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MARIANA CRISTINA PEDRASSA IDENTIDADE CULTURAL NO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NA REDE MUNICIPAL DE VINHEDO CAMPINAS 2018 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Educação

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MARIANA CRISTINA PEDRASSA

IDENTIDADE CULTURAL NO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO

INFANTIL NA REDE MUNICIPAL DE VINHEDO

CAMPINAS 2018

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Educação

MARIANA CRISTINA PEDRASSA

IDENTIDADE CULTURAL NO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO

INFANTIL NA REDE MUNICIPAL DE VINHEDO

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientadora: PROFA. DRA. GABRIELA GUARNIERI DE CAMPOS TEBET

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DE DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA MARIANA CRISTINA PEDRASSA E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. GABRIELA GUARNIERI DE CAMPOS TEBET

CAMPINAS 2018

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

IDENTIDADE CULTURAL NO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

NA REDE MUNICIPAL DE VINHEDO

Autora: Mariana Cristina Pedrassa

COMISSÃO JULGADORA:

Profa Dra Gabriela Guarnieri de Campos Tebet Profa Dra Andrea Braga Moruzzi Profa Dra Joseane Maria Parice Bufalo Profa Dra Maria do Carmo Martins

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

2018

DEDICATÓRIA

Dedico à educação que mudou a minha vida. Ser professora é um modo de estar no mundo, buscando nos encontros cotidianos ações que gerem uma sociedade mais igualitária. Às crianças que trazem o novo e reiniciam um novo tempo. Aos educadores que escolheram a educação como um caminho de reinvenção e resistência.

AGRADECIMENTOS

Bernardo: pelo amor puro, intenso e verdadeiro. Você me inspira a querer ser mais do que fui até hoje!

Obrigada pelo olhar de descoberta e pelo encantamento frente ao novo!

Vera e Nilton: pelo amor infinito e apoio incondicional. Vocês me ensinaram a ser autêntica e a lutar pelos meus sonhos.

Obrigada por caminharem comigo em todos os momentos.

Matheus, Natália, Manuela e Laura: pelo amor familiar. Vocês confiaram na minha vitória.

Obrigada pela cumplicidade e amor.

Eduardo: pela contribuição teórica e pelas inúmeras leituras do texto.

Você me inspirou com sua trajetória e potencializou a minha escrita. Obrigada pelos comentários e conversas incessantes, mesmo quando soava

desagradável, me impulsionava a superar as minhas dificuldades.

Aos meus amigos, em especial aos que participaram da minha defesa: pelo apoio e pela escuta atenta.

Vocês me incentivaram e contribuíram com a minha pesquisa. Obrigada pela alegria, tristeza e dores compartilhadas.

Andrea Moruzzi, Maria do Carmo Martins, Silvio Gallo e Joseane

Bufalo: pela prontidão, humildade e ensinamento. Vocês me ajudaram a alinhavar o texto com os seus saberes.

Obrigada por participarem com tanta dedicação das minhas bancas (de qualificação e defesa).

Gabriela Tebet: pela confiança.

Você acreditou em mim e me ensinou o caminho árduo da vida acadêmica.

Obrigada pelos encontros e pelos ensinamentos!

RESUMO

Investigamos o currículo na Educação Infantil do município de Vinhedo/SP perguntando: que identidades culturais o currículo pretende produzir? Para isso, analisamos discursos sobre o currículo em materiais extraídos do Facebook da Secretaria de Educação (Cidade Educadora) e documentos disponíveis no site da Prefeitura Municipal de Vinhedo. Estes discursos foram analisados quantitativa e qualitativamente. Foram apresentadas numericamente em gráficos e tabelas as principais questões (categorias de análise) identificadas nos dados estudados e analisamos o material coletado contando com um software específico para este tipo de pesquisa: o N-Vivo. A análise foi realizada sobretudo a partir de um diálogo com autoras como Barbosa (2006; 2008), Ostetto (2013), Oliveira (2010), Abramowicz (1999) e Finco (2015), no que diz respeito à Educação Infantil e seu currículo. Também mobilizamos o conceito de currículo (SILVA, 1999; 2010; 2014) e identidade cultural (HALL, 2015 e 2003). Observamos que a Secretaria de Educação implementou políticas públicas no município baseadas em uma gestão educacional empresarial, ao invés de democrática. Constatamos uma tentativa de aproximação com as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil, ao considerar o conceito de criança e o papel das interações e brincadeiras no processo educativo, no entanto o modo como o documento estrutura a rotina da Educação Infantil mostra um grande contrassenso em relação a essas diretrizes. Ao analisar os registros das práticas, observamos que predominam atividades baseadas em datas comemorativas e projetos pedagógicos definidos pela Secretaria de Educação. A instituição impõe a realização de atividades nos Centros de Educação Infantil, desconsiderando o Projeto Político Pedagógico da unidade e suas especificidades. Muitas vezes as atividades são muito distantes das ações e das temáticas desenvolvidas nas instituições, ficando desvinculadas do trabalho pedagógico local. O trabalho é centrado no adulto e privilegia conteúdos programáticos, focando em resultados e não em processos. Deste modo, as crianças muitas vezes ficam invisibilizadas. As práticas curriculares analisadas mostram que o currículo da Educação Infantil de Vinhedo (re)produz a identidade hegemônica, cristalizando-a cada vez mais em nossa sociedade: trata-se da identidade do homem, adulto, branco, cristão, heterossexual e europeu. Ou seja, o currículo da Educação Infantil do município de Vinhedo afirma as identidades hegemônicas e apaga as culturas das minorias.

Palavras-chave: identidade cultural; currículo; Educação Infantil e Cidade Educadora.

ABSTRACT

We investigated the curriculum in Early Childhood Education in the city of Vinhedo /

SP asking: what cultural identities does the curriculum intend to produce? For this,

we analyzed discourses about the curriculum in materials extracted from Facebook of

the Education Secretariat (Educating City) and documents available on the website

of the Municipality of Vinhedo. These discourses were analyzed quantitatively and

qualitatively. They were numerically presented in graphs and tables (analysis

categories) identified in the studied data and we analyzed the collected material with

specialised software for this type of research: N-Vivo. The analysis was carried out

mainly from a dialogue with authors such as Barbosa (2006; 2008), Ostetto (2013),

Oliveira (2010), Abramowicz (1999) and Finco (2015), with regard to Early Childhood

Education and its curriculum. We also mobilized the concept of curriculum (SILVA,

1999, 2010, 2014) and cultural identity (HALL, 2015 and 2003). We observed that the

Education Secretariat implemented public policies in the municipality based on a business

management education, rather than a democratic one. We find an attempt to approach

the Curricular Guidelines for Early Childhood Education, when considering the concept of

child and the role of interactions and games in the educational process, however the way

the document structures the routine of Early Childhood Education shows a great

contradiction in relation to these guidelines. When analyzing the records of practices,

we observed that activities based on commemorative dates and pedagogical projects

defined by the Education Secretariat predominate. The institution imposes the

accomplishment of activities in the Early Childhood Education Centers, disregarding

the Pedagogical Political Project of the unit and its specificities. Often the activities

are very distant from the actions and the themes developed in the institutions, being

disconnected from the local pedagogical work. The work is adult-centered and

privileges programmatic contents, focusing on results not on processes. In this way,

children often become invisible. The curricular practices analyzed show that the

curriculum of the Early Childhood Education in Vinhedo (re) produces the hegemonic

identity, crystallizing it more and more in our society: it is the identity of the man, adult,

white, Christian, heterosexual and European. That is, the curriculum of Early Childhood

Education in the municipality of Vinhedo affirms hegemonic identities and erases minority

cultures.

Keywords: cultural identity; curriculum; Early Childhood Education and Educating

City.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Grade curricular da Educação Infantil de Vinhedo ........................... 61

Tabela 2: Palavras mais usadas nas publicações ............................................ 66

Tabela 3: Agrupamento das crianças nas turmas ............................................ 74

Tabela 4: Semanas comemorativas ................................................................. 77

Tabela 5: Frequência das publicações com a palavra “atividade” .................... 82

Tabela 6: Datas comemoradas entre 2015 e 2016 ........................................ 103

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Pessoas ........................................................................................... 69

Gráfico 2: Objetivos das ações pedagógicas ................................................... 72

Gráfico 3: Local das instituições e formas de nomeá-las ................................. 73

Gráfico 4: Publicações em que aparece a palavra “semana” ........................... 76

Gráfico 5: Categorização das publicações com a palavra “semana” ................ 76

Gráfico 6: Publicações com a palavra “atividade” ............................................ 79

Gráfico 7: Função da palavra “atividade” nas publicações ............................... 80

Gráfico 8: Frequência das publicações com a palavra “atividade” ................... 81

Gráfico 9: Concentração de publicações com a palavra “atividade” ................. 83

Gráfico 10: Categorização das publicações com a palavra “projeto” ............... 85

Gráfico 11: Projetos municipais ........................................................................ 87

Gráfico 12 Projetos dos Centros de Educação Infantil ..................................... 95

Gráfico 13: Projetos das turmas ....................................................................... 98

Gráfico 14: Projetos municipais ...................................................................... 100

Gráfico 15: Comparação entre a quantidade projetos municipais e outros projetos ............ 100

Gráfico 16: Publicações entre 2015 e 2016 ................................................... 101

Gráfico 17: Datas comemoradas entre 2015 e 2016 ...................................... 103

LISTA DE SIGLAS

AICE – Associação Internacional das Cidades Educadoras

BNCC – Base Nacional Comum Curricular

CEI – Centro de Educação Infantil

CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária)

CF – Constituição Federal

Consed – Conselho Nacional de Secretaria Estaduais de Educação

DCNEI – Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação

PPP – Projeto Político Pedagógico

RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: IDENTIDADE CULTURAL E CURRÍCULO ........................... 13

1. VINHEDO E SUAS POLÍTICAS PÚBLICAS ............................................... 25

1.1 POLÍTICAS PÚBLICAS CONTEMPORÂNEAS ........................................................... 26

1.2. VINHEDO: UMA CIDADE EDUCADORA? .............................................................. 37

2. ANÁLISE DOS DOCUMENTOS CURRICULARES .................................... 47

2.1 DOCUMENTOS CURRICULARES: DEBATE NACIONAL ........................................... 48

2.2 DOCUMENTO CURRICULAR: DEBATE MUNICIPAL ................................................ 57

3. ANÁLISE DAS POSTAGENS DA PÁGINA CIDADE

EDUCADORA (VINHEDO) .......................................................................... 65

3.1 ANALISANDO ALGUNS TERMOS ....................................................................... 66

3.2 ANÁLISE DAS POSTAGENS: MODELOS DE PLANEJAMENTO .................................. 75

3.2.1 SEMANAS COMEMORATIVAS ............................................................................ 76 3.2.2 ATIVIDADES ...................................................................................................... 79 3.2.3. PROJETO .......................................................................................................... 84

3.3 ANÁLISE DAS POSTAGENS SOBRE ATIVIDADES COMEMORATIVAS ...................... 101

3.3.1 MANIFESTAÇÕES CULTURAIS: FESTAS E DATAS RELIGIOSAS ............................. 104 3.3.2 ESPÍRITO NACIONAL E FORMAÇÃO DE CIDADÃOS CONSCIENTES ........................ 108 3.3.3 ATIVIDADES FUNDAMENTAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL ................................... 113 3.3.4 COMEMORAÇÕES REFERENTES AOS MEMBROS DA FAMÍLIA .............................. 115

3.4 IDENTIDADES CULTURAIS: O DITO E O NÃO-DITO ........................................................... 118

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 123

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 126

ANEXOS ........................................................................................................ 131

ANEXO 1: EDITAL DO CONCURSO PARA AUXILIAR DE EDUCAÇÃO INFANTIL ................ 132

ANEXO 2: FOLDER DA SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA DO ANO 2015 ................... 133

ANEXO 3: FOLDER DA SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA DO ANO 2016 ................... 134

13

INTRODUÇÃO: IDENTIDADE CULTURAL E CURRÍCULO

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Investigamos o currículo na Educação Infantil do município de

Vinhedo/SP1. O interesse pelo assunto foi despertado por estudos, formações e

debates na instituição em que fui coordenadora pedagógica2 e em reuniões com a

assessoria pedagógica3 da Prefeitura Municipal do referido município. Ao estudar as

Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEI) de 2009, as

consultas públicas4 e textos de autores que discutem a Educação Infantil e suas

peculiaridades, passei a questionar a antecipação da escolarização (realização de

práticas do Ensino Fundamental), a fragmentação do currículo em áreas do

conhecimento (como português, matemática, artes etc.) e a falta de autonomia dos

docentes (a Secretaria de Educação determina unilateralmente práticas curriculares

cotidianas fundamentais dos Centros de Educação Infantil – CEIs).

Iniciei esta pesquisa querendo provar a discrepância entre a proposta das

DCNEI (2009) e os documentos curriculares municipais e práticas cotidianas dos

educadores5. Passei a compreender, a partir dos estudos das teorias do currículo,

que as leis curriculares expressam a visão de mundo de determinados grupos

sociais, especialmente os dominantes. No currículo se

1 O município de Vinhedo, pertencente à região metropolitana de Campinas, tem uma população de

63.685 habitantes, o IDH de 0,817 e o IB per capita de 71.364,01. A rede municipal de ensino atendia, em 2013, 10.192 crianças, jovens e adultos, sendo que 2.918 crianças frequentavam seus 20 Centros de Educação Infantil (Dados do IBGE 2008, 2010 e INEP).

2 Centro de Educação Infantil “Tia Anastácia” (Vinhedo/SP).

3 É um grupo formado por quatro professoras, que se afastaram das suas funções para ministrar

cursos e palestras para auxiliares de Educação Infantil, professores e gestores.

4 O Ministério da Educação elaboraria orientações para a implementação das DCNEI, conforme previsto

no texto das diretrizes. Diante disso, a Secretaria de Educação Básica, através da Coordenação Geral de Educação Infantil, elaborou as Consultas Públicas, com consultoria técnica especializada, sobre diferentes temas pertinentes às práticas pedagógicas da Educação Infantil.

5 Mesmo sabendo que a maioria dos educadores são mulheres, utilizamos o sujeito no masculino, pois

acreditamos que o CEI é um espaço em que profissionais de ambos os sexos podem exercer a docência. Fizemos essa opção para não perpetuar a concepção de que é preciso ter instinto materno para ser profissional da Educação Infantil, considerando a mulher como naturalmente preparada para cuidar de crianças pequenas. E sabemos que, para termos Educação Infantil de qualidade, é necessário ter profissionais bem formados academicamente, indiferentemente do sexo.

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entrecruzam práticas de significação, de identidade social e de poder. É por isso que o currículo está no centro dos atuais projetos de reforma social e educacional. Aqui se trava lutas decisivas por hegemonia, por predomínio, por definição e pelo domínio do processo de significação. Como política curricular, como macrodiscurso, o currículo tanto expressa as visões e os significados do projeto dominante quanto ajuda a reforçá-las, a dar-lhes legitimidade e autoridade (SILVA, 2010, p.29).

O currículo não é neutro e desinteressado. Pelo contrário, está relacionado ao

que somos / nos tornaremos, “nele se entrecruzam domínio, regulação e governo; mas

nele também pessoas, forças e objetos se encontram, conquistam, produzem,

revitalizam” (PARAÍSO, 2006, p.1). Nesse sentido, as relações de poder não são externas

e não podem ser alforriadas: são essenciais às relações de significação do currículo. E o

seu efeito é a produção de identidades culturais6, mas não como objeto acabado (já que

são sempre construídas e reconstruídas constantemente).

Percebi que o currículo contribui para a formação das identidades culturais dos

sujeitos, e esta constatação mudou minha pesquisa. Os objetivos passaram a ser:

● Analisar a proposta pedagógica do município de Vinhedo e as postagens da página do Facebook mantida por sua Secretaria de Educação do município7, identificando as identidades culturais que o currículo pretende produzir;

● Identificar quais discursos sobre Educação Infantil, infância e currículo emergem da análise dessas postagens e quais identidades culturais pretendem produzir; e

● Analisar o modo como o município de Vinhedo se coloca frente ao debate atual sobre o currículo da Educação Infantil.

As questões que orientam a pesquisa foram definidas da seguinte forma:

Questão principal: que identidades culturais o currículo da Educação Infantil de Vinhedo pretende produzir?

Questões secundárias: quais discursos sobre Educação Infantil, infância e currículo emergem nas postagens da Secretaria de Educação em sua mídia social oficial? Qual a posição adotada pelo município de Vinhedo no que diz respeito ao debate sobre o currículo da Educação Infantil?

6 Para Silva (2010) as identidades culturais são as definições de um grupo social sobre si mesmo, ou

como outros grupos os definem. São hierarquizadas em um processo de significação cultural e social; portanto, a identidade e a diferença não são produtos da natureza. “Por meio do processo de significação construímos nossa posição sujeito e nossa posição social, a identidade cultural e social de nosso grupo, e procuramos construir as posições e as identidades de outros indivíduos e de outros grupos” (SILVA, 2010, p.21).

7 Cidade Educadora (Facebook). Disponível em https://goo.gl/oC91xa. Acesso em 11/07/2017.

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Para tratar nossas questões, é imprescindível compreender o que é

identidade cultural: o conceito envolve “aqueles aspectos de nossas identidades que

surgem de nosso ‘pertencimento’ a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e,

acima de tudo, nacionais” (HALL, 2015, p. 9). Ou ainda, como nos diz Silva (2010, p.

47): é “aquilo que o grupo tem em comum é resultado de um processo de criação de

símbolos, de imagens, de memórias, de narrativas, de mitos que “cimentam” a unidade

de um grupo, que definem sua identidade”. Todos estes elementos, portanto,

compõem o que estamos denominando como identidade cultural.

A diferença e a identidade são processos intrínsecos e não-naturais,

construídos nas e pelas representações. Entendemos a representação como um

processo cultural, que determina as identidades pessoais e coletivas. “Os discursos e os

sistemas de representação constroem os lugares a partir dos quais os indivíduos podem

se posicionar e a partir dos quais podem falar” (WOODWARD, 2014, p.18).

Nesta perspectiva a identidade é uma construção social e simbólica: a

marcação simbólica é o meio pelo qual lhe atribuímos sentido na prática, e pode ser

compreendida como os sistemas representacionais que marcam a diferença (língua,

bandeira etc). As relações sociais determinam quem são incluídos e quem são

excluídos. Conforme Silva (2014, p. 91):

Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade. É por isso que a representação ocupa lugar tão central na teorização contemporânea sobre a identidade e os movimentos sociais ligados à identidade. Questionar a identidade e a diferença significa, nesse contexto, questionar os sistemas de representação que lhe dão suporte e sustentação.

Para Woodward (2014) o nível psíquico é outro elemento que compõe a

identidade, juntamente com o simbólico e o social, e está relacionado à nossa

identificação pessoal. Com a psicanálise, compreendemos que a dimensão psíquica

funciona de acordo com a sua própria lógica, e que é importante o papel do desejo

no processo de construção da identidade. Com este aporte teórico é possível

entendermos porque o sujeito assume e investe em uma determinada identidade,

muito distante do pensamento consciente do sujeito racional.

Segundo esta mesma autora, outro fator importante para compreendermos a

identidade cultural é o essencialismo, que é fundamentado, de um lado, em fatores

históricos (a história é construída como uma verdade inabalável) e, de outro, em

fatores biológicos (que tendem a ser vistos como algo natural e inquestionável).

17

Silva (2014) argumenta que os fatores biológicos também são culturais e históricos

pois são, antes de tudo, interpretados socialmente. Sendo assim, “todos os

essencialismos nascem do movimento de fixação que caracteriza o processo de

produção da identidade e da diferença” (SILVA, 2014, p. 86).

A identidade e a diferença estão intrinsecamente ligadas à classificação

das identidades na sociedade, ou seja, os indivíduos são socialmente classificados

(brancos / negros, homem / mulher etc) e hierarquizados; há sempre, pois, relações

de poder envolvidas. São as relações de poder que determinam quais são as

identidades “normais” (“naturais”, desejáveis, “únicas”) e “anormais” (negativas,

indesejáveis, “antinaturais”).

Para Stuart Hall (2015), a partir do final do século XX ocorreu uma

transformação social que está fragmentando as identidades de gênero, raça,

sexualidade, etnia e nacionalidade. Este período é chamado de modernidade tardia,

a globalização é um processo de mudança das relações importante neste momento.

Segundo Hall (2015, p.12) estas são “sociedades de mudança constante, rápida e

permanente”, mas também uma forma de vida altamente reflexiva. Isso provoca um

abalo na nossa identidade pessoal, uma “descentração dos indivíduos tanto de seu

lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos - constitui uma ‘crise de

identidade’” (HALL, 2015, p.10). Esse processo produz o sujeito pós-moderno, cuja

identidade é móvel: é construída e transformada constantemente pela maneira como

somos representados e influenciados pelas relações culturais que estabelecemos. O

sujeito constitui identidades diferentes em diferentes situações, não tem sua

identidade centrada em apenas um “eu”. É diferente da identidade do sujeito do

Iluminismo, que “estava baseada numa concepção da pessoa humana como um

indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de

consciência e de ação, cujo o ‘centro’ consistia num núcleo interior, que emergia

pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia” (idem, p.10).

No contexto da modernidade tardia, a cultura nacional, que é uma das fontes

principais das identidades culturais, é fortemente afetada. As fronteiras territoriais se

tornam fluidas, aumentando a tensão entre a identidade nacional (costumes, histórias,

lugares, eventos particulares etc) e a identificação é universal (relacionada a toda a

humanidade). No entanto, segundo Hall (2015), parece improvável que a globalização

vá destruir as identidades nacionais. É mais provável que ela produza,

simultaneamente, novas identificações globais e locais. Já para Woodward (2014), a

18

homogeneização da cultura promovida pela globalização pode levar ao

enfraquecimento da identidade local, mas também pode provocar o fortalecimento das

identidades nacionais ou o surgimento de novas, através de um movimento de

resistência que luta pela afirmação das posições locais e étnicas.

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com as quais poderíamos nos identificar a cada uma delas – ao menos temporariamente (HALL, 2015, p.12).

É exigido do sujeito pós-moderno assumir diferentes papéis sociais, em

diferentes momentos e em diferentes lugares. Estas posições podem entrar em

conflito. Para Woodward (2014), é na modernidade tardia, a partir dos anos 1960, no

ocidente - principalmente após 1968 pela rebelião estudantil pela luta dos direitos civis

- que emergiram novos movimentos sociais preocupados em afirmar a identidade de

pessoas pertencentes a grupos marginalizados e oprimidos. O foco era questionar o

essencialismo da identidade e a rigidez compreendida como algo natural. Para Silva

(2010) os novos movimentos sociais reivindicam o acesso à representação, e também

desejam o direito de controlar o processo de sua representação:

Novas identidades sociais emergem, identidades reprimidas se rebelam, se afirmam, colocando-se em questão, deslocando, a identidade unificada e centrada no indivíduo moderno: Macho, branco e heterossexual... Mudança estruturais alteram radicalmente a paisagem cultural em que essa identidade reinava soberana, assentada numa localização aparentemente firme e segura. Essa localização é abalada, essa identidade hegemônica entra em crise (SILVA, 2010, p. 27).

Considerando que o currículo organiza e produz identidades culturais,

queríamos saber se a identidade unificada e centrada no homem moderno foi

alterada, já que estas relações estão sendo vivenciadas em nossos tempos. Se a

identidade hegemônica está em crise, quais identidades ocupam este lugar? Ou, mais

especificamente: quais identidades culturais o currículo da Educação Infantil em

Vinhedo/SP pretende produzir: a identidade unificada e centrada no homem moderno

ou as identidades reprimidas que se revelam na modernidade tardia? Sabemos que

elas coexistem, e que é impossível produzir apenas a identidade hegemônica, porém

também é impossível a inexistência de traços da identidade unificada do homem

19

moderno. Assim as práticas curriculares podem contribuir para desmontar esta

identidade hegemônica, ou tentar reverter a crise desta identidade e buscar

cristalizá-la cada vez mais em nossa sociedade.

Para Silva (2014, p. 84), a produção de identidade se alterna em duas

ações: “de um lado, estão aqueles processos que tendem a fixar e a estabilizar a

identidade; de outro, os processos que tendem a subvertê-la e a desestabilizá-la.”

Sendo assim, a identidade é propensa à estabilização, mas ela está sempre passando

por processos de desestabilização.

Presos a uma maquinaria que produz sujeitos, e atropelados pelas tarefas

cotidianas, muitos educadores8 não param para pensar o que a educação nos CEIs

produz nos indivíduos. Então, este estudo mostra como determinadas práticas

(naturalizadas ou não) afetam a produção de identidades culturais.

Como já dissemos, consideramos a cultura e o currículo como produtos

de relações sociais de poder, assimétricas e hierarquizadas. E não são artefatos

acabados, mas produção e invenção, em constante modificação.

Desde sua gênese como macrotexto de política curricular até a sua transformação em microtexto de sala de aula, passando por seus diversos avatares intermediários (guias, diretrizes, livros didáticos), vão ficando registrados no currículo os traços das disputas por predomínio cultural, das negociações em torno das representações dos diferentes grupos e das diferentes tradições culturais, das lutas entre, de um lado, saberes oficiais, dominantes e, de outro, saberes subordinados, relegados, desprezados (SILVA, 2010, p. 22).

Escolhemos analisar a página no Facebook da Secretaria de Educação, pois

nela estão registradas práticas que aconteceram nos CEIs. Entendemos que há uma

distinção entre o currículo prescrito, currículo vivido e os registros e a divulgação das

práticas desenvolvidas. O currículo prescrito pode ser compreendido como o

planejamento oficial para o currículo escolar que se traduz no município de Vinhedo por

meio do documento intitulado “Proposta Pedagógica”9. Nacionalmente, podemos

compreender as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e, mais

recentemente, a Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil como

9 Cabe destacar o fato de que esse documento é tradicionalmente conhecido como Proposta Político-

Pedagógica em diversos municípios, mas em Vinhedo o caráter político da prática educativa não figura no título do documento.

20

formas de currículo prescrito. Contudo sabemos que o currículo vivido é mais amplo e

atravessado por um conjunto de elementos que ultrapassam o que estava prescrito.

No que se refere aos registros das práticas desenvolvidas e sua divulgação,

reconhecemos que tais registros revelam apenas uma pequena parte do que foi vivido

efetivamente. Uma parte que é selecionada pela docente para ser evidenciada. Uma

parte da realidade que é editada para ser divulgada. Mas ainda assim, esses registros

evidenciam elementos do currículo vivido que não podem ser desconsiderados. Nesse

sentido, a escolha de trabalhar com os registros produzidos e divulgados pela

Secretaria de Educação em sua página no Facebook visava observar os discursos

produzidos sobre aquilo que foi efetivamente desenvolvido no contexto dos CEIs,

mesmo que isso representasse apenas uma parte do todo.

Esta página recebeu o nome de Cidade Educadora quando foi criada em

julho de 2014. Em outubro de 2017, passou a ser nomeada como Secretaria de

Educação de Vinhedo. Nesta página são postados vídeos, textos e fotos. Grande parte

do material são registros de práticas curriculares elaborados por docentes e pela equipe

gestora das unidades educacionais10. Uma pequena parcela de postagens da

Secretaria da Educação é sobre informes de atividades, eventos, campanhas etc.

Resolvemos utilizar as publicações por serem i) produzidas por diferentes

categorias de profissionais que formam a rede municipal de educação de Vinhedo, ii)

uma forma dinâmica e rápida de disponibilizar as atividades realizadas nos CEIs, iii)

legitimadas socialmente e iv) uma ferramenta digital com grande poder de

abrangência.

As relações de poder entre os sujeitos se materializam nos registros das

práticas publicadas no Facebook, cuja análise nos mostrou que esse espaço não é

participativo em um sentido mais amplo, por ser controlado pela Secretaria de

Educação. Ela é a única administradora da página (os materiais passam pela análise

da equipe responsável e podem sofrer modificações ou não serem publicados).

Desta forma, as postagens constituem um documento cuja análise pode evidenciar

as identidades culturais produzidas / em produção.

10

Nessa dissertação trabalhamos com os discursos de gestores, docentes e auxiliares de Educação Infantil, mas reconhecemos que as crianças também produzem seus discursos sobre o currículo que vivenciam e uma pesquisa sobre os seus discursos seria igualmente interessante. Futuramente pretendemos realizar a pesquisa com as crianças.

21

As três categorias profissionais que participam das práticas pedagógicas

e escrevem as publicações são: i) equipe gestora (diretor, coordenador pedagógico

e gestor de creche), ii) professor de Educação Infantil e iii) auxiliar de Educação

Infantil. Para analisar as publicações é necessário compreender a função, a forma

de provimento e formação acadêmica destas categorias profissionais. Falemos

sobre estes pontos:

i) Equipe gestora

É responsável pelo gerenciamento pedagógico e administrativo do CEI.

Para exercer esse cargo é exigida a licenciatura plena em pedagogia. Os

profissionais são nomeados pelo prefeito, o que pode gerar uma relação de

clientelismo. Grande parte das publicações analisadas foram escritas pela equipe

gestora, e são esses profissionais que as enviam à Secretaria da Educação.

ii) Professores

Admitidos após aprovação em concurso público, são responsáveis por

turmas de crianças de dois anos a cinco anos e 11 meses. Devem planejar, executar

e avaliar as ações educacionais. Segundo os Parâmetros de Qualidade para a

Educação Infantil, “os profissionais que atuam diretamente com as crianças nas

instituições de Educação Infantil são professores e professoras de Educação Infantil”

(BRASIL, 2008, p.38). Porém no município de Vinhedo há também outro tipo de

profissional que atua diretamente com as crianças: os auxiliares.

iii) Auxiliares

Não fazem parte do quadro do magistério municipal: é-lhes exigida

apenas a formação no Ensino Médio. Suas atribuições são as seguintes:

a) atuar nas Unidades Educacionais da Rede Municipal, prioritariamente nas creches, ou nas Unidades Educacionais, que abriguem classes e turmas de Educação infantil; b)responsável pelos cuidados de higiene, alimentação e recreação de crianças de 0 (zero) até 6 (seis), em qualquer modalidade de Unidade Educacional – Creche ou escola de Educação Infantil; b)responsável, como auxiliar dos docentes, pelos cuidados de higiene, alimentação e recreação das crianças na faixa de 3 (três) a 6 (seis) anos, nas Escolas de Educação Infantil ou de Ensino Fundamental, que abriguem classes de Educação Infantil (Lei Complementar n.110, 20/12/2011, grifo nosso).

22

Os auxiliares de Educação Infantil são os únicos profissionais que atuam

com os bebês (zero a dois anos). As crianças de dois a três anos contam, em um

período do dia, com um professor de Educação Infantil. E as crianças de três anos a

cinco anos e 11 meses ficam um período com o professor e, no contraturno, com

auxiliares de Educação Infantil.

Segundo as DCNEI, essa etapa pode ser oferecida em período parcial ou

integral. Não há, portanto, nenhuma referência a um turno regular e um contraturno.

Há, no uso dessa expressão, uma concepção de currículo da Educação Infantil

voltada apenas para o cuidado das crianças, desassociando o cuidar do educar. Para

o poder público municipal isso justifica a falta de exigência de formação acadêmica

para esses profissionais e a remuneração diferenciada. Desta forma, os auxiliares de

Educação Infantil atuam diretamente com crianças, mas não são valorizados e nem

reconhecidos como professores.

Também é importante dizer que os resultados das análises foram obtidos

a partir do que foi publicado; isso não significa que outras práticas não aconteçam

nos CEIs, mas não são visibilizadas na rede social. Para compreender os dados

com maior clareza confrontamos essas análises com as de materiais disponíveis no

site oficial da Prefeitura Municipal de Vinhedo: reportagens e documentos municipais

(proposta pedagógica, leis, decretos etc).

Utilizamos um software específico para pesquisas qualitativas (N-Vivo).

Ele ajuda a organizar, analisar e encontrar informações em dados não-estruturados

ou qualitativos como entrevistas, textos, artigos, mídias sociais e conteúdo web.

Utilizando o N.Capture (uma extensão de navegador da Web) capturamos as

publicações de forma rápida e fácil. O software N-Vivo propiciou a descoberta de

conexões e de novas informações que contribuíram para a análise dos dados, já que

ele disponibiliza um local para agrupar o material (o programa chama esse

agrupamento de nó). Organizamos as informações em categorias de análise, o que

facilita a identificação dos dados. O software também fornece ferramentas que

permitem consultar os dados de modo mais eficiente. Depois que o material foi

separado em nós, analisamos as publicações conforme sua categoria e produzimos

gráficos e tabelas utilizando o Excel.

As análises incidiram sobre 815 referências (a maioria são publicações,

mas há também comentários). Foram selecionadas todas as referências que tinham

em seu corpo de texto as palavras “CEI”, “CEIs”, “C.E.I.”, “C.E.I.s” e “infantil”. A

23

primeira publicação foi no dia 04 de julho de 2014 e, a última, em 21 de outubro de

2016. Recolhemos os dados com o N-Capture em 21 de dezembro de 2016. Não

houve publicações referentes à Educação Infantil durante o período de outubro a

dezembro do referido ano11.

Estes discursos foram analisados quantitativa e qualitativamente. No que diz

respeito à análise quantitativa, foram apresentadas numericamente em gráficos e tabelas

as principais questões (categorias de análise) identificadas nos dados estudados.

Também fizemos uma análise qualitativa do conteúdo do material coletado. De acordo com

Gil (1990, p. 20) esta é “uma técnica de pesquisa sistemática e qualitativa do conteúdo

manifesto das comunicações”. O autor apresenta as três fases a serem realizadas: i) pré-

análise (escolha e formulação das hipóteses), ii) exploração do material (escolha das

categorias de análise) e iii) tratamento dos dados interpretados (procedimentos

estatísticos dos resultados encontrados).

A análise foi realizada sobretudo a partir de um diálogo com autoras como

Barbosa (2006; 2008; 2009), Ostetto (2013), Oliveira (2010), Abramowicz (1999)

Finco (2015) e Fochi (2015), no que diz respeito à Educação Infantil e seu currículo.

Também mobilizamos o conceito de currículo (SILVA, 1999; 2010; 2014) e

identidade cultural (HALL, 2003; 2015).

No capítulo 1 discutimos as políticas públicas realizadas pelo município de

Vinhedo, e pudemos notar que envolvem políticas contemporâneas neoliberais, como o

conceito de Cidade Educadora elaborado (inter)nacionalmente. No capítulo 2 analisamos a

Proposta Pedagógica Municipal, relacionando-a às disputas do currículo na Educação

Infantil em nível Nacional. No capítulo 3 estudamos o panorama das publicações do

Facebook da Secretaria Municipal de Educação: analisamos as marcas das organizações

curriculares mais frequentes (semana, projeto e atividade) e as atividades relacionadas às

datas comemorativas vivenciadas no município.

Iniciamos os capítulos com charges de Francisco Tonucci, um pedagogo

italiano que iniciou sua produção em 1968 e tem mais de 1000 desenhos publicados.

Há alguns que fazem críticas aos modelos de educação e seus profissionais de forma

sátira e cômica. Segundo o autor, a intenção é “olhar o mundo com os olhos das

crianças, dar voz às crianças que normalmente se calam e denunciar em seu nome os

11

Ainda que não tenhamos informações sobre o motivo da suspensão das publicações na rede social durante esse período, convém destacar que outubro de 2016 foi um mês de eleições municipais.

24

erros que nós, os adultos, cometemos com eles” (TONUCCI, 2008, p.vii). Ele é um

educador que pensou sobre as principais questões da Educação Infantil, propondo a

escuta das crianças, considerando-as como produtoras de cultura e não como meras

receptoras de conhecimento.

Outro fato que aproximou Tonucci da nossa pesquisa é sua defesa da

transformação da cidade a partir de meninos e meninas que nela vivem, e que

políticas públicas devem garantir às crianças o direito ao brincar12.

Concordamos com Juan Carlos Tedesco (2008, p.21):

Uma visão superficial do pensamento de Tonucci daria ênfase na centralidade de meninos e meninas ao elaborar políticas sociais, especialmente urbanas. É óbvia que as crianças estão no centro da preocupação, mas os postulados de Tonucci interpelam fundamentalmente os adultos. São eles que devem assumir a responsabilidade de criar as condições para que as escolas, as praças, os museus, os hospitais, as ruas e todos os espaços da cidade, assim como as pautas culturais que orientam sua utilização, estejam definidas por critérios que permeiam às crianças exercerem seu direito a uma infância feliz.

Além do protagonismo infantil, Tonucci também acredita na educação

como experiência, o que retratou inúmeras vezes em suas produções. Ele relata que

os membros da academia, em pareceres, diziam que ele “era muito ligado na

experiência e demasiadamente militante para ser pesquisador” (TONUCCI, 2008,

p.16). Utilizamos, portanto, suas charges para iniciar de forma lúdica e reflexiva as

discussões que realizamos nos capítulos.

12

Essas declarações do autor estão presentes em uma entrevista concedida ao site da AICE (Associação Internacional das Cidades Educadoras). CIDADE EDUCADORA. Disponível em https://goo.gl/8fWtjj. Acesso 15/05/2017.

25

1. VINHEDO E SUAS POLÍTICAS PÚBLICAS

26

1.1 Políticas públicas contemporâneas

A partir do texto de Hofling (2001), compreendemos que as políticas públicas

são produzidas na relação entre Estado e Sociedade, e que sua implementação é feita por

diversos atores que, nas esferas cotidianas, colocam-nas em ação ou as modificam. O

Estado é um conjunto de instituições estáveis, que não compõem necessariamente um

todo semelhante. Já o governo é constituído por projetos e programas estabelecidos para

a sociedade como um todo, a partir de uma visão política em determinado momento.

Quanto à educação, é “uma política social, uma política pública de corte social, de

responsabilidade do Estado” (HOFLING, 2001, p. 31).

Para a autora as políticas sociais, incluindo a Educação, são uma forma

de intervenção do Estado, que visa a conservação das relações sociais de

determinado modelo econômico. No entanto, os projetos e programas não são

implementados automaticamente: sofrem impactos que podem levar a resultados

diferentes do previstos, principalmente as políticas sociais que, na sociedade capitalista,

sofrem intervenções de diferentes relações de poder (HOFLING, 2001). Para tanto,

antes de trazer à baila a concepção de políticas públicas na rede municipal de

educação de Vinhedo, trazemos a definição de Hofling (2001, p. 31):

Políticas públicas são aqui entendidas como o “Estado em ação” (Gobert, Muller, 1987); é o Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade. Estado não pode ser reduzido à burocracia pública, aos organismos estatais que conceberiam e implementariam as políticas públicas. As políticas públicas são aqui compreendidas como as de responsabilidade do Estado – quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de tomada de decisões que envolve órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política implementada. Neste sentido, políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais.

A partir destes conceitos descremos algumas ações implementadas e

vivenciadas no município de Vinhedo nos últimos anos. São elas: i) líderes Brasil: curso

de gestão educacional, ii) avaliações externas e índices de desenvolvimento, iii)

educação empreendedora e iv) parceria público/não-estatal e público/privado. As

ações listadas a seguir nos dão a dimensão do panorama político local:

27

Encontro de Líderes Brasil: gestão educacional

Desde a Constituição de 1988, que estabeleceu o princípio da gestão

democrática, vem havendo uma disputa pela gestão do sistema educacional. De um lado,

os movimentos sociais exigem a participação da população em conselhos e, de outro

lado, há uma pressão pela qualidade e competência da gestão escolar. Arelaro (2007, p.

899) afirma que, para solucionar o problema, os dirigentes públicos estabelecem

“parcerias” público-privado, a partir da lógica de mercado para a gestão da educação,

“gestando um novo e contraditório conceito de eficiência educacional, em que a participação

dos diferentes segmentos da comunidade escolar é dispensada”.

A gestão educacional passa de democrática (com a participação da população

nas decisões) para uma gestão gerencial (focada na maior eficiência e eficácia do sistema).

Segundo Peroni, Oliveira e Fernandes (2009, p. 772) esse modelo toma “como imperativo

a persecução da administração por objetivos em escala organizacional, com fortes

componentes de divisão do trabalho, de racionalidade instrumental e hierarquia estrutural,

com vista à qualidade total do setor educacional”.

O município de Vinhedo, em consonância com essa tendência, ofereceu

em 2014 aos gestores educacionais o curso Encontro de Líderes Brasil, que tinha

como objetivo aumentar a qualidade da educação melhorando o desempenho de

crianças e jovens em exames e competições nacionais.

Vejamos as características desta política na reportagem “Em parceria inédita,

Prefeitura proporciona capacitação de liderança às diretoras de escolas municipais”:

Vinhedo tem se destacado na Região Metropolitana de Campinas como a cidade em que os investimentos municipais em Educação aumentam ano a ano, na mesma proporção da qualidade ofertada aos alunos, comprovado pelos desempenhos em ações como a Prova Brasil, Olimpíadas de Matemática e Informática. E este cenário, neste ano, tem ganho mais um importante investimento. Graças a uma parceria inédita da Secretaria de Educação da Prefeitura de Vinhedo com um grupo de notáveis de ex-alunos da Fundação Getúlio Vargas, semanalmente, como na última sexta-feira, diretoras das escolas municipais e professores da Espaço do Saber (espaço voltado especialmente às formações contínuas dos profissionais do setor educacional municipal) tem participado de encontros focados em capacitações, sob o tema "Encontro de Líderes Brasil", com o objetivo de proporcionar ganhos de qualidade no dia a dia do trabalho, nas escolas municipais, com reflexos ainda mais positivos nos encaminhamos pedagógicos. O secretário de Educação da Prefeitura de Vinhedo, José Luis Bernegossi, que tem acompanhado todos os encontros, lembra que

28

este grupo de ex-alunos comandam, atualmente, grandes corporações e empresas em áreas estratégicas de negócios. "São ex-alunos da FGV que doam seus conhecimentos para ações, como essa, na área pública. Eles compartilham conhecimento, principalmente na área de gestão, para que nossas diretoras possam aperfeiçoar e despertar o espírito de liderança. Ainda, cada uma das diretoras tem um mentor para orientação, que são gestores em alto escalão dessas grandes corporações, que adotam, como padrinhos, nossas diretoras nesse processo de gestão, levando-as para conhecerem seus ambientes de trabalho e, assim, compartilhar experiências de lideranças na prática, trazendo importantes conceitos para serem aplicados em cada uma das nossas unidades de ensino, proporcionado ganhos impressionantes de qualidade na formação dos nossos alunos", reforçou o secretário de Educação, José Luis Bernegossi13.

Essa é uma parceria em que os executivos que oferecem o curso são

voluntários, e impõe ao sistema educacional municipal características da gestão

empresarial. “Em tal lógica, o ensino está sendo destituído da pedagogia da

constatação, da transformação. Nesse lugar caberia agora a pedagogia da

conformação e da consolidação imposta pelo pensamento hegemônico” (PERONI,

OLIVEIRA e FERNANDES, 2009, p. 774). O que muda é que

Nesta nova pedagogia da hegemonia não se pretende historicizar as relações sociais; pelo contrário: busca-se naturalização dos fenômenos para a conciliação social. Para tanto, este projeto educacional hegemônico, descentralizou a gestão de sistema e de unidades escolares, centralizou diretrizes curriculares, elevou a educação à condição de importante indicador econômico e social de forma centralizada, por meio de programas de avaliação larga escala para a educação básica (PERONI, OLIVEIRA e FERNANDES, 2009, p. 773)

Neste trecho observamos como a gestão educacional pública é orientada

pela lógica neoliberalista. “As teorias gerenciais em educação retornam ao debate a

ideia de que o mercado é o padrão referencial para a escola” (PERONI, OLIVEIRA e

FERNANDES, 2009, p. 774). Por isso, o curso foi oferecido por um grupo especialista

em gestão empresarial. Eles aplicam técnicas de negócios, em busca de produtividade e

“resultados” no setor público e educacional.

Nesta mesma reportagem o “mentor” (o executivo que foi o formador no

município de Vinhedo) ressalta que “o nosso foco principal é construir aprendizado para

13

VINHEDO, grifo nosso, disponível em https://goo.gl/1mZ89M. Acesso em 28/12/2017.

29

transformar sonhos em sucesso". Esta frase foi fixada, pelos gestores, em todos os prédios

públicos pertencentes à Secretaria da Educação durante a realização do curso.

14

A frase também foi capa do Facebook da Secretaria da Educação15:

Os Gestores dos CEIs participavam do curso “Lideres Brasil”, depois a

comunidade (pais, alunos, professores e funcionários) era envolvida neste processo. Os

gestores implementavam, nas unidades escolares, as propostas do “mentor”:

14

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE VINHEDO. Facebook. 27/07/2014. Disponível em https://goo.gl/xj9J8G. Acesso em 08/01/2018.

15 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE VINHEDO. Facebook. 17/07/2014. Disponível em https://goo.gl/uvHNv4. Acesso em 08/01/2018.

30

16

No LinkedIn “Líderes Brasil”, na apresentação, está escrito que o sonho da

organização é transformar as vidas de um milhão de brasileiros, através de uma

educação pública de qualidade, para que essas pessoas realizem seus sonhos

profissionais. Para isso, desenvolvem um projeto que prepararia os diretores para

liderarem a comunidade escolar a obter resultados medidos por três indicadores:

Prova Brasil, Saresp e índice de reprovações de alunos.

A intenção era que a comunidade escolar tomasse consciência dos seus

sonhos, e acreditasse que sua realização dependeria dos seus esforços. Esse

empenho seria medido nas avalições oficiais, o que poderia melhorar os índices

educacionais do município. A avaliação e competição são vistos de uma forma sadia,

estimulariam as crianças e os adolescentes a se dedicarem ao estudo. Nestas

condições o Estado exerce controle sobre o indivíduo, essa maquinaria o transforma

em sujeitos. Para Foucault (1995, p.235) há dois significados para sujeito: “sujeito a

alguém pelo controle e dependência, e preso à sua própria identidade por uma

consciência ou autoconhecimento”. Com a naturalização destas avaliações o sujeito

se autorregula na busca de “melhores resultados”. Então, quais identidades culturais

pretende-se produzir com estas avaliações?

Avaliações externas e Índices de desenvolvimento

Há no site da Prefeitura de Vinhedo e no Facebook da Secretaria da

Educação inúmeras reportagens sobre o desempenho do município: avaliações

nacionais e estaduais, torneios de conhecimentos e índices de desenvolvimento.

São apresentados à população como prova da qualidade da educação pública.

16

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE VINHEDO. Facebook. 27/07/2014. Disponível em https://goo.gl/HAbQSG. Acesso em 08/01/2018.

31

O prefeito Jaime Cruz, durante uma reunião com os gestores escolares, disse:

“estive por muitos anos à frente da Secretaria de Educação e sei da responsabilidade de

vocês, mas tenho certeza que se empenharão para que possamos melhorar cada vez mais

os nossos índices”17. Assim, a educação democrática preconizada no artigo 26 da LDB18,

em que a qualidade da educação era pautada em uma reflexão coletiva (com a participação

da comunidade na elaboração do PPP e nos conselhos escolares), passa para uma

educação como modelo único, voltada para melhorar o desempenho dos jovens e das

crianças nas provas externas.

O prefeito Jaime Cruz afirma que “o Saresp é importante para que

possamos traçar estratégias para aprimorar a qualidade do ensino. Valorizamos o

engajamento dos profissionais de ensino de Vinhedo e aos alunos que mostraram

todo seu potencial na avaliação”19. Ainda segundo o prefeito, esta avaliação mede a

qualidade do ensino, o desempenho dos profissionais e o “potencial” dos alunos. Em

contraposição à ideia de excitar o potencial dos alunos como algo positivo, Arelaro

(2007, p.913) afirma que esse modelo “propicia e estimula ‘o melhor de cada’ aluno –

que é seu desejo de vencer –, quaisquer que sejam seus ‘adversários’ mais próximos,

antes chamados de colegas e amigos”. Em relação ao desempenho docente, o papel

do professor, segundo o artigo 13 da LDB, não é preparar para as avaliações

externas. O professor seria incumbido de

:

I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II – elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III – zelar pela aprendizagem dos alunos; IV – estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V – ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.

17

VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/W8ddgu. Acesso em 27/12/2017.

18 Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes 19

VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/ZFSVuM. Acesso em 27/12/2017

32

A LDB preconiza, pois, outra concepção de avaliação, que é confirmada

com mais especificidade no Art. 24, parágrafo V: a “avaliação contínua e cumulativa

do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os

quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas

finais”. Desta forma, podemos afirmar que a avaliação não deveria ter como objetivo

classificar ou selecionar: deveria se fundamentar em aprendizagens significativas e

funcionais, aplicáveis em diversos contextos e atualizadas o quanto for preciso para

que os jovens e as crianças continuem a aprender. Observamos que a concepção

presente na LDB é antagônica à que se vê na prática pedagógica voltada para as

provas externas, nas quais a educação é medida pela quantidade, em detrimento da

qualidade.

Nota-se a porosidade do Estado, porosidade que permite a aderência de

ideias neoliberais na máquina pública. Essa regulação é feita por grupos políticos e

explicita determinada concepção sobre educação. A questão da qualidade, neste

ponto, nos parece também ser objeto de disputa entre os discursos (jurídico, político-

partidário, econômico, pedagógicos etc).

O município também estimula a participação das crianças e jovens em

concursos, torneios, olimpíadas etc, como observamos na reportagem a seguir:

E comprometimento não faltou também aos estudantes de Vinhedo, que se destacaram em importantes torneios do conhecimento de abrangência nacional, como OBA – Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica, Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o Futuro, projeto EPTV na Escola, concurso Estrada para a Cidadania da CCR AutoBan. Outros alunos também foram reconhecidos nos maiores torneios do país, na disciplina de matemática: Olimpíada Paulista de Matemática, OBMEP – Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Um estudante também representou o Brasil na Olimpíada Matemática Rioplatense, que tem caráter internacional e reúne alunos de diversos países.20

A educação visa a competição, baseada em um discurso pautado no

interesse e no comprometimento das crianças e jovens para atingir objetivos da

administração pública. Observamos como estes resultados são utilizados como anúncio

para a população, ainda que isso, por vezes, seja “maquiado”. O exemplo do Índice

Paulista da Primeira Infância (IPPI) é bastante ilustrativo. A tabela do IPPI, publicada

20

VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/e8vR4. Acesso em 28/12/2017.

33

pela prefeitura, mostra Vinhedo no topo da lista da Região Metropolitana de Campinas

(RMC)21, mas... Como esse índice é produzido? Primeiro: por dados quantitativos e não

qualitativos. E é mensurado por duas variáveis: saúde e educação. O resultado de cada

uma destas variáveis é obtido pelo cálculo de outras.

Para a elaboração do IPPI dos municípios, foram incluídos, no tópico da saúde, os percentuais de nascidos vivos com baixo-peso (menos de 2,5 kg) e de partos não cesarianos realizados no SUS, além dos resultados obtidos nas taxas de mortalidade na infância (menores de cinco anos) e de mortalidade por causas evitáveis em menores de um ano. Já na área da educação, foram consideradas as matrículas em creche em relação à população de 0 a 3 anos e em pré-escola em relação à população de 4 e 5 anos. Também foram contabilizados os números médios de docentes com ensino superior para cada 26 crianças e de profissionais por turma, nas creches das redes pública e conveniada22.

Na saúde, o cálculo é feito a partir da taxa de natalidade e partos não-

cesarianos, e pela taxa de mortalidade de crianças entre zero e seis anos. Em 2014,

ano de referência para os cálculos, não havia maternidade, por problemas

administrativos na Santa Casa de Vinhedo!

Na educação, o cálculo é feito a partir do número de matrículas, do número

médio de profissionais e da quantidade de profissionais com curso superior por criança,

incluindo a rede conveniada. E, aqui, esta é a estratégia amplamente difundida por

quase todos os municípios: a base do quadro de profissionais da Educação infantil,

cujo nome pode variar entre "auxiliar", "agente" ou "monitor", é contratada fora do

quadro do magistério e, portanto, o edital de contratação não exige curso superior23.

Como se vê, o número maior ou menor deste índice para educação não advém

totalmente da capacidade administrativa dos municípios: depende em grande medida

do número de profissionais formados em curso superior.

Talvez o IPPI pudesse ser levado um pouco mais a sério em municípios onde

profissionais são contratados com os mesmos direitos dos professores – o que é justo, pois

são igualmente responsáveis pela atividade-fim da creche, isto é, a educação e o cuidado

das crianças – e onde a formação inicial dos profissionais, contratados com formação em

ensino médio, seja considerada como uma política pública.

21

VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/8dtKSb. Acesso em 27/12/2017.

22 VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/8dtKSb. Acesso em 27/12/2017.

23 Ver no Anexo 1 o edital do último concurso para auxiliar de Educação Infantil.

34

Portanto, o índice que mensura a qualidade da primeira infância em

Vinhedo não nos parece confiável, já que desconsidera o que realmente interfere na

qualidade da rede municipal de ensino: o fortalecimento dos conselhos de escola com a

participação efetiva da comunidade, inclusive na construção do PPP em cada unidade

e reconhecimento das instituições de ensino como espaço de formação e não apenas de

transmissão de saberes medida em avaliações ranqueadoras.

Educação Empreendedora

A palavra “empreendedorismo”, tão em moda no nosso século, é

compreendida como a disposição ou capacidade de idealizar, coordenar e realizar

projetos, serviços, negócios, e a iniciativa de implementar novos negócios ou

mudanças em empresas já existentes, com alterações que envolvem inovação e

riscos. No neoliberalismo os sujeitos são chamados a empreender (autogerir): no

discurso neoliberal as tecnologias reduzem os empregos, e caberia a cada um ter

uma ideia inovadora e criativa para ter o seu próprio negócio.

Segundo reportagem divulgada no site municipal24, a prefeitura de

Vinhedo, em parceria com o Sebrae, realiza “ações empreendedoras” no município

desde 2013: em dois anos foram desenvolvidos 27 projetos, em diversas áreas

(inclusive na educação com o Projeto “Jovem Empreendedor”).

Nos últimos anos, a Prefeitura tem trabalhado para transformar Vinhedo em uma cidade empreendedora, por meio de ações realizadas em parceria com o Sebrae – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – de São Paulo que possibilitam a ampliação do mercado de oportunidades, promove a competitividade e a formação do micro e pequeno empreendedor, estimula a formalização de negócios, incentiva a geração de emprego e renda e reduz a burocratização25.

O projeto “Jovem Empreendedor” é realizado na rede municipal no ensino

fundamental II, e os professores foram capacitados para desenvolver atividades teóricas

e práticas sobre empreendedorismo26. Segundo a prefeitura, “durante o ano, os

professores prepararam as crianças e adolescentes para o mercado de trabalho, onde

24

VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/JQhtFw . Acesso em 27/12/2017.

25 VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/JQhtFw. Acesso em 27/12/2017

26 VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/YoRxYr. Acesso em 27/12/2017

35

interagiram e vivenciaram experiências que estimulam a vontade e o interesse em

empreender”27. Podemos observar o traço das políticas contemporâneas voltadas ao

lucro, competição, individualismo, sucesso como mérito individual, fracasso como

“culpa” do indivíduo e capacitação para o trabalho (preparação para o futuro). A

perspectiva é acrítica e formadora de consenso em torno do sistema capitalista, e

silencia perspectivas de transformação social.

Esse é um dos projetos em que a prefeitura faz parceria para “melhorar a

qualidade educacional”, na contramão de uma educação pública e democrática

voltada à emancipação das crianças e jovens.

Parceria público/privado e público/não-estatal

O município de Vinhedo segue políticas contemporâneas nas quais são

realizadas parcerias com empresas privadas ou públicas não-estatais.

As consequências da implementação dessa política são previsíveis: cada vez mais, o Estado buscará “parceiros” para dividir sua responsabilidade educacional, tanto com relação ao atendimento da demanda e da oferta, em especial, por meio do estabelecimento de contratos com creches comunitárias, ou convênios para o atendimento em educação especial, ou mesmo para o funcionamento de classes de educação de jovens e adultos em associações filantrópicas ou comunitárias, quanto com relação à qualidade, com contratos e convênios com escolas e sistemas privados de ensino para “transferência” sumária de métodos e técnicas de ensino e de compras de materiais “unificados” e adequados para o “sucesso” nas provas e exames nacionais – reservando-se ao Estado a função exclusiva de definir o “produto esperado” (educação para a cidadania?) e os mecanismos de aferição de qualidade do “produto efetivamente produzido” (aluno “civilizado” e Cidadão?) (ARELARO, 2007, p. 917).

A partir do que nos mostra Arelaro podemos selecionar três pontos

principais e relacioná-los com três iniciativas vivenciadas no município de Vinhedo: i)

Projeto Autoban: parcerias para dividir responsabilidades educacionais, ii) Selando

Parcerias: convênios com Ongs para atendimentos educacionais e iii) Fundação

Lemann: transferência de métodos e técnicas de ensino.

A Autoban é a concessionária que administra as rodovias que passam

pelo município (Anhanguera e Bandeirantes). Em parceria com esta empresa o

município desenvolveu um projeto de educação para o trânsito para conscientização

27

VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/z7yr7a. Acesso em 27/12/2017

36

das crianças, que disseminariam ensinamentos para os familiares, amigos e

comunidade em geral. Esse é um exemplo de uma empresa privada que contribui

com o município para a formação de um “cidadão consciente” de seus direitos e

deveres, uma criança ou um jovem “civilizado”.

O segundo ponto que vamos destacar é o programa “Selando Parcerias”,

firmado pela prefeitura com Ongs desde 2009. A prefeitura faz a transferência do recurso

financeiro e as instituições realizam a gestão das organizações, oferecendo o serviço à

população. Segundo a prefeitura28, em 2017 foi autorizado o repasse de R$ 8.893.079,11

para entidades, a título de subvenção social ou auxílio para despesas de capital. Esses

recursos são utilizados em três áreas: assistência social (proteção básica, especial e de

alta complexidade), educação e cultura e saúde.

Na área da educação a prefeitura repassou em 2017 recursos para três

instituições: duas têm por finalidade atender crianças, adolescentes e adultos com

deficiências (CEIVI e LARCAB) e uma realiza atividades educacionais para jovens

acima de 18 anos visando sua inserção no mercado de trabalho (ACOVEC). Com

essas parcerias o município transfere para instituições conveniadas sua

responsabilidade pelo atendimento especializado a deficientes e educação

continuada para jovens e adultos. São essas instituições que estabelecem uma nova

hierarquia salarial, diferente da estabelecida no Estatuto do Magistério e no Plano de

Cargos e Carreira dos servidores municipais.

O terceiro ponto apresentado por Arelaro (2007), a transferência de métodos e

técnicas de ensino através de parcerias, aparece no convênio da prefeitura com a

Fundação Lemann em 2014. A instituição ofereceu o Curso Técnicas Didáticas I, com

duração de 90 horas (de fevereiro a novembro), destinada aos professores e gestores do

Ensino Fundamental. O curso foi ministrado pela empresa Elos Educacionais. Foram

abordados temas como liderança e observação de aula, alinhamento construtivo,

planejamento, avaliação, cultura escolar e altas expectativas29.

Isso nos mostra que o município privilegia a gestão gerencial em

detrimento da gestão democrática. Privilegia um modo de gerir a educação que visa

resultados nas provas externas, ao invés de privilegiar a capacidade de professores

28

VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/EDGFwa. Acesso em 27/12/2017.

29 VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/92joKs. Acesso em 27/12/2017.

37

e gestores para realizar um projeto pedagógico em consonância com as

características da comunidade escolar.

Sabe-se que entre a concepção e as práticas oriundas da articulação entre educação e democracia que permeiam a gestão educacional neste contexto, muito ainda se preserva de questões, tais como clientelismo, o paternalismo e o coronelismo políticos. Não obstante, é esta mesma prática que revela as contradições desse processo e que, por isso mesmo, tais práticas poderiam ser derrotadas, porque aflorariam do diálogo, do conflito e do embate das idéias. A subsunção da gestão democrática à gestão gerencial, contudo, inverter essa lógica. A reforma do Estado, na perspectiva de sua retração para as políticas sociais e, particularmente, para a política educacional, destituiu a sociedade civil da participação política educacional (PERONI, OLIVEIRA e FERNANDES, 2009, p.774).

Essas políticas de transferência de recursos públicos para setores privado ou

não-estatal começam a tomar força a partir da crise do capitalismo, no pós-guerra. Nas

teorias neoliberais e nos estudos sobre a terceira via, a crise é tratada como sendo do

Estado, mas as estratégias de superação têm outro foco: “o neoliberalismo defende o

estado mínimo e a privatização e a terceira via, a reforma do estado e a parceria com o

terceiro setor (PERONI, OLIVEIRA e FERNANDES, 2009, p.763).

A prática de parcerias é muito utilizada (e naturalizada) na administração

pública no município de Vinhedo. A prefeitura admite que “por determinação do

prefeito Jaime Cruz, todas as secretarias municipais estão buscando parcerias na

iniciativa privada para a manutenção e também para a implantação de projetos

importantes no município30”. Vemos, portanto, que o município interage com políticas

recentes que mantém a lógica de mercado enfatizando o lucro, a privatização, a

execução de políticas sociais por instituições privadas e não-estatais e a qualidade da

educação baseada em índices e avaliações nacionais.

1.2. Vinhedo: uma Cidade Educadora?

Além de, em seu perfil de Facebook, a Secretaria da Educação nomear

Vinhedo como Cidade Educadora, no site da prefeitura há várias reportagens em que o

30

VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/MM3o6e. Acesso 27/12/2017.

38

município se intitula como Cidade Educadora, no entanto não é associado à AICE31. Por

isso, interessou-nos verificar se os princípios norteadores do movimento mundial estão

presentes nos materiais municipais analisados, e de que modo.

O conceito de Cidade Educadora foi desenvolvido em 1970, em debates na

UNESCO sobre a noção de cidade educativa. O desafio central era pensar em

alternativas para um mundo em crise e em mudança. Em 1971 foi formada uma

comissão internacional que começou a pensar as instituições escolares como parte do

sistema educativo (e não seu único componente). Os pesquisadores da Unesco

percebiam que havia uma mudança, “a educação passava a ser uma demanda da

população, uma necessidade, ‘um direito’ e até uma exigência: passagem da obrigação

estatal para a responsabilidade pessoal” (NOGUEIRA-RAMIRES, p. 16, 2011). A

sociedade educava, oferecendo oportunidades para os cidadãos.

Esse conceito ganhou força na Conferência Mundial sobre Educação para

Todos (Jomtien/Tailândia, 1990) e, em grande parte, atualiza e amplia a perspectiva

da UNESCO. A conferência abriu caminho para que naquele mesmo ano

acontecesse o I Congresso Internacional de Cidades Educadoras (Barcelona /

Espanha), em que um grupo de cidades discutiu e passou a aplicar princípios que

norteariam suas políticas públicas32.

Esses princípios foram consolidados na Carta das Cidades Educadoras,

escrita no primeiro congresso e revisada no Congresso Internacional de Bolonha (1994)

e no de Gênova (2004). Na carta é afirmado que cabe às cidades

Primeiro “investir” na educação de cada pessoa, de maneira a que esta seja cada vez mais capaz de exprimir, afirmar e desenvolver o seu potencial humano, assim como a sua singularidade, a sua criatividade e a sua responsabilidade. Segundo, promover as condições de plena igualdade para que todos possam sentir-se respeitados e serem respeitadores, capazes de diálogo. Terceiro, conjugar todos os fatores possíveis para que se possa construir, cidade a cidade, uma verdadeira sociedade do conhecimento sem exclusões, para a qual preciso providenciar, entre outros, o acesso fácil de toda a população às tecnologias da informação e das comunicações que permitam o seu desenvolvimento33.

31

Atualmente a AICE tem 477 municípios associados em 37 países. No Brasil são 14: Belo Horizonte/MG, Caxias do Sul/RS, Guarulhos/SP, Horizonte/CE, Mauá/SP, Porto Alegre/RS, Santiago/RS, Santo André/SP, Santos/SP, São Bernardo do Campo/SP, São Carlos/SP, São Paulo/SP, Sorocaba/SP e Vitória/ES.

32 Nesta conferência foi criada a Associação Internacional das Cidades Educadoras (AICE).

33AICE. Disponível em https://goo.gl/mQdKAZ. Acesso 06/06/2017.

39

Esse movimento atribui à educação o papel de nortear as políticas das cidades e

processos educativos, através de práticas que considerem a diferença, a igualdade de

direitos e a participação democrática. As cidades devem promover o planejamento

urbano, a participação dos cidadãos nos processos decisórios, a ocupação dos espaços e

dos equipamentos públicos, consciência ambiental e disponibilidade de bens culturais e

serviços tecnológicos. Para ser educadora, a cidade precisa buscar participação

política de crianças, jovens, adultos e idosos, e também promover projetos que

favoreçam as relações intergeracionais. Cabe às cidades:

agir desde a sua dimensão local, enquanto plataforma de experimentação e consolidação de uma plena cidadania democrática e promover uma coexistência pacífica graças à formação em valores éticos e cívicos, o respeito pela pluralidade dos diferentes modelos possíveis de governo, estimulando mecanismos representativos e participativos de qualidade. (...) A diversidade é inerente às cidades atuais e prevê-se que aumentará ainda mais no futuro. Por esta razão, um dos desafios da cidade educadora é promover o equilíbrio e a harmonia entre a igualdade e a diversidade, salvaguardando os contributos das comunidades que integram e o direito de todos aqueles que a habitam, sentindo-se reconhecido a partir das suas identidades culturais34.

A ideia é educar para a cidadania, o que possui uma relação fundamental

com a democracia. A cidade deveria ser regida por princípios democráticos, com

participação política de todas as gerações e valorização das identidades culturais.

Com o mecanismo de governamentalidade o indivíduo acredita que é livre,

que pode participar das decisões e que é fundamental no processo democrático. É

nestas condições que se exerce controle sobre ele. A liberdade, que está nas políticas

públicas contemporâneas como um direito do indivíduo, torna-se uma condição para o

exercício do poder. Para Foucault somente indivíduos livres são governados:

O poder só se exerce sobre “sujeitos livres”, enquanto “livres” – entendendo-se por isso sujeitos individuais ou coletivos que têm diante de si um campo de possibilidade onde diversas condutas, diversas reações e diversos modo de comportamento podem acontecer. Não há relação de poder onde as determinações estão saturadas – a escravidão não é uma relação de poder, pois o homem está acorrentado (trata-se então de uma relação física de coação) – mas apenas quando ele pode se deslocar e, no limite, escapar. Não há, portanto, um confronto entre poder e liberdade, numa relação de exclusão (onde o poder se exerce, a liberdade desaparece); mas um

34

AICE. Disponível em https://goo.gl/mQdKAZ. Acesso 06/06/2017.

40

jogo muito mais complexo: neste jogo, a liberdade aparecerá como condição de existência do poder (ao mesmo tempo sua precondição, uma vez que é necessário que haja liberdade para que o poder se exerça, e também seu suporte permanente, uma vez que ela se abstraísse inteiramente do poder que sobre ela se exerce, por isso mesmo desapareceria, e deveria buscar um substituto na coerção pura e simples da violência); porém, ela aparece como aquilo que só poderá se opor a um exercício de poder que tende, enfim, a determiná-la inteiramente (FOUCAULT, 1995, p. 244, grifo nosso).

A liberdade é condição para o poder. Por isso, a necessidade de afirmar a

liberdade de todos os indivíduos, inclusive das crianças, como condição para

governá-las. Portanto podemos compreender que poder não é: ele se faz. “O

exercício do poder não é um fato bruto, um dado institucional, nem uma estrutura que

se mantém ou se quebra: ele se elabora, se transforma, se organiza, se dota de

procedimentos mais ou menos ajustados” (FOUCAULT, 1995, p. 247). É a ação do

Estado sobre as ações os indivíduos. É poder exercido sobre a população – o mecanismo

de governamentalidade, que “são táticas de governo que permite definir a cada

instante o que deve ou não competir ao Estado (...), portanto o Estado, em sua

sobrevivência e em seus limites, deve ser compreendido com base nas táticas

gerais da governamentalidade” (FOUCAULT, 2015, p.430).

Para Nogueira-Ramires (2001) a educação na modernidade deve ser

pensada em três momentos: 1) instrução (ensino) no século XVII e XVIII, 2) educação

liberal, que emerge no final do século XIX e 3) sociedade da aprendizagem ou cidades

educativas, iniciado no final do século XIX. Neste terceiro momento, pela primeira vez na

história se pensou o conhecimento como recurso central e, com isso, a necessidade de

ensinar durante toda a vida. Desta forma, o movimento da Cidade Educadora se coliga

ao jogo de governo das populações, já que a função educativa é de todos e de cada um.

Uma educação de si e dos outros ao longo de toda vida.

O Movimento da Cidade Educadora faz parte da postura política

contemporânea – exercer o mecanismo de governamentalidade – em que o

indivíduo tem direito à participação na sociedade democrática, mas esse é um

dispositivo de instrumentalização, de poder, de governo.

Sua fortaleza está associada à disseminação e expansão da governamentalidade liberal (e neoliberal), essa forma econômica de governamento que pretende governar menos para governar mais, isto é, essa forma de governar cujo fundamento é a liberdade, o interesse, a agência e autorregulação dos indivíduos. Podemos dizer que a

41

aprendizagem é hoje a forma do governamento pedagógico, o governamento não mais do cidadão, mas do “aprendiz permanente”, do Homo discentis. Aprender ao longo da vida, aprender a aprender é a divisa do governamento contemporâneo. Estamos sendo compelido a nos comportar como aprendizes permanentes, que moram em sociedades de aprendizagem ou cidades educativas (NOGUEIRA-RAMIRES, p.230, 2011)

No Brasil há algumas experiências baseadas na Carta das Cidades

Educadoras, mas a concepção desse movimento teve mais visibilidade após o

Programa Mais Educação (Decreto nº 7.083, de janeiro de 2010), cujo objetivo é

ampliar o tempo de permanência de crianças, adolescentes e jovens matriculados

em escolas públicas. Esse programa visa a oferta de educação em tempo integral

(igual ou superior a sete horas), e trouxe para o centro do debate a cidade como

território educativo, devido aos princípios que o norteiam:

Art. 2o São princípios da educação integral, no âmbito do Programa Mais Educação:

I - a articulação das disciplinas curriculares com diferentes campos de conhecimento e práticas socioculturais citadas no § 2o do art. 1o;

II - a constituição de territórios educativos para o desenvolvimento de atividades de educação integral, por meio da integração dos espaços escolares com equipamentos públicos como centros comunitários, bibliotecas públicas, praças, parques, museus e cinemas;

III - a integração entre as políticas educacionais e sociais, em interlocução com as comunidades escolares;

IV - a valorização das experiências históricas das escolas de tempo inte-gral como inspiradoras da educação integral na contemporaneidade;

V - o incentivo à criação de espaços educadores sustentáveis com a readequação dos prédios escolares, incluindo a acessibilidade, e à gestão, à formação de professores e à inserção das temáticas de sustentabilidade ambiental nos currículos e no desenvolvimento de materiais didáticos;

VI - a afirmação da cultura dos direitos humanos, estruturada na diversidade, na promoção da equidade étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política e de nacionalidade, por meio da inserção da temática dos direitos humanos na formação de professores, nos currículos e no desenvolvimento de materiais didáticos; e

VII - a articulação entre sistemas de ensino, universidades e escolas para assegurar a produção de conhecimento, a sustentação teórico-metodológica e a formação inicial e continuada dos profissionais no campo da educação integral (BRASIL, 2010, p.1, grifo nosso).

42

Além dessa medida, a meta 6 do PNE (Plano Nacional de Educação) em

2014 determinou que até o ano de 2024 os municípios devem “oferecer educação

em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas,

de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da

educação básica” (BRASIL, 2014). Segundo Santos e Santos (2014), para realizar a

educação em tempo integral muitos governantes municipais buscaram locais fora das

instituições escolares, o que gerou experiências de ocupação de espaços das cidades

por jovens, adolescentes e crianças.

A prefeitura de Vinhedo, com o intuito de oferecer educação em tempo

integral, criou em caráter permanente o decreto municipal n.084/2014 que institui o

Programa Cidade Educadora. Partimos deste decreto, que foi instituído em 24 de abril

de 2014 pelo prefeito da cidade de Vinhedo, Jaime Cruz35.

Art. 1.º Fica instituído, em caráter permanente, o Programa de Atividades Complementares Curriculares em Contraturno, a ser deno-minado “Programa CIDADE EDUCADORA”, visando à melhoria da qualidade do ensino por meio da ampliação de tempos, espaços e oportunidades educativas realizadas na escola ou no território em que está situada, em contraturno, atendendo às necessidades socioeducacionais dos alunos (VINHEDO, 2014, p. 9).

A criação do projeto tem embasamento legal nos artigos 1º e 34 da LDB

(Lei 9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional)36, do 6º e 227º da

35

Jaime Cruz era vice-prefeito e secretário de educação. Assumiu como chefe do executivo após o prefeito eleito deixar o cargo, acusado de corrupção. O ex-prefeito não é simples réu, mas foi condenado em segunda instância e, por conseguir seu habeas corpus, aguarda em liberdade a análise do recurso contra sua condenação.

36 Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.

§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.

Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola.

§ 1º São ressalvados os casos do ensino noturno e das formas alternativas de organização autorizadas nesta Lei.

§ 2º O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino.

43

CF (Constituição Federal) de 198837 e 1º e 3º do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA) de 13 de julho de 199038. Está descrito nesses artigos que a

educação em tempo integral é dever do poder público e direito das crianças.

Esse projeto abrange os três níveis de educação (Educação Infantil,

Ensino Fundamental I e II), que são de responsabilidade do município. Para as

crianças da Educação Infantil, as atividades do contraturno39 seriam vivenciadas nos

próprios prédios do CEI. As crianças e jovens do Fundamental I e II utilizariam i) o

espaço da escola, ii) as instituições da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer

(centros esportivos, piscinas públicas, parque municipal etc), iii) espaços da

Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (os três centros culturais do Município) e iv)

instituições conveniadas com a Prefeitura Municipal de Vinhedo.

Em relação ao currículo, no decreto não há menção às práticas pedagógicas

desenvolvidas no período escolar. Ele aborda apenas o contraturno, em que atividades

devem estar vinculadas ao PPP da escola (documento que reflete as necessidades

educacionais da instituição e os desejos da comunidade escolar). Nesse currículo,

segundo o decreto, devem estar presentes os princípios e concepções da LDB (Lei de

Diretrizes e Base), Leis da Educação Nacional e as Diretrizes para a Educação do

Município de Vinhedo.

Para compreendermos os objetivos e concepções do Programa Cidade

Educadora e a trajetória municipal até a sua implementação, analisamos, além dos

documentos já citados, reportagens que a equipe de jornalismo da prefeitura

produziu e divulgou entre os anos de 2009 a 201440.

37

Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (EC n

o 26/2000 e EC n

o 64/2010).

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à Da Ordem Social 129 liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (EC n

o 65/2010).

38 Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

39 Problematizamos adiante a noção de contraturno associada à Educação Infantil.

40 Após o ano 2014 não foram publicadas reportagens sobre o tema.

44

A primeira reportagem é “Prefeitura inicia estudo para criação da escola

integral” (07/08/2009)41. Nesta matéria, a prefeitura anunciou que estava iniciando um

estudo para criar a escola em tempo integral. O objetivo desse projeto seria ampliar a

jornada escolar e atribuir à Secretaria da Educação a responsabilidade sobre as

atividades do contraturno. Naquele período havia duas instituições que realizavam

atendimento para crianças a partir dos seis anos no turno oposto ao escolar, mas

eram vinculadas à Secretaria de Promoção e Assistência Social. As crianças e bebês

de zero a seis anos já ficavam em período integral nas creches e pré-escolas, sob

responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação.

A maioria das reportagens estudadas é de 2013, ano que antecedeu a

promulgação do decreto. Naquele período uma comissão intersecretarial estava

estruturando o projeto. Em várias reportagens é citada a parceria com o Programa

Mais Educação, como esta, por exemplo:

O programa Mais Educação é do governo federal e compreende a adoção da educação integral na escola municipal a partir do ofereci-mento de atividades optativas aos alunos no horário contrário ao de aula, que incluem acompanhamento pedagógico (matemática, letramento, línguas estrangeiras, ciências, história, geografia, filosofia e sociologia) e ações nas áreas de meio ambiente, esportes e lazer, direitos humanos, cultura e artes, inclusão digital, prevenção e promoção da saúde, educomunicação, além de educação científica e econômica (VINHEDO. Disponível em http://goo.gl/whH3Qv Acesso em 20/05/2017).

Na descrição do Programa Mais Educação e no decreto municipal

084/2014 é dito que as atividades em tempo integral são planejadas a partir de uma

concepção de educação de turnos (manhã, tarde e noite) tradicionalmente instituída

no Brasil. A organização curricular do período escolar não se altera, apenas são

agregadas atividades complementares no contraturno.

Uma proposta de educação integral em tempo e espaço integral implica essencialmente em outro conceito e estrutura de currículo e experiência escolar. O habitual currículos excessivamente fragmentado em tempos e disciplinas parece ser um entrave em relação à implementação ou um elemento de obstaculização da execução da referida proposta. Entretanto, com tal consideração, não se objetiva indicar a dissolução das disciplinas escolares, tão pouco a ampliação do conceito e estrutura de currículo de modo a abranger qualquer prática e poder ser praticado por qualquer um. A presente consideração põe em questão a fragmentação curricular, realidade de muitas

41

VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/aH4ZPL. Acesso 20/05/2017

45

escolas brasileiras e, ao mesmo tempo, aponta a necessidade de adoção de princípios articuladores e integradores em sua realização no cotidiano escolar (SANTOS e SANTOS, 2014, p.12).

O resultado desse decreto é o aumento da quantidade de horas em que

crianças e adolescentes permanecem em atividades educacionais sob a tutela do poder

público. Para isso, a prefeitura utiliza prédios e serviços de várias secretarias

municipais e recursos do Programa Mais Educação do Governo Federal.

Recortamos alguns trechos de reportagens para compreender a

concepção de Cidade Educadora do município de Vinhedo. Iniciamos com a análise

de duas falas do prefeito sobre a criação e implementação do programa:

Este grupo de trabalho tem se fortalecido e agregado a participação gradual de várias secretarias municipais, que a partir da união de experiências e serviços vão permitir para Vinhedo se tornar uma cidade fundamentalmente educadora e também a tornar a educação integral uma realidade, em benefício dos alunos da Rede Municipal de Ensino”, disse o prefeito Milton Serafim42 Com a Educação Integral, queremos reforçar o conceito de Cidade Educadora, isto é, a ideia de que todos os espaços do município podem e devem educar43.

No primeiro trecho o prefeito enfatiza o título do município (Cidade

Educadora), sem explicar o significado da expressão. No segundo, fala de um

conceito que está em consonância com o movimento internacional: a cidade como

um território educador. No entanto, nos materiais analisados a definição de Cidade

Educadora parte do significado dos termos e faz uma conceitualização genérica,

sem explicitar a fundamentação teórica:

O que é uma cidade educadora? Definido pelo dicionário como ação de se transmitir conhecimentos ou de instruir, o verbo educar contempla em sua definição muito mais que o cultivo do saber escolar. Congrega em sua significação o desenvolvimento moral, intelectual e físico do ser humano e a busca por seu desenvolvimento global. Dentro desta definição, o emprego da terminologia “cidade educadora” prevê a oferta de atividades escolares, esportivas, sociais e culturais a fim de se potencializar a capacidade global do aluno. Para tanto, unifica os esforços e recursos existentes em projetos que melhorem a qualidade de vida do cidadão a partir da participação ativa e na

42

VINHEDO, grifo nosso. Disponível em goo.gl/R1j93I. Acesso em 20/05/2017.

43 VINHEDO, grifo nosso. Disponível em http://goo.gl/PJbTjA Acesso em 20/05/2017

46

utilização dos serviços que já são ofertados pelo município, ampliando sua abrangência e aproveitamento44.

A prefeitura não menciona, nas reportagens e no decreto 084/2014, a Carta

das Cidades Educadoras e seus princípios norteadores. É possível supor, sobretudo

tendo em vista o artigo 14 do decreto municipal 084/2014, que o esforço do poder

público na implementação de tal projeto tivesse como foco de ação reduzir a evasão,

reprovação e a distorção idade/ano das crianças e adolescentes. E principalmente,

ampliar o tempo diário de permanência da criança na escola.

Para Vieira e Aquino (2015) os municípios ao redor do mundo desejam tornar-

se uma Cidade Educadora: “o atributo de educadora figura como distintivo honorífico

àquelas localidades que o recebem, sendo estas laureadas como espaços democráticos,

globalizados e defensores dos direitos humanos, da liberdade e da qualidade de vida”.

Acreditamos que este fato leva a prefeitura municipal de Vinhedo a ansiar por este título.

Este desejo está ligado com a concepção de gestão pública educacional e de

governamentalidade vigente, afetando políticas públicas do município que visam melhorar

os índices e o desempenho nas avaliações externas.

44

VINHEDO. Disponível em http://goo.gl/KrC6Nk Acesso em 20/05/2017.

47

2. ANÁLISE DOS DOCUMENTOS CURRICULARES

48

2.1 Documentos curriculares: debate nacional

Os documentos curriculares disseminam um discurso próprio e são um

mecanismo altamente eficaz: são referências e geram diretrizes, parâmetros, grades,

guias, livros didáticos materiais paradidáticos, multimídias etc. Movimentando com

eficácia a indústria cultural da educação, também atribuem ações, funções, papéis e

relações para os indivíduos no processo educacional (SILVA, 2010). Devido ao seu

grande poder discursivo, analisamos as leis curriculares da Educação Infantil no nosso

país e o modo como o município de Vinhedo se coloca frente ao debate atual.

Atualmente a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica: é

oferecida para crianças de zero a três anos, com obrigatoriedade para as crianças de

quatro e cinco anos, sendo dever do Estado e direito da criança. Estas conquistas são

recentes e se intensificaram nas últimas décadas, após a promulgação da

Constituição Federal (CF, 1988).

Para colocar em prática o que foi garantido na CF, um conjunto de ações foi

desenvolvido pelo MEC no início dos anos 1990. Nesse sentido, podemos destacar a

publicação de Critérios para uma creche que respeite os direitos fundamentais das crianças

(1995) e a promulgação do Plano Nacional de Educação Infantil (1994), que definiu

como ação prioritária a elaboração, implementação e avaliação do currículo e da proposta

pedagógica em consonância com diretrizes e fundamentos teóricos relevantes. O MEC

também criou uma comissão composta por especialistas, a fim de desenvolver uma

metodologia para analisar as propostas pedagógicas e curriculares das Secretarias de

Educação dos estados. Com base nesses estudos, foi elaborado o documento Proposta

pedagógica e currículo em Educação Infantil: um diagnóstico e uma construção de uma

metodologia de análise (1996).

Neste documento, Kishimoto define currículo como “explicitação de

intenções que dirigem a organização da escola visando colocar em prática

experiências de aprendizagem consideradas relevantes para crianças e seus pais”

(KISHIMOTO, 1994, citada por BRASIL, 1996, p.13). Para a autora, a criança é um

ser único, suas experiências são vividas e sentidas de formas diferentes; cada

criança percorre, pois, um currículo. Para Oliveira (1994, citada por BRASIL, 1996), o

currículo é um roteiro de viagem coordenado por um parceiro, o educador; as

atividades são programadas, mas se desenvolvem com a participação de todos, com

49

autonomia e cooperação. Mello (1994, citada por BRASIL, 1996) defende um

currículo aberto e uma proposta pedagógica que oriente fundamentos e objetivos, de

modo que seja possível ajustá-lo a situações diversas e às especificidades

regionais. Esta definição se entrelaça com a de Machado (1994, citada por BRASIL,

1996), que define o projeto político educacional como um plano que almeja guiar as

ações; deve, entretanto, ser incompleto pois se transforma no cotidiano das

instituições, conforme as ações dos sujeitos. Kramer (1994, citada por BRASIL,

1996) traz uma discussão mais ampla, e não estabelece diferença entre os termos

“proposta pedagógica” e “currículo”:

É um convite, um desafio, uma aposta. Uma aposta porque, sendo ou não parte de uma política pública, contém um projeto político de sociedade e um conceito de cidadania, de educação e de cultura. Portanto, não pode trazer respostas prontas apenas para serem implementadas, se tem em mira contribuir para a construção de uma sociedade democrática, onde a justiça social seja de fato um bem distribuído igualitariamente a toda coletividade. Uma proposta peda-gógica expressa sempre os valores que a constituem, e precisa estar intimamente ligada à realidade a que se dirige, explicitando seus objetivos de pensar criticamente essa realidade, enfrentando seus mais agudos problemas. Precisa ser construída com a participação efetiva de todos os sujeitos – crianças e adultos, professores/ educadores e profissionais não-docentes, famílias e população em geral - levando em conta suas necessidades, especificidades, realidade (KRAMER,1994, citada por BRASIL, 1996, p.18).

Proposta pedagógica e currículo em Educação Infantil: um diagnóstico e

uma construção de uma metodologia de análise (1996), além de trazer as

concepções de currículo e a proposta pedagógica que norteariam a Educação

Infantil no Brasil, delineou um roteiro para a elaboração e análise de propostas.

No mesmo ano foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB), a lei nº 9.394, reafirmando direitos que estavam em discussão.

Estabeleceu a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica e delineou

sua finalidade: desenvolver crianças de zero a seis anos em seus aspectos físico,

psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

A avaliação, nesta etapa, aconteceria através do acompanhamento e registro do

desenvolvimento das crianças, sem o caráter de promoção para o acesso ao ensino

fundamental. Esta lei estabelece que “a União incumbir-se-á de (...) estabelecer, em

colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e

diretrizes para a Educação Infantil (...) que nortearão os currículos e seus conteúdos

50

mínimos, de modo a assegurar formação básica comum” (art. 9º, IV). Com isto, o

MEC justificou a criação do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

(RCNEI).

Podemos afirmar que o RCNEI de 1998, ao traçar as linhas gerais para

um currículo a ser implementado em âmbito nacional, opõe-se à construção de uma

política pública coletiva, democrática, diferentemente dos documentos anteriores

(em que o currículo e a proposta pedagógica seriam construídos nas instituições de

Educação Infantil, considerando a diversidade cultural do país). Segundo Amorim e

Dias (2012, p.128) o RCNEI foi publicado para atender às políticas governamentais

do presidente Fernando Henrique Cardoso: o país havia se comprometido junto ao

FMI (Fundo Monetário Internacional) a estabelecer um currículo nacional para

diversos níveis de educação.

A versão preliminar do RCNEI foi encaminhada, em fevereiro de 1998,

para mais de 700 profissionais para que no prazo de um mês fossem emitidos

pareceres ao MEC. Os pareceristas apontaram a necessidade de ampliar o debate

para a elaboração do documento (CERISARA, 2002, p. 336), e sua versão final foi

publicada em outubro de 1998. Foi dividido em três volumes, sendo o primeiro

claramente uma tentativa de incluir os pareceres de importantes pesquisadoras e

pesquisadores da área sem, contudo, modificar a concepção de criança e de

Educação Infantil presentes no documento. Segundo Cerisara (2002, p.337), a

concepção de Educação Infantil está “muito mais próxima da do ensino fundamental

do que o próprio referencial declara na sua Introdução”.

Com a publicação do RCNEI, o currículo é desenhado a partir de áreas de

conhecimento cujos conteúdos devem ser aprendidos pelas crianças em situações

significativas de aprendizagem. Assim concebido, o currículo submete a experiência e os

saberes dos sujeitos envolvidos na Educação Infantil à sua versão escolar de trabalho,

como bem observou Cerisara (2002) e, desta maneira, as linguagens e as culturas

infantis são bloqueadas em nome de determinado processo de construção de

conhecimento. Para alcançar seus objetivos, nesta perspectiva, a Educação Infantil divide

os saberes em componentes curriculares fragmentados e repetitivos. Esta concepção de

currículo se baseia na ilusão de que a melhor maneira de organizar o trabalho

pedagógico é por áreas de conhecimento e, a fim de atingir seus objetivos, divide o

tempo – período de trabalho dos adultos e, por conseguinte, de permanência das

crianças na creche ou pré-escola – em atividades planejadas e avaliadas de acordo com

51

as orientações didáticas. Escolarizada pelo currículo, tende a se tornar também

escolarizante. Em 04 de abril de 1999 foram promulgadas as Diretrizes Curriculares

Nacionais, que seguiram o caminho do RCNEI e definiram que

As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil, ao reconhecer as crianças como seres íntegros, que aprendem a ser e conviver consigo próprios, com os demais e o próprio ambiente de maneira articulada e gradual, devem buscar a partir de atividades intencionais, em momentos de ações, ora estruturadas, ora espontâneas e livres, a interação entre as diversas áreas de conhecimento e aspectos da vida cidadã, contribuindo assim com o provimento de conteúdos básicos para a constituição de conhecimentos e valores (BRASIL,1999, p.1).

Apontando para uma direção mais participativa, a rota anterior foi

retomada pelo governo Lula. Mais de 40 entidades e organizações (universidades,

associações científicas, movimentos sociais, ONGs etc) retomaram a discussão,

assumindo uma concepção diferente dos RCNEI. Em 2009, a Câmara de Educação

Básica do Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação, após debates

com a população, aprovou as DCNEI (Resolução CNE n. 05/09. Neste novo

documento, o currículo é concebido como um

Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade (BRASIL, 2009).

Como vimos, pensar o currículo da Educação Infantil a partir da garantia

de experiências faz parte de um debate que vem sendo realizado nas últimas

décadas no Brasil, mas pouco havia avançado em relação aos documentos

nacionais que orientam as práticas pedagógicas. Nas DCNEI e nos documentos

federais que se baseiam nessas diretrizes, há uma linha que norteia a constituição

do currículo. As DCNEI, por exemplo, definem que a

proposta pedagógica ou projeto político pedagógico é o plano orientador das ações da instituição e define as metas que se pretende para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças que nela são educados e cuidados. É elaborado num processo coletivo, com a participação da direção, dos professores e da comunidade escolar (BRASIL, 2009, p.13).

52

Partindo desta definição, o currículo só se materializa nas ações dos

sujeitos. Por outro lado, as DCNEI afirmam que o documento deve orientar as

instituições e sua proposta pedagógica, uma vez que “define as metas que se

pretende para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças que nela são

educados e cuidados” (BRASIL, 2009). Deve ser construído em um processo

coletivo, com a participação de toda comunidade escolar (pais, professores,

funcionários e equipe gestora). Para promover uma educação de qualidade, os

profissionais não podem ser meros executores de propostas pré-estabelecidas:

devem participar de sua concepção, construção e consolidação.

Após a aprovação das DCNEI, foram elaboradas as Consultas Públicas

por especialistas da área. Zilma de Moraes Ramos de Oliveira escreveu a Consulta

Pública O currículo na Educação Infantil: o que propõem as novas Diretrizes

Nacionais? Oliveira (2010, p.4) explicita como os creches e pré-escolas devem

organizar suas práticas pedagógicas:

Para alcançar as metas propostas em seu projeto pedagógico, a instituição de Educação Infantil organiza seu currículo. Este, nas DCNEIs, é entendido como “as práticas educacionais organizadas em torno do conhecimento e em meio às relações sociais que se travam nos espaços institucionais, e que afetam a construção das identidades das crianças”. O currículo busca articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico da sociedade por meio de práticas planejadas e permanentemente avaliadas que estruturam o cotidiano das instituições. Esta definição de currículo foge de versões já superadas de conceber listas de conteúdos obrigatórios, ou disciplinas estanques, de pensar que na Educação infantil não há necessidade de qualquer planejamento de atividades, de reger as atividades por um calendário voltado a comemorar determinadas datas sem avaliar o sentido e o valor formativo dessas comemorações, e também da ideia de que o saber do senso comum é o que deve ser tratado com crianças pequenas.

Para Oliveira, o currículo baseado em datas comemorativas e em áreas

de conhecimento é uma visão superada. No entanto, muitas atividades ainda são

baseadas nela. As práticas vivenciadas nas creches e pré-escolas são organizadas de

várias formas: por exemplo, há professores e pesquisadores que defendem que caberia

aos profissionais transmitir os conteúdos históricos e sociais acumulados, pois a

criança, ao aprender uma grande quantidade de conhecimentos, teria êxito no

futuro. Outros, defendem uma pedagogia da infância em que as crianças devam

53

vivenciar experiências do seu interesse, como brincadeiras e interações com

adultos, outras crianças e bens culturais.

As DCNEI (2009) deslocam a função da Educação Infantil de transmissão

de conhecimentos para a garantia de experiências. Pagni (2010), ao tratar da

experiência, afirma que:

A sua gênese e desenvolvimento resultaram, didaticamente falando, em pedagogias que centraram a práxis educativa na consciência moral, na formação da consciência histórica e no pensar reflexivo, elegendo a experiência como um conceito fundamental para a atividade formativa e, por sua vez, a infância como sujeito dileto da arte pedagógica. Em outra tradição, a experiência foi desvalorizada, sob a argumentação de que seria uma forma inferior de conhecimento, porque se apoiaria nas faculdades sensíveis e na imaginação, assim como em uma sensibilidade que, ao julgar os resultados e a utilidade dos saberes produzidos, concorreria apenas para a aquisição de sabedoria prática, responsável pela condução da vida comum. Em sua origem, com Immanuel Kant, essa tradição considera que o conhecimento possibilitado pela experiência desprezaria as faculdades superiores e a verdadeira sabedoria, responsáveis pela produção do conhecimento objetivo da ciência e das idéias racionais da filosofia (PAGNI, 2010, p.16).

A partir dessas duas concepções abre-se um embate entre sujeito do

conhecimento e sujeito da experiência (LARROSA, 2002). O sujeito do conhecimento,

condição para se atingir o conhecimento considerado verdadeiro, deve ser sempre o

mesmo, de modo similar, pois só deste modo se poderia garantir a veracidade e

universalidade dos conhecimentos científicos. Seu processo de construção,

portanto, prescindiria de uma criança ideal a ser tomada como referência.

Em contrapartida, de acordo com Larrosa (2002, p. 24), “o sujeito da

experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua

receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura”. Pensar a criança como sujeito da

experiência na modernidade implica, do ponto de vista das práticas pedagógicas, na recusa

da atividade como meio para atingir os conteúdos de uma área de conhecimento e, ao

mesmo tempo, em aceitar a passividade como condição para garantir experiências. Isto

não significa abandonar a criança, deixá-la à deriva de seus próprios recursos; não é o

laissez-faire da criança em um mundo pré-existente, pois esta renúncia não implicaria em

abdicar da tarefa do profissional da Educação Infantil: educar e cuidar da criança. Ao

contrário, aceitar a passividade do sujeito da experiência implica em repensar o tempo e o

espaço, de forma que a singularidade das crianças não seja reduzida a uma grade horária,

54

a uma rotina. Assim, por exemplo, a brincadeira não tem que acabar porque chegou a hora

de colorir com lápis um desenho fotocopiado no papel A4, ou de grafar o nome com auxílio

de um crachá etc.

Essa disputa continua na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), um

documento curricular para todo o país. Desde a LDB havia uma menção à

expressão “base nacional curricular”: o artigo 26 salienta que os Ensinos

Fundamental e Médio devem ter uma base comum e ser complementados por uma

parte diversificada. No entanto, a LDB não aponta (explicitamente) uma normatização:

mencionava apenas a base comum associada às Diretrizes Curriculares, que deveria ser

estabelecida tal como o descrito em seu artigo 945. Este artigo teve a redação

alterada pela lei nº 12.796, de 2013, a mesma que tornou obrigatória a matrícula de

todas às crianças a partir de quatro anos de idade:

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.

Especialistas na área entraram, pois, na discussão do currículo comum,

questionando a importância, a função e o impacto para a Educação Infantil.

Antes de entrar nas especificidades da Educação Infantil é importante

compreender as disputas políticas e pedagógicas, públicas e privadas, que ocorreram no

processo de elaboração da BNCC. No ano de 2013 foram promulgadas as Diretrizes

Curriculares para a Educação Básica. No ano seguinte iniciaram as discussões a

respeito da BNCC sem considerar o processo de elaboração das Diretrizes

Curriculares, o que vinha ocorrendo havia dois anos sob a coordenação do MEC,

apesar de estar descrito na apresentação do documento que “são estas Diretrizes

que estabelecem a base nacional, responsável por orientar a organização,

articulação, o desenvolvimento e avaliação das propostas pedagógicas de todas as

redes de ensino brasileiro” (BRASIL, 2013, p.4). Então, qual a necessidade da BNCC

se as Diretrizes Curriculares, que haviam sido amplamente discutidas, estavam ainda

em processo de apropriação pelos professores?

45

Art 26 Estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum.

55

O currículo é um território em disputa de poder e a BNCC se mostra um

campo fértil para conflitos de interesses. Nas discussões da BNCC os indivíduos,

instituições e movimentos sociais se articularam buscando espaços para influenciar

sua produção.

As políticas públicas, por vezes, endossam aquilo que se propõem a romper:

embora tenham como objetivo garantir direitos infantis, muitas vezes não são

sustentadas por princípios que promovam a emancipação das crianças; mantém, pois,

estruturas de poder vigentes. Uma estratégia de maquinaria do poder seriam as

consultas públicas online. Na BNCC o processo foi aparentemente democrático mas, no final,

foi ouvido apenas o Movimento pela Base Nacional Comum, formado por instituições

privadas, institutos, instituições educacionais e fundações.

Este movimento foi criado em 2013 e, segundo o site oficial46, é formado por

um grupo não-governamental de profissionais da educação que atua na construção de

uma base curricular de qualidade. Segundo Peroni e Caetano (2015) o movimento foi

iniciado no seminário internacional organizado pelo Conselho Nacional de Secretaria

Estaduais de Educação (Consed) e pela Fundação Lemann. Neste evento foi firmado o

compromisso de criar uma base nacional comum para promover a imparcialidade

educacional e o ajustamento do sistema brasileiro de educação. Desta forma, “a base

serviria como espinha ‘dorsal’ para os direitos de aprendizagem de cada aluno, a

formação dos professores, os recursos didáticos e as avaliações externas” (PERONI e

CAETANO, 2015, p. 344). O apoio institucional ao movimento contou com diversas

instituições: Abave, Cenpec, Comunidade Educativa Cedac, Consed, Fundação

Lemann, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Fundação Roberto Marinho, Instituto

Ayrton Senna, Instituto Inspirare, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Todos Pela

Educação e Undime.

A participação destas instituições na elaboração da Base nos mostra que

empresários articulam instituições para influenciar o currículo. Eles não se opõem ao

Estado e nem interferem nos interesses econômicos: atuam no e com ele para

modificar a formar de gerir a educação pública. Na elaboração da Base vemos que,

na disputa entre o público e o privado, o privado se articulou e direcionou o processo

46

MOVIMENTO PELA BASE. Disponível em https://goo.gl/JAeb4B. Acesso em 18/01/18.

56

de construção do documento, interferindo no seu conteúdo. Peroni e Caetano (2015,

p 348) afirmam que

o estado continua como responsável pelo acesso e, inclusive, amplia as vagas públicas, mas o “conteúdo” pedagógico e gestão da escola é cada vez mais determinado por instituições que induzem a lógica mercantil, com a justificativa de que, assim, estão contribuindo para a qualidade da escola pública.

A Base se tornou um documento que impõe um padrão nacional para

todo o país, mesmo com realidades tão diversas: o currículo é comum a todos os

estudantes brasileiros, o que é naturalizado por um discurso que postula o direito do

sujeito de obter determinadas aprendizagens já na educação básica. Este

documento contribui para práticas de educação neoliberal contemporâneas

(avaliação externa, parcerias público/privado, materiais didáticos padronizados,

formação de professores oferecida por grandes corporações etc).

Ter uma Base Nacional Comum Curricular poderia ser um caminho para

maior democratização dos conteúdos, se realmente tivesse sido debatida

amplamente com a sociedade e com especialistas da área. Porém, houve um

engessamento, cristalizando uma proposta voltada para o mercado.

No campo da Educação Infantil, o principal argumento da equipe técnica

para a necessidade de uma BNCC era o de que as DCNEI não haviam se efetivado

nas práticas educacionais, e que este documento poderia orientar as instituições

para realizar práticas que garantissem experiências. Campos e Barbosa (2015)

justificam a necessidade da BNCC na Educação Infantil afirmando que: “as

pesquisas continuam a indicar que as práticas cotidianas ainda são sistematizadas

muita mais numa concepção próxima do ensino escolarizante do que na lógica

indicada nas diretrizes curriculares”.

No entanto, o que vimos na última versão da Base foi um conjunto de

competências que os bebês e as crianças deveriam atingir. Apesar da BNCC utilizar

o termo campos de experiência, há uma fragmentação das práticas em objetivos de

aprendizagens e desenvolvimento: são 87 práticas esperadas para as crianças

atingirem no período de zero a cinco anos, dentro dos cinco campos de experiência:

i) o eu, o outro e o nós, ii) corpo, gestos e movimentos, iii) traços, sons, cores e

formas, iv) escuta, fala, pensamento e imaginação e v) espaço, tempos, quantidades,

relações e transformações.

57

Na BNCC, a noção de direito de aprendizagem é apresentado como um

direito do indivíduo, mas, se analisarmos o documento com atenção, percebemos

que se trata de uma ampliação do sistema de dominação: as empresas privadas e

os reformadores empresariais atuam no território em disputa (de poder), sem

explicitar sua condição de pretendentes a uma nova configuração de poder,

prescrevendo aquilo que eles julgam como fundamentais para a formação escolar.

Então, apesar do argumento de que seria necessária uma BNCC para

efetivar as DCNEI, o que observamos é que o texto fica mais próximo da estrutura

do RCNEI: os campos de experiências se assemelham aos eixos de trabalho. Sendo

assim, temos uma visão de currículo pautado em conteúdo, distanciando-se da

garantia de experiências das DCNEI.

Convém destacar que esse não é apenas um debate teórico: a disputa

curricular também afeta relações cotidianas no contexto das políticas municipais. Por

isso, refletimos sobre o modo como o currículo da Educação Infantil vem sendo

construído em Vinhedo.

2.2 Documento curricular: debate municipal

Analisamos a Proposta Pedagógica47 do município de Vinhedo. Esse

documento é assinado pelo prefeito Milton Serafim e pelo vice-prefeito e secretário

da Educação, Jaime Cruz, em 2013: “o presente documento foi elaborado visando à

organização da proposta do trabalho da Rede Municipal de Ensino e sua

implementação nas escolas” (VINHEDO, 2013, p.4). Não há menção à participação

da comunidade escolar (pais, professores, funcionários, crianças e adolescentes etc)

em sua elaboração. Isso mostra qual identidade cultural se pretende produzir, pois

não há participação na elaboração do documento dos sujeitos da ação.

Na introdução é dito que a Proposta Pedagógica é baseada nas

legislações educacionais vigentes. Há também um breve histórico da educação no

município de Vinhedo. Sobre a trajetória específica da Educação Infantil, é relatado

que as primeiras unidades funcionavam

47

Proposta Pedagógica do Município de Vinhedo. Disponível em goo.gl/RTmJFK. Acesso em 26/05/2017.

58

nos prédios das escolas estaduais, anos mais tarde a Prefeitura Municipal assumiu a Educação Infantil no município e foram sendo construídos gradativamente os Centros de Educação Infantil para atender as demandas dos bairros. De lá para cá o município vem investindo cada vez mais na educação das crianças de 4 meses a 5 anos de idade (VINHEDO, 2013, p.5).

Ainda sobre a Educação Infantil, além dessa descrição sucinta e

superficial da história das creches e pré-escolas municipais, há também uma seção

que trata de sua proposta pedagógica. O primeiro parágrafo desse capítulo, em

negrito, define o objetivo geral. Esta forma de iniciar está presente também nas

propostas para os demais níveis de ensino/educação (Ensino Fundamental,

Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial).

Objetivo Geral: A Educação Infantil tem por finalidade o desenvolvimento integral da criança a partir em seus (sic) aspectos físicos, afetivo, psicológico, intelectual, social, complementando a ação da família e da comunidade (VINHEDO, 2013, p.22).

O objetivo geral remete ao artigo 29 da LDB:

a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (BRASIL, 1996).

As DCNEI avançam ao definir o currículo como um

Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade (BRASIL, 2009, p.12.).

Notamos, por exemplo, o uso do verbo articular, que se refere a unir, ligar. Além

disso, a criança é concebida como um ser dotado de saberes e não apenas um receptáculo

de saber do adulto. Os educadores vão desenvolver suas práticas pedagógicas

considerando as crianças e suas singularidades, a partir do que elas têm e não do que lhes

falta, “articulando seus saberes com os conhecimentos” da sociedade.

Todavia, na proposta Pedagógica de Vinhedo tal definição não é utilizada. Ainda

que a significado de criança tenha sido obtida no texto das DCNEI, reconhecendo que a

criança “brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e

constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura” (BRASIL, 2009, p.12),

não são feitas referências aos seus saberes ao definir os objetivos da Educação Infantil.

59

Ainda assim, existem outros trechos do documento municipal que são

similares a partes das DCNEI. Eles tratam da continuidade do processo educativo

sem que haja antecipação do Ensino Fundamental.

Na Proposta Pedagógica de Vinhedo reconhece-se que:

Atualmente em todo o Brasil, tem-se dado especial atenção às discussões sobre como orientar o trabalho desenvolvido junto às crianças de 0 a 3 anos e como assegurar práticas para que ajudem a garantir a continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças de 4 e 5 anos, sem, contudo, antecipar os conteúdos que serão trabalhados no Ensino Fundamental (VINHEDO, 2013, p.22).

Similarmente, as DCNEI afirmam que:

Em especial, têm se mostrado prioritárias as discussões sobre como orientar o trabalho junto às crianças de até três anos em creches e como assegurar práticas junto às crianças de quatro e cinco anos que prevejam formas de garantir a continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, sem antecipação de conteúdos que serão trabalhados no Ensino Fundamental (BRASIL, 2009, p.7).

Nos últimos parágrafos da Proposta Pedagógica é apontado um caminho

no qual a Educação Infantil não anteciparia o Ensino Fundamental:

Para que tais práticas sejam asseguradas em nossa rede municipal de ensino infantil, se fez necessário à realização de uma reflexão coletiva com toda equipe pedagógica sobre quem são essas crianças que todos os dias frequentam as nossas escolas e creches de Educação Infantil, e que tipo de infância queremos proporcionar a elas. Pois a prática pedagógica do educador refletirá necessariamente a concepção de criança e infância que ele tem. Neste sentido as diretrizes deram sua contribuição afirmando que a criança deve ser vista como “sujeito histórico de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imaginam, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura”. Baseados nesta nova concepção de criança, infância e nos princípios Éticos, Políticos e Estéticos afirmados pelas novas Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil, buscaremos construir um currículo mais detalhado para nortear as ações dos educadores do município de Vinhedo, observando a importante orientação que as práticas pedagógicas tenham como eixos norteadores as interações e a brincadeira. Embora o brincar não seja algo inato na humanidade, mas resultado de uma aprendizagem social, ele é considerado por muitos pesquisadores e educadores da infância como uma das linguagens expressivas mais importantes para a criança durante o seu desenvolvimento. Através das brincadeiras as crianças exercitam

60

seus saberes, são desafiadas a resolver problemas, entram em contato com diferentes tipos de materiais e espaços que podem explorar e organizar, fazem parcerias e aprendem a resolver os conflitos que surgem, escolhem os papéis que querem desempenhar colocando em jogo o que sabe sobre a cultura a qual pertencem. De forma lúdica e protegida, através do brincar as crianças vão construindo suas aprendizagens, se lançando sobre o mundo dentro de seu próprio ritmo e são afetadas pelo meio culturais, mas também, o reelaboram e o devolvem como uma nova forma de produção de cultura infantil. Já sabemos que a criança aprende através das interações que realiza sobre o meio físico e social, e o maior instrumento que utiliza para isso é o seu próprio corpo que possui sentidos ávidos pela experimentação de diferentes sensações, que se provocadas e estimuladas lhes trarão informações e aprendizagens sobre o mundo e a cultura em que está inserida. Por isso, as práticas de nossos educadores devem estar organizadas considerando a forma que a criança aprende, prevendo no planejamento atividades em que as crianças possam usar o corpo todo e explorar todos os seus sentidos, principalmente através do brincar e das diferentes formas de parcerias que ele possibilita (VINHEDO, 2013, p.22 grifo nosso).

A frase que grifamos mostra uma concepção de infância como algo cedido às

crianças, que não são vistas como atores sociais que vivenciam e experimentam suas

infâncias. No restante do trecho, diferentemente dos analisados anteriormente, o caminho

seria desenvolver práticas pedagógicas que tivessem como eixos norteadores as interações

e as brincadeiras. Essa forma de organizar o currículo leva em consideração as

especificidades da Educação Infantil e rompe com a organização curricular própria do

Ensino Fundamental (divisão em áreas do conhecimento). Observamos, portanto, uma

tentativa do município, nesse último trecho do documento, de aproximação com DCNEI

não apenas no que diz respeito ao conceito de criança, como também no que se refere ao

papel das interações e brincadeiras no processo educativo.

No entanto, o modo como é estruturada a rotina da Educação Infantil

mostra um grande contrassenso em relação às concepções explicitadas no trecho

anterior, sobretudo quando se organiza essa rotina em uma grade curricular onde os

conhecimentos não são articulados e as interações e brincadeiras não atravessam o

currículo de modo integral. Ao contrário, cada componente curricular possui uma

quantidade de horas pré-definidas a serem desenvolvidas ao longo da semana,

como se observa a seguir:

61

Tabela 1: Grade curricular da Educação Infantil de Vinhedo

Fonte: Proposta pedagógica do Município de Vinhedo, p.21

48.

É importante pensarmos no significado da palavra grade. Por definição,

remete a três características: i) separação/ausência de liberdade, na medida em

que se fecha em determinada formatação curricular, impedindo outras formas de

organização, ii) sustentação, uma vez que as determinações previstas sustentam

as práticas pedagógicas e iii) molde, tendo em vista que enquadra e determina o

fazer pedagógico, como um modelo que deve ser seguido, tirando a possibilidade de

criação de professores e crianças.

O currículo como listas de atividades, grades de conteúdo, técnicas e

procedimentos de ensino não é despretensioso e neutro. Para Silva (1999, p.120) “não

existe saber que não seja a expressão de uma vontade de poder. Ao mesmo tempo, não

existe poder que não se utilize do saber, sobretudo de um saber que se expressa como

conhecimento das populações e dos indivíduos submetidos ao poder”.

48

Disponível em https://goo.gl/RTmJFK. Acesso em 26/05/2017.

62

Ao analisarmos uma grade curricular é possível compreender as

concepções de criança, educação, aprendizagem, relação pedagógica, formação

humana e outras, e explicitar as identidades que serão produzidas conforme a

posição política que as determina. A grade curricular tem como princípio organizar,

verificar quais habilidades serão desenvolvidas nas crianças, buscar instrumentos e

procedimentos para atingir e avaliar a aprendizagem dos conteúdos.

Na grade curricular do município de Vinhedo os eixos de trabalho do RCNEI

(“linguagem oral e escrita”, “matemática”, “natureza e sociedade”, “música” e

“movimento”) refletem uma concepção escolarizante do currículo. Há três áreas do

conhecimento (Educação Artística, Educação Física e Inglês) que são lecionadas por

professores com a respectiva formação específica. Por exemplo: a Educação Física

pertence ao eixo de trabalho “movimento”, de acordo com o RCNEI, mas na grade

curricular aparece separada. O brincar é visto como uma área do conhecimento: deve

desenvolver habilidades específicas (com um tempo determinado e uma quantidade de

aulas a serem dadas pelo professor). A brincadeira é tratada como algo separado das

vivências, como se ela não fosse uma experiência cultural e social, esquecendo-se de

que o brincar é um dos eixos centrais da Proposta Pedagógica:

Brincar uma expressão que nasce no corpo e se prolonga em movimentos de “sentido”. Nada é aleatório no repertório das brincadeiras das crianças, pois elas carregam dentro de si uma memória do passado e do futuro. Sua característica de imprevisibilidade, de imaginação, de sonho e também de inocência e alegria, aponta para uma possibilidade nova de construção do humano (PEREIRA, 2013, p.53).

A importância da brincadeira no processo de socialização e educação das

crianças é também discutida por autores como Fernandes (2004), Corsaro (2011) e

Kishimoto (2010). Em sua produção na década de 1940, Fernandes destaca que

“existe uma cultura infantil – uma cultura construída de elementos quase exclusivas

dos imaturos e caracterizado por sua natureza lúdica” (2004, p.246). Para o autor, as

crianças adquirem, em interações, os elementos da cultura infantil, e “esses são

elementos da cultura adulta, incorporados à infantil por um processo de aceitação e

nela mantidos com o correr do tempo” (idem).

Fernandes (2004) nomeia brincadeiras como “papai e mamãe” de brinquedos

infantis ou folguedos. Em sua pesquisa As Trocinhas do Bom Retiro, nota que as crianças

utilizam mais a função social do que características específicas de uma pessoa, ou seja,

63

o ato de brincar de pai, por exemplo, não é a representação de um pai específico, mas a

ação social de um pai na nossa sociedade. Então, os folguedos não são imitação dos

adultos pelas crianças “porque estes folguedos pertencem ao patrimônio cultural do grupo

e já estão suficientemente despersonalizados, pela duração do tempo e pelas transmissões

sucessivas de grupos” (FERNANDES, 2004, p. 249). Ou seja, as crianças, em grupos

infantis, produzem cultura.

Corsaro (2011), um sociólogo da infância contemporâneo, fala sobre o

papel das culturas infantis no processo de educação e participação das crianças, e

assinala que as brincadeiras são um espaço onde elas podem reproduzir e criar

elementos do mundo que habitam. Esse movimento é denominado como reprodução

interpretativa: “o termo reprodução inclui a ideia de que as crianças não se limitam a

internalizar a sociedade e a cultura, mas contribuem ativamente para a produção e

mudança culturais” e o termo interpretativo “abrange aspectos inovadores e criativos

da participação infantil” (CORSARO, 2011, p.31). Por fim, não podemos deixar de

mencionar o debate proposto por Kishimoto, na Consulta Pública Brinquedos e

Brincadeiras na Educação Infantil:

O brincar é uma ação livre, que surge a qualquer hora, iniciada e conduzida pela criança, dá prazer, não exige, como condição, um produto final, relaxa, envolve, ensina regras, linguagens, desenvolve habilidades, e introduz no mundo imaginário(...) É importante porque dá o poder à criança para tomar decisões, expressar sentimentos e valores, conhecer a si, os outros e o mundo, repetir ações prazerosas, partilhar brincadeiras com o outro, expressar sua individualidade e identidade, explorar o mundo dos objetos, das pessoas, da natureza e da cultura para compreendê-lo, usar o corpo, os sentidos, os movimentos, as várias linguagens para experimentar situações que lhe chamam a atenção, solucionar problemas e criar. Mas é no plano da imaginação que o brincar se destaca pela mobilização dos significados. Enfim, sua importância se relaciona com a cultura da infância que coloca a brincadeira como a ferramenta para a criança se expressar, aprender e se desenvolver (KISHIMOTO, 2010, p.1)

Esses autores nos mostram a importância da brincadeira na produção de

cultura infantil. A disputa curricular se materializa na Proposta Pedagógica e na

grade curricular. Ao classificar os conhecimentos como legítimos ou ilegítimos,

apontamos quais saberes serão privilegiados e quais serão descartados; esta

escolha revela que sujeitos queremos formar e qual modelo de sociedade preferimos

(SILVA, 1999). Sendo assim, os documentos curriculares não têm apenas a

64

finalidade de nortear as práticas pedagógicas, mas também a de produzir uma

retórica política no município.

Outro aspecto que merece nossa atenção diz respeito ao lugar dos

bebês. O documento norteador das políticas municipais para a Educação Infantil não

fala especificamente sobre eles49. São atendidos por profissionais sem formação

específica e cujo contrato prevê apenas atividades de “recreação” e “cuidado”. A

Proposta Pedagógica não oferece orientações específicas para esse trabalho, e não

há no município um documento que trate disso.

Ainda que excluídos da Proposta Pedagógica do município, os bebês não

foram excluídos da página Cidade Educadora. Há, no conjunto de dados analisados,

uma parcela significativa de publicações feitas por auxiliares de Educação Infantil

responsáveis por turmas de berçário I e II50. Discutimos no capítulo 3 as postagens

divulgadas na página da Secretaria de Educação.

49

Ainda que citem em alguns trechos a educação das crianças de zero a três anos, não orientam o trabalho com os bebês, como faz com a educação das crianças a partir de dois anos.

50 O grau de escolarização exigido para esta função é Ensino Médio.

65

3. ANÁLISE DAS POSTAGENS DA PÁGINA CIDADE EDUCADORA (VINHEDO)

66

3.1 Analisando alguns termos

Utilizamos o programa N-Vivo para identificar as publicações específicas

da Educação Infantil51 postadas no Facebook da “Cidade Educadora”. Foram

selecionadas 815 referências. Primeiramente verificamos os 50 termos que ocorrem

com mais frequência nas publicações52:

Tabela 2: Palavras mais usadas nas publicações Palavra Contagem Percentual ponderado

(%)

Crianças 568 1,83

Alunos 277 0,89

Semana 225 0,72

Educação 210 0,67

Atividades 185 0,59

Turma 176 0,57

Projeto 144 0,46

Escola 140 0,45

Municipal 137 0,44

Infantil 136 0,44

Fase 132 0,42

Pequeno 130 0,42

Professora 125 0,40

Auxiliares 123 0,40

Brincadeiras 120 0,39

Maternal 120 0,39

História 94 0,30

Momento 92 0,30

Vinhedo 90 0,29

Festa 89 0,29

Mônica 89 0,29

Pais 88 0,28

Pica 85 0,27

Brincar 80 0,26

Família 80 0,26

Ensino 72 0,23

Polegar 72 0,23

Leitura 70 0,22

Participaram 68 0,22

51

Foram selecionadas as publicações em que aparecem as palavras “C.E.I.”, “C.E.I.s”., “CEI” e “CEIs” e “infantil/infantis”.

52 Nesta busca selecionamos palavras com no mínimo quatro letras. Foram excluídas as que não tinham sentido para pesquisa (“como”, “entre”, “também”, “seus” etc).

67

Equipe 66 0,21

Pedrinho 64 0,21

Diversão 62 0,20

Branca 60 0,19

Alegria 58 0,19

Emília 58 0,19

Neve 58 0,19

Unidades 58 0,19

Mágico 57 0,18

Aula 56 0,18

Amarelo 55 0,18

Anastácia 54 0,17

Berçário 54 0,17

Realizada 52 0,17

Sexta 52 0,17

Feira 51 0,16

Apresentação 50 0,16

Durante 50 0,16

Visconde 49 0,16

Trabalho 49 0,16

Diferentes 48 0,15

Fonte: Elaborado pela autora.

As palavras mais frequentes foram classificadas:

● pessoas: criança(s), aluno(s), professora(s)/e(s), auxiliar(es), equipe(s), família(s) e pai(s)/mãe(s).53

● objetivo da ação pedagógica: educação, ensino, aula, trabalho.

● formas de organização das crianças: berçário, fase, turma e maternal.

● organização curricular: semana, atividade e projeto.

● atividades: brincadeiras, festa, leitura, apresentação e história.

● local das instituições e formas de nomeá-las: Vinhedo, unidades, escola, municipal, infantil).

● marcações do tempo: semana, feira, sexta, durante, momentos.

● sentimentos despertados: diversão e alegria.

● Participaram e Diferentes54 não foram incluídas em nenhuma categoria.

53

Ausência dos termos meninos e meninas mostra a falta de discussão sobre a questão de gênero no município de Vinhedo.

54 A palavra diferente apareceu na maioria das publicações como adjetivo. Por exemplo: diferentes brincadeiras, diferentes hortaliças, diferentes tintas etc. Encontramos duas publicações que utilizaram a frase “tudo bem ser diferente”: uma referia-se ao livro do Todd Parr que tem este nome e, a outra, aparece em uma publicação sobre a Semana da Pessoa com Deficiência.

68

● nomes dos Centros de Educação Infantil: Pequeno Polegar, Turma da Mônica, Visconde de Sabugosa, Tia Anastácia, Pica Pau Amarelo, Mágico de Oz, Emília, Branca de Neve, Pedrinho.

Em relação ao último grupo, nos cabem os seguintes questionamentos:

De onde vêm estes nomes? Por que são estes e não outros? Por que não é o nome

de um líder comunitário? De uma mulher que lutou por creche? Ou de alguém da

história de Vinhedo. Isto nos revela a identidade cultural que se pretende produzir.

Não há uma valorização da história dos cidadãos vinhedenses, das lutas sociais nos

âmbitos municipal e nacional.

Analisamos alguns termos que aparecem na Tabela 2 e estão presentes

na Proposta Pedagógica do município e nas reportagens do site da prefeitura. Estes

termos mostram o posicionamento do município frente aos debates atuais no campo

da Educação Infantil.

Atualmente é possível encontrar na área da Educação Infantil um movimento investigativo em torno das crianças e suas infâncias. Esse esforço de compreensão vem agregar-se a outras contribuições de diferentes áreas do conhecimento na constituição de uma Pedagogia da Educação Infantil (FINCO, 2015, p.236)

Uma Pedagogia da Educação Infantil tem centralidade nas crianças, se

afastando de práticas dos demais níveis de ensino. Sendo assim, alguns termos

achegados à concepção escolar estão sendo evitados e substituídos, como: “aluno”

por “criança”, “ensino” por “educação”, “escola” por “Centro de Educação Infantil”,

“aula” por “interação entre adultos e crianças” etc. Na Tabela 2, podemos observar

este embate nas categorias: pessoas, objetivo da ação pedagógica, local das

instituições e formas de nomeá-las.

Observamos nas publicações que quem frequenta a instituição é

nomeado como crianças e alunos.

69

Gráfico 1: Pessoas

Fonte: Elaborado pela autora.

Observamos que na maioria das vezes se utiliza a palavra “crianças”, mas ainda há um

número significativo de publicações que trazem a palavra “aluno”. No campo da Educação

Infantil as duas expressões não são sinônimas: refletem posições antagônicas.

A passagem da compreensão da criança como simples objeto ou produto da ação do adulto para a de um ator (ou parceiro) de sua própria socialização é, portanto, a grande mudança que se estabelece: a criança não é receptáculo passivo de socialização numa ordem social adulta. Esta releitura crítica do conceito de socialização no quadro estrutural-funcionalista – que leva a considerar a criança como um ator social – também despe de “naturalidade” e desinteresse” a visão moderna de infância (PINTO, 1997) e isto, por sua vez, nos permite compreender o caráter essencialmente político das visões de infância/ crianças nas, porque relacionadas à constituição e manutenção de determinada ordem social (MARCHI, 2010, p.3)

Compreender a criança como ator social é vê-la como um ser ativo que,

ao mesmo tempo em que reproduz cultura, também a produz. A Sociologia da

Infância acredita numa concepção multidimensional, “onde a criança é vista como

um parceiro, um também agente de sua própria formação”, substituindo a concepção

funcionalista da Sociologia da Educação, que compreende “a socialização da

criança como processo vertical de inculcação e transmissão de valores e saberes

aos imaturos visando sua formação em indivíduos plenamente adaptados ao meio

social a que estão destinados” (MARCHI, 2010, p.5).

568

277

125 123 88 80 66

Crianças Alunos Professora Auxiliares Pais Família Equipe

70

A Sociologia da Educação estuda as funções das instituições modernas

de que as crianças participam, a escola e a família. Seus estudos se concentram no

papel de aluno.

O “ofício de aluno” pode ser definido antes de tudo como a “aprendizagem das regras do jogo” escolar. Ser “bom aluno” não é somente assimilar conhecimento, mas também estar disposto a “jogar o jogo” da instituição escolar e estar disposto a exercer um papel que revela tanto conformismo quanto competência. Assimilar o currículo, não somente a formal, mas também o chamado “currículo oculto” (onde se apresenta as regras não explícitas, mas igualmente necessárias da cena pedagógica) é tornar-se um “nativo da cultura escolar”, capaz de desempenhar o “papel de aluno” sem perturbar a ordem institucional nem demandar atenção particular (MARCHI, 2010, p.5)

A Sociologia da Infância move-se para o estudo da criança e do seu modo

de vida, e esses saberes contribuem para constituição da Pedagogia da Educação

Infantil. As DCNEI, em consonância com essa pedagogia, pensam o fazer

pedagógico a partir da criança e suas relações, valorizando o lúdico, as brincadeiras

e as culturas infantis.

A palavra “aluno” é a segunda mais utilizada nas publicações analisadas.

Ao utilizar esse termo, o município continua desconsiderando a especificidade da

Educação Infantil e seus documentos nacionais. Para compreender melhor o

posicionamento da Secretaria da Educação, analisamos uma publicação que é

também parte de uma reportagem publicada no site da prefeitura, de autoria da

Secretaria de Educação.

71

55

Esta publicação mostra os bebês (recém-chegados ao mundo) no ofício

de aluno, começando a tornar-se um “nativo da cultura escolar”: as práticas buscam

seu desenvolvimento motor e neurológico, e os projetos são determinados

unilateralmente pelos adultos. Para Larrosa (2015), a criança ao nascer traz o novo

e o enigmático, rompe com as nossas certezas e inicia um novo tempo, uma

possibilidade de mudança da história; coloca em risco, pois, as estruturas

hegemônicas. A educação muitas vezes tem o objetivo de integrá-la e transformá-la

em cidadã, reduzindo-a ao que já existe, ao invés de recebê-la, acolhê-la, ouvi-la e

estar disposta a se abrir ao novo. Assim

Um currículo para criança pequena exige estar inserido na cultura, na vida das crianças, das famílias, das práticas sociais e culturais, ou seja, é um currículo situado que encaminha para a experiência não na perspectiva do seu resultado, mas naquela que contenha referências para novas experiências, para a busca do sentido e do significado, que considera a dinâmica da sensibilidade do corpo, a observação a constituição de relação de pertencimento, a imaginação, a lucidade, a alegria, a beleza, o raciocínio, o cuidado consigo e com o mundo (BARBOSA e RICHTER, 2015, p.196).

Foi pensando nesta especificidade que, quando esta etapa passou a integrar

55

CIDADE EDUCADORA. Facebook. 14/04/2015. Disponível em https://goo.gl/AVdGPp Acesso em 24/12/2017.

72

a Educação Básica, foi nomeada como Educação Infantil “com a intencionalidade de

diferir do termo ensino que antecedia as etapas Fundamental e Médio” (BARBOSA e

RICHTER, 2015, p.196). No entanto, notamos em várias publicações, reportagens e

na Proposta Pedagógica do Município de Vinhedo, nomeia inadequadamente esta

etapa como Ensino Infantil.

A análise dos modos de nomear a instituição e as atividades revelam a

compreensão que se tem a respeito da Educação. Vejamos no Gráfico 2 a quantidade de

vezes em que os termos “educação”, “ensino”, “aula” e “trabalho” aparecem:

Gráfico 2: Objetivos das ações pedagógicas

Fonte: Elaborado pela autora.

Com 72 ocorrências da palavra “ensino” e 56 da palavra “aula”, nos parece que a

concepção de Educação Infantil ainda apresenta traços de etapas de ensino.

Na história da educação foram muitas denominações usadas para diferenciar instituições educativas: academia, liceu, ginásio, colégio, universidade. Cada uma dessas unidades educacionais apresentam um modo específico de funcionamento. Todas apresentam elementos comuns de “escola”, mas garante suas especificidades que têm relação com a idade, com os modos de aprender, com o tipo de conhecimento a ser transmitido, com o tipo de formação dos profissionais. Garantir esta especificidade na concepção de escola para Educação Infantil é fundamental. (BARBOSA e RICHTER, 2015, p.187).

Mostramos no gráfico abaixo, que ilustra a categoria local das instituições

e formas de nomeá-las, que “escola” aparece 140 vezes:

210

72

56 49

Educação Ensino Aula Trabalho

73

Gráfico 3: Local das instituições e formas de nomeá-las

Fonte: Elaborado pela autora.

“Escola” é a palavra mais mencionada nesta categoria. Mais uma vez o

município se posiciona mais como uma etapa de transmissão do que de vivência de

experiências. Acreditamos que são importantes os termos que utilizamos na

Educação Infantil, pois, ao nos afastarmos dos conceitos que são utilizados para

pensar as outras etapas da Educação, afirmamos as especificidades desta etapa.

Ainda pensando a nomeação, analisamos a categoria formas de

organização das crianças: berçário, fase, turma e maternal. Estes termos carregam

diversas concepções pedagógicas de Educação Infantil.

o Berçário faz referência a berço, que podemos compreender como: i) começo / início / origem, ii) características ligadas à primeira infância, iii) uma pequena cama com grade que protege e embala o bebê. O objeto berço foi muito utilizado nas instituições de Educação Infantil para conter o bebê, no intuito de protegê-lo. A partir de uma pedagogia da Educação Infantil, a intenção é a exploração do espaço pelo bebê e a possibilidade de interação com os objetos, com os adultos e com os outros bebês. Por isso, os berços, que enchiam os espaços e permitiam que os bebês passassem grande parte do dia dentro deles, foram substituídos por colchões (no chão), que permitem sua mobilidade.

o Fase: refere-se a progresso, a crescimento, a um período com características próprias que passará por sucessivas mudanças. No campo da pedagogia está muito ligado ao desenvolvimento infantil (psicologia): a cada fase há uma expectativa de desenvolvimento.

o Maternal: relativo à relação entre mãe e filho. Contém traços de uma

140 137 136

90

58

Escola Municipal Infantil Vinhedo Unidades

74

Educação Infantil voltada exclusivamente para o cuidado, que seria tarefa da mãe (a mulher “naturalmente” preparada para o cuidado das crianças e da família).

o Turma: grupo de pessoas com objetivos comuns e interesses parecidos. Muitas vezes há uma liderança.

Os termos “berçário”, “maternal” e “fase” são usados para agrupar as

crianças em uma seriação anual:

Tabela 3: Agrupamento das crianças nas turmas

Nomenclatura Idade

Berçário I 4 -12 meses

Berçário II 1 ano completo até 31/03

Maternal I 2 anos completos até 31/03

Maternal II 3 anos completos até 31/03

Fase I 4 anos completos até 31/03

Fase II 5 anos completos até 31/03

Fonte: Elaborado pela autora.

As DCNEI visam uma maior interação das crianças de diferentes faixas

etárias, o que não se encaixa na seriação anual realizada no município de Vinhedo.

Maria Carmem Barbosa (2009, p.5) define “bebês como crianças de 0 a 18 meses;

crianças bem pequenas como crianças entre 19 meses e 3 anos e 11 meses;

crianças pequenas como crianças entre 4 anos e 6 anos e 11 meses”. Estas

especificidades podem ser consideradas ao agrupar as crianças em turmas. Alguns

municípios e instituições vêm considerando as discussões dos especialistas da área

e as contribuições das DCNEI e modificaram a forma de organizar as crianças e a

nomenclatura das turmas. No município de Vinhedo, não houve esta discussão e as

nomenclaturas utilizadas estão naturalizadas.

Sabemos que não basta apenas mudar a nomenclatura, é preciso

práticas pedagógicas que condizem com a especificidade dos bebês e das crianças

pequenas. Para mudar a prática é necessário debate e conscientização, mudança

na forma de pensar o currículo e as políticas públicas. Pode haver uma mudança de

postura quando se muda o uso do conceito. Mas será que isso é possível no

contexto atual do município de Vinhedo?

75

3.2 Análise das postagens: modelos de planejamento

Para cumprir com os propósitos desta pesquisa, acreditamos que é essencial

compreender as relações que se estabelecem no âmbito da Educação Infantil. Por isto

analisamos as publicações que apresentam as expressões identificadas em verde,

agrupadas na categoria organização curricular (atividade, semana e projeto).

No Brasil, segundo Ostetto (2013), os modelos de planejamento mais

recorrentes são: “lista de atividades”, “datas comemorativas”, “áreas do desenvolvimento”,

“áreas de conhecimento” e “por tema”. Observamos na Tabela 2 que a organização

curricular das publicações da página Cidade Educadora predominantes são: “semanas

comemorativas”, “atividades” e “projetos”. Os três modelos mais recorrentes foram

definidos a partir do ponto de vista teórico de Ostetto (2013), Abramowicz e Wajshop

(1999), Barbosa (2006 e 2008) e Silva (2010). Vejamos:

Semanas comemorativas

● Repetição anual dos mesmos assuntos;

● Conhecimento superficial, sem aprofundamento das temáticas;

● Pouca criação das crianças e do professor;

● Assunto distante do interesse das crianças;

● Grande parte das datas é escolhida por adultos;

● As datas mantêm a identidade hegemônica do homem branco, heterossexual, europeu e cristão; e

● Incentivo ao consumo e às práticas religiosas dominantes (catolicismo).

Atividades

● Ações fragmentadas e repetitivas, sem continuidade pedagógica;

● Necessidade de ocupar o tempo das crianças, sem um propósito educativo; e

● Pouca relação com a vivência das crianças.

Projetos

● Surgem dos acontecimentos cotidianos nos CEIs;

● Os temas podem ser sugeridos por crianças, professor(a) ou pais;

● Criação e autonomia do professor e das crianças;

● Prática interdisciplinar; e

● Aprofundamento dos assuntos.

Vejamos a seguir como as postagens analisadas remetem a cada um

destes modelos de organização curricular.

76

3.2.1 Semanas comemorativas

Diante da grande ocorrência da palavra “semana”, buscamos

compreender como é significada nas publicações. Primeiramente calculamos o

percentual de publicações em que a palavra aparece:

Gráfico 4: Publicações em que aparece a palavra “semana”

Fonte: Elaborado pela autora.

Aparece em 197 publicações, que categorizamos em três grupos:

I. Informes da Prefeitura: marcam o período de tempo, e têm a função de informar a população sobre eventos que vão ocorrer ou já ocorreram.

II. Atividades nas unidades: também marcam o período de tempo, mas a função deste tipo de publicação é apresentar as ações curriculares desenvolvidas nos CEIs.

III. Semanas comemorativas: período de tempo em que se comemora determinado acontecimento considerado relevante do ponto de vista cultural, histórico, social, etc.

No gráfico abaixo sistematizamos os dados a partir destas categorias:

Gráfico 5: Categorização das publicações com a palavra “semana”

Publicações com a palavra

semana ; 24,17%

Outras publicações ;

75,83%

77

Fonte: Elaborado pela autora.

Como grande parte das publicações (84%) é referente às semanas

comemorativas, categorizamos acontecimentos mais rememorados:

Tabela 4: Semanas comemorativas

Semanas Quantidades

Semana da Criança 50

Semana do Brincar 30

Semana da Pátria ou Cívica 25

Semana da Leitura 21

Semana Especial (férias, voltas aulas, adaptação) 14

Semana da Páscoa 8

Semana do Deficiente 7

Semana do Aniversário de Vinhedo 2

Semana do Trânsito (Maio Amarelo) 2

Semana do Meio Ambiente 1

Semana do Folclore 1

Semana do Carnaval 1

Semana das Mães 1

Semana da água 1

Semana do idoso 1

Soma Acumulada 165

Fonte: Elaborado pela autora.

Na Tabela 4 mostramos que há 13 semanas relacionadas a datas

comemorativas, fora as semanas especiais (semana de adaptação, semana de

férias, última semana do ano e outras). Em média, um ano letivo tem 42 semanas,

portanto grande parte das atividades pedagógicas é baseada em atividades

comemorativas. Há comemorações que são mais publicadas, como as semanas da

Semanas comemorativas

84%

Atividades das Unidades

11%

Informes da Prefeitura

5%

78

criança, do brincar, da pátria e da leitura56. Ao buscar essas comemorações no site

da prefeitura descobrimos que são determinadas pela Secretaria de Educação. Por

exemplo, a Semana do Brincar: “as crianças das 19 unidades de Educação Infantil

da Prefeitura de Vinhedo tiveram uma semana diferente. É que a Secretaria de

Educação adotou, já pelo terceiro ano seguido, a semana do brincar”57.

São escolhidas algumas festividades a partir do ponto de vista do adulto e

de uma visão dominante (em especial, dos grupos que detém o poder e a riqueza,

excluindo diversas facetas da história). Nas publicações, na maioria das vezes

aparecem atividades propostas pelas equipes para todas as turmas. Por exemplo:

na semana da Pátria, visita dos cachorros da Guarda Municipal, carimbo nas mãos

das crianças para formar a bandeira do Brasil, confecção de adereços com papel

crepom com as cores azul, verde e amarelo, apreciação do Hino Nacional, chapéu

de jornal de soldado, produção de enfeites em verde e amarelo etc. Ao acabar a

semana é iniciada outra comemoração, e assim por diante. Trata-se, portanto, de

um planejamento por lista de atividades, apesar de ter uma aparência de

continuidade. Concordamos com Ostetto (2013, p.183):

A articulação é aparente justamente porque não amplia o campo de conhecimento para as crianças, uma vez que as datas se fecham-se em si mesmas, funcionando mais como pretexto para desenvolver esta ou aquela atividade ou habilidade.

Esse é um planejamento rudimentar, mas ainda utilizado na Educação

Infantil. É um modelo que está atrelado à repetição de ritos ano a ano (mesmo que

os professores modifiquem as músicas, os desenhos e os presentes, os objetivos e

as comemorações são os mesmos) e as atividades tratam os conhecimentos de

forma superficial e simplória. Para Barbosa (2008, p.40), esse modelo de

planejamento ainda continua sendo realizado porque

a formação de professores ainda é precária no que diz respeito aos conhecimentos específicos que eles precisarão trabalhar com as crianças de educação infantil. Nos cursos de formação de professores, dificilmente os docentes têm experiência na Educação Infantil ou em pesquisas que relacionem a sua área de conhecimento e a infância. Os currículos privilegiam as disciplinas de fundamentos e metodologias de

56

Analisamos as datas comemoradas mais detidamente em 3.3 Análise das postagens sobre atividades comemorativas.

57 VINHEDO, 29/05/2015. Disponível em http://goo.gl/3bISQO. Acesso em 06/06/2017.

79

ensino, que dificilmente agregam uma revisão dos conhecimentos curriculares que podem (ou devem) ser trabalhado mais do que aquilo que vai ser estudado. Assim, em sua prática, os professores ensinam o que há de senso comum, com conhecimentos simplórios, muitas vezes aqueles que adquiriram em sua própria infância, isto é, conhecimento desnaturalizado, fragmentado e óbvio.

No caso da Educação Infantil da rede municipal de Vinhedo, além da

problemática apresentada por Barbosa, também há o incentivo e valorização dessa

forma de organização curricular por parte da Secretaria de Educação.

Constatamos que as datas comemorativas são uma forma recorrente de

organizar o planejamento curricular. No entanto, neste capítulo analisamos apenas

24,17% das publicações, que são as que mobilizam a palavra “semana”. Apresentamos

adiante uma análise mais ampla (ver 3.3 Análise das postagens sobre atividades

comemorativas), contemplando todas as publicações dos anos de 2015 e 2016).

3.2.2 Atividades

A atividade na vida cotidiana é vista como ação, movimento e operação. O

sujeito da atividade é ativo e potente, porém, nas instituições escolares, geralmente as

crianças realizam a mesma atividade, ao mesmo tempo.

Segundo Ostetto (2013) o planejamento por lista de atividades é um

modelo no qual o professor propõe os exercícios que serão desenvolvidos58. De

acordo com a autora, “esse tipo de planejamento é rudimentar, pois não vem

embasado em qualquer princípio educativo explícito. O que define é a necessidade

de ocupar as crianças durante o tempo em que permanecem na instituição”

(OSTETTO, 2013, p. 180). Desconsidera, por exemplo, a relação entre a educação e

a vivência pessoal, que é fundamental para gerar experiências.

Das 815 publicações analisadas, selecionamos as que mobilizam a

palavra “atividade” (são 149 incidências):

58

Por exemplo: segunda-feira, leitura de história, massinha, desenho livre e parque etc. As atividades são repetidas semanalmente.

80

Gráfico 6: Publicações com a palavra “atividade”

Fonte: Elaborado pela autora.

Primeiramente separamos as atividades comemorativas, que visam

comemorar e exploram temas ou acontecimentos. As restantes dividimos em:

atividades de exploração livre com diversos materiais, atividades dirigidas para

ensinar conhecimentos / atitudes específicas e informes da prefeitura à população

sobre atividades que vão ocorrer ou já ocorreram.

Gráfico 7: Função da palavra “atividade” nas publicações

Fonte: Elaborado pela autora.

Publicações com a palavra atividade

18%

Outras publicações

82%

Atividades Comemorativas

38%

Atividades de exploração livre

37%

Atividades dirigidas para

ensinar conhecimento/ati

tude específica 16%

Informes 9%

81

Optamos por analisar apenas as atividades de exploração livre e

atividades dirigidas59. Nas atividades de exploração livre os professores e auxiliares

de Educação Infantil têm objetivos a serem atingidos, mas há a possibilidade de as

crianças criarem e transformarem espaços e materiais. Encontramos atividades

como exploração livre (de jornal, livro, argila e massinha), pintura com guache e

meleca, experimentação e brincadeira com macarrão cozido, teatro de fantoche,

brincadeiras de faz-de-conta e outras.

Para as atividades orientadas, que têm o objetivo de ensinar um conhecimento

ou uma atitude específica, há propostas como: teatro (ensinar as crianças a conviverem),

salada de frutas (ensinar o nome das frutas em inglês), caça-nomes (ensinar a leitura e

escrita de palavras), caixa de resolução de problemas (desenvolver conceitos matemáticos) e

outras. O professor orienta todo o processo para atingir os objetivos propostos, diminuindo os

momentos de criação e exploração das crianças.

Ter na rotina dos CEIs esses dois modelos de atividades é importante:

A programação diária deve contemplar momentos de trabalho orientado e momentos livres, além da higiene da alimentação. O mais adequado é que se possam estabelecer vínculos entre os trabalhos propostos e as brincadeiras das crianças, através da oferta de materiais e espaços comuns, articulados em torno dos projetos desenvolvidos (ABRAMOWICZ E WAJSKOP, 1999, p.14).

Observamos que a maioria das atividades não é vinculada aos projetos

das turmas. Grande parte das publicações que analisamos são sobre atividades

realizadas por auxiliares de Educação Infantil, e nos parece que a maioria não

desenvolve projetos.

Das 149 publicações que têm a palavra “atividade” no corpo do texto, 70 são

referentes a datas comemorativas e informes. As demais, em sua maioria são

pertinentes, porém desvinculadas de um projeto. O planejamento organizado a partir de

lista de atividades envolve ações fragmentadas, repetitivas, sem continuidade pedagógica

e com a necessidade de ocupar o tempo das crianças. No entanto, as propostas partem

de músicas, histórias e brinquedos apreciados por elas.

59

As atividades comemorativas serão analisadas adiante (3.3 Análise das postagens sobre atividades comemorativas).

82

Gráfico 8: Frequência das publicações com a palavra “atividade”

Fonte: Elaborado pela autora.

Neste gráfico mapeamos a frequência destas publicações entre julho/2014 e

dezembro/2016. O perfil no Facebook foi criado no período em que foi oferecido aos

gestores o curso Lideres Brasil, e após a promulgação do decreto 084/2014. Nos dois

primeiros semestres de funcionamento da página houve um maior número de

publicações. Naquele momento havia, por parte da prefeitura, a exigência de que os

gestores publicassem as atividades que ocorriam nas unidades educacionais e que eles

tivessem um perfil no Facebook para curtir essas publicações.

Na Tabela 5 agrupamos as publicações por semestre:

Tabela 5: Frequência das publicações com a palavra “atividade”

Período Quantidade Porcentagem

2º semestre de 2014 37 24,83%

1º semestre de 2015 69 46,31%

2º semestre de 2015 22 14,77%

1º semestre de 2016 7 4,70%

2º semestre de 2016 14 9,40%

Fonte: Elaborado pela autora.

Os dois primeiros semestres, após a implementação, somam um total de

106 publicações, o que representa 71,14% das postagens.

Quando observamos a incidência de publicações (que têm no corpo do

texto a palavra “atividade”), considerando as categorias de análise, a concentração

de publicações é diferente em cada período:

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

83

Gráfico 9: Concentração de publicações com a palavra “atividade”

Fonte: Elaborado pela autora.

As atividades comemorativas são mais concentradas nos meses de

abril e maio (em que se comemora o aniversário de Vinhedo, o dia do livro e o dia do

brincar) e em setembro e outubro (em que se dão as comemorações do dia da

Pátria e o dia das crianças). Os informes ocorrem em maior número nas férias, já

que diminuem as publicações nestes meses. Os informes fazem com que a página

permaneça ativa. Nas atividades dirigidas para ensinar conhecimentos/atitudes

específicas, a única regularidade observada é que em janeiro e julho não há

publicações. Estes são os meses de férias dos professores e, mesmo que os auxiliares

de Educação Infantil permaneçam nas creches, não são postadas suas atividades.

Atividade de exploração livre seguiu o fluxo das publicações gerais, com um maior

número nos dois primeiros semestres. Há um empenho da Secretaria da Educação

no momento inicial de criação da página em fazer postagens constantes, mas com o

passar do tempo elas diminuem.

A partir dos dados analisados observamos como fatores externos (como

datas comemorativas, parcerias público / privado e público / não-estatal, imposição

da Secretaria da Educação e outros) influenciam no fazer pedagógico. Há, pois,

pouca autonomia nas ações docentes.

0

2

4

6

8

10

12

Atividades Comemorativas

Atividades de exploração livre

Atividades dirigidas para ensinar conhecimento/atitude específica

Informes

84

3.2.3. Projeto

Pensar o planejamento a partir de um projeto não é algo novo. John

Dewey, no início do século XX (1908), utilizou pela primeira vez essa expressão no

campo educacional. Dewey concebia os programas escolares com mais criatividade,

era contrário à pedagogia tradicional. Sua iniciativa enfrentou dificuldades nos

sistemas nacionais de educação e, por isso, ficaram limitadas a experiências mais

pontuais (BARBOSA, 2008).

Para Barbosa (2008) foi também naquele século que a maioria da

população teve acesso às instituições educacionais, mas com grande número de

evasão, muitas vezes pela falta de sentido das propostas curriculares. Para a autora,

é necessário pensar uma forma de planejamento que considere as experiências dos

sujeitos, e a pedagogia de projetos é uma possibilidade.

Entendemos que o projeto é “um processo criativo para alunos e

professores, possibilitando o estabelecimento de ricas relações entre ensino e

aprendizagem, que certamente não passa por superposição de atividades”

(BARBOSA, 2008, p. 53). Deve ser pensado a partir de

questões relativas às culturas de origem das crianças, da televisão, do rádio, de um circo que chegou à cidade, de uma festa, de um acontecimento individual, da leitura de um livro, da observação de fenômenos naturais... Podem ser trazidos pelos educadoras, pelas crianças e pelos pais... Derivam às vezes de uma situação inesperada, imprevisível e até ocasional! (ABRAMOWICZ E WAJSKOP, p.14, 1999).

Em 88 postagens aparece a palavra “projeto” (10,80% do total), e as

classificamos conforme os seguintes critérios:

● Projetos municipais: de autoria dos membros da secretaria, são executados por eles e também pela direção das instituições e professores.

● Projetos dos CEIs: de autoria da equipe da instituição, são realizados por professores e auxiliares juntamente com as crianças.

● Projetos para as turmas: de autoria do professor responsável.

● Projetos das crianças: pensados e executados pelas crianças.

85

Gráfico 10: Categorização das publicações com a palavra “projeto”

Fonte: Elaborado pela autora.

Apenas uma publicação refere-se ao projeto de uma criança, este registro

da prática descreve a construção de um objeto com peças de montar. Neste cenário

político, jamais um projeto de criança ganharia visibilidade. Não interessa, não cabe,

não responde à demanda e exigência do município. Talvez esse não seja o local

onde estes projetos sejam postados. O facebook da Secretaria da Educação é uma

via de mão dupla: a Secretaria da Educação exige, a comunidade educativa

comprova em troca de seu status. Sendo assim, não se tem status visibilizando a

criança. Vejamos agora os projetos que tem visibilidade no Facebook da Secretaria

da Educação.A maioria das postagens é sobre projetos municipais (48%). No site da

prefeitura há a seção Programas e Projetos da Rede Municipal de Ensino. Na

Educação Infantil, são listados:

Autosserviço da merenda escolar: satisfeitos nas refeições e, consequentemente, incentivá-los a experimentar novos sabores e a optar naturalmente pelos de alto valor nutricional, benéficos à sua saúde. É oferecido às crianças a partir dos 3 anos de idade.

Brincar: incentiva atividades a promoção de atividades que resgatam o desenvolvimento de brincadeiras e jogos da cultura brasileira junto às crianças, ajudando a estimular algo indispensável ao desenvolvimento infantil: o hábito de brincar aliado ao conhecimento. É promovido nos CEIs por meio de parceria com a Fundação Volkswagen, idealizadora da iniciativa. Vinhedo é o único município brasileiro que há mais de cinco anos oferta a iniciativa e que, atualmente, promove a etapa pioneira do projeto, de formação dos educadores no âmbito municipal.

Educanvisa: promovido por meio da parceria com a Agência Nacional de

Projetos Municipais

48%

Projetos dos CEIs 20%

Projetos das Turmas

31%

Projeto da Criança

1%

86

Vigilância Sanitária (Anvisa) e em conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde, leva aos alunos ações e estratégias para educação em saúde para transformá-los em agentes multiplicadores do conhecimento, a fim de que disseminem aos seus pais e à comunidade conceitos básicos de saúde e os riscos relacionados ao consumo de medicamento e de alimentos industrializados.

LIBRAS: a Secretaria Municipal de Educação passou a oferecer de forma ampliada, para todos os seus funcionários a capacitação em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) por meio da equipe de educação especial. A capacitação, que é destinada especialmente aos servidores municipais interessados, habilita seus participantes à compreensão e à utilização deste tipo de língua, comumente utilizada por pessoas com deficiência auditiva e considerada a oficial da comunidade de surdos no Brasil.

Mesas informatizadas: que colaboram no desenvolvimento de diversas habilidades e auxiliam na aprendizagem de conteúdos curriculares de várias áreas do conhecimento. que colaboram no desenvolvimento de diversas habilidades e auxiliam na aprendizagem de conteúdos curriculares de várias áreas do conhecimento.

Município Verde-Azul: alunos passam a participar de atividades de educação ambiental dentro das dez premissas do programa.

Programa Prefeito Amigo da Criança (PPAC): com o objetivo de priorizar as crianças e adolescentes de Vinhedo e mobilizar a sociedade para participar e acompanhar políticas públicas com este enfoque, o prefeito Milton Serafim assinou o termo de compromisso PPAC, promovido pela Fundação Abrinq – órgão sem fins lucrativos que ajuda na mobilização da sociedade em questões relacionadas aos direitos da infância e da adolescência. Vinhedo está entre os 183 municípios brasileiros que conquistou o reconhecimento pleno no desenvolvimento de ações focadas ao público infanto-juvenil pelo PPAC. O prêmio, entregue ao prefeito Milton Serafim em 2012, reconheceu Vinhedo entre os municípios que mais avançaram nos últimos anos na garantia dos direitos das crianças e adolescentes.

Programa Sun: instituiu o ensino da língua inglesa a partir dos 3 anos na Rede Municipal de Ensino. Nesta faixa etária o idioma é apresentado de forma lúdica e divertida à criança, para que ela já assimile o conteúdo e para que se familiarize naturalmente com a nova língua. Desde 2012, as crianças dos 3 anos aos 5 anos e 11 meses, atendidos em período integral, passaram a contar com mais uma aula de inglês por semana, ampliando a aprendizagem da língua inglesa nos anos iniciais da Rede Municipal de Ensino.

Saúde do Escolar, Psicologia do Escolar e Atendimento Educacional Especializado: equipe de educação especial se organiza para promover atividades de atenção voltadas a alunos com deficiência ou necessidades especiais de aprendizagem, a fim de colaborar ao seu desenvolvimento global.

Semana de Arte: as crianças da educação infantil, a exemplo de todos os alunos da rede, passam a desenvolver trabalhos de expressão cultural e artísticas baseados em temas sugeridos pela Secretaria Municipal de Educação para exposição especial aberta à população.

Vinhedo Desenvolvendo Ações de Saúde (VIDAS): envolve todos

87

os estudantes matriculados em nas EMs e CEIs e oferece acompanhamento médico, odontológico, nutricional e atendimento oftalmológico de forma gratuita60.

Esse grande número de projetos e programas da Secretaria Municipal de

Educação a serem realizados (obrigatoriamente), juntamente com a obrigatoriedade de

comemorar determinadas datas, nos mostra que a equipe do CEI teria poucos momentos

para desenvolver atividades próprias da comunidade local. Isso é um indício de sua pouca

autonomia para decidir as propostas a serem realizadas, contrariando as DCNEI, que

afirmam que o PPP deve orientar as ações nos CEIs: ele “é um instrumento político por

ampliar possibilidades e garantir determinadas aprendizagens consideradas valiosas em

certo momento histórico” (OLIVEIRA, 2010, p.4).

Categorizamos as postagens referentes aos projetos:

Gráfico 11: Projetos municipais

Fonte: Elaborado pela autora.

Ao comparar os projetos e programas descritos no site da prefeitura e as

publicações no Facebook, observamos que há programas que foram descritos, mas não

há publicações referentes a eles. O Projeto Taekwondo para todos61 (uma publicação) e

60

VINHEDO. Disponível em http://goo.gl/5unnIS. Acesso em 06/06/2017.

61 É um projeto na secretaria de esporte que ensina Taekwondo no turno oposto ao escolar, em 11 instituições escolares. Dentre elas, alguns CEIs, conforme a reportagem “Taekwondo para Todos: Prefeitura cria nova modalidade para projeto social que oferece esporte no contraturno escolar”, publicada no site da prefeitura dia 22/09/2015, disponível https://goo.gl/Varbr, acesso em 28/05/2017.

Quintais da Infância

22%

Educanvisa 19% Mãe

Educadora/Dia da Família/Escola de

Pais 41%

Taekwondo para todos

2%

Mais Educação 2%

Incentivo à leitura 14%

88

Mais Educação62 (uma publicação) não aparecem como projetos da Educação Infantil,

ainda que tenham sido citados nas postagens analisadas.

Projetos Mãe Educadora, Dia da Família e Escola de Pais

Realizamos uma análise conjunta dos três projetos, pois eles têm o objetivo de

aproximar a família da escola. Iniciamos pelos seus nomes: i) Mãe Educadora alude à

mulher, vista como a única responsável pela educação dos filhos, tendo ela um caráter

maternal inato; sugere uma responsabilidade maternal da educação, reforçando o

estereótipo de gênero e ii) Escola de Pais refere-se à necessidade de os responsáveis

aprenderem na escola (espaço institucional) a educar os filhos.

Na reportagem “Prefeitura cria projeto Mãe Educadora para sensibilizar os

responsáveis sobre o compromisso de ser referência na vida das crianças”, o projeto

é apresentado à comunidade:

o programa é desenvolvido nos Centros de Educação Infantil, através de palestra, com a proposta de refletir juntamente com os pais sobre assuntos pertinentes a cada faixa etária. Geralmente são temas importantes e simples, mas que os pais devem conhecer profundamente para auxiliar no aprendizado das crianças, como quantidade e qualidade de tempo com os filhos, ambiente seguro, limites e agressividade das crianças, questões de saúde e higiene, entre outros assuntos63.

O programa Mãe Educadora foi realizado nos CEIs, e as reuniões foram

conduzidas pela equipe gestora ou por palestrantes convidados. Já o projeto Escola

de Pais foi vivenciado em todos os níveis de ensino, com palestras promovidas pela

Secretaria da Educação. O projeto Escola de Pais foi

idealizado pela secretária de Educação, Claudinéia Vendemiatti, tem como objetivo estimular que família e escola caminhem juntas na formação de um cidadão integral. “Compreender a importância das relações afetivas entre as famílias e as crianças em seu processo de desenvolvimento é o principal objetivo para o desenvolvimento deste trabalho. Identificamos como urgente a implantação de um programa de orientação aos pais visando proporcionar as ferramentas necessárias

62

O Projeto Mais Educação é voltado ao Ensino Fundamental, porém aparece nas publicações analisadas porque sua fanfarra se apresentou em um CEI. Mas não são as crianças da Educação Infantil que participam dele.

63 VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/eq6m0J. Acesso em 28/05/2017.

89

para o exercício da obrigação de criar, educar e assistir. Ninguém nasce pais suficientemente bons, mas, todos podem se tornar”64

Na primeira parte deste parágrafo aparece seu objetivo: firmar uma parceria

entre a família e a escola para a “formação de um cidadão integral”. Ou seja, propõe uma

relação horizontal (“caminhem juntas”). No trecho grifado, não é isso que aparece. A

relação é vertical, hierarquizada: os pais não saberiam cuidar adequadamente dos filhos

e caberia à escola suprir essa falta, proporcionando-lhes “as ferramentas necessárias

para o exercício da obrigação de criar, educar e assistir”.

Nas 17 publicações sobre projetos (Mãe Educadora, Dia da Família e Escola de

Pais) constatamos que foram realizados encontros para aproximar a família da escola, mas

poucos foram os momentos em que consideraram a cultura da família e houve espaço

para a participação dos pais. Grande parte das ações buscavam orientar os pais sobre

como educar as crianças, como aparece nessa publicação:

65

O trecho “os pais puderam ampliar seus conhecimentos acerca da

educação das crianças” evidencia a ideia de que os pais precisariam da escola para

aprender sobre a educação de seus filhos, mostrando uma superioridade da

instituição escolar. Essas ações propostas pela Secretaria de Educação não visam

compartilhar com as famílias uma relação de parceria. Com o discurso de que os

ajudará a educar os filhos, impõem condutas a serem seguidas.

A relação família / escola proposta pelas DCNEI é de outra ordem.

Segundo Oliveira (2010, p.7) cabe às creches e pré-escolas conhecerem a

comunidade atendida, as culturas diversas que formam esse espaço, “a riqueza das

64

VINHEDO, grifo nosso. Disponível em http://goo.gl/fEq43I. Acesso em 28/05/2017.

65 CIDADE EDUCADORA. Facebook. 21/10/2014. Disponível em http://goo.gl/nrnQmK Acesso em 10/06/2017.

90

contribuições familiares e da comunidade, as crenças e manifestações dessa

comunidade, enfim, os modos de vida das crianças vistas como seres concretos e

situados em espaços geográficos e grupos específicos culturais”. Segundo a autora,

esse princípio reforça a necessidade de estabelecer uma gestão democrática na

Educação Infantil, aberta à participação dos pais na elaboração e acompanhamento

do PPP e nas decisões e ações da instituição. Nas publicações analisadas não há

registros dessa participação.

Projeto Quintais da Infância

O segundo projeto municipal mais mencionado é o Quintais da Infância

(22%). Na reportagem “Projeto ‘Quintais da Infância’ garante formação de profissionais

em projetos que enfocam brincadeiras com alunos do infantil” (30/07/2014)66, a

prefeitura diz que desde o início daquele ano a Secretaria da Educação teria

incorporado o projeto no seu processo pedagógico “para estimular a promoção e o

resgate de brincadeiras lúdicas, expressivas e recreativas como forma vital para o

desenvolvimento sadio e completo dos alunos matriculados na Educação Infantil da

Rede Municipal de Ensino”. Os formadores seriam profissionais da rede municipal

(professores e gestores), capacitados pela Secretaria de Educação. Segundo a

prefeitura, esse projeto beneficiaria todas as crianças que frequentam os CEIs, e

seguiria o mesmo direcionamento do Projeto Brincar.

O Projeto Brincar foi implementado na rede municipal de Vinhedo em 2009.

A Fundação Volkswagen o financiava e o CENPEC oferecia cursos de formação para

gestores, professores e auxiliares até o ano de 2012. Em 2013 capacitou profissionais

da rede municipal para dar continuidade ao projeto. Em 2014 acabou a parceria e o

curso passou a se chamar Quintais da Infância (os temas e a metodologia continuaram

os mesmos). Cabe ressaltar que as duas instituições (Fundação Volkswagen e

CENPEC) assinaram o documento Todos pela Base, defendendo a alfabetização na

Educação Infantil, o que é um contrassenso: o curso oferecido anunciava como objetivo

estimular o brincar e a valorização da infância.

Das nove publicações em que aparece “projeto”, quatro são de autoria da

Secretaria de Educação (duas fazem referência ao curso de formação oferecido na rede

municipal e duas falam sobre a inauguração de quadras poliesportivas). As outras cinco

66

Disponível em https://goo.gl/vh53uY. Acesso em 28/05/2017.

91

são de autoria de equipes dos CEIs e relatam brincadeiras e atividades lúdicas

(modelagem com argila, brincadeiras com barraca e corda, confecção de

brinquedos, músicas, brincadeiras cantadas etc). Essas atividades se alinham às

diretrizes previstas pela Proposta Pedagógica do município, segundo as quais o

brincar e as interações devem ser atividades privilegiadas na Educação Infantil.

Projeto Educanvisa

O terceiro projeto municipal mais mencionado foi o Educanvisa67, com oito

publicações: duas são informes à população escritos pela Secretaria de Educação e as

outras seis são relatos das equipes dos CEIs sobre atividades desenvolvidas:

68

67

“Promovido por meio da parceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e em conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde, leva aos alunos ações e estratégias para educação em saúde para transformá-los em agentes multiplicadores do conhecimento, a fim de que disseminem aos seus pais e à comunidade conceitos básicos de saúde e os riscos relacionados ao consumo de medicamento e de alimentos industrializados” (VINHEDO. Disponível em http://goo.gl/5unnIS. Acesso em 06/06/2017).

68 CIDADE EDUCADORA. Facebook. 14/04/2015. Disponível em http://goo.gl/75pWcQ Acesso em 10/06/2017.

92

A reportagem apresenta alguns temas desenvolvidos no projeto. Outros

temas também foram trabalhados nos CEIs (por exemplo: noções sobre a promoção

da saúde, hábitos de higiene, cuidado com o meio ambiente, armazenamento de

alimentos, manuseio seguro das embalagens e utensílios e prevenção de acidentes

nos ambientes escolar e doméstico). Esse é um projeto municipal realizado em

todas as unidades escolares e, pela descrição dos temas e dos materiais,

observamos que não está em consonância com as especificidades da Educação

Infantil, tal como o pensado por Barbosa (2008, p.41):

os conteúdos gerais da área da biologia são uma competência dos professores, que precisam saber desses conceitos para fazerem perguntas, oferecerem experiências, contribuírem no desenvolvimento dos projetos e no estabelecimento de relações e não para transmitirem conceitos previamente organizados. As disciplinas, seus conteúdos fundamentais, suas subdivisões são os conteúdos dos professores e não o programa de trabalho dos alunos da educação infantil.

O professor deve dominar conceitos de diversas áreas do conhecimento. Na

Educação Infantil esses saberes deveriam servir para aguçar a curiosidade das crianças,

responder suas questões e propor atividades visando suas descobertas, e não para

transmitir conceitos previamente organizados, como constatamos no Projeto

Educanvisa. O planejamento desse projeto é realizado pela Secretaria da Educação

(temática e atividades) e imposto aos CEIs, o que destoa da proposta de Barbosa

(2008) e das DCNEI (2009): que os projetos surjam das inquietações das crianças e

sejam uma vivência entre elas e o professor.

Projeto incentivo à leitura

Ao ter um primeiro contato com as publicações, parece que a autoria dos

projetos de incentivo à leitura seria das equipes dos CEIs. Esta impressão inicial é

reforçada pelo fato do projeto não estar incluído na seção Programas e Projetos da

Rede Municipal de Ensino. Porém encontramos reportagens que mostram que

também é um projeto municipal. Por exemplo:

“As crianças são orientadas na Rede Municipal de Ensino, muito antes de saberem a ler e a escrever, que o hábito da leitura é importante e pode se tornar muito prazeroso, através da ida à biblioteca da unidade, nas atividades nas rodas de leituras e contação de histórias. Cada unidade monta a sua atividade pedagógica para atrair a atenção dos seus

93

estudantes, de acordo com as premissas do projeto de incentivo à leitura implantado na Rede Municipal de Ensino pela Secretaria de Educação da Prefeitura”, comentou a secretária69.

A secretária da educação, ao dizer que cabe ao professor desenvolver atividades

a partir das premissas do projeto, mostra um controle sobre parte do currículo. As DCNEI se

opõem a essa concepção ao afirmar que o currículo deve ser vivido na relação das

experiências das crianças com o patrimônio cultural, científico, social e histórico. Barbosa

(2008) afirma que, quando se trabalha com projetos, deve-se

Construir um currículo a partir de pistas do cotidiano e de uma visão articulada de conhecimento e sociedade é fundamental. O currículo não deve ser definido previamente, precisando emergir e se elaborado em ação, na relação entre o novo e a tradição. É necessário que se encontre interrogações nos percursos que as crianças fazem. Para tanto, é fundamental “emergi-las” em experiências e vivências complexas que justamente instiguem sua curiosidade (BARBOSA, 2008, p.36).

O projeto, sendo estabelecido pela Secretaria da Educação, não permite

que as atividades sejam elaboradas a partir da relação com os sujeitos. É apenas

um instrumento para desenvolver conteúdos pré-estabelecidos, sem considerar as

vivências culturais das crianças.

Vejamos duas publicações do Projeto de Incentivo à Leitura:

70

69

VINHEDO, grifo nosso. Disponível em http://goo.gl/5Ra387. Acesso em 28/05/2017.

70 CIDADE EDUCADORA. Facebook. 08/10/2014. Disponível em http://goo.gl/7sBU1r Acesso em 10/06/2017.

94

71

Nessas publicações há três fatores recorrentes: a parceria da família com a

escola, o contato das crianças com os livros e a possibilidade de mostrar a elas um

mundo encantado. Consideramos que a leitura e a escrita devem estar na creche,

assim como estão na vida das crianças, e os projetos analisados privilegiam seu

contato com livros, o que possibilita a reflexão sobre a linguagem. Concordamos

com Abramowicz e Wajskop (1999): as crianças que vivem no meio urbano, ao entrar

nos CEIs, já iniciaram suas aprendizagens em relação à escrita e à leitura. Deste

modo, “as creches devem dar continuidade à aprendizagem em que se criam leitores

e escritores, ampliando o universo cultural das crianças” (idem, p.66). No entanto,

acreditamos que não é necessário um projeto específico, pois a leitura está em todos

os ambientes sociais. Estará presente, provavelmente, nos projetos das turmas, pois

nos livros as crianças encontram respostas para suas perguntas, fazem novos

questionamentos, conhecem histórias etc.

Depois a nossa análise incidiu sobre os projetos dos CEIs, para verificar a

participação de crianças, professores e pais em sua elaboração e vivência. Para

isso, o primeiro passo foi separá-los por temáticas:

71

CIDADE EDUCADORA. Facebook. 18/07/2014. Disponível em http://goo.gl/n5gq5R Acesso em 10/06/2017.

95

Gráfico 12 Projetos dos Centros de Educação Infantil

Fonte: Elaborado pela autora.

Percebemos que alguns projetos parecem ser da equipe do CEI, mas são

réplicas de projetos municipais, seguem a mesma metodologia e objetivos. Por

exemplo, o projeto que têm como temática a orientação dos pais segue a mesma

proposta dos projetos municipais Mãe Educadora, Escola de Pais e Dia da Família.

Os que têm como temática a alimentação saudável mantém as mesmas propostas

do Educanvisa. Esse fato nos mostra que, em alguns casos, mesmo quando a

equipe docente se coloca como autora, na verdade está realizando as atividades

propostas pela Secretaria de Educação.

Na análise dos projetos Profissões e Eleições, identificamos que há uma

relação com uma data comemorativa ou um evento social. Vejamos:

72

72

CIDADE EDUCADORA. Facebook. 13/05/2015. Disponível em http://goo.gl/0hQCxx Acesso em 10/06/2017.

Circo 22%

Eleição 11%

Convivência 22%

cores 5%

Alimentação saudável

11%

Profissão 6%

Incentivo à cultura 17%

Orientação dos pais 6%

96

73

No projeto Profissões, ao mencionar “trabalharam no mês de maio”, é

feita referência ao dia do trabalho (1º de maio), mostrando sua relação com a data

comemorativa. O mesmo ocorre no segundo projeto, que é realizado no momento

em que estão ocorrendo as eleições municipais. Em todas as publicações sobre eles

não há menção de que foram as crianças que deram pistas ou se mostraram

curiosas em relação aos temas.

Quanto aos projetos que têm como temas circo e incentivo à cultura,

foram desenvolvidos cada qual em um CEI durante um longo período, o que

podemos observar na postagem a seguir:

74

73

CIDADE EDUCADORA. Facebook. 21/10/2014. Disponível em http://goo.gl/2TsXfW Acesso em 08/09/2017.

74 CIDADE EDUCADORA. Facebook. 11/12/2015. Disponível em http://goo.gl/Af1ofQ. Acesso em 10/06/2017.

97

Há publicações sobre esse projeto durante todo o ano, relatando

apresentações de artistas, professores e crianças. O mesmo tipo de postagem é

feito sobre o projeto Sexta Cultural:

75

Vimos que esses projetos (Sexta Cultural e O Circo Chegou) foram

elaborados pelas equipes de educadores dos CEIs, e têm como objetivo aproximar

as crianças das manifestações culturais. No entanto, são pautados na ideia de que

cabe à instituição apresentar o universo cultural, sem considerar as culturas das

crianças e suas produções76.

A atividade da criança não se limita à passiva incorporação de elementos da cultura, mas ela afirma sua singularidade atribuindo sentidos a sua experiência através de diferentes linguagens, como meio para seu desenvolvimento em diversos aspectos (afetivo, cognitivos, motores e sociais). Assim a criança busca compreender o mundo e a si mesma, testando de alguma forma as significações que constrói, modificando-as continuamente em cada interação, seja, com outro ser humano, seja com objetos. Em outras palavras, a criança desde pequena não só se apropria de uma cultura, mas o faz de um modo próprio, construindo cultura por sua vez (OLIVEIRA, 2010, p.5).

Entendemos que as culturas das crianças não são consideradas: as

atividades visam ensinar sobre a cultura, e pouco permitem a experiência com a

arte. As crianças se expressam utilizando diversas linguagens, mas por vezes o

ambiente da instituição as enfraquece ao desconsiderar este potencial. Em

consonância com as teorias da Sociologia da Infância, em especial com estudos de

Corsaro (2011, p.15), consideramos que “as crianças são agentes sociais, ativos e

75

CIDADE EDUCADORA. Facebook. 17/04/2015. Disponível em http://goo.gl/I1k6k2 Acesso em 10/06/2017.

76 Esses dois projetos se parecem com o projeto municipal Quintais da Infância, cuja intenção preconizada é a de valorizar as culturas infantis e as múltiplas linguagens das crianças. Porém, muitas inciativas na prática permanecem pautadas no adulto.

98

criativos, que produzem suas próprias e exclusivas culturas infantis, enquanto,

simultaneamente, contribuem para a produção das sociedades adultas”.

Para esse autor a infância é uma categoria social que nunca desaparece,

“embora seus membros mudem continuamente e sua natureza e concepção variem

historicamente” (CORSARO, 2011, p.16). A infância é uma parte da sociedade, e as

crianças são operadoras de suas infâncias desde o nascimento. Corsaro contraria a

concepção de infância como um período exclusivo de preparação para o ingresso na

sociedade. Para os educadores, compreendê-las como atores sociais modifica a

relação estabelecida com elas nos CEIs.

Começamos a compreender o funcionamento do currículo, e partimos

para a análise dos projetos das turmas. Observamos as temáticas recorrentes:

Gráfico 13: Projetos das turmas

Fonte: Elaborado pela autora.

Os projetos que têm como tema a alimentação saudável (incluindo

também postagens sobre o plantio de vegetais, hortas etc), hábitos saudáveis

(incentivam a prática de exercícios físicos) e meio ambiente seguem o mesmo

direcionamento do projeto municipal Educanvisa, ainda que não o mencionem

diretamente. Apesar de ser uma iniciativa da turma, conforme é dito na publicação, é

influenciado pela obrigatoriedade dos profissionais dos CEIs em desenvolver

atividades para apresentar à Secretaria de Educação.

Depois analisamos os projetos de iniciativa das turmas, como os que têm

como temática a convivência (os professores desejavam desenvolver nas crianças

atitudes que contribuíssem para o convívio harmonioso no ambiente social) e os que

Hábitos saudáveis/ Alimentção

saudável 41%

Música 15%

Convivência 7%

Cores 3%

Meio Ambiente 7%

Trânsito 4%

Animais 15%

Artes Plásticas 4%

Poesia 4%

99

têm como temática os animais (por exemplo, relatam a visita da tartaruga, o

nascimento de borboleta e propõem a confecção de tapetes e almofadas com

ilustrações inspiradas em estudos dos animais).

Quando iniciamos as análises das publicações que têm no corpo do texto

a palavra “projeto”, acreditávamos que as publicações relatariam práticas que seriam

desenvolvidas a partir do que nos salienta Barbosa e Richter:

São as crianças, em suas brincadeiras e investigações, que nos apontam os caminhos, as questões, os temas e os conhecimentos de distintas ordens que podem ser por elas compreendidos e compartilhados no coletivo. O professor com se olhar de quem está com as crianças, mas também com os saberes e conhecimentos, realiza a complexa tarefa educacional de possibilitar encontros, de favorecer interações lúdicas, construir tempos e espaços para as experiências das crianças sem nenhuma garantia de que essa possa acontecer (BARBOSA e RICHTER, 2015, p. 195).

Podemos afirmar que a maioria dos projetos não propiciou às crianças

vivências e experiências que instiguem sua curiosidade, pois não partiram de suas

indagações, interesses, falas: são aglomerados de atividades para desenvolver um

conhecimento específico, instituir um comportamento nas crianças e nas famílias,

celebrar datas comemorativas, atender às demandas municipais etc.

Vimos que muitos projetos que pareceram ser de autoria dos educadores são

cópias dos projetos municipais. Por vezes o professor atua como mero executor de projetos

pré-estabelecidos, deslocando seu papel de planejar ações junto com as crianças. O que se

afasta dos princípios das DCNEI, como o exposto na Consulta Pública O currículo na

Educação Infantil: o que propõem as Novas Diretrizes Nacionais?

Elas destacam a necessidade de estruturar e organizar ações educativas com qualidade, articulando com a valorização do papel dos professores que atuam junto às crianças de 0 a 5 anos. Esse são desafios a construir propostas pedagógicas que, no cotidiano de creches e pré-escolas, deem voz às crianças e acolham a forma delas significarem o mundo e a si mesmas (OLIVEIRA, 2010, p.1)

O desafio colocado nas DCNEI “é transcender a prática pedagógica

centrada no professor e trabalhar, sobretudo, a sensibilidade deste para uma

aproximação real da criança, compreendendo-a do ponto de vista dela, e não da do

adulto” (OLIVEIRA, 2010, p.6). Notamos que essa concepção não foi incorporada às

práticas pedagógicas desenvolvidas nos CEIs de Vinhedo: o trabalho permanece

centralizado no adulto.

100

No Gráfico 14 agrupamos os projetos municipais:

Gráfico 14: Projetos municipais

Fonte: Elaborado pela autora.

Gráfico 15: Comparação entre a quantidade projetos municipais e outros projetos

Fonte: Elaborado pela autora.

Grande parte das publicações (61,69%) é sobre projetos municipais

impostos pela Secretaria da Educação. Essa prática difere da construção de uma

Pedagogia da Educação Infantil pensada por autores como Finco (2015), a partir da

proposta de Malaguzzi, em que as crianças devem ter a atenção principal, em que

se deve privilegiar “os projetos e não os conteúdos programáticos; o processo e não

somente o produto final; a observação e documentação dos processos individuais e

dos grupos” (FINCO, 2015, p.230). Podemos notar, a partir dos registros das

práticas, que o município segue o sentido inverso da construção de uma pedagogia

da Educação Infantil. O trabalho é centrado no adulto, ao invés das crianças;

0

5

10

15

20

25

Quintais da Infância Educanvisa Mãe Educadora/Diada Família/Escola de

Pais

Incentivo à leitura

Projetos Municipais Projetos do CEIs Projetos das turmas

61

27

Projetos municipais e projeto com temasrelacionados

Projetos que não se relacionam com osprojetos municipais

101

privilegia os conteúdos programáticos, até nos projetos; o foco está nos resultados e

não nos processos. Para a autora, a Educação Infantil só cumprirá o seu papel

social se respeitar e valorizar a diversidade das crianças. Infelizmente o município

de Vinhedo não vem cumprindo esse papel. Continua tratando as crianças como se

fossem iguais, silenciando suas diferenças individuais. Mas

as diferenças individuais são o ponto de partida e de chegada, pois as crianças percorrem diferentes caminhos em suas aprendizagens, já que cada uma tem seu jeito de aprender. A desigualdade e a diferença estão presentes no mundo, no conhecimento e, portanto, nas crianças. O homogêneo, o igual, o mesmo não existem, por isso são importantes interações entre as crianças. Devemos aceitar, recriar, aprofundar as diferenças, criando outras (ABRAMOWICZ E WAJSKOP, p.14, 1999).

O currículo analisado valoriza a construção de uma mesma identidade,

por isso ela é hegemônica (produz invisibilidade). Exerce uma função estratégica no

processo de regulação moral na constituição dos sujeitos, a partir de uma cultura

homogeneizadora e, por isso, discriminatória e excludente. Para compreender

melhor estes mecanismos, analisamos a seguir os registros publicados nos anos de

2015 e 2016 sobre práticas baseadas em datas comemorativas.

3.3 Análise das postagens sobre atividades comemorativas

A forma como se organiza o cotidiano da Educação Infantil depende de

escolhas curriculares dos professores e das instituições. Depois de analisarmos as

publicações que trazem no corpo do texto as palavras “semana”, “atividade” e

“projeto”, resolvemos fazer uma análise de todas as publicações selecionadas entre

2015 e 201677.

77

Não analisamos as publicações de 2014 pois não teríamos publicações do ano inteiro, já que a página “Cidade Educadora” foi criada em julho de 2014.

102

Gráfico 16: Publicações entre 2015 e 2016

Fonte: Elaborado pela autora.

Constatamos que 41,79% das publicações é sobre datas comemorativas.

Primeiramente verificamos quais são essas datas e sua frequência:

41,79%

52,50%

5,71%

Publicações 2015 e 2016

Datas comemorativas Outras publicações Comentários

103

Tabela 6: Datas comemoradas entre 2015 e 2016

Datas comemorativas Período do ano 2015 2016 TOTAL

Carnaval Fevereiro 7 0 7

Dia da água 22/03 2 0 2

Aniversário de Vinhedo 02/04 13 4 17

Páscoa Abril 9 5 14

Dia Nacional do livro Infantil 18/04 35 3 38

Dia das mães Segundo domingo de maio 3 0 3

Dia da Família (15/05) 14 10 24

Dia do desafio Última quarta-feira de maio 0 4 4

Maio Amarelo Maio 5 1 6

Dia do Brincar 28/05 27 9 36

Dia do Meio Ambiente 05/05 0 1 1

Festa Junina Junho 5 9 14

Folclore 22/08 4 1 5

Semana Nacional do deficiente

21/08 - 28/08 3 2 5

Dia da independência 07/09 17 14 31

Dia da Pipa 1 0 1

Chegada da Primavera 23/09 1 1 2

Dia das crianças 12/10 16 7 23

Halloween 31/10 1 0 1

Datas comemorativas 163 71 234

Fonte: Elaborado pela autora.

Gráfico 17: Datas comemoradas entre 2015 e 2016

Fonte: Elaborado pela autora.

104

Agrupamos as datas comemorativas por temáticas:

I. Manifestações culturais: festas e datas religiosas (carnaval, festa junina, páscoa, folclore, primavera e Halloween);

II. Espírito nacional: aniversário de Vinhedo e dia da Independência e Formação de cidadãos conscientes: dia da água, do desafio, maio amarelo, dia do meio ambiente, dia do desafio e semana nacional do deficiente;

III. Atividades fundamentais na Educação Infantil: dia do brincar, dia do livro infantil e dia da pipa; e

IV. Comemorações referentes aos membros da família: dia das mães, dia da família, dia da criança;

3.3.1 Manifestações culturais: festas e datas religiosas

Referem-se aos diferentes costumes de uma sociedade, dentre os quais

podemos citar: vestimentas, culinária, religiões, danças, músicas etc. A cultura não é

algo fixo e determinado, mas uma produção. Estamos sempre em formação cultural,

“não é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas daquilo que nós

fazemos das nossas tradições” (HALL, 2003, p.44). As manifestações culturais

apresentam traços da formação histórica da população:

Nossas sociedades são compostas não de um, mas de muitos povos. Suas origens não são únicas, mas diversas. Aqueles aos quais originalmente a terra pertencia, em geral, pereceram há muito tempo — dizimados pelo trabalho pesado e a doença. A terra não pode ser "sagrada", pois foi "violada" — não vazia, mas esvaziada. Todos que estão aqui pertenciam originalmente a outro lugar. Longe de constituir uma continuidade com os nossos passados, nossa relação com essa história está marcada pelas rupturas mais aterradoras, violentas e abruptas. Em vez de um pacto de associação civil lentamente desenvolvido, tão central ao discurso liberal da modernidade ocidental, nossa "associação civil" foi inaugurada por um ato de vontade imperial. O que denominamos Caribe renasceu de dentro da violência e através dela. A via para a nossa modernidade está marcada pela conquista, expropriação, genocídio, escravidão, pelo sistema de engenho e pela longa tutela da dependência colonial. Não e de surpreender que na famosa gravura de Van Der Straet que mostra o encontro da Europa com a América (c. 1600), Américo Vespúcio e a figura masculina dominante, cercado pela insígnia do poder, da ciência, do conhecimento e da religião: e a "América" e, como sempre, alegorizada como uma mulher, nua, numa rede, rodeada pelos emblemas de uma — ainda não violada — paisagem exótica (HALL, 2003, p. 31).

105

Hall trata da formação populacional da sociedade caribenha, mas refere-se a

toda a América Latina. A partir da formação populacional diaspórica brasileira

analisamos os registros das práticas, pensando inicialmente as publicações

relacionadas com a religião: páscoa (14 publicações), festa junina (14 publicações) e

carnaval (7 publicações). Percebemos que as datas que são comemoradas endossam

a hegemonia dos dogmas católicos / cristãos, apesar do nosso povo ter sido originado

por diferentes povos: indígena, africano e europeu, principalmente. Os rituais

encontrados nos relatos das práticas são da religião do colonizador. Não há qualquer

referência aos ensinamentos professados pelos espíritas (2% da população - 3,8

milhões de brasileiros) ou por participantes da Umbanda e do Candomblé (0,3 % da

população – 570 mil habitantes), por exemplo, que, segundo o IBGE 201078, formam no

Brasil um número significativo de pessoas. Como nos afirma Hall (2003) a identidade

cultural na diáspora deve ser pensada como uma questão histórica. No entanto, fica

nítido com a análise dos registros das práticas, que há relações assimétricas de poder,

em que a escola privilegia uma religião em detrimento das outras. Para Hall (2003, p 31)

há uma relação de transculturação

grupos subordinados ou marginais selecionam e inventam a partir dos materiais a eles transmitidos pela cultura metropolitana dominante”. É um processo da “zona de contato”, um termo que invoca “a co-presença espacial e temporal dos sujeitos anteriormente isolados por disjunturas geográficas e históricas (...) cujas trajetórias agora se cruzam. Essa perspectiva é dialógica, já que é tão interessada em como o colonizado produz o colonizador quanto vice-versa: a “co-presença, interação, entrosamento das compreensões e práticas, frequentemente [no caso caribenho, devemos dizer sempre] no interior de relação de poder radicalmente assimétrica.

Essas relações de transculturação aparecem claramente nas festas e

manifestações culturais brasileiras, e verificamos como isso ocorre a partir dos

registros das práticas. O carnaval, por exemplo, apesar de fazer parte do calendário

católico (uma festividade que marca o início da quaresma), é uma festa do povo

brasileiro. Esta data é comemorada em todo país, sendo que em cada localidade

prevalece um tipo característico. As publicações são relatos das equipes gestoras

dos bailes de carnaval que aconteceram nos CEIs.

78

IBEGE, 29/06/2012. Disponível em https://goo.gl/JFqGHh, acesso em 29/05/2018.

106

Na páscoa as publicações registram atividades voltadas para o consumo de

ovos de chocolate e apresentação do coelhinho da páscoa como um símbolo, através de

brincadeiras e atividades que desenvolvem habilidades, conhecimentos e diversão.

79

Há publicações que se aprofundam no caráter religioso:

80

Essas atividades trazem, ainda que superficialmente, a concepção

católica de Deus, de pecado, ressureição e morte. Estas comemorações e

atividades não poderiam ocorrer na escola pública: a CF/1988 determina que as

instituições escolares públicas devem ser laicas, ou seja, a religião não deve ser

referência para sustentação de valores, visões de mundo, comportamentos ou

atitudes, embora possam ser estudadas em sua relação com a história e a sociedade.

A festa junina é também uma manifestação popular, que homenageia três

santos católicos: São João, São Pedro e Santo Antônio. Mas esta festividade

também tem relação com a colheita do milho. Os registros mostram que festas

juninas acontecem nos CEIs: a maioria são externas (abertas para toda a

comunidade no final de semana), mas há também internas (normalmente em horário

79

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE VINHEDO, Facebook. 05/04/2016. Disponível em https://goo.gl/Tndx2e acesso em 12/02/2018.

80 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE VINHEDO, Facebook. 07/09/2014. Disponível em acesso https://goo.gl/3gTME o em 12/02/2018.

107

de funcionamento da instituição, em que participam as crianças e os funcionários e,

em alguns casos, os pais são convidados).

A festa da primavera também é uma festa externa com bingo, dança,

brincadeiras, comidas e bebidas. Os registros das práticas mostram que acontecem

nos CEIs, com a participação da comunidade. Essa festividade é uma homenagem à

estação das flores, e tem origem nos povos gregos, celtas e outros.

As comemorações que analisamos até aqui têm origem europeia. As

publicações que visavam comemorar o mês do folclore trouxeram mais elementos

da cultura brasileira: as publicações na maioria das vezes referem-se aos

personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo (de Monteiro Lobato), brinquedos e

brincadeiras tradicionais do nosso país. Vejamos, por exemplo:

81

Não encontramos registros que explorem características das diversas

populações que habitam o nosso país. O Halloween não é uma manifestação cultural

brasileira, mas encontramos uma publicação referente a esta data. Acreditamos que

os educadores a comemoram influenciados pela globalização. Segundo Hall (2003,

p.59)

Existem as forças dominantes de homogeneização cultural, pelas quais, por causa de sua ascendência no mercado cultural e de seu domínio do capital, dos "fluxos" cultural e tecnológico, a cultura ocidental, mais especificamente, a cultura americana, ameaça subjugar todas as que aparecem, impondo uma mesmice cultural homogeneizante — o que tem sido chamado de "McDonald-inação" ou "Nike-zação" de tudo. Seus efeitos podem ser vistos em todo o mundo, inclusive na vida popular do Caribe. Mas bem junto a isso estão os processes que vagarosa e sutilmente estão descentrando os modelos ocidentais, levando a uma disseminação da diferença cultural em todo o globo.

81

CIDADE EDUCADORA. Facebook. 03/09/2015. Disponível em https://goo.gl/wuC4P. Acesso em 10/06/2017.

108

Percebemos, pois, que o currículo não emerge das crianças e não a

enxerga; parte dos adultos e está intimamente ligado às identidades culturais que se

pretende produzir.

3.3.2 Espírito nacional e formação de cidadãos conscientes

Encontramos 31 publicações referentes ao dia da Independência do Brasil

e 17 sobre o aniversário de Vinhedo. Engendram um discurso que visa transformar

desde cedo os indivíduos em um povo, sendo que o

intuito é forjar ou construir uma forma unificada de identificação a partir das muitas diferenças de classe, gênero, região, religião ou localidade, que na verdade atravessam a nação (HALL, 1992; BHABHA, 1990). Para tanto, esses discursos devem incrustar profundamente e enredar o chamado estado "cívico" sem cultura, para formar uma densa trama de significados, tradições e valores culturais que venham a representar a nação. E somente dentro da cultura e da representação que a identificação com esta "comunidade imaginada" pode ser construída. (HALL, 2003, p.78)

Este discurso apaga/silencia as diferenças: produz UMA identidade do povo,

transformando determinado conjunto de características culturais em algo natural.

Para compreender efeitos das atividades da semana da pátria,

selecionamos inicialmente três publicações (dos anos de 2014, 2015 e 2016):

82

82

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE VINHEDO. Facebook. 04/09/2014. Disponível em https://goo.gl/AmLM7T. Acesso em 12/02/2018. Chamamos a atenção para o trecho: “os alunos do CEI Saci Pererê se encantaram com as demonstrações de obediência e de proteção realizada pelos cães da guarda”. Lembramos que “obediência” vem do latim e que ob- quer dizer “estar diante de”, e que a raiz da palavra é di- que vem da palavra “deus”, “dei”. Obedecer é prestar reverência

109

83

84

Em comemoração ao Dia da Independência do Brasil, celebrado em 7 de setembro, a Prefeitura, por meio da Secretaria de Educação, está programando a Semana da Pátria nas unidades de ensino. O objetivo é proporcionar aos mais de 10 mil alunos matriculados na Rede Municipal de Educação a oportunidade de vivenciarem o real sentido cívico da data, uma das mais importantes do país. Seguindo os moldes das atividades desenvolvidas no ano passado, na semana que antecede a data, de 1 a 5 de setembro, os alunos irão desenvolver, dentro da própria unidade, diversas atividades voltadas ao exercício da cidadania. Para o prefeito Jaime Cruz, a proposta da Semana da Pátria é repetir o sucesso da atividade realizada no ano passado nas próprias unidades de ensino, que envolveu alunos, educadores e familiares e foi muito elogiada por conseguir resgatar o real significado da data. “Queremos valorizar e conservar o sentimento de patriotismo em nossos alunos, desenvolvendo o real conceito de cidadania”, disse o prefeito Jaime Cruz (Prefeitura prepara atividades cívicas na Rede Municipal de Ensino em comemoração à Semana da Pátria85.

A Guarda Municipal, as cores da bandeira, o desfile, o hino nacional, a fanfarra,

a segurança municipal, o sentido cívico, o exercício da cidadania, a valorização e

conservação do sentimento de patriotismo etc são as marcas deste discurso que tem o

incondicionalmente. É um belo exemplo - o cão - para as crianças aprenderem o que é obediência e como se deve ser obediente. Esse é o espírito patriótico que a semana quer valorizar.

83 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE VINHEDO. Facebook. 04/09/2014. Disponível em https://goo.gl/AmLM7T. Acesso em 12/02/2018.

84 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO. Facebook. 06/09/2014. Disponível em https://goo.gl/1MvCuJ. Acesso em 12/02/2018.

85 VINHEDO, 27/08/2014. Disponível em https://goo.gl/T3WYz4. Acesso em 13/02/2018).

110

poder de transformar o indivíduo em um povo. Esses discursos geram identidades

homogeneizadas e padronizadas. Segundo Oliveira e Abramowicz (2013) a “pedagogia do

povo”, por um lado, diminui o caráter político e público da instituição educacional e, por

outro, a aproxima do privado, fraterno e doméstico. A relação fraternal supõe uma relação

na qual o outro é reduzido a uma cópia de si. “Esta é uma pedagogia baseada na produção

de um povo, na qual predomina a ideia de homogeneidade e unidade, gerando a

transformação do ‘outro’ no ‘mesmo’, visando à ‘paz’ e à construção da nação” (OLIVEIRA

e ABRAMOWICZ, 2013, p.158). Neste modelo, quem escapa do “padrão” busca se

adaptar ou se conforma com a exclusão.

A educação é uma possiblidade de romper com as identidades fixas e

hegemônicas, mas para isto temos que repensar o modelo predominante nas

instituições educacionais: atualmente são lugares onde se pratica educação

maioritária (pedagogia do povo).

As expressões maioritárias e minoritárias não são contrárias, mas têm

intenções diferentes. A primeira conserva valores sociais, impõe regras e condutas. A

segunda é a “educação menor, nômade, para além de todo estriamento produzido

pelo aparelho de Estado que toma a educação em sua maioridade” (GALLO e

FIGUEIREDO, 2015, p.45). Uma educação menor não fixa identidades hegemônicas,

mas permite ao sujeito a subversão das identidades existentes.

Pensar uma educação menor é importante para romper com a concepção

cristalizada de governamento do corpo e da mente, que adapta a criança ao saber e

aos valores da sociedade. É a possibilidade de realizar uma micropolítica ao nível da

creche e da pré-escola, para “recusar fazer ‘cristalizar’ a criança muito cedo em

indivíduo tipificado, em modelo personológico estereotipado” (GUATTARI, 1987,

p.54).

Concordamos com Oliveira e Abramowicz (2013, p.158):

É preciso pensar a educação, a criança e a infância a partir de outras bases; bases estas pensadas a partir das diferenças. Essa infância, que tentamos o tempo todo capturar, resiste e nos escapa, em um movimento incessante de se reinventar. Uma “educação para a multidão” na educação infantil, visando a essa produção das diferenças, dar-se-ia a partir do “devir-criança”, que se contrapõe à ideia molar/majoritária de “povo”, mas que estaria aberta aos fluxos, em suas formas plurais, que devenha outra coisa, por ser minoritária e por ter a possibilidade de escapar aos códigos instituídos, à máquina de sobrecodificação e as organizações binárias.

111

Constamos que a semana da pátria é um instrumento de governamentalidade e

produção de um povo. Percebemos isso também nas publicações relacionadas ao

aniversário da cidade, que é comemorado no dia 02/04. Vejamos:

86

No aniversário de Vinhedo, comemorado em abril, os alunos das escolas municipais são estimulados a desenvolver o Projeto “Aniversário de Vinhedo”, onde pesquisam a história da cidade, os primeiros moradores e os pontos turísticos. O Projeto é feito de forma interdisciplinar e todos os professores da Unidade trabalham em conjunto. Ao iniciar o Projeto deste ano, no final de março, os alunos da escola municipal Darci Ana Dêgelo Brisk começaram a pesquisar alguns personagens ilustres da cidade e ao conhecerem a história do Prefeito Jaime Cruz, perceberam que ela era bastante inspiradora: um menino pobre que batalhou e conseguiu ser prefeito de uma cidade. A partir daí, os alunos decidiram montar um livro em homenagem ao prefeito, reunindo recortes, fotografias e textos dos principais momentos da sua vida, além de acrescentar poemas, acrósticos e desenhos que os próprios alunos escreveram para homenageá-lo87.

Na comemoração do aniversário de Vinhedo as atividades também

trazem elementos que transformam os indivíduos em um povo. São trabalhadas três

temáticas: i) ato cívico: hino, bandeira, ii) conhecimento dos pontos turísticos e das

personalidades históricas da cidade e iii) ritos de uma festa de aniversário. Estas

comemorações naturalizam a cultura hegemônica, visando produzir identidades

culturais únicas. É uma pedagogia que busca a produção do povo.

Ainda dentro desta perspectiva de produzir “povo”, ao invés de multidão,

alguns ensinamentos são “inseridos num determinado modelo hegemônico de

produção de hábito e de condutas, cujo objetivo é a produção de pessoas e indivíduos

que se constituam em povo” (ABRAMOWICZ, LEVCOVITZ e RODRIGUES, 2009,

86

CIDADE EDUCADORA. Facebook. 06/04/2015. Disponível em https://goo.gl/ovJEbF. Acesso em 12/03/2018.

87 VINHEDO, 20/05/2015. Disponível em https://goo.gl/PqwLeR. Acesso em 13/02/2018.

112

p.181). Isto pode ser observado em algumas comemorações, que têm em comum a

formação de cidadãos conscientes (Dia da Água, Maio Amarelo, Dia do Meio Ambiente,

Dia do Desafio e Semana Nacional do Deficiente).

O cidadão consciente é aquele que compreende a sua importância no

mundo que habita, por isso é cumpridor de seus deveres, conhece e usufrui de seus

direitos. Para manter esta lógica é necessário que as escolas formem cidadãos

conscientes, que i) entendam a importância de preservar a natureza e o mundo em

que vive, economizando bens naturais (Dia da água e Dia do Meio Ambiente), ii)

respeitem as pessoas (Semana Nacional do Deficiente), iii) tenham bons hábitos

alimentares e cultivem a boa forma física (Dia do Desafio) e iv) sejam bons

motoristas e respeitem o trânsito (Maio Amarelo).

É, porém, necessário quebrar a ordem binária (história/natureza,

homem/mulher, branco/negro, homossexual/heterossexual, corpo/alma etc) “para ver a

potência de algo novo, mas libertário e quem sabe ‘mais saudável’ – em oposição à

saúde dominante que elegeu determinadas concepções de força física, beleza, cor e

sexualidade como padrão de saúde –, tanto para o indivíduo quanto para as relações que

quisesse estabelecer” (ABRAMOWICZ, LEVCOVITZ e RODRIGUES, 2009, p.191). A

educação deve estar aberta para fluxos, para diferentes formas de expressão, deve ser

uma educação minoritária que escape dos códigos instituídos.

Observamos, ao analisar estas comemorações, que não há a mesma

imposição da Secretaria da Educação em todas as datas. Há um número elevado de

publicações referentes ao dia da Independência e aniversário de Vinhedo e em todos os

anos analisados há registros destas práticas. A maioria das publicações é dos CEIs, e há

o envolvimento da Secretaria de Educação. Estas comemorações fazem parte de

eventos municipais que abrangem outras secretarias. Com isto, podemos afirmar que a

Secretaria da Educação determina a realização de atividades, muitas vezes distantes das

ações e das temáticas desenvolvidas nas instituições.

Quanto às comemorações referentes à formação de cidadãos conscientes,

constatamos que a Semana Municipal do Deficiente e Maio Amarelo têm um número

menor de publicações do que as das comemorações do Espírito Nacional, mas têm

relação com eventos ou campanhas municipais. Já o dia da água, do meio ambiente e do

desafio são iniciativas isoladas do professor ou do CEI.

113

3.3.3 Atividades fundamentais na Educação Infantil

Nas DCNEI (2009) há a seguinte orientação: “as práticas pedagógicas

que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos

norteadores as interações, a brincadeira e a garantia de experiência” (BRASIL,

2009, p.25). Para Fochi (2015 apud BONDIOLI e MONTOVANI, 1998), há três

princípios da didática importantes para garantir experiências: a ludicidade, a

continuidade e a significação.

A palavra ludicidade vem do latim ludus, significa jogo, imitação e

exercício. “O papel da ludicidade na reflexão sobre os campos de experiência como

um jeito de favorecer a criança ao exercício criador” (FOCHI, 2015, p.225). A criança

na Educação Infantil precisa de espaço para o engenho, criatividade e inventividade.

Mas é preciso ter tempo, por isso o segundo princípio é a continuidade: frequência,

constância, continuação, persistência ou prosseguimento das ações da criança para

explorar o mundo.

A continuidade é um princípio didático fundamental para a experiência:

deve garantir que as crianças tenham tempo para permanecer em seus percursos

de investigação, disponibilizar materiais suficientes e variados para que elas possam

criar em um espaço de referência, com a possibilidade de atuarem em conjunto, mas

sem a necessidade de todas realizarem a mesma atividade. Em pequenos grupos as

crianças conseguem participar mais ativamente, se expressar melhor, criar com mais

tranquilidade e autonomia.

Para compreender o terceiro princípio didático, a significação, é

importante entendermos que “é experiência aquilo que ‘nos passa’, ou que nos toca,

ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma” (LARROSA, p.26,

2002). Ou seja, a experiência tem significados pessoais, ela é uma vivência

significativa para o sujeito e não mera transmissão de informações. Segundo Fochi

(2015, p.227) a significação envolve “(I) a autoria, não são tomados de algum lugar

pronto, mas construídos a partir da experiência de cada sujeito no mundo, (II) a

eleição, já que conhecer é esse estado contínuo de eleger algo (...) e (III) a

provisoriedade, pois os significados produzidos não são rígidos”.

A organização curricular que estamos analisando não é lúdica (como

possibilidade de criação), não tem continuidade (com tempo e espaço para as

crianças construírem seus percursos) e não tem significação (com autoria do sujeito

114

e vivência pessoal). Na organização curricular por datas comemorativas até a leitura

e as brincadeiras, que são atividades diárias na Educação Infantil, são realizadas em

uma data específica.

Há um número elevado de publicações sobre a Semana do Brincar e a

Semana da Leitura. Por isso, investigamos o que é realizado durante estas

comemorações. A Semana do Brincar ocorre na última semana do mês de maio.

Segundo reportagem no site da Prefeitura, em 2015 “as crianças das 19 unidades de

Educação Infantil da Prefeitura de Vinhedo tiveram uma semana diferente. É que a

Secretaria de Educação adotou, já pelo terceiro ano seguido, a semana do brincar”88.

As atividades descritas nesta reportagem são brincadeiras que deveriam

ocorrer diariamente nos CEIs. Será que as brincadeiras não fazem parte do currículo

do CEIs? Ou será que ocorrem cotidianamente, mas ganham visibilidade apenas

neste período pela necessidade da Secretaria da Educação de comemorar a data?

Se as brincadeiras são um eixo do currículo, por que a necessidade de uma semana

para comemorar o brincar? Co-memorar é lembrar juntos, se brincamos todos os

dias com as crianças é porque não nos esquecemos disso. Não é preciso uma

semana para comemorar.

Essa semana a Prefeitura de Vinhedo, por meio da Secretaria de Educação, está realizando atividades alusivas à Semana Mundial do Brincar, organizada pela Aliança pela Infância do Brasil, destinadas aos quase 3 mil alunos da Educação Infantil. A intenção é intensificar, mobilizar as crianças, os funcionários, as famílias e a comunidade no sentido do resgate e a importância do ato de brincar, preservando e estimulando algumas brincadeiras antigas que fazem sucesso até hoje com a garotada89.

A Semana Mundial do Brincar é organizada pela Aliança pela Infância,

uma organização internacional. Em seu site é dito que suas ações visam que as

crianças vivam em plenitude a infância. A atuação dos membros dessa rede é

voluntária. A Aliança pela Infância orienta que as ações realizadas durante a

semana devam ser documentadas (com vídeos, textos, fotos) e enviadas para o site.

Portanto, uma organização internacional influencia o currículo dos CEIs.

88

VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/3bISQO. Acesso em 11/10/17

89VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/FqqSnJ. Acesso em 11/10/2017.

115

A Semana da Leitura, por sua vez, faz parte da programação de

aniversário do município de Vinhedo e, segundo reportagem no site da prefeitura,

“tem o intuito de contribuir para a formação crítica e cultural da população através do

estímulo a leitura”90. Novamente há uma imposição da Secretaria de Educação para

que todos os CEIs realizem as mesmas atividades no mesmo período, com objetivos

e finalidades determinados por órgãos externos.

As escolas municipais da Prefeitura de Vinhedo estão repletas de atividades especiais que fazem parte da programação da Semana de Incentivo à Leitura, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. Durante toda a semana, os alunos das várias faixas etárias estão participando de programações pedagógicas lúdicas variadas, incluindo contações de histórias, degustação de receitas e muito mais91.

Para que práticas pedagógicas tenham como eixo norteador as brincadeiras,

as interações e a garantia de experiências, não é possível um currículo baseado em

datas comemorativas com tempo, temática, proposta e objetivo determinados

unicamente pelos adultos, mesmo que as atividades sejam próprias para a faixa etária.

Porque o currículo precisa ser flexível, “exige enxergar a criança pequena possuidora

de muitas potencialidades, surpreendentes competências, co-construtora do

conhecimento e identidade através do relacionamento com outras crianças no coletivo

infantil e produtoras de cultura” (FINCO, 2015, p.234).

Nestas duas comemorações também ficou explícito que a escolha não é do

docente ou da comunidade escolar: é determinada pela Secretaria da Educação para

atender aos interesses da prefeitura, de organizações, de fundações etc.

3.3.4 Comemorações referentes aos membros da família

A educação tradicionalmente é vista como um espaço de substituição da

família. Contudo essa percepção vem sendo questionada inclusive na própria

legislação, que define que a escola e a família desempenham papeis complementares na

educação das crianças. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos

princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o

90

VINHEDO. Disponível em: https://goo.gl/9MEdgX. Acesso em 04/03/2018.

91 VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/oKnnqT. Acesso 04/03/2018.

116

pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho (Art. 2º da LDB, 1998, p.13).

Nesse sentido, investe-se em um discurso que pretende aproximar escola

e família. As comemorações do dia das crianças, das mães e dos pais em geral são

momentos privilegiados no currículo escolar para essa integração e tentativa de

“aproximação”. Contudo as mudanças na estrutura familiar na contemporaneidade

têm feito com que as escolas precisem repensar o que representa comemorar o dia

das mães ou o dia dos pais, quando muitas crianças vivem em estruturas familiares

monoparentais (só com a mãe ou só com o pai) ou, ainda, vivem com os avós ou

são filhos de casais homossexuais, por exemplo. Na nossa sociedade não se pode

mais pensar em uma estrutura familiar única, mas em famílias, para que se possa

representar a diversidade de relações presentes atualmente. Dias (2005, p. 210)

define família como

um grupo aparentado responsável principalmente pela socialização de suas crianças e pela satisfação de necessidades básicas. Ela consiste em um aglomerado de pessoas relacionadas entre si pelo sangue, casamento, aliança ou adoção, vivendo juntas ou não, por um período de tempo indefinido.

Diante desta realidade social cabe aos professores refletirem a respeito

do dia dos pais e dia das mães, antes de submeter à criança uma comemoração que

pode não fazer parte da vida dela:

A escola não deve se render à tradição e insistir em fazer festas para comemorar essas datas, pois a realidade da criança é outra. O trabalho nesse sentido deve existir, ou seja, deve-se mostrar que existem diferentes tipos de família, que nem esse nem aquele tipo é certo; porém, continuar com uma tradição que não condiz com uma realidade atual é fechar os olhos para as mudanças (VASCONCELOS ,1989, p.79).

É preciso, pois, identificar qual é o tipo de família das crianças e adaptar as

comemorações ao mundo vivido por elas. Nesse sentido, começa a ser comum em

diversas instituições de Educação Infantil substituir o dia das mães e o dia dos pais por

festas de comemoração do “dia da família”, em data definida pela escola.

Os CEIs comemoravam anualmente o dia das mães e dos pais com

apresentações, eventos, presentes, cartões etc. No entanto, a prefeitura instituiu, a partir

do ano de 2014, que o encontro da família ocorresse no mês de maio. Segundo a

117

reportagem, este evento foi “criado para proporcionar momentos de integração entre

educadores, familiares e alunos”92. Diz o prefeito: “é de extrema importância a

participação dos familiares e o acompanhamento da vida escolar dos alunos, e isso tem

de ser incentivado”93. A Secretaria da Educação “desenvolveu o 1º Encontro da Família,

evento que superou a expectativa e reuniu mais de 20 mil pessoas”94.

Nas 24 publicações analisadas observamos que os encontros são

momentos de confraternização entre as crianças, os pais e os funcionários dos

CEIs. São organizadas brincadeiras, atividades culturais, oficinas, caminhadas,

lanches coletivos etc. A maioria dos CEIs substituiu o dia das mães e dos pais por

este encontro, mas identificamos três publicações referentes ao dia das mães. Em

duas, os CEIs produziram um livro de receitas com a participação das crianças e, a

outra, relata brincadeiras entre mães e crianças.

A comemoração da semana das crianças está mais próxima da discussão

que já fizemos das atividades fundamentais para Educação Infantil do que a dos

membros da família, pois o objetivo dos CEIs é realizar atividades que as crianças

gostem de vivenciar. Encontramos nos registros das práticas atividades artísticas

(teatro, contação de história, show de mágica, espetáculo circense), momentos de

brincadeiras (festa à fantasia, bicicleta, cama elástica, balão pula-pula e piscina de

bolinha, brinquedos confeccionados com sucatas), oferta de alimentos (picolé e

pipoca).

Estas atividades são apreciadas pelas crianças, mas é pertinente serem

realizadas em uma data específica? Ao tratá-las como atividades especiais, nos

parece que passam a ser de outra ordem. As atividades artísticas e as brincadeiras

não são atividades fundamentais na Educação Infantil? Elas não poderiam

acontecer no decorrer de todo o ano?

Esta é uma comemoração que rendeu muitas publicações. Será que a

Secretaria de Educação gosta de dar visibilidade para atividades lúdicas e artísticas

porque compreende sua importância para as crianças ou porque legalmente estas

atividades devem ser privilegiadas?

92

VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/K5VGat. Acesso em 17/03/2018.

93VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/K5VGat. Acesso em 17/03/2018.

94 VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/e8vR4v Acesso em 17/03/2018.

118

3.4 Identidades culturais: o dito e o não-dito

Investigamos algumas questões: quais experiências as crianças

vivenciaram ao realizarem atividades pautadas em datas comemorativas? Quais são

as aprendizagens significativas? Que representatividade a cultura e os valores das

crianças têm em um CEI? Quais os objetivos dos professores ao definir os

conteúdos selecionados? Quais os critérios utilizados? Que interesse há por trás dos

temas/datas abordados? Quais ações são realizadas para envolver as crianças em

momentos que valorizem suas identidades? O que está presente (e o que está ausente)

no currículo organizado por datas comemorativas? Este trabalho possibilita a

reflexão da comunidade escolar?

Notamos que algumas datas se repetem ano a ano, assim como as

atividades propostas e as ações realizadas em cada comemoração. Também

observamos o não-dito: as datas comemorativas que não foram publicadas na página

da Cidade Educadora como, por exemplo, 08/03 (Dia Internacional das Mulheres),

25/11 (Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher) e 20/11 (Dia da Consciência

Negra). Não acreditamos em um planejamento baseado em datas comemorativas. No

entanto, no currículo analisado, grande parte das interações acontecem a partir das

datas comemorativas. Perguntamos: por que comemorações referentes à luta e à cultura

das minorias não foram encontradas nos dados analisados?

É fundamental que temas que desconstroem a identidade hegemônica

estejam presentes nos CEIs não em uma data específica, mas no decorrer do ano

letivo. No entanto, para que as crianças tenham experiência com a temática, é

necessário adentrar as discussões. Por exemplo, propor no dia 08/03 que as crianças

pintem uma flor e levem para mãe não adentra a discussão sobre as lutas das

mulheres ao longo da história e sobre a desigualdade de gênero ainda tão presente

em nossa sociedade.

Qual seria o caminho para tratar desta temática com crianças pequenas?

Uma possibilidade seria realizar diariamente atividades com profundidade como, por

exemplo, problematizando contos de fadas tradicionais. Poderíamos ler histórias em

que as mulheres têm direitos iguais, são heroínas, personagens principais, que vivem

aventuras. É importante também problematizar e aguçar as crianças para utilizar

todos os brinquedos, questionando a divisão social entre brinquedos de meninas e

meninos. Estas são algumas práticas na Educação Infantil que ajudam a refletir sobre

119

as relações de gênero na sociedade. Pintar a flor e levar para a mãe tem três funções:

gastar o tempo pedagógico, continuar endossando a ideia de que as mulheres são

frágeis e que é preciso comemorar porque já conquistaram tudo a que tinham direito.

Mesmo sem a intenção do docente, essas práticas continuam privilegiando a cultura

dos grupos dominantes, silenciando, estereotipando, minimizando os demais grupos.

Não encontramos publicações referentes à questão racial nos dados

analisados, apesar da lei 10.639/2003, sancionada pelo governo Lula em março de 2003,

ter alterado a LDB95: em seu artigo 79-B passou a determinar que “o calendário escolar

incluirá o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra”.

O Dia Nacional da Consciência Negra foi criado em 2003, no Brasil, e

instituído em âmbito nacional pela lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. A data

foi escolhida por marcar o dia da morte de Zumbi dos Palmares em 1695. Sendo

assim, remete à resistência do negro contra a escravidão e visa refletir sobre a

inserção do negro na sociedade brasileira e combater práticas racistas.

No município de Vinhedo a data não está incluída no calendário de

feriados do município, mas segundo a reportagem “Prefeitura e Câmara resgatam

Consciência Negra em Vinhedo”96 foram sancionadas duas leis municipais, pelo

prefeito Milton Serafim, que instituem a Semana da Consciência Negra (lei

2399/1999) e o Dia da Consciência Negra (lei 2394/1999). Procurando ações

voltadas ao cumprimento destas leis, encontramos no site atividades e

programações realizadas pela prefeitura nos anos de 2009, 2012, 2015 e 2016.

No ano de 2009, segundo reportagem97

, a programação da Semana da

Consciência Negra previa sessão solene para homenagear cidadãos que se

destacaram na defesa e integração social da comunidade negra de Vinhedo, a

apresentação da Corporação Musical Campineira dos Homens de Cor,

apresentações de hip hop e capoeira de alunos do projeto Oficinas Culturais,

apresentação de dança afro-brasileira pelos alunos do Ensino Fundamental II da

95

Lei 9394/96, que tornou obrigatória a inclusão do ensino da história da África e da cultura afro-brasileira nos currículos dos estabelecimentos de ensino público ou particulares e estabeleceu as Diretrizes Curriculares para sua implementação. Essa lei é resultado da luta do Movimento Negro brasileiro, uma medida afirmativa frente ao racismo. O referido movimento acredita que os estabelecimentos de ensino são instituições que podem construir uma imagem positiva dos afro-brasileiros (GOMES, 2013, p.68).

96 VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/abEMHr. Acesso em 15/04/2018

97 VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/abEMHr. Acesso em 15/04/2018

120

Rede Municipal de Ensino e samba de roda. Ainda segundo a reportagem, as

atividades seriam realizadas pelas Secretarias de Educação, Cultura e Turismo.

No ano de 2012 uma reportagem98 mostra que a ação para comemorar o

Dia Nacional da Consciência Negra foi uma palestra realizada pela pedagoga Fátima

Aparecida Jesus da Silva, sobre a sua avó Dona Aurora Bueno Sudário, uma cidadã

vinhedense que se dedicou a preservar os costumes da cultura afro-brasileira no

município. Esta palestra foi ofertada aos professores de História e Geografia da

Rede Municipal de Ensino.

Segundo reportagens, para a comemoração da Consciência Negra nos anos

de 201599

e 2016100

foram realizadas atividades organizadas pela Secretaria de Cultura e

Turismo, como rodas musicais, apresentações, vivências e exposições (anexo 2 e anexo

3).

No Facebook Cidade Educadora e o site da prefeitura, observamos que ações

da Secretaria da Educação nesta data são quase invisíveis. Na Educação Infantil não

encontramos nenhuma publicação. Por que esta comemoração não tem visibilidade? Por

que as ações da Secretaria da Cultura e Turismo não são levadas para as unidades

educacionais, como ocorrem em outras datas? Concluímos que há negligência por parte

da Secretaria da Educação na implementação da lei 10.639/2003. Segundo Gomes (2013,

p.69), a resistência das Secretarias de Educação

está relacionada com a presença de um imaginário social peculiar sobre a questão do negro no Brasil, alicerçado no mito da democracia racial. A crença apriorística que a sociedade brasileira é um exemplo de democracia e inclusão racial e cultural faz com que a demanda do trato pedagógico e político da questão racial seja vista com desconfiança pelos brasileiros e brasileiras, de maneira geral, e por muitos educadores, educadoras e formadores de políticas educacionais, de forma particular.

Conhecer a história da África e da cultura afro-brasileira contribui para superar a

visão do africano como selvagem e o preconceito naturalizado em nossa sociedade.

Buscamos uma educação que proporcione uma diversidade etnicorracial, reconheça a

98

VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/rE1LzF. Acesso em 15/04/2018

99 VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/jK8x2N. Acesso em 15/04/2018

100 VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/J2h1AE.Acesso em 15/04/2018

121

riqueza da diversidade e que ajude a superar a construção da subjetividade do povo

brasileiro, em que a população negra por vezes é tratada como inferior à branca.

Na Educação Infantil é fundamental que a lei 10.639/2003 seja respeitada:

estudos mostram que o racismo nesta etapa se mostra de modo distinto das demais. No

Ensino Fundamental e Médio se dá pelo baixo rendimento das crianças negras, e na

Educação infantil acontece nas relações corporais do cotidiano.

Nas brincadeiras na Educação Infantil, esse racismo aparece quando as crianças negras são as empregadas domésticas, quando as crianças brancas temem ou não gostam de dar as mãos para as negras, etc. O racismo aparece na Educação Infantil, na faixa etária entre 0 e 2 anos, quando os bebês negros são menos “paparicados” pelos professores do que os bebês brancos. Ou seja, o racismo, na pequena infância, incide diretamente sobre o corpo, na maneira pela qual é construído, acariciado ou repugnado (OLIVEIRA e

ABRAMOWICZ, 2010, p. 222).

Para superar o racismo das/nas instituições educacionais é necessário

desfazer a mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações etnicorraciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Diálogos com estudiosos que analisam, criticam estas realidades e fazem propostas, bem como com grupos do Movimento Negro, presentes nas diferentes regiões e Estados, assim como em inúmeras cidades, são imprescindíveis para que se vençam discrepâncias entre o que se sabe e a realidade, se compreendam concepções e ações, uns dos outros, se elabore projeto comum de combate ao racismo e discriminações. Temos, pois, pedagogias de combate ao racismo e a discriminações por criar (Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e cultura afro-brasileira e africana, 2004, p. 15).

Os saberes trabalhados nas datas comemorativas são julgamentos

etnocêntricos de uma cultura dominante, por isso algumas culturas não têm visibilidade

no calendário municipal. Observamos também que não é apresentado o caráter histórico

da comemoração, as atividades não levam as crianças a refletirem, apenas a perpetuar a

identidade hegemônica. Essa forma de comemorar silencia a desigualdade social e

mantém a ideia de que teríamos todos as mesmas oportunidades.

As publicações são dispositivos pedagógicos para a ação do docente,

ditando um fazer que promove uma experiência unitária de subjetivação, que

necessitaria ser realizada por cada professor para ser considerado “normal” ou

122

“eficiente” conforme padrões comparativos. O docente se reconhece como tal, em

seu autogoverno, naturalizando escolhas nem sempre emancipatórias.

Como o docente conseguiria escapar desta grande maquinaria política? Já

que esta relação é de mão dupla: o município impõe e as equipes dos CEIs

comprovam. Isto não significa que não há resistência, mas que os registros das

práticas que analisamos não dá visibilidade para as práticas de resistência, pois,

evidentemente, não há interesse, por parte das instituições, de divulgá-las quando

ocorrem.

123

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo mostrou que práticas pedagógicas afetam a produção de

identidades culturais. Ao decompor as relações de poder presentes no currículo,

desvendamos a visão de sociedade expressa e entendemos como os sujeitos

participam delas e as (re)produzem.

Demos visibilidade às articulações e desencontros entre o currículo

prescrito e os registros de um suposto currículo vivido ao analisarmos materiais

produzidos pelo poder público: documentos curriculares municipais (proposta

pedagógica e grade curricular), registros de práticas vivenciadas nos CEIs e

legitimados/impostos pela Secretaria de Educação (publicações do Facebook

Cidade Educadora) e reportagens sobre o currículo (textos publicados no site oficial

da prefeitura de Vinhedo).

Se, por um lado, entendemos que essa estratégia de divulgação dos

registros das práticas vividas pelas crianças nos CEIs visa comprovar a

implementação do currículo prescrito, por outro lado, ela também nos revela

elementos do currículo vivido que não aparecem nas prescrições. A organização

curricular a partir de semanas comemorativas é apenas um exemplo disso. Essa

organização curricular não se faz presente no currículo prescrito, mas se evidencia

nos registros divulgados. A ausência de registros de práticas que atendam às

exigências das leis 10.639/03 e 11.645/08, também é um exemplo de como o

currículo vivido, e/ou registrado, se distancia do currículo prescrito. O registro das

práticas não se confunde com o currículo vivido, mas oferece diversos indícios para

que possamos discuti-lo.

Discutimos também a forma de gerir a instituição pública, o que tem

influenciado no currículo. Por exemplo, observamos que a Secretaria de Educação

implementou políticas públicas no município baseadas em uma gestão educacional

empresarial, ao invés de democrática. Vimos nos dados analisados como o

município interage com políticas recentes, mantendo a lógica de mercado, e

percebemos que organizações, fundações, empresas e outras instituições

influenciam o currículo da Educação Infantil de Vinhedo.

Analisando documentos municipais, constatamos uma tentativa de aproximação

com as DCNEI, ao considerar o conceito de criança e o papel das interações e brincadeiras

no processo educativo. No entanto, o modo como o documento estrutura a rotina da

Educação Infantil mostra um grande contrassenso em relação a essas diretrizes: organiza a

124

rotina com conhecimentos desarticulados e as interações e brincadeiras não atravessam o

currículo de modo integral. Cada componente curricular (área de conhecimento, eixo de

trabalho e brincar como disciplina) possui uma quantidade de horas pré-definidas a serem

desenvolvidas ao longo da semana.

Sobre os registros das práticas, mostramos que a organização curricular

predominante é estruturada por atividades baseadas em datas comemorativas e

projetos pedagógicos propostos pela Secretaria de Educação. Mostramos que a

instituição impõe a realização de atividades nos CEIs, desconsiderando o PPP da

unidade e suas especificidades. Muitas vezes as atividades são muito distantes das

ações e das temáticas desenvolvidas nos CEIs, desvinculando-se do trabalho

pedagógico local.

Constatamos que são comemoradas as mesmas datas, com as mesmas

atividades ano a ano. Grande parte é determinada pela Secretaria da Educação, o que

pudemos observar nas reportagens do site oficial da Prefeitura. Vimos que o conhecimento

trabalhado é superficial, com pouco espaço para a criatividade das crianças e distante de

seus interesses. Em relação às temáticas das datas escolhidas: mantêm como centro a

identidade do homem, branco, heterossexual, europeu e cristão. E incentiva o consumo e

práticas religiosas dominantes. Ou seja, as datas comemoradas afirmam identidades

hegemônicas e apagam/silenciam outras culturas.

Observamos que grande parte das publicações que se referem a projetos

têm relação com os projetos municipais impostos pela Secretaria da Educação;

impedem, pois, a autonomia docente e o protagonismo das crianças. Vimos que

muitos pareciam ser de autoria dos educadores, mas são cópias de projetos

municipais: seguem os mesmos objetivos e metodologia. Desta forma, grande parte

dos projetos não propicia às crianças vivências e experiências que instiguem sua

curiosidade, pois não partiram das suas inquietações, interesses, falas: são

aglomerados de atividades que visam desenvolver um conhecimento específico,

instituir um comportamento nas crianças e nas famílias, celebrar datas

comemorativas etc. O trabalho é centrado no adulto, ao invés das crianças, e

privilegia conteúdos programáticos, focando em resultados e não em processos. A

criança fica invisibilizada, apagada, nestas práticas orientadas pelo currículo.

Frequentemente sua cultura não é considerada: as atividades visam ensinar

sobre a cultura dominante e pouco permitem a experiência com a arte. As crianças se

expressam utilizando diversas linguagens, mas por vezes o ambiente da instituição as

125

enfraquece ao desconsiderar este potencial. Acreditamos que a Educação Infantil só

cumprirá o seu papel social se respeitar e valorizar a diversidade das crianças: suas

linguagens, formas de expressão, modo de estar no mundo etc.

As práticas curriculares analisadas mostram que o currículo da Educação

Infantil de Vinhedo (re)produz uma identidade hegemônica, cristalizando-a cada vez mais

em nossa sociedade. Para isto se romper, é fundamental que temas como gênero,

sexualidade, relações etnicorraciais, diferentes formas de famílias etc estejam presentes no

currículo dos CEIs, e que seja preservada a laicidade na escola pública.

Ao escrever o projeto para produzir esta dissertação, parecia-nos que havia

uma antecipação da escolarização (realização de práticas do Ensino Fundamental),

fragmentação do currículo em áreas do conhecimento (como português, matemática,

artes etc.) e falta de autonomia dos docentes (a Secretaria de Educação determina

unilateralmente práticas curriculares cotidianas fundamentais dos CEIs). Havia, portanto,

uma discrepância entre as práticas cotidianas e as DCNEI. Após as análises concluímos

que a antecipação da escolarização e fragmentação do currículo em áreas do

conhecimento aparecem de modo superficial nos dados investigados. Isso não significa

que tais práticas não ocorram nos CEIs, mas não são publicadas no Facebook da

Secretaria da Educação. A falta de autonomia curricular fica evidente com a

obrigatoriedade dos CEIs de realizar projetos da Secretaria de Educação e comemorar

datas impostas pelo poder público.

É fundamental romper com este currículo centrado em datas

comemorativas e buscar uma relação menos hierárquica com a Secretaria de

Educação. Nesse sentido, gostaríamos que esta pesquisa tivesse visibilidade, para

conscientizar os professores sobre a falta de autonomia docente. Além disso, é

importante que seja realizada a meta 13 do PME: “criar Diretrizes Curriculares para

Rede de Ensino Municipal até o terceiro ano de vigência deste PME”101. No dia

23/06/2018 o plano completou três anos, mas ainda não foi realizado nenhum esforço

para atingi-la. Também é importante o fortalecimento do PPP das instituições com a

participação de pais, funcionários, professores, gestores e a comunidade.

101

VINHEDO. Disponível em https://goo.gl/QVMuN4. Acesso em 01/05/2018

126

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ANEXOS

Anexo 1: Edital do concurso para Auxiliar de Educação Infantil

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Anexo 2: Folder da Semana da Consciência Negra do ano 2015

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Anexo 3: Folder da Semana da Consciência Negra do ano 2016