direito grego versus romano

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3 1 DIREITO GREGO 1.1 INTRODUÇÃO AO DIREITO GREGO “O direito grego é particularmente interessante o período que se inicia com o aparecimento da polis, meados do século VIII a.C., e vai até o seu desaparecimento e surgimento dos reinos helenísticos no século III a.C”. Antes que tais reinos helenísticos se formassem, a colonização permitiu que os gregos se espalhassem pelo Mediterrâneo, estimulando de maneira ímpar o comércio e a indústria. A época arcaica foi cenário de várias transformações e inovações. Das civilizações do mundo antigo, médio-oriental e mediterrâneo, a cultura grega se destaca. A herança cultural é ampla e notável para os posteriores. Da arquitetura à filosofia, da política à literatura, os valores universais legados são inumeráveis. Com o direito não poderia ser diferente. A organização e a institucionalização do poder, principalmente o modelo de Atenas, é referência para os sistemas políticos contemporâneos. O presente trabalho pretende demonstrar as contribuições do direito ateniense clássico para a cultura

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Page 1: Direito Grego Versus Romano

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1 DIREITO GREGO

1.1 INTRODUÇÃO AO DIREITO GREGO

“O direito grego é particularmente interessante o período que se inicia com

o aparecimento da polis, meados do século VIII a.C., e vai até o seu

desaparecimento e surgimento dos reinos helenísticos no século III a.C”.

Antes que tais reinos helenísticos se formassem, a colonização permitiu que

os gregos se espalhassem pelo Mediterrâneo, estimulando de maneira ímpar o

comércio e a indústria. A época arcaica foi cenário de várias transformações e

inovações.

Das civilizações do mundo antigo, médio-oriental e mediterrâneo, a cultura

grega se destaca. A herança cultural é ampla e notável para os posteriores. Da

arquitetura à filosofia, da política à literatura, os valores universais legados são

inumeráveis. Com o direito não poderia ser diferente. A organização e a

institucionalização do poder, principalmente o modelo de Atenas, é referência para

os sistemas políticos contemporâneos.

O presente trabalho pretende demonstrar as contribuições do direito

ateniense clássico para a cultura jurídica democrática, objetivando sua importância

na formação da visão moderna da Ciência do Direito num contexto atual.

Nota-se que o direito grego antigo é visto, por alguns estudiosos, como uma

fonte de menor potencial doutrinário, considerando distorcida a idéia que seja de

inferior importância ao direito romano. No entanto, o estudo das fontes teóricas do

direito romano, inevitavelmente, remete ao direito grego antigo, segundo Clovis

Beviláqua, no inicio dos anos trinta, e não descarta a possibilidade ter havido uma

compilação Grego-Romana das leis e teorias jurídicas.

Cada cidade detinha seu próprio direito: soberano e particular. A pólis

ateniense clássica teorizava fundamentos para a formação de uma idéia de Estado

de Direito. A cidadania e a nacionalidade ateniense atendiam critério sanguíneo:

cidadão era o descendente masculino de pai e mãe ateniense. Os estrangeiros livres

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não inimigos, metecos, tinham passagem livre pelos portões da cidade, precisando

apenas da proteção jurídica de cidadão ático, o próstates.

As leis eram públicas, talhadas nos muros da cidade ou dos tribunais

respectivos, e, assim, faziam-se presentes. Escritas, afirmavam e informavam o

direito a todos habitantes. As normas apresentavam certa dualidade: era sagrada e,

portanto, imutável: era obra humana, sendo passível de revisão.

A democracia ateniense clássica, através dos tempos, foi utilizada como

estandarte de modelo político. No entanto, comportava características repudiadas

pelo modelo democrático contemporâneo - destacamos: escravidão e misoginia. A

Ágora foi palco de tensões e entraves ideológicos entre a tradição elitista e os

pensadores de vanguarda.

Esse foi um dos aspectos da democracia ateniense que mais crítica sofreu

por parte dos filósofos, especialmente de Sócrates e Platão. Eles não aceitavam

que a nave do estado fosse conduzida aleatoriamente, ao saber do acaso. Platão

afirmava que “adotar esse costume era o mesmo que realizar um sorteio entre os

marinheiros, num mar escalpelado, para ver qual deles deveria ser o piloto a

conduzir o timão para levar o barco a um porto seguro”. Parecia-lhe evidente que se

exigisse que mesmo as tarefas comuns fossem assumidas por profissionais, hoje

diríamos técnicos: o estado só poderia ser dirigido por especialistas, pelos filósofos

ou pelo rei.

Não havia ensino jurídico técnico especializado - aprendia-se o direito

vivenciando situações de conflito. Portanto, a falta de qualificação das funções

públicas e jurídicas acarretava transtornos como a análise indevida de crimes, por

insuficiência de conteúdos ou propostas argumentativas que deveriam ser

embasadas em conceitos pré-definidos e científicos.

1.2 DIREITO NA GRÉCIA

Em Atenas foi onde a democracia melhor se desenvolveu e o direito atingiu

sua mais perfeita forma quanto a legislação e processo. É comum utilizar direito

grego e direito ateniense como sinônimos. No entanto, deve-se observar que nem

sempre são a mesma coisa.

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Um dos fenômenos mais característicos da época arcaica foi o da

colonização, prática que continuou durante muito tempo. Seja por motivos de

excesso de população, secas ou chuvas em demasia, sempre que a polis tinha

dificuldade em alimentar a população, decidia pelo envio de uma parte para outro

lugar, com o objetivo de fundar uma colônia, a qual denominavam apokia (residência

distante). Foi dessa forma que os gregos se espalharam pelo Mediterrâneo.

Tendo aparecido em meados do século VII a. C., a moeda foi logo adotada

pelos gregos, contribuindo para incrementar o comércio e permitir a acumulação de

riquezas. Com o aparecimento dos plutocratas como uma nova classe, a aristocracia

perdeu o poder econômico, embora ainda mantivesse o poder político, que seria por

ela controlado, contudo finalmente retirado com as reformas introduzidas pelos

legisladores e tiranos.

A escrita surge como nova tecnologia, permitindo a codificação de leis e sua

divulgação através de inscrições nos muros das cidades. Dessa forma, junto com as

instituições democráticas que passaram a contar com a participação do povo, os

aristocratas perdem também o monopólio da justiça.

Retirar o poder das mãos da aristocracia com leis escritas foi o papel dos

legisladores. Coube-lhes compilar a tradição e os costumes, modifica-los e

apresentar uma estrutura legal em forma de leis codificadas.

São de particular interesse dois legisladores atenienses: Drácon e Sólon. O

primeiro fornece a Atenas o seu primeiro Código de leis, que ficou conhecido por sua

severidade e cuja lei relativa ao homicídio foi mantida pela reforma de Sólon. Deve-

se a Drácon a introdução de importante principio de Direito Penal: a distinção entre

os diversos tipos de homicídio, diferenciando entre homicídio voluntário, homicídio

involuntário e o homicídio em legítima defesa.

Sólon não só cria um Código de leis, que alterou o Código criado por Drágon,

como também procede a uma reforma institucional, social e econômica. No campo

econômico, Sólon reorganiza a agricultura, incentivando a cultura da oliveira e da

vinha e ainda a exportação do azeite. No aspecto social, entre a s várias medidas,

são de particular interesse aquelas que obrigavam os pais a ensinarem um ofício

aos filhos; caso contrario, estes ficariam desobrigados de os tratarem na velhice; a

eliminação de hipotecas por dívidas e a libertação dos escravos pelas mesmas e a

divisão da sociedade em classes. Atrai também artífices estrangeiros com a

promessa de concessão de cidadania.

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Apesar de ter sido o berço da democracia, da filosofia, do teatro e da escrita

alfabética fonética, a civilização grega tinha algumas características bastante

particulares. Duas delas podem ter contribuído para o obscurecimento do direito

grego ao longo da história. A primeira é a recusa do grego em aceitar a

profissionalização do direito e da figura do advogado que, quando existia, não podia

receber pagamento. A segunda é a de que preferia falar a escrever. Parece até um

paradoxo que o povo que inventou a escrita desse primazia à fala.

A característica dos gregos de dar preferência à fala em detrimento da escrita

era também reforçada pelas dificuldades que a escrita ainda apresentava, mesmo

no século V a.C., com a disponibilidade e custo do material para escrita e produção

de obras para consumo.

O que levou os gregos a utilizarem a nova tecnologia da escrita para escrever

e publicar leis na forma de inscrições públicas tem sido motivos de controvérsias. A

explicação até agora mais predominante tem sido a de que o povo grego, em

determinado ponto da História, começou a exigir leis escritas para assegurar melhor

justiça por parte dos Juízes. O propósito seria o de remover o conteúdo das leis do

controle de um grupo restrito de pessoas e coloca-lo em lugar aberto, acessível a

todos.

No entanto, entre as objeções a essa teoria está a falta de evidência de que

as leis, antes dos legisladores, estivessem sob controle exclusivo de determinados

grupos da sociedade. Uma coisa é grupos aristocráticos controlarem o processo

judicial e outra é ter o controle do conhecimento das leis. As maiores inovações

introduzidas pelos legisladores, nas novas leis escritas, era com respeito ao

processo. Não há também evidências de que as leis escritas fossem mais justas que

as anteriores; as evidências são, principalmente, quanto à preocupação das novas

leis em reformular o sistema judicial.

Uma versão mais recente é a da utilização da nova tecnologia, a escrita, pela

cidade, como um instrumento de poder sobre o povo. As leis escritas não colocaram

em xeque e nem limitaram o poder de governantes e magistrados. Elas podem ter

limitado a autonomia dos magistrados judiciais, mas o poder político absoluto,

continuava intocável. Embora mais tarde, como foi o caso de Atenas, as reformas

introduzidas no sistema legal tenham aumentado o poder do povo, inicialmente as

leis visavam a beneficiar a polis e dessa forma fortalecer o poder do grupo que

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dominava a cidade, fosse ele qual fosse, e, principalmente, as leis eram inicialmente

aristocráticas. Devem-se a Sólon as primeiras iniciativas de democratização das leis.

Com o crescimento das cidades, aumentavam as oportunidades de conflitos e

conseqüentemente a necessidade de meios para sua solução pacífica. Como

resposta às perturbações e agitações que se formavam, muitas cidades devem ter

buscado na nova tecnologia da escrita uma forma de controle e persuasão. Embora

já estivesse disponível por quase um século, a escrita somente foi utilizada em

inscrições públicas para as primeiras leis por volta da metade do sétimo século

antes de Cristo.

1.3 O DIREITO GREGO ANTIGO.

As fontes das leis escritas gregas dividem-se em duas categorias: fontes

literárias e fontes epigráficas.

Os gregos não elaboraram tratados sobre o direito, limitando-se apenas à

tarefa de legislar (criação de leis) e administrar a Justiça pela resolução de conflitos

(direito processual). Adicionalmente, devido a precariedade dos materiais de escrita

utilizados na época (inscrições em pedra e madeira e textos escritos em papiro), um

texto literário, filosófico ou lei escrita, somente chegaria aos nossos dias, não pela

conservação do original, mas pelas contínuas reproduções e citações de autores

posteriores.

Pode-se categorizar as leis gregas em crimes, família, pública e processual. A

categoria denominada por crimes, que corresponderia ao nosso direito penal, inclui o

homicídio que os gregos, diferenciavam entre voluntário, involuntário e em legítima

defesa.

Classificadas como família, encontramos leis sobre casamento, sucessão,

herança, adoção, legitimidade de filhos, escravos, cidadania, comportamento das

mulheres em público etc.

Como leis públicas temos as que regulam as atividades e deveres políticos

dos cidadãos, as atividades religiosas, a economia, finanças, vendas, aluguéis, o

processo legislativo, relações entre as cidades, construção de navios, dívidas etc.

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Algo notável no direito grego era a clara distinção entre lei substantiva e lei

processual. Enquanto a primeira é o próprio fim que a administração da justiça

busca, a lei processual trata dos meios e dos instrumentos pelos quais o fim deve

ser atingido, regulando a conduta e as relações dos tribunais e dos litigantes com

respeito à litigação em si, enquanto que a primeira determina a conduta e as

relações com respeito aos assuntos litigados.

Um exemplo significativo de quão evoluído era o direito processual grego é

encontrado no estudo dos árbitros públicos e privados. Trata-se aqui de duas

práticas que se tornaram comuns, no direito grego, como alternativas a um processo

judicial normal: a arbitragem privada e a arbitragem pública. A arbitragem privada

era um meio alternativo mais simples e mais rápido, realizado fora do Tribunal, de se

resolver um litígio, sendo arranjada pelas partes envolvidas que escolhiam os

árbitros entre pessoas conhecidas e de confiança. Nesse caso, o árbitro (ou árbitros)

não emitia um julgamento, mas procurava obter um acordo, uma conciliação, entre

as partes. A arbitragem privada corresponderia a nossa moderna mediação.

Embora os gregos não estabelecessem diferença explícita entre direito

público e direito privado, civil e penal, é no direito processual que se encontra uma

diferenciação quanto à forma de mover uma ação: a ação pública e a ação privada.

A ação pública podia ser iniciada por qualquer cidadão que se considerasse

prejudicado pelo Estado, por exemplo, por ação corrupta de funcionário público. A

ação privada era um debate jurídico entre dois ou mais litigantes, reivindicando um

direito ou contestando uma ação, e somente as partes envolvidas podiam dar início

à ação.

Exemplos de ações privadas: assassinato, perjúrio, propriedade, assalto,

ação envolvendo violência sexual, ilegalidade, roubo.

Exemplos de ações públicas: contra oficial que se recusa a prestar contas,

por impiedade, contra oficial por aceitar suborno, contra estrangeiro pretendendo ser

cidadão, por registro falso etc.

No direito grego não havia magistrado que iniciasse um processo, não havia

ministério público que sustentasse a causa da sociedade. Em princípio cabia à

pessoa lesada ou a seu representante legal intentar o processo,fazer a citação,

tomar a palavra na audiência, sem auxílio de advogado. A lei ateniense era

essencialmente retórica. Não havia advogado, juízes, promotores públicos, apenas

dois litigantes dirigindo-se a centenas de jurados.

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Em Atenas a administração da Justiça foi mantida, tanto quanto possível, nas

mãos de amadores, com efeito (e talvez também o objetivo) de permanecer barata e

rápida. Todos os julgamentos eram aparentemente completados em um dia, e os

casos privados muito mais rápidos do que isto. Não era permitido advogado

profissional. O presidente da Corte não era um profissional altamente remunerado,

mas um oficial designado por sorteio.

O direito a um julgamento por um júri formado por cidadãos comuns (em vez

de pessoas tendo alguma posição especial e conhecimento especializado) é

comumente visto nos estados modernos como uma parte fundamental da

democracia. Foi uma invenção de Atenas.

O direito grego através de seus Tribunais formado por um júri composto de

cidadãos comuns, cujo número chegava a várias centenas, era atividade que fazia

parte do dia-a-dia da maioria das cidades gregas.

Na sociedade moderna, a administração da Justiça está nas mãos de

profissionais especializados, os Juízes. Na Atenas clássica, a situação era o

reverso. A heliaia era o tribunal popular que julgava todas as causas, tanto públicas

como privadas, à exceção dos crimes de sangue que ficavam sob a alçada do

areópago. Os membros da heliaia, denominados helialistas, eram sorteados

anualmente dentre os atenienses. O número total era de seis mil e, para julgar

diferentes causas, eram sorteados novamente para evitar fraudes. O número de

heliastas atuando como júri em um processo variava, mas atingia algumas centenas.

Para permitir que o cidadão comum pudesse participar como heliasta sem prejuízo

de suas atividades, recebiam um salário por dia de sessão de trabalho.

As sessões de trabalho para julgar os casos apresentados eram chamadas

dikasterias, e as pessoas que compunham o júri eram referidas como dikastas em

vez de heliastas. Os dikastas eram apenas cidadãos exercendo um serviço público

oficial, e sua função se aproximava mais da de um jurado moderno. A decisão final

do julgamento era dada por votação secreta, refletindo a vontade da maioria.

A apresentação do caso era feita por discurso contínuo de cada um dos

litigantes, interrompido somente para a apresentação de evidências de suporte, e

era dirigido aos dikastas, cujo número poderia variar em algumas centenas, por

exemplo 201 ou 501, por julgamento; o número total era sempre ímpar para evitar

empate. A votação era feita imediatamente após a apresentação dos litigantes, sem

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deliberação. Não havia Juiz: um magistrado presidia o julgamento, mas não

interferia no processo.

Os litigantes dirigiam-se diretamente aos jurados através de um discurso,

sendo algumas vezes suportados por amigos e parentes que apareciam como

testemunhas. O julgamento resumia-se a um exercício de retórica e persuasão.

Cabia ao litigante convencer a maior parte de jurados e para isso valia-se de todos

os truques possíveis. O mais comum, e que passou a ser uma das grandes

características do direito grego, foi o uso de logógrafos, escritores profissionais de

discursos forenses. Podemos considera-los como um dos primeiros advogados da

história.

Apesar de ser requerido por lei que os litigantes apresentassem seus próprios

casos aos jurados, era difícil cumprir essa lei, que aos poucos foi transformando-se

em lei morta. O júri regularmente permitia que um parente, ou associado, auxiliasse

um litigante. Alguns litigantes faziam uma breve introdução e solicitavam que um

amigo o representasse.

Os logógrafos escreviam para seus clientes um discurso que este último

deveria recitar como se fosse de sua autoria. Eles suprimiam sua própria

personalidade e escreviam um discurso que parecesse o mais natural possível para

o litigante cliente e desse a impressão de ser extemporâneo.

Por fim, vê-se que os gregos antigos não só tiveram um direito evoluído,

como influenciaram o direito romano e alguns dos nossos modernos conceitos e

práticas jurídicas: o júri popular, a figura do advogado, a diferenciação de homicídio

voluntário, involuntário e legítima defesa, a mediação e a arbitragem, a gradação

das penas de acordo com a gravidade dos delitos.

1.4 A LEI –NO DIREITO GREGO

Acredita-se que, em determinado ponto da história o povo grego começa a

exigir leis escritas para assegurar a justiça por parte dos juizes. Até então os gregos

não tinham leis escritas porque a arte da escrita se perdera com o término do

período micênico.

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O propósito seria o de remover o conteúdo das leis controladas por um grupo

de pessoas restritas e promover o acesso a todos.

As leis inicialmente eram aristocráticas, pois beneficiavam a pólis e dessa

forma fortalecia o controle do grupo que dominava a cidade.

Porém, com o crescimento das cidades, os conflitos aumentavam e em

conseqüência a necessidade de meios pacíficos para soluções adequadas. Devem-

se a Sólon as primeiras iniciativas de democratização das leis, visto que o

crescimento populacional trouxe a necessidade de maior controle pela cidade sobre

a vida de seus habitantes. Como exemplo, podemos citar o controle das atividades

econômicas e a idéia de serviço político como obrigação de todo cidadão.

A medida que as cidades aumentavam em tamanho e complexidade,

reconheciam a necessidade da implementação de uma regulação escrita. Surgem

então as leis escritas que tornaram-se públicas, através de inscrições em pedras,

mais afirmando do que informando, substituindo a escrita linear B do período

Micênico, de uso restrito aos palácios e privativa de especialistas letrados.

Segundo o entendimento de Gargarin, “a atividade mediante a qual os juizes

estatais examinavam as pretensões e resolvem “conflitos” dá-se o nome de

Jurisdição. Com os legisladores criando e codificando as leis a escrita se tornou

pública, segundo Marcel Dettienne, “afirmando uma vontade de agir, de transformar

a vida pública de impor novas práticas seja na intervenção da cidade nos crimes de

sangue ou a obrigação para a assembléia de aceitar a vontade da maioria”.

A Grécia atravessou um período denominado “era das trevas”, após o

período Micênico entre 1.200 é 900 a. C., em que os gregos não tinham leis oficiais

ou sistemas formalizados de punição. Os assassinatos eram resolvidos através de

vingança pela família da vitima, culminando numa disputa sangrenta sem fim.

Somente no meio do século VIII a. C., estabeleceram os gregos suas

principais leis codificadas e oficiais, dividindo-se em duas categorias: fontes

literárias e fontes epigráficas.

As fontes epigráficas constituíam a escrita de documentos públicos e

permanentes (madeira, bronze e pedra). As fontes literárias classificam-se em

discursos forenses como: monografias constitucionais, escrita pelos dez oradores

áticos, filósofos do direito e antiga e nova comédia.

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O primeiro legislador que escreveu leis (cerca de 662 a. C.) foi Zaleuco, em

Locros, no Sul da Itália. No meio do sexto século, muitas cidades gregas já tinham

leis escritas, sendo Esparta a exceção.

Os gregos não elaboraram tratados sobre o direito, limitando-se apenas a

tarefa de legislar (criação das leis) e administrar a justiça (direito processual).

Devido a precariedade dos materiais de escrita utilizados na época, os

documentos somente chegaram aos nossos dias não pela conservação original, mas

pelas transcrições e reproduções a citações por autores posteriores. Entretanto,

muita coisa se perdeu. Ficaram apenas algumas fontes epigráficas e as menções

feitas por escritores, filósofos e oradores.

As leis eram classificadas de diversas formas conforme o escritor filósofo ou

orador. Conforme Michael Gagarin se dividia em leis de família, leis públicas e leis

processuais, que se aproximam do nosso direito penal. A lei de homicídio de Drácon

manteve-se em vigor até pelo menos o quarto século a. C. e parte dela sobreviveu

até os dias de hoje.

Na categoria de crimes, Zaleuco fixou penalidades para determinadas

ofensas, representando o inicio de nosso moderno direito penal.

Surgem então penalidades para vários tipos de crimes: assaltos, estupro,

difamação e calúnia. Classificadas como família, encontramos leis sobre

casamentos, sucessão, herança, adoção, legitimidade de filhos, escravos, cidadania,

etc.

Como leis públicas, temos as que regulam as atividades e deveres políticos

dos cidadãos: finanças, vendas, aluguéis, processo legislativo e relação entre

cidades.

Nota-se clara distinção entre lei substantiva e lei processual dividida assim

pelo direito grego. A primeira - substantiva- é o próprio fim, o desfecho do acaso,

enquanto a outra - processual – trata-se dos meios e instrumentos pelos quais se

atingiu o fim.

A parte processual era de grande importância e foi evidenciada inclusive por

Aristóteles em sua Constituição de Atenas, que se refere a três populares reformas

democráticas de Sólon :

1. a proibição de se dar empréstimos incidindo sobre as pessoas;

2. a possibilidade de reclamar reparação de danos;

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3. o direito de apelo aos tribunais que fortaleceu a multidão, dando-lhes o

direito do voto.

Duas práticas formavam um processo judicial normal: a arbitragem

privada , meio alternativo mais simples e mais rápido, realizado fora do tribunal, para

resolver litígios onde se escolhiam árbitros entre pessoas conhecidas e de

confiança. Nesse caso buscava-se o acordo, ou conciliação entre as partes,

correspondendo por tanto, a nossa moderna mediação.

A arbitragem pública era realizada nos estágios preliminares do

processo. O árbitro era designado pelo magistrado e tinha como principal

característica o julgamento.

Entre ações privadas podemos destacar assassinato, perjúrio, assalto,

violência sexual, ilegalidade e roubo. Exemplo de ações públicas: recusar a prestar

constas; impiedade, suborno, decreto ilegal, etc.

1.5 AS INSTITUIÇÕES GREGAS

As instituições gregas e que se consolidaram na época clássica, podem ser

classificadas em instituições políticas de governo da cidade e instituições relativas à

administração da justiça, entre as quais os tribunais (organizados em justiça criminal

– o Areópago e os Efetas – e justiça civil – os árbitros, os heliastas e os juízes dos

tribunais marítimos).

Assim, temos entre as primeiras (governo da cidade):

Assembléia do Povo (ekklêsia), composta por todos os cidadãos acima de

20 anos e de posse de seus direitos políticos; se reuniam na praça pública (ágora)

ou no grande teatro de Dionísio (quarto século), que delibera, decide, elege e julga.

Constituía-se no órgão de maior autoridade;

O Conselho dos Quinhentos (boulê): composto de 500 cidadãos (50 para

dada tribo), com idade acima de 30 anos e escolhidos por sorteio a partir de

candidatura prévia. Eram submetidos a exame moral prévio pelos conselheiros

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antigos. O papel do Conselho, devido à sua dedicação total à atividade pública, era

o de auxiliar da Assembléia. Assim, examinava, preparava as leis e as controlava;

Os Estrategos (501 a. C.), em número de 10 eleitos pela Assembléia, eram

eleitos e reeleitos indefinidamente. Tinham que ser cidadãos natos, casados

legitimamente (não eram elegíveis os solteiros) e possuir uma propriedade financeira

na Ática que assegurassem alguma renda.

Sua atividade principal era administrar a guerra, distribuir os impostos e dirigir

a polícia de Atenas e a defesa nacional. Foram aos poucos substituindo os arcontes

como verdadeiros chefes do poder executivo;

Os Magistrados eram sorteados dentre os candidatos eleitos (não poderiam

ser reeleitos). Havia vários tipos de magistraturas, quase sempre agrupadas em

colegiado, sendo o grupo mais importante o dos arcontes.

o arconte rei (basileu) tinha funções religiosas e presidia os tribunais do

Areópago. Seis arcontes, denominados tesmótetas (thesmothétai) eram os

presidentes de tribunais e, a partir do quarto século a. C., passaram a revisar e

coordenar anualmente as leis.

Resumindo, instruíam os processos, ocupavam-se dos cultos e exerciam as

funções municipais.

1.6 A JUSTIÇA E OS TRIBUNAIS

As instituições atenienses para a administração da justiça podem ser

agrupadas em duas categorias :

a) Justiça Criminal

b) Justiça Civil

1.6.1 Justiça Criminal

Tribunal Areópago – Mais antigo e de acordo com uma lenda, havia sido

instituído pela deusa Atena para julgamento de Orestes. De início era um tribunal

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com amplos poderes, aristocráticos, tanto na condição de justiça como na de

conselho político. Com as mudanças e reformas, perdeu suas atribuições, passando

somente a julgar os casos de homicídios, incêndios e de envenenamento. Seus

membros eram os ex-arcontes.

Tribunal dos Efetas – Era composto de quatro tribunais especiais: Pritaneu,

Paládio, Delfínio e Freátis. Compostos de 5 pessoas acima de 50 anos escolhidas

por sorteio. Julgava os casos advindos do Areópago, se homicídios involuntários e

desculpáveis (como ex.: legítima defesa).

1.6.2 Justiça Civil

Os litígios que podiam ser resolvidos de forma mais rápida, eram solucionadas

nos próprios domicílios, o que facilitava a vida dos habitantes do campo, que

recebiam os juízes dos demos, enviados pelo tribunais atenienses com

responsabilidade de investigação preliminar. Eram em número de 30 e mais tarde

40, escolhidos por sorteio.

Os árbitros, podiam ser privados ou públicos. Procuravam a mediação,

soluções negociadas afim de manter os casos fora dos tribunais. Sistema mais

rápido e econômico, mas a sentença era imposta pelo árbitro com possibilidade de

apelação.

Finalmente a Heliais (Tribunal dos Heliastas), júri popular, foi a grande

demonstração de que o povo era soberano em matéria judiciária. Composto de

6.000 cidadãos com mais de 30 anos, escolhidos por sorteio pelos arcontes.

As decisões emanadas deste órgão, justamente por constituírem a expressão

da vontade e soberania popular, eram definitivas, e não admitiam recurso algum.

Sua jurisdição e competência estendiam-se tanto as causas públicas como as

privadas.

Eram composto por magistrados, com atribuições definidas, entre os quais

podemos destacar: os Tesmótetas, com função de promover a revisão das leis e

residir os pleitos, os Lisa Gogueis, juízes para as causas comerciais que exigiam

solução imediata, o Demarca e o Polemarca.

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O Demarca era o principal magistrado na organização judiciária, cabendo-lhe

entre as múltiplas funções, aquela de zelas pelo cumprimento da justiça e em

especial das sentenças proferidas.

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2 DIREITO ROMANO

2.1 INTRODUÇÃO AO DIREITO ROMANO

O direito romano é o complexo de normas vigentes em Roma, desde a sua

fundação (século VIII a.C.) até a codificação de Justiniano (século VI d.C.). A

evolução posterior dos direitos europeus baseou-se nessa obra de codificação, tanto

assim que os códigos modernos, quase todos, trazem a marca da obra de

Justiniano.

Nos treze séculos da história romana, do século VIII a.C. ao século VI d.C.,

assistimos, naturalmente, a uma mudança contínua no caráter do direito, de acordo

com a evolução da civilização romana, com as alterações políticas, econômicas e

sociais, que a caracterizavam.

O direito do período arcaico caracterizava-se pelo seu formalismo e pela sua

rigidez, solenidade e primitividade. O Estado tinha funções limitadas a questões

essenciais para sua sobrevivência: guerra, punição dos delitos mais graves e,

naturalmente, a observância das regras religiosas.

Os cidadãos romanos eram considerados mais como membros de uma

comunidade familiar do que como indivíduos. A defesa privada tinha larga utilização:

a segurança dos cidadãos dependia mais do grupo a que pertenciam do que do

Estado.

A evolução posterior caracterizou-se por acentuar-se e desenvolver-se o

poder central do Estado e, consequentemente, pela progressiva criação de regras

que visavam a reforçar sempre mais a autonomia do cidadão, como indivíduo.

O marco mais importante e característico desse período é a codificação do

direito vigente na Lei das XII Tábuas, codificação feita em 451 e 450 a.C. As XII

Tábuas, nada mais foram que uma codificação de regras costumeiras, primitivas, e,

às vezes, até cruéis. Aplicavam-se exclusivamente aos cidadãos romanos.

A conquista do poder, pelos romanos, em todo o Mediterrâneo, exigia uma

evolução equivalente no campo do direito também. A partir do século II a.C. ocorreu

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uma evolução e renovação constante do direito romano, que foi até o século III d.C..

A maior parte das inovações e aperfeiçoamentos do direito, no período clássico, foi

fruto da atividade dos magistrados e dos jurisconsultos que, em princípio, não

podiam modificar as regras antigas, mas que, de fato, introduziram as mais

revolucionárias modificações para atender às exigências práticas de seu tempo.

A interpretação das regras do direito antigo era tarefa importante dos juristas.

Originariamente só os sacerdotes conheciam as normas jurídicas. A eles incumbia,

então, a tarefa de interpretá-las. Depois, a partir do fim do século IV a.C., esse

monopólio sacerdotal da interpretação cessou, passando ela a ser feita também

pelos peritos leigos. Essa interpretação não consistia somente na adaptação das

regras jurídicas às novas exigências, mas importava também na criação de novas

normas. Nascia, assim, a Jurisprudência.

Tal atividade contribuiu grandemente para o desenvolvimento do direito

romano, especialmente pela importância social que os juristas tinham em Roma.

Eles eram considerados como pertencentes a uma aristocracia intelectual, distinção

essa devida aos seus dotes de inteligência e aos seus conhecimentos técnicos.

Suas atividades consistiam em emitir pareceres jurídicos sobre questões práticas a

eles apresentadas, instruir as partes sobre como agirem em juízo e orientar os leigos

na realização de negócios jurídicos.

2.2 – ASPECTOS HISTÓRICOS

A origem de Roma é permeada por duas lendas. Os antigos ligavam dois

grandes ciclos de lendas ao nascimento de Roma. Difundiu-se a lenda de Enéias, o

troiano fugitivo que veio estabelecer-se no Lácio (séc. XII a.C.) e fundou Lavínia, de

onde Roma nasceria depois. Porém a mais conhecida das lendas é atribuída a

Rômulo e Remo. Rômulo é conhecido como o fundador de Roma (753 a.C.). Tal

evento se consolidou, quando Rômulo traçou ao redor do Palatino, uma das “sete”

colinas, consideradas o sulco sagrado e primeiro contorno urbano. Rômulo é

considerado pela História como o primeiro Rei de Roma e como tendo se

transformado no Deus Quirino ou Quirites, passando a ser o protetor de todos os

romanos. Roma teve seu período de Realeza, depois passou a ser República, até

Page 17: Direito Grego Versus Romano

19

chegar a ser Império. Foi neste regime que a nação mais se destacou, deixando seu

nome cravado para sempre nos anais da História.

No período da Realeza, Roma adotou o Direito Quiritário (Direito arcaico). Na

religiosidade o romano da época da realeza possuía um Deus no interior de suas

casas, não saía de casa com o pé esquerdo; só cortava o cabelo na lua cheia e fazia

inscrições nas paredes da casa para que os deuses protegessem o patrimônio. Nas

questões públicas os cargos eram nomeados de acordo com a vontade dos deuses.

Os romanos se dividiam entre patrícios, clientes, plebeus e escravos.

Os patrícios eram conhecidos como descendentes de Rômulo e só eles

possuíam o status civitatis, ou seja, cidadania romana.

Os clientes eram estrangeiros que viviam sob a custódia dos patrícios. Eram

protegidos e dependentes totais dos cidadãos romanos (patrícios). Não podiam

cultuar os mesmo deuses dos romanos e não podiam ser detentores de cidadania

romana.

Os plebeus eram estrangeiros vindos de regiões distantes. Trabalhavam

habilidosamente no comércio, na agricultura e no artesanato. Residiam fora da

cidade, em um bairro fechado localizado nas encostas dos montes em casas que se

chamavam insulae. Eram considerados desprezíveis, pois não tinham religião,

proteção da lei, empatia da sociedade e não se agrupavam em famílias.

Roma teve sete reis no período monárquico: Rômulo, Numa Pompílio, Túlio

Hostílio, Anco Márcio, Lúcio Tarquínio Prisco, Sérvio Túlio e Lúcio Tarquínio, o

soberbo.

Roma evoluiu e chegou ao período denominado de República. Nesta época o

Estado adotou o Direito Pretoriano ou Direito das Gentes. A República se diluiu após

a revolta dos patrícios com o monarca que havia beneficiado os plebeus com

direitos. Este rei chamava-se Tarquínio, o soberbo, e foi deposto pelo poder patrício.

Neste regime de governo foram criados institutos importantes para o

crescimento e organização social. O instituto da magistratura foi criado para cuidar

dos assuntos de interesse da República. Eram magistrados: os Cônsules, Pretores,

Censores, Edis (“vereadores”) e os Questores. Esses cargos tinham como funções,

cuidar das legiões romanas, apreciar litígios, fazer recenseamentos, zelar pelos

costumes da população através de um policiamento ostensivo, proteger o erário, etc.

Nesta época também se desenvolveu o Senado Romano. Tal instituição era

composta de senadores oriundos dos patrícios, e eram escolhidos pelos

Page 18: Direito Grego Versus Romano

20

magistrados. Já no fim do período Republicano os plebeus também podiam assentar

no Senado e fazer uso da palavra nos votos. O Senado tinha como atribuições:

controlar as finanças, administrar as províncias, negociar com povos estrangeiros,

ratificar leis votadas pelas assembléias populares, etc.

O Estado evoluía e com ele os seus regimes políticos também avançavam. Eis

que surge o Império. Neste governo adotava-se o Direito Romano Jurisprudencial.

O Império sucedeu à República de Roma. Augusto reorganizou o território,

acabando com a corrupção e a extorsão que haviam caracterizado a gestão anterior.

Esse majestoso império se constituía de 54 províncias e, depois do ano 27

a.C., passou a ser dividido em províncias senatoriais e imperiais. As províncias

senatoriais eram reguladas pelo Senado, enquanto as demais eram controladas pelo

Imperador. Nas províncias imperiais o Imperador era representado pelos legatti

Augusti propraetore, nomeados pelo Imperador por um período que variava entre 3 e

5 anos. Era costume se nomear senadores que tivessem exercido a pretura ou o

consulado. As províncias senatoriais (publicae provinciae) eram regidas por pró-

cônsules, escolhidos através de sorteio entre os senadores que tivessem exercido a

pretura ou o consulado pelo menos por 5 anos.

No quesito militar, Roma possuía um exército muito voraz. O império todo era

assistido por um contingente bélico jovem, dividido em 25 legiões (cada legião

contava com 5.620 homens) e de tropas auxiliares, coortes de infantes e alas de

cavalaria, cujos efetivos eram mais ou menos iguais ao das legiões. Somando tudo,

o império romano contava com 350.000 homens, fora os exércitos fornecidos pelos

reis aliados. Era muito difícil Roma entrar numa guerra e não sair vitoriosa.

A população romana podia ser catalogada em 50 a 80 milhões de habitantes.

As cidades mais importantes eram Roma que possuía 1 milhão, Alexandria 1 milhão

e Antioquia 500 mil. O império romano não se tratava de uma unidade monolítica,

pelo contrário, havia muitas diferenças étnicas, urbanas, religiosas, jurídicas, etc.

Roma dividia seu povo entre os cidadãos e os estrangeiros. Os primeiros

tinham privilégios, os segundos dependiam da etnia de origem para obterem

maiores respaldos. Os escravos não eram considerados pessoas. Não havia

existência jurídica e humana para um escravo. Só muito tempo depois, com ajuda de

várias correntes filosóficas, passaram a admitir o escravo como um ser humano. Os

escravos especializados (cozinheiros, médicos, secretários) possuíam outra

Page 19: Direito Grego Versus Romano

21

condição e tinham grande valor comercial, eram bem tratados e muitas vezes

conseguiam ser libertos.

A economia romana era, basicamente, composta da agricultura, culturas de

vinhas, cereais e legumes. Era pouco usada a pecuária para efeitos de corte e

alimentação, porém, eram muito usados os couros e o meio de transporte por

animais.

Roma estabelecia vários recenseamentos para verificar a capacidade

econômica de cada indivíduo pertencente ao reino. Após os censos eram feitos os

cálculos para descrever a quantia que cada um devia recolher. Neste momento

passa a existir o cobrador de imposto (o evangelista Mateus era um) que ficava em

postos de coleta no centro das cidades. Geralmente os cobradores não eram

romanos.

A ocupação romana na região judaica já foi explicada no capítulo anterior. Mas

é pertinente que se comente determinados comportamentos romanos em face do

povo judeu. O governo central romano derrama especiais atenções ao presidente do

Grande Conselho (Sinédrio), o Sumo Sacerdote, Caifás. O cargo de Sumo

Sacerdote era nomeado pelo império romano que também possuía poderes para

demitir o supremo sacerdote. As vestimentas suntuosas que o Sumo Sacerdote

usava eram de propriedade romana e ficavam na fortaleza Antônia, sede do governo

romano e casa do Governador. Entretanto, é altamente respeitado o sentimento

religioso dos judeus. Tanto que não se via nenhuma efígie do imperador em terras

judaicas, e os que tentaram violar isso foram devidamente responsabilizados.

Pilatos, conforme veremos adiante foi um dos que tentaram violar esse respeito à

religião judaica.

No aspecto religioso os romanos eram pagãos e creditavam ao Imperador o

título de Deus. Também era muito difundida a filosofia dos estóicos. Tal filosofia foi

fundada em Atenas por volta de 300 a.C., o estoicismo teve amplo valor especial

para a cultura romana desde 150 a.C., até por volta de 200 a.C. Os estóicos

pregavam que a base para se decidir entre o certo e o errado deve ser encontrada

na natureza. Todos comungavam com o pensamento de que há uma justiça

universal, ou uma lei natural que nos rege. Tal cultura enriqueceu muito os romanos

com lições racionais, inclusive em celeumas jurídicas.

Page 20: Direito Grego Versus Romano

22

2.3 A COMPOSIÇÃO E AS FASES DO DIREITO ROMANO

Direito é o conjunto de regras da justiça ou de utilidade social relativas à

organização dos poderes públicos, da família e às relações econômicas dos

homens.

O ius civile (Direito civil), aplicável apenas aos cidadãos de Roma.

O ius gentium (Direito das gentes ou dos estrangeiros), conjunto de normas

comuns ao povo romano e aos povos conquistados.

O ius naturale (Direito natural), que representava o aspecto filosófico do

Direito. Baseava-se na idéia de que o ser humano é, por natureza, portador

de direitos que devem ser respeitados.

O Direito Natural: lei verdadeira, segundo a natureza, difundida entre todos os

homens, constante e eterna. Era o direito que a natureza ensinou a todos os animais

racionais e irracionais.

Os historiadores costumam dividir o Direito Romano em três fases

cronológicas distintas:

Direito Pré-Clássico – das origens de Roma até a Lei Aebutia

( aproximadamente 126 a.C.)

Direito Clássico – 126 a C. até o fim do reinado de Diocleciano, em 305 d.C.

Direito Pós-Clássico – 305 d.C. até o início do reinado de Justiniano; como

divisão dentro do Direito Pós-Clássico, tem-se também o direito vigente no

reinado de Justiniano ( 527 a 565 d.C.) que, pelo seu caráter regenerador,

recebe o nome de Direito Justinianeu.

O princípio romano da distinção entre os dois ramos do direito – Público e

Privado – considerava dois campos: a organização da república romana, o campo

do direito público e a utilidade, o interesse particular.

O direito romano formou-se a partir de duas fontes, que variam conforme os

agrupamentos que lhe dão origem: Fontes Escritas (Jus Scriptum) e Fontes Não

escritas (Jus non scriptum). As fontes não escritas se referiam aos costumes. As

fontes escritas eram constituídas pela lei, plebiscitos, constituições imperiais, éditos

dos magistrados e respostas dos prudentes.

Ao lado do direito civil, mais antigo e mais conservador, estrito e formalista,

constitui-se, com o passar do tempo, um outro direito, mais novo, menos formalista,

Page 21: Direito Grego Versus Romano

23

adaptado às circunstâncias do momento, emanado dos magistrados investidos das

funções públicas ( pretores e governadores ).

A mais notável contribuição romana à cultura ocidental ocorreu no campo do

Direito De Fato, os Códigos de Leis romanos permanecem até hoje entre os

fundamentos do Direito contemporâneo. Como quase tudo em Roma, as leis

surgiram para dar uma solução prática aos problemas criados pelas lutas entre os

grupos sociais e pelas guerras de conquista. Afinal, Roma dominava um vasto e

variado mosaico de povos, unidos por vínculos econômicos, políticos e culturais.

Criar normas jurídicas que permitissem a coexistência de tão diferentes costumes e

tradições tornou-se uma necessidade, nasce o ius civile.

A partir do século III a. C, com a transformação de Roma num grande centro

comercial surge o problema da disciplina das relações jurídicas entre os romanos

e os estrangeiros, já que o ius civile aplicava-se unicamente aos cidadãos

romanos, dominando o princípio da personalidade da lei. Cria-se então a figura do

praeter peregrimus, magistrado com a função de dirimir conflitos entre estrangeiros

ou entre romanos e estrangeiros, ius gentium, basedo nas praxes do comércio

internacional e assentado em princípios opostos ao do ius civile como a ausência

de formalidade e o respeito a fides, à boa-fé , à palavra empenhada.

Pelo direito romano os magistrados com funções judiciárias não podiam

atribuir direitos a alguém, mas conceder ou negar ações, o que também equivalia à

criação de direitos. O ius praetorium, deste modo, embora não revogasse as

normas do ius civile nem pudesse criar novos preceitos jurídicos, na prática

alcançava esses dois resultados: quando o magistrado se recusava a conceder a

alguém ação que protegia direito decorrente do ius civile, estava negando a

aplicação deste; e quando concedia ação para tutelar situações não previstos no

ius civile, estava suprindo lacunas dessa ordem jurídica.

Com o ius praetorium entra em decadência a interpretatio dos jurisconsultos

na construção do ius civile. Ao invés de se valerem dos expedientes empregados

no período pré-clássico, os juristas poderiam chegar ao mesmo resultado de

maneira mais simples: solicitariam ao pretor urbano ou ao pretor peregrino que,

através de um edito, protejasse situações novas, tutelasse atos praticados sem a

observância do formalismo rigoroso do ius civile, e atentesse para a vontade dos

contratantes.

Page 22: Direito Grego Versus Romano

24

No direito romano pós-clássico o ordenamento jurídico passa a ser elaborado

quase que exclusivamente através do Estado, por meio das constituições imperiais.

Desaparece a distinção entre o ius civile, o ius praetorium e o ius extraordinarium.

O direito passa a sofrer influências do cristianismo, do direito dos povos do Oriente

e de províncias romanas e passa a predominar o empirismo. A despeito do

renascimento dos estudos jurídicos no século V, com o desenvolvimento das

grandes escolas de direito e, no século VI, com a elaboração das grandes

compilações de Justiniano, a ciência do direito priva-se da precisão técnica, do

apreço pela teoria e da autonomia mental que caracterizaram a época anterior.

2.3.1 Os direitos reais e a propriedade em Roma

Os romanos não conheceram as noções de direito real e direito pessoal tal

como as temos hoje. A propriedade não era entendida como um poder sobre as

coisas. Tal poder estava inserido na potestas do paterfamilias, sujeito ao seu

arbítrio.

Ela possuía inicialmente um caráter sagrado, era o hercium familiar, que

abrigava o altar e o fogo sagrados, o túmulo e as demais referências sacras da

família e que portanto, não poderia ser alienada nem abandonada. Nessa terra

sagrada o paterfamilias enterrava seus antepassados, lhes rendia culto e recebia a

proteção dos deuses para seu cultivo e seu rebanho prosperassem.

A Lei das XII Tábuas já vai expressar a dessacralização da propriedade,

com a inserção desta no âmbito do ius, do direito, e a conservação apenas do

sepulchrum, na esfera da religião.

Com a transformação de Roma numa potência mercantilista desmembra-se

a antiga potestas do paterfamilias: manus, sobre a mulher, pátria potestas, sobre

os filhos; Dominica potestas, sobre os escravos; dominium sobre as demais coisas

corpóreas; sendo proprietas vocábulo que só veio a surgir mais tarde, com

sinonímia perfeita a dominium.

Essa proprietas contudo não era concebida como um direito real hodierno

mas como um direito garantido no plano processual, através da dicotomia actio in

remactio in personam (ação real – ação pessoal). A primeira era uma ação erga

Page 23: Direito Grego Versus Romano

25

omnes em que o autor afirma o seu direito sobre a coisa, e em que o réu surge

como a pessoa que se colocou entre o autor e a coisa; a segunda é uma ação

contra determinada pessoa ( o devedor), e em que o autor reclama contra a

obrigação que o réu deixou de cumprir.

No período áureo do Império, de acordo com as grandes escavações

realizadas, neste século, no porto marítimo de Roma, Óstia, na Foz do Tibre, houve

uma transformação da típica moradia romana, o domus, térrea e ocupada por uma

única família, para a insulae - edifícios construídos verticalmente com vários

andares (contignationes) e compartimentos (cenácula), ocupados por inúmeras

famílias.

Os censos urbanos ( regionari ) indicam a existência na urbs romana, nesse

período, da imensa cifra de 46.602 locatários, insulae (96,3%) contra apenas 1.797

proprietários, domus (3,7%). As fontes literárias e jurídicas também atestam

fartamente a abundância dessas edificações em Roma e nas grandes cidades do

Império, tendo sido encontradas referências a estas em Cícero, Vitrúvio, Juvenal,

Gélio, Suetônio, Estrabão, Tácito, Ulpiano e Alfeno.

Citam os estudiosos que a moradia nessa insulae era obtida por contratos

de locação ( locatio), protegido o locatário contra o dominus pela actio ex conducto

e contra a turbação de terceiros pela cessão das ações pertencentes ao

proprietário caso este não exercitasse pessoalmente a tutela do domínio. Surgem

aqui os problemas, que serão expostos mais adiante, da possível alienação desses

compartimentos, da acessão e dos direitos reais sobre coisa alheia.

O direito real sobre coisa alheia, no sentido romano, ou seja, aquele

garantido pela actio in re aliena, só vai poder se consubstanciar após a recepção

em Roma da filosofia estóica grega e de sua concepção de coisa incorpórea.

Como comprovam a maioria dos autores as figura típicas que constituíram

as mais antigas servidões (iter e aquaeductus ou riuus) não eram, nas suas

origens, verdadeiras servidões, pois davam ao seu titular direito de propriedade

sobre a faixa de pedágio (iter) ou canal (riuus) que eram concebidos como

entidades corpóreas.

No direito clássico vigorou o princípio da tipicidade das servidões. Havia

tipos de servidão (servitutes) reconhecidos pelo ius civile, não se podendo, via de

regra criar, o sempre foi obedecido pelos pretores.

Page 24: Direito Grego Versus Romano

26

No chamado direito justinianeu, com a absorção da idéia estóica de

resinscorporales e, portanto, iura (direitos) a recaírem sobre coisas corpóreas, é

que se pode falar em efetivas servidões, porquanto passa a se admitir a existência

de iura in re aliena (direito real sobre coisa alheia). Desaparece o princípio da

tipicidade das servidões prediais e o direito passa a poder criar novos tipos de

servidão, estabelecendo livremente os poderes que seriam atribuídos ao dono do

prédio dominante. Após a servidão, surgiram como ius in re aliena o usufruto, o

uso, a habitação, e a superfície.

2.3.2 A evolução do direito de superfície no direito romano

No direito clássico, assim como ocorria no pré-clássico, vigorava em Roma,

de modo absoluto, a regra de que superfície solo cedil, por força da qual tudo

quanto fosse acrescido ao solo (plantações e construções) passava a integrá-lo e

ao seu dono pertencia, não podendo ser objeto de transferência senão juntamente

com o solo.

Esse princípio, no qual se funda a acessio, é uma decorrência da vis

attractia da propriedade romana. Este caráter atrativo (ao lado de outros, como a

absoluta independência, inadmissibilidade de limites, exclusividade e perpetuidade)

não se identifica com a função econômico-social do dominium, mas sim com a

concepção política da propriedade romana derivada da naturalis ratio.

Durante o direito clássico, com a expansão de Roma, surgiu a necessidade

de se permitir que particulares explorassem, edificassem em solo público, ficando

com o gozo de edifícios, construídos, mediante o pagamento de uma anuidade.

Tais concessões, que a princípio eram dadas apenas pelo Estado, passaram a sê-

lo, depois, pelos municípios e pelos particulares. Existem divergências entre os

romanistas sobre a forma jurídica em que se davam essas concessões, mas

acreditam a maioria dos autores que fosse através de contratos de arrendamento

disciplinados pelo poder público.

Page 25: Direito Grego Versus Romano

27

2.4DIVISÃO CRONOLÓGICA

2.4.1 O Direito Romano Na Realeza

Trata-se do período histórico em que Roma foi governada pelos reis,

compreendendo uma faixa de aproximadamente 250 anos, segundo os cálculos de

VARRÂO, desde a fundação de Roma, em 753 a.C., até o desaparecimento do

trono, com Tarquínio, o Soberbo, em 510 a.C.

Havia duas classes bem distintas e opostas entre os habitantes da cidade de

Roma: os patrícios e os plebeus. Os primeiros, homens livres, descendentes de

homens livres, agrupados em clãs familiares patriarcais, que recebiam o nome de

gentes, formavam a classe detentora do poder e privilegiada. Os plebeus, por sua

vez, não faziam parte das gentes, estando, no entanto, sob a proteção do rei. Até o

reinado de Sérvio Túlio, os plebeus não faziam parte da organização política de

Roma.

Durante a Realeza, o Poder Público em Roma era composto por três

elementos: o Rei (rex), o Senado (senatus) e o Povo (populus romanus), este último,

como acima mencionado, constituído apenas por patrícios. Enquanto o rei, indicado

por seu antecessor ou por um senador, era detentor de um poder absoluto, ou

imperium, com atribuições políticas, militares e religiosas, sendo ao mesmo tempo

chefe de governo e de Estado, o Senado era um órgão de assessoria do rei, com

função predominantemente consultiva. Era, pois, o Senado detentor da auctoritas,

sendo ouvido pelo rei nos grandes negócios do Estado.

O povo romano (somente patrícios, inicialmente) reunia-se em assembléias,

que recebiam o nome de comícios curiatos, com o objetivo de discutir e votar as

propostas de lei, sempre de iniciativa do rei. A unidade de voto recebia a

denominação de cúria. A lei, assim votada e aprovada, recebia o nome de leges

curiatae. No entanto, com as reformas empreendidas pelo rei Sérvio Túlio, a plebe

foi favorecida, quando a riqueza de cada um, e não mais apenas as suas origens,

passou a ser base para a distinção entre as pessoas. Com isso, ganhavam o direito

de voto os plebeus contribuintes, sendo por estes entendidos aqueles que

dispunham de meios para pagar impostos e que agora tinham direito de prestar

Page 26: Direito Grego Versus Romano

28

serviço militar. Estes plebeus contribuintes votavam nos comícios centuriatos, sendo

a unidade de voto a centúria. Ao mesmo tempo, adquiriam os plebeus o direito de

praticar atividade comercial, o que favorecia, conseqüentemente, o contato com

outros povos e outras culturas, culturas estas que mais tarde viriam a ser

incorporados pelo Império Romano, ao mesmo tempo em que ganhava o povo

romano poder econômico, passo fundamental para se alcançar o poder político.

São duas as principais fontes do Direito Romano na Realeza: o costume e a

lei. O costume, ou jus non scriptum, uso repetido e prolongado da norma jurídica

tradicional não proclamada pelo Poder Legislativo, é a principal delas. A lei, de

menor importância neste período, nascia com a proposta do rei ao povo, que,

reunido em comícios curiatos ou centuriatos, aceitavam ou rejeitavam a iniciativa do

rei. Se aceita, a regra de direito, depois de ratificada pelo Senado, tornava-se

obrigatória. Vale ainda ressaltar que as leis, durante este período, eram particulares,

e não gerais, regendo verdadeiros contratos entre patres da cidade.

2.4.2 Direito Romano Na República

Abolida a Realeza em Roma, foi implantada a República, advinda de uma

revolução chefiada por patrícios e militares, e que se prolongou de 510 ate 27 a.C.

Caracterizava-se por ser uma República Aristocrática, onde a administração se

subdividia em várias magistraturas.

O poder consular, ou dos cônsules, substitui o rei, enquanto detentores do

imperium. Encarnavam a suprema magistratura. Estes cônsules eram eleitos em

número de dois para um período de um ano, cada um deles governando

alternadamente um mês cada. Assim, enquanto um governava, o outro fiscalizava,

tendo contra o primeiro o direito de veto, ou intercessio, em caso de discordância.

No entanto, o grande desenvolvimento da população romana fez com que as

funções consulares se repartissem por outras pessoas. Foi assim que surgiram

cargos como questores (responsáveis pela administração das finanças), censores

(encarregados de promover o recenseamento e de fiscalizar os costumes), pretores

(importantes magistrados para o Direito. Estavam encarregados da administração da

justiça), edis curis (cuidavam da fiscalização do comércio e do policiamento da

Page 27: Direito Grego Versus Romano

29

cidade), governadores das províncias, ou procônsules (encarregados de distribuir a

justiça).

Além dos cônsules, a organização política de Roma na República ainda era

composta pelo Senado e pelo povo. O Senado, nesta época, era um órgão

consultivo e legislativo composto por 300 patres, nomeados pelos cônsules. Os atos

oriundos do Senado eram os senatusconsultus.

O povo (populus romanus), por sua vez, agora era composto por patrícios e

plebeus, que reuniam-se em comícios (comícios curiatos, comícios centuriatos e

comícios tributos) para votar. A plebe, cuja maior conquista na época foi a criação do

tribuno da plebe (magistrados plebeus invioláveis e sagrados, com direito de veto –

intercessio – contra decisões a serem tomadas), também se reunia sozinha no

concilia plebis, onde se votavam os plebiscitos.

As fontes do Direito Romano na República são as seguintes: costume, lei,

plebiscito, interpretação dos prudentes e os editos dos magistrados. O costume,

apesar de conservar extrema importância na sociedade romana, tornava-se, pela

incerteza a ele inerente, importante arma de que dispunham os patrícios contra os

direitos da plebe.

A lei, por sua vez, é a segunda fonte de Direito Romano na República. É

redigida, apesar de muita resistência por parte dos patrícios e do Senado, a Lei das

XII Tábuas, cuja importância é incontestável, sendo considerada pelos próprios

romanos como a fonte de todo o direito público e privado. O cunho de romanidade

presente em suas disposições garantiu-lhe imediata aceitação por parte de todos,

passando a reger as relações jurídicas do povo romano. Mais tarde, numerosas

outras leis surgiram também com o intuito de reger as relações dos povos de Roma

e dos territórios submetidos, como a leges rogatae e a leges datae.

O plebiscito é aquilo que a plebe deliberava por proposta de um magistrado

plebeu, aplicando-se, a princípio, unicamente à plebe, adquirindo, a partir da Lei

Hortênsia, valor de lei.

Os prudentes, ou jurisprudentes,são jurisconsultos encarregados de adaptar

os textos legais às mudanças do direito vivo, preenchendo, assim, as lacunas

deixadas pelas leis. A interpretação dos prudentes corresponde ao que atualmente

chamamos de doutrina, diferindo, portanto, do que atualmente entendemos por

jurisprudência (decisões repetidas dos tribunais). Tais pareceres, ou seja, a

interpretação dos prudentes, passaram a influir na formação do direito.

Page 28: Direito Grego Versus Romano

30

Por fim, são também fontes do direito romano os editos dos magistrados,

conjunto de declarações (edicta) destes, em que expunham aos administrados os

projetos que pretendiam desenvolver. Para o Direito Romano, assumem maior

relevância os editos dos pretores, e, em especial, os editos urbanos. O pretor, como

magistrado que o era, era detentor do poder de fazer editos, contribuindo assim para

o florescimento, em oposição ao jus civile (formalista e rigoroso), do jus honorarium,

mais humano, pois com ele se fazia uso da equidade, instrumento através do qual o

pretor adequava a justiça ao caso concreto, abrandando-se a impessoalidade do

caso concreto.

2.4.3 O Direito Romano No Alto Império

Também conhecido como principado, ou diarquia, é um período de transição

entre a República e o Dominato (ou Baixo Império), estendendo-se de 27 a.C. a 284

d.C.

Aqui, o príncipe ou imperador congrega poderes quase ilimitados, sendo o

chefe supremo das forças armadas. A sua autoridade é máxima, e o seu poder é

partilhado com o Senado. O poder judiciário, portanto, é repartido entre o príncipe e

o Senado. As magistraturas, de início, continuavam a funcionar normalmente.

Dado o seu caráter de transição, numerosas são as fontes de direito romano

durante esta fase. Somando-se às fontes da República (costumes, leis, editos dos

magistrados, senatusconsultos), acrescentam-se as constituições imperiais e as

respostas dos jurisconsultos.

O costume ainda nesta época desempenha papel importante enquanto fonte

de direito. Quanto às leis, adquirem maior importância as leges datae, medidas

tomadas em nome do povo pelo imperador, correspondendo aos nossos atuais

regulamentos administrativos. Os editos dos magistrados perdem muita importância

neste período, tendo o novo regime praticamente tirado de fato a independência e o

espírito de iniciativa dos pretores, fazendo com que estes aos poucos passassem a

apenas reproduzir os editos de seus antecessores. Os senatoconsultos são medidas

de ordem legislativa que emanam do Senado. Durante o Alto Império, o

senatoconsulto é feito a pedido do príncipe.

Page 29: Direito Grego Versus Romano

31

As constituições imperiais eram medidas de ordem legislativa promulgadas

pelo imperador e elaboradas pelo consilium principis, colégio constituído pelos mais

importantes jurisconsultos da época. Gradualmente, esta fonte vai adquirindo maior

importância até chegar a constituir a fonte única de direito romano durante o Baixo

Império. Ainda como fonte do direito romano no Alto Império, as respostas dos

jurisconsultos são as sentenças e opiniões feitas por quem fixa o direito, mas é

somente a partir de Adriano que tais respostas passaram a ganhar força de lei. Em

havendo divergência entre os pareceres, ao juiz era lícito seguir a opinião que a ele

parecesse melhor, o que se aproxima, desta forma, da utilização do instituto que

hoje conhecemos como eqüidade.

2.4.4 O Direito Romano No Baixo Império

O Baixo Império, também conhecido como Dominato, estende-se de 284 d.C.

a 565 d.C., e caracteriza-se pelo poder supremo do imperador, que, ao assumir

atribuições dos outros órgãos constitucionais, torna-se monarca absoluto,

concentrando todos os poderes em suas mãos. Durante este período, o Império

Romano encontrava-se subdivido em Império Romano do Ocidente e Império

Romano do Oriente, sendo cada um desses blocos entregue a um imperador.

As constituições imperiais, ou leges,,são a única fonte do direito romano neste

período. A maior parte delas tem forma de editos. As codificações, ou compilações,

que aqui surgem podem ter caráter oficial ou particular, conforme sejam elaboradas

por iniciativa de imperadores ou por iniciativa privada. A importância de Justiniano é

tamanha que podemos dividir as compilações existentes neste período como

anteriores, posteriores ou da época de Justiniano.

Ocorre, no entanto, que a maior contribuição deste período e, certamente, um

dos maiores legados deixados pela civilização romana corresponde ao Corpus Juris

Civilis, obra esta que reúne o direito romano propriamente dito. O direito de

Justiniano é uma obra que reúne em um só corpo numerosos textos de lei das

épocas anteriores, assim como de sua época também, tendo tido vigência em todo o

Império Romano, daí a sua incontestável importância não apenas para a época, mas

também para a posterioridade, pois é o Direito Romano, cujos principais institutos

Page 30: Direito Grego Versus Romano

32

encontram-se condensados no Corpus Juris Civilis, que constitui a raiz a partir da

qual brotaram-se os principais institutos jurídicos ocidentais dos tempos atuais.

2.5 ORIGEM DO DIREITO ROMANO

Estreitamente ligado á religião, o direito possuía na antiguidade

características de formalismo estrito, simbolismo e conservadorismo. Porém, como

os costumes – o direito non scriptium – não eram confiáveis, afinal eram aplicados e

interpretados pelos patrícios, que sempre eram favorecidos por suas decisões.

Os primeiros preceitos legais foram finalmente gravados sobre o bronze ou

carvalho, e expostos no comitium, Fórum romano reservado à justiça e à vista de

todos. È a famosa Lei das XII Tábuas ou Lex Duodecim Tabularum, de 450/451 a.C.

Em seu conteúdo a legislação era dividida em:

Tábua I e II: Organização e Procedimento Judicial;

Tábua III: Normas contra os inadimplentes;

Tábua IV: Pátrio Poder;

Tábua V: Sucessões e Tutela;

Tábua VI: Propriedade;

Tábua VII: Servidões;

Tábua VIII: Dos Delitos;

Tábua IX: Direito Público;

Tábua X: Direito Sagrado;

Tábuas XI e XII: Complementares.Antes da lei das Doze Tábuas (754 -

201 a. C.)

Antes da Lei das XII Tábuas , o primeiro texto legal, cujo conteúdo chegou até

os dias de hoje, o direito privado consistia do antigo direito civil romano se aplicava

apenas aos cidadãos romanos. Os fragmentos preservados mostram que não se

tratava de um código legal no sentido moderno, pois não preenchia critérios de um

sistema completo e coerente de todas as regras jurídicas aplicáveis.

Embora contivessem disposições sobre todas as áreas do direito, a lei das

Doze Tábuas, predominavam as referentes ao direito privado e ao processo civil.

São conhecidas dos primórdios do direito romano, que permitia o casamento entre

Page 31: Direito Grego Versus Romano

33

patrícios e plebeus, restringiam a posse de terras públicas, bem como autorizações

para que os plebeus ocupassem cargos sacerdotais, na qual as decisões das

assembléias passaram a valer para todo o povo.

Outra lei importante que surgiu no período republicano é a “Lex Aquilia”, que

regulava a responsabilidade civil, entretanto a maior contribuição à Roma é a cultura

jurídica européia, não foi a promulgação de leis bem redigidas, mas o surgimento de

uma classe de juristas profissionais e de uma ciência do Direito, através da

aplicação dos métodos da filosofia grega ao direito, que jamais haviam sidos

tratados como ciência.

Os juristas eram atuais e escreveram um grande número de tratados sobre o

direito. Dentre os mais famosos da época da república estão Quinto Mácio Escévola

e Sérvio Sulpício Rufo.

Assim, depois de quase 350 anos passando por reformas, e com a Lei das

Doze Tábuas, ainda na fase de República, surgiu o filósofo jurídico Marco Túlio

Cícero ( 106-43 a.C), orador e advogado que se destacou também na vida política

de Roma. O Direito passa a ser objeto de ciência própria e universal. Defendia que

a ciência jurídica deveria se tornar ideal a todos os povos (ius gentium – Direito dos

povos )

No final da República Romana, nasceu Jesus Cristo, começando a contagem

do tempo do seu nascimento. Pelos seus discípulos, o mundo romano viu crescer o

Cristianismo, com a força da Igreja Católica Apostólica Romana.

A grave crise social se deu mesmo antes do nascimento de Jesus Cristo, e

veio ocasionando várias guerras civis culminando no assassinato de Júlio César em

44 a.C, no Senado Romano, que acabou gerando insatisfação social muito grande,

dando margem à corrupção do Poder Político e Roma encontrou-se em meio a um

verdadeiro caos.

Assim, Roma já havia desenvolvido um sistema de direito e uma cultura

jurídica sofisticada quando a república Romana foi substituída pelo Império.

2. 6 DIREITO ROMANO – LEI DAS DOZE TÁBUAS

Page 32: Direito Grego Versus Romano

34

A Lei das Doze Tábuas foi um marco na história do Direito Romano, um

“divisor de águas”, pois pela primeira vez as leis passaram a ser escritas, e o mais

importante, passaram a valer também para os plebeus, da mesma forma que para

os patrícios (estes, os cidadãos romanos, a quem até então o mundo do Direito era

restrito).

Essa Lei situa-se no cerne da chamada “terceira revolução” romana, quando

a plebe passou a participar da cidade, por assim dizer. A “primeira revolução” deu-se

ainda no período da monarquia ou realeza (753 a.C. a 510 a.C.), com a autoridade

política sendo tirada dos reis, plantando a semente do período seguinte, a República

(510 a.C. a 27 a.C). A “segunda revolução” foi marcada por conquistas importantes

da plebe, que, liderada pela figura intocável do Tribuno da Plebe, foi demolindo

costumes e leis patrícias.

De acordo com relatos semilendários, preservados por Lívio, no início da

República Romana as leis eram mantidas em segredo pelos pontífices e por outros

representantes dos patrícios, sendo executadas com especial severidade contra os

plebeus. Um plebeu chamado Terentílio (Gaius Terentilius) propôs em 462 a.C. a

compilação e publicação de um código legal oficial, de modo que os plebeus

pudessem conhecer a lei e não ser pegos de surpresa quando de sua execução.

Por anos a fio, os patrícios opuseram-se a essa proposta, até que em 451

a.C. um decenvirato (grupo formado por dez homens, todos patrícios) foi designado

para preparar o projeto do código. Acredita-se que os romanos enviaram uma

embaixada para estudar o sistema legal dos gregos, em especial as leis de Sólon,

possivelmente nas colônias gregas do sul da Península Itálica, então conhecida

como Magna Grécia.

Os dez primeiros códigos (Tábuas I a X) foram preparados em 451 a.C., e em

450 a.C. um segundo decenvirato (constituído por sete patrícios e três plebeus)

concluiu os dois últimos (Tábuas XI e XII).

As Doze Tábuas foram então promulgadas, havendo sido literalmente

inscritas em doze tabletes de madeira (carvalho) que foram afixados no Fórum

romano, de modo que todos pudessem lê-las e conhecê-las. Elas não são uma

compilação abrangente e sistemática de todo o direito da época (portanto, não

formam códigos, na acepção moderna do termo). São, antes, uma série de

definições de diversos direitos privados e de procedimentos. Consideravam de

Page 33: Direito Grego Versus Romano

35

conhecimento geral algumas instituições como a família e vários rituais para

negócios formais.

O texto original das Doze Tábuas perdeu-se quando os gauleses incendiaram

Roma em 390 a.C. Nenhum outro texto oficial sobreviveu, mas apenas versões não-

oficiais. O que existe hoje são fragmentos e citações por outros autores, que

demonstram terem sido as Doze Tábuas redigidas em latim considerado estranho,

arcaico, lacônico e até mesmo infantil, e são indícios do que teria sido a gramática

do latim primitivo.

De modo semelhante a outras leis primitivas, as Doze Tábuas combinam penas

rigorosas com procedimentos também severos. Os fragmentos que restaram não

indicam a que tábua pertenciam, embora os estudiosos procurem agrupá-los por

meio da comparação com outros fragmentos que indicam sua respectiva tábua.

Assim, não há como ter certeza de que as tábuas originais eram organizadas por

assunto, mas os historiadores reconstituíram parte do conteúdo nelas existente.

Com base nesse trabalho, um esboço do conteúdo das tábuas pôde ser feito.

De acordo com a reconstituição feita pelo romanista francês Denis Godefroy, as

Doze Tábuas teriam o seguinte conteúdo (fonte: Segurado, Milton Duarte –

Introdução ao Direito Romano, 1ª edição, 2002, Editora Jurídica Mizuno – apud

Silvio Meira):

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36

3 - CONCLUSÃO

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37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, José Carlos Moreira – Direito Romano, 6ª edição, 1987, Ed. Forense.

CRETELLA Júnior, José – Curso de Direito Romano, 31ª edição, 2009, Ed. Forense

SEGURADO, Milton Duarte – Introdução ao Direito Romano, 1ª edição, 2002, Ed. Jurídica Mizuno;

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38

ANEXO I

A Lei das XII Tábuas

(LEX DUODECIM TABULARUM ou DUODECIM TABULAE, em latim)

TÁBUA I – Do Chamamento a Juízo

1. Se alguém é chamado a juízo, compareça.

2. Se não comparece, aquele que o citou tome testemunhar e o prenda.

3. Se procurar enganar ou fugir, o que citou pode lançar mão (manus injectio) sobre

(segurar) o citado.

4. Se uma doença ou a velhice o impede de andar, o que citou, lhe forneça um

cavalo.

5. Se não aceitá-lo, que forneça um carro, sem obrigação de dá-lo coberto.

6. Se se apresenta alguém para defender o citado, que este seja solto.

7. O rico será fiador do rico; para o pobre será quem quiser (qualquer um poderá

servir de fiador).

8. Se as partes entram em acordo em caminho, que a causa seja assim resolvida (a

causa está encerrada, pelo acordo).

9. Se não entram em acordo (se não transigem), que o pretor os ouça no “comitium”

ou no fórum e conheça da causa antes do meio-dia, presentes ambas as partes.

10. Depois do meio-dia, se apenas uma parte comparece, o pretor decida a favor da

que está presente. (E à revelia da ausente).

11. O pôr do sol será o prazo (termo) final da audiência. (Bastava esta lei para

demonstrar a influência avassaladora do direito romano. “Sol occasus suprema

tempestas esto”. As partes devem se apresentar perante o magistrado pouco antes

do meio-dia para que o processo possa começar ao meio-dia; e não poderá passar

do pôr do sol. Qual o horário de funcionamento hoje do Fórum? O mesmo dos

romanos).

TÁBUA II – Dos Julgamentos e dos Furtos

1. ............... cauções ............... sub-cauções ............... a não ser que uma doença

grave ............... um voto ............... uma ausência a serviço da república, ou uma

Page 37: Direito Grego Versus Romano

39

citação por parte de estangeiro dêem margem ao impedimento; pois se o citado, o

juiz ou o árbitro, sofre qualquer destes impedimentos, que seja adiado o julgamento.

2. Aquele que não tiver testemunhas irá, por três dias de feira, para a porta da casa

da parte contrária, anunciar a sua causa em altas vozes injuriosas, para que ela se

defenda.

3. Se alguém comete furto à noite e é morto em flagrante, o que matou não será

punido. (Legítima defesa).

4. Se o furto ocorrer durante o dia e o ladrão é pego em flagrante, que seja fustigado

e entregue como escravo à vítima (se o ladrão é livre). Se for escravo, que seja

fustigado e precipitado do alto da rocha Tarpéia. (Se é livre, fica escravo; se

escravo, morre). (Veja “Os Lusíadas” 8:97).

5. Se ainda não atingiu a puberdade (o ladrão), que seja fustigado com varas a

critério do pretor, e que indenize o dano.

6. Se o ladrão durante o dia defende-se com arma, que a vítima peça socorro em

altas vozes e se, depois disso, mata o ladrão, que fique impune.

7. Se, pela procura “cum lance licioque” (aquele que procura uma coisa roubada que

o faça despido, mas cingido de uma faixa de couro nos rins e trazendo um disco ou

prato na mão), a coisa furtada é encontrada na casa de alguém, que seja punido

como se fora um furto manifesto. (A seminudez legal era para comprovar que o

descobridor da coisa não levava panos em que a ocultasse e o prato era para exibi-

la imediatamente; enfim, para o ladrão não apresentar a coisa roubada como

achada. Donde a expressão “por em pratos limpos”).

8. Se alguém intenta ação por furto não manifesto, que o ladrão seja condenado ao

dobro.

9. Se alguém, sem razão, cortou árvores de outrem, que seja condenado a indenizar

à razão de 25 asses por árvore cortada.

10. Se transigiu com um furto, que a ação seja considerada extinta.

11. A coisa furtada nunca poderá ser adquirida por usucapião. (Nem a res sacra: X.

16. Estrangeiro não adquire nada: III.3)

TÁBUA III – Dos Direitos de Crédito

1. Se o depositário, de má fé, pratica alguma falta com relação ao depósito, que seja

condenado em dobro.

Page 38: Direito Grego Versus Romano

40

2. Se alguém coloca o seu dinheiro a juros superiores a um por cento ao ano, seja

condenado a devolver o quádruplo.

3. O estrangeiro jamais poderá adquirir bem algum por usucapião. Contra ele eterna

vigilância.

4. Aquele que confessa dívida perante o magistrado, ou é condenado, terá trinta dias

para pagar.

5. Esgotados os trinta dias e não tendo pago, que seja agarrado (manus injectio) e

levado à presença do magistrado.

6. Se não paga e ninguém se apresenta como fiador, que o devedor seja levado

(manus injectio) pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com

peso até o máximo de quinze libras; ou menos, se assim o quiser o credor.

7. O devedor preso viverá à sua custa, se quiser; se não quiser, o credor que o

mantém preso dar-lhe-á por dia uma libra de pão ou mais, a seu critério.

8. Se não houver conciliação, que o devedor fique preso por sessenta dias, durante

os quais será conduzido em três dias de feira ao comitium, onde se proclamará, em

altas vozes, o valor da dívida.

9. Se são muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, (matá-lo e)

dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não

importando cortar mais ou menos. (Lembrar o judeu Shylock, personagem da

comédia de Shakespeare, “O Mercador de Veneza”). Se os credores preferirem,

poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre. (“trans Tiberim”, ficção)

Revogado pela Lex Poetelia Papiria de nexis.

TÁBUA IV – Do Pátrio Poder e do Casamento

1. É permitido ao pai matar o filho que nasce disforme, mediante o julgamento

(testemunho) de cinco vizinhos. Influência do direito espartano. (Ver Leis Régias de

Numa Pompilio nº XII).

2. O pai terá sobre os filhos nascidos de casamento legítimo (justas núpcias) o

direito de vida e de morte (“jus vitae necisque”) e o poder de vendê-los. (Numa, nº

XIX);

3. Se o pai vendeu o filho três vezes, que este filho não recaia mais sob o pátrio

poder (“patria potestas”).

4. Se um filho póstumo nasceu até o décimo mês após a dissolução do matrimônio,

que este filho seja reputado legítimo.

Page 39: Direito Grego Versus Romano

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TÁBUA V – Das Heranças e Tutelas

1. As disposições testamentárias de um pai de família sobre os seus bens ou a

tutela dos filhos, terão força de lei.

2. Se o pai de família morre intestado, não deixando herdeiro seu (necessário), que

o agnado (paterno) mais próximo seja o herdeiro.

3. Se não há agnados, que a herança seja entregue aos gentiles (da gens).

4. Se um liberto (escravo alforriado) morre intestado, sem deixar herdeiros seus

(necessários), mas o patrono (quem o alforriou) ou os filhos do patrono a ele

sobrevivem, que a sucessão desse liberto se transfira ao parente mais próximo da

família do patrono.

5. Que as dívidas ativas e passivas sejam divididas entre os herdeiros, segundo o

quinhão de cada um.

6. Quanto aos demais bens da sucessão indivisa, os herdeiros poderão partilhá-los,

se assim o desejarem; para esse fim o pretor poderá indicar três árbitros.

7. Se o pai de família morre sem deixar testamento, indicando um herdeiro seu

impúbere, que o agnado mais próximo seja o seu tutor.

8. Se alguém torna-se louco ou pródigo e não tiver tutor, que a sua pessoa e seus

bens sejam confiados à curatela dos agnados e, se não há agnados, à dos gentiles.

TÁBUA VI – Do Direito de Propriedade e da Posse

1. Se alguém empenha a sua coisa ou vende em presença de testemunhas, o que

prometeu (em voz alta: “uti lingua nuncupavit”: o que disse vale) tem força de lei.

2. Se não cumpre o que prometeu, que seja condenado em dobro.

3. O escravo a quem foi concedida a liberdade por testamento, sob a condição de

pagar uma certa quantia, e que é vendido em seguida, tornar-se-á livre se pagar a

mesma quantia ao comprador.

4. A coisa vendida, embora entregue, só será adquirida pelo comprador depois de

pago o preço. (Que bom senso!).

5. As terras serão adquiridas por usucapião depois de dois anos de posse, as coisas

móveis depois de um ano.

6. A mulher que residiu durante um ano em casa de um homem, como se fora sua

esposa, é adquirida por esse homem e cairá sob o seu poder (manus), salvo se se

ausentar da casa por três noites (trinoctium).

Page 40: Direito Grego Versus Romano

42

7. Se uma coisa é litigiosa, que o pretor a entregue provisoriamente àquele que

detém a posse (posse provisória); mas se se tratar da liberdade de um homem que

está em escravidão, que o pretor lhe conceda a liberdade provisória.

8. Que a madeira utilizada para a construção de uma casa, ou para amparar a

videira, não seja retirada só porque o proprietário reivindica; mas aquele que utilizou

madeira que não lhe pertencia seja condenado a pagar o dobro do valor; e se a

madeira é destacada da construção ou do vinhedo, que seja permitido ao

proprietário reivindicá-la. (A trave que ampara a casa é acessória em relação à

principal, no caso, a casa).

9. Se alguém quer repudiar a mulher, que apresente as razões desse repúdio.

TÁBUA VII – Dos Delitos e das Penas

1. Se um quadrúpede causar qualquer dano, que o seu proprietário indenize o valor

desse dano ou abandone o animal ao prejudicado.

2. Se alguém causa um dano premeditadamente, que o repare. (Civil/1916, 159).

3. Aquele que fez encantamentos (feitiçaria) contra a colheita de outrem;

4. Ou a colheu furtivamente à noite antes de amadurecer ou a cortou depois de

madura, será sacrificado a Ceres. (ou votado aos deuses infernais; é morto).

5. Se o autor do dano é impúbere, que seja fustigado a critério do pretor e indenize o

prejuízo em dobro.

6. Aquele que fez pastar o seu rebanho em terreno alheio;

7. E o que intencionalmente incendiou uma casa ou um monte de trigo perto de uma

casa (crime doloso), seja fustigado com varas e em seguida lançado ao fogo; (o

incendiário veste a túnica “molexta”, isto é, queimado).

8. Mas se assim agiu por imprudência (culposo), que repare o dano; se não tem

recursos para tanto, que seja punido menos severamente do que aquele que agiu

intencionalmente (doloso).

9. Aquele que causar dano leve indenizará 25 asses.

10. Se alguém difama outrem com palavras ou cânticos, que seja fustigado.

11. Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de talião, salvo se houver acordo.

(Fórmula hebraica da lei de talião: olho por olho, dente por dente).

12. Aquele que arrancar ou quebrar um osso a outrem deve ser condenado a uma

multa de trezentos asses, se o ofendido é homem livre; e de cento e cinquenta

asses, se o ofendido é escravo.

Page 41: Direito Grego Versus Romano

43

13. Se o tutor administra com dolo, que seja destituído como suspeito e com infâmia;

se causou algum prejuízo ao tutelado, que seja condenado a pagar o dobro ao fim

da gestão.

14. Se um patrono causa dano a seu cliente, que seja declarado sacer (sagrado).

(Pode ser morto como vítima – hostia – devotada aos deuses infernais).

15. Se alguém participou de um ato como testemunha ou desempenhou nesse ato

as funções de libripens (porta-balança) e recusa a dar o seu testemunho, que recaia

sobre ele a infâmia e ninguém lhe sirva de testemunha.

16. Se alguém profere um falso testemunho, que seja precipitado da rocha Tarpéia.

17. Se alguém matou um homem livre e empregou feitiçaria e veneno, que seja

sacrificado com o último suplício. (Penal, 121, § 2º III).

18. Se alguém matou o pai ou a mãe, que se lhe envolva a cabeça e seja colocado

em um saco costurado e lançado ao rio. NOTA: devia estar aqui o artigo 3 da Tábua

II como o

19. Se alguém comete furto à noite e é morto, seja o causador da morte absolvido.

NOTA: devia estar aqui o artigo 6 da Tábua II, como o

20. Mesmo que o ladrão esteja roubando em pleno dia, não terá direito a se

defender com arma.

TÁBUA VIII – Dos Direitos Prediais

1. A distância entre as construções vizinhas deve ser de dois pés e meio. (Este

espaço é res sacra. (Civil/1916, 569-571).

2. Que os sodales (sócios) façam para si os regulamentos que entenderem, contanto

que não prejudiquem o público.

3. A área de cinco pés deixada livre entre os campos limítrofes (é res sacra não

pode ser adquirida por usucapião.

4. Se surgem divergências entre possuidores de campos vizinhos, que o pretor

nomeie três árbitros para estabelecer os limites respectivos.

5. ........................... (lei incerta sobre limites) ...........................

6. ........................... jardim ........................................................

7. ........................... herdade ......................................................

8. ........................... choupana ...................................................

9. Se uma árvore se inclina sobre o terreno alheio, que os seus galhos sejam

podados à altura de mais de 15 pés. (Civil/1916, 557).

Page 42: Direito Grego Versus Romano

44

10. Se caem frutos sobre o terreno vizinho, o proprietário da árvore tem o direito de

colher esses frutos. (Civil/1916, 557).

11. Se a água da chuva retida ou dirigida por trabalho humano causa prejuízo ao

vizinho, que o pretor nomeie três árbitros, e que estes exijam do dono da obra

garantias contra o dano iminente.

12. Que o caminho em reta tenha oito pés de largura e o em curva tenha dezesseis.

(Como é o dobro, resumamos esta lei: Que o caminho em curva tenha de largura o

dobro de pés do em reta).

13. Se aqueles que possuem terrenos vizinhos a estradas não os cercam, que seja

permitido deixar pastar o rebanho à vontade (nestes terrenos). (Civil/1916, 559 e

646).

TÁBUA IX – Do Direito Público

1. Que não se estabeleçam privilégios em leis. (Ou: Que não se façam leis

especialmente para determinados indivíduos nem leis contra indivíduos).

2. Aqueles que foram presos por dívidas e as pagaram, gozam dos mesmos direitos

como se não tivessem sido presos; os povos que forem sempre fiéis e aqueles cuja

defecção for apenas momentânea gozarão de igual direito.

3. Se um juiz ou árbitro indicado pelo magistrado recebeu dinheiro para julgar a favor

de uma das partes em prejuízo de outrem, que seja morto. (Em Babilônia, não é

morto; paga doze vezes as custas e perde o cargo – Código de Hamurabi).

4. Que os comícios por centúrias sejam os únicos a decidir sobre o estado de um

cidadão. (Os status são três: liberdade, cidadania e família).

5. Os questores de homicídio ..........................

6. Se alguém promove em Roma assembléias noturnas, que seja morto.

7. Se alguém insuflou o inimigo contra sua pátria ou entregou um concidadão ao

inimigo, que seja morto. NOTA: Podia estar aqui o artigo “contra o estrangeiro eterna

vigilância”.

TÁBUA X – Do Direito Sacro

1. ...................... do juramento .....................

2. Não é permitido sepultar nem incinerar na cidade um(a) defunto(a).

3. Moderai as despesas com os funerais.

4. Fazei apenas o que é permitido. (Isto é, enterrai com a maior simplicidade).

Page 43: Direito Grego Versus Romano

45

5. Não deveis polir a madeira que vai servir à incineração. (Da fogueira ou pira).

6. Que o cadáver seja vestido com três togas e o enterro se faça acompanhar (só)

de dez tocadores de instrumento (flautistas). (Dez, no máximo).

7. Que as mulheres (carpideiras, ganham para prantear o defunto) não arranhem as

faces nem soltem gritos imoderados. (Estas duas últimas, influência do direito grego,

principalmente de Sólon).

8. Não retireis da pira os restos de ossos de um morto, para lhe dar segundos

funerais, a menos que tenha morrido na guerra ou em país estrangeiro. (Neste caso

se justifica que, depois do primeiro enterro, seja feito outro, na pátria).

9. Que os corpos dos escravos não sejam embalsamados e que seja abolido dos

seus funerais o uso da bebida (libação) em torno do cadáver.

10. Que não se lancem licores sobre a pira de incineração nem sobre as cinzas do

morto.

11. Que não se usem longas coroas nem turíbulos nos funerais.

12. Que aquele que mereceu uma coroa pelo próprio esforço, ou a quem seus

escravos ou seus cavalos fizeram sobressair nos jogos, traga a coroa como prova

de seu valor, assim como os seus parentes, enquanto o cadáver está em casa e

durante o cortejo.

13. Não é permitido fazer muitas exéquias nem muitos leitos fúnebres para o mesmo

morto.

14. Não é permitido enterrar ouro com o cadáver; mas se seus dentes são presos

(chumbados, obturados) com ouro, pode-se enterrar ou incinerar com esse ouro.

(Nota: Ler conto de Chesterton: “A Honra de Israel Gow”).

15. Não é permitido, sem o consentimento do proprietário, levantar uma pira ou

cavar novo sepulcro, a menos de sessenta pés de distância da casa. (Este espaço é

res sacra).

16. Que o vestíbulo de um túmulo jamais possa ser adquirido por usucapião, assim

como o próprio túmulo.

(Até aqui as X Tábuas da Primeira Comissão. Seguem-se as duas da Segunda

Comissão, de medíocres).

TÁBUA XI – Feita para completar as Tábuas I a V

1. Que a última vontade do povo tenha força de lei.

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2. Não é permitido o casamento entre patrícios e plebeus. (Revogada pela Lex

Canulea).

3. ...................... (da declaração pública de novas consagrações).

TÁBUA XII – Feita para completar as Tábuas VI a X

1. ...................... do penhor ......................

2. Se alguém faz consagrar uma coisa litigiosa (dedicando-a aos deuses, para não

entregá-la ou não a devolver), que pague o dobro do valor da coisa consagrada (aos

deuses).

3. Se alguém de má fé obtém a posse provisória de uma coisa, que o pretor, para

pôr fim ao litígio, nomeie três árbitros, e que estes condenem o possuidor de má fé a

restituir o dobro dos frutos.

4. Se um escravo comete um furto, ou causa algum dano, sabendo-o patrono, que

seja obrigado esse patrono a entregar o escravo, como indenização, ao prejudicado.