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ENQUADRAMENTO TÉCNICO CIENTÍFICO DOS PROCESSOS DE TRATAMENTO BIOLÓGICO DE RSU Fernando J.M. Antunes Pereira, Professor Catedrático Universidade de Aveiro,Portugal [email protected] RESUMO Neste artigo começaremos por fazer uma apreciação geral comparativa das tecnologias de compostagem, biometanização e aterro sanitário, sob os aspectos técnicos, legislativos e ambientais, e terminaremos com uma apreciação relativa numa perspectiva de conceito de ciclo de vida, conceito este que tem boas potencialidades para ajudar no processo de tomada de decisão em sistemas de gestão integrada de RSU. INTRODUÇÃO A recente Directiva 1999/31/CE relativa a aterros sanitários limita a quantidade de matéria orgânica dos resíduos sólidos a depositar no solo, em sucessivas etapas; assim, e tomando como referência o ano de 1995, essas quantidades deverão ser reduzidas em 75% até 2006, em 50% até 2009, e em 35% até 2016. Como consequência, destinos alternativos terão de ser encontrados para essa matéria orgânica (bioresíduos), sendo os mais evidentes os tratamentos térmico (incineração, gasificação, pirólise) e biológico (compostagem, biometanização ou digestão anaeróbia). De entre eles, os térmicos não são, por um lado nem economicamente nem tecnicamente atrativos (devido ao elevado teor em humidade dos bioresíduos, que faz baixar o seu poder calorífico), e por outro têm cada vez menos aceitação pública. A alternativa do tratamento biológico assume, assim, um papel de relevo nos futuros sistemas integrados de gestão de resíduos. Esse papel torna-se tanto mais crítico quanto o seu impacto ambiental será muito em breve objecto de regulamentação (em discussão para aprovação na DGXI/UE) mais restritiva que a actual, como se verá mais adiante. 1

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Monografia universitária contendo uma descrição dos processos, tecnologias e impactos ambientais (análise de ciclo de vida comparada) dos processos de tratamento biológico (compostagem e biometanização)da fracção orgânica dos resíduos sólidos

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ENQUADRAMENTO TÉCNICO CIENTÍFICO DOS PROCESSOS DE TRATAMENTO BIOLÓGICO DE RSU

Fernando J.M. Antunes Pereira, Professor Catedrático

Universidade de Aveiro,[email protected]

RESUMO

Neste artigo começaremos por fazer uma apreciação geral comparativa das tecnologias de compostagem, biometanização e aterro sanitário, sob os aspectos técnicos, legislativos e ambientais, e terminaremos com uma apreciação relativa numa perspectiva de conceito de ciclo de vida, conceito este que tem boas potencialidades para ajudar no processo de tomada de decisão em sistemas de gestão integrada de RSU.

INTRODUÇÃO

A recente Directiva 1999/31/CE relativa a aterros sanitários limita a quantidade de matéria orgânica dos resíduos sólidos a depositar no solo, em sucessivas etapas; assim, e tomando como referência o ano de 1995, essas quantidades deverão ser reduzidas em 75% até 2006, em 50% até 2009, e em 35% até 2016.

Como consequência, destinos alternativos terão de ser encontrados para essa matéria orgânica (bioresíduos), sendo os mais evidentes os tratamentos térmico (incineração, gasificação, pirólise) e biológico (compostagem, biometanização ou digestão anaeróbia). De entre eles, os térmicos não são, por um lado nem economicamente nem tecnicamente atrativos (devido ao elevado teor em humidade dos bioresíduos, que faz baixar o seu poder calorífico), e por outro têm cada vez menos aceitação pública. A alternativa do tratamento biológico assume, assim, um papel de relevo nos futuros sistemas integrados de gestão de resíduos. Esse papel torna-se tanto mais crítico quanto o seu impacto ambiental será muito em breve objecto de regulamentação (em discussão para aprovação na DGXI/UE) mais restritiva que a actual, como se verá mais adiante.

O tratamento biológico de resíduos, contudo, só faz sentido quando inserido no contexto daquilo a que se chama hoje uma gestão integrada dos mesmos, e ainda mais recentemente, no contexto do que se entende por Ecologia Industrial (Ayres et al., 1996). O objectivo central da Ecologia Industrial é reduzir, ou minimizar a produção de resíduos integrando estes na cadeia produtiva normal; ou seja um resíduo não é um material de que nos pretendemos descartar mas sim uma matéria prima para outras indústrias. Nesta perspectiva o tratamento biológico de resíduos é cada vez mais encarado como uma indústria de per se, e que se pretende seja técnica e economicamente (para além de ambientalmente) viável; por outras palavras o tratamento biológico é modernamente encarado como um processo de gestão competitivo com outros processos industriais que geram produtos semelhantes, tais como: composto (adubo orgânico, “soil improver”, “growing medium”), e gás (biogás, gás natural, metano).

O composto resulta como o produto principal da tecnologia de compostagem, e como produto secundário da estabilização aeróbia do substrato sólido final duma digestão anaeróbia. O biogás resulta como produto principal da digestão anaeróbia e como produto secundário da desgasificação dum aterro sanitário. Qualquer dos dois produtos deverá obedecer a requisitos

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de qualidade e de aplicação (no solo, e na produção de energia, respectivamente) de acordo com a legislação que está neste momento para aprovação na UE. Quanto ao composto, tanto a sua caracterização física, química e biológica como a sua aplicação no solo, deverão ser encaradas em um de dois contextos: (a) como produto dum tratamento biológico (UE, 2000), ou (b) como recipiente do rótulo ecológico (Decisão 2001/--/EC). Quanto ao biogás são também impostos limites tanto à sua composição química como às emissões resultantes da sua queima (Directiva 1999/31/CE; UE, 2000).

O facto de haver várias opções tecnológicas dentro do tratamento biológico, embora seja favorável pela flexibilidade de gestão que introduz, torna contudo a solução do problema não tão óbvia. Na prática haverá que fazer uma opção, a qual passa irremediavelmente por uma avaliação da sua viabilidade económica e dos impactos ambientais. As modernas ferramentas de gestão ambiental baseadas no conceito de ciclo de vida são particularmente úteis neste contexto. Assim começaremos por fazer uma apreciação geral comparativa das tecnologias de compostagem, biometanização e aterro sanitário, sob os aspectos técnicos e ambientais, e terminaremos com uma apreciação relativa numa perspectiva de ciclo de vida. A razão por que se inclui o aterro nesta análise, embora não seja um processo de tratamento mas sim de deposição, reside no facto de que ele não só é, ainda em certos casos, uma opção viável como também porque dispõe dum potencial energético renovável significativo.

FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS. APLICAÇÕES TECNOLÓGICAS. QUALIDADE DOS PRODUTOS Microbiologia e metabolismo

Os principais agentes das reacções biológicas no tratamento de resíduos sólidos são os micróbios: bactérias, fungos e actinomicetos, podendo ser mesófilos ou termófilos. Eles

intervêm em metabolismos aeróbios, anaeróbios e anóxicos. Os dois primeiros mecanismos são típicos da compostagem, decorrendo segundo reacções redox onde os aceitadores de electrões são, por ordem decrescente de reactividade: O2, NO-

3 , NO-2 e

SO4-2; o segundo é da biometanização. Nesta,

intervêm pelo menos quatro tipos de bactérias (Figura 1). A microbiologia do processo foi estudada por Marty (1985) e Mosey (1983), e pôs em evidência o papel regulador do H2 naquele equilíbrio: um aumento excessivo da concentração de H2

provoca uma inibição na conversão de propiónico e butírico em acético, com abaixamento significativo de pH; como as bactérias metanogénicas não se desenvolvem a esse pH, o digestor pára. Daí a importância da monitorização do H2 de modo a evitar a sua acumulação

Compostagem Não há uma definição universalmente aceite para compostagem. Contudo, para efeitos práticos pode-se considerar a compostagem como uma operação

Figura 1- Sequência de reacções em digestão anaeróbia

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em que decorre a decomposição biológica e a estabilização de substratos orgânicos, em condições que favorecem a geração de temperaturas termófilas como resultado de produção térmica biológica. Deste processo resulta um produto final que é estável, isento de agentes patogénicos e de sementes de plantas, o qual tem efeitos benéficos quando aplicado no solo.

O produto final assim obtido é designado por composto. Também para este não existe uma definição universalmente aceite. Em termos práticos, contudo, considerar-se-á o composto como um condicionante orgânico de solos que foi estabilizado na forma húmica. O composto não atrai insectos e outros vectores de doenças infecciosas, e pode ser armazenado e manipulado sem inconvenientes, sendo benéfico ao crescimento de espécies vegetais importantes. A reacção global pode sintetizar-se na seguinte equação química:

Sólidos Voláteis gases biológicos + biomassa celular + composto humificado + calor

[CO2, H2O, H2S, COVs] [C5 H7 O2 N]

a que corresponde a estequiometria:

com:

;

Um dos aspectos críticos desta reacção é o facto de ser exotérmica, resultando num aquecimento da massa em fermentação. Este aquecimento (entre 40-60 ºC) é benéfico para: (a) acelerar a velocidade do processo e (b) pasteurizar o produto. Contudo um aquecimento exagerado (acima de 70º C) é prejudicial pois conduz a inactivação por temperatura (diminuição da diversividade microbiológica) e formação de esporos, o que retarda processo. Para a maioria dos biosólidos a temperatura óptima de compostagem situa-se na gama de 40-50ºC. O controle de temperatura faz-se em geral por remeximento mecânico ou por insuflação de ar ambiente (Figura 2).

Figura 2 - Controle do processo: temperatura e arejamento

As condições processuais que mais influenciam o sucesso da operação são: humidade, temperatura, pH, razão ponderal Carbono/Azoto (C/N), e taxa de arejamento.

A tecnologia de compostagem é descrita com profundidade em vários livros, hoje considerados como obras de referência (AGTHM, 1985; Gotaas, 1956; Haug, 1993; Martin, 1991; Satriana, 1974; Tchobanouglous et al., 1993). Existe uma grande diversividade de equipamento para compostagem, a qual se resume a dois tipos conceptuais:

CaHbOcNd + a O2 = aCO2 + rH20 + dNH3

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SISTEMAS ABERTOS(pilhas, medas)

SISTEMAS CONFINADOS(reactores)

Com arejamento natural e remeximento (“windrow”)

VerticaisHorizontais

Tambor rotativoCom arejamento forçado

Na Fig. 3 estão representados esquematicamente estes conceitos e na Tabela 1 as principais condições operatórias.

Figura 3 - Tipos conceptuais de tecnologias de compostagem

Tabela 1 - Comparação dos tempos de compostagem nas várias tecnologias

MétodoPeríodo activo Tempo de

maturaçãoGama TípicoNatural 2-3 anos 2 anosPilha (com remeximento) 1-4 meses 2 meses 1-2 mesesPilha (com arejamento forçado) 3-5 semanas 4 semanas 1-2 mesesReactor (tipo tambor rotativo) 3-8 dias 3 dias 2 mesesReactor (vertical) 1-2 semanas - 2 meses

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(A) (B)

( C) (D)

(E)

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Biometanização

A digestão anaeróbia, ou biometanização, pode processar-se por via húmida ou por via seca. O primeiro é o processo clássico, enquanto que o segundo é mais recente. O que distingue os dois processos é fundamentalmente o teor em sólidos da alimentação do reactor: menor do que 8% na via húmida e maior que 22% na via seca.

O processo ocorre ou na zona mesófila (35ºC) ou termófila (55ºC); em qualquer dos casos é necessário fornecer calor ao digestor, e este consumo energético é naturalmente maior para os sistemas de via húmida que processam grandes caudais de líquido; contudo, como se verá, o processo de biometanização é excedentário em energia, dado que consome apenas 30% da energia que produz (quando os gases biológicos, contendo CH4, são queimados).

A reacção global de metanização pode sintetizar-se na seguinte reacção química, formalmente análoga à da compostagem:

Sólidos Voláteis gases biológicos + biomassa celular + resíduo

[CH4, CO2, H2S, COVs] [C5 H7 O2 N] [composto]

a que corresponde a estequiometria:

com:

; ;

Na biometanização, ao contrário da compostagem, é a fracção de gases libertada que tem geralmente mais interesse, devido à presença do CH4 que é um gás combustível, constituindo assim uma fonte de energia renovável. O resíduo, após subsequente estabilização por fermentação aeróbica (compostagem) dá origem a um composto. Os principais produtos gasosos resultantes da digestão anaeróbia são o CO2 e CH4 numa mistura denominada biogás. Esta mistura contém adicionalmente uma pequena concentração dum grande número de compostos orgânicos voláteis (COVs).

Os parâmetros ambientais que mais influem no processo são: temperatura, pH, humidade, granulometria, densidade e qualidade dos resíduos, disponibilidade de nutrientes (N, P, S) e presença de xenobióticos.

A biometanização vem descrita com profundidade em vários livros (Price, 1981; Cecchi et al., 1992), bem como artigos (Duarte et al., 1983; McCarty, 1965,1972,1975; Wujcik et al., 1980). Existem basicamente dois tipos de tecnologia, sendo as mais desenvolvidas do ponto de vista comercial indicadas na Tabela 2.

Tabela 2 -Tecnologias actuais de digestão anaeróbia

DIGESTÃO “HÚMIDA(até 8% SS)

DIGESTÃO “SECA”(acima de 22% SS)

Reactor agitado: DBA-WASA; BTA Reactor tubular: KOMPOGAS; DRANCOReactor batch: HITACHI Reactor agitado: VALORGA

Reactor batch: BIOCEL

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Aterro sanitário

O aterro de resíduos consiste no seu confinamento no solo em condições de segurança física, mecânica e de ambiente e saúde pública. É uma técnica conceptualmente bastante simples, mas que envolve, contudo, um conjunto extremamente complexo de fenómenos físicos, químicos e biológicos, e ainda uma série de alterações mecânicas, algumas das quais ainda mal conhecidas. O aterro é uma componente indispensável em qualquer sistema de gestão integrada de resíduos. Representa de facto o destino final para todos aqueles resíduos em relação aos quais não foi possível encontrar um processo de reciclagem ou de valorização (incineração, tratamento biológico, etc). Como não é possível concepcionar um sistema de gestão que seja 100% eficiente, não produzindo resíduos, temos de aceitar que o aterro virtualmente nunca desaparecerá. Tal como qualquer outra opção de tratamento, o aterro pode constituir um grave risco para o ambiente e saúde pública (em particular se tiver sido mal projectado ou operado). Têm-se verificado no passado, incidentes de contaminação de águas superficiais e subterrâneas por produtos tóxicos (certos hidrocarbonetos e metais pesados), bem como do ar atmosférico (por COVs) que levaram a UE a regulamentar esta operação através da Directiva Comunitária 1999/31/CE. A regulamentação incide essencialmente sobre os aspectos técnicos e construtivos e dá também um relevo importante aos parâmetros e planos de monitorização ambiental durante todo o ciclo de vida do aterro. Adicionalmente, e com vista a reduzir os riscos de contaminação ambiental, estabelece restrições quanto à quantidade de matéria orgânica biodegradável que pode ser enviada para aterro. A razão pela qual se pretende fazer esta limitação reside no facto de ser precisamente a degradação da matéria orgânica no solo que constitui a principal causa de contaminação ambiental devido aos produtos tóxicos libertados.

Modernamente um aterro é construído e operado de modo a promover deliberadamente e com rapidez a degradação da matéria orgânica, de modo a diminuir os riscos ambientais. É o caso em que se pode encarar o aterro como um reactor biológico, em permanente evolução; nestas circunstâncias não é infrequente encontrar tempos de semi-vida da ordem de 10-20 anos. Os dois mecanismos metabólicos principais para a sua degradação ocorrem por via aeróbia e anaeróbia; eles ocorrem simultaneamente num mesmo aterro, mas em locais diferentes, claro. A degradação aeróbia ocorre sobretudo nas zonas de deposição ao ar livre, ou mais recentes, enquanto que a aneróbia ocorre em profundidade nas zonas de deposição mais antiga.

A tecnologia de aterro é descrita com bastante profundidade em várias referências bibliográficas (August et al., 1997; Christensen et al., 1989, 1992, 1994, 1996; Lagerkvist, 1997; McBean et al., 1995; Qasim et al., 1994; Reinhart et al., 1998; Sara, 1993; Westlake, 1995).

Qualidade do composto

O rendimento mássico típico em composto duma instalação de compostagem é de cerca de 50%, ou seja, obtêm-se cerca de 50 Kg de composto por cada 100 Kg de bioresíduos à partida. A qualidade do composto obtido, tanto na compostagem de bioresíduos como na do resíduo sólido resultante duma biometanização, é actualmente objecto de discussão na UE, em dois contextos: (a)na atribuição de rótulo ecológico como “soil improver” ou “growth media”, (b)na definição dos parâmetros operacionais da tecnologia de tratamento biológico.

Rótulo ecológico. A qualidade do composto é actualmente regulamentada pela Decisão 98/488/EC, de 7 de Julho, que foi actualizada pela Decisão 2001/157/EC, de 27 de Fevereiro.

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Esta regulamentação foi revista e está para aprovação uma nova versão (Decisão 2001/-/EC). Os limites de concentração de metais pesados exigidos são mais restritivos do que os constantes da antiga Directiva 86/278/EC, de 12 de Junho, para lamas biológicas; eles estão indicados na Tabela 3, juntamente com outros regulamentos Comunitários de que se falará mais adiante.

Tabela 3 - Limites de concentração e metais pesados em bioresíduos fermentados

Metal

Limite de concentração, mg/Kg (bs)Directiva

86/278/CE(lamas)

Decisão2001/--/CE

(rótulo ecológico)

Grupo de trabalho em bioresíduos, da UE/DGXI (2)

CompostoEstabilizado(3)Classe 1 Classe 2

Zn 2500-4000 300 200 400 1500Cu 1000-1750 100 100 150 600Ni 300-400 50 50 75 150Cd 20-40 1 0,7 1,5 5Pb 750-1200 100 100 150 500Hg 16-25 1 0,5 1 5Cr 1000-1750 100 100 150 600Mo(1) 2Se (1) 1,5As (1) 10F (1) 200

(1)Só para composto proveniente de resíduos industriais

(2)EU (2000), Report DG ENV A2/LM/biowaste

(3)Proveniente da biometanização

Outros limites impostos são: contaminantes físicos (metal, vidro, plástico): <0,5%; N org <2% e N inorg <20% do N total; Samonella: ausente em 50 g; E. Coli: <1000 MPN/g. Além disso a rotulagem do produto deve indicar os seguintes parâmetros: humidade, SV, razão C/N, pH, N total, P, K, teste de maturação, condutividade eléctrica.

Tratamento biológico. Uma proposta (UE, 2000) actualmente em discussão para aprovação especifica:no seu Anexo I, quais as substâncias no novo CER-Catálogo Europeu de Resíduos (Decisão 2000/532/CE, de 20 Dez) que são consideradas como bioresíduos a obrigatoriedade de recolha separativa dos bioresíduos na origem; para os RSU residuais (i.e., que não foram separados selectivamente, ou que resultam de refugo de outros processos de tratamento) destinados a aterro sanitário, deverão ter um Índice de Actividade Respiratória após 4 dias (IAR4) inferior a 10 mg O2/gSV, ou, em alternativa um Índice Dinâmico de Respiração (IDR) abaixo de 1000 mg O2/h.KgSV.

que durante o processo de compostagem em pilha os resíduos devem ser expostos a temperaturas >55ºC (2 semanas) ou >65ºC (1 semana); para compostagem em reactor deverá ser >60ºC (1 semana); para biometanização deverá ser >55ºC (mínimo de 24 horas), com tempo de retenção hidráulico superior a 20 dias.que os limites de concentração em metais pesados não devem exceder os indicados na Tabela 3 atrás.que os parâmetros de qualidade do produto serão monitorizados mensalmente (em instalações de capacidade superior a 10000 t/a de produto), e incluir as seguintes análises: ST, SVT, densidade, condutividade eléctrica, pH, N, P, K, Ca, Mg, B, Mo, IAR4, IDR, Salmonella spp, Clostridium perfringens, índice de germinação, metais pesados (Cd, Cr, Cu, Ni, Pb, Zn, Hg), PAHs, PCBs, índice de odor.

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Biogás

O rendimento volumétrico (estequiométrico, teórico) em biogás dum RSU típico é da ordem de:

Na prática, contudo, devido à presença de componentes não biodegradáveis nos bioresíduos, e a condições não optimizadas nos reactores, este rendimento é bastante inferior; nos digestores anaeróbios é da ordem de 100 m3

N (biogás) / ton de RSUbtq, e nos aterros sanitários de 150 m3

N (biogás)/ton RSUbtq; este valor é um pouco superior ao valor obtido em digestão anaeróbia dos mesmos resíduos visto que num aterro o tempo de residência é maior ( 30 anos) do que

num digestor ( 20 dias). A produção de gás num aterro não é uniforme durante o seu ciclo de vida; tem uma evolução típica indicada na Figura 4, com um máximo por altura do seu encerramento, e dura cerca de 30 anos a desaparecer significativamente.

O poder calorífico do biogás é da ordem dos 21 MJ/m3N; a sua combustão em regime de

cogeração dá os seguintes rendimentos energéticos:

Biogás (1 m3) Electricidade + Calor

[20,76 MJ] [6,23 MJ] [11,83 MJ](equivalentes a 1,73 KWh eléctricos)

ou seja:

RSUbtq (1 ton) 100 m3 Biogás 173 KWh (eléctricos) 1183 MJ

Assim, o rendimento em energia eléctrica do processo de digestão anaeróbia é de cerca de 173 KWh/ton RSU btq, valor este que é confirmado por medições em digestores à escala comercial (White et al., 1996); no caso dum aterro, recordando que a produção gasosa do aterro é da ordem de 150 m3

N (biogás)/ton RSUbtq, obtém-se então uma produção de electricidade de cerca de 260 kWh/ton RSUbtq, um pouco superior à dum digestor anaeróbio.

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Figura 4 - Evolução da produção de biogás num aterro sanitário

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IMPACTO AMBIENTAL

Há que distinguir os impactos inerentes à utilização, ou aplicação, dos produtos finais (composto, biogás), dos inerentes à tecnologia em si.

Os impactos relativos à utilização do composto já foram referidos atrás, e têm essencialmente a ver com a presença de contaminantes (agentes patogénicos, compostos orgânicos persistentes, metais pesados, vidros, plásticos, etc), já que podem penetrar na cadeia alimentar e constituir um risco de saúde pública. Quanto à utilização do biogás, a sua queima gera inevitavelmente poluição atmosférica; esta será analisada mais detalhadamente adiante na secção de Avaliação de Ciclo de Vida.

No que respeita aos impactos inerentes à tecnologia de per se, eles estão associados essencialmente às emissões gasosas e efluentes líquidos. A compostagem, sendo um processo aberto, gera inevitavelmente odores, mas estes podem ser controlados por biofiltração dos gases (Mills, 1995). A biometanização, sendo um processo estanque tem menor potencial de libertação de gases e odores, constituindo estes emissões fugitivas que podem ser sempre controladas. Finalmente o aterro, é um processo semi-estanque, na medida em que de início se processa ao ar livre, mas após o fecho e impermeabilização final, todos os gases são controlados e incinerados; as emissões atmosféricas durante a fase inicial estão caracterizadas na Tabela 4, e as resultantes da queima para produção de electricidade estão regulamentadas na proposta de Decisão 2001/-/EC em discussão para aprovação na UE (Tabela 5). Quanto aos efluentes líquidos eles são tecnicamente possíveis de confinar e controlar com eficiência em qualquer dos três processos. No caso do aterro, contudo, essa eficiência é muito condicionada pela natureza do sistema de impermeabilização.

O controle dos lixiviados faz-se como se viu por impermeabilização do aterro e remoção por bombagem para o exterior. As normas de segurança (Directiva 1999/31/CE) exigem que os materiais de impermeabilização tenham uma permeabilidade hidráulica inferior a 10-9 m/s. Isso consegue-se por meio de uma camada de 3 m de argila húmida compactada (ou outra barreira mineral equivalente: bentonites, caolinites, etc); em alternativa podem usar-se barreiras impermeabilizantes de material sintético (plástico polietileno de alta densidade: HDPE). Os lixiviados dum aterro são retidos no sistema de impermeabilização, recolhidos e enviados para tratamento numa ETAR. Contudo a impermeabilização nunca é 100% eficiente, e mais tarde ou mais cedo estima-se que cerca de 30% dos lixiviados acabem por atravessar a barreira impermeabilizante (White et al.,1996), infiltrando-se no solo e contaminando águas subterrâneas; constituem por isso um risco de toxicidade humana através das águas de abastecimento e da cadeia alimentar.

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Tabela 4 - Impactos possíveis das emissões dum aterro na saúde pública

Tabela 5 - Limites de emissão gasosa durante a queima de biogás, mg/m3N (referidos a 5% de

O2 nos gases)

Partículas NOx SO2 CO H2S HCl HF AOX50 500 500 650 5 30 5 150

AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA

O processo de tomada de decisão entre opções de tecnologia ambiental é hoje bastante facilitado pela existência de várias ferramentas de gestão ambiental. De entre estas, as que são mais utilizadas são a Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) e a Análise de Custos Benefícios (ACB). Ambas têm como ponto de partida um inventário de emissões de ciclo de vida, mas

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enquanto que a ACV se restringe à quantificação dos impactos ambientais, a ACB contabiliza adicionalmente os custos e receitas monetárias dum processo.

Na Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) todos os fluxos (materiais, energia, emissões gasosas, líquidas, sólidas, etc) que atravessam a fronteira do sistema em estudo são contabilizadas para todo o ciclo de vida do processo/produto (“from craddle-to-grave”). Deste inventário resulta uma quantidade muito grande de dados numéricos que, para serem manipuláveis e interpretáveis têm de ser agrupados (através de factores de equivalência adequados) em cargas ambientais globais, também designadas por categorias de impacto (aquecimento global, deplecção da camada de ozono, eutrofização, deplecção de energia, etc). A especificação técnica desta metodologia está descrita nas normas ISO (ISO 14040:1997, ISO 14041:1998, ISO 14042:2000 e ISO 14043:2000). Para a execução de ACVs existem actualmente vários modelos matemáticos (Menke et al., 1996) e metodologias operacionais (Guinée et al., 2000; Jensen et al., 1999). Uma das primeiras aplicações à gestão de resíduos, para ajudar à tomada de decisões ambientalmente mais correctas foi feita pela Procter & Gamble (White et al., 1996); mais recentemente foi apresentado novo modelo dedicado (CSR, 2000). Outros estudos de ACV foram já publicados na área de gestão de RSU (Dalemo, 1999; Weitz et al., 1999; Denison, 1996; Camobreco et al., 1999; Tsiliyannis, 1999).

A Análise Custo Benefício (ACB) avalia e quantifica as vantagens e desvantagens relativas dum projecto/política em termos duma unidade monetária comum. Pretende averiguar se os custos da sua execução são ou não compensados pelos benefícios daí resultantes, tendo em atenção os custos económicos, sociais e ambientais (ecológicos), todos expressos em valores monetários. Esta metodologia foi desenvolvida, em colaboração com a UE, por dois organismos austríacos: GUA-Society for Comprehensive Analysis, e o Institute of Public Finance and Infrastructure Policy (Universidade de Viena) e vem descrita em várias publicações (Steiner et al., 2000; Sonesson et al., 2000; COWI, 2000; Braunschweig, 1999; GUA, 1998; GUA, 1999; Popov, 1999). Ao abordar os três pilares do Desenvolvimento Sustentável: ecologia, economia e desenvolvimento social, a ACB tornou-se hoje em dia a ferramenta de eleição para ajudar o processo de tomada de decisão em projectos e políticas de desenvolvimento. Uma das vantagens significativas da ACB é permitir a comparação dos custos e benefícios numa mesma base monetária. Isso só foi conseguido visto que em tempos recentes foi compilada uma base de dados significativa sobre os custos para o ambiente e saúde pública de determinadas actividades e emissões poluentes. (European Commission, 2000). Por exemplo, pode imaginar-se a seguinte situação: para reduzir os impactos ambientais da poluição atmosférica, uma central térmica planeia instalar filtros para remoção de poeiras dos gases de combustão; se os custos de instalação forem inferiores aos custos sociais equivalentes resultantes da diminuição dos encargos com saúde pública e qualidade do ambiente (p.ex., em internamento hospitalar para asmáticos, em mortalidade humana, em degradação do património artístico, degradação da amenidade/qualidade de vida, degradação do solo e culturas, etc) então será correcta (do ponto de vista estrito de ACB) a decisão de requalificar aquela unidade industrial. Notar que, ao contrário do que acontece com outras metodologias, em que os custos socioeconómicos e ecológicos são geralmente externalizados, em ACB eles são contabilizados no processo decisório.

O impacto ambiental dos processos de tratamento biológico será aqui analisado numa perspectiva de ACV-Avaliação de Ciclo de Vida dum processo (White et al., 1996). Os items de maior interesse para esta análise são: consumo (depleção) de energia, emissões gasosas, efluentes líquidos, e resíduos sólidos. Uma ACV começa pela definição da “fronteira” do sistema em estudo, o que se mostra na Figura 5 para os três processos.

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Figura 5 - Definição da fronteira do sistema para a Avaliação do Ciclo de Vida dos processos de tratamento biológico de resíduos sólidos (compostagem, biometanização).(A)

Compostagem (B)Aterro sanitário (C)Biometanização (White et al., 1996)

Consideraremos os casos de compostagem e biometanização separadamente do de aterro sanitário.

Compostagem e biometanização

Na Tabela 6 resumem-se os dados de inventário referentes aos fluxos de materiais e energia e emissões para os dois sistemas.

Emissões gasosas. A maior emissão (em volume) gasosa é a de CO2, que contribui fundamentalmente para a categoria de impacto de aquecimento global (efeito de estufa). Na compostagem o carbono orgânico é integralmente convertido em CO2, enquanto que na biometanização ele reparte-se entre CH4 e CO2. Contudo o efeito de aquecimento do CH4 é

12

(A) (B)

( C )

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cerca de 20 vezes superior ao do CO2, pelo que a sua queima (conversão em CO2) é benéfica sob o ponto de vista ambiental (aquecimento global). Através da estequiometria das reacções é possível prever as emissões de CO2 nestes processos: compostagem=164 m3/ton RSU, biometanização=226 m3/ton RSU.

Para além do CO2, CH4 e H2O também se forma uma pequena quantidade de uma gama muito grande de outros gases e vapores (odores, COVs). De entre esses vapores destacam-se, pelo

seu significado ao nível de saúde pública e de efeitos globais os seguintes: NH3, H2S, e hidrocarbonetos (COVs). Tanto o NH3 como o H2S contribuem essencialmente para a categoria de impacto de acidificação; adicionalmente, o NH3 contribui também para a categoria de eutrofização. Os COVs contribuem essencialmente para as categorias de depleção da camada de ozono (estratosférico) e formação de agentes fotoquímicos.

Efluentes líquidos. A sua quantidade depende muito da natureza do resíduo e do processo tecnológico. Na compostagem há uma evaporação significativa de vapor de água para a atmosfera; o pouco lixiviado que se

forma é recirculado nas pilhas. Na biometanização o efluente líquido é produzido quando se faz a filtração ou prensagem do efluente do reactor, com simultânea separação dum resíduo sólido (lamas para compostagem). A quantidade de efluente é maior no caso da digestão húmida, embora uma parte substancial da fase líquida seja recirculada no reactor para conservar calor e nutrientes e poupar água; o restante é tratado numa ETAR. Na Tabela 7 resumem-se as características dos efluentes líquidos na compostagem e biometanização.

Tabela 7 - Características físico-químicas dos lixiviados produzidos no tratamento biológico de resíduos sólidos (compostagem, biometanização) (White et al., 1996)

COMPOSTAGEM BIOMETANIZAÇÃOCaixa Tambor

rotativoTúnel Seca Húmida

Quantidade (l/ton) 300 - - 290-540 500Composição (mg/l):

CBO5 270-485 50-600 3300-7050 <65-740 60

CQO 458-808 150-7000 6200-15100 <250-1400 200

N total 0-1 6-36 0-3 - -

Resíduos sólidos. O resíduo sólido mais importante produzido na compostagem é obviamente o produto final: composto. Dependendo do tipo de resíduos à entrada do processo, assim se originarão outros resíduos, consistindo essencialmente nos materiais inorgânicos e orgânicos não degradáveis separados no início do processo, e que por qualquer motivo não são

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Parâmetro Compostagem Biometanização Composto produzido (Kg) 500 300 Energia eléctrica consumida (*) (KWh) 30 50 Energia eléctrica produzida (*) (KWh) 0 160 Emissões gasosas (g): CO2 320 000 440 000 NOx 10 SOx 2,5 HCl 0,011 HF 2,1E-3 H2S 3,3E-2 HC (hidrocarbonetos) 2,3E-3 HC (clorados) 7,3E-4 Dioxinas, Furanos (I-TEQ) 1E-8 Cd 9,4E-7 Cr 1,1E-7 Pb 8,5E-7 Hg 6,9E-9 Zn 1,3E-5 Efluentes líquidos (g): BOD 81 19 COD 137 73 NH4

+ 14 29 (*)

Energia consumida, por ton RSU tratado; energia produzida por ton de bioresíduos que entra no tratamento biológico

Tabela 6 - Inventário de emissões na ACV dos dois processos de tratamento biológico de resíduos

sólidos (compostagem, biometanização). Base: 1 ton resíduos (tal qual) (White et al., 1996)

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recicláveis ou incineráveis. Na biometanização o resíduo sólido mais importante continua a ser o resíduo orgânico que sai do digestor, mas este é geralmente estabilizado aeróbicamente para produzir também um composto. Consumo energético. O consumo de energia nas instalações de tratamento biológico está relacionado com as seguintes actividades: operações mecânicas de manipulação de resíduos (transporte, moagem, crivagem), produção de vapor para aquecimento do reactor, transporte de fluidos, etc. Na compostagem verificam-se valores na gama 20-50 KWhe (eléctricos), podendo considerar-se como valor típico o de 30 KWhe/ton RSUbtq; numa instalação de biometanização é maior, tipicamente 50 KWhe/ton RSUbtq. Contudo nestas instalações o gás é geralmente queimado em grupos motogeradores produzindo cerca 173 KWhe/ton RSUbtq, pelo que a biometanização é excedentária em energia eléctrica: apenas consome cerca de 29% (50/173=0.29) do que produz. Esta poupança traduz-se numa poupança de combustíveis fósseis (não renováveis) e correspondente redução de emissões poluentes.

Aterro sanitário

Considera-se como tempo de vida (activa) dum aterro, cerca de 30 anos. Os termos dos balanços mássico e energético mais significativos são (White et al., 1996):

Consumo de energia: 0,6 l (gasóleo)/m3 de volume de aterro Emissões gasosas: 150 m3

N (biogás)/ton RS btq Produção de lixiviados: 150 l/ton RS btq

Nas Tabelas 8 e 9 mostram as composições dos efluentes gasosos e líquidos durante o ciclo de vida do aterro.

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Composição gasosa

Parâmetro

Gás de aterro

(mg/m3N)

Gases de combustão(*)

(mg/m3N

de gás queimado)

Partículas 4,3 CO 12,5 800 CO2 883 930 1 964 290 CH4 392 860 0 NOx 100 N2O SOx 25 HCl 65 12 HF 13 0,021 H2S 200 0,33 HC (hidrocarbonetos) 2 000 60 HC (clorados) 35 10 Dioxinas, Furanos (I-TEQ) 8,0E-7 NH3 As Cd 5,6E-3 9,4E-6 Cr 6,6E-4 1,1E-6 Cu Pb 5,1E-3 8,5E-6 Hg 4,1E-5 6,9E-8 Ni Zn 7,5E-2 1,3E-4 (*) De tocha, ou de motor de combustão interna

Tabela 8 - Composição das emissões gasosas durante o ciclo de vida dum aterro: emissão passiva e produtos de incineração (White et

al., 1996)

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Tabela 9 - Emissões gasosas e líquidas durante o ciclo de vida de um aterro sanitário

ESTUDO DUM CASO

No exemplo que se segue faz-se uma comparação de ciclos de vida de 4 opções de tratamento biológico: aterro sanitário, biometanização, compostagem (em pilha), compostagem (em reactor). A unidade funcional é a quantidade de bioresíduos existente numa produção de 60000 ton/ano de RSU (50%), produzida por um agregado populacional de cerca de 250000 pessoas; a recolha é selectiva em sacos de papel e de plástico. As características operacionais mais importantes do sistema são:

Aterro: com 90% de recuperação do gás (10% de perdas para a atmosfera), e queima em regime de cogeraçãoBiometanização: digestão húmida (15% de SS, termófila, reactor CSTR); queima do biogás em regime de cogeraçãoCompostagem (em pilha): com remeximento periódico, tratamento de gases com biofiltroCompostagem (em reactor): com arejamento forçado, reactor tipo túnel, tratamento de gases com biofiltro Os resultados mais importantes estão resumidos nas Figuras 6, 7 e 8. As Fig.s 6 e 7 analisam com certo detalhe as categorias ambientais de deplecção de energia e de aquecimento global, para ilustrar a aplicação da metodologia; na Fig. 8 mostram-se os resultados para as restantes categorias numa forma comparativa.

Na categoria de deplecção de energia (Fig.6) observa-se que apenas o aterro e a biometanização são energeticamente autosuficientes, sendo esta última a mais favorável, apesar dos importantes consumos para aquecimento do reactor, bombagem, mistura, etc. Por outro lado na compostagem liberta-se uma grande quantidade de calor, mas a sua recuperação ainda não é técnica e economicamente atractiva; assim, ela é essencialmente consumidora de energia, ocorrendo apenas produção aquando da queima da fracção do biogás libertado no aterro pela fermentação das embalagens (de recolha selectiva) e os componentes que constituem refugo da compostagem.

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Componentes de RSU Resíduos de tratamento

Parâmetro Papel Vidro Metal Plástico Têxteis Orgânicos Outros Composto Escórias Cinzas Biogás (m3N/ton*) 250 0 0 0 250 250 0 100 0 0 Lixiviado (m3/ton*) 0,15 0,15 0,15 0,15 0,15 0,15 0,15 0,15 0,15 0,15 Composição do lixiviado (g/m3):

BOD 3167 0 0 0 3167 3167 0 1900 24 24 COD 6000 0 0 0 6000 6000 0 3800 48 48 SS 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 Orgânicos totais 2 2 2 2 2 2 2 0,39 0,021 0,021 AOX 2 2 2 2 2 2 2 0,86 0,011 0,011 Hidrocarbonetos clorados 1,03 1,03 1,03 1,03 1,03 1,03 1,03 0,18 0,01 0,01 Dioxinas/Furanos (ITEQ) 3,2E-7 3,2E-7 3,2E-7 3,2E-7 3,2E-7 3,2E-7 3,2E-7 1,6E-7 3,2E-9 3,2E-7 Fenol 0,38 0,38 0,38 0,38 0,38 0,38 0,38 0,1 0,005 0,005 Amónia 210 210 210 210 210 210 210 10 0,06 0,06 Metais (total) 96,1 96,1 96,1 96,1 96,1 96,1 96,1 1,37 0,21 0,21 As 0,014 0,014 0,014 0,014 0,014 0,014 0,014 0,007 0,001 0,001 Cd 0,014 0,014 0,014 0,014 0,014 0,014 0,014 0,001 0,0002 0,0002 Cr 0,06 0,06 0,06 0,06 0,06 0,06 0,06 0,05 0,011 0,011 Cu 0,054 0,054 0,054 0,054 0,054 0,054 0,054 0,044 0,06 0,06 Pb 0,063 0,063 0,063 0,063 0,063 0,063 0,063 0,12 0,001 0,001 Hg 0,0006 0 0 0,0006 0,0006 0,0006 0 2E-5 0,001 0,001 Ni 0,17 0,17 0,17 0,17 0,17 0,17 0,17 0,12 0,0075 0,0075 Zn 0,68 0,68 0,68 0,68 0,68 0,68 0,68 0,3 0,03 0,03 Cloretos 590 590 590 590 590 590 590 95 75 75 Fluoretos 0,39 0,39 0,39 0,39 0,39 0,39 0,39 0,14 0,44 0,44

Resíduo sólido do tratamento de lixiviado (Kg/m3 tratado)

15 15 15 15 15 15 15 15 15 15

* Ton de cada componente

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Figura 6 – Comparação de ciclos de vida:

deplecção de energiaFigura 7 – Comparação de ciclos de vida:

aquecimento global

Na categoria de aquecimento global a opção compostagem em reactor é a mais favorável, seguida da biometanização, compostagem (em pilha) e aterro (Fig. 7); neste último a maior contribuição resulta das emissões de metano (contabilizado nos COVs). Na compostagem a maior contribuição resulta das emissões de gases biológicos (N2O e CO2), enquanto que na biometanização predominam os gases resultantes da queima do biogás (NOx).

Figura 8 – Comparação de ciclos de vida de 4 opções de gestão de bioresíduos: avaliação de impactos

Considerando agora as restantes categorias (Fig. 8), normalizados os valores relativamente ao valor médio (considerado como referência = 1), pode observar-se que (com excepção do aquecimento global), é a compostagem a opção com menos impactos ambientais; a sua maior contribuição relativa para a categoria de aquecimento global é o resultado do seu balanço energético desfavorável já referido (Fig. 6). A biometanização é a categoria mais desfavorável em termos de acidificação e saúde humana, essencialmente devido ás emissões de NOx e SO2 da combustão do biogás. O aterro é a opção mais desfavorável no que respeita à eutrofização, devido às perdas de N e P (nos lixiviados).

Estas conclusões são válidas apenas para o caso específico em estudo, embora possam dar uma ideia de valores típicos em geral. Devido às diferenças na natureza dos combustíveis e veículos usados na recolha e transporte dos bioresíduos, bem como as distâncias percorridas, etc, cada caso tem de ser analisado separadamente.

A Fig. 8 não permite uma tomada de decisão inequívoca quanto à melhor opção (problema comum a quase todos os estudos de ACV). Para o fazer seria necessário continuar os cálculos fazendo uma normalização e ponderação dos valores das várias categorias para encontrar um índice global para cada opção, que permitisse uma hierarquização evidente. Este processo,

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Balanço de energia

-40

-20

0

20

40

60

80

100

120

Ate

rro

Bio

met

aniz

ação

Co

mp

ost

agem

(pil

ha)

Co

mp

ost

agem

(rea

cto

r)Opção

TJ Produzida

Consumida

Aquecimento Global

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

Ate

rro

Bio

met

aniz

ação

Co

mp

ost

agem

(pil

ha)

Co

mp

ost

agem

(rea

cto

r)

Opção

To

n C

O2

eq

uiv

.

CO2

NOx

COVs

N2O

Avaliação de Impactos

0

0,5

1

1,5

2

2,5

Aq

uec

imen

toG

lob

al

Eu

tro

fiza

çã

Aci

dif

icaç

ão

Saú

de

Hu

man

a

Categoria de impacto

Índ

ice

Aterro

Biometanização

Compostagem (pilha)

Compostagem (reactor)

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contudo só poderá ser executado após definir critérios objectivos, ou de acordo com os objectivos da ACV particular, para aqueles factores de normalização e ponderação.

CONCLUSÕES

A entrada em vigor da Directiva 1999/31/CE veio enfatizar a importância do tratamento biológico na gestão integrada de RSU.

Progressos recentes nas tecnologias de compostagem, biometanização e de aterro sanitário, bem como na legislação da Comunidade Européia, conferem a estas tecnologias um potencial para elevadas eficiências, tanto do ponto de vista técnico, como económico, como ambiental. No final, contudo, o processo decisório da selecção de alternativas não pode realizar-se sem a ajuda de ferramentas de gestão ambiental recentes, como sejam Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) e Análise de Custos benefícios (ACB)

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