ideias em destaque incaer 20

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Ideias Em Destaque Incaer 20

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  • Id. em Dest., Rio de Janeiro, n. 20, p. 96, jan./abr. 2006

  • Edio

    Diviso de Estudos e Pesquisa

    Editor Responsvel

    Manuel Cambeses Jnior

    Projeto Grfico

    Mauro Bomfim EspndolaWnia Branco Viana

    Jailson Carlos Fernandes AlvimAbdias Barreto da Silva Neto

    Reviso de Textos

    Dirce Silva Brzida

    Ficha Catalogrfica elaborada pelaBiblioteca do Instituto Histrico-Cultural da Aeronutica

    Idias em Destaque / Instituto Histrico-Cultural daAeronutica. n.1, 1989

    v. Quadrimestral.

    Editada pela Vice-Direo do INCAER at 2000.Irregular: 19912004.

    1. Aeronutica Peridico (Brasil). I. Instituto Hist-rico-Cultural da Aeronutica. II. INCAER.

    CDU 354.73 (05) (81)

  • Apresentao

    Tenente-Brigadeiro-do-Ar Ref. Octvio Jlio Moreira LimaDiretor do Instituto Histrico-Cultural da Aeronutica

    A Direo do Instituto Histrico-Cultural da Aeronutica(INCAER) tem a grata satisfao de apresentar aos seus leitores oexemplar de nmero 20 da revista Idias em Destaque.

    Como si ocorrer, nesta edio, concernente ao primeiroquadrimestre do corrente ano, apresentamos doze trabalhos da lavrade prestigiosos e contumazes colaboradores deste peridico,procurando contemplar uma ampla gama de assuntos que julgamosser importante ressaltar, de modo a tornar a revista Idias emDestaque assaz atraente e de agradvel leitura.

    Faz-se mister enfatizar que estamos receptivos queles quedesejarem colaborar com a nossa revista nos remetendo artigos deinteresse de nossos leitores.

    Desta maneira, acreditamos estar contribuindo, sobremaneira,para a divulgao de nossos vultos histricos, no registro de fatossignificativos da Aeronutica brasileira, de Geopoltica, dopensamento estratgico nacional e, acima de tudo, de cultura geral.

  • N 20jan./abr. 2006

    1. As Violaes Invisveis das Fronteiras:Proposta Inovadora para a Tipologia de Fronteiras...................................7Marcos Henrique Camillo Crtes

    2. Novas Teorias do Poder Mundial ...............................................................16Carlos de Meira Mattos

    3. A Religio na Modernidade: Algumas FunesHistricas e Scio-Polticas..........................................................................19Edson de Castro Homem

    4. Coria Unificada e Brasil no Sculo XXI: A Ordem Multipolar...............37Severino Cabral

    5. China: Poltica e Religio...............................................................................42Marcelo Hecksher

    6. O Marechal-do-Ar Armando F. Trompowsky de Almeida,Consolidador do Ministrio da Aeronutica ............................................49Celso Paulino da Silva

    7. A Evoluo do Poder Areo entre as duas Guerras Mundiais....................59Jos Augusto Abreu de Moura

    8. A Dinmica do Processo Civilizatrio.........................................................72Manuel Cambeses Jnior

    9. O Renascimento .............................................................................................79Araken Hiplito da Costa

    10. Mentalidade de Defesa no Brasil ...............................................................82Ivan Fialho

    11. O Fomento da Indstria de Defesa como Fatorde Preparo da Mobilizao Nacional .........................................................86Sergio Xavier Ferolla

    12. Reflexos Lentos, porm Descoordenados ................................................91Milton Mauro Mallet Aleixo

    Sumrio

  • 6 Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 7-15, jan./abr. 2006

    Marcos Henrique Camillo Crtes

  • 7Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 7-15, jan./abr. 2006

    Marcos Henrique Camillo Crtes

    As Violaes Invisveis dasFronteiras: Proposta Inovadorapara a Tipologia de Fronteiras

    Marcos Henrique Camillo Crtes

    Os estudos sobre fronteira nacional, seja nos bancos de escolaseja no mbito universitrio, tratam dos seus aspectos histricos, ge-ogrficos e jurdicos. As vrias definies da mesma podem ser re-sumidas na concepo de FRONTEIRA JURDICA, que o limitelegal entre as jurisdies soberanas de dois Estados.

    Essa definio tradicional perfeitamente correta e servede fundamento, por exemplo, para as preocupaes com que mui-tos brasileiros analisam as ameaas, concretas ou em potencial, incolumidade do territrio nacional. tambm a partir da mes-ma definio que se elaboram os planejamentos de ao gover-namental para fins de desenvolvimento ou de emprego de ele-mentos de segurana.

    Graas atuao continuada do nosso servio diplomtico e,muito especialmente, extraordinria e devotada competncia doBaro do Rio Branco, ao chegar ao ano de 1910, o Brasil tinha todasas suas questes de fronteira resolvidas pacificamente, por meio denegociaes diplomticas ou arbitragem internacional, sem jamaisrecorrer ao uso da fora. Por isso, os brasileiros puderam, desdeento, desfrutar da tranqilidade de saber que o Pas no tem proble-ma algum de fronteira. Isso, entretanto, no elimina o fato de que, pordiferentes causas e em diferentes momentos, tenhamos tido, continu-amos tendo e poderemos sempre ter problemas na fronteira.

    Para evitar ou neutralizar ameaas e/ou violaes de nossasfronteiras, o Brasil contou, historicamente, com a vigilncia e acapacidade profissional do Itamaraty e das Foras Armadas, almda dos rgos policiais e aduaneiros especificamente incumbidosdessas tarefas.

    Entretanto, as caractersticas do relacionamento internaci-onal, aps o fim da Guerra Fria, estimularam modos mais agres-sivos de comportamento, sobretudo por parte da superpotncia

  • 8 Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 7-15, jan./abr. 2006

    Marcos Henrique Camillo Crtes

    (Estados Unidos) e das duas megapotncias (Unio Europia e Japo).As conseqncias da Terceira Revoluo Industrial e o processo deno-minado Globalizao aumentaram exponencialmente o hiato de poderentre esses trs Centros de Poder Econmico (CPEs) e os demais pa-ses. Alm disso, as pragas do narcotrfico e do terrorismo internacionalcriaram novos riscos e ameaas. Finalmente, a adoo de conceitosemanados da chamada Revoluo em Assuntos Militares (RAM), de-monstrada de maneira espetacular no ataque ao Iraque, desfechado pe-los EUA em maro/abril de 2003, confirmou a vigncia ominosa do quese tem chamado de Ps-Modernismo Militar.1

    De tudo isso surge a necessidade premente de que se passe aconsiderar, com muito maior intensidade, outro tipo de fronteira, atagora pouco apreciada. Trata-se da FRONTEIRA METAFSICA,que defino como a linha de defrontao entre interesses de dois(ou mais) Estados.

    Na concepo jurdica, sobejamente conhecida, as fronteiraspodem ser agrupadas em trs categorias:

    1. Terrestre que pode ser seca, fluvial ou lacustre, e cujadefinio e caracterizao obedecem a critrios determinados peloDireito Internacional Pblico;

    2. Martima e Ocenica atualmente regidas pelas normas daConveno das Naes Unidas sobre Direito do Mar, popularmenteconhecida como Conveno da Jamaica;

    3. Area tambm regida por normas internacionais, especial-mente no que se refere ao uso do espao areo.

    J na concepo metafsica, a variedade de categorias maiore, na verdade, convm deixar sua listagem em aberto. Assim, porexemplo, deve-se considerar uma fronteira (metafsica) espacial,embora o espao sideral, em termos jurdicos, seja considerado inter-nacionalizado, ou seja, destitudo de fronteiras nacionais. Um exem-plo dessa fronteira (metafsica) espacial a aplicao unilateral de

    1 Sobre a Revoluo em Assuntos Militares e o Ps-Modernismo Militaresh vrios textos publicados pelo autor, como, por exemplo, na A DefesaNacional, no. 792, de jan./fev./mar./abr. 2002.

  • 9Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 7-15, jan./abr. 2006

    Marcos Henrique Camillo Crtes

    restries ao acesso a tecnologias de msseis, como ocorre com oRegime de Controle da Tecnologia de Msseis (RCTM).

    Analogamente, na tipificao metafsica, existe uma fronteiraciberntica, evidenciada sobretudo com o surgimento da Ao Bli-ca Informatizada (ABI) e da Ao Blica Estratgica Informatizada(ABEI)2. Alm disso, com a enorme importncia da Internet, a au-mentam os interesses com potencial para gerar confrontaes.

    A mais importante das fronteiras metafsicas, porm, a quedenomino fronteira institucional. Ela se configura quando, em fun-o de defrontao de interesses de dois Estados, um deles consegueimpor a aceitao de atos internacionais (adeso a tratados, celebra-o de acordos etc.) ou a adoo de medidas executivas, legislativasou judicirias nocivas ao interesse nacional do Estado mais fraco. Deforma mais abrangente, pode-se definir a fronteira institucional comoaquela em que, por qualquer tipo de presso, coao ou induoilegtima ou ilegal com origem em outro Estado so celebradosacordos internacionais, so adotadas normas legais e/ou regulamen-tares e so tomadas decises executivas e/ou judiciais em detrimen-to dos interesses nacionais. til ressaltar que esse tipo de aopode ter longo tempo de preparao invisvel, como ocorre com orecrutamento e emprego de agentes de influncia.

    Os dois tipos de fronteiras apresentam caractersticas bastantediferentes. Vejamos as principais:

    As fronteiras jurdicas so regidas por normas do DireitoInternacional Pblico e por Atos Internacionais, inclusive acordos etratados bilaterais. Elas so visveis, ainda que, em determinados ca-sos, essa visibilidade exista em funo de alguma conveno (porexemplo, uma linha geodsica). As aes de violao de uma frontei-ra jurdica so detectveis, s vezes at mesmo antes de se efetivar aviolao. Quando no chegam a ser previamente detectadas, as vio-laes e seus resultados so fisicamente perceptveis;

    2 Ao Blica Informatizada (ABI) um dos novos recursos que compemo arsenal de foras armadas ps-modernas.Ao Blica Estratgica Informatizada (ABEI) nova modalidade deagresso, que visa a causar grandes danos ao adversrio empregandoexclusivamente meios informatizados para atacar sistemas informatizadosdo mesmo.

  • 10 Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 7-15, jan./abr. 2006

    Marcos Henrique Camillo Crtes

    As fronteiras metafsicas, porm, revestem-se de algu-mas peculiaridades. Em primeiro lugar, elas no s so invisveis,como geralmente so de deteco difcil ou mesmo impossvel.Em segundo, a elas no se aplicam as normas consagradas peloDireito Internacional, que regem as fronteiras na concepo jur-dica. Por ltimo, as aes do agressor so empreendidas emsigilo, e o agredido geralmente s percebe os resultados daviolao quando estes j esto consumados.

    A fim de esclarecer ainda mais a distino entre as fronteirasjurdicas e as metafsicas, sintetizo, no quadro abaixo, as caractersticasdescritas acima:

    Fronteiras jurdicas: Fronteiras metafsicas:

    Regidas por normas do Direito No sujeitas a normasInternacional Pblico, Atos internacionais especficas.Internacionais, acordos etratados bilaterais.

    Visveis (ainda que por Invisveis, de deteco difcilconveno). ou at impossvel.

    Aes detectveis, s vezes O agressor age de formaantes mesmo de efetivar-se sigilosa ou sub-reptcia.a violao.

    Violaes fisicamente O agredido no percebe aperceptveis. violao ou s a discerne aps

    o fato consumado.

    Para entendimento prtico dos diversos tipos de fronteira, con-sideremos a situao do Brasil na conjuntura internacional, tomandoos ltimos quinze anos como moldura cronolgica. A natureza dosproblemas que se configuraram ou podem vir a surgir nas nossasfronteiras decorre das formas existentes ou previsveis das ameaas soberania ou aos interesses nacionais do Brasil. De modo a facilitar

  • 11Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 7-15, jan./abr. 2006

    Marcos Henrique Camillo Crtes

    o estudo, adotei a relao abaixo para definir a natureza dos princi-pais problemas na fronteira do Brasil:

    1. Reivindicao jurdicaComo o Brasil adota, de maneira inflexvel, o princpio de pacta

    sunt servanda (os tratados tm de ser respeitados) e, como todasas nossas fronteiras esto (desde 1910) fixadas juridicamente, portratados, qualquer reivindicao desse tipo, por qualquer vizinho, inadmitida e inadmissvel;

    2. Implicaes de reivindicao entre terceirosAlguns dos nossos vizinhos ainda tm controvrsias sobre fron-

    teiras em aberto, como ocorre, por exemplo, com a pretenso daBolvia de recuperar (do Chile) sua sada para o mar. O Brasil pre-cisa sempre se manter atento para evitar ser envolvido, ainda queindiretamente, em controvrsia desse tipo;

    3. Presses para adoo de legislao interna ou assinatu-ra de acordos lesivos ao interesse nacional

    Estamos aqui diante de um dos tipos de fronteira metafsica, ainstitucional. Como exemplificarei adiante, nesse tipo de fronteira oBrasil sofreu, diversas perdas, nos ltimos quinze anos. Existem ain-da vrios riscos de novas violaes, como ocorre com as pressesdos EUA, diretamente e atravs da AIEA, para sustar a produo deurnio enriquecido pela empresa Indstrias Nucleares Brasileiras(INB), na sua Usina de Enriquecimento em Resende (RJ), utilizandotecnologia desenvolvida pela Marinha do Brasil. Cabe sublinhar queessa atividade est sendo conduzida em estrito cumprimento das obri-gaes internacionais do Brasil, inclusive com superviso da AIEA;

    4. Ameaa militarPode-se considerar essa ameaa como inexistente, porm preciso

    relativizar tal inexistncia. De fato, no parece haver qualquer ameaamilitar iminente, no momento atual. Entretanto, no se podem ignorar cer-tas ameaas militares em potencial, sobretudo caso se considere,conjugadamente, a instabilidade em alguns dos pases vizinhos e a vignciada Diretriz de Ao Preventiva, anunciada oficialmente pelo Governo nor-te-americano em 2002. importante sublinhar que o unilateralismo quevem sendo evidenciado por Washington, conjugado com a implementao,

  • 12 Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 7-15, jan./abr. 2006

    Marcos Henrique Camillo Crtes

    pelas foras armadas norte-americanas, das concepes da Re-voluo em Assuntos Militares (RAM), acentua intensamente adiretriz poltica de intervir onde quer que possa ser identificada oupresumida uma ameaa a interesses dos EUA;

    5. Ameaa armadaEm alguns dos pases vizinhos, movimentos subversivos po-

    dem, por diferentes motivos, transbordar para o territrio bra-sileiro. O caso mais notrio a atuao das FARC na Colmbia,as quais j foram protagonistas, direta ou indiretamente, de viola-es da soberania brasileira. Outro tipo de ameaa armada de-corre das atividades do trfico internacional de drogas, cabendoaqui destacar as medidas para controle e represso no mbito doSIVAM. Finalmente, embora o Brasil no esteja includo entre osalvos prioritrios do terrorismo internacional, no se pode ignorara ameaa que ele representa para os interesses nacionais;

    6. Atividades ilcitasElas abrangem o contrabando, a pirataria e a imigrao

    ilegal. Embora sua represso seja atribuio precpua dos rgospoliciais, a dimenso que muitas delas tenha assumido pode re-querer a participao, ainda que subsidiria, das Foras Armadasbrasileiras. Impe-se aqui o cuidado para evitar que esseenvolvimento possa se ampliar e, assim, acarretar certo desvirtu-amento das responsabilidades constitucionais das mesmas.

    7. Porosidade decorrente de intensa atividade econmicaDe forma geral, pela dinmica prpria da economia e da

    demografia brasileiras, essa porosidade nos favorvel. preci-so, porm, acompanhamento diuturno dessa expanso naturale no planejada, a fim de equacionar eventuais desdobramentosperigosos. Exemplo desse risco o crescimento continuado docontingente de emigrantes brasileiros no Paraguai, onde so co-nhecidos como brasiguaios.

    8. VaziosAinda existem algumas reas de fronteira em que a ocupao

    se mostra muito rarefeita. Assim ocorre, por exemplo, na enormefaixa do territrio brasileiro junto do sul da Guiana e do Suriname.Esses vazios precisam ser, pelo menos, monitorados de modo a

  • 13Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 7-15, jan./abr. 2006

    Marcos Henrique Camillo Crtes

    impedir a sua utilizao criminosa por narcotraficantes. Por outrolado, a incria das autoridades brasileiras ao estabelecer imensas reasde proteo ambiental e de reservas indgenas em faixas de fronteiracria verdadeiros vazios do poder do Estado, gerando perigosasvulnerabilidades para a segurana e a soberania do Brasil.

    Uma problemtica que requer estudo amplo e equacionamentomultifactico o enclave representado pela Guiana Francesa, lti-mo remanescente do colonialismo europeu na Amrica do Sul e que,curiosamente, faz com que a mais extensa fronteira terrestre da Fran-a seja com o Brasil.

    Historicamente, o Brasil esteve envolvido com a Guiana France-sa de maneira episdica. Em 1727, cumprindo dupla misso em Caiena,uma diplomtica e outra secreta, Francisco de Melo Palheta conseguiutrazer para Belm as primeiras mudas de caf. Em 1808, j com aCorte instalada no Rio de Janeiro, D. Joo VI ordenou a ocupao daGuiana Francesa, de onde suas tropas s saram em 1817, quando acolnia foi devolvida monarquia francesa restaurada. Em 1900, gra-as brilhante defesa conduzida pelo Baro do Rio Branco, o Presi-dente da Sua, rbitro da chamada Questo do Amap, reconheceunossos direitos sobre a regio compreendida entre os rios Oiapoque eAraguari, que era reivindicada pela Frana. Em 1942-1943, Washingtontentou, sem xito, persuadir o Governo brasileiro a invadir e ocupar aGuiana Francesa em vez de enviar tropas para lutar na Itlia. Final-mente, em 1961, pouco depois de ter assumido a Presidncia da Rep-blica, Jnio Quadros teria ordenado aos Ministros militares o planeja-mento da invaso da Guiana Francesa. O assunto teria sido discreta-mente esquecido e superado com a surpreendente renncia do Pre-sidente, em 25 de agosto do mesmo ano.

    Na atual conjuntura, porm, a Guiana Francesa pode vir a serutilizada como instrumento por aqueles que pretendem ainternacionalizao da Amaznia brasileira.

    So notrios os pronunciamentos de autoridades e pseudocientistasde outros pases, bem como de conhecidas ONGs, no sentido de seproclamar a Amaznia como patrimnio da Humanidade. Em 25de fevereiro de 2005, numa conferncia para diplomatas e especialis-tas na sede da ONU, o poltico socialista francs Pascal Lamy defen-deu a tese de que as florestas tropicais devem ser tratadas como benspblicos mundiais, que ficariam sujeitos a certas regras coletivas

  • 14 Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 7-15, jan./abr. 2006

    Marcos Henrique Camillo Crtes

    de gesto internacional, deixando de lado a questo da proprieda-de. Alis, Lamy foi eleito Diretor-Geral da Organizao Mundialdo Comrcio (OMC), em maio de 2005, de onde poder continuaratuando para promover tal proposta, claramente nociva aos inte-resses brasileiros.

    Ora, um governo francs, de comum acordo com os EUA e osmembros da Unio Europia, poderia tomar a iniciativa de, excetuan-do a pequena rea em torno de Caiena e da base espacial de Kourou,proclamar o territrio da Guiana Francesa como bem pblico mun-dial, a servir de modelo para o resto da floresta amaznica.

    importante destacar que, s vezes, a feio jurdica podeencobrir a real natureza metafsica da fronteira. Essa identifica-o necessria para que se possam equacionar corretamente asverdadeiras vulnerabilidades e/ou violaes e se adotem as medi-das pertinentes.

    Vejamos alguns exemplos:

    1. Na nossa fronteira com a Colmbia houve dois casos de viola-es da fronteira (jurdica) terrestre e area. Na regio do Trara, ele-mentos das FARC atacaram, em territrio brasileiro, efetivos do Exr-cito Brasileiro, com perdas de numerosas vidas. Anos depois, as For-as Armadas colombianas utilizaram, sem autorizao do Governo bra-sileiro, a pista de pouso em Iauaret (a fim de lanar operao militarurgente para retomar a capital provincial de Mitu, ocupada pelas FARC).Nesses dois casos ocorreram, sem dvida, violaes da nossa sobera-nia em termos jurdicos. Entretanto, muito mais grave foi a violao dafronteira (metafsica) institucional, pela tibieza com que se portaramautoridades brasileiras no mais alto nvel do Governo Federal;

    2. Por ordem direta do Presidente Fernando Henrique Cardoso,o Governo brasileiro aderiu (em 1997/1998) ao Tratado de No Pro-liferao Nuclear (TNP), contrariando dcadas de resistncia am-plamente fundamentada s presses dos Estados Unidos. O TNPcontm dispositivos que o tornam uma verdadeira imposio da desi-gualdade jurdica dos Estados e que violam de modo irretorquvel asoberania nacional. Portanto, essa adeso significou gravssima per-da na fronteira (metafsica) institucional. Analogamente, a assinatura(pelo ento Ministro de Cincia e Tecnologia, Embaixador Ronaldo

  • 15Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 7-15, jan./abr. 2006

    Marcos Henrique Camillo Crtes

    Sardenberg, hoje chefe da Misso na ONU) de um Acordo para ouso, pelos norte-americanos, do Centro de Lanamento de Alcntarafoi outra perda na fronteira (metafsica) institucional. Felizmente, graasa oportunas gestes de brasileiros patriotas, sua homologao foi sus-tada no Congresso Nacional, j que esse acordo continha clusulasinaceitveis, por violarem a soberania e a dignidade nacionais;

    3. Em 2003, uma aeronave militar francesa, transportando mili-tares e agentes de inteligncia e segurana, pousou no Aeroporto deManaus sem a devida autorizao prvia. A operao visava conse-guir a libertao de uma senadora colombiana (que tambm tem na-cionalidade francesa) seqestrada pelas FARC. O incidente jamaisfoi devidamente esclarecido, mas constituiu, inegavelmente, violaoda fronteira (jurdica) area e terrestre. Entretanto, muito pior foi aviolao da fronteira (metafsica) institucional, configurada pela ma-neira hesitante e incompetente com que o Governo federal se portouno episdio;

    4. Atualmente, est por se concretizar a intolervel demarcao,em rea contnua, da chamada Reserva de Raposa/Serra do Sol, pelaqual se destina territrio equivalente ao Estado de Sergipe a cerca de 14mil ndios. Como essa reserva corresponde a um enorme trecho aolongo das nossas fronteiras com a Guiana e a Venezuela, fcil entendero imenso risco que isso significa para a segurana nacional, em mais umaperda na fronteira (metafsica) institucional.

    Esses e muitos outros fatos levam concluso de que, nos lti-mos quinze anos, a maior vulnerabilidade do Brasil tem estado e con-tinua estando na fronteira institucional (metafsica). Isso no querdizer que possamos continuar descurando da capacitao de nossoServio Diplomtico e de nossas Foras Armadas para a defesa per-manente e eficaz de nossas fronteiras jurdicas. Contudo, mais doque nunca, impe-se difundir o conhecimento e o estudo das amea-as que incidem sobre nossas fronteiras metafsicas, em especial afronteira institucional, cuja localizao, obviamente, est em Braslia.S assim poderemos, ns brasileiros, impedir novas perdas e recupe-rar o que j se perdeu nesse passado recente.

    O autor Embaixador de Carreira, aposentado a pedido,em 21 de janeiro de 2005

  • 16 Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 16-18, jan./abr. 2006

    Carlos de Meira Mattos

    Novas Teorias do Poder Mundial

    Carlos de Meira Mattos

    Durante os ltimos cem anos, trs teorias geopolticas domi-naram a mente dos estudiosos de poltica internacional das grandespotncias:

    A teoria do heart land (1904), tambm chamada de teoriado poder terrestre, de autoria do gegrafo e diplomata ingls HalfordMackinder, segundo a qual a potncia que dominar a area pivot,centro da massa continental euro-asitica, dominar a Ilha Mundial e,quem dominar a Ilha Mundial, dominar o mundo;

    A teoria do Professor norte-americano Nicholas Spykman (1942),que prev a conquista da Ilha Mundial pelas fmbrias, partindo da con-quista das reas costeiras (contrariando Mackinder, que antevia essaconquista partindo do interior do continente euro-asitico);

    A mais antiga, a teoria do Poder Martimo (1890), do Al-mirante Alfred T. Mahan, escritor e geopoltico norte-americano,prevendo a conquista do mundo pela potncia que dominar os ma-res, os estreitos e as passagens obrigatrias da navegao marti-ma, assegurando-lhe a capacidade de livre navegao por todas aspartes do planeta.

    Essas trs teorias influram na mente e nas decises de impor-tantes chefes de governo do passado, tais como Theodore Roosevelt,Guilherme II, Hitler, Mussolini, Churchill, Stalin, Franklin Roosevelt,De Gaulle e, por ltimo, Reagan. A estratgia da poltica de poder daAlemanha no tempo do kaiser Guilherme II e de Hitler, assim comoa da antiga Unio Sovitica, refletiram as teorias de Mackinder, en-quanto a estratgia de poder norte-americana tem sido inspirada pe-las teorias do Almirante Mahan e do Professor Spykman.

    Novas teorias do poder mundial vm ocupando o cenrio inter-nacional aps a desagregao da Unio Sovitica, que causou o fimda bipolaridade do poder mundial, e em face das presses de umasociedade globalizada. Entre vrias das novas teorias, destacamosquatro que nos pareceram mais interessantes:

  • 17Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 16-18, jan./abr. 2006

    Carlos de Meira Mattos

    A dos Blocos e Zonas Monetrias, do Professor francsJacques Brochard, contida no seu livro Le Mirage du Futur LaNouvelle Ordre Internationel (1990);

    A do Lime ou da fronteira viva mvel, do Internacionalistafrancs Jean Christophe Rufin, autor da obra Armadilha Humani-tria (1991);

    A Trade do Clube de Roma, uma viso do mundo comouma sociedade organizada nos moldes de uma enorme empresamultinacional;

    A da Incerteza (ou da Turbulncia), do Estrategista fran-cs Pierre Lellouche, exposta, principalmente, no seu livro LeNouveau Monde de 1er Ordre de Yalta au Desordre des Nations.

    Numa sntese comparativa sobre a viso de poder mundial ofe-recida pelas novas teorias, podemos concluir que os autores Brocharde Rufin, nas suas prospectivas, no acreditam na durao do poderhegemnico dos Estados Unidos. Vem o domnio do planeta exerci-do por grupos dos mais poderosos Estados Unidos, Europa Ociden-tal, Rssia e Japo (quando escreveram, a China ainda era conside-rada potncia secundria).

    Rufin v a necessidade, para a preservao do poder do Oci-dente, de uma fronteira viva mvel, no sentido leste-oeste, contendoo enorme perigo da invaso da Europa pelos novos brbaros, po-vos africanos e asiticos, de conseqncias imprevisveis para a civi-lizao e cultura ocidental-crist. Teme o que chama de invaso dafome e a invaso do fanatismo religioso.

    A Trade do Clube de Roma (trs blocos de naes lideradospelos Estados Unidos, Europa e Japo) prospecta a organizao deuma sociedade mundial planejada, visando evitar as anunciadas cala-midades de nvel planetrio: descontrole ambiental, explosopopulacional, crise energtica, carncia de gua e perigo nuclear. Prevum mundo organizado segundo o modelo das grandes empresasmultinacionais e dirigido pelos trs grupos de naes sob a supervisodos Estados Unidos.

    Por ltimo, a teoria das Incertezas do Professor Lellouche previuque nos prximos 30 anos (escreveu em 1992) no haver um podercapaz de dominar a turbulncia provocada por inmeros conflitos de

  • 18 Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 16-18, jan./abr. 2006

    Carlos de Meira Mattos

    ndole social, tnica racial, fanatismo religioso, fome e ameaas deuso de armas de destruio em massa. Anteviu trs dcadas dedesordens e incontrolvel onda de violncias, fora do controle dequalquer poder ordenador.

    Praticamente, no presente, a sociedade mundial est vivendoum perodo de ausncia temporria de um eficiente rgo ordenador,seja a ONU, a Unio Europia, o Pacto do Atlntico ou algumasuperpotncia. Estamos vivendo as previses de Lellouche sobre aausncia temporria de um poder ordenador capaz de restabelecera paz e a segurana, sufocando os vrios plos de conflitos graves,sangrentos, transnacionais, que se espalham pela Europa, sia efrica. A chamada hegemonia norte-americana tem-se mostradoinsuficiente nesse mister de preservar a ordem mundial. A ONU,outros organismos internacionais, ou Estados nacionais igualmentetm fracassado nesse desiderato.

    Todos os autores citados, em suas teorias, consideraram a Am-rica Latina uma zona de relativa estabilidade e descartvel em ter-mos de influir na composio do poder mundial. Em se tratando doBrasil, no isto que pensam outros pesquisadores estrangeirosque nos colocam na prospectiva de vir a se transformar numa gran-de potncia dentro de 30 ou 50 anos.

    O autor General-de-Diviso Reformado, Doutor em Cincia Polticae Conselheiro da Escola Superior de Guerra (ESG).

  • 19Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 19-36, jan./abr. 2006

    Dom Edson de Castro Homem

    A Religio na Modernidade: Algu-mas Funes Histricas e Scio-

    Polticas

    Dom Edson de Castro Homem

    A exposio de algumas funes histricas e scio-polticas daReligio na modernidade o objetivo de nossa abordagem. Na reali-dade, faremos algumas indicaes, sem pretender esgotar a vastidodo tema. Por isso, inicialmente, faremos uma abordagem geral, paradepois, apresentarmos a Religio como promotora de Cultura, a des-velar conflitos, sua funo na ordem democrtica, na esttica, narealidade scio-econmica, no exerccio do dilogo com as diferen-as, para concluirmos com o ministrio de Joo Paulo II, que abriunovas perspectivas para o relacionamento da Religio com o mundo.Sempre que possvel tambm indicaremos as reaes de adeso e derejeio das influncias modernas, especialmente no Catolicismo.

    I. Abordagem GeralA modernidade supe seus antecedentes: o Renascimento, o

    Humanismo e a Reforma Protestante. Ela instaurou uma nova ordempoltica, social, econmica e religiosa no Ocidente. Com ela se rompeo projeto da cristandade. Os Estados modernos so estabelecidos.

    So vrias as leituras a respeito da funo da Religio, elabora-das pelos autores modernos, sobretudo entre os iluministas. No en-tanto, um elemento comum se destaca: com a separao entre a ra-zo e a f, instaura-se tambm a separao entre a Igreja e o Estado.Esta a grande herana que separa a Religio da Poltica. Se houverconflitos, e eles sempre retornam, quanto interpretao dessaseparao e distino, na atuao prtica de ambas as instncias,dado que h sempre pontos de contato.

    No entanto, h autores que remontam a Jesus e no aos pensa-dores modernos a idia de emancipao da Religio em face do Es-tado. Isto devido a sua atitude de fugir quando alguns queriam nome-lo rei, a convico de que seu reino no deste mundo e, especial-mente a assertiva: Dai a Csar o que de Csar e a Deus o que

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    de Deus. Por tal afirmativa, parte do homem ficou emancipada doEstado, fonte de onde emanou sua autonomia (Cf. LLANOCIFUENTES, Rafael. In: Relaes entre a Igreja e o Estado, JosOlympio, 1971, p. 64). Nesta interpretao, a Religio crist teriainfluenciado, ainda que em prazo longo, para o que se tornou possvelsomente durante a modernidade.

    Do ponto de vista histrico, na Idade Mdia no havia separa-o como entendemos hoje. Havia a distino de poderes entre obculo e o cetro, portanto a diferena de competncias de ambas asinstituies. Contudo, elas se tutelavam mutuamente e sofriam inge-rncias recprocas. Cabia igreja sagrar o rei, isto , confirm-lo.Destacamos os desmandos do cesaropapismo, pelo qual na pessoado imperador se concentrava tanto o poder do Estado quanto da Igre-ja. Sublinhamos que, no regalismo, a Igreja era s protegida pelo rei,mediante o regime do Padroado, guardando sua autonomia nas ques-tes de ordem espiritual. Sinalizamos, a bem da verdade, que o PapaBonifcio VIII, na Bula Unam Sanctam, chegou a exigir que todosos reis e prncipes cristos lhe prestassem obedincia. J era o pres-sgio que o poder dos prncipes lhe fugiria das mos. Com efeito, amodernidade acabaria com o privilgio do Padroado e, tambm, coma pretenso da Igreja acima do Estado. Na prtica, avaliamos que oPadroado atrapalhou mais do que facilitou ou protegeu a ao apos-tlica da Igreja. Ao contrrio, a modernidade e a Repblica derammuito mais autonomia Igreja. No Brasil, isto notrio.

    Surge a nova noo de cincia, dependente do mtodo emprico,a favor do progresso do conhecimento natural e do desenvolvimentotecnolgico. Emerge a individualidade ou a subjetividade pensantecontra os argumentos da tradio e da autoridade, seja a lgicaaristotlica, com a argumentao escolstica, seja a mediao dasinstituies eclesisticas. Esta posio contrria entra em conflito coma Religio medieval, mas em contrapartida tambm influenciadapor posicionamentos religiosos que respeitavam ambas as esferas,distinguindo a f e a razo, ou a aceitao de Deus mediante a reve-lao e a especulao filosfica. No mtodo cientfico, a exclusoinicial da Teologia e da Filosofia que, depois se consolidou como vli-da e necessria, no significava afirmar nem o agnosticismo nem oatesmo como postulado. Apenas o novo mtodo de se fazer cincia.

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    Segundo a Filosofia da Histria de Hegel, a modernidade come-a com Bacon (1561-1626) e Descartes (1596-1650), que exaltam apossibilidade do conhecimento humano mediante a razo. De acordocom vrios historiadores da Filosofia, ela tem seu apogeu noIluminismo. Os iluministas eram destas, portanto contra o atesmo.Entretanto, tambm eram contra a Religio positiva, sobretudo o Cris-tianismo. A Religio no tinha nenhuma boa e til funo, excetoinfelizmente reprimir e inibir as paixes. Por exemplo, Diderot (1713-1784) declara contra a Religio que sem as paixes os homens ex-cepcionais se degradam, e que viveramos bastante tranqilos se es-tivssemos seguros de que no h nada a temer no outro mundo.

    De acordo com a avaliao de Kant (1724-1804), o Iluminismo a sada ou a libertao do homem do estado de minoridade, que eledeve imputar a si mesmo se no fizer uso de seu prprio intelecto esem ser guiado por outro. No entanto, a racionalidade, como critrionico de verdade, questionada se no passar pelo crivo da crtica.O prprio Kant pergunta: o que posso conhecer? O que devo fazer?O que me permitido esperar? As perguntas, j sendo um ato darazo, incluem seus limites ou suas condies de possibilidade, quedevem ser analisadas de modo crtico. Mesmo a Religio conside-rada nos limites da razo.

    A modernidade vai perdendo seu vigor, aps Kant, com ele oucontra ele, com as vrias e conflitantes tentativas de se pensar amodo racional a realidade pessoal e social. Pensamentos fortes emtermos de sistema ou paradigma com pretenso universal so oHegelianismo (Hegel 1770-1831), o Positivismo de Comte (1798-1857)e o Marxismo (Marx 1818-1881). Tambm a Fenomenologia deEdmund Husserl (1859-1938) merece a afirmao de pensamentoforte e abrangente, mas no tem a incidncia poltica dos pensamen-tos anteriormente citados. Entretanto determinou muitas interpreta-es da realidade social, inclusive a Religio como fenmeno.

    Na segunda metade do sculo XX, muitos aspectos damodernidade persistiro, mas no tero de conviver com o adventoda ps-modernidade no pluralismo, na fragmentao e naindeterminao ou debilidade do pensamento e da Religio como fe-nmeno miditico e na busca de novos embasamentos ticos diantedo ceticismo, do relativismo e do contextualismo dos valores morais. um pouco a situao que estamos vivendo. O sagrado retorna.

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    Est presente na sociedade e na Poltica, girando em torno do simu-lacro e do ldico para a satisfao de interesses imediatos.

    II. A Religio como Elaboradora de CulturaAtravs da Religio, o homem est ligado ao ser absoluto e

    originante, a que chama de Deus. Assim se compreende quem pra-tica ou professa qualquer Religio. Independentemente das vriasconcepes da divindade ou da Religio e das diversas expressesde religiosidade, a priori necessrio que cada um de ns, crenteou descrente, compreenda o fenmeno com sua especificidade, paradistingui-lo dos demais em que ele se encontra. Isto porque, comodiz Mircea Eliade, no existem fenmenos religiosos puros, pois de-pendem da sociedade, da Cultura e da linguagem. Mesmo o Cristi-anismo, que se considera Religio revelada, no produzida direta-mente pela Cultura, no pode prescindir das mediaes culturais,sem as quais no seria um fenmeno histrico, datado e comunic-vel. Portanto, inteligvel.

    O fenmeno humano e social da Religio, sendo um fato sim-bolicamente plural, relaciona-se com o conjunto da vida de um povoe das pessoas, em particular. Neste sentido, a Religio no s pluridimensional, permitindo vrias formas de leitura ou de interpre-tao, mas supe a Cultura para veicular sua concepo de Deus,do homem e do mundo. Alis, constitui-se em fato duplamente cul-tural. Dialeticamente, influenciada e influencia.

    Primeiramente, influenciada e at condicionada pelo lugarcultural e geogrfico de sua origem, pelo momento histrico em quenasceu e pelos perodos histricos que percorreu. Trata-se da influ-ncia da tradio, entendida como memria viva e rica de significa-dos, divulgada s oralmente e ritualmente. De fato, as religies es-to intimamente ligadas Histria de seus respectivos povos, desorte que muito difcil a Cultura ser separada da Religio em ter-mos de influxo recproco. No entanto, assim como os povos acei-tam outras influncias culturais, tambm so condicionados ou de-terminados por elementos assimilados destas outras expresses re-ligiosas que chegam. Por isso, comum observar alguns modos desincretismo e at de justaposies de influncias.

    O antigo Israel foi influenciado e acolheu aspectos das religi-es dos povos vizinhos, mas o forte monotesmo javista conseguiu

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    purific-los de costumes pagos e impedir a contaminao dos do-los. O Cristianismo, embora no possa ser entendido sem sua depen-dncia originria do Judasmo, que define a base de seu contedo,distingue-se da vinculao devido ao apelo universalista que o obri-gou, desde o incio, a admitir o processo necessrio de inculturao.Por fidelidade a si mesmo e por razes de sobrevivncia, a dispensada circunciso facilitou ambos os processos. Por estas razes intrn-secas, e devido s primeiras perseguies em territrio judaico, adentroue se difundiu no mundo helnico. Logo aps, entrou tambm em Roma.Nestas incurses, tanto influenciou quanto recebeu forte contribui-o das Culturas grega e latina, apesar da perseguio do ImprioRomano. Tornou-se uma Igreja de gentios e no mais de judeus con-vertidos, a no ser excepcionalmente.

    A Histria dolorosa dos cismas coincide com o posicionamentoposterior de manuteno e de afirmao, ainda que sempre em pro-cesso de atualizao, de certas heranas culturais significativas quea Religio crist transformou. A Igreja Ortodoxa Oriental mantmlaos estreitos com a herana bizantina na Arte, na Liturgia e naTeologia. Recebeu, conservou, mas transformou. A Igreja CatlicaRomana conserva as tradies latinas na Lngua, no Direito e naorganizao eclesistica, sem rejeitar o patrimnio grego do pensa-mento. Tambm recebeu, conservou e transformou. A herana cul-tural dos mosteiros medievais, sobretudo da Ordem Beneditina, re-conhecida pela divulgao do saber, seja pela conservao, pela c-pia e pela traduo de livros clssicos gregos e latinos, seja pela do-cumentao histrica. O mesmo se diga das bibliotecas e arquivosdas Dioceses e do Vaticano. So fontes irrecusveis de pesquisa. OAnglicanismo, ao romper com o Papa, tambm conservou e transfor-mou muitos elementos do Catolicismo e assimilou aspectos conside-rveis da Reforma Protestante. As Igrejas oriundas da Reforma re-jeitaram a centralidade romana, representada pela tradio catlica epelo magistrio do Papa, em funo da identidade anglo-saxnica. Atrplice afirmao s a f, s a Bblia e s a graa, de Lutero,serviu para consolidar a nova proposta de ruptura contra as institui-es tradicionais do poder sacralizado da realeza e da Igreja. Napretenso de romper em nome de um evangelho puro, parece querejeitou mais do que recebeu. No entanto, de onde veio a maior partedas Escrituras, o Credo Apostlico e o Niceno-constantinopolitano, o

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    agostinismo, presentes na Reforma, se no da tradio viva da Igrejaanterior? Muito do patrimnio recebido, inclusive o nominalismo daFilosofia medieval, foi transformado pala prpria herana anglo-saxnica, tambm recebida e atualizada. Tambm o Islamismo muitorecebeu do Judasmo, do Cristianismo e das tribos rabes. Recebeu,adaptou ou transformou.

    Tais reflexes visam considerar a Religio no s como criado-ra de Cultura, mas tambm transformadora de certos elementos cul-turais encontrados, para recri-los, desconstru-los ou mesmo inibi-los. Isto pode se dar de forma pacfica. Trata-se do sincretismo ou dajustaposio. O primeiro supe o lento discernimento da purificaohistrica no processo de inculturao e, ao contrrio do que normal-mente se diz, pode respeitar e integrar se no todos, muitos valoresencontrados. A segunda, que a justaposio, dispensa odiscernimento, ao agrupar tradies dspares independentemente dacoerncia interna, especialmente a doutrinal.

    A ntima relao entre Religio e Cultura s seria compreendi-da e melhor valorizada, devido descoberta moderna da historicidade,tema ligado concepo da Filosofia da Histria, a partir de Hegel.Com o mtodo histrico-crtico aplicado exegese e hermenuticados textos bblicos e dos dogmas, percebeu-se melhor o problema dahistoricidade, cuja soluo supera o dogmatismo catlico e ofundamentalismo protestante. Contra ambos, possibilita a releitura oua re-interpretao, em funo da mensagem contra o invlucro cultu-ral j superado. Trata-se de nova aplicao do sentido da exortaode Paulo: a letra mata, o Esprito que vivifica. No sem confli-to com o Magistrio catlico que condenou o Modernismo, tais tenta-tivas foram feitas e muitas so legtimas para a compreenso da fque a Religio veicula. Aqui se trata de distinguir o que vinculativodo que elemento cultural ou da mentalidade de poca.

    III. A Religio a Desvelar ConflitoO encontro de culturas pode ser um confronto de religies, de

    forma violenta e sangrenta. Trata-se da rejeio que condena, perse-gue e elimina o diferente ou oponente. Todas as perseguies contraas crenas alheias, as cruzadas, as inquisies e as guerras religio-sas, incluindo a guerra santa dos muulmanos, so formas de conflitoem que a Religio foi utilizada como instrumento ideolgico repressor

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    dos inimigos por um lado e justificador, por outro, de interesses polti-cos e econmicos a serem conquistados.

    A forma do sucesso est no convencimento do discursodemonolgico contra o outro, apontado a servio do diabo simbli-co. Muitas vezes, o confronto se d no interior da prpria Culturareligiosa quando grupos sectrios, cismticos ou herticosdesestabilizam o tecido social. Muitas vezes, as novas religies sur-gem destes movimentos separatistas. Neste caso, as religies ten-dem a se exorcizarem reciprocamente e a caar bruxas. Trata-se da funo social de canalizar simbolicamente o percentual deno adaptao que gera conflito at violncia, e que existe emqualquer sociedade. uma funo que hoje consideramos deplor-vel, e que as anlises scio-polticas da Religio na modernidadenos ajudaram a perceber e a discernir.

    Na perspectiva da psicologia das massas e dos exrcitos, aReligio e a religiosidade podem adquirir a funo de dar sentido debondade e de justia luta ou ao conflito social at guerra comoconfronto radical. A modernidade indicou essa funo que, certa-mente, o telogo chamaria de patologia. Inclusive os poderes polticoe militar, mesmo quando no se trata de estado de guerra com teorreligioso, podem servir-se da religiosidade popular, atravs de smbo-los ou de oraes ou da invocao do nome de Deus como ideologiajustificadora ou encorajadora do conflito. Ao final, Deus se pe dolado dos vitoriosos, nunca dos vencidos. A Idade Mdia, baseando-senas Escrituras, resolvia o dilema atravs do conceito de flagelo deDeus. Os vencidos pelos inimigos de Deus receberiam a derrota comocastigo por faltas cometidas para retomar o processo penitencial pu-rificador: Pecamos, Senhor, misericrdia!

    A Bblia faz uma teologia quase sempre narrativa da guerra e dapaz. No Antigo Testamento isto muito claro. Mais ainda no Alcoro.At porque o homem religioso precisa de explicaes para conviver comambos os aspectos de sua existncia. O prprio pacifismo do Cristo edos primeiros cristos foi veiculado com expresses de combate, aindaque espiritual. Paulo chama o cristo no s de atleta, mas de soldado oucombatente. Entretanto, o pacifismo inicial durou pouco. Constantinoescolheu a cruz como smbolo do exrcito: Com este sinal vencers.Hoje soa como ideologizao o fato de ele ter instrumentalizado o maissagrado smbolo cristo. No entanto, ele soube inculturar a recente

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    simbologia religiosa, dando-lhe nova leitura a partir do lugar de desta-que no seu exrcito. A nova Religio passava a ter uma funolegitimadora do Imprio.

    Com efeito, aos poucos a cruz estaria presente em todos oslugares pblicos. No s nos altares. Desta forma, comeava umanova ordem de relao simblica e efetiva entre a Igreja, organizan-do-se no Imprio, e o Estado que se reorganizava tambm diante donovo poder religioso emergente. Inaugurava igualmente o Catolicis-mo guerreiro que de incio ser de defesa e depois, diante das con-quistas muulmanas, tornar-se- um Catolicismo de reconquista.

    Santo Agostinho daria cristandade emergente os elementospara pensar e construir a realidade scio-poltica em tempo de paz ede guerra. De um lado definiria a paz como tranqilidade da ordem,de outro insistiria na ordem a ser defendida. Da, a noo de guerrajusta ou de legtima defesa a exigir a manuteno e a modernizaodos exrcitos, mesmo em tempo de paz e em regime de cristandade.

    O Brasil Colnia conheceu a simbologia e a interpretao re-ligiosa nas lutas entre portugueses e ndios. Os santos protetoresforam considerados, muitas vezes, santos guerreiros em favor daCoroa Portuguesa. A Religio possua a funo de tambm expan-dir o imprio portugus com seu projeto de colonizao. Anglicanose protestantes fizeram o mesmo nas colnias inglesas e holandesascontra a idolatria e a superstio, em nome da pureza evanglica,no intuito da conquista.

    Durante a modernidade houve guerras de Religio, no interiordo Cristianismo dividido aps a Reforma, com episdios deplorveisentre reformados, anglicanos e catlicos, cujos motivos eram mais daordem da Poltica e da Economia que propriamente da f. No entan-to, eminentes pensadores polticos do Liberalismo e do Iluminismo,apesar da contestao do poder temporal da Igreja, talvez at devidoa tal indisposio, contriburam para a tolerncia religiosa e at a boaconvivncia, a prazo longo, e aps muitos conflitos, como fruto darazo e da Democracia, segundo os ideais da Revoluo Americanae da Revoluo Francesa, esta nem um pouco tolerante, apesar doseu lema de igualdade, liberdade e fraternidade, que no deixa de terinspirao crist. A atitude de tolerncia voltar com outro nomequando abordarmos a nova funo dialgica da Religio. Trata-se dedilogo religioso e de ecumenismo.

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    IV. A Religio para a Ordem DemocrticaHobbes, Locke e Rousseau, embora divirjam quanto s ca-

    ractersticas do Estado Moderno democrtico, concordam na con-cepo de um contrato social como fundamento da sociedade orga-nizada racionalmente. O poder no viria mais de Deus. Portanto,no passaria pela tutela da instncia religiosa. Ele foi dessacralizado.Viria do povo, atravs das eleies. A posio de distncia e dediferenciao religiosa permitiria tal assertiva. Na realidade, exigiauma nova presena da Religio na sociedade que fosse separadado Estado. Historicamente, foi bom para ambos, como sublinhamosacima. O Estado se libertou da tutela religiosa. A Igreja se emanci-pou da tutela estatal. A pacificao dos espritos se deu no sentidode que novas relaes foram estabelecidas, no sem conflitos, en-tre os defensores da autonomia de ambas as instituies. A prop-sito, a Igreja em cada Estado moderno tem sua histria peculiar deharmonia e de confronto. O fruto da ordem democrtica foi de co-operao e de respeito mtuo, guardando as respectivas instnciasde poder e as atribuies funcionais.

    A Religio catlica contribuiu, ainda que indiretamente, comoj vimos, para este novo estado de coisas nas disputas entre o cetroe o bculo, especialmente pela posio singular do poder papal. En-tretanto, coube a Lutero, atravs da proposta separatista entre f erazo e a ruptura com o papado, apressar a nova mentalidade emer-gente e em termos novos em que o poder do Papa excludo. Semter previsto e mesmo desejado seu livre exame da Bblia emcontraposio ao magistrio da Igreja Catlica, favoreceu dois as-pectos da autonomia que caracterizariam a modernidade: a liberda-de do indivduo e o Liberalismo econmico. Tambm ensejou a se-parao entre a Igreja e o Estado, bem como os ideais republica-nos. De fato, o Luteranismo, quando pe a Bblia na mo do povo,estimula de algum modo no s a alfabetizao das pessoas, o quej seria um fato socialmente relevante, mas tambm propicia a pro-gressiva participao popular que somente os republicanos inaugu-rariam pela implantao do regime democrtico, a escola pblica eo acesso de todos educao.

    Outros afirmam que o Protestantismo incentivou a prevalnciado Estado sobre a Religio crist, a despeito de suas reconhecidas

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    implicaes democrticas. Calvino idealizou uma teocracia. OAnglicanismo inicialmente a submisso da Igreja vontade do rei.Perpetuou o rei como Chefe da Igreja, no lugar do Papa. Hegel, emi-nente filsofo de raiz protestante, declara ser o Estado moderno arealizao do esprito absoluto, cuja releitura inspiraria ulteriormenteos totalitarismos estatais de direita e de esquerda, no sculo XX.

    J dentro da nova ordem democrtica, a Religio teve umafuno ambgua: ou mantenedora das concepes de mundo e degoverno anteriores ao novo regime; ou incentivadora dos ideaisrepublicanos e democrticos; ou crtica de seus aspectos ideolgi-cos e utpicos.

    Quanto ao Catolicismo, de incio no foi favorvel Demo-cracia na Poltica por fidelidade monarquia, mantendo-se interna-mente hierrquico e at monrquico na sua estrutura eclesial. OPapa at segunda metade do sculo XX era coroado. Os Carde-ais eram considerados prncipes. S com o Conclio Vaticano II, omodelo monrquico foi substitudo pela considerao do poder co-legial dos bispos entre si, e em unio e sob a autoridade do Papa. Acolegialidade se torna o governo mais de acordo com o retorno sfontes da f: a Escritura e a Tradio.

    A Igreja Catlica aceitou sua autonomia e independncia doEstado, na condio moderna, pois so de natureza diversa pela con-figurao e pela finalidade. Contudo, a separao no exclui a cola-borao recproca, pois ela e o Estado esto a servio do bem-co-mum dos homens. Para realizar sua misso, a Igreja reivindica o di-reito ao reconhecimento jurdico da prpria identidade, inclusive atra-vs de formas estveis de acordos e de instrumentos que garantamrelaes harmoniosas entre ela e o Estado.

    Neste novo contexto, o Catolicismo precisou elaborar uma teo-logia das realidades terrestres e a teologia do laicato ou da presenados catlicos na Igreja e na vida pblica, atravs das profisses e dotestemunho de sua f. Insiste, ento, na superao da via devocional,tpica da presena dos leigos no antigo regime, atravs de confrarias,irmandades e associaes, para uma via testemunhal, mediante co-munidades e movimentos e pastorais de insero no mundo. Emergeum Catolicismo social e poltico, recentemente contestador em rela-o ao Estado e, logo a seguir, at no interior da prpria Igreja.

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    V. A Funo Esttica da ReligioNuma leitura esttica tambm com implicaes sociais rele-

    vantes no nvel do aprimoramento de competncias artsticas, as reli-gies contribuem ou inibem as Artes. Se o Judasmo e o Protestantis-mo probem esculturas claro que esta forma de Arte no ser di-fundida entre seus adeptos. As demais Artes sero aprimoradas, so-bretudo a Literatura e a Msica. O Catolicismo precisar de bonsescultores ou santeiros ou pintores, alm de artistas e artesos quetrabalhem os metais para os objetos do culto e a confeco das alfai-as e das vestes litrgicas.

    Ainda que seja preciso matizar a polarizao para evitar gene-ralizaes, a Cultura protestante acentuar a comunicao da pala-vra com a utilizao da Oratria, enquanto a Cultura Catlica a co-municao da imagem, atravs das Artes Visuais, inclusive adramatizao religiosa. Enquanto o culto catlico festivo e ldico,veiculado pelo simbolismo de ritos, vestes e cores, o culto evanglicotradicional sempre optou pelo despojamento e pela simplicidade, aten-do-se quase com exclusividade ao simbolismo do livro: seja a Bbliaque se l e da qual se prega, seja o hinrio que se abre para acompa-nhar o canto, estimulando a participao da assemblia sem desvalo-rizar o solo e o coral. Disposies estticas diferenciadas igualmentehaveriam de influenciar a arquitetura dos respectivos templos e at omodo diverso de composio artstica no interior dos cemitrios.

    A Arte Barroca s se entende como expresso de Arte Catlica,porque houve um confronto histrico e cultural com o Protestantismo.No Brasil, coincide com a Arte de estilo colonial nas igrejas do perodo.Neste caso e nos demais, a Religio influencia a Arte e vice-versa.

    Aqui seria necessrio acrescentar a influncia dos diversosmomentos da Histria da Arte no perodo cultural da separao entrea f e a razo. Basta lembrar que a modernidade influenciou mais aArte Sacra ou Litrgica do que o contrrio, embora os temas religio-sos tambm sejam apresentados at por artistas de formaoracionalista, agnsticos e ateus. Neste caso, a influncia no nvel dovalor universal da mensagem humanstica, no da doutrina religiosapropriamente dita, ou quando o artista solicitado ou contratado paradar sua contribuio. Ento, traduz dentro do esprito do Modernismosua concepo religiosa.

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    A Catedral de Braslia um bom indicador dos sinais dos tem-pos modernos. Ao contrrio das catedrais medievais, o arquiteto ateue comunista fez a Catedral enterrada em meio cidade. Para seadentrar no recinto do culto eucarstico, preciso descer a rampa.Para entrar no palcio do governo h que se subir rampa. O que sev da Catedral apenas sua bela e delicada torre a significar as mosdo povo brasileiro em atitude de ofertrio. Assim enaltecida a reli-giosidade, no o culto sagrado ou oficial. Tambm aqui o meio amensagem, cheia de ideologia. No entanto, a Religio pode restaurarsempre a pureza do sentido a seu favor. Mesmo no estranhamentodesta simbologia da morte de Deus, o templo paradoxalmente deixade ser simples monumento esttico quando a assemblia de culto opreenche e aquece com a celebrao da sua f e de sua esperana.Deus se faz presente no templo santo do seu povo reunido. A fsempre vence o mundo, conforme as palavras de Jesus, desde quan-do a Eucaristia era celebrada nas catacumbas, isto , no subsolo deRoma, a arrogante Capital do Imprio, vida de perseguio e demorte. Alm disso, temos que admitir com fina ironia que a Catedralde Braslia sempre estar aberta a todos que se dispuserem a descer,enquanto o palcio do governo jamais abrir as portas a todos quequiserem subir.

    VI. A Funo Scio-econmica da ReligioMax Weber relaciona com boa anlise sociolgica o surgimento

    do Capitalismo com a emergncia do Calvinismo na relao entreteoria e moral puritana com a Economia, mediante o valor do trabalhoe o acmulo do capital como bno divina. Portanto, tambm a Re-voluo Industrial tem um componente religioso tico originrio. Sig-nifica que a Religio pode ter influncia transformadora na sociedadee gerar a Economia.

    Karl Marx, opositor do Capitalismo, ao contrrio, define a Reli-gio como sendo o pio do povo, j que superestrutura ideolgica depura alienao e de dominao para manter a ordem e o poder cons-titudos, especialmente, o dos donos do capital contra os que vendema fora do seu trabalho. Portanto, desqualifica-a como agente trans-formador da Histria. Ao contrrio, Ernst Bloch, mediante o conceitode princpio-esperana, mesmo considerando-se marxista, possibilitapensar a Religio unida utopia. Paul Ricoeur com a ajuda do princ-

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    pio-esperana desenvolve um pensamento semelhante. Trata-se daesperana de um novo mundo de paz, de justia e de fraternidade,mediante grupos insatisfeitos e revolucionrios da sociedade. De fato,muitas religies ou movimentos religiosos tiveram incio comovanguardistas, at sectrios, atravs da influncia de lderescarismticos ou profticos. Portanto, em laos estreitos com a utopia,atravs do descontentamento com o presente a ser modificado oudesconstrudo em funo da edificao do futuro. Depois que seorganizaram em instituies de cunho eclesistico, no sentido de se-rem regidas por normas e dirigidas por um corpo de especialistas ouministros de culto.

    Diante do Liberalismo econmico e do Capitalismo selvagem,do Marxismo e do Comunismo e das demais economias estatais e,sobretudo, devido s questes sociais ligadas aos trabalhadores: sal-rio; tempo de servio; aposentadoria e desemprego, e os problemasmais abrangentes como a pobreza, a fome e a misria, a educao, amoradia e a sade, a Igreja Catlica precisou elaborar sua DoutrinaSocial atravs das Encclicas dos Papas, e reunir o laicato na AoCatlica, atravs do mtodo Ver, Julgar e Agir, e dos demais Movi-mentos Sociais ou Entidades scio-caritativas e educativas que surgi-ram j no final do sculo XIX e nas Pastorais Sociais e ComunidadesEclesiais de Base, e nos Pronunciamentos das Conferncias Episco-pais, recentemente.

    Devido modernidade, com suas teorias e prticas de confron-to ou de consenso no campo social, a Igreja Catlica se sentiu nodever de construir um ensinamento social em funo de aes efeti-vas de transformao poltica. Tambm os telogos com acertos eerros, haja vista a Teologia da Revoluo e da Libertao, procura-ram dar sua contribuio ao pensamento e pratica, em sintonia comas Cincias Polticas e Sociais. De modo geral, as demais Igrejaselaboraram uma Teologia da prxis e igualmente exerceram e reali-zam uma ao social expressiva em favor dos pobres. Neste campo,a maioria das Igrejas exerce um papel de conscientizao e de de-nncia de irregularidades contra a dignidade humana.

    VII. A Funo Dialgica da ReligioNa modernidade, houve perseguio Igreja Catlica em di-

    versos pases, na Frana durante o perodo revolucionrio, na Ingla-

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    Dom Edson de Castro Homem

    terra desde Henrique VIII e at no Mxico. Nada se compara aototalitarismo de Estado nos regimes comunistas. As religies, especi-almente o Catolicismo, foram subjugadas ao controle estatal. Cunhou-se a expresso: a Igreja na cortina de ferro. Muitos na China sofre-ram o crime da lavagem cerebral para abdicarem de sua f e de suasconvices mais enraizadas. Inclusive os monges budistas sofreramhorrores, sobretudo os tibetanos. O Comunismo no prega a separa-o, mas a absoro da Religio pelo Estado. O Fascismo e o Nazis-mo, tambm ideologias do Estado forte e onipresente, igualmente cri-aram grandes obstculos s Igrejas que ousaram critic-los. Por ra-zes de conscincia moral e religiosa, muitos foram mortos nos cam-pos de concentrao ao lado do extermnio dos judeus e dos homos-sexuais: testemunhas de Jeov, luteranos e catlicos. Por isso JooPaulo II chamou o sculo XX de sculo de mrtires. Muitas pessoasforam mortas por dio f crist ou Religio em geral. O testemu-nho dos mrtires o testemunho da verdade da conscincia. Morres-se por aquilo em que se cr e de que no se pode abdicar. Aqui, nestetestemunho extremo, ela manifesta sua fora de resistncia moral.

    Nos campos de concentrao nazista, praticamente se iniciou oecumenismo prtico, irmanados os prisioneiros pelo mesmo sofrimento.Em meio aos horrores contava pouco a diferena religiosa. Os prisi-oneiros sem nome se igualavam por serem apenas numerados e mar-cados para morrer. Ento se descobriram humanos demais na fra-queza, na impotncia e na dependncia absoluta de foras to hostise desagregadoras. Foi possvel se unirem em torno de um Deus co-mum e pessoal na f do total abandono.

    Historicamente, como movimento organizado, o ecumenismocomea entre os evanglicos diante da fragmentao de tantas co-munidades eclesiais. A Igreja Catlica sempre teve dificuldade deentrar oficialmente quando convidada ao Conselho Mundial das Igre-jas, em Genebra. Participa como observadora. Com a reviravolta doConclio Vaticano II, no s aceitou o ecumenismo, mas passou apromov-lo. Inclusive o dilogo com todas as religies e com os ateus.Surge, pois, uma nova era do relacionamento da Igreja Catlica, nosculo XX, com as diferenas, pelo dilogo com o pensamento mo-derno. No mais defesa e ataque, mas compreenso e conversao.Entretanto, a modernidade como expresso filosfica e cultural jchegava ao acaso. Deixa, porm, o saldo positivo da possibilidade do

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    dilogo recproco e tolerante que inspira ou valoriza as relaes pes-soais e sociais, inclusive internacionais baseadas no respeito alteridade, diversidade, ao pluralismo.

    O ecossistema e a biodiversidade tambm foram integrados religiosidade pela funo dialgica estabelecida com a Religio evice-versa. Trata-se da renovada conscincia de que o ideal decomunho com Deus exige no s a comunho com as pessoas,mas tambm com todo o cosmo degradado pela poluio. Trata-seda implicao tica da Religio mediante o princpio de responsabi-lidade diante da vida, para defend-la e promov-la em favor dasgeraes futuras.

    VIII. A Funo da Religio no Ministrio de Joo Paulo IIJoo Paulo II no s continuou o ideal conciliar. Foi mais alm.

    Compreendeu com perspiccia, devido a sua experincia de vida naPolnia com a ocupao nazista e comunista, e por causa de suaformao filosfica, que emergia um novo tempo no s para o futu-ro da Igreja, mas de todos os que professam uma Religio ou quetenham a boa vontade de construir um mundo mais humano, maisjusto e fraterno. Por isso, se ps em viagem ou a caminho. Sua pri-meira encclica programtica dizia que o homem a via de Cristo e,portanto, o homem a via da Igreja. Prope um itinerrioantropocntrico como meta de encontro. Sua personalidade recepti-va e sua capacidade de aprender idiomas lhe permitiram ir ao encon-tro desta nova condio comunicativa, atravs da imagem miditicaque construiu, bem utilizada para os fins propostos.

    Enfrentou com suas encclicas, alocues e aparies, mesmodurante a velhice e a doena, a possibilidade de ultrapassar o efmero,inclusive de sua prpria finitude, pelo anncio e testemunho datranscendncia. Props de forma nova e convincente fundamentospara a razo e para a f, a colaborao entre Estado e Igreja, odilogo religioso e ecumnico, a presena significante da Religio nomundo, em funo do bem estar e do bem viver do homem em soci-edades livres e justas. Seu pensamento nada tinha de dbil. Ao con-trrio, manifestava que a razo pode atingir o conhecimento quandose deixa iluminar pela lucidez da verdade. Atravs de motivaesreligiosas, fruto de sua f, demonstrou que a Religio ainda tem algoa dizer ao mundo e pode criar prticas construtivas de aproximao.

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    Dom Edson de Castro Homem

    Com sua liderana, intensificou os laos de fraternidade emrelao Igreja Ortodoxa, afirmando que a Igreja Catlica precisarespirar com os dois pulmes: o ocidental e o oriental. Pediu perdoaos judeus pelos erros do passado durante a celebrao do anosanto, na virada do milnio. Insistiu na purificao da memria arespeito dos crimes e dos abusos histricos, perpetrados por catli-cos, para um novo relacionamento de cooperao harmnica e cons-trutiva. Visitou a sinagoga de Roma e, em suas viagens, estabele-ceu contato com os judeus. Visitou mesquitas e tambm estabele-ceu em suas viagens contatos com muulmanos. Aprovou a Decla-rao Conjunta entre a Igreja Luterana e a Igreja Catlica na ques-to principal que dividiu o Cristianismo ocidental: a justificao pelagraa. Caram as acusaes recprocas e a excomunho. Ambasas instituies se comprometeram a compreender o que h de dife-rente no dado comum da f, respeitando a divergncia de posies.Orou junto com todos os crentes de vrias religies que foram aosEncontros de Assis, porque dizia que a Religio para unir as pes-soas e no para desunir ou desagregar. No admitia, o que qualifi-cou de blasfmia, usar a Religio e o nome de Deus para guerrear.Apelou para que as religies contribussem para a paz mundial.

    Em suma, significa dizer que a Religio pode tambm fazerautocrtica, purificar-se a si prpria mediante a reviso histrica eaprender dos prprios erros. Nesse sentido, pode colaborar para aconstruo de novas formas de vida social, baseadas na reconstru-o do presente em funo do futuro sem deixar-se aprisionar porheranas passadistas e obscurantistas. No entanto, h muito quefazer para a superao dos ressentimentos. A estrada est longede ser percorrida. Mas os passos iniciais j foram dados, se nopusermos obstculos s conquistas da modernidade.

    No contexto contemporneo da globalizao tambm dos pro-blemas internacionais, surge a posio do Governo americano, di-ante da nova expresso do terrorismo. Influenciado pelo atentadoem Nova York, em 11 de setembro de 2001, cuja conotao religio-sa foi dada pelos grupos terroristas islmicos que pretendem teragido em nome de Deus, o Presidente dos Estados Unidos deixou-se levar pela linguagem religiosa da retaliao ao qualificar a reainimiga de eixo do mal, e at justificou a invaso de uma nao deCultura islmica com argumentos no convincentes comunidade

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    Dom Edson de Castro Homem

    internacional. A Igreja Catlica, na pessoa do Papa Joo Paulo II,insistiu na conversao, na ao diplomtica. Pediu a paz. Defendeuo direito da soberania dos povos.

    A atuao de Joo Paulo aponta para funes ainda relevantese pertinentes das religies se elas se abrirem s necessidades e aosapelos da Humanidade, acolhendo-se tambm umas s outras na co-laborao recproca quando grandes causas humansticas esto emjogo. Essas novas funes apregoadas e inauguradas sero possveisse as conquistas da liberdade moderna forem facilitadas pelos lderesreligiosos e, sobretudo, por aqueles que tm o poder de influncia ede deciso na sociedade.

    ConclusoSabe-se por diversas anlises histricas, filosficas e sociol-

    gicas do pensamento moderno que tambm no existe neutralidadereligiosa. As expresses religiosas podem esconder ou veicular asideologias e utopias, as convices e os interesses, alm do conte-do prprio de cada credo professado. Por isso, necessrio elabo-rar sempre de novo a crtica das religies juntamente com a crticadas ideologias e das utopias, atravs do pensamento, especialmentea contribuio de intelectuais e de filsofos. Uma semana de estu-dos como esta, certamente favorece a elaborao destes objetivos,at porque sempre ronda o risco do fanatismo, do fidesmo e dofundamentalismo. So atitudes irracionais que comprometem o te-cido social e a Democracia.

    A modernidade no unvoca. Nem to racional como seapregoa, pois no acirramento das paixes produziu guerras mundi-ais e o extermnio de populaes e de etnias. Por isso, o pensamen-to crtico sempre uma reconquista da razo que a modernidaderecorda. Com efeito, ela tem o mrito de nos ter ajudado a valorizara razo e a considerar seus limites. Se o projeto for levado a srio,inibe as polarizaes que motivam aes persecutrias contra aReligio, as diferenas e as minorias. Soa como tautologia, mas arazo precisa ser a instncia crtica de si prpria. Se quiser per-manecer no mbito da razo comunicativa, segundo a expressode Habermas, aquela que se deixa interpelar e solicitar pelaalteridade, conforme Levinas. Do ponto de vista catlico, atautologia superada quando a razo se deixa tambm criticar

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    Dom Edson de Castro Homem

    pela f, tendo como suposto no a f fidesta, mas aquela que conduzida pela inteligncia.

    Enfim, sabemos que a modernidade, sem a qual no teramos anova cincia e tecnologia, projetou e sedimentou a democraciaconjugada com a liberdade. Provou-nos que possvel, ao menos noOcidente, experimentarmos a convivncia pacfica em meio s dife-renas tambm religiosas, desde que as instncias e as instituies eas garantias individuais sejam preservadas pelo estado de Direito.Alis, no existe Democracia sem essas garantias. Quando isto ocorre,a Religio no tem s uma funo tica que inspira ou motiva com-portamentos pessoais e sociais. Livremente, ela comunica e celebrade acordo com seu credo aquilo que lhe prprio: a dimenso sagra-da da vida e da existncia; o mistrio da origem e do fim; o sentido davida e da morte para a eternidade. Eis o ncleo da f em Deus. Oresto apenas mediao como a prpria Religio.

    O autor Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro e proferiu estapalestra por ocasio do Seminrio sobre a Religio, realizado na

    Escola Superior de Guerra, no perodo de 21 a 24 de novembro de 2005.

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    Severino Cabral

    Coria Unificada e Brasil noSculo XXI: A Ordem Multipolar

    Severino Cabral

    Sabendo reconhecer as prioridades, estars ao alcance da Via.(DA XUE)

    O inicio do sculo XXI, que tambm inicia o terceiro milnio,apresenta o mundo em grande e rpida transformao. A extraordin-ria revoluo na cincia e na tcnica habilita a Humanidade a alcanarnovos graus de desenvolvimento na arte de criar riqueza e gerar pros-peridade. A comunicao via satlite e os meios de transporte areopraticamente uniram o mundo inteiro. Indivduos e naes se aproxi-mam e se relacionam cada vez mais em todos os horizontes do planeta.A pouco e pouco se estrutura uma nova ordem mundial baseada noentendimento e na cooperao de todos os pases do mundo, baseadana independncia e autodeterminao dos povos. Por outro lado, estanova ordem pressupe o rpido crescimento econmico e social depases que se encontram em diferentes estgios de desenvolvimento.O que se traduz tambm por tenso e instabilidade, por vezes gerado-ras de crises e conflitos.

    Nesta grande cena, o Brasil e a Repblica da Coria apare-cem no s como dois importantes pases desse mundo em cresci-mento, desafiados a desenvolver no apenas a economia mas, so-bretudo, a difuso do conhecimento em suas sociedades. Conheci-mento das condies existentes nas duas sociedades e no sistemainternacional contemporneo. Um esforo neste sentido, por partede pesquisadores brasileiros e coreanos interessados noaprofundamento dos laos de cooperao e aproximao entre osdois pases, deve sempre partir das realidades do mundo atual e danecessidade permanente do dilogo para estabelecer as bases doentendimento e da negociao internacional.

    Faz pouco tempo um relatrio da Goldman & Sachs de Londresdespertou a ateno de analistas de todo mundo, ao prever para oano de 2050 a emergncia do BRIC. Na antecipao dos autores dorelatrio, por volta de metade do sculo XXI, a estrutura do sistema

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    Severino Cabral

    mundial de poder estar apoiada na economia dos pases cujas ini-ciais formam o acrstico: Brasil, Rssia, ndia e China. Esses pa-ses, mais os Estados Unidos e o Japo, se situariam no topo dosistema mundial de poder. Curiosamente, a Unio Europia ficoude fora desta relao. O que significa que em Londres no se dese-ja muito ou no se visualiza bem a pennsula ocidental da Eursiacomo megapoder estatal. De qualquer modo, o curioso relatrio serviupara atrair a ateno para a existncia de macrotendncias do sis-tema mundial, inauguradas com o fim da Guerra Fria, e que sopouco debatidas pelo pblico em geral.

    A primeira tendncia que se anuncia a de que s os grandespases do mundo de hoje, que sejam dotados de considervel espa-o territorial, de populao e de fora econmica autnoma, podemaspirar a constituir um plo de poder mundial. Neste sentido, a uni-dade e a integrao europia servem de balizamento para o cami-nho das unidades polticas ativas do mundo contemporneo: o seuxito ou fracasso determinar a futura existncia da Europa comocentro mundial de poder. Como tambm observvel que os princi-pais obstculos no caminho dos BRIC para o topo da ordem mundi-al se relacionam capacidade de cada um deles de manter, ampliare at mesmo recuperar espao, populao e base econmica. Emsuma, a caracterstica principal do processo em curso, a contra-rio sensu da fragmentao da primeira onda globalizante, a da constituio dos megaestados, que sero amanh os susten-tculos da mundializao.

    A segunda e decorrente tendncia de que o ambiente interna-cional dever ser profundamente alterado em relao ao que era aofinal da Guerra Fria, sobretudo o sistema que sucedeu a bipolaridade,e que se denominou Nova Ordem Mundial. Acontecimentos como asduas guerras do Golfo e o incidente do 11 de setembro so sintomasda profunda e dramtica instabilidade da ordem internacional geradapela poltica de fora de uma nica potncia. A superao desseestado de coisas ser viabilizada pela emergncia de uma nova or-dem mundial mais democrtica e mais legtima, baseada num novoequilbrio de foras entre as naes. O advento de uma ordemmultipolar ser positivo para a criao de uma situao internacionalmenos tensa e mais direcionada para a elevao do nvel de vida daspopulaes do mundo em desenvolvimento.

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    Severino Cabral

    A terceira tendncia cada vez mais visvel no horizonte interna-cional o papel da sia do Leste como um dos pilares do mundomultipolar em gestao. O megadesenvolvimento da China (que jadquire a forma de um megaestado), da Coria e do Japo transfor-mou o mundo sio-oriental na vanguarda do sistema internacional.Trata-se de uma regio de importncia cada vez maior no jogo deequilbrio do poder mundial, mas que mantm focos de aguda tensoe instabilidade na pennsula coreana e no estreito de Taiwan. Umaherana da poca da confrontao, essa realidade ainda se faz sentircomo pesada hipoteca sobre os ombros da sociedade asitica. Aofazer prolongar a diviso da Coria, um pas e um povo com umaHistria to rica e cultura multimilenar, essa realidade determina quese irradiem efeitos negativos como o demonstra a grave crisedesencadeada pela deciso norte-coreana de se dotar de uma certacapacidade nuclear para a paz e o desenvolvimento da regio e domundo. Da porque a reunificao da grande nao coreana, conge-lada num cessar-fogo inalterado, se encontra hoje no centro de umdebate sobre o futuro do sistema internacional, cuja estrutura geralcomea a esboar-se neste incio de sculo e de milnio.

    Como quarta tendncia, possvel constatar a ressurgncia dascivilizaes afetadas em seu destino histrico pelo mundo euro-oci-dental e pela cincia e tcnica moderna. O mundo que assistiu, nops-Segunda Guerra, ao processo de industrializao e assimilaoda tcnica e da cincia, despertou importantes foras irradiantes einsurgentes com a descolonizao da frica, da sia e do mundorabe-muulmano. Este ltimo fenmeno, sinalizado pela ressurgnciado Islamismo como protagonista da cena internacional, tem impressi-onado observadores de todo o mundo, a ponto de ser interpretadocomo o desafio maior do ps-Guerra Fria.

    Mas uma quinta e importante tendncia pode tambm ser vistaa influenciar de forma decisiva a configurao do mundo de amanh.Trata-se da emergncia do mundo latino, cujo protagonismo possvelencontra no futuro megaestado brasileiro seu principal ator. Emboraa Europa meridional seja parte fundadora do mundo latino, o emer-gente bloco dever reunir, sobretudo, o conjunto dos pases da Am-rica Latina. O novo mundo latino-americano integrar uma granderea econmica capaz de impulsionar a criao de uma nova ordemmundial multipolar.

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    Severino Cabral

    As cinco macrotendncias apontadas desenham uma linhacentral que aproxima e faz convergir as estratgias dos grandespases do mundo emergente. Desse modo, pode observar-se quea Coria (tanto quanto o Brasil) depende, mais do que nunca, paraconsolidar o seu processo de industrializao e ampliar sua parti-cipao no sistema internacional, de uma ordem mundial estvel,equilibrada, respeitadora das soberanias e da autonomia dos pa-ses emergentes, assim como de um ambiente interno favorvel aoseu desenvolvimento.

    No caso da Coria, seu destino final neste processo depende,acima de tudo, da unificao do seu espao territorial, para que secoloque altura de poder ombrear-se com os grandes estados daregio do leste da sia. No cenrio em que se situa hoje, dividida porcontingncias impostas pela ocupao do seu territrio por forasestrangeiras, faz-se presente em seu entorno um quadriltero de po-der constitudo pelos Estados Unidos, pela China, pelo Japo e pelaFederao Russa. No por acaso as maiores potncias do mundoatual. Da as dificuldades reais que apresenta e a complexidade queassume o processo de unificao coreana e que analistas ociden-tais como Samuel Huntington e Zbigniew Brzezinski tanto alardeiam.

    As dificuldades e complexidades explicam por que as iniciati-vas de reunificao, embora tenham revelado a disposio dosgovernantes de realizar os anseios mais caros nao coreana, aindano se efetivaram. Em plena Guerra Fria, 4 de julho de 1972, oslderes do Norte e do Sul, respectivamente Kim Il-Sung e Park Chung-Hee chegaram a estabelecer as bases de um primeiro acordo visan-do reunificao da nao coreana. Contudo, as condies da pocano favoreciam a reaproximao e, to-somente em junho de 2000, ohistrico encontro de Kim Jong-Il e Kim Dae-Jung abriu caminhopara o entendimento entre os dois lados, num esforo conjunto visan-do reunificao pacfica da ptria coreana. Ambos os governosdeviam, pois, aproximar-se e unir-se numa pauta comum em defesado desenvolvimento, enfrentando as resistncias e inrcias do statusquo mundial. Finalmente, a eleio de Roh Moo-Hyun far emergirum segundo front de aproximao entre as duas partes da nao,com base na poltica de paz e prosperidade.

    neste contexto que deve ser vista e avaliada a poltica brasi-leira para a regio e muito especialmente para com a Coria.

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    Severino Cabral

    O Brasil sustenta com a Coria do Sul a terceira balana co-mercial na regio da sia-Pacfico. Uma primeira e rpida avalia-o demonstra o fato de que a busca de uma balana comercialmais favorvel ao Brasil tem marcado a ascenso recente de nos-sas exportaes com destino Coria do Sul. Enquanto no campopoltico-diplomtico, o Presidente Roh Moo-Hyun, eleito em 2003,recebeu apoio brasileiro para dar continuidade poltica de mosestendidas, inaugurada pela histrica realizao da cpulaintercoreana de junho de 2000, em Pyongyang.

    Dentre as oportunidades que ora se apresentam ao relaciona-mento coreano-brasileiro, encontra-se o da ampliao do comrciobilateral, que pode elevar-se, por seu potencial, a nveis bem maisaltos do que os atuais 2.300 bilhes de dlares. Estima-se que, emmuito pouco tempo, poder ser duplicado e vir a atingir um patamarde trocas em torno dos 10 bilhes de dlares. Mas no se restringe pauta comercial a importncia desse relacionamento, pois os doisestados tm interesses comuns e convergentes no plano maior daviabilizao do projeto nacional de ambos, pela convico de que suaprpria segurana como nao soberana e independente deve apoi-ar-se na estabilidade, na paz e na prosperidade da regio e do mundo.

    O Brasil e a Coria, embora distantes geograficamente, devemassegurar em grau mximo a cooperao bilateral, nos campos pol-tico, cultural, cientifico e tcnico. E, assim, sustentarem um verdadei-ro campo de fora capaz de estabilizar as presses e garantir osinteresses dos pases em seu conjunto, integrados numa ordem inter-nacional harmnica, pacfica e prspera. Essa cooperao deverconsagrar a idia de que o relacionamento coreano-brasileiro umainstncia muito importante para o dilogo entre as naes e entre ascivilizaes contemporneas. Ambos os pases partem do entendi-mento de que culturas e sociedades diversas devem alimentar-se desua prpria diferena, para enriquecer-se mutuamente, contribuindo,assim, para a elevao do padro civilizacional do mundo.

    O autor membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra eDiretor-Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de China

    e sia-Pacfico (IBECAP).

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    Marcelo Hecksher

    China: Poltica e Religio

    Marcelo Hecksher

    Introduo

    A Histria da China ininterruptamente documentada desde adinastia Zhou (1027 a 221 a. C.).

    importante que as anlises efetuadas situem os problemaspolticos atuais da R.P.C. no contexto da Histria, porquanto os chi-neses cultuam a sua Histria. Pela Histria relatada, poder-se-verificar que a China viveu grandes turbulncias internas e exter-nas, at anos recentes. A vida do pas retrata sculos de sofrimentoe provao da sua populao, motivados pelo isolamento em queviveu a China, pelo culto s personalidades dos governantes, tantona poca das dinastias quanto na Repblica, pelas incurses de v-rias potncias ocidentais, em ataques diretos soberania do pas, eem funo das polticas econmicas defasadas da realidade, em umpanorama mundial cada vez mais globalizado e interdependente.

    Nenhum pas pode ser comparado China. Seu imenso ter-ritrio, sua populao, hoje estimada em 1.250.000.000 de pesso-as, composta de diversas etnias, sua geografia, com as mais altasmontanhas do mundo, os desertos mais inspitos e os climas dosmais variados, sua inacreditvel unicidade no idioma escrito, a pardos vrios dialetos existentes, fazem com que todos os problemase suas solues sejam grandiosos.

    Viver na China significa constatar que nada conhecemos dessepas, chamado no dialeto mandarim de O Imprio do Centro.

    Sempre que misses diplomticas ocidentais, particularmentenorte-americanas, se encontram com governantes chineses, existeuma cobrana, direta ou velada, por uma maior liberdade de ex-presso e religiosa na Repblica Popular da China (RPC). E asdiscusses sempre so orientadas pelos olhos daqueles que consi-deram o modelo norte-americano de democracia um objetivo a serperseguido, desprezando caractersticas geopolticas e culturais.

    Por liberdade de expresso, nesse caso, leia-se dar voz aos dissi-dentes. Por liberdade religiosa, leia-se deixar os lderes religiosos utiliza-rem suas tribunas para tratar de qualquer assunto, inclusive de poltica.

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    Marcelo Hecksher

    No sendo comunista, sinto-me totalmente isento para falar so-bre esses temas. Assim, vamos citar alguns fatos relacionados comas polticas do governo chins, muitas delas contestadas pelos oci-dentais, sem uma anlise mais cuidadosa das razes que levaram adoo dessas polticas.

    EconomiaO governo da China, que podemos chamar de Partido Comunista

    Chins (PCC), uma vez que esse constitui um dos trs poderes forma-dores da estrutura de governo na RPC (o PCC, o Congresso Nacionaldo Povo CNP e a Conferncia Consultiva do Povo Chins CCPC),sendo, em realidade, o poder hegemnico, com a poltica de aberturaeconmica buscou atender questo bsica que norteia qualquer pol-tica governamental, em qualquer regime poltico: a busca do bem-estarda populao, obviamente pelo desenvolvimento econmico de manei-ra a fazer frente s necessidades de investimentos governamentais,suprindo, por si s, as carncias sociais, ou que atraiam investimentosestrangeiros tal chins eram podres, sem possibilidade de serem hon-rados. A falncia das indstrias estatais, apesar desse sistema banc-rio que lhes dava suporte, estava anunciada e tinha data para ocorrer:

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    Marcelo Hecksher

    a da sada das empresas estrangeiras que operavam na China comojoint ventures, cansadas de perder dinheiro, aguardando a explo-so econmica do Imprio do Centro.

    O suporte que era dado ao regime comunista na China, pela URSS,deixou de existir com a queda do Muro de Berlim. Vrios sinais anterio-res a esse fato j haviam sido percebidos pelos chineses. As carnciaseconmicas da ptria do comunismo, o declnio do Movimento Comunis-ta Internacional, tudo indicava que a China teria que buscar o mercadocomo fonte de seu desenvolvimento. O propalado mercado interno demais de um bilho de habitantes era uma quimera, considerando-se opoder aquisitivo da populao economicamente ativa.

    O Partido supria as carncias bsicas de todos os seus filiadose, tambm, da maior parte da sociedade. Mas, at quando isto seriapossvel?

    O dilema ideolgico era: mudar de uma economia totalmentedependente do Estado para admitir a propriedade privada. Como adotarprticas capitalistas, se estas contrariavam tudo que o regime comu-nista chins pregava desde 1 de outubro de 1949?

    Sabendo que, at 2000, ainda existia em Pequim o sistema demoradia dos hutongs, casas intramuros, separadas por estreitasalias, com o banheiro e a cozinha coletivos, pode-se imaginar a re-voluo de paradigmas criada pelos modernos prdios, pelos condo-mnios de casas modernas e luxuosas de propriedade individual, pelosclubes, pelos banheiros ocidentais, abandonando as latrinas, tidas comomais saudveis pela cultura chinesa, em virtude da posio de defe-car. Como aceitar que essas modernidades fossem utilizadas primei-ramente por alguns, no sendo, portanto, compartilhadas por todos,como no tempo dos hutongs, sistema de moradia popular criadopela revoluo?

    importante conhecer como o PCC tratou dessa questo, mu-dana de paradigmas.

    Deng Xiaoping, o arquiteto da abertura econmica, cunhouvrias slogans, to ao gosto da cultura chinesa: hoje no maiscrime ser rico; democracia com caractersticas chinesas; eum s pas, dois sistemas foram expresses criadas para justifi-car, perante os membros do PCC, a caminhada da China aceitandoo jogo do mercado internacional, para dele poder desfrutar, desen-volvendo-se economicamente.

  • 45Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 42-48, jan./abr. 2006

    Marcelo Hecksher

    E essa caminhada no podia envolver erros estruturais. A Chinaviveu isolada ou praticamente isolada do mundo no comunista at abertura econmica. Os seus cinco mil anos de Histria documenta-da haviam esgotado o seu poder de contrapor a cultura chinesa aodesenvolvimento do Ocidente. O controle das comunicaes passou aser fundamental, em face do volume de informaes que passou atransitar pelos meios eletrnicos, particularmente pela Internet, e o seureflexo explosivo na mudana de paradigmas da populao envolvida.

    At 1997, o exemplo de militar chins era o Soldado Li Pen.Corajoso, leal, obediente, forte, tinha a sua imagem utilizada emtodas as propagandas do Exrcito Popular de Libertao (EPL).Em 1997, essa imagem mudou. Foi escolhido para tal um capito-de-corveta da Marinha do EPL, engenheiro, fluente em ingls,informatizado, culto e pai de uma famlia tradicional: mulher e umfilho. Este fato importante, em face do que representam as ima-gens e smbolos na cultura chinesa.

    Um pas de 1,3 bilho de habitantes, que deixou de ser impriono ano de 1912, que at consolidao da Repblica Popular em1949 sofreu revolues, Guerra Sino-Japonesa, Segunda GuerraMundial, e, posteriormente, Guerra da Coria, ameaa das forasrepublicanas a partir de Taiwan, ameaa de separao do Tibet, mo-tivada por aes da Inglaterra a partir da ndia, guerra com o Vietn,que viveu a Guerra Fria em toda a sua intensidade, no pode se darao luxo de no ter sucesso. No pode ser pensado como se pensauma potncia de 250 milhes de habitantes, com, praticamente, amesma rea geogrfica, com mais que o dobro de terrasagriculturveis, com recursos minerais em nvel muito superior,posicionada no eixo desenvolvido do mundo ocidental.

    No XV Congresso do PCC, realizado em 1995, a China traouo seu futuro: ser uma potncia mundial no ano de 2015. Vinte anos dedesenvolvimento continuado, preparando e educando uma geraopara absorver a moderna tecnologia desenvolvida na China ou com-prada (ou roubada observao do autor). Para isso, investiu-se emeducao. E a educao a alavanca que desenvolve a China, emtodos os campos do poder nacional.

    O campo poltico continua fechado. a necessidade sentidade controle dos movimentos sociais nascidos a partir da mudanade paradigmas.

  • 46 Id. em Dest., Rio de Janeiro, (20) : 42-48, jan./abr. 2006

    Marcelo Hecksher

    Dar voz ativa aos dissidentes, para que fossem con