguém, no estado de não imputabilidade, é

causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo-se colocado

naquele estado, ou propositadamente, com a intenção de produzir o evento

lesivo, ou sem essa intenção, mas tendo previsto a possibilidade do resultado,

ou ainda, quando a podia ou devia prever".

Para que seja configurada essa hipótese é necessária a existência do

dolo no estado de imputabilidade, e assim, o indivíduo age como mandante

nesse período e faz de si um instrumento no seguinte.

Nesse momento cabe ressaltar que Bertauld, na França, e Rossi, na

Itália, não viam necessidade de se entender ou mesmo questionar a causa da

embriaguez Acreditam que o dolo ou a culpa devam ser contemporâneos ao

crime e que, portanto, não se deveria punir o delito cometido sob o efeito de

substância psicotrópica. De forma mais radical, temos, ainda, Brusa que é

contra a actio libera in causa, por colocar que não existe nexo de causalidade

prática69.

6.5. O caso fortuito e a força maior

A embriaguez fortuita, também conhecida por embriaguez acidental ou

69 CHAMON Jr, Lúcio Antônio. Responsabilidade Penal e Embriaguez.pp. 123-127.

Page 78: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

78

por força maior, consiste naquela em que o ébrio não sabia o que estava

fazendo e, portanto não deveria ser capaz de prever as conseqüências de seu

ato. Caso fortuito, conforme escreve Giulio Battaglini, é um acontecimento

imprevisível e inevitável, que começa onde a culpa acaba. Tudo o que não se

possa referir ao poder de ação pessoal do homem e origine um efeito, é fortuito,

pertence ao domínio do acaso, do imponderável. Tanto nos crimes, como nas

contravenções, o caso fortuito exclui a culpabilidade, compreendido o dolo e a

culpa, porque em todo crime se reclama o elemento de vontade consciente.

Força maior, na interpretação de Battagli, tem a mesma eficácia da outra citada

excludente, distingüindo-se apenas pela sua irresistibilidade, sendo esta

diferenciação entre ambas não pacífica70.

O fortuito tem algo de misterioso, de obscuro e algo de divino (quid

obscurum quid divinum). Existe nele alguma coisa que falta na força maior: a

ignorância e o erro. Por isso se diz, como fora mencionado, que no fortuito,

existe a imprevisibilidade e a inevitabilidade do evento. Por outro lado, o fortuito

estará sempre relacionado com a ação humana, enquanto a força maior se

relaciona com eventos naturais, como a tempestade, o terremoto. Embora de

todo inevitável, pode perfeitamente ser prevista71.

Distingue-se a força maior do constrangimento físico, onde o homem não

é sujeito, mas objeto de ação. Na força maior não há coação física. Entretanto,

pode haver coação, porém de ordem meramente moral.

À respeito da força maior Maggiore enumera:

- uma vis, ou seja, uma energia cogente;

- uma vis ab extra, equivalente a uma força independente da consciência e da

vontade humana, ou seja sem o momento intelectual ou volitivo;

- uma vis naturale (raio, inundação,desabamento, terremoto, maremoto etc)

70 Direito Penal, Parte Geral, Tradução de: Paulo José da Costa JR., Arminda Bergamini Miotto, Ada Pellegrini Grinover. Edição Saraiva, Editora da Universidade de São Paulo, 1973, p.320. 71 BETTIOL, Diritto Penale, Padova, 1976, p. 469.

Page 79: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

79

- uma vis maior, inevitável e irresistível;

- uma ação humana oriunda de um inimputável.72

Esse último apontamento possui caráter divergente dentre os

doutrinadores, assim é, por exemplo, Paulo José da Costa Júnior contrário a

esse posicionamento.

O Código Penal de 1940, com reforma da Parte Geral, em seu artigo 28,

§ 1º, dispõe que é isento de pena o agente que, por embriaguez completa,

proveniente de caso fortuito ou força maior, era ao tempo da ação ou omissão,

já que estaria inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do praticado ou

de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Quando incompleta, segundo o § 2º do mesmo artigo, a embriaguez

fortuita será uma causa de redução de pena de um a dois terços, uma vez que o

agente conserva de forma diminuída sua capacidade de entendimento e de

autodeterminação.

O Código Penal de 1940, ao tratar da embriaguez, admitiu a plena

aplicação da teoria da actio libera in causa sive ad libertatem relatae, conforme

mostra a Exposição de Motivos:

"Ao resolver o problema da embriaguez (pelo álcool ou substância

de efeitos análogos), do ponto de vista da responsabilidade penal,

o projeto aceitou em toda a sua plenitude a teoria da actio libera in

causa sive ad libertatem, que modernamente, não se limita ao

estado de inconsciência preordenado, mas a todos os casos em

que o agente se deixa arrastar ao estado de inconsciência".

72 MAGGIORE, Diritto Penale, volume 1, p. 389.

Page 80: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

80

CAPÍTULO III – EMBRIAGUEZ NO DIREITO COMPARADO

3.1. Breve introdução

Encontram-se divergências sobre como o estado de embriaguez pode

afetar o comportamento e em que medida essas alterações deveriam influir na

exclusão ou atenuação da culpa do agente. A diferença de perspectiva do

estado de embriaguez gera tal controvérsia, já que por um lado dever-se-ia

optar pela inimputabilidade ou pela atenuação da culpa ao constatar-se uma

anomalia físico-psíquica do agente sob a influência do álcool. E por outro, deve-

se considerar a culpa do agente em se colocar em tal situação e, assim, deve

assumir suas conseqüências.

3.2. Antiguidade

Na Grécia antiga, Aristóteles relata que era estabelecida uma pena dupla

para os crimes em estado de embriaguez73. O autor entende que dependia do

agente não se embriagar, portanto, a causa reside em si. Já o Direito Romano,

estabelece no Digesto três maneiras de se classificar a culpa do agente:

proposito, impetu e casu. Aquele que praticou o ato em estado de embriaguez

não poderia ser punido com a culpa mais grave (proposito), demonstrando,

assim, certa indulgência com a criminalidade alcoólica. Já que não poderia ser

considerado um ato deliberado, o equivalente ao nosso crime doloso, restava,

ainda, a dúvida de ter ocorrido um crime acidental, casu, ou sob o domínio de

um impulso, impetu.

73 ARISTÓTELES, Política (tradução italiana de Costanzi), Bari, 1918, liv. II, cap. 12, 1274 b.

Page 81: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

81

3.3. Idade Média

A indulgência para os agentes ébrios foi novamente constatado ao longo

da Idade Média com sentenças que consideravam causa excludente ou

atenuante a embriaguez. Porém os soberanos tentaram diminuir essa

indulgência, posto o número absurdo de homicídios e crimes cometidos sob a

escusa da embriaguez. Carlos V colocou em vigor em 7 de outubro de 1531

uma lei que previa o término dessa inimputabilidade, ou mesmo, da atenuação.

Não seriam mais, portanto, aqueles que estivessem sob efeito do álcool

eximidos da culpa e conseqüências de seus atos. Porém, como os juízes não

levaram em consideração essa lei, ela foi reformulada em 1545 e em 1549. A

atitude de Carlos V foi imitada por Filipe II em 1570, que a renovou em 1589,

adicionando um artigo que impossibilitava o uso da embriaguez como

justificativa para exclusão de culpa ou atenuação da mesma nos casos de

homicídio.

3.4. Itália

O Código de 1889, Zanardelli, influenciado pela escola clássica, distinguia

em seu artigo 42 tão somente a embriaguez preordenada da embriaguez não

preordenada, sendo a primeira irrelevante para a responsabilidade penal do

agente e a segunda constitui uma causa de inimputabilidade equiparável à

enfermidade mental. Para o caso do crime cometido em estado de embriaguez

dolosa ou negligente previa-se um tipo legal de crime especial (art. 471), o qual

impunha uma punição referida à culpa na criação de um estado de embriaguez

perigosa. O artigo 48 faz uso do princípio de actio libera in causa para continuar

a considerar irrelevante a embriaguez preordenada.

O Código italiano atual de 1930, Código Rocco, deixa a embriaguez

patológica sujeita às regras gerais da imputabilidade (arts. 85, 88 e 89). Se a

Page 82: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

82

embriaguez era preordenada com o fim de cometer o crime, ou de preparar uma

escusa, a pena é aumentada. A embriaguez preordenada constitui, segundo o

art. 92, 2º parte, um agravante da responsabilidade do agente pelo crime

cometido neste estado, e uma exceção ao artigo 87. Esse artigo considera a

existência do estado preordenado de incapacidade de entender e querer e a

disposição da primeira parte do artigo 85 não se aplicaria àquele que se

colocasse em tal estado com o fim cometer o crime, ou de preparar uma escusa.

O artigo 91 cuidava da embriaguez não culposa, que é uma embriaguez

derivada de caso fortuito ou força maior. Segundo o texto, não é imputável

quem, no momento em que praticou o fato, não tinha a capacidade de entender

ou de querer, em conseqüência de embriaguez plena derivada de caso fortuito

ou força maior. Se a embriaguez não era plena, mas era tal que diminuía

consideravelmente, sem excluir, a capacidade de entender ou querer, a pena é

diminuída.

O artigo 92, 1º parte, tratava da embriaguez voluntária ou culposa ou

preordenada. Ou seja, a embriaguez não derivada de caso fortuito ou de força

maior não exclui nem diminui a imputabilidade.

Além de a pena ser aumentada em caso de preordenação, essa também

seria aumenta se a embriaguez fosse habitual, segundo o artigo 94. Para os

efeitos da lei penal, é considerado como ébrio habitual aquele que é dedicado

ao uso de bebidas alcoólicas e encontra-se em estado freqüente de

embriaguez74.

O Código Penal Italiano prevê também contravenções relativas à

embriaguez que levam em conta a possibilidade de prevenção do alcoolismo e

dos delitos cometidos em estado de embriaguez, conforme exposto abaixo nos

seguintes artigos:

“686- Fabricação ou comércio abusivos de licores ou drogas, ou de

substâncias destinadas à sua composição- Aquele que, contra a

74 Códigos Penaes Extrangeiros; Vicente Piragibe, Editora Livraria Jacyntho, Rio de Janeiro,

1934.

Page 83: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

83

proibição da lei, ou sem observar as prescrições da lei ou das

autoridades, fabrica ou introduz no Estado drogas, licores ou

outras bebidas alcoólicas ou detém para vender ou vende drogas,

é punido com prisão de um ano ou com multa de cem mil a um

milhão de liras.

Está sujeito à mesma pena aquele que, sem observar as

prescriçõoes da lei ou das autoridades, fabrica ou introduz no

Estado substancia destinada à composição de licores ou drogas.

687.Aquele que adquire ou consome, em exercício público, bebida

alcoólica no tempo em que não é permitida sua venda, é punido

com a sanção administrativa de 100.000 liras.

688.- Aquele que, em um local público ou próximo ao público, se

apresenta em estado de manifesta embriaguez, é punido com

prisão de seis meses ou com multa de 20000 a 400000 liras.

A pena é de prisão de seis meses se o fato é cometido por aquele

que já tenha uma condenação por delito não culposo contra a vida

ou a incolumidade individual.

A pena é aumentada se a embriaguez é individual.

690. – Aquele que um lugar público ou próximo ao público, causa

embriaguez em outros, ministrando bebidas alcoólicas, é punido

com prisão de seis meses ou com multa de 60.000 a 600.000 liras.

691.- Aquele que ministra bebidas alcoólicas a uma pessoa em

estado de manifesta embriaguez, é punido com prisão de três

meses a um ano”.

3.5. França

Page 84: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

84

O art. 65 do Código Penal francês prevê que uma pena só pode ser

atenuada ou um crime ou delito justificado se houver um fato justificativo

explícito na lei. A embriaguez não é considerada um fato justificativo legal, não

podendo, portanto, ser usada como objeto de uma questão especial posta ao

júri. Porém, como aponta Garraud, a embriaguez causa perturbações psíquicas

provenientes de uma alteração transitória das funções cerebrais, podendo

assemelhar-se à demência, encaixando-se, assim, nos casos de

inimputabilidade (art. 64). O conceito de inserir a embriaguez patológica dentro

do artigo 64 é de decisão unânime dentro do sistema francês, ocorrendo o

mesmo com a embriaguez não culposa.

Já nos casos de embriaguez preordenada há uma culpa, ainda maior que

no caso do crime ou delito sem o estado de embriaguez, já que além da

intenção criminosa, há a criação do estado de inimputabilidade. Garraud

considera essa prática como o início da execução do crime.

A embriaguez culposa e não preordenada toma difícil posição dentro do

Código, já que há uma situação de inimputabilidade enquanto comete o crime,

porém há a culpa de o agente estar nesse estado. Após a 2ª Guerra Mundial a

embriaguez deixou de ser um atenuante e passou a ser um agravante, conforme

lei de 1940, que foi revogada no ano seguinte, evitando os exageros da

repressão alcoólica.

3.6. Países do Benelux

O Benelux, composto pela Bélgica, Holanda e Luxemburgo, aceitam para

a embriaguez não culposa o estado de inimputabilidade, excetuando-se a culpa

do agente. Já a embriaguez preordenada é considerada um agravante. Quanto

à embriaguez patológica, a Bélgica contempla apenas os casos das lesões

cerebrais provocadas pelo abuso habitual e duradouro de bebidas alcoólicas

(art. 71). A doutrina clássica considera que a embriaguez culposa não

Page 85: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

85

preordenada vê dois momentos diferentes. O primeiro compreende o ato de se

embriagar que não engloba o segundo, que é o crime em si. Assim, a

embriaguez exclui a punição por dolo, mas permanece a possibilidade da

punição por negligência, que decorre da previsibilidade das conseqüências

perigosas do ato. Thiry, representante principal de tal doutrina, separa, ainda,

aquele agente que se encontra pela primeira vez em estado de embriaguez

daquele que tem por hábito alcoolizar-se, alegando que o primeiro não tinha

como prever as conseqüências advindas do ato inicial. O código luxemburguês

mantém-se próximo da doutrina clássica francesa e a punição do criminoso

ébrio somente pode ser feita a título de negligência. Já a jurisprudência da

Holanda tende para a severidade no caso da embriaguez culposa não

preordenada, raramente reconhecendo o estado de embriaguez completa. Em

certos casos podem ser excluídos o dolo e até mesmo a negligência, mas

necessita de circunstâncias especiais concretas.

Em contraproposta a essas idéias, Prins e partidários de suas idéias

acreditam ser irrelevante na avaliação da culpa o estado de embriaguez, não

impedindo sequer a punição por dolo, alegando que o perigo social imposto pelo

ébrio à sociedade já seria fundamentação o suficiente para a punição.

3.7. Suécia

A embriaguez patológica prevê a inimputabilidade do agente. A

embriaguez não culposa exclui também do agente a culpa referente ao crime

cometido nesse estado. A embriaguez preordenada torna-se irrelevante na

culpa do criminoso. Novamente no caso de embriaguez de culposa não

preordenada é levantada a dúvida de como se lidar com a situação. O legislador

optou por deixá-la igualmente irrelevante na avaliação da culpa do agente pelo

crime cometido, não impedindo a punição por dolo nem por negligência.

Page 86: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

86

3.8. Noruega

O código norueguês excetua a embriaguez culposa nas causas de

inimputabilidade, restando, portanto, como único caso possível de falta de

imputabilidade relativo a embriaguez não culposa (arts. 44 e 45). A embriaguez

patológica também se enquadra nesse caso, já que o código não distingue a

normal dessa. A embriaguez preordenada, como nos códigos anteriormente

analisados, é circunstância irrelevante na avaliação da culpa do agente. Numa

redação posterior do código, a embriaguez culposa foi considerada irrelevante

(art. 45, 1929) com possibilidade de atenuação especial (art. 56, nº 2).

Segundo o art. 39, nº 1 o tribunal tem a faculdade de aplicar ao criminoso

ébrio certas medidas de segurança, no caso de haver perigo de reincidência e

torna-se obrigatório tomar as devidas medidas se esse perigo dirigir-se a certos

crimes mais graves especificamente (nº 2)

3.9. Dinamarca

Segundo o art. 18, a embriaguez não exclui a aplicação da pena salvo se

o agente tiver agido em estado de inconsciência. A imputabilidade daquele que

cometer o ato ilícito devido a uma embriaguez patológica pode ser analisada na

perspectiva dos arts. 16 (dementes) e 17 (anormais). Já pelo art. 18, a

embriaguez preordenada deveria ser punida, mas é acompanhada pelo artigo

seguinte, que se preocupa também com o caso do crime por omissão. Se ficar

comprovada uma embriaguez não culposa completa, pode-se alegar uma perda

de consciência e, portanto, enquadrar numa inimputabilidade prevista pelo art.

18. Se a mesma for incompleta, estará sujeito às penas previstas, porém tem

direito a uma atenuação legal.

Page 87: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

87

O ébrio habitual pode ter sua punição privativa de liberdade substituída

por internamento em casa de trabalho. Para além da punição estão previstas

medidas de segurança e de tratamento.

3.10. Finlândia

A embriaguez patológica, no código finlandês, pode excluir a

imputabilidade do agente segundo § 3º, 2ª parte, que trata da perturbação

mental passageira que prive o agente da consciência dos seus atos. Pode,

ainda, ser considerada uma atenuação especial da pena prevista no § 4º, 2ª

parte, desde que provoque um estado de imputabilidade diminuída e seja

considerada não culposa. Assim, também, é vista a embriaguez não culposa. Já

a embriaguez quando preordenada torna-se irrelevante para a apreciação da

culpa.

Assim como na Dinamarca, a embriaguez culposa pode ser encarada

como uma criação de estado de inconsciência e a partir disso ser incorporada

ao § 3º, 2ª parte, o qual não distingue entre estados de inconsciência culposos

ou não culposos. Se essa embriaguez for incompleta, torna-se irrelevante ao

processo devido às condições do § 4º, 2ª parte.

3.11. Inglaterra

Durante muito tempo houve na Inglaterra uma discussão referente às

condições relativas à embriaguez que poderiam causar a inimputabilidade do

agente. Acerca da embriaguez culposa coexistiam duas visões: estaria o ébrio

em estado de demência e, portanto, deveria ser responsabilizado por seus atos,

já que se teria colocado nesse estado alterado e outra que distingue a

embriaguez voluntária da não voluntária, sendo essa um ato de inimigos do

Page 88: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

88

agente. Contudo, não há um entendimento vigente que permita tratar desses

casos que podem se relacionar com o princípio de mens rea, embora a

embriaguez não o exclua automaticamente, sendo necessária mais provas

concretas para que se torne o agente inimputável por esse critério.

A embriaguez não culposa, considerada como a não voluntária, sempre

constitui uma defesa e só será relevante no caso de ter atingido um grau tão

elevado que tenha excluído a mens rea. Já a embriaguez patológica pode

alcançar, ao ver dos juristas, um estado de demência e, assim, ser considerada

um caso de inimputabilidade previsto pelo código inglês.

A embriaguez preordenada é considerada irrelevante na apreciação da

culpa, mesmo sob diversas tentativas de se alegar que o homicida estava

demente quando se pôs no estado de embriagado. Considera-se um homem

normal que formou a intenção de matar antes de beber e que nesse momento

sabia a ilicitude do ato que pretendia cometer.

3.12. Estados Unidos

As leis estadunidenses conferem rigidez tal que o princípio geral é o de

que a embriaguez não é defesa, fundando-se na censurabilidade moral do ato

de embriagar-se. Entretanto, este princípio encontra exceção sempre que o

crime exija como forma de mens rea o intuito de provocar o crime e que fique

constatado que a embriaguez alcançara um nível que tornasse o agente

impossibilitado de tomar decisões e formular pensamentos. Se houver, contudo,

uma forma atenuante de ser punido que não necessite desse momento volitivo e

intelectual o agente deverá ser punido por esse crime mais leve e no caso de ter

perda das inibições e da capacidade para avaliar seus atos a embriaguez torna-

se relevante.

Os ébrios doentes devem ser objetos de medidas curativas e/ou

preventivas. Os ébrios normais devem ter um histórico levantado a fim de que se

descubra o grau de inexperiência que tinham com o estado de embriaguez ou

Page 89: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

89

com o abuso de substâncias intoxicantes. Os inexperientes devem ser

considerados sem responsabilidade para com o ato praticado, sendo

considerada uma embriaguez involuntária. Já os ébrios voluntários sentem o

peso e rigor da lei previamente mencionados. Como o princípio de mens rea é

respeitado por aplicação do conceito de actio libera in causa, a embriaguez

preordenada não pode ser utilizada como defesa em caso algum.

3.13. Portugal A base da punição no Código lusitano é o fato de o sujeito embriagar-se

culpavelmente, vindo a praticar fato descrito como ilícito penal, servindo-se este

como condição objetiva de punibilidade. O agente não é punido pela infração

cometida durante o estado de embriaguez completa, mas sim pelo fato da

embriaguez culpável. Dessa forma fica impedido o versari in re illicita75.

A pena é tratada pelo art. 295:

“Art. 295. Embriaguez e intoxicação

1. Quem, pelo menos por negligência, se colocar em estado de

inimputabilidade derivado da ingestão ou consumo de bebida

alcoólica ou de substância tóxica e, nesse estado, praticar um facto

ilícito típico, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena

de multa até 600 dias.

2. A pena não pode ser superior à prevista para o facto ilícito típico

praticado.

3. O procedimento criminal depende de queixa ou de acusação

75 Versari in re illicita imputatur omnia, quae sequuntur ex delicto: quem comete um fato ilícito é responsável por tudo o que se segue a ele.

Page 90: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

90

particular se o procedimento pelo facto ilícito típico praticado

também dependesse de uma o de outra”.

Prescreve-se, ainda, o art. 20 § 4º, Código Penal português que a

“imputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido provocada

pelo agente com intenção de praticar o facto”. Ou seja, prevê a punibilidade nos

casos de preordenada, não apenas pela embriaguez, mas por qualquer

anomalia psíquica.

3.14. Alemanha, Suíça e Áustria O crime de embriaguez completa foi introduzido no código alemão em

1933 pelo §330, “a” e mantido na legislação penal de 1969. Nesse artigo

verifica-se que a punição não se deve a uma actio libera in causa, pois é

reconhecida a inimputabilidade do agente em estado de embriaguez plena,

embora seja punido pelo ato típico praticado nesse estado, desde que a

embriaguez tenha sido voluntária ou culposa.

Esse preceito está inserido também nos Códigos suíço (art. 263) e

austríaco (§ 523).

Page 91: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

91

Capítulo IV – O HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO

4.1. Código Criminal do Império do Brasil (1830)

O Código Criminal do Império do Brasil de 16 de dezembro de 1830, não

considerava a embriaguez como forma de escusa para o delito, mas o artigo 18,

parágrafo 9° trazia:

“São circumstancias attenuantes dos crimes:

Ter o delinqüente commetido o crime no estado de embriaguez.

Para que a embriaguez se considere circumstancia attenuante,

deverão intervir conjuctamente os seguintes requesitos:

1°- que o delinquente não tivesse antes della formado o projecto do

crime;

2°- que a embriaguez não fosse procurada pelo delinquente como

meio de o animar á perpretação do crime;

3°- que o delinquente não seja costumado em tal estado a

commeter crimes”.

Segundo a doutrina do Código Criminal, a embriaguez, voluntária ou

involuntária, desde que seja completa, enquadra-se no preceito do artigo 3°:

“Não haverá criminoso ou delinqüente sem má fé, isto é, sem conhecimento do

mal e intenção de o praticar”.

A embriaguez, sendo incompleta e voluntária, é considerada atenuante

(artigo 18, §9°), desde que não se tenha dado nenhuma das condições

Page 92: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

92

exclusivas do parágrafo citado. A embriaguez incompleta e involuntária é de

mesma forma considerada atenuante, nas mesmas condições.

Para que haja atenuante, a embriaguez não pode ser pré-ordenada,

voluntária e contumaz, como consta do parágrafo supracitado e transcrito e na

ordem dos itens ali dispostos, assim sendo, o código criminal de 1830, definiu a

actio libera in causa de forma indireta.

O artigo 166, do mesmo código dispõe o seguinte:

“O empregado público, que fôr convencido de incontinencia

publica, e escandalosa; ou de vicio de jogos prohibidos, ou de

embriaguez repetida; ou de haver-se com ineptidão notoria, ou

desidia habitual no desempenho de suas funcções.

Penas - de perda de emprego com inhabilidade para obter outro,

enquanto não fizer constar a sua completa emenda”.

Divergiam os comentadores do código quanto ao entendimento que a

embriaguez além de ser atenuante, constituiria também uma dirimente (são

partidários desse pensamento: Thomaz Alves e Cunha Mendes), e outros que

imaginavam-na somente como uma atenuante (tal como Liberato Barroso, João

Vieira), e neste sentido se pronuncia a jurisprudência.

Através de leis especiais, conferia-se aos juízes de paz e às autoridades

policiais a atribuição de obrigar os bêbados a assinar termo de bem viver e a de

por em custódia o bêbado durante o período em que esteja com suas condições

mentais afetadas e a de corrigir os bêbados por vício turbulento76.

4.2. Código Penal da República Velha (1890)

4.2.1. A origem da redação do Código 76 SIQUEIRA, Galdino. Tratado de Direito Penal, parte geral, tomo I. Editor José Konfino: Rio de Janeiro, 1950, 2ª edição, p. 456.

Page 93: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

93

O dispositivo do artigo 27 §4°, dispõe que:

“Não são criminosos:

4° Os que se acharem em estado de completa privação de

sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime.”77

O emprego da palavra privação em vez de perturbação deve ser atribuído

a um erro de revisão na publicação de 1890, pelo qual foi alterado o projeto

organizado por J. Baptista Pereira.

Se a exigência de uma "completa privação" não era bastante para impedir

o abusivo reconhecimento da dirimente, muito menos o será a da simples

"completa perturbação". Deveria, então, ter o legislador brasileiro em vez de

modificar ligeiramente o texto do §4°, escolhido uma fórmula diferente, entre

tantas que as legislações oferecem, mais de harmonia com os progressos da

ciência e com as necessidades da repressão penal78. Essa grande divergência

existente na doutrina mundial dessa época será analisada a seguir, assim como

a fonte de tal redação e como outros países resolveram-na.

O legislador brasileiro para redigir o dispositivo acima se inspirou no

Código de Baviera (1813), artigo 121 §9°, que estabelece que

"em uma perturbação qualquer dos sentidos ou da intelligencia,

não imputável ao agente, e durante a qual este não tivesse tido a

consciencia do facto ou de sua criminalidade".

As expressões do código Bávaro já haviam sido emendadas por outras

legislações territoriais da Alemanha. Assim a de Wuertemberg preferira os

dizeres - "transitória perturbação completa dos sentidos ou da inteligência". O 77 Posteriormente, houve uma alteração nos termos, segundo a Lei n° 4780 de 1923, no seu artigo 38: em lugar de "privação", leia-se "perturbação". 78 Código Penal dos Estados Unidos do Brasil comentado, volume 1, Brasília, Senado Federal, Conselho Editorial: Superior Tribunal de Justiça, 2004, p.189.

Page 94: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

94

mesmo fizera a de Baden (1845).

Corrigiu, assim, o legislador brasileiro a redundância do Código Bávaro,

exigindo, além disso, que a privação completa fosse dos sentidos e da

inteligência, isto é, das faculdades intelectuais e afetivas. Do confronto das duas

disposições resulta ainda, que o legislador brasileiro suprimiu no artigo 27 §4°

as palavras “não imputável ao agente”, que se encontram no artigo 121 §9° do

Código da Baviera.

O intuito evidente do legislador brasileiro foi exigir que se caracterizasse

devidamente a imputabilidade criminal e que o dolo pertencesse ao mesmo

momento da execução do crime. Desta maneira, pode-se demonstrar que no

momento da execução do crime o agente se achava em uma perturbação

completa da inteligência e dos sentidos ocasionada pela embriaguez, embora

procurada anteriormente para a prática do crime, isto é, preordenada ao crime,

não será ele responsável criminalmente, porque terá em seu favor uma causa

dirimente da imputabilidade, prevista no Código Penal, artigo 27 §4°. Deste

modo se lhe afigurou, que a coincidência da natureza do ato executado em

estado de inconsciência com a resolução previamente formada no estado

normal da vida psíquica, deve ser considerada mera casualidade79.

O projeto do Código de Baviera tinha enumerado como casos de

irresponsabilidade, a embriaguez absoluta, o paroxismo de uma cólera legítima

provocada por uma ofensa imerecida, o sono, o entorpecimento produzido pelos

narcóticos e o sonambulismo.

Esta enumeração foi suprimida, porque se considerou que os casos

assim determinados estavam compreendidos no citado artigo 121 §9° do Código

Bávaro e que outros casos, nomeadamente os de cólera ou aflição violenta não

eram sempre exclusivos de imputabilidade.

Segundo Drummond, o fato de a lei só compreender a pena como castigo

e admitir a aplicação da suas sanções apenas às infrações imputáveis e

culposas traz grandes problemas ao sistema judiciário brasileiro, tendo em vista

79 Direito Criminal - Paulo Domingues Vianna, Direito Criminal - Segundo as Prelecções professadas por Lima Drummond na Faculdade Livre de Sciencias Juridicas e Sociaes do Rio de Janeiro, 5° edição, F.Briguet & C.IA-Editores, Rio de Janeiro, páginas 133 a 135.

Page 95: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

95

que dá mais um recurso ao criminoso80. Para justificar tal afirmação leva em

conta que a lei entrega o conhecimento das mais difíceis questões de

psiquiatria, dos mais árduos problemas psíquicos a um Júri popular,

completamente insciente de tais assuntos, ingenuamente crédulo e de uma

emotividade tão facilmente excitável e tão igualmente explorável.

Vai além, ainda, ao acusar de forma veemente o legislador que, como se

percebe no confronto entre o código de 1890 e o de 1830, não se envergonha

de impor à legislação do seu país um recuo, uma contra marcha de mais de

meio século.

Souza Lima e Filinto Bastos concordam ao censurar a expressão de que

se serviu o Código “privação de sentidos e inteligência” a qual, em acepção

rigorosa, só é aplicável ao indivíduo real ou aparentemente morto, mas em todo

o caso impossibilitado de praticar qualquer ato81. Carvalho Durão era partidário

dessa censura também e demonstra esse sentimento ao escrever que o estado

de completa privação de sentidos e de inteligência era incompatível com a

atividade física e psíquica anormal necessária para que houvesse um ato sobre

cuja imputabilidade moral ou jurídica se tivesse de pronunciar qualquer decisão.

Que os tribunais e juizes, não podendo deixar de conformar-se com o texto

expresso do código, seriam forçados a condenar todos os loucos que não

padecessem de imbecilidade ou enfraquecimento senil, pois o §4° do artigo 27

não podia ter aplicação a espécie alguma de loucura.

Baptista Pereira, em suas notas históricas82 explicou a fonte e o sentido

dessa disposição. Embora a classificando de infeliz, defendeu-a João Monteiro:

"não é licito negar a possibilidade da existência de pessoa viva

completamente privada, em dado momento, de sentidos e de

intelligencia.

Basta abrir qualquer tratado de psychiatria e entender as lições de

80 DRUMMOND, Magalhães. Aspectos do Problema Penal Brasileiro. Editora Revista Forense, Rio de Janeiro, p.99. 81 BASTOS, Conselheiro Filinto J. F.. Breves lições de direito penal. Bahia: Litho-Typografia Almeida, 1906, p.191. 82 Revista o Direito 1891, p. 181.

Page 96: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

96

Ribot, Tardieu, Lombroso, Zïino, Schhlager, Kraft-Ebing ou

qualquer outra autoridade em psycho-pathoologia legal. O codigo

penal é muito ruim - tão ruim que nem sabe o que seja crime - mas

ninguém tem o direito de suppor que naquella passagem se tivesse

alludido ao defunto (...) Não, não é somente no cadáver que se dá

completa privação de sentidos e de intelligencia".

Deve-se levar, ainda, em consideração, que a censura feita fere

princípios da hermenêutica jurídica, tal qual apontado por Paula Baptista:

"do sentido defeituoso e normal deve o interprete abster-se, e tal

se diz o que atribui à lei algum absurdo, que fere a razão natural -

o que enerva o sentido da lei ao ponto de ficar ilusória, ou a faz

contraditória consigo mesma."83

Souza Lima dá-se conta do apontado acima e, assim, observa que a

mesma disposição, devidamente interpretada, refere-se aos casos de privação

completa de razão e da inteligência, aos casos de loucura confirmada, sem

discriminação de gênero, de forma ou modalidade.

O código de 1890 refere-se à isenção de culpabilidade em resultado de

afecção mental, considerando que esses devem ser entregues às suas famílias,

ou, quando necessário, recolhidos a hospitais próprios para tratamento de suas

enfermidades (artigo 29).

Quando o agente do crime se acha no estado patológico de absoluta

insanidade mental, não se o pode incriminar pelos atos que pratica; a

perturbação de sua inteligência, nesta enfermidade do espírito, priva-o da

consciência, oblitera-lhe completamente a noção de lei, que para ele é como se

não existisse, e seria um absurdo que a lei penal fizesse sentir o rigor da pena

em indivíduo que estejam nessas condições.

Assim concordava Zanardelli, que dizia que:

83 BAPTISTA, Paula. Compendio de Hermenêutica Jurídica apud BASTOS, Conselheiro Filinto J. F.. Breves lições de direito penal.

Page 97: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

97

“A palavra mente, deve ser entendida na sua mais ampla

significação, compreendendo todas as faculdades físicas do

homem, inatas ou adquiridas, simples ou compostas, da

inteligência à vontade, do raciocínio ao senso moral".

Ao fazer essa colocação, fazia menção aos artigos 46 e 47 do código

italiano vigente na época que tratava não da exclusão da imputabilidade, mas

sim da diminuição de pena visto que o agente estivesse em estado de

enfermidade ou de consciência reduzida para a compreensão necessária de

seus atos.

Parece que o nosso Código, quando se refere à afecção mental não quis

dar a este adjetivo o significado amplo que o dado ao substantivo mente por

Zanardelli; quis referir-se à insanidade da inteligência, deixando consignada no

artigo 27 §5°, a falta de imputação por ter sido compelido por violência física

irresistível ou ameaças de perigo real.

Essa enfermidade ou afecção mental que, na ocasião de ser cometido o

crime, anula completamente a razão, torna o agente completamente

irresponsável. Se, porém, a alteração de seu estado mental não chegou a privá-

lo da consciência de seus atos e apenas modificou-lhe a imputabilidade, tirando-

lhe o pleno conhecimento do mal realizado, terá somente uma circunstância

atenuante.

4.2.2. O conceito de embriaguez da época

Nesse trabalho faz-se a análise somente do efeito da embriaguez sobre o

pensar do indivíduo, pois como coloca Von Liszt, a exposição das diversas

formas da enferma perturbação da atividade mental não é objeto do direito

penal, portanto a administração da justiça as deva conhecer para pedir, quando

for necessário, o parecer dos peritos. O Código Penal Alemão, em seu artigo 51,

designa as perturbações da mente como estados "de inconsciência". A esta

Page 98: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

98

categoria pertencem a embriaguez, o desmaio, o sono, a chamada embriaguez

do sono, a sugestão hipnótica.

A embriaguez pode ser dividida em estágios:

- a aguda: é a mais comum de todas;

- a sub-aguda: caracterizada pelo delirium tremens (enfermidade física);

- e a crônica, verdadeira alienação mental, que, perturbando todas as

faculdades psíquicas, produz graves modificações no organismo.

Relativamente, aos graus da embriaguez, podemos subdividir em alegre,

furiosa ou letárgica. Estas diversas gradações se reduzem: a embriaguez plena

ou perfeita, abrangendo a furiosa e a letárgica; a menos plena ou imperfeita, que

é a alegre.

4.2.3. A embriaguez perante o Código

Haus propõe que: "a embriaguez completa destrói o uso da razão e da

liberdade", entretanto, sustenta que, mesmo neste estado, se a resolução do

crime tiver sido tomada antes da embriaguez e esta serviu apenas para

estimulá-la, a culpabilidade não deve ser diminuída, e sim agravada.

Do artigo 27 §4°, pode-se depreender, também, que a embriaguez

completa tem, assim, ação dirimente. No momento em que está completamente

tomado pela ação inebriante não há possibilidade de crime; o indivíduo é

inteiramente passivo, incapaz da menor ação ou reação, ao contrário exposto

aos maiores perigos pela inconsciência e degradação do seu estado.

Drummond imagina que o intuito real do legislador ao escrever a redação

tal qual fora previamente mostrada era de que o dolo e a execução do crime

fossem contemporâneos para que, assim, se caracterizasse o crime. De forma

Page 99: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

99

contrária, pronuncia-se Costa e Silva que entende que se o legislador não

inseriu nesse parágrafo uma palavra ou frase equivalente à expressão “sem

culpa” encontrada no Código Bávaro, não é possível subentender que a sua

intenção fosse a de reconhecer a não imputabilidade das actione liberae in

causa. Partidário dessa opinião encontramos Narcélio de Queiroz que ressalta

que o Código Alemão reconhecia pela doutrina e jurisprudência dos tribunais a

punibilidade das actione liberae in causa.

Encontramos uma forma atenuante no artigo 42 §10:

“São circumstancias attenuantes:

Ter o delinquente cometido o crime em estado de embriaguez

incompleta e não procurada como meio de o animar a perpretação

do crime, não sendo acostumado a cometer crimes nesse estado”.

Para se dar o atenuante contido nesse parágrafo é imprescindível que o

agente não tenha procurado a bebida como um estímulo para o crime, ou que

não tenha por hábito cometer crimes quando embriagado. Esse parágrafo trata

do período da embriaguez em que o agente não está de todo privado de sua

razão, sem intenção de lhe abalar a mentalidade. Em outras palavras analisa se

aquele estado não tenha o ébrio dolosamente procurado para, mais animado,

cometer o crime, ou se não se lhe puder por em culpa a embriaguez, porque ele

não costuma cometer crimes, quando ébrio, e assim não se dando culpa nem

dolo no agente quando se embriagou. Se neste estado cometer algum crime, a

perturbação mental, mais ou menos sensível, o Código atenua a pena que deve

ser imposta ao agente.

Relativo a esse artigo há uma dúvida levantada por Lyra à respeito da

vigência dessa atenuação já que ela se baseia numa contravenção, não

podendo, portanto, desempenhar tal papel e muito menos dirimir

responsabilidade.

Porém a maioria dos criminalistas da época não se convenceram dos

argumentos aqui postos e assim a embriaguez foi tratada pelo Código de forma

indulgente.

Page 100: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

100

Além dos crimes previstos pelo Código Penal de 1890, este ainda trata

das contravenções em espécie. Os artigos correspondentes e relevantes estão

transcritos abaixo.

“Artigo 396. Embriagar-se por hábito, ou apresentar-se em publico

em estado de embriaguez manifesta:

Pena - de prisão cellular por quinze a trinta dias.

Artigo 397. Fornecer a alguem, em lugar frequentado pelo publico,

bebidas com o fim de embriaga-lo, ou de augmentar-lhe a

embriaguez:

Pena -de prisão cellular por quinze a trinta dias.

Paragrapho unico. Se o fato fôr praticado com alguma pessoa

menor, ou que se ache manifestamente e estado anormal por

fraqueza ou alteração da intelligencia:

Pena - de prisão cellular por dous a quatro mezes.

Artigo 398 - Se o infractor fôr dono da casa de vender bebidas ou

substancias inebriantes:

Penas - de prisão cellular por um a quatro mezes, e multa de 50$ a

100$000.“

Cabe aqui a informação que os artigos 396 a 398 foram derrogados pelos

artigos 2 e 3 do decreto n° 4294, de 6 de julho de 1921.84

4.3. Os projetos de Vieira de Araújo (1893)

84 Tratado de Direito Penal,Parte Geral, Tomo I, Editor José Konfino, Rio de Janeiro, 1947, página 473

Page 101: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

101

Já que havia pressa em realizar alterações no Código Penal de 1890,

Vieira Araújo as propõe e são analisadas por Baptista Pereira e por João

Monteiro. Pouco tempo depois, Vieira Araújo propõe outro projeto, que foi

aprovado pela Câmara dos Deputados, mas nunca chegou a ser examinado

pelo Senado. Com Vieira de Araújo, dá entrada no Brasil o positivismo italiano,

justificando de forma clara a sua animosidade para com o texto clássico do

Código de 1890.

4.4. Projeto Galdino Siqueira (1913)

Entre os projetos de reforma de nossa legislação penal cumpre referir o

de Galdino Siqueira, que mostrando-se perfeitamente integrado na corrente

moderna da doutrina, propôs prudentes normas a respeito.

Sobre este trabalho assim se exprimiu Jimenez de Asúa85:

“de correta técnica, mas cujas orientações me parecem

excessivamente clássicas, já que nem as medidas de segurança,

que por aquela época obtinham máximo auge por terem sido

consagradas nos projetos da Rússia, Alemanha e Áustria, têm

acolhida em seus artigos menos estimáveis que sua justificativa do

Projeto, documentada Exposição de Motivos que vai em vanguarda

do texto”86.

Na exposição de motivos escreveu Galdino:

"Nada obsta que possamos nos utilizar de nós mesmos em um

85 TENÓRIO, Oscar. Da Aplicação da Lei Penal. Livraria Jacinto, Rio de Janeiro, 1942, p. 81. 86 “de correcta técnica, pero cuyas orientaciones me parecen excesivamente clásicas, ya que ni las medidas de seguridad, que por aquella época lograban máximo auge por haber sido consagradas en los proyetos de Rusia, Alemania y Austria, tienen acogida en sus artículos menos estimables que su justificação do Projeto, documentada Exposición de Motivos que va en vanguarda del texto".

Page 102: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

102

estado de perturbação mental ou de embriaguez para a execução

de planos preconcebidos. Desde que haja nexo causal e culpa em

relação ao resultado, nenhuma difficuldade encontra a apreciação

juridica. No momento decisivo- e este não é o da realização do

resultado, mas o do impulso dado para o desdobramento da cadeia

causal- existia a imputabilidade"

E estabeleceu no projeto:

"Artigo 13- Não são criminosos:

§2° -Os indivíduos que, no momento de commetterem o ato,e em

virtude de alienação mental, não puderem se determinar por

motivos normaes.

§ Único- Não são compreendidos nesta disposição os que se

acharem na situação nella prevista, em virtude de embriaguez

voluntária ou habitual, desde que a acção commettida esteja

prevista como crime culposo, ou de embriaguez procurada para

facilitar a execução do crime ou como expediente para obter a

impunidade, casos em que serão aplicadas as penas estabelecidas

para os crimes commetidos, com o argumento da sexta parte em

caso de embriaguez habitual."

Na Exposição de Motivos:

"Nada obsta que possamos nos utilizar em um estado de

perturbação mental ou embriaguez para a execução de planos

préconcebidos. Desde que há nexo causal e culpa em relação ao

resultado, nenhuma dificuldade encontra a apreciação jurídica. No

momento decisivo- e este não é o da realização do resultado, mas

o do impulso dado para o desdobramento da cadeia causal- existia

Page 103: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

103

a imputabilidade"87.

4.5. Projeto Virgílio Sá Pereira (1928)

O projeto Sá Pereira88, inspirando-se no Código Italiano, ocupava-se do

estado voluntário e transitório de inconsciência, produzido pelo álcool ou por

substância de natureza analgésica ou entorpecente, caso que nem excluía nem

diminuía a imputabilidade (artigo 22).

No artigo 23 se ocupava da embriaguez, devida a caso fortuito ou força

maior, que sendo plena, excluía, e não sendo, diminuía a imputabilidade.

No artigo 24 se ocupava da intoxicação crônica pelo álcool ou por

substância de natureza analgésica ou entorpecente, que, influía sobre a

imputabilidade, para excluí-la ou diminuí-la.89

4.6. Consolidação das Leis Penais (1932)

A Consolidação das Leis Penais de autoria de Vicente Piragibe, aprovada

e adotada pelo decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932, não trouxe

inovações quanto à embriaguez, apenas limitando-se a ratificar as disposições

do Código Penal de 1890. conforme dispõe:

“Art. 27

87 QUEIROZ, Narcélio. Theoria da "actio libera in causa". Livraria Jacintho, Editora, 1936. 88 SIQUEIRA, Galdino. Ob cit., p.473. 89 “Artigo 22-A imputabilidade não é excluída nem diminuída por um estado voluntário e transitório de inconsciência, ou de grave alteração da consciência, produzido pelo álcool, ou por substâncias de natureza analgésica ou entorpecente. Artigo 23- A embriaguez devido a caso fortuito ou força maior, sendo plena, exclui, e não sendo, diminui a imputabilidade. Artigo 24- A intoxicação crônica pelo álcool ou por substâncias de natureza analgésica ou entorpecente, influi sobre a imputabilidade, para excluí-la ou diminuí-la”.

Page 104: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

104

Não são criminosos:

§ 4°- os que se acharem em estado de completa perturbação de

sentidos e de intelligencia no acto de commetter o crime.”

4.7. Projeto Alcântara Machado (1938)

Solicitou Francisco Campos, com o advento do Estado Novo, um projeto

de Código Penal a Alcântara Machado. No dia 15 de maio de 1938 esse projeto

foi publicado sob o nome Código Criminal Brasileiro.

O projeto foi revisto por uma comissão composta por Vieira Braga,

Roberto Lyra, Narcélio de Queiroz e Nélson Hungria, tendo a colaboração de

Antonio José da Costa e Silva. O projeto Alcântara Machado traz em sua

redação os seguintes artigos:

“Artigo 18,II

Não autoriza nem a isenção, nem a diminuição de pena: a

embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, salvo se

devida a caso fortuito ou força maior “.

O artigo 24, dispõe:

“Não excluem a responsabilidade penal:

II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância

de efeitos análogos.

§1° - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa,

proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação

Page 105: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

105

ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter

criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento.

§2° - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente,

por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não

possuía, ao tempo da ação ou omissão, a plena capacidade de

entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de

acordo com esse entendimento”.

Essa comissão revisora fez reparos ao projeto, modificando-o

substancialmente, o que levou Alcântara Machado a refazer o seu trabalho,

apresentando-o em abril de 1940, em nova redação.

4.8. Código Penal de 1940

O projeto Alcântara Machado foi muito modificado e originou-se um novo

Código, sancionado em 7 de dezembro de 1940, quando o Congresso Nacional

ainda permanecia em recesso decretado pela ditadura Vargas em 10 de

novembro de 1937, com entrada em vigor em 1° de janeiro de 1942, na vigência

da Constituição de 1937.

Devido à proporção dessas mudanças Basileu Garcia90 pensa que o

Código não corresponde exatamente ao Projeto Alcântara Machado, assim

como Francisco Campos, na Exposição de Motivos(n° 86), deixa claro que da

revisão resultou um novo projeto.

O Código Penal sofreu influência do Projeto de Sá Pereira e dos projetos de

Código da Europa, especialmente dos Códigos italiano e suíço. Anteprojetos,

esses, que foram marcados pelas linhas do tecnicismo jurídico ou pelos

postulados do neo-positivismo jurídico, o qual não guardava mais qualquer

90 GARCIA, Basileu. Ob. Cit., p.10.

Page 106: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

106

semelhança com o positivismo naturalista.

Houve, contudo, muitos elogios ao Projeto Alcântara Machado, pois

apresentava certa originalidade em relação aos códigos dos países

mencionados.

Baseando-se nos projetos anteriores citados e levando em consideração

as injustiças cometidas devido ao texto indulgente do Código anterior, em 1940

foi promulgada uma nova redação que continha leis mais rigorosas para os

delitos cometidos em estado de embriaguez, de qualquer espécie que fosse,

voluntária ou culposa, preordenada ou habitual.

Quanto à embriaguez dita preordenada, pode-se depreender uma

menção no título V, Das penas, e capítulo II, Da aplicação da pena, onde

encontra-se o elenco das Circunstâncias agravantes, no artigo 44, II, letra c: “ter

o agente cometido o crime, depois de embriagar-se propositadamente para

cometê-lo”. Como se vê pela redação é uma outra modalidade, além da

voluntária e culposa, perfeitamente delimitada caracterizando um caso de actio

libera in causa. Embora tivesse um modelo a ser seguido, o Código Penal

italiano, que possui um título adequado (Della imputabilitá), o nosso Código

optou por abordagem própria.

No título VI encontram-se as medidas de segurança, sendo que o art. 78,

III, trata dos presumidos perigosos: “os condenados por crime cometido em

estado de embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, se habitual

a embriaguez”.

Essa outra espécie de embriaguez em nada afeta o critério de

imputabilidade. Afasta-se, portanto, Código Penal italiano que propõe um

aumento de pena e internação do criminoso em casa de tratamento e de

custódia em caso de embriaguez habitual (arts. 94 e 221).

O nosso código também não cuida da intensidade da intoxicação, ao

contrário do italiano que dispõe sanções diferentes proporcionais a cada caso. O

código italiano apreciou de forma muito mais técnica que o nosso as alterações

psíquicas causadas por substâncias estupefacientes semelhantes às da

embriaguez. Não é usado o termo - estupefaciente - e sim uma expressão mais

vaga – substância de efeitos análogos, como constata-se no desenvolvimento

da concepção na Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal de

Page 107: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

107

1940 nas palavras de Francisco Campos:

"Ao resolver o problema da embriaguez (pelo álcool ou de

substância de efeitos análogos) do ponto de vista da

responsabilidade penal, o projeto aceitou em toda a sua plenitude

a teoria da actio libera in causa ad libertatem relata, que,

modernamente, não se limita ao estado de inconsciência

preordenado, mas se estende a todos os casos em que o agente

se deixou arrastar ao estado de inconsciência”.

Com o surgimento desse novo termo, não havia mais a necessidade de

se elencar um rol de substâncias, já que a expressão indicava sem equívocos, a

qualidade dos compostos que se enquadram na categoria ao analisar-se a

descrição dos tóxicos encontrados no Decreto-lei n.º 891, de 25 de novembro de

1938. Não fora utilizado o termo estupefaciente, como no Código italiano, devido

ao fato de as drogas poderem ser dessa categoria, quando levam à inércia, não

produzindo reações criminosas, ou, ainda, excitantes, quando tornam o agente

perigoso a si e aos demais. Pode-se, além disso, haver intoxicação múltipla, na

qual predomina o tóxico mais forte.

Em resumo, temos que a embriaguez voluntária ou culposa, ainda que

plena, não isenta a responsabilidade penal e no caso daquela ter sido

preordenada responderá a título de dolo com pena agravada.

O Código, em questão, excetua os casos de embriaguez completa

derivado de caso fortuito ou de força maior da punição da responsabilidade

penal, de acordo com o Projeto Alcântara Machado e abraça a teoria da actio

libera in causa, como apontado na Exposição de Motivos acima transcrita.

4.9. Lei das Contravenções Penais (1941)

A Lei das Contravenções Penais foi estabelecida pelo decreto–lei 3688,

Page 108: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

108

de 3 de outubro de 1941 e prevê a punição da embriaguez a título de

contravenção.

“Embriaguez

Artigo 62 - Apresentar-se publicamente em estado de embriaguez,

de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança

própria ou alheia:

§ único. Se habitual a embriaguez, o contraventor é internado em

casa de custódia e tratamento.

Pena - Prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou

multa.

Parágrafo único. Se habitual a embriaguez, o contraventor é

internado em casa de custódia e tratamento”.

4.10. Projeto Nélson Hungria (1961 a 1969) e Código Penal de 1969

Nelson Hungria recebeu em 1961 a incumbência de elaborar o

anteprojeto para modificação do Código Penal de 1940. Esse anteprojeto foi

publicado em 1963 e revisto no ano seguinte por uma comissão constituída por:

Nélson Hungria, Aníbal Bruno e Heleno Cláudio Fragoso. Posteriormente uma

nova comissão, que contava, além do último jurista, com Benjamin Moraes Filho

e Ivo d’Aquino, efetuou nova revisão.

Desse trabalho resultou o Código Penal de 1969 pelo Decreto-lei n.

1.004, de 21 de outubro de 1969 para entrar em vigência a partir de 1º de

janeiro de 1970. Porém, antes que isso ocorresse, foram elaboradas diversas

críticas a respeito do Código Penal, referentes à adoção da pena indeterminada

Page 109: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

109

e da idade mínima de 16 anos para imputabilidade. Essas observações fizeram

que fosse adiada a promulgação do Código por inúmeras vezes, até que foi

revogado pela Lei n° 6578 de 10 de outubro de 1978, nem nunca ter entrado em

vigor.

Na redação do código referente à embriaguez desapareceu o artigo 24 do

Código de 1940, que continha a informação que a embriaguez, voluntária ou

culposa, pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos não excluía a

responsabilidade penal. Porém isso não indica um retrocesso, no qual a

embriaguez voltaria a ser uma escusa para isenção de pena, já que continha

artigos com dispositivos atenuantes, dirimentes e agravantes, no caso de

preordenamento, referentes ao tema discutido, tais quais os apresentados a

seguir.

“Artigo 32 - Não é igualmente imputável o agente que, por

embriaguez incompleta, proveniente de caso fortuito ou força

maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz

de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo

com esse entendimento”.

Segundo artigo 92 se ficasse provado que os inimputáveis poderiam

oferecer risco à sociedade seriam internados em manicômios jurídicos. Aqueles

que fossem detidos por delito e esse oriundo de embriaguez habitual seriam

submetidos a tratamento psiquiátrico em estabelecimento anexo ao manicômio

judiciário (art. 93, §3º).

Tal redação, embora, fosse omissa quanto aos casos de embriaguez

voluntária e culposa, trazia inovação quanto ao caso específico do embriagado

ao volante.

4.11. Lei de Tóxico (Lei 6368, de 21 de outubro de 1976)

Page 110: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

110

Vale ressaltar a Lei de Tóxico que altera as condições propostas até o

momento neste, tendo em vista a dependência química ou psíquica do agente

pela substância entorpecente.

“Art. 19. É isento de pena o agente que, em razão da dependência,

ou sob o efeito da substância entorpecente ou que determine

dependência física ou psíquica proveniente de caso fortuito ou

força maior, era ao tempo da ação ou omissão, qualquer que tenha

sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o

caráter ilícito de fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento.

Parágrafo Único - A pena pode ser reduzida de um terço a dois

terços se, por qualquer das circunstâncias previstas neste artigo, o

agente não possuía, ao tempo da ação ou omissão, a plena

capacidade de entender o caráter ilícito do ato ou de determinar-se

de acordo com esse entendimento”.

4.12. Lei 7209 de 11 de julho - Reforma penal de 1984

A nova parte geral do Código Penal, advinda com a reforma penal de

1984, retirou a figura da embriaguez habitual, existente no Código Penal de

1940 e que permitia a imposição de medida de segurança, mas não trouxe

mudanças quanto à embriaguez excludente da imputabilidade. Mantida a

fórmula anterior, inovou-se apenas quanto à terminologia, não mais falando a lei

em caráter criminoso do fato, mas em caráter ilícito do fato.

Quanto ao grau ou intensidade, a lei distinguiu a embriaguez completa

(art.28 §1°) da incompleta (art. 28 §2°). Segundo a disposição dos artigos

citados para que possa a embriaguez isentar o agente de pena, é indispensável

ao agente a coexistência dos seguintes requisitos:

Page 111: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

111

- causal (proveniente de caso fortuito ou força maior);

- quantitativo (completa);

- cronológico (tempo da ação ou da omissão);

- conseqüencial (inteira capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de

determinar-se de acordo com esse entendimento)

No que se refere aos efeitos jurídicos das várias formas de embriaguez,

deve-se considerar que a embriaguez acidental completa, se incapacitar o

agente de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento, torna-o isento de pena. Se a embriaguez acidental for incompleta,

diminuindo do agente a plena capacidade de entendimento ou reduzindo-lhe a

determinação, atuará como causa de diminuição de pena.

Assim passou a dispor o Código Penal:

“Da Imputabilidade Penal

Artigo 28. Não excluem a imputabilidade Penal

Embriaguez

II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância

de efeitos análogos.

Parágrafo 1° - É isento de pena o agente que, por embriaguez

completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao

tempo da ação ou omissão; inteiramente incapaz de entender o

caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento.

Page 112: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

112

Parágrafo 2° - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o

agente, por embriaguez, proveniente, de caso fortuito ou força

maior, não possuía ao tempo da ação ou da omissão, a plena

capacidade de entender o caráter ilícito do dato ou de determinar-

se de acordo com esse entendimento”.

.

Quanto à causa, foram previstas três espécies:

- embriaguez acidental derivada do caso fortuito ou força maior, que é a

embriaguez não desejada, nem prevista. Estão aí englobados casos de ingestão

de bebida desconhecendo sua graduação alcoólica, a ingestão forçada por

terceiro, a pessoa que cai num tonel de bebida, ou o indivíduo que está sob

ação de droga que afeta o sistema nervoso e inadvertidamente toma bebida

alcoólica, restando com a consciência alterada.

- embriaguez não acidental, dita igualmente voluntária ou culposa. Embora o

efeito seja involuntário, a embriaguez é voluntária na causa que lhe dá origem.

Diferencia-se a anterior, voluntária, da embriaguez culposa pois, ainda que não

desejado o efeito, há a previsibilidade (culpa consciente, ou com previsão). Há,

ainda, os doutrinadores que se referem a uma embriaguez dolosa, como quando

alguém ingere o álcool com a finalidade de se embriagar, sem a intenção de

cometer um crime.

- embriaguez preordenada, quando o agente se embriaga para praticar o crime,

quer para preparar uma escusa, quer para se sentir encorajado pelo álcool.

A embriaguez não acidental, seja voluntária ou culposa, não exclui nem

atenua a pena Já quanto a preordenada encontramos no Código a seguinte

disposição:

“Circunstâncias agravantes

Page 113: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

113

Art. 61 -São circunstâncias que sempre agravam a pena quando

não constituem ou qualificam o crime:

II - ter o agente cometido o crime em estado de embriaguez

preordenada”.

Tenta-se justificar a imputabilidade penal na embriaguez, com o instituto

da actio libera in causa, na qual o agente voluntariamente se põe em estado de

incapacidade psicológica, predispondo de si próprio como instrumento de sua

intenção criminosa. O princípio das actiones liberae in causa justifica, num

primeiro momento, a punição do agente que comete o delito em estado de

embriaguez preordenada.

Não se pode estender tal princípio à embriaguez voluntária, em que o

agente ingere a bebida alcoólica somente para ficar bêbado, ou à embriaguez

culposa, em que se embriaga por imprudência ou negligência. Em ambas as

hipóteses o agente não pretendia praticar o crime. Porém essa abrangência é

feita na prática causando uma grande divergência entre os doutrinadores

brasileiros.

O legislador penal, ao considerar imputável aquele que em realidade não

o era, adotou a responsabilidade objetiva, que vai contra o princípio do nullum

crimen sine culpa, apresentado como nova idéia central do novo estatuto. No

capítulo da embriaguez, excetuada aquela preordenada, o Código fez reviver a

velha fórmula do versari in re illicita.

Basileu Garcia sustenta a verificação da responsabilidade objetiva no

Código Penal, antes da reforma, que não difere da sistemática atual nesse

particular. Para ser coerente com o princípio que não pode haver crime sem

culpa, o legislador teria dois caminhos a seguir: ou responsabilizar o agente, a

título de culpa, pelo crime cometido, se previsto em sua modalidade culposa; ou

criar o crime de embriaguez, que teria como condição objetiva de punibilidade o

evento danoso realizado em estado de ebriedade.

Era, entretanto, extremamente necessário que o legislador afirmasse que

foi compelido a aceitar a responsabilidade objetiva, neste ponto, para evitar as

escusas absolutórias que passariam os criminosos a buscar, com o uso abusivo

Page 114: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

114

do álcool e substâncias similares.

A actio libera in causa aproxima-se da responsabilidade objetiva ao

abranger casos onde tecnicamente não houve nem dolo nem culpa,

responsabilizando-o sem esses conceitos essenciais de nosso código. Mas

afasta-se em nos casos em que verifica-se o nexo causal, buscando dolo ou

culpa, para que se identifique o tipo de embriaguez existente.

4.13. Projeto de reforma do Código Penal

Resultado dos trabalhos de uma comissão presidida pelo professor

Miguel Reale Jr., está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei

3473/2000, que cuida da reforma da parte geral do Código Penal. Entretanto, o

projeto não contempla qualquer modificação nos dispositivos afetos à

embriaguez, atualmente em vigor.

Page 115: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

115

CONCLUSÃO

Nosso código considera inimputável aquele que está durante o delito

privado de sua consciência a ponto de não conseguir reconhecer a ilicitude do

fato praticado ou então que não possa se determinar diante disso. Assim houve

por muito tempo a discussão à respeito dos crimes cometidos sob efeito da

embriaguez, já que essa é capaz de privar ou reduzir a capacidade do agente

de raciocínio lógico ou, ainda, desinibir o indivíduo para que haja de acordo com

suas vontades, e não de encontro à razão.

Durante o regime do Código de 1890 a embriaguez foi tratada

indulgentemente, sendo apontada como atenuante da criminalidade, quando

incompleta (artigo 42, § 10) e como dirimente, se completa (artigo 27 § 4º). Com

exceção do projeto Vieira de Araújo (1893), toda redação seqüencial

demonstrou um caráter punitivo àqueles que delinqüissem sob ação da

embriaguez.

O instituto da actio libera in causa pode ser aplicado ao caso de

embriaguez preordenada, pois analisa e busca o dolo ou a culpa, requisitos

essenciais perante nosso sistema judiciário, num momento anterior ao crime e

que tenha sido causa do mesmo. Esse artifício evita que o criminoso utilize a

embriaguez a fim de cometer crime ou mesmo de ter uma desculpa para ele.

Portanto, a embriaguez pode ser preordenada, constituindo o caso em

que há intenção de se cometer um crime, no qual não há dúvida alguma sobre

sua aplicação. Há o caso da embriaguez acidental derivada de caso fortuito ou

força maior, em que a maioria dos códigos do mundo lida de forma indulgente.

Pode, também, ser não acidental, dividindo-se em voluntária ou culposa, quando

era possível de se prever o resultado ou deveria sê-lo, mas não havia a intenção

de se embriagar e em dolosa, quando essa intenção era existente e o delito não.

Nesse último caso há o problema de não se encontrar o dolo ou a culpa

relativos ao crime, o que não satisfaz o uso da actio libera in causa, e que nesse

momento se aproxima da responsabilidade objetiva.

Isso ocorre porque na mente do agente não se poderia passar o

Page 116: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

116

pensamento de cometer um crime se fora apenas beber por prazer, e acaba se

embriagando. Portanto a imputação só lhe pode ser feita a título objetivo, de

modo que a responsabilidade não decorre da actio libera in causa.

Aí encontram-se as principais divergências da teoria, pois se o ébrio pode

agir com dolo ou culpa, mesmo que por uma vontade residual, não seria

necessário, então, clamar pela actio libera in causa. E se ele pode fazê-lo dever-

se-ia também levar em consideração a possibilidade de erro por parte do

agente, por ter sido ludibriado pela sua mente.

A teoria nada fala a respeito de casos que não poderiam ser previstos

pelo ébrio, ainda mais porque nessa condição tudo se torna possível e portanto

previsível, porém tecnicamente nunca se apresentou um caso que seguisse

esse pensamento, aproximando-se mais da responsabilidade objetiva, mas se

afastando ao ponto em que haverá o exame de dolo ou culpa.

No entanto, embora pareça ser consagrada a responsabilidade objetiva,

cabe afirmar que a actio libera in causa veio a auxiliar no sistema penal e

diminuir a impunidade outrora existente.

Page 117: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

117

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale-Parte Generale. Milano: Giuffrè Editore, 14° edição, 1997.

ANTUNES, João Maria. Código penal. Portugal: Coimbra Editora, 11ª edição.

A. A. Da Costa E. Código Penal (Decreto - Lei 2848 de 7 de dezembro de 1940).

São Paulo: v. I, 1943.

ARAGÃO, Antonio Moniz Sodré De. As três Escolas Penais. São Paulo: Livraria

Freitas Bastos S. A., 6° edição, 1955.

ASÚA, Luis Jiménez de. Tratado de Derecho Penal. Buenos Aires: Editorial

Losada, S.A. Cuarta Edicion, t. V, 1950.

BADARÓ, Ramagem. Da imputabilidade e responsabilidade na sistemática

penal. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1970.

BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal – parte geral. São Paulo:

Saraiva, 4ª edição, v. I, 2004.

BASTOS, Filinto Justiniano Ferreira. Lições de Direito Penal, Parte Primeira.

Bahia: Litho-Typografia Almeida, 1906.

BATTAGLINI, Giulio. Direito Penal, Parte Geral; Tradução de Paulo José da

Costa Jr. e Armida Bergamini Miotto. São Paulo: Saraiva, Editora da

Universidade de São Paulo, 1973.

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas, Tradução: J. CRETELLA JR. e AGNES CRETELLA. Editora Revista dos Tribunais, 2° edição.

BETTIOL, Giuseppe. Diritto Penale – Parte Generale. 7ª edição. Itália: CEDAM,

Page 118: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

118

1969.

__________. Direito Penal; Tradução Brasileira e notas do professor Paulo José da

Costa Júnior e Alberto Silva Franco. Volume I, São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2° edição, 1977.

__________. Direito Penal; Tradução Brasileira e notas de Paulo José da Costa

Júnior e Alberto Silva Franco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, v.

II, 1971.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Editora

Saraiva, 7ª edição, 2000.

__________; Conde, Feancisco Munoz. Teoria Geral do delito (bilíngüe). São Paulo:

Editora Saraiva, 2000.

BONFIM, Edílson Mougenot; CAPEZ, Fernando. Direito Penal – Parte Geral.

São Paulo: Editora Saraiva, 2004.

BRANDÃO, Cláudio. Teoria Jurídica do Crime. Editora Forense, 1ª edição, 2001.

BRUNO, Aníbal. Direito Penal I – Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, t.

II.

BUSATO, Paulo César. Valoração crítica da actio libera in causa a partir de um

conceito significativo de ação. Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre: v. 3,

n. 10, p 61-81, 2003.

CALLÓN, Cuello. Derecho Penal, Parte General. Barcelona: Bosch, Casa

Editorial-Apartedo 928- Barcelona, 6ª edição, t. I, 1943.

CAMARGO, Joaquim Augusto de. Direito Penal Brasileiro, São Paulo:

Typografia da Gazeta do Povo, 1881.

Page 119: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

119

CAMPELLO, Antonio Pedro de Araújo Barreto. Responsabilidade Criminal dos

Ébrios e Entorpecidos, 1959.

CHAMON Jr, Lúcio Antônio. Responsabilidade Penal e Embriaguez. Belo

Horizonte: Editora Melhoramentos, 2003.

COLACE, Filippo. Imputabilità e pericolosità nel códice penale vigente. Milão:

Società Editrice Libraria, 1938.

COSTA, Álvaro Mayrink da, Direito Penal - Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora

Forense, 7° edição, v. I, 2005.

COSTA JUNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, São Paulo: DPJ

Editora, 8° edição, 2005.

DELMANTO, Roberto; DELMANTO Jr, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de

Almeida. Código Penal Comentado. Editora Renovar, 6ª edição, 2002.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões Fundamentais do Direito Penal

Revisitadas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal – parte geral. Rio de Janeiro:

Forense, 2ª edição, 2004.

ECHANDÍA, Alfonso Reyes. Imputabilidad. Santa Fé de Bogotá: Editorial Temis

S. A. Colombia, 5ª edição, 2005.

DELMANTO, Roberto; DELMANTO Jr, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de

Almeida. Código Penal Comentado. Editora Renovar, 6ª edição, 2002.

DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal - Parte Geral. Portugal: Coimbra

Editora, t. 1, 2004.

Page 120: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

120

__________. Questões Fundamentais do Direito Penal Revisadas. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 1999.

DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal – parte geral. Rio de Janeiro:

Forense, 2ª edição, 2004.

FARIA, Bento de. Código Penal Brasileiro Comentado (Decreto - Lei n° 2848, de

7 de dezembro de 1940 ) - Parte Geral, Rio de Janeiro: Distribuidora Récord

Editôra, 2° edição, v. II, 1958.

__________. Das Contravenções Penais. (Decreto - Lei n° 3688, de 3 de outubro de

1941 ), volume VIII, Rio de Janeiro: Distribuidora Récord Editôra, 1958

FÁVERO, Flamínio. Medicina Legal. São Paulo: Livraria Martins Editora, 4ª

edição, v. II,.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Pena l -Parte Geral. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 16° edição, 2003.

FRANCO, Ary, Direito Penal - I Parte, Rio de Janeiro: Typ, E Lith, Almeida

Marques & C., 1934.

FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no Direito

Penal. Brasil: Malheiros Editores, 2000.

GAMA, Affonso Dionysio. Código Penal Brasileiro (Decreto n° 847, de 11 de

outubro de 1890), São Paulo: Editores-Livraria Acadêmica Saraiva, 1929.

GARAY, Lucía Martínez. Revista de Derecho Penal y Criminologia, 2001.

GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 2ª edição.São Paulo: Max

Limonad, v. I, t. II, 1954.

Page 121: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

121

GOMES, Luiz Flávio (organizador). Código Penal, Código de Processo Penal e

Constituição Federal. São Paulo: 7ª edição, 2005.

HIRSCH, Hans Joachim. Acerca de la actio libera in causa, p. 173-191, 1999.

Em: Derecho Penal: obras completas. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 1999.

__________. Acerca de la actio libera in causa. Revista Penal. : nº 7, p. 67-75,

2001.

__________. Derecho Penal. Buenos Aires:Rubinzal- Culzoni Editores, t. I.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 4° edição, v. I, t. II, 1958. __________. Ciclo de Conferências sôbre o Anteprojeto do Código Penal Brasileiro.

São Paulo: Imprensa Oficial Do Estado, Serviço de Artes Gráficas, 1965.

ITAGIBA, Ivair Nogueira.Homicídio, Exclusão de Crime e Iseñção de Pena. Rio

de Janeiro, tomos I e II, 1958.

LISZT, Franz Von. Tratado De Derecho Penal, Traducido de La 20° Ediciòn

Alemana por Luis Jiménez De Asúa y adicionado con el Derecho Penal Español

por Quintiliano Saldaña. Madrid: Editorial Reus (S. A.), 2ª edição, t. II, 1927.

JUBERT, Ujala Joshi. La Doctrina de la “Actio Libera in Causa” em Derecho

Penal. Barcelona: Jose Maria Bosch Editor S. A., 1992.

Jurisprudência Brasileira Criminal 46 – Imputabilidade Penal. Curitiba: Juruá,

2003.

LARA, Silvia Hunold. Ordenações Filipinas – Livro V. São Paulo: Companhia das

Letras, 1999.

Page 122: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

122

LEÃO, Acylino de. Responsabilidade Criminal. Belém: Pap. Rio Branco, 1917.

LISZT, Franz Von. Tratado de Direito Penal Alemão – tomo I. 1ª edição.

Campinas: Russel, 2003.

LOUREIRO NETO, José da Silva. Embriaguez Delituosa. São Paulo, Editora

Saraiva, 1990.

LYRA, Roberto. Direito Penal Normativo. Rio de Janeiro: Editor José Konfino, 2° edição, 1977. __________. Expressão mais Simples do Direito Penal. (Introdução e Parte Geral),

Rio de Janeiro: Editor José Konfino.

__________. Novo Direito Penal. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, v. I, 1971

MAGGIORE, Giuseppe. Derecho Penal. Bogotá: Editoria Temis Bogotá, v. I,

1954.

MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Editora

Millennium, v. II, 2002.

MARTINS, José Salgado.Direito Penal, Introdução e Parte Geral. Edição Saraiva, 1974.

MELLO, Lydio Machado Bandeira de. Da responsabilidade penal e da isenção

de pena. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S. A., 2ª edição, v. II, 1962.

Mezger Edmund. Derecho Penal, Tomo I,Parte Generale, Valetta Ediciones, 2004.Buenos Aires. MIR PUIG, Santiago.Derecho Penal, Parte General. Montevideo – Buenos Aires: Editor Júlio César Faira, 7ª edição, 2005.

MOMMSEN, Teodoro. Derecho Penal Romano - Traducción del Alemán por P.

Page 123: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

123

Dorado. Bogotá: Editorial Temis Bogotá, 1976.

MORAES, Evaristo de. Embriaguez e Alcoolismo. Rio de Janeiro: Livraria

Jacintho.

NASCIMENTO, Walter Vieira do. A Embriaguez e outras Questões Penais. Rio de Janeiro.Rio de Janeiro: Editora Forense, 4° edição, 2000.

NERY, Fernando. Lições de Direito Criminal. Rio de Janeiro: Editora Guanabara,

4° edição, 1937.

NETO, Souza. O Motivo e o Dolo. São Paulo: Livraria Freitas Bastos S/A, 2ªedição, 1956.

NÓBREGA, Agripino F. da. A Justiça na Repressão ao Alcoolismo. Recife: 1956.

NORONHA, E. MAGALHÃES, Direito Penal - Introdução – Parte geral. Editora

Saraiva, 4ª edição, v. I, 1967.

NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2005.

__________. Código Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

3ª edição, 2003.

OLIVEIRA, José de Alcântara Machado de. A Embriaguez e a Responsabilidade

Criminal. São Paulo: Officinas Salesianas, 1894.

OLIVEIRA, Edmundo. Comentários ao Código Penal - Parte Geral, Rio de

Janeiro: Editora Forense, 2° edição, 1998.

OLIVEIRA, Guilherme Percival de. Estados Afetivos e Imputabilidade Penal. São Paulo: Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda., 1958.

PERDIGÃO, Carlos Frederico Marques. Manual do Codigo Penal Brazileiro,

Page 124: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

124

Estudos Syntheticos e Práticos. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, t. I, 1882.

Pessina, Enrico. Elementos de Derecho Penal. Madrid: Editorial Reus (S. A.), 4ª edição, 1936.

PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. Evolução histórica. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2001.

PIMENTEL, Manoel Pedro. Estudos e Pareceres de Direito Penal. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais Ltda, 1973.

PIRAGIBE, Vicente. Códigos Penaes Extrangeiros. Rio de Janeiro: Editora

Livraria Jacintho, 1934.

PONTES, Ribeiro. Código Penal Brasileiro (Comentários). Rio de Janeiro:

Editora Livraria Freitas Bastos S. A., 3° edição.

PRADO, Luis Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª edição, v. I, 2004.

ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Direito Penal, Parte Geral. Niteroi: Editora Impetus, 2004.

RODRIGUES, Eduardo Silveira Melo. A Embriaguez e o Crime. Brasília: Brasília Jurídica, 1° edição, 1996.

ROXIN, Claus. Derecho penal – Parte general. Madrid: Civitas, t. I, 1999.

SABINO Jr., Vicente. Princípios de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, v. II, 1965.

__________. Princípios de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, v. IV, 1965.

SANTOS, Boaventura de Souza. Crimes Cometidos em Estado de Embriaguez.

Page 125: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

125

Coimbra: Centro de Direito Comparado da Faculdade de Direito de Coimbra, v. I,

1968.

SEVERIANO, Jorge. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. Rio de

Janeiro: Editora Jacintho Ribeiro dos Santos, v. I, 1923.

SILVA, Antônio José da Costa e. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil

comentado. Brasília: História do Direito Brasileiro, v. I, 2004.

SILVA, A. J. Da Costa E Silva, Comentários ao Código Penal Brasileiro - Parte

Geral. São Paulo: Revista atualizada por Luiz Fernando da Costa e Silva, v. I,

1967.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. São Paulo: Companhia Editora

Forense, v. II, 3ª edição, 1973.

SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá Editora, 2004.

SILVA FILHO, Renato de Toledo E.. A Embriaguez. São Paulo: Imprensa

Metodista, janeiro de 1939.

SILVEIRA, V. César da. Tratado da Responsabilidade Criminal. São Paulo:

Editora Saraiva, volumes I, II e III, 1955.

SIQUEIRA, Galdino. Direito Penal Brasileiro. Brasília: História do Direito

Brasileiro, v. I, 2004.

__________. Tratado de Direito Penal - Parte Geral. Rio de Janeiro: Editor José

Konfino, t. I, 1947.

SOARES, Oscar de Macedo. Código Penal da República dos Estados Unidos do

Brasil. Brasília: História do Direito Brasileiro, 2004.

Page 126: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

126

SOLER, Sebastián. Derecho Penal Argentino, Actualizador Guillermo J. Fierro,

Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina, volumes I e II.

SOUZA, José Luiz Ribeiro. O Novo Direito Penal. São Paulo: Empresa Gráfica

Da "Revista dos Tribunais" Ltda., 1943.

SZNICK, Valdir. Responsabilidade Penal na Embriaguez. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Dieit Ltda., 1987. TAVARES, Juarez. Direito Penal da Negligência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

TEIXEIRA, Paulo Rodrigues. Direito Penal - Circumstancias aggravantes e

attenuantes: causas que dirimem a criminalidade e justificam os crimes. São

Paulo: Saraiva & CIA., 1929.

TENÓRIO, Oscar. Da aplicação da lei penal. Rio de Janeiro: Livraria Jacinto,

1942.

TEOTÔNIO, Luís Augusto Freire. Culpabilidade – Concepções e Modernas

Tendências Internacionais e Nacionais. Editora Minelli, Campinas, 2002.

TERRAGNI, Marco Antonio. Responsabilidad Penal do Ébrio. Buenos Aires:

Editorial Abeledo-Perrot S.A., 1976.

TINOCO, Antônio Luiz Ferreira. Código Criminal do Império do Brazil annotado.

Brasília: História do Direito Brasileiro, 2004.

VIANA, Lourival Vilela. Embriaguez no Direito Penal. Belo Horizonte: Imprensa

Oficial, 1949.

VIANA, Paulo Domingues.Direito Criminal. Rio de Janeiro: F.Briguiet & C.ia-Editores., 5ª edição, 1933.

Page 127: ILA BARBOSA BITTENCOURT - Domínio Público · 2.1.3. Direito Penal Grego 33 2.1.4. Direito Romano 35 2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35 2.1.4.2

127

XAVIER, Carlos. Estatutos Penais. São Paulo: Livraria Editora Freitas Bastos,

1941.

ZAFFARONI, Eugêno Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito

Penal Brasileiro – Parte Geral. Editora Revista dos Tribunais, 5ª edição.