iii-247 - avaliaÇÃo da influÊncia da correÇÃo do teor de ... · determinação do teor de...

9
23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental III-247 - AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DA CORREÇÃO DO TEOR DE UMIDADE NA DEGRADAÇÃO ANAERÓBIA DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS Florence Vasconcelos Braga Silva (1) Engenheira Civil e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Departamento de Engenharia de Sanitária e Ambiental da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Liséte Celina Lange Química, Doutora em Tecnologia Ambiental pela Universidade de Londres – Inglaterra, Profª. Adjunta do Departamento de Engenharia de Sanitária e Ambiental da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Gustavo Ferreira Simões Engenheiro Civil, Doutor em Engenharia Civil pela PUC-Rio, Prof. Adjunto do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Cynthia Fantoni Alves Ferreira Engenheira Civil. Especialista em Gestão Ambiental. Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutoranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG e pesquisadora vinculada ao Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Daniele Fernandes Viana Química, Técnica em Saneamento e Pesquisadora vinculada ao Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Endereço (1) : Av. do Contorno, 842 / 7º andar - Centro – Belo Horizonte - MG - CEP: 30110-060 - Brasil - Tel: +55 (31) 3238-1039 - Fax: +55 (31) 3238-1879 - e-mail: [email protected] RESUMO Este artigo apresenta o efeito da aplicação de diferentes teores de umidade na degradação anaeróbia de resíduos sólidos urbanos. Foram construídas quatro células experimentais de 1,5 m 3 no aterro da cidade de Catas Altas – MG. Os teores de umidade aplicados foram de 70% (em duas células experimentais), 75% e 80%. Para a manutenção de condições apropriadas de umidade promoveu-se a recirculação dos líquidos lixiviados e realizou-se a estimativa do balanço hídrico das células experimentais. Para a análise da evolução da biodegradação, foram monitorados os seguintes parâmetros físico-químicos dos líquidos lixiviados: pH, DQO, N-NH 3 e Cl - . Os resultados indicaram que uma faixa de 70 a 75% de umidade possibilitou taxas de biodegradação mais aceleradas. PALAVRAS-CHAVE: Resíduos sólidos urbanos, teor de umidade, degradação anaeróbia, recirculação. INTRODUÇÃO Na maioria das vezes, o projeto e a operação dos aterros sanitários buscam diminuir a entrada de água, por meio de camadas impermeabilizantes na base e cobertura final, com o objetivo de minimizar a geração de efluentes líquidos e gasosos. Contudo, sem um adequado conteúdo de umidade, o processo de biodegradação dos resíduos sólidos urbanos (RSU) é limitado. Entre os fatores que afetam a biodegradação dos RSU, o teor de umidade foi identificado como o mais crítico (REINHART e AL-YOUSFI, 1996). A presença de água é importante não só para o primeiro passo da degradação anaeróbia (hidrólise), como também facilita a distribuição de microorganismos, nutrientes e promove a diluição de agentes inibidores na massa de RSU. A aceleração da hidrólise pode, contudo, levar à inibição da metanogênese, em função do aumento da concentração de ácidos orgânicos, com conseqüente diminuição do pH para faixas tóxicas às Archeas metanogênicas (SPONZA; AĞDAĞ, 2004). Há, atualmente, um crescente interesse em se fazer o controle e a aceleração da biodegradação, pois isto traz benefícios tanto econômicos quanto ambientais. As principais vantagens de se promover a aceleração da biodegradação dos RSU são: (a) diminuição do tempo e do risco de monitoramento após o fechamento do aterro; (b) facilidade no manejo e tratamento dos líquidos lixiviados; (c) aumento da taxa de produção e da ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1

Upload: lythien

Post on 17-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: III-247 - AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DA CORREÇÃO DO TEOR DE ... · determinação do teor de umidade ... de RSU. Tabela 2.1 ... células experimentais foi confeccionada com solo

23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental

III-247 - AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DA CORREÇÃO DO TEOR DE UMIDADE NA DEGRADAÇÃO ANAERÓBIA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

URBANOS Florence Vasconcelos Braga Silva (1)

Engenheira Civil e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Departamento de Engenharia de Sanitária e Ambiental da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Liséte Celina Lange Química, Doutora em Tecnologia Ambiental pela Universidade de Londres – Inglaterra, Profª. Adjunta do Departamento de Engenharia de Sanitária e Ambiental da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Gustavo Ferreira Simões Engenheiro Civil, Doutor em Engenharia Civil pela PUC-Rio, Prof. Adjunto do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Cynthia Fantoni Alves Ferreira Engenheira Civil. Especialista em Gestão Ambiental. Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutoranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG e pesquisadora vinculada ao Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Daniele Fernandes Viana Química, Técnica em Saneamento e Pesquisadora vinculada ao Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Endereço(1): Av. do Contorno, 842 / 7º andar - Centro – Belo Horizonte - MG - CEP: 30110-060 - Brasil - Tel: +55 (31) 3238-1039 - Fax: +55 (31) 3238-1879 - e-mail: [email protected] RESUMO

Este artigo apresenta o efeito da aplicação de diferentes teores de umidade na degradação anaeróbia de resíduos sólidos urbanos. Foram construídas quatro células experimentais de 1,5 m3 no aterro da cidade de Catas Altas – MG. Os teores de umidade aplicados foram de 70% (em duas células experimentais), 75% e 80%. Para a manutenção de condições apropriadas de umidade promoveu-se a recirculação dos líquidos lixiviados e realizou-se a estimativa do balanço hídrico das células experimentais. Para a análise da evolução da biodegradação, foram monitorados os seguintes parâmetros físico-químicos dos líquidos lixiviados: pH, DQO, N-NH3 e Cl-. Os resultados indicaram que uma faixa de 70 a 75% de umidade possibilitou taxas de biodegradação mais aceleradas. PALAVRAS-CHAVE: Resíduos sólidos urbanos, teor de umidade, degradação anaeróbia, recirculação. INTRODUÇÃO

Na maioria das vezes, o projeto e a operação dos aterros sanitários buscam diminuir a entrada de água, por meio de camadas impermeabilizantes na base e cobertura final, com o objetivo de minimizar a geração de efluentes líquidos e gasosos. Contudo, sem um adequado conteúdo de umidade, o processo de biodegradação dos resíduos sólidos urbanos (RSU) é limitado. Entre os fatores que afetam a biodegradação dos RSU, o teor de umidade foi identificado como o mais crítico (REINHART e AL-YOUSFI, 1996). A presença de água é importante não só para o primeiro passo da degradação anaeróbia (hidrólise), como também facilita a distribuição de microorganismos, nutrientes e promove a diluição de agentes inibidores na massa de RSU. A aceleração da hidrólise pode, contudo, levar à inibição da metanogênese, em função do aumento da concentração de ácidos orgânicos, com conseqüente diminuição do pH para faixas tóxicas às Archeas metanogênicas (SPONZA; AĞDAĞ, 2004). Há, atualmente, um crescente interesse em se fazer o controle e a aceleração da biodegradação, pois isto traz benefícios tanto econômicos quanto ambientais. As principais vantagens de se promover a aceleração da biodegradação dos RSU são: (a) diminuição do tempo e do risco de monitoramento após o fechamento do aterro; (b) facilidade no manejo e tratamento dos líquidos lixiviados; (c) aumento da taxa de produção e da

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1

Page 2: III-247 - AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DA CORREÇÃO DO TEOR DE ... · determinação do teor de umidade ... de RSU. Tabela 2.1 ... células experimentais foi confeccionada com solo

23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental qualidade do biogás, visando seu reaproveitamento; (d) aceleração dos recalques, possibilitando o reuso do volume desocupado e, conseqüentemente, o aumento da vida útil do aterro (USEPA, 2000). Existem diversas técnicas que promovem a aceleração da biodegradação dos RSU. Em muitos casos, a solução adotada inclui a introdução de líquidos, geralmente, a recirculação do próprio líquido lixiviado gerado. Apesar dos benefícios da recirculação serem reconhecidos, algumas questões ainda necessitam ser esclarecidas para a sua implementação em escala real, dentre as quais o estabelecimento de faixas de umidade, taxas e freqüências de aplicação. O teor de umidade considerado como favorável ao processo de biodegradação é freqüentemente aceito como o da capacidade de campo dos RSU (REINHART et al., 2002), que corresponde à quantidade máxima de água retida na massa de RSU em oposição à força da gravidade. Contudo, os valores de capacidade de campo reportados na literatura apresentam uma faixa muito ampla. Isto pode ser explicado pela influência de diferentes fatores, tais como a composição, peso específico, porosidade e idade dos RSU (YUEN et al., 2001). O método de medida também pode levar a grandes diferenças, uma vez que ainda não existe padronização. Além disto, valores obtidos em escala de laboratório são geralmente superiores aos obtidos em campo, devido à presença de canais preferenciais de escoamento que ocorrem em escala real. O objetivo deste trabalho é avaliar o efeito da aplicação de diferentes teores de umidade na degradação anaeróbia RSU, com a finalidade de obter faixas ótimas de aplicação. Para a execução do trabalho foram construídas quatro células experimentais no aterro controlado da cidade de Catas Altas, que foram operadas com recirculação de líquidos lixiviados. O estudo ainda se encontra em desenvolvimento e tem previsão de término em dezembro de 2005. MATERIAIS E MÉTODOS

1. Aparato experimental

Para o desenvolvimento da pesquisa foram construídas quatro células experimentais e um poço de monitoramento central, destinado à coleta de amostras dos líquidos lixiviados. A Figura 2.1-a apresenta a seção transversal padrão das células experimentais e a Figura 2.1-b uma vista geral das células experimentais e do poço de monitoramento central.

DRENO TESTEMUNHO

GEOTÊXTIL

CAMADA DE COBERTURA FINAL

MANTA ASFÁLTICA

i=2%i=2%DRENAGEM DOS LIQ. LIXIVIADOS

TUBOS DE RECIRCULAÇÃO

RSU

COLETA DE GÁS

100cm

150cm

10cm

(a)

(b)

Figura 2.1 – (a) Seção transversal das células experimentais, (b) Vista geral das células experimentais e do poço de monitoramento central. O volume de projeto das células experimentais é de 1,50 m3. A construção foi análoga ao método de aterramento em trincheiras (ou valas), realizada por meio da escavação em solo natural (Figura 2.1-b). O revestimento da base foi feito por um geotêxtil drenante, seguido por uma camada impermeável feita com manta asfáltica APP de 4,0 mm. Abaixo da camada de revestimento citada, foi construído um dreno testemunho para a detecção de possíveis vazamentos. A ligação de cada uma das células experimentais com o

célula experimental poço de monitoramento

(4)

(3) (1) (2)

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2

Page 3: III-247 - AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DA CORREÇÃO DO TEOR DE ... · determinação do teor de umidade ... de RSU. Tabela 2.1 ... células experimentais foi confeccionada com solo

23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental poço de monitoramento foi feita por um tubo de PVC de 50 mm, que possibilitou o escoamento dos líquidos lixiviados por gravidade. As células experimentais foram preenchidas com os RSU provenientes da coleta regular do município de Catas Altas, sendo retirados apenas materiais de grandes dimensões. A composição gravimétrica média (em base úmida) foi obtida durante a fase de preenchimento das células por meio dos procedimentos descritos por Pessin et al. (2002). Os resultados estão apresentados na Tabela 2.1. A Tabela 2.2 apresenta as médias dos resultados das análises físico-químicas e da capacidade de campo obtidas na caracterização dos RSU. A metodologia utilizada para a caracterização físico-química foi descrita por Lange et al. (2003). A obtenção da capacidade de campo foi baseada em um estudo desenvolvido por Lins (2003) e consistiu no preenchimento de cilindros de aço (diâmetro = 25 cm e altura= 60 cm) com uma massa conhecida de RSU, até ser atingida a densidade de 300 kg/m3. A amostras foram submersas em água até a completa saturação, durante o período de uma hora. Em seguida, realizou-se a drenagem da água e a determinação do teor de umidade (em base úmida) das amostras de RSU.

Tabela 2.1 – Composição gravimétrica dos RSU Tabela 2.2 – Propriedades físico-químicas

e capacidade de campo dos RSU Componente Valor (%) a Propriedade Valor (%) b

Matéria orgânica putrescível 56 Teor de umidade a 53 Contaminante biológico 15 Teor de sólidos voláteis 77 Plástico 10 pH 6,89 Papel/papelão 7 Capacidade de campo a 68 Pano/trapo/etc. 6 Vidro 3 Diversos 2 Metal ferroso 1 Madeira 1 Metal não ferroso 0 Contaminante químico 0 Pedra/terra/etc. 0 Resíduos de serviços de saúde 0 a Base úmida. b Exceto pH, que não possui unidade. A camada de cobertura final das células experimentais foi confeccionada com solo local compactado, por meio de um compactador do tipo sapo. A caracterização do solo local foi previamente realizada, determinando-se o teor de umidade, massa específica, curva granulométrica, limites de consistência para solos e ensaio de compactação/proctor normal. Os resultados indicaram que se trata de um silte argiloso, com massa específica dos grãos de 2,62 g.cm-3, limite de liquidez de 41%, limite de plasticidade de 24% e densidade máxima seca de 1,68 g.cm-3 para o teor de umidade ótimo de 16%. Os graus de compactação obtidos em campo variaram de 92% a 100%, com desvio máximo 2% em relação ao teor de umidade ótimo. 2. Protocolo Operacional

A Tabela 2.3 descreve o protocolo operacional utilizado nas células experimentais. A escolha dos teores de umidade foi baseada na prévia determinação da capacidade de campo dos RSU. Duas células experimentais foram operadas com 70% de umidade (Célula70a e Célula70b), uma com 75% (Célula75) e outra com 80% (Célula80). Na partida do experimento, realizou-se a correção da umidade por meio da adição de água. Em seguida, a manutenção dos teores de umidade foi feita por meio do balanço hídrico e recirculação dos líquidos lixiviados. A recirculação dos líquidos lixiviados foi feita quinzenalmente até o 169º dia de operação e, após a estabilização dos valores de pH em torno da faixa neutra, a freqüência foi semanal.

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3

Page 4: III-247 - AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DA CORREÇÃO DO TEOR DE ... · determinação do teor de umidade ... de RSU. Tabela 2.1 ... células experimentais foi confeccionada com solo

23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Tabela 2.3 – Protocolo operacional das células experimentais. Célula70a Célula70b Célula75 Célula80

Volume (m3) 1,69 1,52 1,60 1,33 Massa RSU (kg) 516 508 530 399 Peso específico RSU (kg/m3) 305 335 332 299 Volume inicial de água (L) 273 269 281 211 Volume de água adicionado (L) 292 288 466 634 Volume final de água (L) 566 557 747 845 Teor de umidade corrigido (%) a 70 70 75 80 Água adicionada / Volume da célula (m3/m3) 0,17 0,19 0,29 0,48 Água adicionada / Massa de RSU (m3/kg) 5,66 E-4 5,67 E-4 8,79 E-4 1,59 E-3

aBase úmida 3. Balanço Hídrico

O balanço hídrico foi realizado com o objetivo de avaliar a quantidade de água retida nas células experimentais. Para tanto, foi feita a estimativa da percolação da água de chuva pelas camadas de cobertura final e a medição do volume de líquidos lixiviados gerado nas células experimentais. O procedimento utilizado para a estimativa do montante de água percolado pelas camadas de cobertura final foi descrito por Koerner e Daniel (1997). A evapotranspiração potencial estimada foi calculada pelo método de Thornthwaite, baseado em correlações empíricas entre a temperatura do ar e a evapotranspiração potencial. A freqüência de cálculo do balanço hídrico foi quinzenal, ao longo dos meses de setembro de 2004 a março 2005. A medida das precipitações foi inicialmente obtida na estação pluviométrica mais próxima, localizada a 15 km do aterro de Catas Altas. Em dezembro de 2004, foi instalado um pluviômetro no local do experimento. As temperaturas médias mensais (baseadas em uma média de 30 anos) utilizadas nos cálculos foram obtidas na estação climatológica mais próxima, localizada a 118 km do aterro de Catas altas, na cidade de Belo Horizonte. 4. Métodos Analíticos

A análise da biodegradação dos RSU foi realizada por meio do monitoramento dos líquidos lixiviados gerados nas células experimentais. Os métodos padronizados pelo Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 1992) foram utilizados para a obtenção dos seguintes parâmetros dos líquidos lixiviados: pH, amônia (NH3), demanda química de oxigênio (DQO) e cloretos (Cl-). RESULTADOS E DISCUSSÃO

1. Balanço Hídrico

A estimativa da entrada de água pelas camadas de cobertura final está apresentada na Tabela 3.1. Pode ser observado que a parcela da percolação foi muito pequena, apesar do período de estudo ter ocorrido durante a estação chuvosa. Este fato pode ser explicado pela grande parcela atribuída ao escoamento superficial e evapotranspiração. A elevada percentagem atribuída ao escoamento superficial deveu-se à configuração das camadas de cobertura final, que foram construídas com uma declividade elevada da parte central para as extremidades. Além disto, o desenvolvimento de fraturas não foi expressivo, provavelmente porque não houve ressecamento excessivo das camadas durante o período chuvoso e não foram observados recalques diferenciais. A evapotranspiração também foi elevada, pois o período de estudo ocorreu durante estações quentes (primavera e verão), apresentando uma temperatura média aproximada de 22ºC. Na Tabela 3.2 estão apresentados os resultados da geração de líquidos lixiviados e da estimativa do montante de água retido nas células experimentais. O volume de líquidos lixiviados gerado era completamente re-introduzido nas células experimentais cada vez que era medido, com exceção dos montantes retirados para a coleta de amostras (cerca de 1L a cada quinze dias). O volume de líquidos lixiviados gerado apresentou pouca variação ao longo do tempo, mas pode ser observada uma tendência de decrescimento. Este comportamento confirma que pouca água percolou pelas

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4

Page 5: III-247 - AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DA CORREÇÃO DO TEOR DE ... · determinação do teor de umidade ... de RSU. Tabela 2.1 ... células experimentais foi confeccionada com solo

23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental camadas de cobertura final. Além disto, a manutenção da concentração de parâmetros físico-químicos, tais como amônia e cloretos, indica pequena diluição nos líquidos lixiviados. A comparação entre os volumes de líquidos lixiviados gerados e a quantidade inicial de água que foi adicionada, mostra que houve uma grande retenção de água na massa de RSU. Tabela 3.1 – Valores quinzenais para precipitação (P), evapotranspiração potencial (EP), infiltração (I), escoamento superficial (ES), armazenamento de água no solo (Sw), evapotranspiração real (ER), percolação (PER).

Valor (mm) Período (dias) Mês P EP I ES Sw ER PER

15-30 set/04 0 39 0 0 95 30 0 1-15 out/04 53 47 29 24 84 40 0

16-31 out/04 14 47 8 6 64 28 0 1-15 nov/04 48 48 26 22 55 35 0

16-30 nov/04 121 48 54 67 61 48 0 1-15 dez/04 230 51 104 127 114 51 0

16-31 dez/04 340 51 153 187 150 51 67 1-15 jan/04 38 54 17 21 116 51 0

16-31 jan/04 117 54 53 64 115 54 0 1-15 fev/04 134 49 60 74 126 49 0

16-28 fev/04 75 49 34 41 113 47 0 1-15 mar/04 221 51 99 122 150 51 11

16-31 mar/04 51 51 23 28 123 50 0 Tabela 3.2 – Valores quinzenais para vazão de líquidos lixiviados (Q) e armazenamento de água na massa de RSU (RSUw).

Valor (mm) Q

R70a

Q R70b

Q R75

Q R80

RSUw R70a

RSUw R70b

RSUw R75

RSUw Período (dias) Mês

566 a 557 a 747 aR80

845 a

15-30 set/04 - - - - 563 554 744 842 1-15 out/04 24 8,5 34 19 561 552 741 840

16-31 out/04 21 6 33 17 560 551 740 839 1-15 nov/04 18 7 28 15 559 550 739 838

16-30 nov/04 15 11 26 17 558 549 738 837 1-15 dez/04 16 24 30 21 558 549 738 837

16-31 dez/04 14 12 28 22 625 616 805 904 1-15 jan/04 16 14 28 21 624 615 804 903

16-31 jan/04 13 16 25 17 623 614 803 902 1-15 fev/04 15 15 27 20 621 613 802 901

16-28 fev/04 11 15 29 23 620 612 801 900 1-15 mar/04 15 15 24 21 630 622 811 910

16-31 mar/04 14 12 23 16 629 621 811 910 a Quantidade inicial de água 2. pH

Os valores de pH dos líquidos lixiviados das células experimentais encontram-se na Figura 3.1. Com exceção da Célula70a, todos os reatores apresentaram um comportamento similar, com tendência de aumento dos valores da faixa ácida para a neutra. Apesar da Célula70a e da Célula70b serem operadas com o mesmo teor de umidade, os valores de pH da Célula70a apresentaram um comportamento atípico, pois permaneceram em torno da faixa neutra desde o começo do experimento, sem uma fase ácida preliminar. Vale ressaltar, que todas as células experimentais foram preenchidas com RSU da mesma origem, contudo, a elevada heterogeneidade

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5

Page 6: III-247 - AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DA CORREÇÃO DO TEOR DE ... · determinação do teor de umidade ... de RSU. Tabela 2.1 ... células experimentais foi confeccionada com solo

23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental característica dos RSU, pode ter ocasionado um desempenho distinto para a Célula70a. Devido a este fato, a análise da Célula70a será feita individualmente.

A Célula80 apresentou valores de pH mais ácidos, quando comparada com as outras células. As diferenças entre a Célula70b e a Célula75 foram menos expressivas.

De maneira geral, valores neutros de pH foram naturalmente atingidos em torno do 130º dia na Célula70b, Célula75 e Célula80. Este comportamento é indicativo de uma queda na concentração de ácidos orgânicos e início do estabelecimento da fase metanogênica. Ainda, nota-se que as células experimentais foram auto-suficientes em manter a capacidade tampão ao longo do processo de biodegradação. A comparação com outros experimentos em escala piloto descritos na literatura, como os realizados por Cintra et al. (2002) e Sponza e Ağdağ (2004), mostra que a ocorrência de valores de pH favoráveis ao desenvolvimento da metanogênese foi acelerada, provavelmente em função da recirculação dos líquidos lixiviados. Nos experimentos citados, faixas neutras de pH foram obtidas após o 220º dia para reatores que operaram com recirculação, enquanto os reatores que operaram sem recirculação ainda apresentavam valores ácidos de pH.

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

45 65 85 105 125 145 165 185

Tempo (dias)

pH

Célula 70a Célula 70b Célula 75 Célula 80

Figura 3.1 – Evolução dos valores de pH ao longo do tempo 3. DQO

As concentrações de DQO nos líquidos lixiviados das células experimentais estão apresentadas na Figura 3.2. Inicialmente, foram observados valores elevados de DQO, o que é característico da fase ácida no processo de biodegradação anaeróbia. A partir do 91º dia de monitoramento, os valores de DQO começaram a cair e algumas diferenças puderam ser notadas entre as células experimentais. A queda da concentração de DQO foi mais acentuada na Célula70a, o que pode ser atribuído à ocorrência precoce de valores neutros de pH nesta célula. A Célula80 apresentou concentrações DQO mais elevados ao longo do monitoramento, o que também é compatível com a evolução do pH apresentado por esta célula, que teve os valores mais ácidos ao longo do tempo. Um comportamento semelhante ao observado na Célula80 foi encontrado por Sponza e Ağdağ (2004) em um reator experimental que operou elevada freqüência de recirculação e teve efeito negativo na remoção de DQO. Este comportamento pode ser explicado pela ocorrência de um desequilíbrio entre os produtos da fermentação, principalmente ácidos graxos voláteis e álcoois, e as bactérias produtoras de metano. Teores elevados de umidade, ou altas taxas de recirculação podem suprimir a capacidade tampão do sistema e inibir atividade metanogênica (O'KEEFE e CHYNOWETH, 2000). A queda das concentrações de DQO na Célula70b e na Célula75 foi aproximada, porém mais acentuada na Célula70b. As últimas concentrações de DQO obtidas no 182º dia foram 320 mg.L-1, 550 mg.L-1, 300 mg.L-1, 1.790 mg.L-1, na Célula70a, Célula70b, Célula75 e Célula80, respectivamente.

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 6

Page 7: III-247 - AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DA CORREÇÃO DO TEOR DE ... · determinação do teor de umidade ... de RSU. Tabela 2.1 ... células experimentais foi confeccionada com solo

23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental

100

1.000

10.000

100.000

10 30 50 70 90 110 130 150 170 190 210Tempo (dias)

DQ

O (m

g.L-1

)

Célula 70a Célula70b Célula75 Célula80

Figura 3.2 – Evolução das concentrações de DQO ao longo do tempo 4. Amônia

As concentrações de amônia nos líquidos lixiviados das células experimentais estão apresentadas na Figura 3.3. A evolução das concentrações de amônia em todos as células experimentais apresentou uma tendência de estabilização, não obstante flutuações aleatórias tenham ocorrido. Os valores médios encontrados até o 182º dia de monitoramento foram: 559 mg.L-1, 271 mg.L-1, 303 mg.L-1 e 418 mg.L-1, na Célula70a, Célula70b, Célula75 e Célula80, respectivamente. Concentrações semelhantes foram encontradas por Morris et al. (2003), que reportou uma faixa de 300-400 mg.L-1, em 20 anos de monitoramento de um aterro que operou com recirculação de líquidos lixiviados. Considerando-se que o ambiente das células experimentais é anaeróbio e que a amônia é estável nesta condição, não houve oportunidade para a oxidação dos líquidos lixiviados no processo microbiológico de nitrificação. Ainda, em faixas ácidas e neutras de pH, a volatilização da amônia é provavelmente insignificante. Como os lixiviados foram continuamente re-introduzidos nas células experimentais, as concentrações de amônia se mantiveram elevadas. Outros experimentos com recirculação de líquidos lixiviados reportaram concentrações de amônia na faixa de 500-2.000mg.L-1, sem tendência de decrescimento ao longo do tempo (KJELDSEN et al., 2002). De maneira geral, não houve diferenças expressivas na evolução da concentração de amônia entre as células experimentais. Também é importante destacar, que a queda das concentrações de DQO indica que há disponibilidade de nitrogênio para o estabelecimento da população microbiana e que as concentrações de amônia não tiveram efeito tóxico.

100

200

300

400

500

600

700

800

30 50 70 90 110 130 150 170 190Tempo(dias)

N-N

H3

(mg.

L-1)

Célula70a Célula70b Célula75 Célula80

Figura 3.3 – Evolução das concentrações de NH3 ao longo do tempo

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 7

Page 8: III-247 - AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DA CORREÇÃO DO TEOR DE ... · determinação do teor de umidade ... de RSU. Tabela 2.1 ... células experimentais foi confeccionada com solo

23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 5. Cloretos

As concentrações de cloretos nos líquidos lixiviados das células experimentais estão apresentadas na Figura 3.4. Pode ser observada uma tendência de estabilização das concentrações de cloretos até o 133º dia de monitoramento. Na última medição ocorreu um aumento das concentrações, que pode ser um indicativo da dissolução de elementos inorgânicos, ou apenas uma flutuação aleatória. Isto provavelmente será confirmado no próximo período de monitoramento. A remoção de cloretos não é esperada, devido à contínua re-introdução de líquidos lixiviados nas células experimentais. Nas situações onde não há recirculação de líquidos lixiviados, a remoção cloretos ocorre em função da lixiviação e retirada dos líquidos lixiviados (REINHART e AL-YOUSFI, 1996).

750

1.500

2.250

3.000

3.750

4.500

45 65 85 105 125 145 165 185Tempo (dias)

Clo

reto

s (m

g.L-1

)

Célula70a Célula70b Célula75 Célula80

Figura 3.4 – Evolução das concentrações de Cl- ao longo do tempo CONCLUSÕES

Os resultados obtidos até o momento indicaram que a correção de umidade com adição de água e a recirculação de líquidos lixiviados tiveram efeito positivo na degradação anaeróbia dos RSU. Apesar de serem observadas diferenças entre as células experimentais, o montante de água adicionado não causou inibição do processo de biodegradação. O teor de umidade de 80% aplicado na Célula80 resultou em valores mais ácidos de pH e em uma taxa mais lenta na queda das concentrações de DQO. A faixa de umidade de 70-75% aplicada na Célula70b e Célula75 resultou em faixas de pH mais adequadas para o desenvolvimento da metanogênese, bem como em uma queda mais acelerada das concentrações de DQO. O desempenho da Célula70a não será considerado passível de comparação, pois apresentou um comportamento atípico. De acordo com os resultados obtidos, uma faixa de 6 E-4 a 9 E-4 metros cúbicos de água por quilograma de RSU é apropriada para acelerar a biodegradação dos RSU e manter a capacidade tampão do sistema. A remoção de amônia em aterros que operam com recirculação de líquidos lixiviados não é esperada e, desta maneira, tratamentos posteriores à recirculação devem ser aplicados com tal finalidade. Finalmente, quando se opera em escala real, a presença de caminhos preferenciais na massa de RSU é bastante expressiva e, desta maneira, deve-se pensar em formas de adição de água que facilitem a distribuição da umidade na massa de RSU. Uma alternativa é proceder a adição de água na frente de trabalho, antes da colocação da camada de cobertura final. AGRADECIMENTOS

Ao Ministério da Ciência e Tecnologia por fornecer suporte financeiro para o desenvolvimento desta pesquisa através do Programa de Saneamento Básico – PROSAB, vinculado a Agencia financiadora de Estudos e

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 8

Page 9: III-247 - AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DA CORREÇÃO DO TEOR DE ... · determinação do teor de umidade ... de RSU. Tabela 2.1 ... células experimentais foi confeccionada com solo

23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Projetos – FINEP. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, pela concessão das bolsas de pesquisa. Às bolsistas de iniciação científica Ramille Soares, Cristiane Fernandes da Silva, Kênia Gonçalves Millard e Miriam Cristina Santos Amaral pelo empenho e contribuição na realização desta pesquisa. À empresa Viapol, na pessoa do Sr. Gercino Eustáquio Tavares, pela doação das mantas asfálticas. À empresa BIMIG, na pessoa do Sr. Oldac César Elias pela doação das mantas geotêxteis. À Prefeitura Municipal de Catas Altas e, em especial, a toda a equipe do aterro, sem a qual a realização deste trabalho seria impossível. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. APHA. Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, 17th Edition. American Public Health Association, Washington, DC, 1992.

2. CINTRA, I. S. Estudo da Influência da Recirculação de Chorume Cru e de Chorume Inoculado na Aceleração do Processo de Digestão Anaeróbia de Resíduos Sólidos Urbanos. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais. Tese de doutorado, 2002.

3. KJELDSEN, P. I., BARLAZ, M.A, ROOKER, A.P., BAUN, A., LEDIN, A. e CHRISTENSEN T. H. Present and Long-Term Composition of MSW Landfill Leachate: A Review. Critical Reviews in Environmental Science and Technology, v. 32, p. 297-336, 2002.

4. LANGE, L.C., COELHO, H.M.G., SANTANA, D.W.E.E., SIMÕES, G.F. FERREIRA, C.F.A., SILVA, F.V.B. Metodologias para análises laboratoriais de resíduos sólidos urbanos, líquidos lixiviados de aterros sanitários e solos. In: CASTILHOS JUNIOR, A.B. (Org.). Resíduos Sólidos Urbanos: Aterro Sustentável para Municípios de Pequeno Porte. Rio de Janeiro: Rima ABES, 2003. 294p.

5. KOERNER, R. M. e DANIEL, D. E. Final covers for solid waste landfills and abandoned dumps. Virginia: American Society of Civil Engineers, 1997.

6. MORRIS, J.W.F., VASUKI, N.C., BAKER, J.A. e PENDLETON, C.H. Findings from long-term monitoring studies at MSW landfill facilities with leachate recirculation. Waste Management, vol. 23, pp. 653-666, 2003.

7. O'KEEFE, D.M. e CHYNOWETH, D.P. Influence of phase separation, leachate recycle and aeration on treatment of municipal solid waste in simulated landfill cells. Bioresource Technology, vol. 72, pp. 55-66, 2000.

8. PESSIN, N., DE CONTO, S.M., QUISSINI, C.S. Diagnóstico preliminar da geração de resíduos sólidos em sete municípios de pequeno porte da região do Vale do Caí, RS. Anais do Simpósio Internacional de Qualidade Ambiental. Porto Alegre: [s.n.], 2002.

9. REINHART, D.R. e AL-YOUSFI, A. B. The impact of leachate recirculation on municipal solid waste landfill operating characteristics. Waste Management and Research, vol. 14, pp. 337-346, 1996.

10. REINHART, D.R., MCCREANOR, P.T. e TOWNSEND, T. The bioreactor landfill: Its status and future. Waste Management & Research, vol. 20, pp. 172-186, 2002.

11. SPONZA, D. T e AĞDAĞ, O. N. Impact of leachate recirculation and recirculation volume on stabilization of municipal solid wastes in simulated anaerobic bioreactors. Process Biochemistry, 2004.

12. YUEN, S.T.S.; WANG, Q.J.; STYLES, J.R.; MCMAHON T.A. Water balance comparison between a dry and a wet landfill – a full-scale experiment. Journal of Hydrology, v. 251, p. 29-48, 2001. Ed. Elsevier.

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 9