aterro sanitário de rsu- processos, tecnologias e impactos

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ATERRO SANITÁRIO DE RSU: PROCESSOS, TECNOLOGIAS E IMPACTOS F.J.M.Antunes Pereira Professor Catedrático Unoversidade de Aveiro, Portugal [email protected] O aterro de resíduos consiste no seu confinamento no solo em condições de segurança física, mecânica e de ambiente e saúde pública. É uma técnica conceptualmente bastante simples, mas que envolve, contudo, um conjunto extremamente complexo de fenómenos físicos, químicos e biológicos, e ainda uma série de alterações mecânicas, algumas das quais ainda mal conhecidas. O aterro é uma componente indispensável em qualquer sistema de gestão integrada de resíduos. Representa de facto o destino final para todos aqueles resíduos em relação aos quais não foi possível encontrar um processo de reciclagem ou de valorização (incineração, tratamento biológico). Como não é possível concepcionar um sistema de gestão que seja 100% eficiente, não produzindo resíduos, temos de aceitar que o aterro virtualmente nunca desaparecerá. Tal como qualquer outra opção de tratamento, o aterro pode constituir um grave risco para o ambiente e saúde pública (em particular se tiver sido mal projectado ou operado). Têm-se verificado no passado, incidentes de contaminação de águas superficiais e subterrâneas por produtos tóxicos (certos hidrocarbonetos e metais pesados), bem como do ar atmosférico (por COVs) que levaram a EU a regulamentar esta operação através da Directiva Comunitária 1999/31/CE. A regulamentação incide essencialmente sobre os aspectos técnicos e construtivos e dá também um relevo importante aos parâmetros e planos de monitorização ambiental durante todo o ciclo de vida do aterro. Adicionalmente, e com vista a reduzir os riscos de contaminação ambiental, estabelece restrições quanto à quantidade de matéria orgânica biodegradável que pode ser enviada para aterro; assim, e tomando como referência o ano de 1995 essas quantidades devem ser reduzidas sucessivamente para 75% em 2005, para 50% em 2008 e finalmente para 35% a partir de 2015. A razão pela qual se pretende fazer esta limitação reside no facto de ser precisamente a degradação da matéria orgânica no solo que constitui a principal causa de contaminação ambiental devido 1

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Monografia universitária contendo uma descrição da técnica de aterro sanitário. Tecnologias e impactos ambientais; análise de ciclo de vida

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Page 1: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

ATERRO SANITÁRIO DE RSU: PROCESSOS, TECNOLOGIAS E IMPACTOSF.J.M.Antunes Pereira

Professor CatedráticoUnoversidade de Aveiro, Portugal

[email protected]

O aterro de resíduos consiste no seu confinamento no solo em condições de segurança física, mecânica e de ambiente e saúde pública. É uma técnica conceptualmente bastante simples, mas que envolve, contudo, um conjunto extremamente complexo de fenómenos físicos, químicos e biológicos, e ainda uma série de alterações mecânicas, algumas das quais ainda mal conhecidas. O aterro é uma componente indispensável em qualquer sistema de gestão integrada de resíduos. Representa de facto o destino final para todos aqueles resíduos em relação aos quais não foi possível encontrar um processo de reciclagem ou de valorização (incineração, tratamento biológico). Como não é possível concepcionar um sistema de gestão que seja 100% eficiente, não produzindo resíduos, temos de aceitar que o aterro virtualmente nunca desaparecerá.

Tal como qualquer outra opção de tratamento, o aterro pode constituir um grave risco para o ambiente e saúde pública (em particular se tiver sido mal projectado ou operado). Têm-se verificado no passado, incidentes de contaminação de águas superficiais e subterrâneas por produtos tóxicos (certos hidrocarbonetos e metais pesados), bem como do ar atmosférico (por COVs) que levaram a EU a regulamentar esta operação através da Directiva Comunitária 1999/31/CE. A regulamentação incide essencialmente sobre os aspectos técnicos e construtivos e dá também um relevo importante aos parâmetros e planos de monitorização ambiental durante todo o ciclo de vida do aterro. Adicionalmente, e com vista a reduzir os riscos de contaminação ambiental, estabelece restrições quanto à quantidade de matéria orgânica biodegradável que pode ser enviada para aterro; assim, e tomando como referência o ano de 1995 essas quantidades devem ser reduzidas sucessivamente para 75% em 2005, para 50% em 2008 e finalmente para 35% a partir de 2015. A razão pela qual se pretende fazer esta limitação reside no facto de ser precisamente a degradação da matéria orgânica no solo que constitui a principal causa de contaminação ambiental devido aos produtos tóxicos libertados. Esta limitação obrigará também a encontrar rapidamente destinos alternativos para a matéria orgânica (incineração, compostagem, biometanização), e a importância do aterro (em termos de espaço ocupado) diminuirá progressivamente no tempo, mas nunca desaparecerá, como se referiu atrás.

1-DESCRIÇÃO DO PROCESSO

Processos químicos e biológicos

Mais adiante serão referidos alguns destes fenómenos; nesta primeira secção faz-se uma análise sumária das principais reacções químico-biológicas ocorrendo num aterro sanitário, construído com o pressuposto de promover deliberadamente a degradação da matéria orgânica. É o caso em que se pode encarar o aterro como um reactor biológico, em permanente evolução; nestas circunstâncias não é infrequente encontrar tempos de semi-vida da ordem de 10-20 anos. Note-se que nem sempre isto se verifica, e casos há em que o aterro permanece estático (do ponto de vista reaccional) podendo ao fim de 20 anos p.ex. encontrar-se lá os vários materiais na sua forma original. Os dois mecanismos metabólicos principais para a sua

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degradação ocorrem por via aeróbia e anaeróbia simplificada e podem ser globalmente representados, respectivamente, pelas reacções já conhecidas:

Sólidos Voláteis gases biológicos + biomassa celular + composto + calor

[CO2, H2O, H2S, VOCs] [C5 H7 O2 N]

e:

Sólidos Voláteis gases biológicos + biomassa celular + resíduo

[CH4, CO2, H2S, VOCs] [C5 H7 O2 N] [composto]

respectivamente. Os dois mecanismos ocorrem simultaneamente num mesmo aterro, mas em locais diferentes, claro. A degradação aeróbia ocorre sobretudo nas zonas de deposição ao ar livre, ou mais recentes, enquanto que a aneróbia ocorre em profundidade nas zonas de deposição mais antiga.

Os produtos finais da decomposição aeróbia são relativamente estáveis, não possuindo virtualmente energia possível de utilizar adicionalmente pelos microorganismos, e estão no seu estado de oxidação máximo. Na decomposição anaeróbia, esses produtos contêm ainda energia utilizável, encontrando-se num estado de oxidação intermédio: p.ex. H2S e NH3 podem ainda ser oxidados a SO-2

4 e NO-3 e o CH4 tem um dado poder calorífico; a biometanização

decorre segundo as fases já conhecidas: acidogénica (hidrólise, seguida de acetogénese) e metanogénica. A quantidade total de gases libertados que é possível esperar do aterro, se tiver sido operado de modo a garantir as condições de reacção, pode ser calculada pelas equações químicas que representam a estequiometria dos processos. Genericamente, verifica-se que: (i) os sólidos voláteis constituem cerca de 95% do total da matéria orgânica dos resíduos, (ii) dos sólidos voláteis, 50% é carbono, (iii) metade do carbono é convertido em CO2 e a outra metade em CH4. Como se verá adiante o rendimento típico de produção de biogás em aterro é da ordem de 150 m3N/ton RSU (tal qual). Em condições óptimas é de esperar que 30-60% deste valor seja atingido nos dois primeiros anos, e 70% ao fim de 5 anos.

A evolução dos processos químicos que se desenrolam no interior dum aterro sanitário, pode analizar-se com base na evolução da composição da fase gasosa distinguindo-se quatro fases, que são descritas na Figura 1.

2-Concepção e projecto dum aterro sanitário

O projecto dum aterro passa normalmente pelas seguintes fases:

Escolha do local Estudo do local Preparação do local Especificação de tipos de resíduos aceites Operações do aterro Encerramento e reclamação do terreno Operações de pós-encerramento

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Figura 1-Fases da evolução dos principais parâmetros dum aterro

(I) Aérobia: pode durar desde alguns dias até alguns meses, dependendo da velocidade de decomposição; a presença de humidade suficiente, p.ex., acelera o processo.

(II )Anaeróbia, não metanogénica: os microorganismos utilizam os nitratos e sulfatos como fontes de oxigénio produzindo sulfuretos, CO2 e azoto gasoso (desnitrificação). Verifica-se um aumento rápido de CO2 e produção de H2.

(III) Anaeróbia metanogénica transiente: aumento rápido da formação de CH4 e diminuição de CO2 e H2, a temperatura atingindo cerca de 55ºC.

(IV) Anaeróbia metanogénica estacionária: estabilização da produção de CH4

e CO2.

Escolha do local. A primeira selecção tem como base essencialmente um critério económico de transporte. Será normalmente o "centro de gravidade" da zona a servir. Maiores distâncias, exigindo inclusivamente uma estação de transferência, só são consideradas em face duma longa duração do terreno disponível. Na prática contudo factores de diversa ordem podem condicionar esta escolha. Os locais mais evidentes são os deixados pelas explorações mineiras, terreno acidentado não utilizado para agricultura ou habitação, etc. Outros factores a ter em conta na escolha inicial:

Disponibilidade de material de cobertura diária (do local, ou "importado"). Acesso rodoviário Factores geológicos e hidrológicos Localização relativa a zonas habitacionais (tipo de habitações, direcção predominante dos

ventos, etc.). Impacto ambiental, em particular no equilíbrio ecológico da zona.

Estudo do local. Envolve as seguintes acções e necessidades:

Reconhecimento do local (mapas topográficos, análise de solo e sub-solo, dados pluviométricos).

Mapas de contornos (linhas de nível de 2m) para cálculo da capacidade e necessidades de material de cobertura

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Nível freático Cursos de água superficiais (desviados, ou confinados) Planeamento da drenagem de águas superficiais e do efluente líquido.

Preparação. Necessário prever e instalar uma série de infraestruturas:

Estradas (de acesso ao local, e arruamentos interiores) Segurança: muros vedações de rede, taludes, e vegetação periférica; identificação do local;

serviços de água e electricidade; lavagem de rodados; contentores para uso público directo (com ou sem segregação de componentes); área habitacional (fixa, ou móvel)

Posto de controle e pesagem de veículos (básculas) Área de serviços e armazenagem (para equipamento, combustíveis, oficinas mecânicas,

materiais contra incêndio) Área de armazenagem de terreno de cobertura.

Especificação de resíduos. Normalmente admitidos sem reservas: RSU (lixos e lamas de tratamento de esgotos), de construção civil, resíduos mineiros, da agricultura, e industriais (escórias de metalúrgicas, cinzas de combustão, lamas de tratamento de águas industriais). Com restrições os considerados perigosos (tóxicos, inflamáveis, etc.).

Operação. Desde o início da concepção do aterro deve estar previsto um plano de enchimento e ocupação do terreno, e em particular zonas de emergência em caso de mau tempo, incêndio, etc.

O equipamento necessário é de dois tipos: para movimentação dos resíduos (espalhamento e compactação) e para movimentação de terreno (escavação, transporte e espalhamento). Os resíduos são confinados em células de cerca de 2-3 m de altura, isoladas por material de cobertura diária. São construídas em profundidade (trincheira) ou em superfície (área).

O grau de confinamento (hidráulico e gasoso) depende da natureza dos resíduos e das características hidrogeológicas locais. Pode ser natural (terreno de baixa permeabilidade, K<10-7 cm/s, argiloso, bentonite, caolinite, etc.) ou sintético ("liner" de PVC, borracha butílica, polietileno, etc.).

A segurança sanitária e contra incêndio é conseguida pela utilização de material de cobertura diária. A operação controlada (trituração, compactação e cobertura) evita naturalmente o acesso de vectores de propagação de pestes (animais roedores, aves, insectos) e emanação de cheiros.

Preferivelmente, durante (e após) a operação do aterro, deve fazer-se a monitorização periódica do lixiviado (por remoção forçada ou natural) e do lençol de água subterrâneo.

Encerramento; reclamação. A superfície final deve ter uma inclinação ou talude natural contínuo, ou em terraço (1-30% de inclinação) para o escoamento das águas superficiais (pluviosidade). A camada final tem uma espessura de 60-100 cm dependendo do tipo de utilização subsequente:(i) área de recreio (amenidades), ou (ii) área de cultura (uso agrícola: hortícola, pomares, etc.), com tipo de terreno adequado.

Evidentemente nem todos estes aspectos poderão na prática ser cobertos; ou serão mesmo irrelevantes nalgumas situações. No entanto pretendem traduzir uma filosofia geral, entrando em consideração com todas as situações. Entre uma simples lixeira a céu aberto e a operação dum aterro como uma instalação fabril normal, há toda a gama de possibilidades, dependendo

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dos recursos financeiros, da escala de operação (e durabilidade do terreno), da natureza dos resíduos e do terreno, etc.

Operações de pós-encerramento. Um aterro, mesmo após o encerramento, continua a produzir gás e lixiviados. A intensidade desta produção depende essencialmente da natureza dos resíduos e do tipo de impermeabilização usado (um aterro completamente selado pelo topo e fundo produzirá certamente menos lixiviados mas continuará a produzir gás). Esta actividade pode prolongar-se por um período de tempo que pode ir até 30 anos. Nestas condições o aterro constitui um risco potencial para o ambiente e saúde pública, pelo que não deve ser simplesmente abandonado. As actividades a desenvolver nesta fase são essencialmente de monitorização (dos lixiviados e das águas superficiais e subterrâneas), bem como operações simples de manutenção do equipamento e construção civil das infraestruturas.

2-EQUIPAMENTO

O equipamento essencial para exploração e operação dum aterro está esquematizado na Figura 2. As suas funções são: movimentação de terras ("scraper" para terreno seco, e grua ou "dragline" para terreno movediço) e movimentação dos resíduos (tractores de lagartas, de pneus, e de rodas de aço dentadas). As necessidades de equipamento (número, variedade, e capacidade) dependem da escala de operação do aterro.

O elemento básico dum aterro é a célula, ou seja um volume de resíduos que foi devidamente compactado e coberto com um a camada de terra para o isolar do ambiente exterior e assim evitar a propagação de cheiros e o acesso a animais vectores de propagação de doenças (roedores, aves, insectos). As células vão-se construindo sucessivamente ao longo da área de aterro e em camadas sobrepostas (Figura 3).

Há basicamente dois processos de construção do aterro: (i)em trincheiras, ou profundidade, e (ii)em superfície.

Aterro em trincheira ("trench") (Figura 4)Os resíduos são colocados em trincheiras abertas no terreno (30-120 m de comprido, 1-2 m de profundidade, 4-8 m de largura) e compactados até à altura desejada. O comprimento aberto em cada dia deve ser tal que se obtenha a altura desejada, e se complete a célula, ao fim do dia e se possa deixar coberta. Ao fim do dia, é escavada nova trincheira, e o solo armazenado para servir de material de cobertura no dia seguinte. Aterro em superfície ("area") (Figura 5) Utilizado em terreno não adaptado a escavação em trincheira. A operação é iniciada com a construção dum talude de encontro ao qual serão colocadas as primeiras camadas de resíduos, que se prolongam em seguida ao longo duma estreita faixa, cujo comprimento é calculado de modo a que ao fim do dia se atinja a altura desejada (cerca de 2 m) e se complete uma célula que possa ser coberta.

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Figura 2-Equipamento usado em aterros sanitários.

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Figura 3-Células

Figura 4-Construção de aterro em trincheira

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Figura 5- Construção dum aterro em área

Uma variante destes dois tipos de aterro, e com características intermédias, é o aterro em rampa ("ramp") (Figura 6), em que uma parte do material de cobertura diária se pode obter no local escavando uma pequena depressão (rampa) adiante de cada célula ou faixa. O material de cobertura restante necessário terá de ser "importado" de outro local, como no caso do aterro em superfície. Outros tipos de operação são possíveis, atendendo à configuração natural especifica do terreno na zona, como acontece p.ex., em depressões naturais (vales, ravinas, etc) ou artificiais (depressões deixadas por exploração mineira). O tipo de operação variará consoante as características geométricas da depressão, do material de cobertura, hidrogeologia e acesso ao local.

Em qualquer dos casos, os resíduos são normalmente descarregados na base junto à encosta da ultima célula (Figura 7) em camadas de cerca de 60 cm de espessura e compactados por sucessivas passagens (2 a 5) do tractor; a operação é repetida até se obter a altura desejada e completar uma célula que possa ser coberta ao fim do dia.

As células têm a disposição indicada na Figura 1; geralmente uma altura de 1,5-3m, com camadas intermédias de 15-20 cm de material de cobertura (cinza, resíduos de construção civil, sub-solo, escórias, etc); a última camada terá uma espessura maior (60 cm) e sobre ela assentará uma camada adequada de solo para o coberto vegetal desejado. A inclinação natural das paredes frontais de cada célula é de cerca de 2:1 ou 3:1.

A Figura 8 mostra em corte transversal a estrutura, distribuição interna e operação típicas dum aterro parcialmente completo. No caso exibido, a impermeabilização do

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fundo é feita com duas geomembranas envolvendo uma camada de argila (1); a geomembrana inferior está normalmente em contacto directo com o subsolo escavado, enquanto que a superior está separada dos resíduos por uma camada de areia ou cascalho para drenagem dos lixiviados, os quais são recolhidos em tubagem perfurada, por sua vez envolvida por uma camada de cascalho drenante e um geotêxtil (para filtração de partículas) (2). O gás é recolhido por sucção através de tubagem (6) e enviado para a incineradora (7) para produção de electricidade. Os resíduos são depositados no solo e compactados em células (4) que são cobertas com uma camada de terra (5) no final do dia, para evitar cheiros e evitar atrair animais vectores de doenças (aves, roedores, insectos). Após completo, o aterro é coberto por uma camada impermeabilizante (8), que pode ser argila ou um material sintético (geomembrana); finalmente toda a área é coberta com solo vegetal (cerca de 60-100 cm) e vegetação, para recuperação paisagista.

Na Figura 5A abaixo esquematizam-se outros sistemas de impermeabilização do fundo do aterro.

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TOPO

FUNDO

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Figura 6-Construção dum aterro em rampa.

Figura 7-Construção duma célula

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Figura 8-Corte esquemático dum aterro: estrutura e operação.

1-Impermeabilização do fundo (argila e 2 geomembranas)2-Tubagem (perfurada) para colecta dos lixiviados3-Piezómetro periférico, para monitorização da qualidade das águas subterrâneas4-Célula em construção5-Terra de cobertura diária6-Tubagem de sucção (recolha) de biogás7-Grupo moto gerador (queima do gás e produção de electricidade)8-Impermeabilização de topo9-Rede de drenagem de escorrências superficiais10-Campo de golfe11-Aeroporto12-Parque natural13-Coberto vegetal final do topo

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3-IMPACTO AMBIENTAL

Após confinamento os resíduos sólidos sofrem uma série de alterações físicas, químicas e biológicas, entre as quais as mais importantes são:

Degradação biológica da matéria orgânica, anaeróbia ou aeróbia, com formação dum lixiviado e de produção de gases

Oxidação química dos materiais Emanações gasosas e movimentação (difusão) lateral dos gases. Movimentação dos lixiviados provocada por gradientes hidráulicos. Dissolução e arraste (leaching) de materiais orgânicos e inorgânicos por acção da água e

movimentação do lixiviado dentro do aterro. Movimentação dos materiais dissolvidos por acção de gradientes de concentração e osmose. Assentamento irregular devido à consolidação dos materiais em espaços vazios.

Indubitavelmente os problemas ambientais mais agudos são postos pelos lixiviados e pela libertação de gases.

Outros aspectos secundários, contudo, não devem ser desprezados. Assim cheiros, focos de incêndio e acção de vectores são possíveis de minimizar pela cobertura diária. Barulho e estética (paisagística) do local podem também ser minimizados por uma localização judiciosa das estradas de acesso, construção de taludes e redes de protecção. Finalmente a poeira e a poluição atmosférica associadas à operação dos veículos pode ser (em terreno seco e arenoso) minimizada por aspersão periódica de água.

Os impactos gerais dum aterro podem caracterizar-se em termos do seu alcance geográfico (Figura 9) ou do compartimento ambiental afectado (Figura 10).

O alcance geográfico pode ser:

Local (até cerca de 1 Km de distância): com conseqüências negativas para a qualidade da águas superficiais e subterrâneas, para a vegetação, para a saúde pública (odores, gases tóxicos, proliferação de agentes vectores transmissores de doenças: roedores, aves e insectos) e para o aumento do risco de acidentes (incêndio, explosão)

Regional (até cerca de 10 Km): com riscos para a saúde pública (odores, etc), degradação do património arquitetónico

Global (acima de 10 Km): aumentando as incidências a nível do aquecimento global (pela produção de gases de estufa: CO2, CH4), deplecção do ozono estratosférico (por organoclorados como CFCs, PCBs, etc) e formação de agentes fotoquímicos, “smog” (pelos VOCs dos odores)

A Figura 10 mostra que o impacto global decorre essencialmente da produção de gases, enquanto que os impactos regional e local incluem, adicionalmente, a produção de lixiviados.

A Figura 11 mostra como se poderão manifestar os riscos ambientais na vizinhança próxima do aterro: explosão e/ou incêndio (1, 10, 19), saúde pública em espaços confinados (2) ou abertos (6, 19), danos na vegetação (9, 14), contaminação de águas subterrâneas (7, 8, 18), emanação de odores/vapores (12, 13, 16).

Na Figura 12 esquematizam-se os fenómenos de lixiviação e inflitração dos lixiviados.

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Figura 9-

Figura 10-

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Figura 11-

Figura 12-

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Passemos agora a uma caracterização mais detalhada dos lixiviados e das emissões de gases, bem como do seu controlo.

Emissões gasosas

Após os períodos iniciais de decomposição aeróbia o processo passa à fase anaeróbia com libertação de gases, cerca de 90% dos quais são constituídos por uma mistura de CH4 e CO2

em partes aproximadamente iguais (Tabela 1). As propriedades físico-químicas mais relevantes do ponto de vista de impacto ambiental são resumidas nas Tabelas 2 e 3.

Tabela 2 Os limites de explosão do CH4 em ar são 5-15% (vol/vol); como o metano é formado na fase anaeróbia não se põe o problema geralmente de explosão dentro do aterro. No entanto pode encontrar-se facilmente até 40% de CO2 e CH4 a uma distância de 120 m da periferia do aterro, lateralmente; tratando-se dum gás mais leve que

o ar pode

aí ficar retido em bolsas residenciais próximas, verificando-se então

perigo de explosão. Como se verá adiante, o controle (confinamento ou ventilação) da libertação do CH4 é tecnicamente viável. O mesmo não acontece com CO2. Sendo mais denso que o ar tende a acumular-se no fundo do aterro, e em pouco tempo, penetrar num lençol de água. A sua dissolução baixa o pH da água, o que, por sua vez se traduz num aumento da sua dureza e teor em sais minerais por via de solubilização. O equilíbrio químico que se estabelece é do

Tabela 4 tipo:

Tabela 3 de ar nas caves de edifícios de zonas

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com formação de bicarbonato solúvel, no caso de calcário; identicamente para dolomites. Notar que qualquer processo que aumente a quantidade de CO2 gasoso livre, promove a solubilização mineral, aumentando a dureza da água.

O controle da movimentação gasosa é difícil e dispendioso. Em aterros pouco confinados procura-se essencialmente canalizar o movimento gasoso de modo a ter um escoamento preferencial em barreiras, células, ou poços porosos (Figura 13); normalmente estes processos evitam a movimentação lateral causadora de explosões em edifícios vizinhos. Em aterros confinados o gás é simplesmente e naturalmente ventilado na vertical (Figura 14a) ou canalizado em tubos estrategicamente localizados, para um ponto de recolha na superfície (Figura 14b). Na exploração comercial o gás é normalmente queimado numa instalação fabril vizinha (produção de energia ou vapor) visto que as suas características não se prestam a armazenagem e transporte a longa distância. É no entanto (tecnicamente, pelo menos) possível de "upgrading" a um gás com as características do gás natural, como se verá adiante.

Em termos de toxicologia humana, os efeitos dos principais componentes do biogás de aterro estão identificados na Tabela 4. A USEPA identificou (e regulamentou) 42 compostos orgânicos voláteis (COVs) com significado toxicológico, e que estão indicados na Tabela 5. Na Tabela 6 mostram-se os efeitos potenciais na saúde pública dos componentes mais importantes das emissões gasosas e líquidas dum aterro.

Produção de lixiviados

O lixiviado dum aterro não tem uma composição constante ao longo do tempo. Esta variabilidade é aliás um bom indicador qualitativo da sua idade ou estado de maturação (Tabela 7). Geralmente observa-se ao longo do tempo um aumento significativo do pH, e um decréscimo acentuado de parâmetros como: CBO, CQO, razão CBO/CQO, sulfatos, Ca, Mg, Fe, Mn e Zn. Por outro lado um conjunto de outros parâmetros parece manter-se relativamente constante, como sejam: cloretos, amónia, nitratos, nitritos, alcalinidade, Na, K, N, P, AOX, As, Cd, Co, Ni, Pb, Cr, Cu e Hg.

Alguns dos compostos orgânicos específicos encontrados nos lixiviados, bem como os seus níveis de concentração, estão indicados na Tabela 8. Devido à sua toxicidade, constituem normalmente um risco de saúde pública.

Os lixiviados dum aterro são retidos no sistema de impermeabilização, recolhidos e enviados para tratamento numa ETAR. Contudo a impermeabilização nunca é 100% eficiente, e mais tarde ou mais cedo estima-se que cerca de 30% dos lixiviados acabem por atravessar a barreira impermeabilizante, infiltrando-se no solo e contaminando águas subterrâneas; constituem por isso um risco de toxicidade humana através das águas de abastecimento e da cadeia alimentar. Uma vez infiltrado no subsolo, as características poluentes dos lixiviados são em maior ou menor grau atenuadas graças a processos como: filtração (reduzindo as concentrações bacterianas, óxidos metálicos, orgânicos em suspensão, etc); absorção e permuta iônica (removendo catiões metálicos, em argilas e rochas carbonatadas impuras); e degradação aeróbia e anaeróbia (reduzindo a carga orgânica). O grau de atenuação depende portanto da estrutura e litologia do solo, bem como da composição do lixiviado. A causa mais freqüente de fuga através do sistema de impermeabilização é a sua ruptura causada pelos RSU por acção mecânica (perfuração, desgaste), química

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Figura 13-

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Figura 14-

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Tabela 4

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Tabela 5

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Tabela 6

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Tabela 7

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Tabela 8

(corrosão, dissolução), ou por fissuras causadas por assentamentos diferenciais do subsolo.

O controle dos lixiviados faz-se como se viu por impermeabilização do aterro e remoção por bombagem para o exterior. As normas de segurança (Directiva 1999/31/CE) exigem que os materiais de impermeabilização tenham uma permeabilidade hidráulica inferior a 10 -9 m/s (constante da lei de Darcy). Isso consegue-se por meio de uma camada de 3 m de argila húmida compactada (ou outra barreira mineral equivalente: bentonites, caolinites, etc); em alternativa podem usar-se barreiras impermeabilizantes de material sintético (plástico polietileno de alta densidade: HDPE).

A monitorização das águas subterrâneas na periferia do aterro, para verificação da funcionalidade do sistema de impermeabilização, faz-se por meio de piezómetros (ver Figura 15) estrategicamente localizados. O seu número e localização relativa dependem muito das condições locais específicas, como hidrogeologia (direcção do fluxo subterrâneo, falhas geográficas, etc), mas o mínimo que se deve fazer é colocar um piezómetro a montante (a servir de referência) e 2 ou 3 a jusante do fluxo subterrâneo.

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Figura 15

As águas superficiais que possam entrar em contacto com os lixiviados e gases, bem como as escorrências superficiais do aterro devem ser também monitorizadas. Esta monitorização deve obedecer a um plano, dependente das condições locais, e deve especificar não só os parâmetros como a sua freqüência de amostragem. Estes requisitos são referidos na Directiva 1999/31/CE; os parâmetros de qualidade das águas indicados na Tabela 7 são um bom ponto de partida para a definição dum plano de monitorização.

Avaliação do ciclo de vidaNuma perspectiva de avaliação de ciclo de vida do processo, as intervenções ambientais têm de ser contabilizadas de acordo com a “fronteira” do sistema (White et al., 1996), a qual está definida na Figura 16. Além disso considera-se como tempo de vida (activa) dum aterro, cerca de 30 anos. Os termos dos balanços mássico e energético mais significativos são:

Consumo de energia: 0,6 l (gasóleo)/m3 de volume de aterro Emissões gasosas: 150 m3

N (biogás)/ton RS btq Produção de lixiviados: 150 l/ ton RS btq

25

Page 26: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

O valor de 150 m3N (biogás)/ton RSUbtq resulta do seguinte cálculo: estudos de

biodegradabilidade em aterros e lisímetros apontam para um rendimento em biogás de cerca de 250 m3

N/ton (SVB); atendendo a que cerca de 60% dos RSU são biodegradáveis, então o rendimento bruto é de 0,6*250= 150 m3

N. Este valor é um pouco superior ao valor obtido em digestão anaeróbia dos mesmos resíduos (cerca de 100 m3

N (biogás)/ton RSUbtq) visto que num aterro o tempo de residência é comparativamente maior ( 30 anos) do que num digestor ( 20 dias).

Deve notar-se contudo que os valores encontrados na literatura para o rendimento de produção gasosa em aterros são um pouco variáveis, o que reflecte as diferentes condições de exploração e tipos de resíduos estudados.

O valor acima referido para a produção de lixiviados é estimado com base nos seguintes pressupostos: precipitação média anual de 750 mm, e cerca de 13% desta acumulada dentro do aterro como lixiviado (o resto é perdido por evapotranspiração e por escorrência superficial); estas condições dão uma produção de lixiviados de 100 l/m3*ano, e usando como valor típico 20m de altura de resíduos com densidade média de 1ton/m3 obtém-se então uma taxa de produção de lixiviados de 5 l/ton(RSU)*ano; para um tempo de vida de 30 anos chegamos finalmente ao valor de 150 l/ ton RS btq. O lixiviado produzido é totalmente recolhido e enviado para uma ETAR; contudo a eficiência de contenção do sistema de aterro é cerca de 70% pelo que 30% (ou seja, cerca de 45 l/ton RSU) constituirão uma fuga que se infiltrará no subsolo.

A composição das emissões gasosa e dos lixiviados estão representadas nas Tabelas 9 e 10; são valores representativos do ciclo de vida dum aterro, e por isso não coincidem necessariamente com os valores referidos anteriormente para a evolução das composições das mesmas emissões ao longo do tempo (Tabela 7).

26

Page 27: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

Figura 16

27

Page 28: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

Tabela 9

28

Page 29: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

Tabela 10

4-ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS DE EXTRACÇÃO DE GÁS DE ATERRO: VALORIZAÇÃO ENERGÉTICA

A extracção forçada por sucção dos gases de aterro, bem como a sua subseqüente queima, é obrigatória (Directiva 1999/31/CE); nesta o processo de queima em si não é contudo especificamente referido, mas no mínimo exige-se que seja feita em tocha ao ar livre. Para aterros de maiores dimensões pode contudo compensar economicamente realizar a queima em grupos moto geradores para produção de electricidade (somente, ou então em regime de co-geração), com vista ao consumo local ou à exportação para a rede.

29

Page 30: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

A queima do gás tem a vantagem de eliminar ou destruir um conjunto numeroso de COVs; em particular de eliminar as emissões de CH4, já que este gás é, do ponto de vista de efeito de estufa, cerca de 20 vezes mais potente que o CO2 na absorção da radiação solar. É certo que na incineração outros poluentes de risco poderão também formar-se (relembrar Tabela 10), mas o balanço é favorável à queima.

O aproveitamento do gás de aterro exige, por razões óbvias, um confinamento total do mesmo; só assim se pode evitar a entrada de ar (por sucção) a qual viria a produzir uma mistura potencialmente explosiva, para além de diminuir o poder calorífico do gás. Os poços de extracção têm a configuração típica representada na Figura 17, e estão geralmente dispostos numa malha rectangular (ou triangular) como indicado nas Figuras 18 e 19.

Devido à presença de poeiras, humidade e de gases potencialmente corrosivos (H2S) no biogás, este é normalmente depurado antes de ser queimado no caso da valorização energética (Figura 20).

Figura 17

30

Page 31: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

Figura 18

Figura 19

31

Page 32: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

Figura 20

Figura 21

32

Page 33: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

Na valorização energética (produção de electricidade), considera-se que a composição do biogás é a mesma que o gás produzido num digestor anaeróbio, pelo que será de esperar um rendimento de produção eléctrica de cerca de 1,73 kWh(e)/m3 (biogás); recordando, como se viu atrás, que a produção gasosa do aterro é da ordem de 150 m3

N (biogás)/ton RS btq obtém-se então uma produção de electricidade de cerca de

260 kWh(e)/ton RSUbtq

um pouco superior portanto aos 173 kWh(e)/ton RSUbtq obtidos num digestor.

A produção de gás num aterro não é constante ao longo do seu tempo de vida (ver Figura 21); geralmente apresenta um valor máximo na altura do fecho, decrescendo depois aproximadamente exponencialmente. Existem vários modelos que permitem prever estas curvas de produção de biogás a partir do conhecimento da composição dos resíduos e da sua cinética de degradação. O mais referenciado é provavelmente o modelo desenvolvido pela USEPA, modelo LANDGEM v2.0, o qual pode ser descarregado livremente do site da EPA americana:

http://www.epa.gov/epahome/models.htm.

No que se refere descreve-se um modelo mais simplificado para cálculo manual.

O estudo da bombagem de metano (ou biogás) dum aterro envolve o cálculo das seguintes quantidades:

Volume de produção gasosa , VM,P

Volume de perdas por difusão, VM,D

Volume recuperável, VM,R = VM,P - VM,D

Volume captado, VM,C

Em última análise a relação entre VM,R e VM,C dar-nos-á, como se verá, a duração da fase de exploração gasosa do aterro, bem como o volume recuperado para produção de energia. No que se segue far-se-ão os balanços mássicos considerando a seguinte fronteira para o aterro (Figura 22).

Figura-22

Variáveis mais relevantes no cálculo das emissões gasosas dum aterro

33

Page 34: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

Os cálculos de produção e capitação gasosa podem tornar-se laboriosos se se quiser ter em conta as condições detalhadas da exploração gasosa. Contudo na maior parte dos casos é suficiente uma primeira aproximação nos cálculos que parte dos seguintes pressupostos simplificativos:

Taxa anual de deposição de resíduos constante (M ton/ano) Durante a fase de construção e operação de deposição do aterro, que se supõe durar d anos, não há

extracção de biogás. Durante esse tempo todo o gás gerado fica acumulado (com excepção das perdas por difusão que serão contabilizadas). Após o encerramento do aterro começa então a extracção gasosa prolongando-se pelo tempo t, contado a partir do momento de encerramento

ProduçãoSeja por ensaios laboratoriais, seja através do conhecimento da composição química dos resíduos é sempre possível calcular o seu potencial em biogás; este seria o valor (estequiométrico, p. ex.) máximo possível de libertado se todo o resíduo fosse biodegradável nas condições efectivamente reinantes no local de deposição:

VB,P(máx) m3N(bio)/ton (RSU)btq

O rendimento real em gás depende das condições operatórias e da biodegradabilidade dos resíduos. De acordo com Tabasaran (1982) este rendimento é essencialmente dependente da temperatura T de acordo com a equação:

V T VB P real B P, ( ) , (max)( , . , ). 0 014 3 542 m3N(bio)/t(RSU)btq (1)

Considerando a biogasificação como uma reacção de primeira ordem de constante K, pode mostrar-se que o volume de gás produzido cumulativamente até ao instante t é dado por:

V t V eB P B P realKt

, , ( )( ) ( ) 1 m3N(bio)/t(RSU)btq (2)

Consideremos o primeiro lote de massa M1 depositado durante o primeiro ano de operação. Ao fim de d anos que durou a fase de deposição ele produzirá um volume cumulativo de gás dado por:

V d M V eB P realKd

1 1 1( ) . .( ), ( ) m3N (bio) (3)

Ao fim de t anos após o encerramento do aterro esse mesmo lote de resíduos terá produzido um volume total de gás dado por:

V d t M V eB P realK d t

1 1 1( ) . .( ), ( )( ) m3N(bio) (4)

Este mesmo raciocínio pode estender-se agora a todos os lotes anuais sucessivamente depositados. Assim considerando o lote j de massa Mj (por hipótese os Mj são constantes), o volume produzido será:

V d t M V ej j B P realK j t( ) . .( ), ( )

( ) 1 m3N(bio) (5)

Finalmente considerando todos os lotes anuais (Mj=const=M) depositados até ao fim da fase de operação (j=1,2,3….d) o volume total libertado no aterro todo foi de:

34

Page 35: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

V d t M V e

M V e

M V e e

M V d e e

B P B P realK j t

j

d

B P realK j t

j

d

B P realK t K j

j

d

j

d

B P realK t K j

j

d

, , ( )( )

, ( )( )

, ( ). .

, ( ). .

( ) . .( )

. . ( )

. . .

. . .

1

1

1

1

1

11

1 m3N(bio) (6)

Esta expressão pode simplificar-se se atendermos à seguinte relação que permite calcular o somatório duma série de termos exponenciais:

e e e ee

ejK K K d K

K d

Kj

d

11

11 2

1

0

. . .( )

...

(7)

obtendo-se então finalmente o volume total de gás gerado em (d+t) anos:

V d t MV T d ee

eeB P B P

KtK d

KKt

, , (max).

( ).( ) . .( , . , ). .

0014 3542

1

1

1

m3N(bio) (8)

Naturalmente nem todo o gás assim gerado ficou acumulado; calcula-se a seguir a quantidade que é difundida através do fundo envolvente e do topo do aterro.

DifusãoOs caudais de difusão através do topo (área S1) e fundo envolvente (área S2), como indicado na Figura 22, são dados respectivamente por:

V CD

LS

V CD

tS

eq

1 1 1

2 2 2

.

.

m3(CH4)/s (9)

m3(CH4)/s (10)

Sendo o aterro construido por i camadas, é possível mostrar que as quantidades difundidas ao fim do tempo t (após o final da deposição de d anos) são:

V d t CD

LS d

d

ii t

V d t CD

tS d

d

it

eq

17

1 1

27

2 2

3 154 102

3 154 102

1

( ) , . .( )

( ) , ..

. .( )

m3N(CH4) (11)

m3N(CH4) (12)

em que te é o tempo que demora a atingir a concentração estacionária de metano no fundo (tipicamente 500 dias, ou 4,32 107 s). Nestas condições o volume total perdido por difusão ao fim do tempo (d+t) é:

35

Page 36: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

V d t V d t V d tM D, ( ) ( ) ( ) 1 2 m3N(CH4) (13)

Nestas condições o volume de metano acumulado que efectivamente pode ser recuperado será dado por:

V d tCH

V d t V d tM R B P M D, , ,( )(% )

( ) ( ) 4

100 m3N(CH4) (14)

Nas equações (9) e (10) D é o coeficiente de difusão do metano no solo (camada de cobertura de topo e de fundo envolvente). Pode ser calculado por qualquer das fórmulas abaixo:

-Buckingham: D=Do.2 (15A)-Penman: D=0,66. Do. (15B)-Rust: D=0,04+0,6. (15C)

em que Do é o coeficiente de difusão no ar livre e a porosidade do solo envolvente. São conhecidos os valores de Do a várias temperaturas (Wilke and Lee):

T(ºK): 293 298 303Do(m2/s): 2,22 10-5 2,29 10-5 2,35 10-5

A equação de Penman é a mais conservadora (estima um maior valor para D).

CaptaçãoUm dos problemas principais que se põe durante a captação é o cálculo do caudal óptimo de extracção. Este não deverá ser tão elevado que provoque infiltração de ar no interior do aterro (com consequente diminuição do poder calorífico do biogás e do perigo de se formarem misturas explosivas), nem tão baixo que permita perdas por difusão significativas ao longo do período de exploração.

Empiricamente encontrou-se que o caudal óptimo será o equivalente a:

1,55 10-3 m3N (bio)/(s)(metro de profundidade)

Assim para um aterro de profundidade média H (m) o caudal por poço Qp deverá ser:

Qp=1,55 10-3.H m3N(bio)/s (16)

A obtenção deste caudal por sucção através dos resíduos provoca uma depressão que se atenua com a distância radial; considera-se o raio de acção dum poço, ou a sua zona de influência, como a distância à qual a depressão não excede -2,54 cm de coluna de água.

Nestas condições pode mostar-se que o valor do raio R depende do caudal Qp segundo a equação:

R Q Qp p 12 46 2117 1330 8

, . .( . ),

m (17)

36

Page 37: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

Pode agora calcular-se, a partir de Qp e de R, o caudal total QT de biogás captado em todos os poços do aterro, desde que conheça a área total S1 e a disposição geométrica relativa dos poços. Para uma disposição em malha triangular pode mostrar-se que o caudal total é dado por:

Q QS

RT p 0 385 1

2, . m3N(bio)/s (18)

O número de poços será obviamente dado por:

NQ

Q

S

RT

p

0 385 12,

(19)

Calculemos agora o volume cumulativo de biogás captado. Seja X (h/dia) o período de bombagem diário para captação; o volume total (cumulativo) de metano captado ao fim dum tempo t (ano) será dado por:

V t XCH

Q tM C T, ( ) , . .(% )

.1 314 10100

6 4 m3N(CH4) (20)

Esta equação relaciona 3 parâmetros operacionais: X, QT e t. Conhecidos dois deles pode

calcular-se o terceiro.

O tempo de vida de exploração do gás de aterro corresponde ao período em que o volume de gás captado, eq (20), se tornou igual ao volume de gás acumulado (ou recuperável) no interior, eq (14); ou seja, quando:

VM,C (d+) = VM,R (d+) (21)

Notando que a eq (14) é da forma:

V d eM R,.( ) . (22)

a eq(21) pode escrever-se:

1 31410100

6 4, . .(% )

. . .XCH

Q eT

(23)

Esta equação permite calcular um dos parâmetros operacionais: X, QT e , desde que

conhecidos os outros dois. Geram-se assim alguns cenários possíveis, dos quais se destacam os do quadro anexo.

Operação X(h/dia)

QT

(m3N/s)

ou VM,C() Cenário

QT óptimo ? A

Contínua 24 QT não óptimo ?

37

Page 38: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

? ou VM,C() B? QT

óptimo ou VM,C() C

Descontínua X ? D

Cenário A=Calcula a duração (e o volume recuperado) da extracção gasosa, ao caudal óptimo (operação contínua)Cenário B=Calcula o caudal (não óptimo) para uma duração especificada (operação contínua)Cenário C=Calcula o período de bombagem ao caudal óptimo, para uma duração especificada (operação descontínua)Cenário D=Calcula a duração (e o volume recuperado) ao caudal óptimo e para um período de bombagem X (h/d) especificado

(i) Graficamente a intersecção da recta de captação, VM,C(t) dado pela (eq. (20)), e a curva de recuperação, VM,R(d+t) dado pela eq.(22) deverá permitir calcular ou o período de bombagem diário (X), ou a duração da exploração gasosa do aterro (, ou o correspondente volume total extraído do aterro quando se atingiu a exaustão, VM,R(d+)), ou o caudal óptimo QT

, de acordo com os cenários referidos.

(ii) Analiticamente a eq (23) pode ser resolvida em ordem a qualquer dos parâmetros (ou VM,R (d+) ), X ou QT

, conforme o cenário escolhido.

-Cenários A e D: calcular para X e QT especificados.

Neste caso é necessário resolver a eq (23) por um processo iterativo. Um dos algoritmos convergentes possíveis é:

calculadoarbitrado

T

e

X CH Q

arbitrado

100

1 314 4

.( . . )

, . .(% ).

.

(24)

Se partir dum dado valor arbitrado arbitrado para o tempo (duração da extracção), pode calcular-se uma estimativa mais correcta calculado, através da eq.(26); este valor pode usar-se como novo valor arbitrado na iteracção seguinte. O processo é repetido sucessivamente até que a diferença (arbitrado -calculado) seja tão pequena quanto o desejado.

Os casos dos Cenários B e C são de resolução directa, como se mostra a seguir.

-Cenário B: calcular QT para X e especificados.

Neste caso a solução da eq (23) dá:

Qe

X CHT

100

1 3141064

.( . . )

, . . .(% ).

.

(25)

-Cenário C: calcular X para QT e especificados.

Neste caso a solução da eq (23) dá:

38

Page 39: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

Xe

Q CHT

100

1 3141064

.( . . )

, . . .(% ).

.

(26)

Nomenclatura

C1, C2=fracção molar de CH4 nos resíduos, no topo e no fundo envolvente do aterro, respectivamente (C1 0,015 e C2 0,5)D=coeficiente de difusão de CH4 no solo adjacente aos resíduos, m2/sDo=coeficiente de difusão de CH4 no ar (Do 0,23 10-4 a 298 K), m2/sd=tempo de vida dum aterro, ano K=constante de velocidade de degradação dos resíduos nas condições de aterro (K0,07 a 298 K), ano-1

L=altura de terreno da cobertura final de topo, mM=taxa de deposição de resíduos, t/ano

Qp, QT =caudal volumétrico de biogás por poço, total, respectivamente, m3N(bio)/s

S1,S2=áreas de topo e fundo envolvente dum aterro, respectivamente, m2

T=temperatura média dos resíduos, ºKt=tempo contado a partir do encerramento do aterro, anote=tempo que demora a atingir o equilíbrio de difusão de CH4 no fundo do aterro (4,32 107), sV=volume de gás, m3NX=período de bombagem diária de gás, h/dia=porosidade do solo adjacente aos resíduos (0,30)=tempo de exaustão do volume de gás do aterro por captação forçada

Subscritos

B=biogásC=captado

M=metanoP=produzidoR=recuperado

39

Page 40: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

VARIÁVEL FÓRMULA DE CÁLCULO

VM,P (d+t) V d tCH

M V T de

eeM P B P

K d

KK t

, , (max)

( ).( )

(% ). .( , . , ). ( ).

4

1

1000 014 3542 1

1

1

VM,D ( d+t ) VM,D ( d+t ) =V1 (d+t) + V2 ( d +t )

V d t CD

LS d

d

ii t

V d t CD

tS d

d

it

eq

17

1 1

27

2 2

3 154 102

3 154 102

1

( ) , . . ( )

( ) , ..

. . ( )

D=0,66..Do

VM,R (d + t )=VM,P (d+t)- VM,D (d+t)ou:

V d t t eM Rt

,.( ) .

VM,C (d + t ) V t XCH

Q tM C T, ( ) , . .(% )

.1 314 10100

6 4

N Q Q

Q QS

R

R Q Q

Q H

T p

T p

p p

p

/

, .

, .( . )

, . .

,

0 385

12 46 2117 133

1 5510

12

0 8

3

VM,R (d +)= VM,C (d +) No ponto de exaustão (tempo) :

1314 10100

6 4, . .(% )

. . . . XCH

Q eT

40

Page 41: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

1314 10100

6 4, . .(% )

. . . . XCH

Q eT

calculadoarbitrado

T

e

X CH Q

arbitrado

100

1314 4

.( . . )

, . .(% ).

.

Qe

X CHT

100

1 3141064

.( . . )

, . . .(% ).

.

Xe

Q CHT

100

13141064

.( . . )

, . . .(% ).

.

41

Cenários A e D

Cenário B

Cenário C

Page 42: Aterro sanitário de RSU- Processos, tecnologias e impactos

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