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SIMÃO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito é ligado ao ato de governar e de tomar decisões, ligada ao governo, às suas decisões e ao conceito de Estado, sendo necessário um relacionamento político para que os governantes tomem decisões que atendam aos interesses dos cidadãos. De igual modo, também pode se referir ao relacionamento entre as pessoas, principalmente quando o objetivo é chegar a um consenso ou um objetivo em comum. Uma das suas funções principais é chegar a acordos que garantam benefícios para todos os cidadãos. Assim, pode-se dizer que a política é um instrumento para chegar a uma organização social satisfatória, para que a sociedade funcione de maneira organizada e justa. Também pode ser definida como o relacionamento entre o governo e os cidadãos. Dessa forma, a política também existe para que os interesses da população sejam levados até os governantes, que são responsáveis por tomar as decisões que vão influenciar na vida das pessoas e na organização da sociedade. A política também acontece por parte das pessoas que formam a sociedade e que não ocupam cargos políticos. Por exemplo: é obrigação dos cidadãos obedecer às leis que existem e cumprir as regras que são determinadas nessas leis. Essas obrigações também são uma forma de fazer política Todavia, nem sempre assim o foi, linearmente. Política estava relacionada à organização das polis, as cidades-estados gregas – uma nova forma de organização política e social que ocorreu na Grécia Antiga. Desde então, a política passou a denominar a arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados. Urge reconhecer uma relação intimamente ligada aos pensamentos políticos desde a antiguidade, sendo esta a questão de adotar a política enquanto ordem de puro poder (autoridade-potestas) ou, ao invés, ordem de validade axiológica. Como podemos observar no estudo que foi feito ao longo do semestre, são várias as formas de “governo” apresentadas pelos autores desde a antiguidade, umas que chegam a ser extremistas. E com extremistas, falo daquelas que anulam quaisquer direitos dos cidadãos (como a tirania), ou até aquelas que os diferenciam. Nestes casos, a meu ver, estamos perante uma clara tentativa de poder absoluto por parte dos governantes, não olhando os meios para atingir a supremacia máxima de poder. Nos outros modelos, e regra geral, podemos falar na presença de uma ordem normativa fundada em valores axiológicos, isto é, que tem em conta variadas valorizações, morais, éticas… temos uma política orientada para valores humanos, com um objetivo direcionado para o cidadão, valorizando-o quer de maneira superficial ou abrangente. Podemos até falar de uma moral ao serviço da política. Ou seja, uma política orientada pelos e para valores morais, virtudes do Homem, sendo que deve ser essa a verdadeira essência da política, a organização do homem e do espaço comum, no respeito e na orientação para os valores. Contudo, estas não são só virtudes a esperar dos governantes, se o próprio do governado não tiver estes valores presentes, não será coerente esperar de alguém virtudes (desencadeando ações) quando o mesmo não se revê com aquelas. Assim, é necessário que desde cedo se “alimente” o cidadão de valores morais, os mesmos enquadrados na lei de um estado, pois um estado só existe devido ao individuo e direcionado em prol do mesmo, tendo sempre como finalidade o seu bem-estar e desenvolvimento enquanto bom cidadão. Deste modo, um governante justo deve atender aos valores do indivíduo enquanto ser, essência e objetivo (da política), devendo estes não só ser um travão a decisões (nefastas) que

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Page 1: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

HISTOacuteRIA DAS IDEIAS POLIacuteTICAS

Poliacutetica eacute uma palavra que pode ter muitos significados diferentes O principal conceito eacute

ligado ao ato de governar e de tomar decisotildees ligada ao governo agraves suas decisotildees e ao conceito de

Estado sendo necessaacuterio um relacionamento poliacutetico para que os governantes tomem decisotildees

que atendam aos interesses dos cidadatildeos

De igual modo tambeacutem pode se referir ao relacionamento entre as pessoas principalmente

quando o objetivo eacute chegar a um consenso ou um objetivo em comum

Uma das suas funccedilotildees principais eacute chegar a acordos que garantam benefiacutecios para todos os

cidadatildeos Assim pode-se dizer que a poliacutetica eacute um instrumento para chegar a uma organizaccedilatildeo

social satisfatoacuteria para que a sociedade funcione de maneira organizada e justa

Tambeacutem pode ser definida como o relacionamento entre o governo e os cidadatildeos Dessa

forma a poliacutetica tambeacutem existe para que os interesses da populaccedilatildeo sejam levados ateacute os

governantes que satildeo responsaacuteveis por tomar as decisotildees que vatildeo influenciar na vida das pessoas e

na organizaccedilatildeo da sociedade

A poliacutetica tambeacutem acontece por parte das pessoas que formam a sociedade e que natildeo

ocupam cargos poliacuteticos

Por exemplo eacute obrigaccedilatildeo dos cidadatildeos obedecer agraves leis que existem e cumprir as regras que satildeo

determinadas nessas leis Essas obrigaccedilotildees tambeacutem satildeo uma forma de fazer poliacutetica

Todavia nem sempre assim o foi linearmente Poliacutetica estava relacionada agrave organizaccedilatildeo

das polis as cidades-estados gregas ndash uma nova forma de organizaccedilatildeo poliacutetica e social que

ocorreu na Greacutecia Antiga Desde entatildeo a poliacutetica passou a denominar a arte ou ciecircncia da

organizaccedilatildeo direccedilatildeo e administraccedilatildeo de naccedilotildees ou Estados

Urge reconhecer uma relaccedilatildeo intimamente ligada aos pensamentos poliacuteticos desde a

antiguidade sendo esta a questatildeo de adotar a poliacutetica enquanto ordem de puro poder

(autoridade-potestas) ou ao inveacutes ordem de validade axioloacutegica

Como podemos observar no estudo que foi feito ao longo do semestre satildeo vaacuterias as formas de

ldquogovernordquo apresentadas pelos autores desde a antiguidade umas que chegam a ser extremistas E

com extremistas falo daquelas que anulam quaisquer direitos dos cidadatildeos (como a tirania) ou

ateacute aquelas que os diferenciam Nestes casos a meu ver estamos perante uma clara tentativa de

poder absoluto por parte dos governantes natildeo olhando os meios para atingir a supremacia

maacutexima de poder

Nos outros modelos e regra geral podemos falar na presenccedila de uma ordem normativa

fundada em valores axioloacutegicos isto eacute que tem em conta variadas valorizaccedilotildees morais eacuteticashellip

temos uma poliacutetica orientada para valores humanos com um objetivo direcionado para o cidadatildeo

valorizando-o quer de maneira superficial ou abrangente Podemos ateacute falar de uma moral ao

serviccedilo da poliacutetica Ou seja uma poliacutetica orientada pelos e para valores morais virtudes do

Homem sendo que deve ser essa a verdadeira essecircncia da poliacutetica a organizaccedilatildeo do homem e

do espaccedilo comum no respeito e na orientaccedilatildeo para os valores Contudo estas natildeo satildeo soacute

virtudes a esperar dos governantes se o proacuteprio do governado natildeo tiver estes valores presentes

natildeo seraacute coerente esperar de algueacutem virtudes (desencadeando accedilotildees) quando o mesmo natildeo se revecirc

com aquelas Assim eacute necessaacuterio que desde cedo se ldquoalimenterdquo o cidadatildeo de valores morais os

mesmos enquadrados na lei de um estado pois um estado soacute existe devido ao individuo e

direcionado em prol do mesmo tendo sempre como finalidade o seu bem-estar e

desenvolvimento enquanto bom cidadatildeo

Deste modo um governante justo deve atender aos valores do indiviacuteduo enquanto ser

essecircncia e objetivo (da poliacutetica) devendo estes natildeo soacute ser um travatildeo a decisotildees (nefastas) que

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possam repercutir nas esferas daqueles efeitos negativos e como meta a alcanccedilar em prol da

justiccedila paz e de uma vida boa para os cidadatildeos

Antiguidade Claacutessica Peacutericles e a defesa da democracia

Peacutericles (seacuteculo V aC de + ou ndash 495-430 aC) foi um nobre ateniense homem inteligente e saacutebio

que abrilhantou a apreciada figura do estadista culto moderado e ciacutevico atraveacutes da sua defesa da

democracia (ainda hoje o ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo eacute conhecido como o periacuteodo aacuteureo da democracia

ateniense)

Na sua apologia pela democracia Peacutericles defendia um modelo de democracia directa e

caracteriza o regime vigente em Atenas como um regime em que o Estado era administrado no

interesse do povo e natildeo das minorias Deste modo este pensador entende que os princiacutepios

basilares da democracia seriam a igualdade e a liberdade igualdade na medida em que as leis

asseguravam a todos um tratamento por igual e no que dizia respeito agrave vida puacuteblica cada um

obtinha uma igual consideraccedilatildeo em funccedilatildeo dos seus meacuteritos e valores pessoais (e natildeo em valor da

classe social a que se pertence) a liberdade seria um princiacutepio fundamental uma vez que

estimulava a participaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica mesmo nos debates que envolvessem as grandes

questotildees do Estado (pois Peacutericles entendia que as grandes questotildees soacute tinham a ganhar com a livre

discussatildeo e argumentaccedilatildeo das opiniotildees)

Deste modo facilmente se conclui que todo o seu discurso fica indelevelmente (pensamento)

marcado pela apologia do equiliacutebrio da toleracircncia e moderaccedilatildeo da acccedilatildeo poliacutetica demonstrando

particular atenccedilatildeo pelas leis sociais e defendendo a possibilidade dos mais pobres saiacuterem da sua

deacutebil situaccedilatildeo atraveacutes do trabalho Durante o tempo que governou Atenas (mediante 15 eleiccedilotildees

sucessivas para o cargo de estratego) Peacutericles privilegiou a qualidade de vida (o desporto a

cultura os espectaacuteculos enfim os ldquocostumes de Atenasrdquo ) exacerbou a prosperidade econoacutemica

da cidade (bem como a sua abertura ao exterior) aleacutem de elogiar os que morriam como heroacuteis em

defesa da Paacutetria exortando aos vivos para que saibam honrar o exemplo dos que pereceram no

cumprimento do dever bem como as ldquoas instituiccedilotildees poliacuteticasrdquo de Atenas

A democracia ateniense apresentava contudo algumas imperfeiccedilotildees e limitaccedilotildees Caracterizava-

se por ser uma democracia directa e natildeo representativa na qual somente participavam os

cidadatildeos de Atenas ou seja os indiviacuteduos que eram filhos de pai e matildee atenienses com mais

de 21 anos de idade e com serviccedilo militar cumprido As mulheres natildeo possuiacuteam

poderesdireitos ciacutevicos nem juriacutedicos natildeo podiam possuir propriedades e era-lhes vedado o

ensino No entanto respeitava a liberdade de opiniatildeo a liberdade de entrar e sair do paiacutes e outras

liberdades essenciais e conferia aos cidadatildeos o direito de participaccedilatildeo no debate das grandes

questotildees de interesse geral

Facilmente se constata que Atenas era palco de uma sociedade esclavagista na qual os metecos (os

cidadatildeos estrangeiros como veio a ser o caso de Aristoacuteteles por exemplo) eram obrigados a

cumprir determinados deveres como pagar impostos e cumprir serviccedilo militar aleacutem de natildeo

poderem participar da vida poliacutetica da cidade

Pontos essenciais

Peacutericles elogia a democracia e a sua superioridade sobre os restantes regimes poliacuteticos a afirmaccedilatildeo

dos princiacutepios baacutesicos da igualdade da liberdade e da participaccedilatildeo ciacutevica na vida puacuteblica a

apologia do debate puacuteblico das grandes questotildees do Estado a defesa da toleracircncia do equiliacutebrio e

da moderaccedilatildeo na accedilatildeo poliacutetica a atenccedilatildeo particular concedida agraves leis sociais de protecccedilatildeo dos

pobres e a concepccedilatildeo da possibilidade de ldquosair da pobreza pelo trabalhordquo a importacircncia dada agrave

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cultura ao desporto aos espectaacuteculos e divertimentos puacuteblicos) a referecircncia agrave prosperidade

econoacutemica da cidade e agrave sua abertura do exterior a ideia de que qualquer paiacutes mesmo

democraacutetico carece de poderio militar para conseguir defender-se com ecircxito dos seus inimigos a

defesa inteligente da ideia de uma sociedade democraacutetica (aberta tolerante organizada civilmente

e respeitadora do indiviacuteduo) em contrato permanente com o modelo oposto de uma sociedade

totalitaacuteria (fechada intolerante militarizada e colectivista) e enfim o elogio dos que aceitam

morrer pela Paacutetria e a exortaccedilatildeo aos vivos para que saibam honrar o exemplo dos que tombaram

no cumprimento do dever

Heroacutedoto Foi um geoacutegrafo e historiador grego continuador de Hecateu de Mileto nascido no seacuteculo V aC (485ndash420 aC) em Halicarnasso (hoje Bodrum na Turquia) Revelou a histoacuteria da invasatildeo persa na Greacutecia Foi o grande escritor da obra ldquoHistoacuteriasrdquo onde relata as guerras meacutedicas entre gregos e persas que eacute classificada em 9 livros O pensamento de Heroacutedoto Heroacutedoto representa sem duacutevida o espiacuterito antigo Muito se tem insistido sobre seu paralelo (e amizade) com Soacutefocles mas a dualidade teoloacutegica e humana que se encontra em sua obra possui maior semelhanccedila com o trabalho de Eacutesquilo A dupla motivaccedilatildeo factual da trageacutedia neste autor (responsabilidade humana e causalidade divina) natildeo eacute diferente da posiccedilatildeo de Heroacutedoto para quem (I 32 1) ldquoa divindade eacute em todos as ordens invejosa e causa de perturbaccedilatildeordquo Mas ao mesmo tempo aparece uma tendecircncia que busca no homem mesmo a causa do seu destino Tem-se um plano sobrenatural que potildee em relevo a fragilidade do ser humano que eacute ldquotodo incertezardquo O destino portanto se converte numa forccedila preacute-moral que se impotildee de maneira inexoraacutevel Isto implica num pessimismo que eacute consubstanciado no pensamento grego O ser humano se sente sujeito agraves instabilidades e eacute impotente ante os desiacutegnios divinos Sem duacutevida o aparente dogmatismo da inveja dos deuses natildeo diminui a responsabilidade dos homens Os castigos que este sofre satildeo provocados diretamente na proporccedilatildeo da soberbia humana Quando um homem se encontra numa posiccedilatildeo de relevo que excede agraves suas possibilidades naturais tente a incorrer em soberbia e eacute culpado de crimes e sortileacutegios que atentam contra a estabilidade eacutetico-social Para se precaver das hostilidades divinas o homem deve praticar a justiccedila a piedade e a modeacutestia sem que como ocorre em Soacutefocles seja absolutamente seguro que isto baste para ter sucesso Eacute um posicionamento similar ao da trageacutedia da liacuterica e da eacutepica Esta atitude de Heroacutedoto dirigida pela moderaccedilatildeo determina seu pensamento poliacutetico obrigado a exilar-se de sua paacutetria por um regime tiracircnico abomina a tirania cuja essecircncia eacute a irresponsabilidade ante a lei e aos demais membros da comunidade mostra-se convencido dos benefiacutecios que representa a liberdade daiacute a sua admiraccedilatildeo por Atenas e justificaccedilatildeo de seu apogeu Liberdade face agrave subordinaccedilatildeo ndash este eacute o diferencial entre gregos e baacuterbaros

Otanes em defesa da DEMOCRACIA

Como conjurado este defendia que doravante nenhum dos trecircs devia reinar sozinho e antes de

expor as vantagens do governo da multidatildeo soberana (Democracia) critica a Monarquia que

acabava de cair Para ele esta devia ser rejeitada devido a

bull Arrogacircncia dos Magos que admite revolta dos suacutebditos

bull O governo natildeo pode ser bem organizado porque um homem sem contraditor faz o que lhe

apetece arrastando-se ao desregulamento do espiacuterito

bull Perverte o bom senso dos melhores

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bull O rei que dada a sua situaccedilatildeo privilegiada natildeo devia ter inveja alimenta ciuacutemes dos

grandes e dos nobres e aprecia os maus acolhe a caluacutenia e se os suacutebditos o admiram com

moderaccedilatildeo acha-se insuficientemente honrado e se o honram sem reservas acha-se objeto de

adulaccedilatildeo (bajulaccedilatildeo)

bull O priacutencipe muda os costumes dos antepassados condena os homens agrave morte sem

julgamento e violentas as mulheres

Por seu turno a Democracia porque governa a multidatildeo soberana tem como vantagens

bull Natildeo comporta freio (impedimento) e natildeo aceita limites

bull Caracteriza-se pela Isonomia (igualdade perante a lei) por isso natildeo permite excessos

bull A maioria atribui as resoluccedilotildees agrave comunidade e atribui as funccedilotildees puacuteblicas por sorteio

(eleiccedilotildees)

ii Megabizo em defesa da Oligarquia

Comeccedila por defender que natildeo se deve aprovar a tese que preconiza o poder da multidatildeo porque

natildeo obstante o poder popular permitir escapar agrave arrogacircncia de um monarca (critica a democracia)

bull A autoridade fica a mercecirc da insolecircncia (sem respeito atrevido) de um povo

ignorante e impulsivo [relaccedilatildeo entre a educaccedilatildeo e a cidadania]

bull O tirano sabe o que faz enquanto o povo natildeo sabe porque natildeo eacute instruiacutedo Assim eacute de

temer os danos poliacutetico-sociais tanto da falta de instruccedilatildeo como da forma impetuosa e

precipitada da manifestaccedilatildeo das paixotildees do povo

Portanto segundo ele a Monarquia e a Democracia estavam fora das opccedilotildees viaacuteveis e defende

a OLIGARQUIA e a oligocracia ou Aristocracia como a soluccedilatildeo cujas vantagens seriam

bull Eleiccedilatildeo de uma assembleia soberana dos melhores em que todos os conjurados fariam

parte diferente da monarquia que permite apenas a escola de apenas um entre eles

bull Com o poder atribuiacutedo a eles como indiviacuteduos nasceriam resoluccedilotildees salutares da

reuniatildeo dos seus saberes

iii Daacuterio em defesa da MONARQUIA

Comeccedila por aprovar os argumentos pro-aristocraacuteticos em relaccedilatildeo agrave sua critica agrave Democracia

mas natildeo aprova os argumentos que defendem a oligarquia Partindo da suposiccedilatildeo de que a

Democracia a Aristocracia e a Monarquia satildeo excelentes e satildeo aplicadas a um povo tambeacutem

excelente pergunta qual seria a melhor RESPONDE

bull Nada eacute preferiacutevel a um homem excelente no governo porque o monarca excelente eacute

prudente ou ponderado na administraccedilatildeo

bull Ele eacute o uacutenico depositaacuterio do segredo do Estado e conserva-o nas accedilotildees externas

bull A oligarquia eacute fraacutegil por os oligarcas se detestam e acabarem por se tornar rivais onde

cada um quer fazer triunfar a sua opiniatildeo por julgaacute-la a melhor cada um quer ser mais chefe o

que leva agrave competiccedilatildeo e oacutedios as suas discoacuterdias tornam-se puacuteblicas e transformam-se em

violecircncia e massacres levando agrave vitoacuteria de um e restauraccedilatildeo da Monarquia

bull Por outro lado na democracia eacute impossiacutevel impedir a maldade porque os homens maus

aliam-se para oprimir a comunidade deles acaba se erguendo um revolucionaacuterio para travar este

jogo este seraacute admirado e apoiado pela multidatildeo e levado ao poder tornando-se rei e

degenerando na tirania

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CONCLUSOtildeES

bull A croacutenica de Heroacutedoto configura a teoria de evoluccedilatildeo ciacuteclica por degeneraccedilatildeo dos

regimes poliacuteticos mais tarde retomada e aprofundada por Aristoacuteteles

bull Natildeo obstante o argumento geral da croacutenica tender a favorecer os regimes elitistas ficou

patente que natildeo existe o melhor regime pois todos tem limitaccedilotildees e virtudes a sua

aplicaccedilatildeo depende das condiccedilotildees materiais sociais culturais eacuteticas e morais concretas

de cada sociedade

Platatildeo

Embora tenha nascido em Atenas Platatildeo (seacuteculos V e IV aC de 429-347 aC) de famiacutelia nobre

descendia pelo lado materno de Soacutelon um dos fundadores da democracia ateniense Apresentou

forte simpatia por Esparta nomeadamente por ter presenciado o julgamento e assistido agrave morte de

Soacutecrates considerado por ele como ldquoo melhor e mais saacutebio dos homensrdquo Impulsionado pelo

sentimento de revolta comeccedilou a desprezar Atenas e foi viver para Esparta A obra de longe mais

importante de Platatildeo eacute a Politeia usualmente traduzida por A Repuacuteblica

Platatildeo foi o primeiro grande pensador a avanccedilar com o modelo daquilo que seria no seu entender

uma sociedade ideal atacando aqueles que considera serem os grandes males da sociedade do seu

tempo - a famiacutelia e a propriedade privada A Poliacutetica eacute pois para Platatildeo a arte de governar os

homens com o seu consentimento

Segundo Platatildeo o melhor governo eacute o da sabedoria da razatildeo da inteligecircncia O governo ideal eacute o

filoacutesofo toda a sua obra estaacute marcada pela defesa constante e vigorosa da entrega do poder ao

Rei-Filoacutesofo isto eacute ao rei que saiba tornar-se filoacutesofo ou ao filoacutesofo que consiga vir a ser rei

O poder para Platatildeo deve pertencer agravequeles que sabem aos mais instruiacutedos pelas ciecircncias

nomeadamente pela Poliacutetica e pela Filosofia Platatildeo considera que os poliacuteticos natildeo podem ser

moderados nem violentos Os moderados gostam de viver tranquilamente satildeo paciacuteficos em sua

casa e querem secirc-lo tambeacutem perante as potecircncias estrangeiras satildeo incapazes de combater ficam agrave

mercecirc de quem os atacar Os violentos tambeacutem natildeo servem porque sendo belicosos empurram o

paiacutes para a guerra suscitam inimigos e arruiacutenam a Paacutetria ou arrastam-na para a submissatildeo ao

estrangeiro O poliacutetico ideal eacute assim o Rei-Filoacutesofo tatildeo firme que natildeo violento

Para Platatildeo a Justiccedila deixa de ser uma virtude individual para ser um atributo do Estado ideal ndash O

Estado justo a sociedade justa um Estado que seja uno em vez de Estado dividido em dois

grupos inimigos ndash o dos pobres e o dos ricos Platatildeo com um conceito inteiramente novo de

Justiccedila que nada a ver tem a ver com a equidade nas relaccedilotildees particulares dos indiviacuteduos entre si

mas sim com a correcta ordenaccedilatildeo do Estado Pela Justiccedila o Estado impotildee aos indiviacuteduos a

profissatildeo e os cargos que devem desempenhar e natildeo deixa ningueacutem sair do lugar que lhe

compete no sistema do conjunto

A Cidade Ideal de Platatildeo assentava a sua teoria no estabelecimento de um paralelo entre a alma

individual e a Cidade esta deveraacute ser estrutura como aquela o eacute

Ora ndash diz o filoacutesofo ndash a alma humana tem 3 partes a primeira eacute a parte racional e corresponde ao

plano das ideias a segunda eacute a parte irasciacutevel que compreende os impulsos e afectos do ser

humano e a terceira eacute a parte sensual que integra as necessidades elementares do homem

A cade uma destas partes corresponde uma virtude ou qualidade principal Agrave primeira a

sabedoria Agrave segunda a coragem agrave terceira o desejo a submissatildeo da segunda e da terceira agrave razatildeo

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consiste na temperanccedila por fim a justiccedila eacute o ordenamento das outras 3 Ora bem a Cidade deveraacute

ter segundo Platatildeo a mesmo estrutura tripartida posto que a Cidade eacute como ldquoum homem em

ponto granderdquo (conceccedilatildeo antropomoacuterfica do Estado)

Assim haveraacute na Cidade ideal 3 classes

- a classe dos magistrados (governantes) corresponde agrave parte racional da alma deve actuar segundo

a razatildeo ou sabedoria e complete-lhe governar a Cidade

- a classe dos guardas (militares) corresponde agrave parte irasciacutevel da alma deve actuar segundo a

coragem e compete-lhe garantir a defesa e a seguranccedila da Cidade

- a classe dos produtores e artiacutefices em geral (trabalhadores) corresponde agrave parte sensual da alma

deve actuar segundo o desejo e compete-lhe assegurar o sustento material da Cidade

Propocircs a aboliccedilatildeo da propriedade privada (soacute para a classe dos guardas e eventualmente para a

dos magistrados) - pois entendia que o patrimoacutenio individual tornava as pessoas egoiacutestas

(ldquonenhum deles possuiraacute quaisquer bens proacuteprios a natildeo ser coisa de primeira

necessidadenenhum teraacute habitaccedilatildeo ou depoacutesito algum em que natildeo possa entrar quem quiserrdquo)

por fazer com que se preocupassem primeiramente com aquilo que lhes pertencia descurando

assim a preocupaccedilatildeo com o bem geral da cidade - do casamento e da famiacutelia tradicionalmente

concebida

Tornou-se favoraacutevel agrave igualdade entre os sexos numa sociedade que deveria direccionar os seus

elementos num objectivo comum evitando assim o egoiacutesmo das sociedades multifacetadas As

uniotildees teriam por base um sorteio organizado pelos governantesmagistrados e que seria em

determinadas alturas engenhosamente determinado pelos mesmos para que do resultado dessas

uniotildees emergisse um conjunto de pessoas dotadas de melhores caracteriacutesticas tendo em vista uma

espeacutecie de ldquoaprimoramento da raccedilardquo e por conseguinte mais um passo em frente no objectivo da

sociedade ideal As crianccedilas que nascessem deformadas ou fora do esquema por ele proposto

seriam abandonadas e deixadas agrave sua sorte ou ocultadas

Outro aspecto fundamental no pensamento platoacutenico foi a importacircncia dada agrave educaccedilatildeo Ele

propunha que as crianccedilas fossem retiradas agraves matildees aquando do seu nascimento e seriam

entregues a amas Ao longo da sua infacircncia seriam os magistrados a ficar encarregues de escolher

as faacutebulas para serem lidas pelas amas agraves crianccedilas Platatildeo defendia um modelo educativo que

privilegiasse um acompanhamento dedicado e constante agraves crianccedilas de forma a que se estudasse

o desenvolvimento das aptidotildees naturais das mesmas e para que os magistrados tivessem uma

ideia mais precisa das suas reais capacidades Para tal estariam previstas fases de ginaacutestica e de

muacutesica para que as crianccedilas experimentassem novas emoccedilotildees e mais tarde estaria prevista nova

fase mas que incidisse sobre as artes militares e as ciecircncias tendo em vista a integraccedilatildeo nas trecircs

classes sociais avanccediladas pelo filoacutesofo

Estaria entatildeo estabelecido que aos 30 anos aqueles que fossem os melhores de entre os guerreiros

seriam educados com base na arte do diaacutelogo e da filosofia com vista agrave magistratura que seria

atingida aos 50 anos de idade apoacutes serem superadas todas as provas Deste modo triunfaria no

entender de Platatildeo aquilo que ele designava como a sofiocracia o governo da sabedoria e o

melhor de entre os filoacutesofos seria considerado o ldquoRei-filoacutesofordquo

Platatildeo concebeu trecircs moldes de classes sociais tendo por base a ceacutelebre ldquoteoria dos metaisrdquo

segundo a qual cada pessoa possui na sua alma um metal colocado por Deus Nalgumas esse

metal seria o ferro ou o bronze e nesse caso a pessoa estaria destinada a pertencer agrave classe dos

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artesatildeosartiacutefices (seriam os trabalhadores cuja principal funccedilatildeo consistia em assegurar os bens e

o sustento da cidade) noutras pessoas seria a prata e pertenceriam portanto agrave classe dos

guardasmilitares (cuja funccedilatildeo seria a proteger e defender a cidade) e finalmente teriacuteamos um

restrito grupo de pessoas cuja alma seria caracterizada pelo ouro pertencendo tais elementos agrave

classe mais importante a dos magistradosgovernantes agrave qual as outras duas estariam

subordinadas (a funccedilatildeo dos governantes seria logicamente a de colocar a sabedoria ao serviccedilo do

governo da cidade)

A teoria dos metais seria um dos criteacuterios para seleccionar os cidadatildeos para as classes propostas

por Platatildeo todavia esse ldquometalrdquo seria apurado natildeo por hereditariedade mas pelo sistema

educacional imposto pelos magistrados que faria sobressair as inclinaccedilotildees naturais de cada um

Outro grande contributo de Platatildeo para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas prende-se com a sua

tipologia das formas de Governo O filoacutesofo projecta 5 modelos

- Monarquia - podia ser uma sofiocracia (descrita como a forma de Governo da Cidade Ideal

assente na sabedoria e exercida pelo Rei-filoacutesofo) ou uma tirania (e neste caso o poder absoluto

assentava num soacute homem de cariz violento e desprovido das luzes da filosofia)

- Oligarquia - podia ser uma timocracia (e nesse caso o poder estaria assente na classe dos guardas

acabando por se instalar o predomiacutenio da forccedila sobre a sabedoria) ou podia ser tambeacutem uma

plutocracia (descrita como o governo de uma minoria de ricos voltados para os seus interesses

pessoais)

- Um modelo democraacutetico embora apreciasse pouco a democracia pois entendia que as grandes

massas e multidotildees satildeo incapazes de no seu todo possuir a Razatildeo e a Sabedoria necessaacuterias para

o governo da cidade Considera que na democracia os sofistas transformavam os valores morais

conforme os seus apetitesinteresses impondo a sua superioridade fiacutesica intelectual e social

banindo os saacutebios do poder

Platatildeo considera que a melhor forma de governo eacute a monarquia sofiocraacutetica (a cargo do Rei-

Filoacutesofo ndash aquele que consegue olhar para a verdade absoluta promulgando leis sobre o belo

justo e o bem aquele que possui boa memoacuteria e facilidade de aprendizagem dotado de

superioridade e amabilidade amigo e aderente da verdade justiccedila coragem e temperanccedila) e que a

pior eacute a tirania A democracia quanto a ele eacute melhor que a tirania ndash pois o governo da multidatildeo eacute

incapaz de gerar um grande mal - mas eacute pior que a monarquia sofiocraacutetica ndash pois o governo da

multidatildeo eacute incapaz de gerar um grande bem

Entregue a um Rei-Filoacutesofo a sofiocracia seria noutras palavras ldquoo governo de uma soacute pessoa

com o maacuteximo de conhecimentordquo na arte de governar

Para ele o governante ideal estaacute acima da lei e natildeo soacute pode como deve ignoraacute-la ou afastaacute-la

sempre que no seu criteacuterio o interesse superior da colectividade assim o exija o estadista deve

forccedilar os cidadatildeos a ir contra o disposto nos seus coacutedigos e tradiccedilotildees se no interesse deles isso for

melhor do que acatar as leis

Platatildeo natildeo quer o governo das leis mas antes o governo de um homem sobre os demais homens

Platatildeo preconiza para a sua Cidade ideal um regime geral de relaccedilotildees entre governantes e

governados assente no comando autoritaacuterio dos primeiros e na obediecircncia cega dos segundos

No entender de Platatildeo as formas de governo natildeo satildeo imutaacuteveis na medida em que evoluiriam

consoante as circunstacircncias Ele daacute inclusivamente como assente uma espeacutecie de ciclo (A sucessatildeo

ciacuteclica das formas de governo) em termos governamentais que se iniciaria com a sofiocracia

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passaria para a timocracia e posteriormente agrave oligarquia dando esta lugar agrave democracia e o

governo democraacutetico devido agraves suas vicissitudes culminaria numa tirania A tirania seria uma

espeacutecie de culminar esta espeacutecie de ciclo governamental dando origem a novo ciclo que se

iniciaria novamente com a sofiocracia

Aristoacuteteles

Aristoacuteteles nasce (seacutec IV aC de 384-322 aC) na cidade de Estagira na Macedoacutenia por isso ficaraacute

a ser conhecido como o Estagirita

Aristoacuteteles eacute partidaacuterio do bom senso do equiliacutebrio da moderaccedilatildeo ndash isto eacute em sentido grego da

virtude Para ele o ideal a atingir natildeo eacute a Cidade justa mas sim o bom cidadatildeo o cidadatildeo

virtuoso o cidadatildeo justo orientado para a felicidade por um Estado eacutetico e tutelar

A poliacutetica aristoteacutelica eacute essencialmente unida agrave moral porque o fim uacuteltimo do estado eacute a virtude

isto eacute a formaccedilatildeo moral dos cidadatildeos e o conjunto dos meios necessaacuterios para isso O estado eacute um

organismo moral condiccedilatildeo e complemento da atividade moral individual e fundamento primeiro

da suprema atividade contemplativa

Na filosofia aristoteacutelica a poliacutetica eacute um desdobramento natural da eacutetica Ambas na verdade

compotildeem a unidade do que Aristoacuteteles designava filosofia praacutetica Se a eacutetica estaacute preocupada com

a felicidade individual do homem a poliacutetica preocupa-se com a felicidade coletiva da Poacutelis Desse

modo a tarefa da poliacutetica eacute investigar e descobrir quais satildeo as formas de governo e as instituiccedilotildees

capazes de assegurar a felicidade coletiva

O estado entatildeo eacute superior ao indiviacuteduo porquanto a coletividade eacute superior ao indiviacuteduo o bem

comum superior ao bem particular Unicamente no estado efetua-se a satisfaccedilatildeo de todas as

necessidades pois o homem sendo naturalmente animal social poliacutetico natildeo pode realizar a sua

perfeiccedilatildeo sem a sociedade do estado

No livro P O L Iacute T I C A Aristoacuteteles inicia a sua reflexatildeo filosoacutefica mostrando que a cidade eacute

uma comunidade poliacutetica eacute uma criaccedilatildeo natural e que o homem eacute por natureza um animal

socialhellip Todavia por ser dotado de inteligecircncia e vontade o homem necessita de normas que

regulamentem a sua conduta dentro da comunidade Assinala Aristoacuteteles que efetivamente o

homem quando perfeito eacute o melhor dos animais mas eacute tambeacutem o pior de todos quando

afastado da lei e da justiccedila pois a injusticcedila eacute mais perniciosa quando armada e o homem nasce

dotado de armas para serem usadas pela inteligecircncia e pelo talento mas podem secirc-lo em

sentido inteiramente oposto () a justiccedila eacute a base da sociedade sua aplicaccedilatildeo assegura a ordem

na comunidade social por ser o meio de determinar o que eacute justo Apoacutes criticar vaacuterios aspetos

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da filosofia poliacutetica de Platatildeo o Estagirita analisa diversas constituiccedilotildees de Cidades-Estado

visando encontrar elementos para a melhor forma de governo

Considerando que a POLIS (isto eacute a Cidade-Estado) existe para promover o bem-comum

Aristoacuteteles analisou as diversas formas de governo existentes na sua eacutepoca Assim diz ele

() as constituiccedilotildees cujo objetivo eacute o bem-comum satildeo corretamente estruturadas de

conformidade com os princiacutepios essenciais da justiccedila enquanto as que visam apenas ao bem

dos proacuteprios governantes satildeo todas defeituosas e constituem desvios das constituiccedilotildees corretas

de fato elas passam a ser despoacuteticas enquanto a cidade deve ser uma comunidade de homens

livres

Aristoacuteteles defende o primado da lei sobre a vontade dos homens Para ele a regra geral eacute a do

respeito pela lei a da observacircncia da legalidade e igualdade a do sistema das leis objectivas e

impessoais acima da vontade do capricho e da discricionariedade dos homens Haacute pois neste

sistema toda a possibilidade de atender agraves circunstacircncias particulares de cada caso seraacute essa a

tarefa dos oacutergatildeos executores da lei por delegaccedilatildeo dela e dentro dos limites por ela definidos Ou

seja ldquoo primado da lei eacute preferiacutevel ao governo livre de qualquer cidadatildeordquo pois ldquoa lei eacute a razatildeo

sem o apetiterdquo ao passo que o poder pessoal eacute o domiacutenio das paixotildees incontrolaacuteveis subjectivo e

arbitraacuterio

Para Aristoacuteteles o regime legiacutetimo ou ldquobomrdquo eacute aquele que tem por fim o bem comum e que eacute

conforme agrave justiccedila ao inveacutes daqueles que apenas soacute tendem para o benefiacutecio particular de alguns

Assim o Estagirita apresenta uma classificaccedilatildeo de regimes poliacuteticos agrupados em regimes satildeos

(monarquia aristocracia e a repuacuteblica) e regimes degenerados (tirania oligarquia e democracia)

- Entre as monarquias daacute-se o nome de realeza aquela que tem por fim o interesse geral

- O governo de um pequeno nuacutemero de homens ou de vaacuterios mas natildeo de um soacute chama-se

aristocracia porque eles o exercem para o maior bem do Estado e de todos os membros da

sociedade

- Quando a multidatildeo governa no sentido do interesse geral chama-se repuacuteblica

Os governos que constituem desvio ou degeneraccedilotildees satildeo

- em relaccedilatildeo agrave realeza a tirania ndash monarquia governada no interesse exclusivo do monarca

- em relaccedilatildeo agrave aristocracia a oligarquia ndash dirigida unicamente no interesse dos ricos

- em relaccedilatildeo agrave repuacuteblica a democracia ndash somente no interesse dos pobres

A Monarquia desvirtuada transforma em Tirania onde a vontade de um sempre prevaleceraacute

contra a ordem juriacutedica vigente Quando a Aristocracia eacute degenerada aparece a Oligarquia nesse

contexto o poder estaraacute nas matildeos dos possuidores de riqueza

A uacuteltima forma desvirtuada seraacute a Democracia na traduccedilatildeo literal de Aristoacuteteles ou a Demagogia

na visatildeo de Bonavides e Azambuja Esta seraacute exercida pelas populaccedilotildees ldquorudes ignaras e

despoacuteticasrdquo ou ldquoo poder eacute exercido pelos que natildeo possuem muitos bens ou seja pelos pobresrdquo

Eacute importante observar que para Aristoacuteteles quando alguma classe social toma o poder para si

exercendo despoticamente estaraacute em um contexto de forma impura de governo

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Ao definir a melhor forma de governo Aristoacuteteles aplica agrave poliacutetica o princiacutepio da medianidade

que ele expocircs no livro Eacutetica a Nicocircmaco

Na sua individualidade o homem ao agir procura conquistar a felicidade Ora a funccedilatildeo

preciacutepua de todo governo eacute proporcionar a realizaccedilatildeo da felicidade coletiva que ele chama de

bem comum Este soacute se realiza na forma de governo que se baseia no princiacutepio do meio-termo

No livro II da Eacutetica a Nicocircmaco o Estagirita expotildee o princiacutepio do meio-termo da seguinte

forma

Em tudo que eacute contiacutenuo e divisiacutevel pode-se tomar mais menos ou uma quantidade igual e isso

quer em termos da proacutepria coisa quer relativamente a noacutes e o igual eacute um meio-termo entre o

excesso e a falta Por meio-termo no objeto entendo aquilo que eacute equidistante de ambos os

extremos e que eacute um soacute e o mesmo para todos os homens e por meio-termo relativamente a

noacutes o que natildeo eacute nem demasiado nem demasiadamente pouco - e este natildeo eacute um soacute e o mesmo

para todos

Diz o citado autor que a virtude eacute uma mediana Por conseguinte tanto na vida individual

quanto na vida coletiva a virtude estaacute na moderaccedilatildeo no equiliacutebrio que manteacutem as coisas

equidistantes dos extremos ora de excesso ora de carecircncia Se os extremos satildeo prejudiciais aos

indiviacuteduos da mesma forma seratildeo nocivos agrave sociedade

Ao aplicar o princiacutepio da medianidade agrave poliacutetica o Estagirita encontrou a melhor forma de

governo naquela constituiccedilatildeo que mistura elementos democraacuteticos com elementos oligaacuterquicos

Desta forma satildeo evitados os extremos de riqueza e os extremos de pobreza

Assim para Aristoacuteteles a melhor forma de governo seria uma repuacuteblica (governo assente no poder

do grande nuacutemero exercido no interesse de todos os cidadatildeos) de caraacutecter misto contendo alguns

elementos de oligarquia (muitas instituiccedilotildees oligaacuterquicas tais como as magistraturas por eleiccedilatildeo) e

de democracia (muitas coisas populares tais como educaccedilatildeo e vestuaacuterio acessiacutevel a todos) e

apoiada no predomiacutenio das classes meacutedias

Tal como Platatildeo Aristoacuteteles tambeacutem emitiu a sua teoria sobre a sucessatildeo ciacuteclica das formas de

governo comeccedilaria na monarquia (o governo dos antigos) passaria para a aristocracia oligarquia

tirania de seguida a democracia e resultaria na repuacuteblica mista que resultaraacute tanto melhor quanto se

apoiar mais na classe meacutedia

Aristoacuteteles sobre as classes sociais defende o predomiacutenio das classes meacutedias pois a melhor forma

de governo a melhor espeacutecie de sociedade poliacutetica eacute a que for constituiacuteda em maioria por

cidadatildeos das classes meacutedias Defende que os que pertencem agrave classe meacutedia integram-se mais

harmoniosamente numa sociedade equilibrada e satilde pois a violecircncia (dos mais abastados) e a

intriga (dos mais pobres) satildeo duas fontes iniquidades ldquoDe maneira que estes incapazes de

comandar (os mais pobres) natildeo sabem senatildeo mostrar uma submissatildeo servil e aqueles (os mais

ricos) incapazes de se submeter a qualquer poder legiacutetimo (desobediecircncia aos magistrados) natildeo

sabem senatildeo exercer uma autoridade despoacuteticardquo E assim ldquoos cidadatildeos de condiccedilatildeo meacutedia natildeo

empregam violecircncias nem intrigas porque natildeo ambicionam as magistraturasrdquo Assim Aristoacuteteles

conclui que a sociedade civil mais perfeita eacute aquela em que a condiccedilatildeo meacutedia eacute mais numerosa e

poderosa que as outras duas (ou pelo menos mais poderosa que cada uma das outras) pois

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quando ldquouns tecircm riquezas imensas e os outros natildeo tecircm nada daiacute resulta sempre ou a pior das

democracias ou uma oligarquia desenfreada ou uma tirania insuportaacutevelrdquo

O governo constitucional resultante da mistura de elementos democraacuteticos e oligaacuterquicos se

submete ao impeacuterio da lei e tem na justiccedila e na liberdade os princiacutepios basilares que devem

reger as relaccedilotildees dos cidadatildeos entre si e destes com o Estado

O homem feliz seraacute aquele que for capaz de dedicar a melhor parte da sua vida agrave contemplaccedilatildeo

filosoacutefica das verdades eternas mas sem desprezar por outro lado a vida activa assente numa

quantidade moderada de bens materiais e de sauacutede Mas para que os homens se tornem bons eacute

necessaacuterio que o governo e as leis do paiacutes sejam orientados para a consecuccedilatildeo do bem em suma

ldquoeacute atraveacutes das leis que noacutes podemos tornar-nos bonsrdquo A poliacutetica estaacute pois ao serviccedilo da moral as

leis devem conduzir agrave virtude do bom cidadatildeo e se possiacutevel ainda mais agrave virtude (suprema) do

homem de bem O Estado natildeo eacute portanto apenas um fenoacutemeno poliacutetico ou juriacutedico o Estado eacute e

deve ser um Estado eacutetico um fenoacutemeno moral e religioso

Aristoacuteteles critica o modelo da unicidade da Cidade de Platatildeo defendendo a superioridade do

pluralismo social e poliacutetico (a Cidade ao tornar-se mais una e ao ser reconduzida o mais possiacutevel agrave

unicidade acabaraacute por ser reduzida a uma famiacutelia e esta a um indiviacuteduo aniquilando a Cidade

que deve pressupor uma pluralidade

Aristoacuteteles defende a propriedade privada principalmente pelo sentimento de satisfaccedilatildeo de que

uma coisa nos pertence como coisa proacutepria O Estagirita argumenta que pela comunhatildeo de bens

mais problemas sociais advecircm pelo facto de existirem ldquomais frequentemente dissensotildees entre

aqueles que possuem coisas em comum do que entre aqueles cujas fortunas satildeo distintas e

separadasrdquo

Aristoacuteteles defende a famiacutelia ao exprimir a sua repugnacircncia (moral e social) por esse tipo de

sociedade onde seraacute praticamente ldquoimpossiacutevel que um pai diga meu filho ou que um filho diga

meu pairdquo O fundamento eacute de que ldquonada inspira menos interesse (ao Homem) do que uma coisa

cuja posse eacute comum a grande nuacutemero de pessoas porquanto se daacute uma grande importacircncia ao

que nos pertencerdquo Outro conjunto de consequecircncias da teoria de Platatildeo era a generalizaccedilatildeo dos

laccedilos familiares (ou seja inexistentes) e que provocaria ldquoassassinatos rixas e injuacuteriasrdquo bem como a

possiacutevel banalizaccedilatildeo de relaccedilotildees promiacutescuas tais como o incesto

Segundo Aristoacuteteles a famiacutelia compotildee-se de quatro elementos os filhos a mulher os bens os

escravos aleacutem naturalmente do chefe a que pertence a direccedilatildeo da famiacutelia Deve ele guiar os filhos

e as mulheres em razatildeo da imperfeiccedilatildeo destes No entanto para que a propriedade seja

produtora satildeo necessaacuterios instrumentos inanimados e animados estes uacuteltimos seriam os escravos

Aristoacuteteles natildeo nega a natureza humana ao escravo mas constata que na sociedade satildeo

necessaacuterios tambeacutem os trabalhos materiais que exigem indiviacuteduos particulares a que fica assim

tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma visto ser necessaacuterio para

tanto tempo e liberdade bem como aptas qualidades espirituais excluiacutedas pelas proacuteprias

caracteriacutesticas qualidades materiais de tais indiviacuteduos Daiacute a escravidatildeo

O estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social poliacutetico O estado

provecirc inicialmente a satisfaccedilatildeo daquelas necessidades materiais negativas e positivas defesa e

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seguranccedila conservaccedilatildeo e engrandecimento de outro modo irrealizaacuteveis Mas o seu fim essencial eacute

espiritual isto eacute deve promover a virtude e consequentemente a felicidade dos suacutebditos

mediante a ciecircncia

Compreende-se entatildeo como seja tarefa essencial do estado a educaccedilatildeo que deve desenvolver

harmocircnica e hierarquicamente todas as faculdades antes de tudo as espirituais intelectuais e

subordinadamente as materiais fiacutesicas O fim da educaccedilatildeo eacute formar homens mediante as artes

liberais importantiacutessimas a poesia e a muacutesica e natildeo maacutequinas mediante um treinamento

profissional Eis porque Aristoacuteteles como Platatildeo condena o estado que ao inveacutes de se preocupar

com uma paciacutefica educaccedilatildeo cientiacutefica e moral visa a conquista e a guerra E critica dessa forma a

educaccedilatildeo militar de Esparta que faz da guerra a tarefa preciacutepua do estado e potildee a conquista

acima da virtude enquanto a guerra como o trabalho satildeo apenas meios para a paz e o lazer

sapiente

O Estado deve promover a famiacutelia e a educaccedilatildeo legislando sobre as mesmas

Conveacutem fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos e o dos homens nos trinta e sete ou

pouco menos Assim a uniatildeo seraacute feita no momento do maacuteximo vigor e os dois esposos teratildeo um

tempo pouco mais ou menos igual para educar a famiacutelia ateacute que cessem a ser proacuteprios agrave

procriaccedilatildeo

Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar deve haver uma lei que

proiacuteba alimentar toda a crianccedila disforme Sobre o nuacutemero dos filhos (porque o nuacutemero dos

nascimentos deve sempre ser limitado) se os costumes natildeo permitem que os abandonem e se

alguns casamentos satildeo tatildeo fecundos que ultrapassem o limite fixado de nascimentos eacute preciso

provocar o aborto antes que o feto receba animaccedilatildeo e a vida com efeito soacute pela animaccedilatildeo e vida

se poderaacute determinar se existe crime

Como jaacute mencionado o cidadatildeo deve ir em busca das virtudes da justiccedila e do fim uacuteltimo a

liberdadehellip mas haacute muitos conceitos por redescobrir

O que eacute Justiccedila

Todos os homens entendem por justiccedila aquela disposiccedilatildeo de caraacuteter que torna as pessoas

propensas a fazer o que eacute justo que as faz agir justamente e desejar o que eacute justo e do mesmo

modo por injusticcedila se entende a disposiccedilatildeo que as leva a agir injustamente e a desejar o que eacute

injusto

O homem Justo Eacute aquele que respeita e lei e a igualdade Escolhe sempre os maiores bens

(virtude e felicidade) em detrimento dos menores (riquezas e prazeres) As leis tecircm em mira a

vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detecircm o poder de modo

que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a

sociedade poliacutetica a felicidade e os elementos que a compotildeem Na justiccedila estatildeo compreendidas

todas as virtudes E ela eacute a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exerciacutecio atual

da virtude completa Eacute completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude natildeo soacute

sobre si mesmo mas tambeacutem sobre o seu proacuteximo

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O pior dos homens eacute aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com

os seus amigos e o melhor natildeo eacute o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com

um outro

A justiccedila seraacute entatildeo uma praacutetica efetiva de excelecircncia moral

A Injusticcedila Eacute necessaacuterio falar sobre injusticcedila para se compreender bem o que eacute a proacutepria justiccedila

Ideia de grega de apresentar sempre o conceito e a negaccedilatildeo deste ldquoQuando se conhece a boa

condiccedilatildeo a maacute tambeacutem se torna manifestardquo

O que eacute a Injusticcedila Se justiccedila eacute a justa medida o meio termo entre o excesso e a falta a injusticcedila eacute

tudo aquilo que viola esta proporccedilatildeo Injusticcedila=desequiliacutebrio=extremos

Causas da injusticcedila Maldades ganacircncia paixotildees ignoracircncia e desobediecircncia

O Homem injusto ldquoConsidera-se injusto o homem que viola a lei aquele que agindo pela avidez

toma mais do que lhe eacute devido Tambeacutem aquele que viola a igualdade (tomando no que diz

respeito as coisas maacutes menos do que a sua parte)rdquo

ldquoO Homem que age injustamente tem em excesso enquanto o que eacute injusticcedilado recebe pouco do

que eacute bom No caso das coisas maacutes eacute o contraacuterio

Justiccedila e Felicidade Todos os atos legiacutetimos satildeo justos e como tais produzem e preservam a

felicidade A eacutetica aristoteacutelica pressupotildee que as accedilotildees praticadas sejam orientadas para o bem

coletivo e a felicidade geral pelo que o conhecimento deve ser levado agrave praacutetica em benefiacutecio de

todos os cidadatildeos Aristoacuteteles aponta sempre para a necessidade de se pensar o coletivo acima do

particular sem contudo defender que os interesses particulares natildeo devam ser defendidos e

respeitados

Aristoacuteteles descreveu dois tipos de justiccedila

Justiccedila Universal Exerciacutecio de todas as virtudes fazer o que eacute certo em sentido amplo o que eacute

bom

Justiccedila Particular Refere-se agrave distribuiccedilatildeo de honras e bens na vida social dizendo respeito agraves

relaccedilotildees interpessoais este tipo de justiccedila manifesta-se pela observacircncia da lei e da igualdade

Justiccedila distributiva O justo deve ser ao mesmo tempo intermediaacuterio igual e relativo E a mesma

igualdade observar-se-aacute entre as pessoas e entre as coisas envolvidas segue-se o brocardo de que

as distribuiccedilotildees devem ser feitas de acordo com o meacuterito pois todos admitem que a distribuiccedilatildeo

justa deve recordar com o meacuterito se bem que nem todos especifiquem a mesma espeacutecie de meacuterito

O justo eacute pois uma espeacutecie de termo proporcional O injusto eacute o que viola a proporccedilatildeo

Justiccedila Corretiva O justo particular corretivo consiste na aplicaccedilatildeo de um juiacutezo corretivo nas

relaccedilotildees a serem estabelecidas entre os indiviacuteduos Na medida em que surgem conflitos de direito

agrave justiccedila corretiva eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de corrigir este conflito de modo que se retorne o status

quo Eacute ela ldquo[] o intermediaacuterio entre a perda e o ganhordquo Desse modo ela previne os cidadatildeos de

serem lesados nos seus direitos

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A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

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- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 2: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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possam repercutir nas esferas daqueles efeitos negativos e como meta a alcanccedilar em prol da

justiccedila paz e de uma vida boa para os cidadatildeos

Antiguidade Claacutessica Peacutericles e a defesa da democracia

Peacutericles (seacuteculo V aC de + ou ndash 495-430 aC) foi um nobre ateniense homem inteligente e saacutebio

que abrilhantou a apreciada figura do estadista culto moderado e ciacutevico atraveacutes da sua defesa da

democracia (ainda hoje o ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo eacute conhecido como o periacuteodo aacuteureo da democracia

ateniense)

Na sua apologia pela democracia Peacutericles defendia um modelo de democracia directa e

caracteriza o regime vigente em Atenas como um regime em que o Estado era administrado no

interesse do povo e natildeo das minorias Deste modo este pensador entende que os princiacutepios

basilares da democracia seriam a igualdade e a liberdade igualdade na medida em que as leis

asseguravam a todos um tratamento por igual e no que dizia respeito agrave vida puacuteblica cada um

obtinha uma igual consideraccedilatildeo em funccedilatildeo dos seus meacuteritos e valores pessoais (e natildeo em valor da

classe social a que se pertence) a liberdade seria um princiacutepio fundamental uma vez que

estimulava a participaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica mesmo nos debates que envolvessem as grandes

questotildees do Estado (pois Peacutericles entendia que as grandes questotildees soacute tinham a ganhar com a livre

discussatildeo e argumentaccedilatildeo das opiniotildees)

Deste modo facilmente se conclui que todo o seu discurso fica indelevelmente (pensamento)

marcado pela apologia do equiliacutebrio da toleracircncia e moderaccedilatildeo da acccedilatildeo poliacutetica demonstrando

particular atenccedilatildeo pelas leis sociais e defendendo a possibilidade dos mais pobres saiacuterem da sua

deacutebil situaccedilatildeo atraveacutes do trabalho Durante o tempo que governou Atenas (mediante 15 eleiccedilotildees

sucessivas para o cargo de estratego) Peacutericles privilegiou a qualidade de vida (o desporto a

cultura os espectaacuteculos enfim os ldquocostumes de Atenasrdquo ) exacerbou a prosperidade econoacutemica

da cidade (bem como a sua abertura ao exterior) aleacutem de elogiar os que morriam como heroacuteis em

defesa da Paacutetria exortando aos vivos para que saibam honrar o exemplo dos que pereceram no

cumprimento do dever bem como as ldquoas instituiccedilotildees poliacuteticasrdquo de Atenas

A democracia ateniense apresentava contudo algumas imperfeiccedilotildees e limitaccedilotildees Caracterizava-

se por ser uma democracia directa e natildeo representativa na qual somente participavam os

cidadatildeos de Atenas ou seja os indiviacuteduos que eram filhos de pai e matildee atenienses com mais

de 21 anos de idade e com serviccedilo militar cumprido As mulheres natildeo possuiacuteam

poderesdireitos ciacutevicos nem juriacutedicos natildeo podiam possuir propriedades e era-lhes vedado o

ensino No entanto respeitava a liberdade de opiniatildeo a liberdade de entrar e sair do paiacutes e outras

liberdades essenciais e conferia aos cidadatildeos o direito de participaccedilatildeo no debate das grandes

questotildees de interesse geral

Facilmente se constata que Atenas era palco de uma sociedade esclavagista na qual os metecos (os

cidadatildeos estrangeiros como veio a ser o caso de Aristoacuteteles por exemplo) eram obrigados a

cumprir determinados deveres como pagar impostos e cumprir serviccedilo militar aleacutem de natildeo

poderem participar da vida poliacutetica da cidade

Pontos essenciais

Peacutericles elogia a democracia e a sua superioridade sobre os restantes regimes poliacuteticos a afirmaccedilatildeo

dos princiacutepios baacutesicos da igualdade da liberdade e da participaccedilatildeo ciacutevica na vida puacuteblica a

apologia do debate puacuteblico das grandes questotildees do Estado a defesa da toleracircncia do equiliacutebrio e

da moderaccedilatildeo na accedilatildeo poliacutetica a atenccedilatildeo particular concedida agraves leis sociais de protecccedilatildeo dos

pobres e a concepccedilatildeo da possibilidade de ldquosair da pobreza pelo trabalhordquo a importacircncia dada agrave

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cultura ao desporto aos espectaacuteculos e divertimentos puacuteblicos) a referecircncia agrave prosperidade

econoacutemica da cidade e agrave sua abertura do exterior a ideia de que qualquer paiacutes mesmo

democraacutetico carece de poderio militar para conseguir defender-se com ecircxito dos seus inimigos a

defesa inteligente da ideia de uma sociedade democraacutetica (aberta tolerante organizada civilmente

e respeitadora do indiviacuteduo) em contrato permanente com o modelo oposto de uma sociedade

totalitaacuteria (fechada intolerante militarizada e colectivista) e enfim o elogio dos que aceitam

morrer pela Paacutetria e a exortaccedilatildeo aos vivos para que saibam honrar o exemplo dos que tombaram

no cumprimento do dever

Heroacutedoto Foi um geoacutegrafo e historiador grego continuador de Hecateu de Mileto nascido no seacuteculo V aC (485ndash420 aC) em Halicarnasso (hoje Bodrum na Turquia) Revelou a histoacuteria da invasatildeo persa na Greacutecia Foi o grande escritor da obra ldquoHistoacuteriasrdquo onde relata as guerras meacutedicas entre gregos e persas que eacute classificada em 9 livros O pensamento de Heroacutedoto Heroacutedoto representa sem duacutevida o espiacuterito antigo Muito se tem insistido sobre seu paralelo (e amizade) com Soacutefocles mas a dualidade teoloacutegica e humana que se encontra em sua obra possui maior semelhanccedila com o trabalho de Eacutesquilo A dupla motivaccedilatildeo factual da trageacutedia neste autor (responsabilidade humana e causalidade divina) natildeo eacute diferente da posiccedilatildeo de Heroacutedoto para quem (I 32 1) ldquoa divindade eacute em todos as ordens invejosa e causa de perturbaccedilatildeordquo Mas ao mesmo tempo aparece uma tendecircncia que busca no homem mesmo a causa do seu destino Tem-se um plano sobrenatural que potildee em relevo a fragilidade do ser humano que eacute ldquotodo incertezardquo O destino portanto se converte numa forccedila preacute-moral que se impotildee de maneira inexoraacutevel Isto implica num pessimismo que eacute consubstanciado no pensamento grego O ser humano se sente sujeito agraves instabilidades e eacute impotente ante os desiacutegnios divinos Sem duacutevida o aparente dogmatismo da inveja dos deuses natildeo diminui a responsabilidade dos homens Os castigos que este sofre satildeo provocados diretamente na proporccedilatildeo da soberbia humana Quando um homem se encontra numa posiccedilatildeo de relevo que excede agraves suas possibilidades naturais tente a incorrer em soberbia e eacute culpado de crimes e sortileacutegios que atentam contra a estabilidade eacutetico-social Para se precaver das hostilidades divinas o homem deve praticar a justiccedila a piedade e a modeacutestia sem que como ocorre em Soacutefocles seja absolutamente seguro que isto baste para ter sucesso Eacute um posicionamento similar ao da trageacutedia da liacuterica e da eacutepica Esta atitude de Heroacutedoto dirigida pela moderaccedilatildeo determina seu pensamento poliacutetico obrigado a exilar-se de sua paacutetria por um regime tiracircnico abomina a tirania cuja essecircncia eacute a irresponsabilidade ante a lei e aos demais membros da comunidade mostra-se convencido dos benefiacutecios que representa a liberdade daiacute a sua admiraccedilatildeo por Atenas e justificaccedilatildeo de seu apogeu Liberdade face agrave subordinaccedilatildeo ndash este eacute o diferencial entre gregos e baacuterbaros

Otanes em defesa da DEMOCRACIA

Como conjurado este defendia que doravante nenhum dos trecircs devia reinar sozinho e antes de

expor as vantagens do governo da multidatildeo soberana (Democracia) critica a Monarquia que

acabava de cair Para ele esta devia ser rejeitada devido a

bull Arrogacircncia dos Magos que admite revolta dos suacutebditos

bull O governo natildeo pode ser bem organizado porque um homem sem contraditor faz o que lhe

apetece arrastando-se ao desregulamento do espiacuterito

bull Perverte o bom senso dos melhores

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bull O rei que dada a sua situaccedilatildeo privilegiada natildeo devia ter inveja alimenta ciuacutemes dos

grandes e dos nobres e aprecia os maus acolhe a caluacutenia e se os suacutebditos o admiram com

moderaccedilatildeo acha-se insuficientemente honrado e se o honram sem reservas acha-se objeto de

adulaccedilatildeo (bajulaccedilatildeo)

bull O priacutencipe muda os costumes dos antepassados condena os homens agrave morte sem

julgamento e violentas as mulheres

Por seu turno a Democracia porque governa a multidatildeo soberana tem como vantagens

bull Natildeo comporta freio (impedimento) e natildeo aceita limites

bull Caracteriza-se pela Isonomia (igualdade perante a lei) por isso natildeo permite excessos

bull A maioria atribui as resoluccedilotildees agrave comunidade e atribui as funccedilotildees puacuteblicas por sorteio

(eleiccedilotildees)

ii Megabizo em defesa da Oligarquia

Comeccedila por defender que natildeo se deve aprovar a tese que preconiza o poder da multidatildeo porque

natildeo obstante o poder popular permitir escapar agrave arrogacircncia de um monarca (critica a democracia)

bull A autoridade fica a mercecirc da insolecircncia (sem respeito atrevido) de um povo

ignorante e impulsivo [relaccedilatildeo entre a educaccedilatildeo e a cidadania]

bull O tirano sabe o que faz enquanto o povo natildeo sabe porque natildeo eacute instruiacutedo Assim eacute de

temer os danos poliacutetico-sociais tanto da falta de instruccedilatildeo como da forma impetuosa e

precipitada da manifestaccedilatildeo das paixotildees do povo

Portanto segundo ele a Monarquia e a Democracia estavam fora das opccedilotildees viaacuteveis e defende

a OLIGARQUIA e a oligocracia ou Aristocracia como a soluccedilatildeo cujas vantagens seriam

bull Eleiccedilatildeo de uma assembleia soberana dos melhores em que todos os conjurados fariam

parte diferente da monarquia que permite apenas a escola de apenas um entre eles

bull Com o poder atribuiacutedo a eles como indiviacuteduos nasceriam resoluccedilotildees salutares da

reuniatildeo dos seus saberes

iii Daacuterio em defesa da MONARQUIA

Comeccedila por aprovar os argumentos pro-aristocraacuteticos em relaccedilatildeo agrave sua critica agrave Democracia

mas natildeo aprova os argumentos que defendem a oligarquia Partindo da suposiccedilatildeo de que a

Democracia a Aristocracia e a Monarquia satildeo excelentes e satildeo aplicadas a um povo tambeacutem

excelente pergunta qual seria a melhor RESPONDE

bull Nada eacute preferiacutevel a um homem excelente no governo porque o monarca excelente eacute

prudente ou ponderado na administraccedilatildeo

bull Ele eacute o uacutenico depositaacuterio do segredo do Estado e conserva-o nas accedilotildees externas

bull A oligarquia eacute fraacutegil por os oligarcas se detestam e acabarem por se tornar rivais onde

cada um quer fazer triunfar a sua opiniatildeo por julgaacute-la a melhor cada um quer ser mais chefe o

que leva agrave competiccedilatildeo e oacutedios as suas discoacuterdias tornam-se puacuteblicas e transformam-se em

violecircncia e massacres levando agrave vitoacuteria de um e restauraccedilatildeo da Monarquia

bull Por outro lado na democracia eacute impossiacutevel impedir a maldade porque os homens maus

aliam-se para oprimir a comunidade deles acaba se erguendo um revolucionaacuterio para travar este

jogo este seraacute admirado e apoiado pela multidatildeo e levado ao poder tornando-se rei e

degenerando na tirania

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CONCLUSOtildeES

bull A croacutenica de Heroacutedoto configura a teoria de evoluccedilatildeo ciacuteclica por degeneraccedilatildeo dos

regimes poliacuteticos mais tarde retomada e aprofundada por Aristoacuteteles

bull Natildeo obstante o argumento geral da croacutenica tender a favorecer os regimes elitistas ficou

patente que natildeo existe o melhor regime pois todos tem limitaccedilotildees e virtudes a sua

aplicaccedilatildeo depende das condiccedilotildees materiais sociais culturais eacuteticas e morais concretas

de cada sociedade

Platatildeo

Embora tenha nascido em Atenas Platatildeo (seacuteculos V e IV aC de 429-347 aC) de famiacutelia nobre

descendia pelo lado materno de Soacutelon um dos fundadores da democracia ateniense Apresentou

forte simpatia por Esparta nomeadamente por ter presenciado o julgamento e assistido agrave morte de

Soacutecrates considerado por ele como ldquoo melhor e mais saacutebio dos homensrdquo Impulsionado pelo

sentimento de revolta comeccedilou a desprezar Atenas e foi viver para Esparta A obra de longe mais

importante de Platatildeo eacute a Politeia usualmente traduzida por A Repuacuteblica

Platatildeo foi o primeiro grande pensador a avanccedilar com o modelo daquilo que seria no seu entender

uma sociedade ideal atacando aqueles que considera serem os grandes males da sociedade do seu

tempo - a famiacutelia e a propriedade privada A Poliacutetica eacute pois para Platatildeo a arte de governar os

homens com o seu consentimento

Segundo Platatildeo o melhor governo eacute o da sabedoria da razatildeo da inteligecircncia O governo ideal eacute o

filoacutesofo toda a sua obra estaacute marcada pela defesa constante e vigorosa da entrega do poder ao

Rei-Filoacutesofo isto eacute ao rei que saiba tornar-se filoacutesofo ou ao filoacutesofo que consiga vir a ser rei

O poder para Platatildeo deve pertencer agravequeles que sabem aos mais instruiacutedos pelas ciecircncias

nomeadamente pela Poliacutetica e pela Filosofia Platatildeo considera que os poliacuteticos natildeo podem ser

moderados nem violentos Os moderados gostam de viver tranquilamente satildeo paciacuteficos em sua

casa e querem secirc-lo tambeacutem perante as potecircncias estrangeiras satildeo incapazes de combater ficam agrave

mercecirc de quem os atacar Os violentos tambeacutem natildeo servem porque sendo belicosos empurram o

paiacutes para a guerra suscitam inimigos e arruiacutenam a Paacutetria ou arrastam-na para a submissatildeo ao

estrangeiro O poliacutetico ideal eacute assim o Rei-Filoacutesofo tatildeo firme que natildeo violento

Para Platatildeo a Justiccedila deixa de ser uma virtude individual para ser um atributo do Estado ideal ndash O

Estado justo a sociedade justa um Estado que seja uno em vez de Estado dividido em dois

grupos inimigos ndash o dos pobres e o dos ricos Platatildeo com um conceito inteiramente novo de

Justiccedila que nada a ver tem a ver com a equidade nas relaccedilotildees particulares dos indiviacuteduos entre si

mas sim com a correcta ordenaccedilatildeo do Estado Pela Justiccedila o Estado impotildee aos indiviacuteduos a

profissatildeo e os cargos que devem desempenhar e natildeo deixa ningueacutem sair do lugar que lhe

compete no sistema do conjunto

A Cidade Ideal de Platatildeo assentava a sua teoria no estabelecimento de um paralelo entre a alma

individual e a Cidade esta deveraacute ser estrutura como aquela o eacute

Ora ndash diz o filoacutesofo ndash a alma humana tem 3 partes a primeira eacute a parte racional e corresponde ao

plano das ideias a segunda eacute a parte irasciacutevel que compreende os impulsos e afectos do ser

humano e a terceira eacute a parte sensual que integra as necessidades elementares do homem

A cade uma destas partes corresponde uma virtude ou qualidade principal Agrave primeira a

sabedoria Agrave segunda a coragem agrave terceira o desejo a submissatildeo da segunda e da terceira agrave razatildeo

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consiste na temperanccedila por fim a justiccedila eacute o ordenamento das outras 3 Ora bem a Cidade deveraacute

ter segundo Platatildeo a mesmo estrutura tripartida posto que a Cidade eacute como ldquoum homem em

ponto granderdquo (conceccedilatildeo antropomoacuterfica do Estado)

Assim haveraacute na Cidade ideal 3 classes

- a classe dos magistrados (governantes) corresponde agrave parte racional da alma deve actuar segundo

a razatildeo ou sabedoria e complete-lhe governar a Cidade

- a classe dos guardas (militares) corresponde agrave parte irasciacutevel da alma deve actuar segundo a

coragem e compete-lhe garantir a defesa e a seguranccedila da Cidade

- a classe dos produtores e artiacutefices em geral (trabalhadores) corresponde agrave parte sensual da alma

deve actuar segundo o desejo e compete-lhe assegurar o sustento material da Cidade

Propocircs a aboliccedilatildeo da propriedade privada (soacute para a classe dos guardas e eventualmente para a

dos magistrados) - pois entendia que o patrimoacutenio individual tornava as pessoas egoiacutestas

(ldquonenhum deles possuiraacute quaisquer bens proacuteprios a natildeo ser coisa de primeira

necessidadenenhum teraacute habitaccedilatildeo ou depoacutesito algum em que natildeo possa entrar quem quiserrdquo)

por fazer com que se preocupassem primeiramente com aquilo que lhes pertencia descurando

assim a preocupaccedilatildeo com o bem geral da cidade - do casamento e da famiacutelia tradicionalmente

concebida

Tornou-se favoraacutevel agrave igualdade entre os sexos numa sociedade que deveria direccionar os seus

elementos num objectivo comum evitando assim o egoiacutesmo das sociedades multifacetadas As

uniotildees teriam por base um sorteio organizado pelos governantesmagistrados e que seria em

determinadas alturas engenhosamente determinado pelos mesmos para que do resultado dessas

uniotildees emergisse um conjunto de pessoas dotadas de melhores caracteriacutesticas tendo em vista uma

espeacutecie de ldquoaprimoramento da raccedilardquo e por conseguinte mais um passo em frente no objectivo da

sociedade ideal As crianccedilas que nascessem deformadas ou fora do esquema por ele proposto

seriam abandonadas e deixadas agrave sua sorte ou ocultadas

Outro aspecto fundamental no pensamento platoacutenico foi a importacircncia dada agrave educaccedilatildeo Ele

propunha que as crianccedilas fossem retiradas agraves matildees aquando do seu nascimento e seriam

entregues a amas Ao longo da sua infacircncia seriam os magistrados a ficar encarregues de escolher

as faacutebulas para serem lidas pelas amas agraves crianccedilas Platatildeo defendia um modelo educativo que

privilegiasse um acompanhamento dedicado e constante agraves crianccedilas de forma a que se estudasse

o desenvolvimento das aptidotildees naturais das mesmas e para que os magistrados tivessem uma

ideia mais precisa das suas reais capacidades Para tal estariam previstas fases de ginaacutestica e de

muacutesica para que as crianccedilas experimentassem novas emoccedilotildees e mais tarde estaria prevista nova

fase mas que incidisse sobre as artes militares e as ciecircncias tendo em vista a integraccedilatildeo nas trecircs

classes sociais avanccediladas pelo filoacutesofo

Estaria entatildeo estabelecido que aos 30 anos aqueles que fossem os melhores de entre os guerreiros

seriam educados com base na arte do diaacutelogo e da filosofia com vista agrave magistratura que seria

atingida aos 50 anos de idade apoacutes serem superadas todas as provas Deste modo triunfaria no

entender de Platatildeo aquilo que ele designava como a sofiocracia o governo da sabedoria e o

melhor de entre os filoacutesofos seria considerado o ldquoRei-filoacutesofordquo

Platatildeo concebeu trecircs moldes de classes sociais tendo por base a ceacutelebre ldquoteoria dos metaisrdquo

segundo a qual cada pessoa possui na sua alma um metal colocado por Deus Nalgumas esse

metal seria o ferro ou o bronze e nesse caso a pessoa estaria destinada a pertencer agrave classe dos

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artesatildeosartiacutefices (seriam os trabalhadores cuja principal funccedilatildeo consistia em assegurar os bens e

o sustento da cidade) noutras pessoas seria a prata e pertenceriam portanto agrave classe dos

guardasmilitares (cuja funccedilatildeo seria a proteger e defender a cidade) e finalmente teriacuteamos um

restrito grupo de pessoas cuja alma seria caracterizada pelo ouro pertencendo tais elementos agrave

classe mais importante a dos magistradosgovernantes agrave qual as outras duas estariam

subordinadas (a funccedilatildeo dos governantes seria logicamente a de colocar a sabedoria ao serviccedilo do

governo da cidade)

A teoria dos metais seria um dos criteacuterios para seleccionar os cidadatildeos para as classes propostas

por Platatildeo todavia esse ldquometalrdquo seria apurado natildeo por hereditariedade mas pelo sistema

educacional imposto pelos magistrados que faria sobressair as inclinaccedilotildees naturais de cada um

Outro grande contributo de Platatildeo para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas prende-se com a sua

tipologia das formas de Governo O filoacutesofo projecta 5 modelos

- Monarquia - podia ser uma sofiocracia (descrita como a forma de Governo da Cidade Ideal

assente na sabedoria e exercida pelo Rei-filoacutesofo) ou uma tirania (e neste caso o poder absoluto

assentava num soacute homem de cariz violento e desprovido das luzes da filosofia)

- Oligarquia - podia ser uma timocracia (e nesse caso o poder estaria assente na classe dos guardas

acabando por se instalar o predomiacutenio da forccedila sobre a sabedoria) ou podia ser tambeacutem uma

plutocracia (descrita como o governo de uma minoria de ricos voltados para os seus interesses

pessoais)

- Um modelo democraacutetico embora apreciasse pouco a democracia pois entendia que as grandes

massas e multidotildees satildeo incapazes de no seu todo possuir a Razatildeo e a Sabedoria necessaacuterias para

o governo da cidade Considera que na democracia os sofistas transformavam os valores morais

conforme os seus apetitesinteresses impondo a sua superioridade fiacutesica intelectual e social

banindo os saacutebios do poder

Platatildeo considera que a melhor forma de governo eacute a monarquia sofiocraacutetica (a cargo do Rei-

Filoacutesofo ndash aquele que consegue olhar para a verdade absoluta promulgando leis sobre o belo

justo e o bem aquele que possui boa memoacuteria e facilidade de aprendizagem dotado de

superioridade e amabilidade amigo e aderente da verdade justiccedila coragem e temperanccedila) e que a

pior eacute a tirania A democracia quanto a ele eacute melhor que a tirania ndash pois o governo da multidatildeo eacute

incapaz de gerar um grande mal - mas eacute pior que a monarquia sofiocraacutetica ndash pois o governo da

multidatildeo eacute incapaz de gerar um grande bem

Entregue a um Rei-Filoacutesofo a sofiocracia seria noutras palavras ldquoo governo de uma soacute pessoa

com o maacuteximo de conhecimentordquo na arte de governar

Para ele o governante ideal estaacute acima da lei e natildeo soacute pode como deve ignoraacute-la ou afastaacute-la

sempre que no seu criteacuterio o interesse superior da colectividade assim o exija o estadista deve

forccedilar os cidadatildeos a ir contra o disposto nos seus coacutedigos e tradiccedilotildees se no interesse deles isso for

melhor do que acatar as leis

Platatildeo natildeo quer o governo das leis mas antes o governo de um homem sobre os demais homens

Platatildeo preconiza para a sua Cidade ideal um regime geral de relaccedilotildees entre governantes e

governados assente no comando autoritaacuterio dos primeiros e na obediecircncia cega dos segundos

No entender de Platatildeo as formas de governo natildeo satildeo imutaacuteveis na medida em que evoluiriam

consoante as circunstacircncias Ele daacute inclusivamente como assente uma espeacutecie de ciclo (A sucessatildeo

ciacuteclica das formas de governo) em termos governamentais que se iniciaria com a sofiocracia

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passaria para a timocracia e posteriormente agrave oligarquia dando esta lugar agrave democracia e o

governo democraacutetico devido agraves suas vicissitudes culminaria numa tirania A tirania seria uma

espeacutecie de culminar esta espeacutecie de ciclo governamental dando origem a novo ciclo que se

iniciaria novamente com a sofiocracia

Aristoacuteteles

Aristoacuteteles nasce (seacutec IV aC de 384-322 aC) na cidade de Estagira na Macedoacutenia por isso ficaraacute

a ser conhecido como o Estagirita

Aristoacuteteles eacute partidaacuterio do bom senso do equiliacutebrio da moderaccedilatildeo ndash isto eacute em sentido grego da

virtude Para ele o ideal a atingir natildeo eacute a Cidade justa mas sim o bom cidadatildeo o cidadatildeo

virtuoso o cidadatildeo justo orientado para a felicidade por um Estado eacutetico e tutelar

A poliacutetica aristoteacutelica eacute essencialmente unida agrave moral porque o fim uacuteltimo do estado eacute a virtude

isto eacute a formaccedilatildeo moral dos cidadatildeos e o conjunto dos meios necessaacuterios para isso O estado eacute um

organismo moral condiccedilatildeo e complemento da atividade moral individual e fundamento primeiro

da suprema atividade contemplativa

Na filosofia aristoteacutelica a poliacutetica eacute um desdobramento natural da eacutetica Ambas na verdade

compotildeem a unidade do que Aristoacuteteles designava filosofia praacutetica Se a eacutetica estaacute preocupada com

a felicidade individual do homem a poliacutetica preocupa-se com a felicidade coletiva da Poacutelis Desse

modo a tarefa da poliacutetica eacute investigar e descobrir quais satildeo as formas de governo e as instituiccedilotildees

capazes de assegurar a felicidade coletiva

O estado entatildeo eacute superior ao indiviacuteduo porquanto a coletividade eacute superior ao indiviacuteduo o bem

comum superior ao bem particular Unicamente no estado efetua-se a satisfaccedilatildeo de todas as

necessidades pois o homem sendo naturalmente animal social poliacutetico natildeo pode realizar a sua

perfeiccedilatildeo sem a sociedade do estado

No livro P O L Iacute T I C A Aristoacuteteles inicia a sua reflexatildeo filosoacutefica mostrando que a cidade eacute

uma comunidade poliacutetica eacute uma criaccedilatildeo natural e que o homem eacute por natureza um animal

socialhellip Todavia por ser dotado de inteligecircncia e vontade o homem necessita de normas que

regulamentem a sua conduta dentro da comunidade Assinala Aristoacuteteles que efetivamente o

homem quando perfeito eacute o melhor dos animais mas eacute tambeacutem o pior de todos quando

afastado da lei e da justiccedila pois a injusticcedila eacute mais perniciosa quando armada e o homem nasce

dotado de armas para serem usadas pela inteligecircncia e pelo talento mas podem secirc-lo em

sentido inteiramente oposto () a justiccedila eacute a base da sociedade sua aplicaccedilatildeo assegura a ordem

na comunidade social por ser o meio de determinar o que eacute justo Apoacutes criticar vaacuterios aspetos

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da filosofia poliacutetica de Platatildeo o Estagirita analisa diversas constituiccedilotildees de Cidades-Estado

visando encontrar elementos para a melhor forma de governo

Considerando que a POLIS (isto eacute a Cidade-Estado) existe para promover o bem-comum

Aristoacuteteles analisou as diversas formas de governo existentes na sua eacutepoca Assim diz ele

() as constituiccedilotildees cujo objetivo eacute o bem-comum satildeo corretamente estruturadas de

conformidade com os princiacutepios essenciais da justiccedila enquanto as que visam apenas ao bem

dos proacuteprios governantes satildeo todas defeituosas e constituem desvios das constituiccedilotildees corretas

de fato elas passam a ser despoacuteticas enquanto a cidade deve ser uma comunidade de homens

livres

Aristoacuteteles defende o primado da lei sobre a vontade dos homens Para ele a regra geral eacute a do

respeito pela lei a da observacircncia da legalidade e igualdade a do sistema das leis objectivas e

impessoais acima da vontade do capricho e da discricionariedade dos homens Haacute pois neste

sistema toda a possibilidade de atender agraves circunstacircncias particulares de cada caso seraacute essa a

tarefa dos oacutergatildeos executores da lei por delegaccedilatildeo dela e dentro dos limites por ela definidos Ou

seja ldquoo primado da lei eacute preferiacutevel ao governo livre de qualquer cidadatildeordquo pois ldquoa lei eacute a razatildeo

sem o apetiterdquo ao passo que o poder pessoal eacute o domiacutenio das paixotildees incontrolaacuteveis subjectivo e

arbitraacuterio

Para Aristoacuteteles o regime legiacutetimo ou ldquobomrdquo eacute aquele que tem por fim o bem comum e que eacute

conforme agrave justiccedila ao inveacutes daqueles que apenas soacute tendem para o benefiacutecio particular de alguns

Assim o Estagirita apresenta uma classificaccedilatildeo de regimes poliacuteticos agrupados em regimes satildeos

(monarquia aristocracia e a repuacuteblica) e regimes degenerados (tirania oligarquia e democracia)

- Entre as monarquias daacute-se o nome de realeza aquela que tem por fim o interesse geral

- O governo de um pequeno nuacutemero de homens ou de vaacuterios mas natildeo de um soacute chama-se

aristocracia porque eles o exercem para o maior bem do Estado e de todos os membros da

sociedade

- Quando a multidatildeo governa no sentido do interesse geral chama-se repuacuteblica

Os governos que constituem desvio ou degeneraccedilotildees satildeo

- em relaccedilatildeo agrave realeza a tirania ndash monarquia governada no interesse exclusivo do monarca

- em relaccedilatildeo agrave aristocracia a oligarquia ndash dirigida unicamente no interesse dos ricos

- em relaccedilatildeo agrave repuacuteblica a democracia ndash somente no interesse dos pobres

A Monarquia desvirtuada transforma em Tirania onde a vontade de um sempre prevaleceraacute

contra a ordem juriacutedica vigente Quando a Aristocracia eacute degenerada aparece a Oligarquia nesse

contexto o poder estaraacute nas matildeos dos possuidores de riqueza

A uacuteltima forma desvirtuada seraacute a Democracia na traduccedilatildeo literal de Aristoacuteteles ou a Demagogia

na visatildeo de Bonavides e Azambuja Esta seraacute exercida pelas populaccedilotildees ldquorudes ignaras e

despoacuteticasrdquo ou ldquoo poder eacute exercido pelos que natildeo possuem muitos bens ou seja pelos pobresrdquo

Eacute importante observar que para Aristoacuteteles quando alguma classe social toma o poder para si

exercendo despoticamente estaraacute em um contexto de forma impura de governo

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Ao definir a melhor forma de governo Aristoacuteteles aplica agrave poliacutetica o princiacutepio da medianidade

que ele expocircs no livro Eacutetica a Nicocircmaco

Na sua individualidade o homem ao agir procura conquistar a felicidade Ora a funccedilatildeo

preciacutepua de todo governo eacute proporcionar a realizaccedilatildeo da felicidade coletiva que ele chama de

bem comum Este soacute se realiza na forma de governo que se baseia no princiacutepio do meio-termo

No livro II da Eacutetica a Nicocircmaco o Estagirita expotildee o princiacutepio do meio-termo da seguinte

forma

Em tudo que eacute contiacutenuo e divisiacutevel pode-se tomar mais menos ou uma quantidade igual e isso

quer em termos da proacutepria coisa quer relativamente a noacutes e o igual eacute um meio-termo entre o

excesso e a falta Por meio-termo no objeto entendo aquilo que eacute equidistante de ambos os

extremos e que eacute um soacute e o mesmo para todos os homens e por meio-termo relativamente a

noacutes o que natildeo eacute nem demasiado nem demasiadamente pouco - e este natildeo eacute um soacute e o mesmo

para todos

Diz o citado autor que a virtude eacute uma mediana Por conseguinte tanto na vida individual

quanto na vida coletiva a virtude estaacute na moderaccedilatildeo no equiliacutebrio que manteacutem as coisas

equidistantes dos extremos ora de excesso ora de carecircncia Se os extremos satildeo prejudiciais aos

indiviacuteduos da mesma forma seratildeo nocivos agrave sociedade

Ao aplicar o princiacutepio da medianidade agrave poliacutetica o Estagirita encontrou a melhor forma de

governo naquela constituiccedilatildeo que mistura elementos democraacuteticos com elementos oligaacuterquicos

Desta forma satildeo evitados os extremos de riqueza e os extremos de pobreza

Assim para Aristoacuteteles a melhor forma de governo seria uma repuacuteblica (governo assente no poder

do grande nuacutemero exercido no interesse de todos os cidadatildeos) de caraacutecter misto contendo alguns

elementos de oligarquia (muitas instituiccedilotildees oligaacuterquicas tais como as magistraturas por eleiccedilatildeo) e

de democracia (muitas coisas populares tais como educaccedilatildeo e vestuaacuterio acessiacutevel a todos) e

apoiada no predomiacutenio das classes meacutedias

Tal como Platatildeo Aristoacuteteles tambeacutem emitiu a sua teoria sobre a sucessatildeo ciacuteclica das formas de

governo comeccedilaria na monarquia (o governo dos antigos) passaria para a aristocracia oligarquia

tirania de seguida a democracia e resultaria na repuacuteblica mista que resultaraacute tanto melhor quanto se

apoiar mais na classe meacutedia

Aristoacuteteles sobre as classes sociais defende o predomiacutenio das classes meacutedias pois a melhor forma

de governo a melhor espeacutecie de sociedade poliacutetica eacute a que for constituiacuteda em maioria por

cidadatildeos das classes meacutedias Defende que os que pertencem agrave classe meacutedia integram-se mais

harmoniosamente numa sociedade equilibrada e satilde pois a violecircncia (dos mais abastados) e a

intriga (dos mais pobres) satildeo duas fontes iniquidades ldquoDe maneira que estes incapazes de

comandar (os mais pobres) natildeo sabem senatildeo mostrar uma submissatildeo servil e aqueles (os mais

ricos) incapazes de se submeter a qualquer poder legiacutetimo (desobediecircncia aos magistrados) natildeo

sabem senatildeo exercer uma autoridade despoacuteticardquo E assim ldquoos cidadatildeos de condiccedilatildeo meacutedia natildeo

empregam violecircncias nem intrigas porque natildeo ambicionam as magistraturasrdquo Assim Aristoacuteteles

conclui que a sociedade civil mais perfeita eacute aquela em que a condiccedilatildeo meacutedia eacute mais numerosa e

poderosa que as outras duas (ou pelo menos mais poderosa que cada uma das outras) pois

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quando ldquouns tecircm riquezas imensas e os outros natildeo tecircm nada daiacute resulta sempre ou a pior das

democracias ou uma oligarquia desenfreada ou uma tirania insuportaacutevelrdquo

O governo constitucional resultante da mistura de elementos democraacuteticos e oligaacuterquicos se

submete ao impeacuterio da lei e tem na justiccedila e na liberdade os princiacutepios basilares que devem

reger as relaccedilotildees dos cidadatildeos entre si e destes com o Estado

O homem feliz seraacute aquele que for capaz de dedicar a melhor parte da sua vida agrave contemplaccedilatildeo

filosoacutefica das verdades eternas mas sem desprezar por outro lado a vida activa assente numa

quantidade moderada de bens materiais e de sauacutede Mas para que os homens se tornem bons eacute

necessaacuterio que o governo e as leis do paiacutes sejam orientados para a consecuccedilatildeo do bem em suma

ldquoeacute atraveacutes das leis que noacutes podemos tornar-nos bonsrdquo A poliacutetica estaacute pois ao serviccedilo da moral as

leis devem conduzir agrave virtude do bom cidadatildeo e se possiacutevel ainda mais agrave virtude (suprema) do

homem de bem O Estado natildeo eacute portanto apenas um fenoacutemeno poliacutetico ou juriacutedico o Estado eacute e

deve ser um Estado eacutetico um fenoacutemeno moral e religioso

Aristoacuteteles critica o modelo da unicidade da Cidade de Platatildeo defendendo a superioridade do

pluralismo social e poliacutetico (a Cidade ao tornar-se mais una e ao ser reconduzida o mais possiacutevel agrave

unicidade acabaraacute por ser reduzida a uma famiacutelia e esta a um indiviacuteduo aniquilando a Cidade

que deve pressupor uma pluralidade

Aristoacuteteles defende a propriedade privada principalmente pelo sentimento de satisfaccedilatildeo de que

uma coisa nos pertence como coisa proacutepria O Estagirita argumenta que pela comunhatildeo de bens

mais problemas sociais advecircm pelo facto de existirem ldquomais frequentemente dissensotildees entre

aqueles que possuem coisas em comum do que entre aqueles cujas fortunas satildeo distintas e

separadasrdquo

Aristoacuteteles defende a famiacutelia ao exprimir a sua repugnacircncia (moral e social) por esse tipo de

sociedade onde seraacute praticamente ldquoimpossiacutevel que um pai diga meu filho ou que um filho diga

meu pairdquo O fundamento eacute de que ldquonada inspira menos interesse (ao Homem) do que uma coisa

cuja posse eacute comum a grande nuacutemero de pessoas porquanto se daacute uma grande importacircncia ao

que nos pertencerdquo Outro conjunto de consequecircncias da teoria de Platatildeo era a generalizaccedilatildeo dos

laccedilos familiares (ou seja inexistentes) e que provocaria ldquoassassinatos rixas e injuacuteriasrdquo bem como a

possiacutevel banalizaccedilatildeo de relaccedilotildees promiacutescuas tais como o incesto

Segundo Aristoacuteteles a famiacutelia compotildee-se de quatro elementos os filhos a mulher os bens os

escravos aleacutem naturalmente do chefe a que pertence a direccedilatildeo da famiacutelia Deve ele guiar os filhos

e as mulheres em razatildeo da imperfeiccedilatildeo destes No entanto para que a propriedade seja

produtora satildeo necessaacuterios instrumentos inanimados e animados estes uacuteltimos seriam os escravos

Aristoacuteteles natildeo nega a natureza humana ao escravo mas constata que na sociedade satildeo

necessaacuterios tambeacutem os trabalhos materiais que exigem indiviacuteduos particulares a que fica assim

tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma visto ser necessaacuterio para

tanto tempo e liberdade bem como aptas qualidades espirituais excluiacutedas pelas proacuteprias

caracteriacutesticas qualidades materiais de tais indiviacuteduos Daiacute a escravidatildeo

O estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social poliacutetico O estado

provecirc inicialmente a satisfaccedilatildeo daquelas necessidades materiais negativas e positivas defesa e

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seguranccedila conservaccedilatildeo e engrandecimento de outro modo irrealizaacuteveis Mas o seu fim essencial eacute

espiritual isto eacute deve promover a virtude e consequentemente a felicidade dos suacutebditos

mediante a ciecircncia

Compreende-se entatildeo como seja tarefa essencial do estado a educaccedilatildeo que deve desenvolver

harmocircnica e hierarquicamente todas as faculdades antes de tudo as espirituais intelectuais e

subordinadamente as materiais fiacutesicas O fim da educaccedilatildeo eacute formar homens mediante as artes

liberais importantiacutessimas a poesia e a muacutesica e natildeo maacutequinas mediante um treinamento

profissional Eis porque Aristoacuteteles como Platatildeo condena o estado que ao inveacutes de se preocupar

com uma paciacutefica educaccedilatildeo cientiacutefica e moral visa a conquista e a guerra E critica dessa forma a

educaccedilatildeo militar de Esparta que faz da guerra a tarefa preciacutepua do estado e potildee a conquista

acima da virtude enquanto a guerra como o trabalho satildeo apenas meios para a paz e o lazer

sapiente

O Estado deve promover a famiacutelia e a educaccedilatildeo legislando sobre as mesmas

Conveacutem fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos e o dos homens nos trinta e sete ou

pouco menos Assim a uniatildeo seraacute feita no momento do maacuteximo vigor e os dois esposos teratildeo um

tempo pouco mais ou menos igual para educar a famiacutelia ateacute que cessem a ser proacuteprios agrave

procriaccedilatildeo

Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar deve haver uma lei que

proiacuteba alimentar toda a crianccedila disforme Sobre o nuacutemero dos filhos (porque o nuacutemero dos

nascimentos deve sempre ser limitado) se os costumes natildeo permitem que os abandonem e se

alguns casamentos satildeo tatildeo fecundos que ultrapassem o limite fixado de nascimentos eacute preciso

provocar o aborto antes que o feto receba animaccedilatildeo e a vida com efeito soacute pela animaccedilatildeo e vida

se poderaacute determinar se existe crime

Como jaacute mencionado o cidadatildeo deve ir em busca das virtudes da justiccedila e do fim uacuteltimo a

liberdadehellip mas haacute muitos conceitos por redescobrir

O que eacute Justiccedila

Todos os homens entendem por justiccedila aquela disposiccedilatildeo de caraacuteter que torna as pessoas

propensas a fazer o que eacute justo que as faz agir justamente e desejar o que eacute justo e do mesmo

modo por injusticcedila se entende a disposiccedilatildeo que as leva a agir injustamente e a desejar o que eacute

injusto

O homem Justo Eacute aquele que respeita e lei e a igualdade Escolhe sempre os maiores bens

(virtude e felicidade) em detrimento dos menores (riquezas e prazeres) As leis tecircm em mira a

vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detecircm o poder de modo

que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a

sociedade poliacutetica a felicidade e os elementos que a compotildeem Na justiccedila estatildeo compreendidas

todas as virtudes E ela eacute a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exerciacutecio atual

da virtude completa Eacute completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude natildeo soacute

sobre si mesmo mas tambeacutem sobre o seu proacuteximo

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O pior dos homens eacute aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com

os seus amigos e o melhor natildeo eacute o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com

um outro

A justiccedila seraacute entatildeo uma praacutetica efetiva de excelecircncia moral

A Injusticcedila Eacute necessaacuterio falar sobre injusticcedila para se compreender bem o que eacute a proacutepria justiccedila

Ideia de grega de apresentar sempre o conceito e a negaccedilatildeo deste ldquoQuando se conhece a boa

condiccedilatildeo a maacute tambeacutem se torna manifestardquo

O que eacute a Injusticcedila Se justiccedila eacute a justa medida o meio termo entre o excesso e a falta a injusticcedila eacute

tudo aquilo que viola esta proporccedilatildeo Injusticcedila=desequiliacutebrio=extremos

Causas da injusticcedila Maldades ganacircncia paixotildees ignoracircncia e desobediecircncia

O Homem injusto ldquoConsidera-se injusto o homem que viola a lei aquele que agindo pela avidez

toma mais do que lhe eacute devido Tambeacutem aquele que viola a igualdade (tomando no que diz

respeito as coisas maacutes menos do que a sua parte)rdquo

ldquoO Homem que age injustamente tem em excesso enquanto o que eacute injusticcedilado recebe pouco do

que eacute bom No caso das coisas maacutes eacute o contraacuterio

Justiccedila e Felicidade Todos os atos legiacutetimos satildeo justos e como tais produzem e preservam a

felicidade A eacutetica aristoteacutelica pressupotildee que as accedilotildees praticadas sejam orientadas para o bem

coletivo e a felicidade geral pelo que o conhecimento deve ser levado agrave praacutetica em benefiacutecio de

todos os cidadatildeos Aristoacuteteles aponta sempre para a necessidade de se pensar o coletivo acima do

particular sem contudo defender que os interesses particulares natildeo devam ser defendidos e

respeitados

Aristoacuteteles descreveu dois tipos de justiccedila

Justiccedila Universal Exerciacutecio de todas as virtudes fazer o que eacute certo em sentido amplo o que eacute

bom

Justiccedila Particular Refere-se agrave distribuiccedilatildeo de honras e bens na vida social dizendo respeito agraves

relaccedilotildees interpessoais este tipo de justiccedila manifesta-se pela observacircncia da lei e da igualdade

Justiccedila distributiva O justo deve ser ao mesmo tempo intermediaacuterio igual e relativo E a mesma

igualdade observar-se-aacute entre as pessoas e entre as coisas envolvidas segue-se o brocardo de que

as distribuiccedilotildees devem ser feitas de acordo com o meacuterito pois todos admitem que a distribuiccedilatildeo

justa deve recordar com o meacuterito se bem que nem todos especifiquem a mesma espeacutecie de meacuterito

O justo eacute pois uma espeacutecie de termo proporcional O injusto eacute o que viola a proporccedilatildeo

Justiccedila Corretiva O justo particular corretivo consiste na aplicaccedilatildeo de um juiacutezo corretivo nas

relaccedilotildees a serem estabelecidas entre os indiviacuteduos Na medida em que surgem conflitos de direito

agrave justiccedila corretiva eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de corrigir este conflito de modo que se retorne o status

quo Eacute ela ldquo[] o intermediaacuterio entre a perda e o ganhordquo Desse modo ela previne os cidadatildeos de

serem lesados nos seus direitos

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A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

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- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 3: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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cultura ao desporto aos espectaacuteculos e divertimentos puacuteblicos) a referecircncia agrave prosperidade

econoacutemica da cidade e agrave sua abertura do exterior a ideia de que qualquer paiacutes mesmo

democraacutetico carece de poderio militar para conseguir defender-se com ecircxito dos seus inimigos a

defesa inteligente da ideia de uma sociedade democraacutetica (aberta tolerante organizada civilmente

e respeitadora do indiviacuteduo) em contrato permanente com o modelo oposto de uma sociedade

totalitaacuteria (fechada intolerante militarizada e colectivista) e enfim o elogio dos que aceitam

morrer pela Paacutetria e a exortaccedilatildeo aos vivos para que saibam honrar o exemplo dos que tombaram

no cumprimento do dever

Heroacutedoto Foi um geoacutegrafo e historiador grego continuador de Hecateu de Mileto nascido no seacuteculo V aC (485ndash420 aC) em Halicarnasso (hoje Bodrum na Turquia) Revelou a histoacuteria da invasatildeo persa na Greacutecia Foi o grande escritor da obra ldquoHistoacuteriasrdquo onde relata as guerras meacutedicas entre gregos e persas que eacute classificada em 9 livros O pensamento de Heroacutedoto Heroacutedoto representa sem duacutevida o espiacuterito antigo Muito se tem insistido sobre seu paralelo (e amizade) com Soacutefocles mas a dualidade teoloacutegica e humana que se encontra em sua obra possui maior semelhanccedila com o trabalho de Eacutesquilo A dupla motivaccedilatildeo factual da trageacutedia neste autor (responsabilidade humana e causalidade divina) natildeo eacute diferente da posiccedilatildeo de Heroacutedoto para quem (I 32 1) ldquoa divindade eacute em todos as ordens invejosa e causa de perturbaccedilatildeordquo Mas ao mesmo tempo aparece uma tendecircncia que busca no homem mesmo a causa do seu destino Tem-se um plano sobrenatural que potildee em relevo a fragilidade do ser humano que eacute ldquotodo incertezardquo O destino portanto se converte numa forccedila preacute-moral que se impotildee de maneira inexoraacutevel Isto implica num pessimismo que eacute consubstanciado no pensamento grego O ser humano se sente sujeito agraves instabilidades e eacute impotente ante os desiacutegnios divinos Sem duacutevida o aparente dogmatismo da inveja dos deuses natildeo diminui a responsabilidade dos homens Os castigos que este sofre satildeo provocados diretamente na proporccedilatildeo da soberbia humana Quando um homem se encontra numa posiccedilatildeo de relevo que excede agraves suas possibilidades naturais tente a incorrer em soberbia e eacute culpado de crimes e sortileacutegios que atentam contra a estabilidade eacutetico-social Para se precaver das hostilidades divinas o homem deve praticar a justiccedila a piedade e a modeacutestia sem que como ocorre em Soacutefocles seja absolutamente seguro que isto baste para ter sucesso Eacute um posicionamento similar ao da trageacutedia da liacuterica e da eacutepica Esta atitude de Heroacutedoto dirigida pela moderaccedilatildeo determina seu pensamento poliacutetico obrigado a exilar-se de sua paacutetria por um regime tiracircnico abomina a tirania cuja essecircncia eacute a irresponsabilidade ante a lei e aos demais membros da comunidade mostra-se convencido dos benefiacutecios que representa a liberdade daiacute a sua admiraccedilatildeo por Atenas e justificaccedilatildeo de seu apogeu Liberdade face agrave subordinaccedilatildeo ndash este eacute o diferencial entre gregos e baacuterbaros

Otanes em defesa da DEMOCRACIA

Como conjurado este defendia que doravante nenhum dos trecircs devia reinar sozinho e antes de

expor as vantagens do governo da multidatildeo soberana (Democracia) critica a Monarquia que

acabava de cair Para ele esta devia ser rejeitada devido a

bull Arrogacircncia dos Magos que admite revolta dos suacutebditos

bull O governo natildeo pode ser bem organizado porque um homem sem contraditor faz o que lhe

apetece arrastando-se ao desregulamento do espiacuterito

bull Perverte o bom senso dos melhores

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bull O rei que dada a sua situaccedilatildeo privilegiada natildeo devia ter inveja alimenta ciuacutemes dos

grandes e dos nobres e aprecia os maus acolhe a caluacutenia e se os suacutebditos o admiram com

moderaccedilatildeo acha-se insuficientemente honrado e se o honram sem reservas acha-se objeto de

adulaccedilatildeo (bajulaccedilatildeo)

bull O priacutencipe muda os costumes dos antepassados condena os homens agrave morte sem

julgamento e violentas as mulheres

Por seu turno a Democracia porque governa a multidatildeo soberana tem como vantagens

bull Natildeo comporta freio (impedimento) e natildeo aceita limites

bull Caracteriza-se pela Isonomia (igualdade perante a lei) por isso natildeo permite excessos

bull A maioria atribui as resoluccedilotildees agrave comunidade e atribui as funccedilotildees puacuteblicas por sorteio

(eleiccedilotildees)

ii Megabizo em defesa da Oligarquia

Comeccedila por defender que natildeo se deve aprovar a tese que preconiza o poder da multidatildeo porque

natildeo obstante o poder popular permitir escapar agrave arrogacircncia de um monarca (critica a democracia)

bull A autoridade fica a mercecirc da insolecircncia (sem respeito atrevido) de um povo

ignorante e impulsivo [relaccedilatildeo entre a educaccedilatildeo e a cidadania]

bull O tirano sabe o que faz enquanto o povo natildeo sabe porque natildeo eacute instruiacutedo Assim eacute de

temer os danos poliacutetico-sociais tanto da falta de instruccedilatildeo como da forma impetuosa e

precipitada da manifestaccedilatildeo das paixotildees do povo

Portanto segundo ele a Monarquia e a Democracia estavam fora das opccedilotildees viaacuteveis e defende

a OLIGARQUIA e a oligocracia ou Aristocracia como a soluccedilatildeo cujas vantagens seriam

bull Eleiccedilatildeo de uma assembleia soberana dos melhores em que todos os conjurados fariam

parte diferente da monarquia que permite apenas a escola de apenas um entre eles

bull Com o poder atribuiacutedo a eles como indiviacuteduos nasceriam resoluccedilotildees salutares da

reuniatildeo dos seus saberes

iii Daacuterio em defesa da MONARQUIA

Comeccedila por aprovar os argumentos pro-aristocraacuteticos em relaccedilatildeo agrave sua critica agrave Democracia

mas natildeo aprova os argumentos que defendem a oligarquia Partindo da suposiccedilatildeo de que a

Democracia a Aristocracia e a Monarquia satildeo excelentes e satildeo aplicadas a um povo tambeacutem

excelente pergunta qual seria a melhor RESPONDE

bull Nada eacute preferiacutevel a um homem excelente no governo porque o monarca excelente eacute

prudente ou ponderado na administraccedilatildeo

bull Ele eacute o uacutenico depositaacuterio do segredo do Estado e conserva-o nas accedilotildees externas

bull A oligarquia eacute fraacutegil por os oligarcas se detestam e acabarem por se tornar rivais onde

cada um quer fazer triunfar a sua opiniatildeo por julgaacute-la a melhor cada um quer ser mais chefe o

que leva agrave competiccedilatildeo e oacutedios as suas discoacuterdias tornam-se puacuteblicas e transformam-se em

violecircncia e massacres levando agrave vitoacuteria de um e restauraccedilatildeo da Monarquia

bull Por outro lado na democracia eacute impossiacutevel impedir a maldade porque os homens maus

aliam-se para oprimir a comunidade deles acaba se erguendo um revolucionaacuterio para travar este

jogo este seraacute admirado e apoiado pela multidatildeo e levado ao poder tornando-se rei e

degenerando na tirania

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CONCLUSOtildeES

bull A croacutenica de Heroacutedoto configura a teoria de evoluccedilatildeo ciacuteclica por degeneraccedilatildeo dos

regimes poliacuteticos mais tarde retomada e aprofundada por Aristoacuteteles

bull Natildeo obstante o argumento geral da croacutenica tender a favorecer os regimes elitistas ficou

patente que natildeo existe o melhor regime pois todos tem limitaccedilotildees e virtudes a sua

aplicaccedilatildeo depende das condiccedilotildees materiais sociais culturais eacuteticas e morais concretas

de cada sociedade

Platatildeo

Embora tenha nascido em Atenas Platatildeo (seacuteculos V e IV aC de 429-347 aC) de famiacutelia nobre

descendia pelo lado materno de Soacutelon um dos fundadores da democracia ateniense Apresentou

forte simpatia por Esparta nomeadamente por ter presenciado o julgamento e assistido agrave morte de

Soacutecrates considerado por ele como ldquoo melhor e mais saacutebio dos homensrdquo Impulsionado pelo

sentimento de revolta comeccedilou a desprezar Atenas e foi viver para Esparta A obra de longe mais

importante de Platatildeo eacute a Politeia usualmente traduzida por A Repuacuteblica

Platatildeo foi o primeiro grande pensador a avanccedilar com o modelo daquilo que seria no seu entender

uma sociedade ideal atacando aqueles que considera serem os grandes males da sociedade do seu

tempo - a famiacutelia e a propriedade privada A Poliacutetica eacute pois para Platatildeo a arte de governar os

homens com o seu consentimento

Segundo Platatildeo o melhor governo eacute o da sabedoria da razatildeo da inteligecircncia O governo ideal eacute o

filoacutesofo toda a sua obra estaacute marcada pela defesa constante e vigorosa da entrega do poder ao

Rei-Filoacutesofo isto eacute ao rei que saiba tornar-se filoacutesofo ou ao filoacutesofo que consiga vir a ser rei

O poder para Platatildeo deve pertencer agravequeles que sabem aos mais instruiacutedos pelas ciecircncias

nomeadamente pela Poliacutetica e pela Filosofia Platatildeo considera que os poliacuteticos natildeo podem ser

moderados nem violentos Os moderados gostam de viver tranquilamente satildeo paciacuteficos em sua

casa e querem secirc-lo tambeacutem perante as potecircncias estrangeiras satildeo incapazes de combater ficam agrave

mercecirc de quem os atacar Os violentos tambeacutem natildeo servem porque sendo belicosos empurram o

paiacutes para a guerra suscitam inimigos e arruiacutenam a Paacutetria ou arrastam-na para a submissatildeo ao

estrangeiro O poliacutetico ideal eacute assim o Rei-Filoacutesofo tatildeo firme que natildeo violento

Para Platatildeo a Justiccedila deixa de ser uma virtude individual para ser um atributo do Estado ideal ndash O

Estado justo a sociedade justa um Estado que seja uno em vez de Estado dividido em dois

grupos inimigos ndash o dos pobres e o dos ricos Platatildeo com um conceito inteiramente novo de

Justiccedila que nada a ver tem a ver com a equidade nas relaccedilotildees particulares dos indiviacuteduos entre si

mas sim com a correcta ordenaccedilatildeo do Estado Pela Justiccedila o Estado impotildee aos indiviacuteduos a

profissatildeo e os cargos que devem desempenhar e natildeo deixa ningueacutem sair do lugar que lhe

compete no sistema do conjunto

A Cidade Ideal de Platatildeo assentava a sua teoria no estabelecimento de um paralelo entre a alma

individual e a Cidade esta deveraacute ser estrutura como aquela o eacute

Ora ndash diz o filoacutesofo ndash a alma humana tem 3 partes a primeira eacute a parte racional e corresponde ao

plano das ideias a segunda eacute a parte irasciacutevel que compreende os impulsos e afectos do ser

humano e a terceira eacute a parte sensual que integra as necessidades elementares do homem

A cade uma destas partes corresponde uma virtude ou qualidade principal Agrave primeira a

sabedoria Agrave segunda a coragem agrave terceira o desejo a submissatildeo da segunda e da terceira agrave razatildeo

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consiste na temperanccedila por fim a justiccedila eacute o ordenamento das outras 3 Ora bem a Cidade deveraacute

ter segundo Platatildeo a mesmo estrutura tripartida posto que a Cidade eacute como ldquoum homem em

ponto granderdquo (conceccedilatildeo antropomoacuterfica do Estado)

Assim haveraacute na Cidade ideal 3 classes

- a classe dos magistrados (governantes) corresponde agrave parte racional da alma deve actuar segundo

a razatildeo ou sabedoria e complete-lhe governar a Cidade

- a classe dos guardas (militares) corresponde agrave parte irasciacutevel da alma deve actuar segundo a

coragem e compete-lhe garantir a defesa e a seguranccedila da Cidade

- a classe dos produtores e artiacutefices em geral (trabalhadores) corresponde agrave parte sensual da alma

deve actuar segundo o desejo e compete-lhe assegurar o sustento material da Cidade

Propocircs a aboliccedilatildeo da propriedade privada (soacute para a classe dos guardas e eventualmente para a

dos magistrados) - pois entendia que o patrimoacutenio individual tornava as pessoas egoiacutestas

(ldquonenhum deles possuiraacute quaisquer bens proacuteprios a natildeo ser coisa de primeira

necessidadenenhum teraacute habitaccedilatildeo ou depoacutesito algum em que natildeo possa entrar quem quiserrdquo)

por fazer com que se preocupassem primeiramente com aquilo que lhes pertencia descurando

assim a preocupaccedilatildeo com o bem geral da cidade - do casamento e da famiacutelia tradicionalmente

concebida

Tornou-se favoraacutevel agrave igualdade entre os sexos numa sociedade que deveria direccionar os seus

elementos num objectivo comum evitando assim o egoiacutesmo das sociedades multifacetadas As

uniotildees teriam por base um sorteio organizado pelos governantesmagistrados e que seria em

determinadas alturas engenhosamente determinado pelos mesmos para que do resultado dessas

uniotildees emergisse um conjunto de pessoas dotadas de melhores caracteriacutesticas tendo em vista uma

espeacutecie de ldquoaprimoramento da raccedilardquo e por conseguinte mais um passo em frente no objectivo da

sociedade ideal As crianccedilas que nascessem deformadas ou fora do esquema por ele proposto

seriam abandonadas e deixadas agrave sua sorte ou ocultadas

Outro aspecto fundamental no pensamento platoacutenico foi a importacircncia dada agrave educaccedilatildeo Ele

propunha que as crianccedilas fossem retiradas agraves matildees aquando do seu nascimento e seriam

entregues a amas Ao longo da sua infacircncia seriam os magistrados a ficar encarregues de escolher

as faacutebulas para serem lidas pelas amas agraves crianccedilas Platatildeo defendia um modelo educativo que

privilegiasse um acompanhamento dedicado e constante agraves crianccedilas de forma a que se estudasse

o desenvolvimento das aptidotildees naturais das mesmas e para que os magistrados tivessem uma

ideia mais precisa das suas reais capacidades Para tal estariam previstas fases de ginaacutestica e de

muacutesica para que as crianccedilas experimentassem novas emoccedilotildees e mais tarde estaria prevista nova

fase mas que incidisse sobre as artes militares e as ciecircncias tendo em vista a integraccedilatildeo nas trecircs

classes sociais avanccediladas pelo filoacutesofo

Estaria entatildeo estabelecido que aos 30 anos aqueles que fossem os melhores de entre os guerreiros

seriam educados com base na arte do diaacutelogo e da filosofia com vista agrave magistratura que seria

atingida aos 50 anos de idade apoacutes serem superadas todas as provas Deste modo triunfaria no

entender de Platatildeo aquilo que ele designava como a sofiocracia o governo da sabedoria e o

melhor de entre os filoacutesofos seria considerado o ldquoRei-filoacutesofordquo

Platatildeo concebeu trecircs moldes de classes sociais tendo por base a ceacutelebre ldquoteoria dos metaisrdquo

segundo a qual cada pessoa possui na sua alma um metal colocado por Deus Nalgumas esse

metal seria o ferro ou o bronze e nesse caso a pessoa estaria destinada a pertencer agrave classe dos

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artesatildeosartiacutefices (seriam os trabalhadores cuja principal funccedilatildeo consistia em assegurar os bens e

o sustento da cidade) noutras pessoas seria a prata e pertenceriam portanto agrave classe dos

guardasmilitares (cuja funccedilatildeo seria a proteger e defender a cidade) e finalmente teriacuteamos um

restrito grupo de pessoas cuja alma seria caracterizada pelo ouro pertencendo tais elementos agrave

classe mais importante a dos magistradosgovernantes agrave qual as outras duas estariam

subordinadas (a funccedilatildeo dos governantes seria logicamente a de colocar a sabedoria ao serviccedilo do

governo da cidade)

A teoria dos metais seria um dos criteacuterios para seleccionar os cidadatildeos para as classes propostas

por Platatildeo todavia esse ldquometalrdquo seria apurado natildeo por hereditariedade mas pelo sistema

educacional imposto pelos magistrados que faria sobressair as inclinaccedilotildees naturais de cada um

Outro grande contributo de Platatildeo para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas prende-se com a sua

tipologia das formas de Governo O filoacutesofo projecta 5 modelos

- Monarquia - podia ser uma sofiocracia (descrita como a forma de Governo da Cidade Ideal

assente na sabedoria e exercida pelo Rei-filoacutesofo) ou uma tirania (e neste caso o poder absoluto

assentava num soacute homem de cariz violento e desprovido das luzes da filosofia)

- Oligarquia - podia ser uma timocracia (e nesse caso o poder estaria assente na classe dos guardas

acabando por se instalar o predomiacutenio da forccedila sobre a sabedoria) ou podia ser tambeacutem uma

plutocracia (descrita como o governo de uma minoria de ricos voltados para os seus interesses

pessoais)

- Um modelo democraacutetico embora apreciasse pouco a democracia pois entendia que as grandes

massas e multidotildees satildeo incapazes de no seu todo possuir a Razatildeo e a Sabedoria necessaacuterias para

o governo da cidade Considera que na democracia os sofistas transformavam os valores morais

conforme os seus apetitesinteresses impondo a sua superioridade fiacutesica intelectual e social

banindo os saacutebios do poder

Platatildeo considera que a melhor forma de governo eacute a monarquia sofiocraacutetica (a cargo do Rei-

Filoacutesofo ndash aquele que consegue olhar para a verdade absoluta promulgando leis sobre o belo

justo e o bem aquele que possui boa memoacuteria e facilidade de aprendizagem dotado de

superioridade e amabilidade amigo e aderente da verdade justiccedila coragem e temperanccedila) e que a

pior eacute a tirania A democracia quanto a ele eacute melhor que a tirania ndash pois o governo da multidatildeo eacute

incapaz de gerar um grande mal - mas eacute pior que a monarquia sofiocraacutetica ndash pois o governo da

multidatildeo eacute incapaz de gerar um grande bem

Entregue a um Rei-Filoacutesofo a sofiocracia seria noutras palavras ldquoo governo de uma soacute pessoa

com o maacuteximo de conhecimentordquo na arte de governar

Para ele o governante ideal estaacute acima da lei e natildeo soacute pode como deve ignoraacute-la ou afastaacute-la

sempre que no seu criteacuterio o interesse superior da colectividade assim o exija o estadista deve

forccedilar os cidadatildeos a ir contra o disposto nos seus coacutedigos e tradiccedilotildees se no interesse deles isso for

melhor do que acatar as leis

Platatildeo natildeo quer o governo das leis mas antes o governo de um homem sobre os demais homens

Platatildeo preconiza para a sua Cidade ideal um regime geral de relaccedilotildees entre governantes e

governados assente no comando autoritaacuterio dos primeiros e na obediecircncia cega dos segundos

No entender de Platatildeo as formas de governo natildeo satildeo imutaacuteveis na medida em que evoluiriam

consoante as circunstacircncias Ele daacute inclusivamente como assente uma espeacutecie de ciclo (A sucessatildeo

ciacuteclica das formas de governo) em termos governamentais que se iniciaria com a sofiocracia

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passaria para a timocracia e posteriormente agrave oligarquia dando esta lugar agrave democracia e o

governo democraacutetico devido agraves suas vicissitudes culminaria numa tirania A tirania seria uma

espeacutecie de culminar esta espeacutecie de ciclo governamental dando origem a novo ciclo que se

iniciaria novamente com a sofiocracia

Aristoacuteteles

Aristoacuteteles nasce (seacutec IV aC de 384-322 aC) na cidade de Estagira na Macedoacutenia por isso ficaraacute

a ser conhecido como o Estagirita

Aristoacuteteles eacute partidaacuterio do bom senso do equiliacutebrio da moderaccedilatildeo ndash isto eacute em sentido grego da

virtude Para ele o ideal a atingir natildeo eacute a Cidade justa mas sim o bom cidadatildeo o cidadatildeo

virtuoso o cidadatildeo justo orientado para a felicidade por um Estado eacutetico e tutelar

A poliacutetica aristoteacutelica eacute essencialmente unida agrave moral porque o fim uacuteltimo do estado eacute a virtude

isto eacute a formaccedilatildeo moral dos cidadatildeos e o conjunto dos meios necessaacuterios para isso O estado eacute um

organismo moral condiccedilatildeo e complemento da atividade moral individual e fundamento primeiro

da suprema atividade contemplativa

Na filosofia aristoteacutelica a poliacutetica eacute um desdobramento natural da eacutetica Ambas na verdade

compotildeem a unidade do que Aristoacuteteles designava filosofia praacutetica Se a eacutetica estaacute preocupada com

a felicidade individual do homem a poliacutetica preocupa-se com a felicidade coletiva da Poacutelis Desse

modo a tarefa da poliacutetica eacute investigar e descobrir quais satildeo as formas de governo e as instituiccedilotildees

capazes de assegurar a felicidade coletiva

O estado entatildeo eacute superior ao indiviacuteduo porquanto a coletividade eacute superior ao indiviacuteduo o bem

comum superior ao bem particular Unicamente no estado efetua-se a satisfaccedilatildeo de todas as

necessidades pois o homem sendo naturalmente animal social poliacutetico natildeo pode realizar a sua

perfeiccedilatildeo sem a sociedade do estado

No livro P O L Iacute T I C A Aristoacuteteles inicia a sua reflexatildeo filosoacutefica mostrando que a cidade eacute

uma comunidade poliacutetica eacute uma criaccedilatildeo natural e que o homem eacute por natureza um animal

socialhellip Todavia por ser dotado de inteligecircncia e vontade o homem necessita de normas que

regulamentem a sua conduta dentro da comunidade Assinala Aristoacuteteles que efetivamente o

homem quando perfeito eacute o melhor dos animais mas eacute tambeacutem o pior de todos quando

afastado da lei e da justiccedila pois a injusticcedila eacute mais perniciosa quando armada e o homem nasce

dotado de armas para serem usadas pela inteligecircncia e pelo talento mas podem secirc-lo em

sentido inteiramente oposto () a justiccedila eacute a base da sociedade sua aplicaccedilatildeo assegura a ordem

na comunidade social por ser o meio de determinar o que eacute justo Apoacutes criticar vaacuterios aspetos

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da filosofia poliacutetica de Platatildeo o Estagirita analisa diversas constituiccedilotildees de Cidades-Estado

visando encontrar elementos para a melhor forma de governo

Considerando que a POLIS (isto eacute a Cidade-Estado) existe para promover o bem-comum

Aristoacuteteles analisou as diversas formas de governo existentes na sua eacutepoca Assim diz ele

() as constituiccedilotildees cujo objetivo eacute o bem-comum satildeo corretamente estruturadas de

conformidade com os princiacutepios essenciais da justiccedila enquanto as que visam apenas ao bem

dos proacuteprios governantes satildeo todas defeituosas e constituem desvios das constituiccedilotildees corretas

de fato elas passam a ser despoacuteticas enquanto a cidade deve ser uma comunidade de homens

livres

Aristoacuteteles defende o primado da lei sobre a vontade dos homens Para ele a regra geral eacute a do

respeito pela lei a da observacircncia da legalidade e igualdade a do sistema das leis objectivas e

impessoais acima da vontade do capricho e da discricionariedade dos homens Haacute pois neste

sistema toda a possibilidade de atender agraves circunstacircncias particulares de cada caso seraacute essa a

tarefa dos oacutergatildeos executores da lei por delegaccedilatildeo dela e dentro dos limites por ela definidos Ou

seja ldquoo primado da lei eacute preferiacutevel ao governo livre de qualquer cidadatildeordquo pois ldquoa lei eacute a razatildeo

sem o apetiterdquo ao passo que o poder pessoal eacute o domiacutenio das paixotildees incontrolaacuteveis subjectivo e

arbitraacuterio

Para Aristoacuteteles o regime legiacutetimo ou ldquobomrdquo eacute aquele que tem por fim o bem comum e que eacute

conforme agrave justiccedila ao inveacutes daqueles que apenas soacute tendem para o benefiacutecio particular de alguns

Assim o Estagirita apresenta uma classificaccedilatildeo de regimes poliacuteticos agrupados em regimes satildeos

(monarquia aristocracia e a repuacuteblica) e regimes degenerados (tirania oligarquia e democracia)

- Entre as monarquias daacute-se o nome de realeza aquela que tem por fim o interesse geral

- O governo de um pequeno nuacutemero de homens ou de vaacuterios mas natildeo de um soacute chama-se

aristocracia porque eles o exercem para o maior bem do Estado e de todos os membros da

sociedade

- Quando a multidatildeo governa no sentido do interesse geral chama-se repuacuteblica

Os governos que constituem desvio ou degeneraccedilotildees satildeo

- em relaccedilatildeo agrave realeza a tirania ndash monarquia governada no interesse exclusivo do monarca

- em relaccedilatildeo agrave aristocracia a oligarquia ndash dirigida unicamente no interesse dos ricos

- em relaccedilatildeo agrave repuacuteblica a democracia ndash somente no interesse dos pobres

A Monarquia desvirtuada transforma em Tirania onde a vontade de um sempre prevaleceraacute

contra a ordem juriacutedica vigente Quando a Aristocracia eacute degenerada aparece a Oligarquia nesse

contexto o poder estaraacute nas matildeos dos possuidores de riqueza

A uacuteltima forma desvirtuada seraacute a Democracia na traduccedilatildeo literal de Aristoacuteteles ou a Demagogia

na visatildeo de Bonavides e Azambuja Esta seraacute exercida pelas populaccedilotildees ldquorudes ignaras e

despoacuteticasrdquo ou ldquoo poder eacute exercido pelos que natildeo possuem muitos bens ou seja pelos pobresrdquo

Eacute importante observar que para Aristoacuteteles quando alguma classe social toma o poder para si

exercendo despoticamente estaraacute em um contexto de forma impura de governo

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Ao definir a melhor forma de governo Aristoacuteteles aplica agrave poliacutetica o princiacutepio da medianidade

que ele expocircs no livro Eacutetica a Nicocircmaco

Na sua individualidade o homem ao agir procura conquistar a felicidade Ora a funccedilatildeo

preciacutepua de todo governo eacute proporcionar a realizaccedilatildeo da felicidade coletiva que ele chama de

bem comum Este soacute se realiza na forma de governo que se baseia no princiacutepio do meio-termo

No livro II da Eacutetica a Nicocircmaco o Estagirita expotildee o princiacutepio do meio-termo da seguinte

forma

Em tudo que eacute contiacutenuo e divisiacutevel pode-se tomar mais menos ou uma quantidade igual e isso

quer em termos da proacutepria coisa quer relativamente a noacutes e o igual eacute um meio-termo entre o

excesso e a falta Por meio-termo no objeto entendo aquilo que eacute equidistante de ambos os

extremos e que eacute um soacute e o mesmo para todos os homens e por meio-termo relativamente a

noacutes o que natildeo eacute nem demasiado nem demasiadamente pouco - e este natildeo eacute um soacute e o mesmo

para todos

Diz o citado autor que a virtude eacute uma mediana Por conseguinte tanto na vida individual

quanto na vida coletiva a virtude estaacute na moderaccedilatildeo no equiliacutebrio que manteacutem as coisas

equidistantes dos extremos ora de excesso ora de carecircncia Se os extremos satildeo prejudiciais aos

indiviacuteduos da mesma forma seratildeo nocivos agrave sociedade

Ao aplicar o princiacutepio da medianidade agrave poliacutetica o Estagirita encontrou a melhor forma de

governo naquela constituiccedilatildeo que mistura elementos democraacuteticos com elementos oligaacuterquicos

Desta forma satildeo evitados os extremos de riqueza e os extremos de pobreza

Assim para Aristoacuteteles a melhor forma de governo seria uma repuacuteblica (governo assente no poder

do grande nuacutemero exercido no interesse de todos os cidadatildeos) de caraacutecter misto contendo alguns

elementos de oligarquia (muitas instituiccedilotildees oligaacuterquicas tais como as magistraturas por eleiccedilatildeo) e

de democracia (muitas coisas populares tais como educaccedilatildeo e vestuaacuterio acessiacutevel a todos) e

apoiada no predomiacutenio das classes meacutedias

Tal como Platatildeo Aristoacuteteles tambeacutem emitiu a sua teoria sobre a sucessatildeo ciacuteclica das formas de

governo comeccedilaria na monarquia (o governo dos antigos) passaria para a aristocracia oligarquia

tirania de seguida a democracia e resultaria na repuacuteblica mista que resultaraacute tanto melhor quanto se

apoiar mais na classe meacutedia

Aristoacuteteles sobre as classes sociais defende o predomiacutenio das classes meacutedias pois a melhor forma

de governo a melhor espeacutecie de sociedade poliacutetica eacute a que for constituiacuteda em maioria por

cidadatildeos das classes meacutedias Defende que os que pertencem agrave classe meacutedia integram-se mais

harmoniosamente numa sociedade equilibrada e satilde pois a violecircncia (dos mais abastados) e a

intriga (dos mais pobres) satildeo duas fontes iniquidades ldquoDe maneira que estes incapazes de

comandar (os mais pobres) natildeo sabem senatildeo mostrar uma submissatildeo servil e aqueles (os mais

ricos) incapazes de se submeter a qualquer poder legiacutetimo (desobediecircncia aos magistrados) natildeo

sabem senatildeo exercer uma autoridade despoacuteticardquo E assim ldquoos cidadatildeos de condiccedilatildeo meacutedia natildeo

empregam violecircncias nem intrigas porque natildeo ambicionam as magistraturasrdquo Assim Aristoacuteteles

conclui que a sociedade civil mais perfeita eacute aquela em que a condiccedilatildeo meacutedia eacute mais numerosa e

poderosa que as outras duas (ou pelo menos mais poderosa que cada uma das outras) pois

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quando ldquouns tecircm riquezas imensas e os outros natildeo tecircm nada daiacute resulta sempre ou a pior das

democracias ou uma oligarquia desenfreada ou uma tirania insuportaacutevelrdquo

O governo constitucional resultante da mistura de elementos democraacuteticos e oligaacuterquicos se

submete ao impeacuterio da lei e tem na justiccedila e na liberdade os princiacutepios basilares que devem

reger as relaccedilotildees dos cidadatildeos entre si e destes com o Estado

O homem feliz seraacute aquele que for capaz de dedicar a melhor parte da sua vida agrave contemplaccedilatildeo

filosoacutefica das verdades eternas mas sem desprezar por outro lado a vida activa assente numa

quantidade moderada de bens materiais e de sauacutede Mas para que os homens se tornem bons eacute

necessaacuterio que o governo e as leis do paiacutes sejam orientados para a consecuccedilatildeo do bem em suma

ldquoeacute atraveacutes das leis que noacutes podemos tornar-nos bonsrdquo A poliacutetica estaacute pois ao serviccedilo da moral as

leis devem conduzir agrave virtude do bom cidadatildeo e se possiacutevel ainda mais agrave virtude (suprema) do

homem de bem O Estado natildeo eacute portanto apenas um fenoacutemeno poliacutetico ou juriacutedico o Estado eacute e

deve ser um Estado eacutetico um fenoacutemeno moral e religioso

Aristoacuteteles critica o modelo da unicidade da Cidade de Platatildeo defendendo a superioridade do

pluralismo social e poliacutetico (a Cidade ao tornar-se mais una e ao ser reconduzida o mais possiacutevel agrave

unicidade acabaraacute por ser reduzida a uma famiacutelia e esta a um indiviacuteduo aniquilando a Cidade

que deve pressupor uma pluralidade

Aristoacuteteles defende a propriedade privada principalmente pelo sentimento de satisfaccedilatildeo de que

uma coisa nos pertence como coisa proacutepria O Estagirita argumenta que pela comunhatildeo de bens

mais problemas sociais advecircm pelo facto de existirem ldquomais frequentemente dissensotildees entre

aqueles que possuem coisas em comum do que entre aqueles cujas fortunas satildeo distintas e

separadasrdquo

Aristoacuteteles defende a famiacutelia ao exprimir a sua repugnacircncia (moral e social) por esse tipo de

sociedade onde seraacute praticamente ldquoimpossiacutevel que um pai diga meu filho ou que um filho diga

meu pairdquo O fundamento eacute de que ldquonada inspira menos interesse (ao Homem) do que uma coisa

cuja posse eacute comum a grande nuacutemero de pessoas porquanto se daacute uma grande importacircncia ao

que nos pertencerdquo Outro conjunto de consequecircncias da teoria de Platatildeo era a generalizaccedilatildeo dos

laccedilos familiares (ou seja inexistentes) e que provocaria ldquoassassinatos rixas e injuacuteriasrdquo bem como a

possiacutevel banalizaccedilatildeo de relaccedilotildees promiacutescuas tais como o incesto

Segundo Aristoacuteteles a famiacutelia compotildee-se de quatro elementos os filhos a mulher os bens os

escravos aleacutem naturalmente do chefe a que pertence a direccedilatildeo da famiacutelia Deve ele guiar os filhos

e as mulheres em razatildeo da imperfeiccedilatildeo destes No entanto para que a propriedade seja

produtora satildeo necessaacuterios instrumentos inanimados e animados estes uacuteltimos seriam os escravos

Aristoacuteteles natildeo nega a natureza humana ao escravo mas constata que na sociedade satildeo

necessaacuterios tambeacutem os trabalhos materiais que exigem indiviacuteduos particulares a que fica assim

tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma visto ser necessaacuterio para

tanto tempo e liberdade bem como aptas qualidades espirituais excluiacutedas pelas proacuteprias

caracteriacutesticas qualidades materiais de tais indiviacuteduos Daiacute a escravidatildeo

O estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social poliacutetico O estado

provecirc inicialmente a satisfaccedilatildeo daquelas necessidades materiais negativas e positivas defesa e

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seguranccedila conservaccedilatildeo e engrandecimento de outro modo irrealizaacuteveis Mas o seu fim essencial eacute

espiritual isto eacute deve promover a virtude e consequentemente a felicidade dos suacutebditos

mediante a ciecircncia

Compreende-se entatildeo como seja tarefa essencial do estado a educaccedilatildeo que deve desenvolver

harmocircnica e hierarquicamente todas as faculdades antes de tudo as espirituais intelectuais e

subordinadamente as materiais fiacutesicas O fim da educaccedilatildeo eacute formar homens mediante as artes

liberais importantiacutessimas a poesia e a muacutesica e natildeo maacutequinas mediante um treinamento

profissional Eis porque Aristoacuteteles como Platatildeo condena o estado que ao inveacutes de se preocupar

com uma paciacutefica educaccedilatildeo cientiacutefica e moral visa a conquista e a guerra E critica dessa forma a

educaccedilatildeo militar de Esparta que faz da guerra a tarefa preciacutepua do estado e potildee a conquista

acima da virtude enquanto a guerra como o trabalho satildeo apenas meios para a paz e o lazer

sapiente

O Estado deve promover a famiacutelia e a educaccedilatildeo legislando sobre as mesmas

Conveacutem fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos e o dos homens nos trinta e sete ou

pouco menos Assim a uniatildeo seraacute feita no momento do maacuteximo vigor e os dois esposos teratildeo um

tempo pouco mais ou menos igual para educar a famiacutelia ateacute que cessem a ser proacuteprios agrave

procriaccedilatildeo

Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar deve haver uma lei que

proiacuteba alimentar toda a crianccedila disforme Sobre o nuacutemero dos filhos (porque o nuacutemero dos

nascimentos deve sempre ser limitado) se os costumes natildeo permitem que os abandonem e se

alguns casamentos satildeo tatildeo fecundos que ultrapassem o limite fixado de nascimentos eacute preciso

provocar o aborto antes que o feto receba animaccedilatildeo e a vida com efeito soacute pela animaccedilatildeo e vida

se poderaacute determinar se existe crime

Como jaacute mencionado o cidadatildeo deve ir em busca das virtudes da justiccedila e do fim uacuteltimo a

liberdadehellip mas haacute muitos conceitos por redescobrir

O que eacute Justiccedila

Todos os homens entendem por justiccedila aquela disposiccedilatildeo de caraacuteter que torna as pessoas

propensas a fazer o que eacute justo que as faz agir justamente e desejar o que eacute justo e do mesmo

modo por injusticcedila se entende a disposiccedilatildeo que as leva a agir injustamente e a desejar o que eacute

injusto

O homem Justo Eacute aquele que respeita e lei e a igualdade Escolhe sempre os maiores bens

(virtude e felicidade) em detrimento dos menores (riquezas e prazeres) As leis tecircm em mira a

vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detecircm o poder de modo

que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a

sociedade poliacutetica a felicidade e os elementos que a compotildeem Na justiccedila estatildeo compreendidas

todas as virtudes E ela eacute a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exerciacutecio atual

da virtude completa Eacute completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude natildeo soacute

sobre si mesmo mas tambeacutem sobre o seu proacuteximo

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O pior dos homens eacute aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com

os seus amigos e o melhor natildeo eacute o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com

um outro

A justiccedila seraacute entatildeo uma praacutetica efetiva de excelecircncia moral

A Injusticcedila Eacute necessaacuterio falar sobre injusticcedila para se compreender bem o que eacute a proacutepria justiccedila

Ideia de grega de apresentar sempre o conceito e a negaccedilatildeo deste ldquoQuando se conhece a boa

condiccedilatildeo a maacute tambeacutem se torna manifestardquo

O que eacute a Injusticcedila Se justiccedila eacute a justa medida o meio termo entre o excesso e a falta a injusticcedila eacute

tudo aquilo que viola esta proporccedilatildeo Injusticcedila=desequiliacutebrio=extremos

Causas da injusticcedila Maldades ganacircncia paixotildees ignoracircncia e desobediecircncia

O Homem injusto ldquoConsidera-se injusto o homem que viola a lei aquele que agindo pela avidez

toma mais do que lhe eacute devido Tambeacutem aquele que viola a igualdade (tomando no que diz

respeito as coisas maacutes menos do que a sua parte)rdquo

ldquoO Homem que age injustamente tem em excesso enquanto o que eacute injusticcedilado recebe pouco do

que eacute bom No caso das coisas maacutes eacute o contraacuterio

Justiccedila e Felicidade Todos os atos legiacutetimos satildeo justos e como tais produzem e preservam a

felicidade A eacutetica aristoteacutelica pressupotildee que as accedilotildees praticadas sejam orientadas para o bem

coletivo e a felicidade geral pelo que o conhecimento deve ser levado agrave praacutetica em benefiacutecio de

todos os cidadatildeos Aristoacuteteles aponta sempre para a necessidade de se pensar o coletivo acima do

particular sem contudo defender que os interesses particulares natildeo devam ser defendidos e

respeitados

Aristoacuteteles descreveu dois tipos de justiccedila

Justiccedila Universal Exerciacutecio de todas as virtudes fazer o que eacute certo em sentido amplo o que eacute

bom

Justiccedila Particular Refere-se agrave distribuiccedilatildeo de honras e bens na vida social dizendo respeito agraves

relaccedilotildees interpessoais este tipo de justiccedila manifesta-se pela observacircncia da lei e da igualdade

Justiccedila distributiva O justo deve ser ao mesmo tempo intermediaacuterio igual e relativo E a mesma

igualdade observar-se-aacute entre as pessoas e entre as coisas envolvidas segue-se o brocardo de que

as distribuiccedilotildees devem ser feitas de acordo com o meacuterito pois todos admitem que a distribuiccedilatildeo

justa deve recordar com o meacuterito se bem que nem todos especifiquem a mesma espeacutecie de meacuterito

O justo eacute pois uma espeacutecie de termo proporcional O injusto eacute o que viola a proporccedilatildeo

Justiccedila Corretiva O justo particular corretivo consiste na aplicaccedilatildeo de um juiacutezo corretivo nas

relaccedilotildees a serem estabelecidas entre os indiviacuteduos Na medida em que surgem conflitos de direito

agrave justiccedila corretiva eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de corrigir este conflito de modo que se retorne o status

quo Eacute ela ldquo[] o intermediaacuterio entre a perda e o ganhordquo Desse modo ela previne os cidadatildeos de

serem lesados nos seus direitos

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A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

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- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 4: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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bull O rei que dada a sua situaccedilatildeo privilegiada natildeo devia ter inveja alimenta ciuacutemes dos

grandes e dos nobres e aprecia os maus acolhe a caluacutenia e se os suacutebditos o admiram com

moderaccedilatildeo acha-se insuficientemente honrado e se o honram sem reservas acha-se objeto de

adulaccedilatildeo (bajulaccedilatildeo)

bull O priacutencipe muda os costumes dos antepassados condena os homens agrave morte sem

julgamento e violentas as mulheres

Por seu turno a Democracia porque governa a multidatildeo soberana tem como vantagens

bull Natildeo comporta freio (impedimento) e natildeo aceita limites

bull Caracteriza-se pela Isonomia (igualdade perante a lei) por isso natildeo permite excessos

bull A maioria atribui as resoluccedilotildees agrave comunidade e atribui as funccedilotildees puacuteblicas por sorteio

(eleiccedilotildees)

ii Megabizo em defesa da Oligarquia

Comeccedila por defender que natildeo se deve aprovar a tese que preconiza o poder da multidatildeo porque

natildeo obstante o poder popular permitir escapar agrave arrogacircncia de um monarca (critica a democracia)

bull A autoridade fica a mercecirc da insolecircncia (sem respeito atrevido) de um povo

ignorante e impulsivo [relaccedilatildeo entre a educaccedilatildeo e a cidadania]

bull O tirano sabe o que faz enquanto o povo natildeo sabe porque natildeo eacute instruiacutedo Assim eacute de

temer os danos poliacutetico-sociais tanto da falta de instruccedilatildeo como da forma impetuosa e

precipitada da manifestaccedilatildeo das paixotildees do povo

Portanto segundo ele a Monarquia e a Democracia estavam fora das opccedilotildees viaacuteveis e defende

a OLIGARQUIA e a oligocracia ou Aristocracia como a soluccedilatildeo cujas vantagens seriam

bull Eleiccedilatildeo de uma assembleia soberana dos melhores em que todos os conjurados fariam

parte diferente da monarquia que permite apenas a escola de apenas um entre eles

bull Com o poder atribuiacutedo a eles como indiviacuteduos nasceriam resoluccedilotildees salutares da

reuniatildeo dos seus saberes

iii Daacuterio em defesa da MONARQUIA

Comeccedila por aprovar os argumentos pro-aristocraacuteticos em relaccedilatildeo agrave sua critica agrave Democracia

mas natildeo aprova os argumentos que defendem a oligarquia Partindo da suposiccedilatildeo de que a

Democracia a Aristocracia e a Monarquia satildeo excelentes e satildeo aplicadas a um povo tambeacutem

excelente pergunta qual seria a melhor RESPONDE

bull Nada eacute preferiacutevel a um homem excelente no governo porque o monarca excelente eacute

prudente ou ponderado na administraccedilatildeo

bull Ele eacute o uacutenico depositaacuterio do segredo do Estado e conserva-o nas accedilotildees externas

bull A oligarquia eacute fraacutegil por os oligarcas se detestam e acabarem por se tornar rivais onde

cada um quer fazer triunfar a sua opiniatildeo por julgaacute-la a melhor cada um quer ser mais chefe o

que leva agrave competiccedilatildeo e oacutedios as suas discoacuterdias tornam-se puacuteblicas e transformam-se em

violecircncia e massacres levando agrave vitoacuteria de um e restauraccedilatildeo da Monarquia

bull Por outro lado na democracia eacute impossiacutevel impedir a maldade porque os homens maus

aliam-se para oprimir a comunidade deles acaba se erguendo um revolucionaacuterio para travar este

jogo este seraacute admirado e apoiado pela multidatildeo e levado ao poder tornando-se rei e

degenerando na tirania

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CONCLUSOtildeES

bull A croacutenica de Heroacutedoto configura a teoria de evoluccedilatildeo ciacuteclica por degeneraccedilatildeo dos

regimes poliacuteticos mais tarde retomada e aprofundada por Aristoacuteteles

bull Natildeo obstante o argumento geral da croacutenica tender a favorecer os regimes elitistas ficou

patente que natildeo existe o melhor regime pois todos tem limitaccedilotildees e virtudes a sua

aplicaccedilatildeo depende das condiccedilotildees materiais sociais culturais eacuteticas e morais concretas

de cada sociedade

Platatildeo

Embora tenha nascido em Atenas Platatildeo (seacuteculos V e IV aC de 429-347 aC) de famiacutelia nobre

descendia pelo lado materno de Soacutelon um dos fundadores da democracia ateniense Apresentou

forte simpatia por Esparta nomeadamente por ter presenciado o julgamento e assistido agrave morte de

Soacutecrates considerado por ele como ldquoo melhor e mais saacutebio dos homensrdquo Impulsionado pelo

sentimento de revolta comeccedilou a desprezar Atenas e foi viver para Esparta A obra de longe mais

importante de Platatildeo eacute a Politeia usualmente traduzida por A Repuacuteblica

Platatildeo foi o primeiro grande pensador a avanccedilar com o modelo daquilo que seria no seu entender

uma sociedade ideal atacando aqueles que considera serem os grandes males da sociedade do seu

tempo - a famiacutelia e a propriedade privada A Poliacutetica eacute pois para Platatildeo a arte de governar os

homens com o seu consentimento

Segundo Platatildeo o melhor governo eacute o da sabedoria da razatildeo da inteligecircncia O governo ideal eacute o

filoacutesofo toda a sua obra estaacute marcada pela defesa constante e vigorosa da entrega do poder ao

Rei-Filoacutesofo isto eacute ao rei que saiba tornar-se filoacutesofo ou ao filoacutesofo que consiga vir a ser rei

O poder para Platatildeo deve pertencer agravequeles que sabem aos mais instruiacutedos pelas ciecircncias

nomeadamente pela Poliacutetica e pela Filosofia Platatildeo considera que os poliacuteticos natildeo podem ser

moderados nem violentos Os moderados gostam de viver tranquilamente satildeo paciacuteficos em sua

casa e querem secirc-lo tambeacutem perante as potecircncias estrangeiras satildeo incapazes de combater ficam agrave

mercecirc de quem os atacar Os violentos tambeacutem natildeo servem porque sendo belicosos empurram o

paiacutes para a guerra suscitam inimigos e arruiacutenam a Paacutetria ou arrastam-na para a submissatildeo ao

estrangeiro O poliacutetico ideal eacute assim o Rei-Filoacutesofo tatildeo firme que natildeo violento

Para Platatildeo a Justiccedila deixa de ser uma virtude individual para ser um atributo do Estado ideal ndash O

Estado justo a sociedade justa um Estado que seja uno em vez de Estado dividido em dois

grupos inimigos ndash o dos pobres e o dos ricos Platatildeo com um conceito inteiramente novo de

Justiccedila que nada a ver tem a ver com a equidade nas relaccedilotildees particulares dos indiviacuteduos entre si

mas sim com a correcta ordenaccedilatildeo do Estado Pela Justiccedila o Estado impotildee aos indiviacuteduos a

profissatildeo e os cargos que devem desempenhar e natildeo deixa ningueacutem sair do lugar que lhe

compete no sistema do conjunto

A Cidade Ideal de Platatildeo assentava a sua teoria no estabelecimento de um paralelo entre a alma

individual e a Cidade esta deveraacute ser estrutura como aquela o eacute

Ora ndash diz o filoacutesofo ndash a alma humana tem 3 partes a primeira eacute a parte racional e corresponde ao

plano das ideias a segunda eacute a parte irasciacutevel que compreende os impulsos e afectos do ser

humano e a terceira eacute a parte sensual que integra as necessidades elementares do homem

A cade uma destas partes corresponde uma virtude ou qualidade principal Agrave primeira a

sabedoria Agrave segunda a coragem agrave terceira o desejo a submissatildeo da segunda e da terceira agrave razatildeo

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consiste na temperanccedila por fim a justiccedila eacute o ordenamento das outras 3 Ora bem a Cidade deveraacute

ter segundo Platatildeo a mesmo estrutura tripartida posto que a Cidade eacute como ldquoum homem em

ponto granderdquo (conceccedilatildeo antropomoacuterfica do Estado)

Assim haveraacute na Cidade ideal 3 classes

- a classe dos magistrados (governantes) corresponde agrave parte racional da alma deve actuar segundo

a razatildeo ou sabedoria e complete-lhe governar a Cidade

- a classe dos guardas (militares) corresponde agrave parte irasciacutevel da alma deve actuar segundo a

coragem e compete-lhe garantir a defesa e a seguranccedila da Cidade

- a classe dos produtores e artiacutefices em geral (trabalhadores) corresponde agrave parte sensual da alma

deve actuar segundo o desejo e compete-lhe assegurar o sustento material da Cidade

Propocircs a aboliccedilatildeo da propriedade privada (soacute para a classe dos guardas e eventualmente para a

dos magistrados) - pois entendia que o patrimoacutenio individual tornava as pessoas egoiacutestas

(ldquonenhum deles possuiraacute quaisquer bens proacuteprios a natildeo ser coisa de primeira

necessidadenenhum teraacute habitaccedilatildeo ou depoacutesito algum em que natildeo possa entrar quem quiserrdquo)

por fazer com que se preocupassem primeiramente com aquilo que lhes pertencia descurando

assim a preocupaccedilatildeo com o bem geral da cidade - do casamento e da famiacutelia tradicionalmente

concebida

Tornou-se favoraacutevel agrave igualdade entre os sexos numa sociedade que deveria direccionar os seus

elementos num objectivo comum evitando assim o egoiacutesmo das sociedades multifacetadas As

uniotildees teriam por base um sorteio organizado pelos governantesmagistrados e que seria em

determinadas alturas engenhosamente determinado pelos mesmos para que do resultado dessas

uniotildees emergisse um conjunto de pessoas dotadas de melhores caracteriacutesticas tendo em vista uma

espeacutecie de ldquoaprimoramento da raccedilardquo e por conseguinte mais um passo em frente no objectivo da

sociedade ideal As crianccedilas que nascessem deformadas ou fora do esquema por ele proposto

seriam abandonadas e deixadas agrave sua sorte ou ocultadas

Outro aspecto fundamental no pensamento platoacutenico foi a importacircncia dada agrave educaccedilatildeo Ele

propunha que as crianccedilas fossem retiradas agraves matildees aquando do seu nascimento e seriam

entregues a amas Ao longo da sua infacircncia seriam os magistrados a ficar encarregues de escolher

as faacutebulas para serem lidas pelas amas agraves crianccedilas Platatildeo defendia um modelo educativo que

privilegiasse um acompanhamento dedicado e constante agraves crianccedilas de forma a que se estudasse

o desenvolvimento das aptidotildees naturais das mesmas e para que os magistrados tivessem uma

ideia mais precisa das suas reais capacidades Para tal estariam previstas fases de ginaacutestica e de

muacutesica para que as crianccedilas experimentassem novas emoccedilotildees e mais tarde estaria prevista nova

fase mas que incidisse sobre as artes militares e as ciecircncias tendo em vista a integraccedilatildeo nas trecircs

classes sociais avanccediladas pelo filoacutesofo

Estaria entatildeo estabelecido que aos 30 anos aqueles que fossem os melhores de entre os guerreiros

seriam educados com base na arte do diaacutelogo e da filosofia com vista agrave magistratura que seria

atingida aos 50 anos de idade apoacutes serem superadas todas as provas Deste modo triunfaria no

entender de Platatildeo aquilo que ele designava como a sofiocracia o governo da sabedoria e o

melhor de entre os filoacutesofos seria considerado o ldquoRei-filoacutesofordquo

Platatildeo concebeu trecircs moldes de classes sociais tendo por base a ceacutelebre ldquoteoria dos metaisrdquo

segundo a qual cada pessoa possui na sua alma um metal colocado por Deus Nalgumas esse

metal seria o ferro ou o bronze e nesse caso a pessoa estaria destinada a pertencer agrave classe dos

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artesatildeosartiacutefices (seriam os trabalhadores cuja principal funccedilatildeo consistia em assegurar os bens e

o sustento da cidade) noutras pessoas seria a prata e pertenceriam portanto agrave classe dos

guardasmilitares (cuja funccedilatildeo seria a proteger e defender a cidade) e finalmente teriacuteamos um

restrito grupo de pessoas cuja alma seria caracterizada pelo ouro pertencendo tais elementos agrave

classe mais importante a dos magistradosgovernantes agrave qual as outras duas estariam

subordinadas (a funccedilatildeo dos governantes seria logicamente a de colocar a sabedoria ao serviccedilo do

governo da cidade)

A teoria dos metais seria um dos criteacuterios para seleccionar os cidadatildeos para as classes propostas

por Platatildeo todavia esse ldquometalrdquo seria apurado natildeo por hereditariedade mas pelo sistema

educacional imposto pelos magistrados que faria sobressair as inclinaccedilotildees naturais de cada um

Outro grande contributo de Platatildeo para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas prende-se com a sua

tipologia das formas de Governo O filoacutesofo projecta 5 modelos

- Monarquia - podia ser uma sofiocracia (descrita como a forma de Governo da Cidade Ideal

assente na sabedoria e exercida pelo Rei-filoacutesofo) ou uma tirania (e neste caso o poder absoluto

assentava num soacute homem de cariz violento e desprovido das luzes da filosofia)

- Oligarquia - podia ser uma timocracia (e nesse caso o poder estaria assente na classe dos guardas

acabando por se instalar o predomiacutenio da forccedila sobre a sabedoria) ou podia ser tambeacutem uma

plutocracia (descrita como o governo de uma minoria de ricos voltados para os seus interesses

pessoais)

- Um modelo democraacutetico embora apreciasse pouco a democracia pois entendia que as grandes

massas e multidotildees satildeo incapazes de no seu todo possuir a Razatildeo e a Sabedoria necessaacuterias para

o governo da cidade Considera que na democracia os sofistas transformavam os valores morais

conforme os seus apetitesinteresses impondo a sua superioridade fiacutesica intelectual e social

banindo os saacutebios do poder

Platatildeo considera que a melhor forma de governo eacute a monarquia sofiocraacutetica (a cargo do Rei-

Filoacutesofo ndash aquele que consegue olhar para a verdade absoluta promulgando leis sobre o belo

justo e o bem aquele que possui boa memoacuteria e facilidade de aprendizagem dotado de

superioridade e amabilidade amigo e aderente da verdade justiccedila coragem e temperanccedila) e que a

pior eacute a tirania A democracia quanto a ele eacute melhor que a tirania ndash pois o governo da multidatildeo eacute

incapaz de gerar um grande mal - mas eacute pior que a monarquia sofiocraacutetica ndash pois o governo da

multidatildeo eacute incapaz de gerar um grande bem

Entregue a um Rei-Filoacutesofo a sofiocracia seria noutras palavras ldquoo governo de uma soacute pessoa

com o maacuteximo de conhecimentordquo na arte de governar

Para ele o governante ideal estaacute acima da lei e natildeo soacute pode como deve ignoraacute-la ou afastaacute-la

sempre que no seu criteacuterio o interesse superior da colectividade assim o exija o estadista deve

forccedilar os cidadatildeos a ir contra o disposto nos seus coacutedigos e tradiccedilotildees se no interesse deles isso for

melhor do que acatar as leis

Platatildeo natildeo quer o governo das leis mas antes o governo de um homem sobre os demais homens

Platatildeo preconiza para a sua Cidade ideal um regime geral de relaccedilotildees entre governantes e

governados assente no comando autoritaacuterio dos primeiros e na obediecircncia cega dos segundos

No entender de Platatildeo as formas de governo natildeo satildeo imutaacuteveis na medida em que evoluiriam

consoante as circunstacircncias Ele daacute inclusivamente como assente uma espeacutecie de ciclo (A sucessatildeo

ciacuteclica das formas de governo) em termos governamentais que se iniciaria com a sofiocracia

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passaria para a timocracia e posteriormente agrave oligarquia dando esta lugar agrave democracia e o

governo democraacutetico devido agraves suas vicissitudes culminaria numa tirania A tirania seria uma

espeacutecie de culminar esta espeacutecie de ciclo governamental dando origem a novo ciclo que se

iniciaria novamente com a sofiocracia

Aristoacuteteles

Aristoacuteteles nasce (seacutec IV aC de 384-322 aC) na cidade de Estagira na Macedoacutenia por isso ficaraacute

a ser conhecido como o Estagirita

Aristoacuteteles eacute partidaacuterio do bom senso do equiliacutebrio da moderaccedilatildeo ndash isto eacute em sentido grego da

virtude Para ele o ideal a atingir natildeo eacute a Cidade justa mas sim o bom cidadatildeo o cidadatildeo

virtuoso o cidadatildeo justo orientado para a felicidade por um Estado eacutetico e tutelar

A poliacutetica aristoteacutelica eacute essencialmente unida agrave moral porque o fim uacuteltimo do estado eacute a virtude

isto eacute a formaccedilatildeo moral dos cidadatildeos e o conjunto dos meios necessaacuterios para isso O estado eacute um

organismo moral condiccedilatildeo e complemento da atividade moral individual e fundamento primeiro

da suprema atividade contemplativa

Na filosofia aristoteacutelica a poliacutetica eacute um desdobramento natural da eacutetica Ambas na verdade

compotildeem a unidade do que Aristoacuteteles designava filosofia praacutetica Se a eacutetica estaacute preocupada com

a felicidade individual do homem a poliacutetica preocupa-se com a felicidade coletiva da Poacutelis Desse

modo a tarefa da poliacutetica eacute investigar e descobrir quais satildeo as formas de governo e as instituiccedilotildees

capazes de assegurar a felicidade coletiva

O estado entatildeo eacute superior ao indiviacuteduo porquanto a coletividade eacute superior ao indiviacuteduo o bem

comum superior ao bem particular Unicamente no estado efetua-se a satisfaccedilatildeo de todas as

necessidades pois o homem sendo naturalmente animal social poliacutetico natildeo pode realizar a sua

perfeiccedilatildeo sem a sociedade do estado

No livro P O L Iacute T I C A Aristoacuteteles inicia a sua reflexatildeo filosoacutefica mostrando que a cidade eacute

uma comunidade poliacutetica eacute uma criaccedilatildeo natural e que o homem eacute por natureza um animal

socialhellip Todavia por ser dotado de inteligecircncia e vontade o homem necessita de normas que

regulamentem a sua conduta dentro da comunidade Assinala Aristoacuteteles que efetivamente o

homem quando perfeito eacute o melhor dos animais mas eacute tambeacutem o pior de todos quando

afastado da lei e da justiccedila pois a injusticcedila eacute mais perniciosa quando armada e o homem nasce

dotado de armas para serem usadas pela inteligecircncia e pelo talento mas podem secirc-lo em

sentido inteiramente oposto () a justiccedila eacute a base da sociedade sua aplicaccedilatildeo assegura a ordem

na comunidade social por ser o meio de determinar o que eacute justo Apoacutes criticar vaacuterios aspetos

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da filosofia poliacutetica de Platatildeo o Estagirita analisa diversas constituiccedilotildees de Cidades-Estado

visando encontrar elementos para a melhor forma de governo

Considerando que a POLIS (isto eacute a Cidade-Estado) existe para promover o bem-comum

Aristoacuteteles analisou as diversas formas de governo existentes na sua eacutepoca Assim diz ele

() as constituiccedilotildees cujo objetivo eacute o bem-comum satildeo corretamente estruturadas de

conformidade com os princiacutepios essenciais da justiccedila enquanto as que visam apenas ao bem

dos proacuteprios governantes satildeo todas defeituosas e constituem desvios das constituiccedilotildees corretas

de fato elas passam a ser despoacuteticas enquanto a cidade deve ser uma comunidade de homens

livres

Aristoacuteteles defende o primado da lei sobre a vontade dos homens Para ele a regra geral eacute a do

respeito pela lei a da observacircncia da legalidade e igualdade a do sistema das leis objectivas e

impessoais acima da vontade do capricho e da discricionariedade dos homens Haacute pois neste

sistema toda a possibilidade de atender agraves circunstacircncias particulares de cada caso seraacute essa a

tarefa dos oacutergatildeos executores da lei por delegaccedilatildeo dela e dentro dos limites por ela definidos Ou

seja ldquoo primado da lei eacute preferiacutevel ao governo livre de qualquer cidadatildeordquo pois ldquoa lei eacute a razatildeo

sem o apetiterdquo ao passo que o poder pessoal eacute o domiacutenio das paixotildees incontrolaacuteveis subjectivo e

arbitraacuterio

Para Aristoacuteteles o regime legiacutetimo ou ldquobomrdquo eacute aquele que tem por fim o bem comum e que eacute

conforme agrave justiccedila ao inveacutes daqueles que apenas soacute tendem para o benefiacutecio particular de alguns

Assim o Estagirita apresenta uma classificaccedilatildeo de regimes poliacuteticos agrupados em regimes satildeos

(monarquia aristocracia e a repuacuteblica) e regimes degenerados (tirania oligarquia e democracia)

- Entre as monarquias daacute-se o nome de realeza aquela que tem por fim o interesse geral

- O governo de um pequeno nuacutemero de homens ou de vaacuterios mas natildeo de um soacute chama-se

aristocracia porque eles o exercem para o maior bem do Estado e de todos os membros da

sociedade

- Quando a multidatildeo governa no sentido do interesse geral chama-se repuacuteblica

Os governos que constituem desvio ou degeneraccedilotildees satildeo

- em relaccedilatildeo agrave realeza a tirania ndash monarquia governada no interesse exclusivo do monarca

- em relaccedilatildeo agrave aristocracia a oligarquia ndash dirigida unicamente no interesse dos ricos

- em relaccedilatildeo agrave repuacuteblica a democracia ndash somente no interesse dos pobres

A Monarquia desvirtuada transforma em Tirania onde a vontade de um sempre prevaleceraacute

contra a ordem juriacutedica vigente Quando a Aristocracia eacute degenerada aparece a Oligarquia nesse

contexto o poder estaraacute nas matildeos dos possuidores de riqueza

A uacuteltima forma desvirtuada seraacute a Democracia na traduccedilatildeo literal de Aristoacuteteles ou a Demagogia

na visatildeo de Bonavides e Azambuja Esta seraacute exercida pelas populaccedilotildees ldquorudes ignaras e

despoacuteticasrdquo ou ldquoo poder eacute exercido pelos que natildeo possuem muitos bens ou seja pelos pobresrdquo

Eacute importante observar que para Aristoacuteteles quando alguma classe social toma o poder para si

exercendo despoticamente estaraacute em um contexto de forma impura de governo

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Ao definir a melhor forma de governo Aristoacuteteles aplica agrave poliacutetica o princiacutepio da medianidade

que ele expocircs no livro Eacutetica a Nicocircmaco

Na sua individualidade o homem ao agir procura conquistar a felicidade Ora a funccedilatildeo

preciacutepua de todo governo eacute proporcionar a realizaccedilatildeo da felicidade coletiva que ele chama de

bem comum Este soacute se realiza na forma de governo que se baseia no princiacutepio do meio-termo

No livro II da Eacutetica a Nicocircmaco o Estagirita expotildee o princiacutepio do meio-termo da seguinte

forma

Em tudo que eacute contiacutenuo e divisiacutevel pode-se tomar mais menos ou uma quantidade igual e isso

quer em termos da proacutepria coisa quer relativamente a noacutes e o igual eacute um meio-termo entre o

excesso e a falta Por meio-termo no objeto entendo aquilo que eacute equidistante de ambos os

extremos e que eacute um soacute e o mesmo para todos os homens e por meio-termo relativamente a

noacutes o que natildeo eacute nem demasiado nem demasiadamente pouco - e este natildeo eacute um soacute e o mesmo

para todos

Diz o citado autor que a virtude eacute uma mediana Por conseguinte tanto na vida individual

quanto na vida coletiva a virtude estaacute na moderaccedilatildeo no equiliacutebrio que manteacutem as coisas

equidistantes dos extremos ora de excesso ora de carecircncia Se os extremos satildeo prejudiciais aos

indiviacuteduos da mesma forma seratildeo nocivos agrave sociedade

Ao aplicar o princiacutepio da medianidade agrave poliacutetica o Estagirita encontrou a melhor forma de

governo naquela constituiccedilatildeo que mistura elementos democraacuteticos com elementos oligaacuterquicos

Desta forma satildeo evitados os extremos de riqueza e os extremos de pobreza

Assim para Aristoacuteteles a melhor forma de governo seria uma repuacuteblica (governo assente no poder

do grande nuacutemero exercido no interesse de todos os cidadatildeos) de caraacutecter misto contendo alguns

elementos de oligarquia (muitas instituiccedilotildees oligaacuterquicas tais como as magistraturas por eleiccedilatildeo) e

de democracia (muitas coisas populares tais como educaccedilatildeo e vestuaacuterio acessiacutevel a todos) e

apoiada no predomiacutenio das classes meacutedias

Tal como Platatildeo Aristoacuteteles tambeacutem emitiu a sua teoria sobre a sucessatildeo ciacuteclica das formas de

governo comeccedilaria na monarquia (o governo dos antigos) passaria para a aristocracia oligarquia

tirania de seguida a democracia e resultaria na repuacuteblica mista que resultaraacute tanto melhor quanto se

apoiar mais na classe meacutedia

Aristoacuteteles sobre as classes sociais defende o predomiacutenio das classes meacutedias pois a melhor forma

de governo a melhor espeacutecie de sociedade poliacutetica eacute a que for constituiacuteda em maioria por

cidadatildeos das classes meacutedias Defende que os que pertencem agrave classe meacutedia integram-se mais

harmoniosamente numa sociedade equilibrada e satilde pois a violecircncia (dos mais abastados) e a

intriga (dos mais pobres) satildeo duas fontes iniquidades ldquoDe maneira que estes incapazes de

comandar (os mais pobres) natildeo sabem senatildeo mostrar uma submissatildeo servil e aqueles (os mais

ricos) incapazes de se submeter a qualquer poder legiacutetimo (desobediecircncia aos magistrados) natildeo

sabem senatildeo exercer uma autoridade despoacuteticardquo E assim ldquoos cidadatildeos de condiccedilatildeo meacutedia natildeo

empregam violecircncias nem intrigas porque natildeo ambicionam as magistraturasrdquo Assim Aristoacuteteles

conclui que a sociedade civil mais perfeita eacute aquela em que a condiccedilatildeo meacutedia eacute mais numerosa e

poderosa que as outras duas (ou pelo menos mais poderosa que cada uma das outras) pois

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quando ldquouns tecircm riquezas imensas e os outros natildeo tecircm nada daiacute resulta sempre ou a pior das

democracias ou uma oligarquia desenfreada ou uma tirania insuportaacutevelrdquo

O governo constitucional resultante da mistura de elementos democraacuteticos e oligaacuterquicos se

submete ao impeacuterio da lei e tem na justiccedila e na liberdade os princiacutepios basilares que devem

reger as relaccedilotildees dos cidadatildeos entre si e destes com o Estado

O homem feliz seraacute aquele que for capaz de dedicar a melhor parte da sua vida agrave contemplaccedilatildeo

filosoacutefica das verdades eternas mas sem desprezar por outro lado a vida activa assente numa

quantidade moderada de bens materiais e de sauacutede Mas para que os homens se tornem bons eacute

necessaacuterio que o governo e as leis do paiacutes sejam orientados para a consecuccedilatildeo do bem em suma

ldquoeacute atraveacutes das leis que noacutes podemos tornar-nos bonsrdquo A poliacutetica estaacute pois ao serviccedilo da moral as

leis devem conduzir agrave virtude do bom cidadatildeo e se possiacutevel ainda mais agrave virtude (suprema) do

homem de bem O Estado natildeo eacute portanto apenas um fenoacutemeno poliacutetico ou juriacutedico o Estado eacute e

deve ser um Estado eacutetico um fenoacutemeno moral e religioso

Aristoacuteteles critica o modelo da unicidade da Cidade de Platatildeo defendendo a superioridade do

pluralismo social e poliacutetico (a Cidade ao tornar-se mais una e ao ser reconduzida o mais possiacutevel agrave

unicidade acabaraacute por ser reduzida a uma famiacutelia e esta a um indiviacuteduo aniquilando a Cidade

que deve pressupor uma pluralidade

Aristoacuteteles defende a propriedade privada principalmente pelo sentimento de satisfaccedilatildeo de que

uma coisa nos pertence como coisa proacutepria O Estagirita argumenta que pela comunhatildeo de bens

mais problemas sociais advecircm pelo facto de existirem ldquomais frequentemente dissensotildees entre

aqueles que possuem coisas em comum do que entre aqueles cujas fortunas satildeo distintas e

separadasrdquo

Aristoacuteteles defende a famiacutelia ao exprimir a sua repugnacircncia (moral e social) por esse tipo de

sociedade onde seraacute praticamente ldquoimpossiacutevel que um pai diga meu filho ou que um filho diga

meu pairdquo O fundamento eacute de que ldquonada inspira menos interesse (ao Homem) do que uma coisa

cuja posse eacute comum a grande nuacutemero de pessoas porquanto se daacute uma grande importacircncia ao

que nos pertencerdquo Outro conjunto de consequecircncias da teoria de Platatildeo era a generalizaccedilatildeo dos

laccedilos familiares (ou seja inexistentes) e que provocaria ldquoassassinatos rixas e injuacuteriasrdquo bem como a

possiacutevel banalizaccedilatildeo de relaccedilotildees promiacutescuas tais como o incesto

Segundo Aristoacuteteles a famiacutelia compotildee-se de quatro elementos os filhos a mulher os bens os

escravos aleacutem naturalmente do chefe a que pertence a direccedilatildeo da famiacutelia Deve ele guiar os filhos

e as mulheres em razatildeo da imperfeiccedilatildeo destes No entanto para que a propriedade seja

produtora satildeo necessaacuterios instrumentos inanimados e animados estes uacuteltimos seriam os escravos

Aristoacuteteles natildeo nega a natureza humana ao escravo mas constata que na sociedade satildeo

necessaacuterios tambeacutem os trabalhos materiais que exigem indiviacuteduos particulares a que fica assim

tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma visto ser necessaacuterio para

tanto tempo e liberdade bem como aptas qualidades espirituais excluiacutedas pelas proacuteprias

caracteriacutesticas qualidades materiais de tais indiviacuteduos Daiacute a escravidatildeo

O estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social poliacutetico O estado

provecirc inicialmente a satisfaccedilatildeo daquelas necessidades materiais negativas e positivas defesa e

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seguranccedila conservaccedilatildeo e engrandecimento de outro modo irrealizaacuteveis Mas o seu fim essencial eacute

espiritual isto eacute deve promover a virtude e consequentemente a felicidade dos suacutebditos

mediante a ciecircncia

Compreende-se entatildeo como seja tarefa essencial do estado a educaccedilatildeo que deve desenvolver

harmocircnica e hierarquicamente todas as faculdades antes de tudo as espirituais intelectuais e

subordinadamente as materiais fiacutesicas O fim da educaccedilatildeo eacute formar homens mediante as artes

liberais importantiacutessimas a poesia e a muacutesica e natildeo maacutequinas mediante um treinamento

profissional Eis porque Aristoacuteteles como Platatildeo condena o estado que ao inveacutes de se preocupar

com uma paciacutefica educaccedilatildeo cientiacutefica e moral visa a conquista e a guerra E critica dessa forma a

educaccedilatildeo militar de Esparta que faz da guerra a tarefa preciacutepua do estado e potildee a conquista

acima da virtude enquanto a guerra como o trabalho satildeo apenas meios para a paz e o lazer

sapiente

O Estado deve promover a famiacutelia e a educaccedilatildeo legislando sobre as mesmas

Conveacutem fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos e o dos homens nos trinta e sete ou

pouco menos Assim a uniatildeo seraacute feita no momento do maacuteximo vigor e os dois esposos teratildeo um

tempo pouco mais ou menos igual para educar a famiacutelia ateacute que cessem a ser proacuteprios agrave

procriaccedilatildeo

Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar deve haver uma lei que

proiacuteba alimentar toda a crianccedila disforme Sobre o nuacutemero dos filhos (porque o nuacutemero dos

nascimentos deve sempre ser limitado) se os costumes natildeo permitem que os abandonem e se

alguns casamentos satildeo tatildeo fecundos que ultrapassem o limite fixado de nascimentos eacute preciso

provocar o aborto antes que o feto receba animaccedilatildeo e a vida com efeito soacute pela animaccedilatildeo e vida

se poderaacute determinar se existe crime

Como jaacute mencionado o cidadatildeo deve ir em busca das virtudes da justiccedila e do fim uacuteltimo a

liberdadehellip mas haacute muitos conceitos por redescobrir

O que eacute Justiccedila

Todos os homens entendem por justiccedila aquela disposiccedilatildeo de caraacuteter que torna as pessoas

propensas a fazer o que eacute justo que as faz agir justamente e desejar o que eacute justo e do mesmo

modo por injusticcedila se entende a disposiccedilatildeo que as leva a agir injustamente e a desejar o que eacute

injusto

O homem Justo Eacute aquele que respeita e lei e a igualdade Escolhe sempre os maiores bens

(virtude e felicidade) em detrimento dos menores (riquezas e prazeres) As leis tecircm em mira a

vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detecircm o poder de modo

que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a

sociedade poliacutetica a felicidade e os elementos que a compotildeem Na justiccedila estatildeo compreendidas

todas as virtudes E ela eacute a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exerciacutecio atual

da virtude completa Eacute completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude natildeo soacute

sobre si mesmo mas tambeacutem sobre o seu proacuteximo

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O pior dos homens eacute aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com

os seus amigos e o melhor natildeo eacute o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com

um outro

A justiccedila seraacute entatildeo uma praacutetica efetiva de excelecircncia moral

A Injusticcedila Eacute necessaacuterio falar sobre injusticcedila para se compreender bem o que eacute a proacutepria justiccedila

Ideia de grega de apresentar sempre o conceito e a negaccedilatildeo deste ldquoQuando se conhece a boa

condiccedilatildeo a maacute tambeacutem se torna manifestardquo

O que eacute a Injusticcedila Se justiccedila eacute a justa medida o meio termo entre o excesso e a falta a injusticcedila eacute

tudo aquilo que viola esta proporccedilatildeo Injusticcedila=desequiliacutebrio=extremos

Causas da injusticcedila Maldades ganacircncia paixotildees ignoracircncia e desobediecircncia

O Homem injusto ldquoConsidera-se injusto o homem que viola a lei aquele que agindo pela avidez

toma mais do que lhe eacute devido Tambeacutem aquele que viola a igualdade (tomando no que diz

respeito as coisas maacutes menos do que a sua parte)rdquo

ldquoO Homem que age injustamente tem em excesso enquanto o que eacute injusticcedilado recebe pouco do

que eacute bom No caso das coisas maacutes eacute o contraacuterio

Justiccedila e Felicidade Todos os atos legiacutetimos satildeo justos e como tais produzem e preservam a

felicidade A eacutetica aristoteacutelica pressupotildee que as accedilotildees praticadas sejam orientadas para o bem

coletivo e a felicidade geral pelo que o conhecimento deve ser levado agrave praacutetica em benefiacutecio de

todos os cidadatildeos Aristoacuteteles aponta sempre para a necessidade de se pensar o coletivo acima do

particular sem contudo defender que os interesses particulares natildeo devam ser defendidos e

respeitados

Aristoacuteteles descreveu dois tipos de justiccedila

Justiccedila Universal Exerciacutecio de todas as virtudes fazer o que eacute certo em sentido amplo o que eacute

bom

Justiccedila Particular Refere-se agrave distribuiccedilatildeo de honras e bens na vida social dizendo respeito agraves

relaccedilotildees interpessoais este tipo de justiccedila manifesta-se pela observacircncia da lei e da igualdade

Justiccedila distributiva O justo deve ser ao mesmo tempo intermediaacuterio igual e relativo E a mesma

igualdade observar-se-aacute entre as pessoas e entre as coisas envolvidas segue-se o brocardo de que

as distribuiccedilotildees devem ser feitas de acordo com o meacuterito pois todos admitem que a distribuiccedilatildeo

justa deve recordar com o meacuterito se bem que nem todos especifiquem a mesma espeacutecie de meacuterito

O justo eacute pois uma espeacutecie de termo proporcional O injusto eacute o que viola a proporccedilatildeo

Justiccedila Corretiva O justo particular corretivo consiste na aplicaccedilatildeo de um juiacutezo corretivo nas

relaccedilotildees a serem estabelecidas entre os indiviacuteduos Na medida em que surgem conflitos de direito

agrave justiccedila corretiva eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de corrigir este conflito de modo que se retorne o status

quo Eacute ela ldquo[] o intermediaacuterio entre a perda e o ganhordquo Desse modo ela previne os cidadatildeos de

serem lesados nos seus direitos

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A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

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- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

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CONCLUSOtildeES

bull A croacutenica de Heroacutedoto configura a teoria de evoluccedilatildeo ciacuteclica por degeneraccedilatildeo dos

regimes poliacuteticos mais tarde retomada e aprofundada por Aristoacuteteles

bull Natildeo obstante o argumento geral da croacutenica tender a favorecer os regimes elitistas ficou

patente que natildeo existe o melhor regime pois todos tem limitaccedilotildees e virtudes a sua

aplicaccedilatildeo depende das condiccedilotildees materiais sociais culturais eacuteticas e morais concretas

de cada sociedade

Platatildeo

Embora tenha nascido em Atenas Platatildeo (seacuteculos V e IV aC de 429-347 aC) de famiacutelia nobre

descendia pelo lado materno de Soacutelon um dos fundadores da democracia ateniense Apresentou

forte simpatia por Esparta nomeadamente por ter presenciado o julgamento e assistido agrave morte de

Soacutecrates considerado por ele como ldquoo melhor e mais saacutebio dos homensrdquo Impulsionado pelo

sentimento de revolta comeccedilou a desprezar Atenas e foi viver para Esparta A obra de longe mais

importante de Platatildeo eacute a Politeia usualmente traduzida por A Repuacuteblica

Platatildeo foi o primeiro grande pensador a avanccedilar com o modelo daquilo que seria no seu entender

uma sociedade ideal atacando aqueles que considera serem os grandes males da sociedade do seu

tempo - a famiacutelia e a propriedade privada A Poliacutetica eacute pois para Platatildeo a arte de governar os

homens com o seu consentimento

Segundo Platatildeo o melhor governo eacute o da sabedoria da razatildeo da inteligecircncia O governo ideal eacute o

filoacutesofo toda a sua obra estaacute marcada pela defesa constante e vigorosa da entrega do poder ao

Rei-Filoacutesofo isto eacute ao rei que saiba tornar-se filoacutesofo ou ao filoacutesofo que consiga vir a ser rei

O poder para Platatildeo deve pertencer agravequeles que sabem aos mais instruiacutedos pelas ciecircncias

nomeadamente pela Poliacutetica e pela Filosofia Platatildeo considera que os poliacuteticos natildeo podem ser

moderados nem violentos Os moderados gostam de viver tranquilamente satildeo paciacuteficos em sua

casa e querem secirc-lo tambeacutem perante as potecircncias estrangeiras satildeo incapazes de combater ficam agrave

mercecirc de quem os atacar Os violentos tambeacutem natildeo servem porque sendo belicosos empurram o

paiacutes para a guerra suscitam inimigos e arruiacutenam a Paacutetria ou arrastam-na para a submissatildeo ao

estrangeiro O poliacutetico ideal eacute assim o Rei-Filoacutesofo tatildeo firme que natildeo violento

Para Platatildeo a Justiccedila deixa de ser uma virtude individual para ser um atributo do Estado ideal ndash O

Estado justo a sociedade justa um Estado que seja uno em vez de Estado dividido em dois

grupos inimigos ndash o dos pobres e o dos ricos Platatildeo com um conceito inteiramente novo de

Justiccedila que nada a ver tem a ver com a equidade nas relaccedilotildees particulares dos indiviacuteduos entre si

mas sim com a correcta ordenaccedilatildeo do Estado Pela Justiccedila o Estado impotildee aos indiviacuteduos a

profissatildeo e os cargos que devem desempenhar e natildeo deixa ningueacutem sair do lugar que lhe

compete no sistema do conjunto

A Cidade Ideal de Platatildeo assentava a sua teoria no estabelecimento de um paralelo entre a alma

individual e a Cidade esta deveraacute ser estrutura como aquela o eacute

Ora ndash diz o filoacutesofo ndash a alma humana tem 3 partes a primeira eacute a parte racional e corresponde ao

plano das ideias a segunda eacute a parte irasciacutevel que compreende os impulsos e afectos do ser

humano e a terceira eacute a parte sensual que integra as necessidades elementares do homem

A cade uma destas partes corresponde uma virtude ou qualidade principal Agrave primeira a

sabedoria Agrave segunda a coragem agrave terceira o desejo a submissatildeo da segunda e da terceira agrave razatildeo

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consiste na temperanccedila por fim a justiccedila eacute o ordenamento das outras 3 Ora bem a Cidade deveraacute

ter segundo Platatildeo a mesmo estrutura tripartida posto que a Cidade eacute como ldquoum homem em

ponto granderdquo (conceccedilatildeo antropomoacuterfica do Estado)

Assim haveraacute na Cidade ideal 3 classes

- a classe dos magistrados (governantes) corresponde agrave parte racional da alma deve actuar segundo

a razatildeo ou sabedoria e complete-lhe governar a Cidade

- a classe dos guardas (militares) corresponde agrave parte irasciacutevel da alma deve actuar segundo a

coragem e compete-lhe garantir a defesa e a seguranccedila da Cidade

- a classe dos produtores e artiacutefices em geral (trabalhadores) corresponde agrave parte sensual da alma

deve actuar segundo o desejo e compete-lhe assegurar o sustento material da Cidade

Propocircs a aboliccedilatildeo da propriedade privada (soacute para a classe dos guardas e eventualmente para a

dos magistrados) - pois entendia que o patrimoacutenio individual tornava as pessoas egoiacutestas

(ldquonenhum deles possuiraacute quaisquer bens proacuteprios a natildeo ser coisa de primeira

necessidadenenhum teraacute habitaccedilatildeo ou depoacutesito algum em que natildeo possa entrar quem quiserrdquo)

por fazer com que se preocupassem primeiramente com aquilo que lhes pertencia descurando

assim a preocupaccedilatildeo com o bem geral da cidade - do casamento e da famiacutelia tradicionalmente

concebida

Tornou-se favoraacutevel agrave igualdade entre os sexos numa sociedade que deveria direccionar os seus

elementos num objectivo comum evitando assim o egoiacutesmo das sociedades multifacetadas As

uniotildees teriam por base um sorteio organizado pelos governantesmagistrados e que seria em

determinadas alturas engenhosamente determinado pelos mesmos para que do resultado dessas

uniotildees emergisse um conjunto de pessoas dotadas de melhores caracteriacutesticas tendo em vista uma

espeacutecie de ldquoaprimoramento da raccedilardquo e por conseguinte mais um passo em frente no objectivo da

sociedade ideal As crianccedilas que nascessem deformadas ou fora do esquema por ele proposto

seriam abandonadas e deixadas agrave sua sorte ou ocultadas

Outro aspecto fundamental no pensamento platoacutenico foi a importacircncia dada agrave educaccedilatildeo Ele

propunha que as crianccedilas fossem retiradas agraves matildees aquando do seu nascimento e seriam

entregues a amas Ao longo da sua infacircncia seriam os magistrados a ficar encarregues de escolher

as faacutebulas para serem lidas pelas amas agraves crianccedilas Platatildeo defendia um modelo educativo que

privilegiasse um acompanhamento dedicado e constante agraves crianccedilas de forma a que se estudasse

o desenvolvimento das aptidotildees naturais das mesmas e para que os magistrados tivessem uma

ideia mais precisa das suas reais capacidades Para tal estariam previstas fases de ginaacutestica e de

muacutesica para que as crianccedilas experimentassem novas emoccedilotildees e mais tarde estaria prevista nova

fase mas que incidisse sobre as artes militares e as ciecircncias tendo em vista a integraccedilatildeo nas trecircs

classes sociais avanccediladas pelo filoacutesofo

Estaria entatildeo estabelecido que aos 30 anos aqueles que fossem os melhores de entre os guerreiros

seriam educados com base na arte do diaacutelogo e da filosofia com vista agrave magistratura que seria

atingida aos 50 anos de idade apoacutes serem superadas todas as provas Deste modo triunfaria no

entender de Platatildeo aquilo que ele designava como a sofiocracia o governo da sabedoria e o

melhor de entre os filoacutesofos seria considerado o ldquoRei-filoacutesofordquo

Platatildeo concebeu trecircs moldes de classes sociais tendo por base a ceacutelebre ldquoteoria dos metaisrdquo

segundo a qual cada pessoa possui na sua alma um metal colocado por Deus Nalgumas esse

metal seria o ferro ou o bronze e nesse caso a pessoa estaria destinada a pertencer agrave classe dos

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artesatildeosartiacutefices (seriam os trabalhadores cuja principal funccedilatildeo consistia em assegurar os bens e

o sustento da cidade) noutras pessoas seria a prata e pertenceriam portanto agrave classe dos

guardasmilitares (cuja funccedilatildeo seria a proteger e defender a cidade) e finalmente teriacuteamos um

restrito grupo de pessoas cuja alma seria caracterizada pelo ouro pertencendo tais elementos agrave

classe mais importante a dos magistradosgovernantes agrave qual as outras duas estariam

subordinadas (a funccedilatildeo dos governantes seria logicamente a de colocar a sabedoria ao serviccedilo do

governo da cidade)

A teoria dos metais seria um dos criteacuterios para seleccionar os cidadatildeos para as classes propostas

por Platatildeo todavia esse ldquometalrdquo seria apurado natildeo por hereditariedade mas pelo sistema

educacional imposto pelos magistrados que faria sobressair as inclinaccedilotildees naturais de cada um

Outro grande contributo de Platatildeo para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas prende-se com a sua

tipologia das formas de Governo O filoacutesofo projecta 5 modelos

- Monarquia - podia ser uma sofiocracia (descrita como a forma de Governo da Cidade Ideal

assente na sabedoria e exercida pelo Rei-filoacutesofo) ou uma tirania (e neste caso o poder absoluto

assentava num soacute homem de cariz violento e desprovido das luzes da filosofia)

- Oligarquia - podia ser uma timocracia (e nesse caso o poder estaria assente na classe dos guardas

acabando por se instalar o predomiacutenio da forccedila sobre a sabedoria) ou podia ser tambeacutem uma

plutocracia (descrita como o governo de uma minoria de ricos voltados para os seus interesses

pessoais)

- Um modelo democraacutetico embora apreciasse pouco a democracia pois entendia que as grandes

massas e multidotildees satildeo incapazes de no seu todo possuir a Razatildeo e a Sabedoria necessaacuterias para

o governo da cidade Considera que na democracia os sofistas transformavam os valores morais

conforme os seus apetitesinteresses impondo a sua superioridade fiacutesica intelectual e social

banindo os saacutebios do poder

Platatildeo considera que a melhor forma de governo eacute a monarquia sofiocraacutetica (a cargo do Rei-

Filoacutesofo ndash aquele que consegue olhar para a verdade absoluta promulgando leis sobre o belo

justo e o bem aquele que possui boa memoacuteria e facilidade de aprendizagem dotado de

superioridade e amabilidade amigo e aderente da verdade justiccedila coragem e temperanccedila) e que a

pior eacute a tirania A democracia quanto a ele eacute melhor que a tirania ndash pois o governo da multidatildeo eacute

incapaz de gerar um grande mal - mas eacute pior que a monarquia sofiocraacutetica ndash pois o governo da

multidatildeo eacute incapaz de gerar um grande bem

Entregue a um Rei-Filoacutesofo a sofiocracia seria noutras palavras ldquoo governo de uma soacute pessoa

com o maacuteximo de conhecimentordquo na arte de governar

Para ele o governante ideal estaacute acima da lei e natildeo soacute pode como deve ignoraacute-la ou afastaacute-la

sempre que no seu criteacuterio o interesse superior da colectividade assim o exija o estadista deve

forccedilar os cidadatildeos a ir contra o disposto nos seus coacutedigos e tradiccedilotildees se no interesse deles isso for

melhor do que acatar as leis

Platatildeo natildeo quer o governo das leis mas antes o governo de um homem sobre os demais homens

Platatildeo preconiza para a sua Cidade ideal um regime geral de relaccedilotildees entre governantes e

governados assente no comando autoritaacuterio dos primeiros e na obediecircncia cega dos segundos

No entender de Platatildeo as formas de governo natildeo satildeo imutaacuteveis na medida em que evoluiriam

consoante as circunstacircncias Ele daacute inclusivamente como assente uma espeacutecie de ciclo (A sucessatildeo

ciacuteclica das formas de governo) em termos governamentais que se iniciaria com a sofiocracia

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passaria para a timocracia e posteriormente agrave oligarquia dando esta lugar agrave democracia e o

governo democraacutetico devido agraves suas vicissitudes culminaria numa tirania A tirania seria uma

espeacutecie de culminar esta espeacutecie de ciclo governamental dando origem a novo ciclo que se

iniciaria novamente com a sofiocracia

Aristoacuteteles

Aristoacuteteles nasce (seacutec IV aC de 384-322 aC) na cidade de Estagira na Macedoacutenia por isso ficaraacute

a ser conhecido como o Estagirita

Aristoacuteteles eacute partidaacuterio do bom senso do equiliacutebrio da moderaccedilatildeo ndash isto eacute em sentido grego da

virtude Para ele o ideal a atingir natildeo eacute a Cidade justa mas sim o bom cidadatildeo o cidadatildeo

virtuoso o cidadatildeo justo orientado para a felicidade por um Estado eacutetico e tutelar

A poliacutetica aristoteacutelica eacute essencialmente unida agrave moral porque o fim uacuteltimo do estado eacute a virtude

isto eacute a formaccedilatildeo moral dos cidadatildeos e o conjunto dos meios necessaacuterios para isso O estado eacute um

organismo moral condiccedilatildeo e complemento da atividade moral individual e fundamento primeiro

da suprema atividade contemplativa

Na filosofia aristoteacutelica a poliacutetica eacute um desdobramento natural da eacutetica Ambas na verdade

compotildeem a unidade do que Aristoacuteteles designava filosofia praacutetica Se a eacutetica estaacute preocupada com

a felicidade individual do homem a poliacutetica preocupa-se com a felicidade coletiva da Poacutelis Desse

modo a tarefa da poliacutetica eacute investigar e descobrir quais satildeo as formas de governo e as instituiccedilotildees

capazes de assegurar a felicidade coletiva

O estado entatildeo eacute superior ao indiviacuteduo porquanto a coletividade eacute superior ao indiviacuteduo o bem

comum superior ao bem particular Unicamente no estado efetua-se a satisfaccedilatildeo de todas as

necessidades pois o homem sendo naturalmente animal social poliacutetico natildeo pode realizar a sua

perfeiccedilatildeo sem a sociedade do estado

No livro P O L Iacute T I C A Aristoacuteteles inicia a sua reflexatildeo filosoacutefica mostrando que a cidade eacute

uma comunidade poliacutetica eacute uma criaccedilatildeo natural e que o homem eacute por natureza um animal

socialhellip Todavia por ser dotado de inteligecircncia e vontade o homem necessita de normas que

regulamentem a sua conduta dentro da comunidade Assinala Aristoacuteteles que efetivamente o

homem quando perfeito eacute o melhor dos animais mas eacute tambeacutem o pior de todos quando

afastado da lei e da justiccedila pois a injusticcedila eacute mais perniciosa quando armada e o homem nasce

dotado de armas para serem usadas pela inteligecircncia e pelo talento mas podem secirc-lo em

sentido inteiramente oposto () a justiccedila eacute a base da sociedade sua aplicaccedilatildeo assegura a ordem

na comunidade social por ser o meio de determinar o que eacute justo Apoacutes criticar vaacuterios aspetos

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da filosofia poliacutetica de Platatildeo o Estagirita analisa diversas constituiccedilotildees de Cidades-Estado

visando encontrar elementos para a melhor forma de governo

Considerando que a POLIS (isto eacute a Cidade-Estado) existe para promover o bem-comum

Aristoacuteteles analisou as diversas formas de governo existentes na sua eacutepoca Assim diz ele

() as constituiccedilotildees cujo objetivo eacute o bem-comum satildeo corretamente estruturadas de

conformidade com os princiacutepios essenciais da justiccedila enquanto as que visam apenas ao bem

dos proacuteprios governantes satildeo todas defeituosas e constituem desvios das constituiccedilotildees corretas

de fato elas passam a ser despoacuteticas enquanto a cidade deve ser uma comunidade de homens

livres

Aristoacuteteles defende o primado da lei sobre a vontade dos homens Para ele a regra geral eacute a do

respeito pela lei a da observacircncia da legalidade e igualdade a do sistema das leis objectivas e

impessoais acima da vontade do capricho e da discricionariedade dos homens Haacute pois neste

sistema toda a possibilidade de atender agraves circunstacircncias particulares de cada caso seraacute essa a

tarefa dos oacutergatildeos executores da lei por delegaccedilatildeo dela e dentro dos limites por ela definidos Ou

seja ldquoo primado da lei eacute preferiacutevel ao governo livre de qualquer cidadatildeordquo pois ldquoa lei eacute a razatildeo

sem o apetiterdquo ao passo que o poder pessoal eacute o domiacutenio das paixotildees incontrolaacuteveis subjectivo e

arbitraacuterio

Para Aristoacuteteles o regime legiacutetimo ou ldquobomrdquo eacute aquele que tem por fim o bem comum e que eacute

conforme agrave justiccedila ao inveacutes daqueles que apenas soacute tendem para o benefiacutecio particular de alguns

Assim o Estagirita apresenta uma classificaccedilatildeo de regimes poliacuteticos agrupados em regimes satildeos

(monarquia aristocracia e a repuacuteblica) e regimes degenerados (tirania oligarquia e democracia)

- Entre as monarquias daacute-se o nome de realeza aquela que tem por fim o interesse geral

- O governo de um pequeno nuacutemero de homens ou de vaacuterios mas natildeo de um soacute chama-se

aristocracia porque eles o exercem para o maior bem do Estado e de todos os membros da

sociedade

- Quando a multidatildeo governa no sentido do interesse geral chama-se repuacuteblica

Os governos que constituem desvio ou degeneraccedilotildees satildeo

- em relaccedilatildeo agrave realeza a tirania ndash monarquia governada no interesse exclusivo do monarca

- em relaccedilatildeo agrave aristocracia a oligarquia ndash dirigida unicamente no interesse dos ricos

- em relaccedilatildeo agrave repuacuteblica a democracia ndash somente no interesse dos pobres

A Monarquia desvirtuada transforma em Tirania onde a vontade de um sempre prevaleceraacute

contra a ordem juriacutedica vigente Quando a Aristocracia eacute degenerada aparece a Oligarquia nesse

contexto o poder estaraacute nas matildeos dos possuidores de riqueza

A uacuteltima forma desvirtuada seraacute a Democracia na traduccedilatildeo literal de Aristoacuteteles ou a Demagogia

na visatildeo de Bonavides e Azambuja Esta seraacute exercida pelas populaccedilotildees ldquorudes ignaras e

despoacuteticasrdquo ou ldquoo poder eacute exercido pelos que natildeo possuem muitos bens ou seja pelos pobresrdquo

Eacute importante observar que para Aristoacuteteles quando alguma classe social toma o poder para si

exercendo despoticamente estaraacute em um contexto de forma impura de governo

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Ao definir a melhor forma de governo Aristoacuteteles aplica agrave poliacutetica o princiacutepio da medianidade

que ele expocircs no livro Eacutetica a Nicocircmaco

Na sua individualidade o homem ao agir procura conquistar a felicidade Ora a funccedilatildeo

preciacutepua de todo governo eacute proporcionar a realizaccedilatildeo da felicidade coletiva que ele chama de

bem comum Este soacute se realiza na forma de governo que se baseia no princiacutepio do meio-termo

No livro II da Eacutetica a Nicocircmaco o Estagirita expotildee o princiacutepio do meio-termo da seguinte

forma

Em tudo que eacute contiacutenuo e divisiacutevel pode-se tomar mais menos ou uma quantidade igual e isso

quer em termos da proacutepria coisa quer relativamente a noacutes e o igual eacute um meio-termo entre o

excesso e a falta Por meio-termo no objeto entendo aquilo que eacute equidistante de ambos os

extremos e que eacute um soacute e o mesmo para todos os homens e por meio-termo relativamente a

noacutes o que natildeo eacute nem demasiado nem demasiadamente pouco - e este natildeo eacute um soacute e o mesmo

para todos

Diz o citado autor que a virtude eacute uma mediana Por conseguinte tanto na vida individual

quanto na vida coletiva a virtude estaacute na moderaccedilatildeo no equiliacutebrio que manteacutem as coisas

equidistantes dos extremos ora de excesso ora de carecircncia Se os extremos satildeo prejudiciais aos

indiviacuteduos da mesma forma seratildeo nocivos agrave sociedade

Ao aplicar o princiacutepio da medianidade agrave poliacutetica o Estagirita encontrou a melhor forma de

governo naquela constituiccedilatildeo que mistura elementos democraacuteticos com elementos oligaacuterquicos

Desta forma satildeo evitados os extremos de riqueza e os extremos de pobreza

Assim para Aristoacuteteles a melhor forma de governo seria uma repuacuteblica (governo assente no poder

do grande nuacutemero exercido no interesse de todos os cidadatildeos) de caraacutecter misto contendo alguns

elementos de oligarquia (muitas instituiccedilotildees oligaacuterquicas tais como as magistraturas por eleiccedilatildeo) e

de democracia (muitas coisas populares tais como educaccedilatildeo e vestuaacuterio acessiacutevel a todos) e

apoiada no predomiacutenio das classes meacutedias

Tal como Platatildeo Aristoacuteteles tambeacutem emitiu a sua teoria sobre a sucessatildeo ciacuteclica das formas de

governo comeccedilaria na monarquia (o governo dos antigos) passaria para a aristocracia oligarquia

tirania de seguida a democracia e resultaria na repuacuteblica mista que resultaraacute tanto melhor quanto se

apoiar mais na classe meacutedia

Aristoacuteteles sobre as classes sociais defende o predomiacutenio das classes meacutedias pois a melhor forma

de governo a melhor espeacutecie de sociedade poliacutetica eacute a que for constituiacuteda em maioria por

cidadatildeos das classes meacutedias Defende que os que pertencem agrave classe meacutedia integram-se mais

harmoniosamente numa sociedade equilibrada e satilde pois a violecircncia (dos mais abastados) e a

intriga (dos mais pobres) satildeo duas fontes iniquidades ldquoDe maneira que estes incapazes de

comandar (os mais pobres) natildeo sabem senatildeo mostrar uma submissatildeo servil e aqueles (os mais

ricos) incapazes de se submeter a qualquer poder legiacutetimo (desobediecircncia aos magistrados) natildeo

sabem senatildeo exercer uma autoridade despoacuteticardquo E assim ldquoos cidadatildeos de condiccedilatildeo meacutedia natildeo

empregam violecircncias nem intrigas porque natildeo ambicionam as magistraturasrdquo Assim Aristoacuteteles

conclui que a sociedade civil mais perfeita eacute aquela em que a condiccedilatildeo meacutedia eacute mais numerosa e

poderosa que as outras duas (ou pelo menos mais poderosa que cada uma das outras) pois

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quando ldquouns tecircm riquezas imensas e os outros natildeo tecircm nada daiacute resulta sempre ou a pior das

democracias ou uma oligarquia desenfreada ou uma tirania insuportaacutevelrdquo

O governo constitucional resultante da mistura de elementos democraacuteticos e oligaacuterquicos se

submete ao impeacuterio da lei e tem na justiccedila e na liberdade os princiacutepios basilares que devem

reger as relaccedilotildees dos cidadatildeos entre si e destes com o Estado

O homem feliz seraacute aquele que for capaz de dedicar a melhor parte da sua vida agrave contemplaccedilatildeo

filosoacutefica das verdades eternas mas sem desprezar por outro lado a vida activa assente numa

quantidade moderada de bens materiais e de sauacutede Mas para que os homens se tornem bons eacute

necessaacuterio que o governo e as leis do paiacutes sejam orientados para a consecuccedilatildeo do bem em suma

ldquoeacute atraveacutes das leis que noacutes podemos tornar-nos bonsrdquo A poliacutetica estaacute pois ao serviccedilo da moral as

leis devem conduzir agrave virtude do bom cidadatildeo e se possiacutevel ainda mais agrave virtude (suprema) do

homem de bem O Estado natildeo eacute portanto apenas um fenoacutemeno poliacutetico ou juriacutedico o Estado eacute e

deve ser um Estado eacutetico um fenoacutemeno moral e religioso

Aristoacuteteles critica o modelo da unicidade da Cidade de Platatildeo defendendo a superioridade do

pluralismo social e poliacutetico (a Cidade ao tornar-se mais una e ao ser reconduzida o mais possiacutevel agrave

unicidade acabaraacute por ser reduzida a uma famiacutelia e esta a um indiviacuteduo aniquilando a Cidade

que deve pressupor uma pluralidade

Aristoacuteteles defende a propriedade privada principalmente pelo sentimento de satisfaccedilatildeo de que

uma coisa nos pertence como coisa proacutepria O Estagirita argumenta que pela comunhatildeo de bens

mais problemas sociais advecircm pelo facto de existirem ldquomais frequentemente dissensotildees entre

aqueles que possuem coisas em comum do que entre aqueles cujas fortunas satildeo distintas e

separadasrdquo

Aristoacuteteles defende a famiacutelia ao exprimir a sua repugnacircncia (moral e social) por esse tipo de

sociedade onde seraacute praticamente ldquoimpossiacutevel que um pai diga meu filho ou que um filho diga

meu pairdquo O fundamento eacute de que ldquonada inspira menos interesse (ao Homem) do que uma coisa

cuja posse eacute comum a grande nuacutemero de pessoas porquanto se daacute uma grande importacircncia ao

que nos pertencerdquo Outro conjunto de consequecircncias da teoria de Platatildeo era a generalizaccedilatildeo dos

laccedilos familiares (ou seja inexistentes) e que provocaria ldquoassassinatos rixas e injuacuteriasrdquo bem como a

possiacutevel banalizaccedilatildeo de relaccedilotildees promiacutescuas tais como o incesto

Segundo Aristoacuteteles a famiacutelia compotildee-se de quatro elementos os filhos a mulher os bens os

escravos aleacutem naturalmente do chefe a que pertence a direccedilatildeo da famiacutelia Deve ele guiar os filhos

e as mulheres em razatildeo da imperfeiccedilatildeo destes No entanto para que a propriedade seja

produtora satildeo necessaacuterios instrumentos inanimados e animados estes uacuteltimos seriam os escravos

Aristoacuteteles natildeo nega a natureza humana ao escravo mas constata que na sociedade satildeo

necessaacuterios tambeacutem os trabalhos materiais que exigem indiviacuteduos particulares a que fica assim

tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma visto ser necessaacuterio para

tanto tempo e liberdade bem como aptas qualidades espirituais excluiacutedas pelas proacuteprias

caracteriacutesticas qualidades materiais de tais indiviacuteduos Daiacute a escravidatildeo

O estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social poliacutetico O estado

provecirc inicialmente a satisfaccedilatildeo daquelas necessidades materiais negativas e positivas defesa e

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seguranccedila conservaccedilatildeo e engrandecimento de outro modo irrealizaacuteveis Mas o seu fim essencial eacute

espiritual isto eacute deve promover a virtude e consequentemente a felicidade dos suacutebditos

mediante a ciecircncia

Compreende-se entatildeo como seja tarefa essencial do estado a educaccedilatildeo que deve desenvolver

harmocircnica e hierarquicamente todas as faculdades antes de tudo as espirituais intelectuais e

subordinadamente as materiais fiacutesicas O fim da educaccedilatildeo eacute formar homens mediante as artes

liberais importantiacutessimas a poesia e a muacutesica e natildeo maacutequinas mediante um treinamento

profissional Eis porque Aristoacuteteles como Platatildeo condena o estado que ao inveacutes de se preocupar

com uma paciacutefica educaccedilatildeo cientiacutefica e moral visa a conquista e a guerra E critica dessa forma a

educaccedilatildeo militar de Esparta que faz da guerra a tarefa preciacutepua do estado e potildee a conquista

acima da virtude enquanto a guerra como o trabalho satildeo apenas meios para a paz e o lazer

sapiente

O Estado deve promover a famiacutelia e a educaccedilatildeo legislando sobre as mesmas

Conveacutem fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos e o dos homens nos trinta e sete ou

pouco menos Assim a uniatildeo seraacute feita no momento do maacuteximo vigor e os dois esposos teratildeo um

tempo pouco mais ou menos igual para educar a famiacutelia ateacute que cessem a ser proacuteprios agrave

procriaccedilatildeo

Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar deve haver uma lei que

proiacuteba alimentar toda a crianccedila disforme Sobre o nuacutemero dos filhos (porque o nuacutemero dos

nascimentos deve sempre ser limitado) se os costumes natildeo permitem que os abandonem e se

alguns casamentos satildeo tatildeo fecundos que ultrapassem o limite fixado de nascimentos eacute preciso

provocar o aborto antes que o feto receba animaccedilatildeo e a vida com efeito soacute pela animaccedilatildeo e vida

se poderaacute determinar se existe crime

Como jaacute mencionado o cidadatildeo deve ir em busca das virtudes da justiccedila e do fim uacuteltimo a

liberdadehellip mas haacute muitos conceitos por redescobrir

O que eacute Justiccedila

Todos os homens entendem por justiccedila aquela disposiccedilatildeo de caraacuteter que torna as pessoas

propensas a fazer o que eacute justo que as faz agir justamente e desejar o que eacute justo e do mesmo

modo por injusticcedila se entende a disposiccedilatildeo que as leva a agir injustamente e a desejar o que eacute

injusto

O homem Justo Eacute aquele que respeita e lei e a igualdade Escolhe sempre os maiores bens

(virtude e felicidade) em detrimento dos menores (riquezas e prazeres) As leis tecircm em mira a

vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detecircm o poder de modo

que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a

sociedade poliacutetica a felicidade e os elementos que a compotildeem Na justiccedila estatildeo compreendidas

todas as virtudes E ela eacute a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exerciacutecio atual

da virtude completa Eacute completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude natildeo soacute

sobre si mesmo mas tambeacutem sobre o seu proacuteximo

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O pior dos homens eacute aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com

os seus amigos e o melhor natildeo eacute o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com

um outro

A justiccedila seraacute entatildeo uma praacutetica efetiva de excelecircncia moral

A Injusticcedila Eacute necessaacuterio falar sobre injusticcedila para se compreender bem o que eacute a proacutepria justiccedila

Ideia de grega de apresentar sempre o conceito e a negaccedilatildeo deste ldquoQuando se conhece a boa

condiccedilatildeo a maacute tambeacutem se torna manifestardquo

O que eacute a Injusticcedila Se justiccedila eacute a justa medida o meio termo entre o excesso e a falta a injusticcedila eacute

tudo aquilo que viola esta proporccedilatildeo Injusticcedila=desequiliacutebrio=extremos

Causas da injusticcedila Maldades ganacircncia paixotildees ignoracircncia e desobediecircncia

O Homem injusto ldquoConsidera-se injusto o homem que viola a lei aquele que agindo pela avidez

toma mais do que lhe eacute devido Tambeacutem aquele que viola a igualdade (tomando no que diz

respeito as coisas maacutes menos do que a sua parte)rdquo

ldquoO Homem que age injustamente tem em excesso enquanto o que eacute injusticcedilado recebe pouco do

que eacute bom No caso das coisas maacutes eacute o contraacuterio

Justiccedila e Felicidade Todos os atos legiacutetimos satildeo justos e como tais produzem e preservam a

felicidade A eacutetica aristoteacutelica pressupotildee que as accedilotildees praticadas sejam orientadas para o bem

coletivo e a felicidade geral pelo que o conhecimento deve ser levado agrave praacutetica em benefiacutecio de

todos os cidadatildeos Aristoacuteteles aponta sempre para a necessidade de se pensar o coletivo acima do

particular sem contudo defender que os interesses particulares natildeo devam ser defendidos e

respeitados

Aristoacuteteles descreveu dois tipos de justiccedila

Justiccedila Universal Exerciacutecio de todas as virtudes fazer o que eacute certo em sentido amplo o que eacute

bom

Justiccedila Particular Refere-se agrave distribuiccedilatildeo de honras e bens na vida social dizendo respeito agraves

relaccedilotildees interpessoais este tipo de justiccedila manifesta-se pela observacircncia da lei e da igualdade

Justiccedila distributiva O justo deve ser ao mesmo tempo intermediaacuterio igual e relativo E a mesma

igualdade observar-se-aacute entre as pessoas e entre as coisas envolvidas segue-se o brocardo de que

as distribuiccedilotildees devem ser feitas de acordo com o meacuterito pois todos admitem que a distribuiccedilatildeo

justa deve recordar com o meacuterito se bem que nem todos especifiquem a mesma espeacutecie de meacuterito

O justo eacute pois uma espeacutecie de termo proporcional O injusto eacute o que viola a proporccedilatildeo

Justiccedila Corretiva O justo particular corretivo consiste na aplicaccedilatildeo de um juiacutezo corretivo nas

relaccedilotildees a serem estabelecidas entre os indiviacuteduos Na medida em que surgem conflitos de direito

agrave justiccedila corretiva eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de corrigir este conflito de modo que se retorne o status

quo Eacute ela ldquo[] o intermediaacuterio entre a perda e o ganhordquo Desse modo ela previne os cidadatildeos de

serem lesados nos seus direitos

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A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

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- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 6: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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consiste na temperanccedila por fim a justiccedila eacute o ordenamento das outras 3 Ora bem a Cidade deveraacute

ter segundo Platatildeo a mesmo estrutura tripartida posto que a Cidade eacute como ldquoum homem em

ponto granderdquo (conceccedilatildeo antropomoacuterfica do Estado)

Assim haveraacute na Cidade ideal 3 classes

- a classe dos magistrados (governantes) corresponde agrave parte racional da alma deve actuar segundo

a razatildeo ou sabedoria e complete-lhe governar a Cidade

- a classe dos guardas (militares) corresponde agrave parte irasciacutevel da alma deve actuar segundo a

coragem e compete-lhe garantir a defesa e a seguranccedila da Cidade

- a classe dos produtores e artiacutefices em geral (trabalhadores) corresponde agrave parte sensual da alma

deve actuar segundo o desejo e compete-lhe assegurar o sustento material da Cidade

Propocircs a aboliccedilatildeo da propriedade privada (soacute para a classe dos guardas e eventualmente para a

dos magistrados) - pois entendia que o patrimoacutenio individual tornava as pessoas egoiacutestas

(ldquonenhum deles possuiraacute quaisquer bens proacuteprios a natildeo ser coisa de primeira

necessidadenenhum teraacute habitaccedilatildeo ou depoacutesito algum em que natildeo possa entrar quem quiserrdquo)

por fazer com que se preocupassem primeiramente com aquilo que lhes pertencia descurando

assim a preocupaccedilatildeo com o bem geral da cidade - do casamento e da famiacutelia tradicionalmente

concebida

Tornou-se favoraacutevel agrave igualdade entre os sexos numa sociedade que deveria direccionar os seus

elementos num objectivo comum evitando assim o egoiacutesmo das sociedades multifacetadas As

uniotildees teriam por base um sorteio organizado pelos governantesmagistrados e que seria em

determinadas alturas engenhosamente determinado pelos mesmos para que do resultado dessas

uniotildees emergisse um conjunto de pessoas dotadas de melhores caracteriacutesticas tendo em vista uma

espeacutecie de ldquoaprimoramento da raccedilardquo e por conseguinte mais um passo em frente no objectivo da

sociedade ideal As crianccedilas que nascessem deformadas ou fora do esquema por ele proposto

seriam abandonadas e deixadas agrave sua sorte ou ocultadas

Outro aspecto fundamental no pensamento platoacutenico foi a importacircncia dada agrave educaccedilatildeo Ele

propunha que as crianccedilas fossem retiradas agraves matildees aquando do seu nascimento e seriam

entregues a amas Ao longo da sua infacircncia seriam os magistrados a ficar encarregues de escolher

as faacutebulas para serem lidas pelas amas agraves crianccedilas Platatildeo defendia um modelo educativo que

privilegiasse um acompanhamento dedicado e constante agraves crianccedilas de forma a que se estudasse

o desenvolvimento das aptidotildees naturais das mesmas e para que os magistrados tivessem uma

ideia mais precisa das suas reais capacidades Para tal estariam previstas fases de ginaacutestica e de

muacutesica para que as crianccedilas experimentassem novas emoccedilotildees e mais tarde estaria prevista nova

fase mas que incidisse sobre as artes militares e as ciecircncias tendo em vista a integraccedilatildeo nas trecircs

classes sociais avanccediladas pelo filoacutesofo

Estaria entatildeo estabelecido que aos 30 anos aqueles que fossem os melhores de entre os guerreiros

seriam educados com base na arte do diaacutelogo e da filosofia com vista agrave magistratura que seria

atingida aos 50 anos de idade apoacutes serem superadas todas as provas Deste modo triunfaria no

entender de Platatildeo aquilo que ele designava como a sofiocracia o governo da sabedoria e o

melhor de entre os filoacutesofos seria considerado o ldquoRei-filoacutesofordquo

Platatildeo concebeu trecircs moldes de classes sociais tendo por base a ceacutelebre ldquoteoria dos metaisrdquo

segundo a qual cada pessoa possui na sua alma um metal colocado por Deus Nalgumas esse

metal seria o ferro ou o bronze e nesse caso a pessoa estaria destinada a pertencer agrave classe dos

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artesatildeosartiacutefices (seriam os trabalhadores cuja principal funccedilatildeo consistia em assegurar os bens e

o sustento da cidade) noutras pessoas seria a prata e pertenceriam portanto agrave classe dos

guardasmilitares (cuja funccedilatildeo seria a proteger e defender a cidade) e finalmente teriacuteamos um

restrito grupo de pessoas cuja alma seria caracterizada pelo ouro pertencendo tais elementos agrave

classe mais importante a dos magistradosgovernantes agrave qual as outras duas estariam

subordinadas (a funccedilatildeo dos governantes seria logicamente a de colocar a sabedoria ao serviccedilo do

governo da cidade)

A teoria dos metais seria um dos criteacuterios para seleccionar os cidadatildeos para as classes propostas

por Platatildeo todavia esse ldquometalrdquo seria apurado natildeo por hereditariedade mas pelo sistema

educacional imposto pelos magistrados que faria sobressair as inclinaccedilotildees naturais de cada um

Outro grande contributo de Platatildeo para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas prende-se com a sua

tipologia das formas de Governo O filoacutesofo projecta 5 modelos

- Monarquia - podia ser uma sofiocracia (descrita como a forma de Governo da Cidade Ideal

assente na sabedoria e exercida pelo Rei-filoacutesofo) ou uma tirania (e neste caso o poder absoluto

assentava num soacute homem de cariz violento e desprovido das luzes da filosofia)

- Oligarquia - podia ser uma timocracia (e nesse caso o poder estaria assente na classe dos guardas

acabando por se instalar o predomiacutenio da forccedila sobre a sabedoria) ou podia ser tambeacutem uma

plutocracia (descrita como o governo de uma minoria de ricos voltados para os seus interesses

pessoais)

- Um modelo democraacutetico embora apreciasse pouco a democracia pois entendia que as grandes

massas e multidotildees satildeo incapazes de no seu todo possuir a Razatildeo e a Sabedoria necessaacuterias para

o governo da cidade Considera que na democracia os sofistas transformavam os valores morais

conforme os seus apetitesinteresses impondo a sua superioridade fiacutesica intelectual e social

banindo os saacutebios do poder

Platatildeo considera que a melhor forma de governo eacute a monarquia sofiocraacutetica (a cargo do Rei-

Filoacutesofo ndash aquele que consegue olhar para a verdade absoluta promulgando leis sobre o belo

justo e o bem aquele que possui boa memoacuteria e facilidade de aprendizagem dotado de

superioridade e amabilidade amigo e aderente da verdade justiccedila coragem e temperanccedila) e que a

pior eacute a tirania A democracia quanto a ele eacute melhor que a tirania ndash pois o governo da multidatildeo eacute

incapaz de gerar um grande mal - mas eacute pior que a monarquia sofiocraacutetica ndash pois o governo da

multidatildeo eacute incapaz de gerar um grande bem

Entregue a um Rei-Filoacutesofo a sofiocracia seria noutras palavras ldquoo governo de uma soacute pessoa

com o maacuteximo de conhecimentordquo na arte de governar

Para ele o governante ideal estaacute acima da lei e natildeo soacute pode como deve ignoraacute-la ou afastaacute-la

sempre que no seu criteacuterio o interesse superior da colectividade assim o exija o estadista deve

forccedilar os cidadatildeos a ir contra o disposto nos seus coacutedigos e tradiccedilotildees se no interesse deles isso for

melhor do que acatar as leis

Platatildeo natildeo quer o governo das leis mas antes o governo de um homem sobre os demais homens

Platatildeo preconiza para a sua Cidade ideal um regime geral de relaccedilotildees entre governantes e

governados assente no comando autoritaacuterio dos primeiros e na obediecircncia cega dos segundos

No entender de Platatildeo as formas de governo natildeo satildeo imutaacuteveis na medida em que evoluiriam

consoante as circunstacircncias Ele daacute inclusivamente como assente uma espeacutecie de ciclo (A sucessatildeo

ciacuteclica das formas de governo) em termos governamentais que se iniciaria com a sofiocracia

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passaria para a timocracia e posteriormente agrave oligarquia dando esta lugar agrave democracia e o

governo democraacutetico devido agraves suas vicissitudes culminaria numa tirania A tirania seria uma

espeacutecie de culminar esta espeacutecie de ciclo governamental dando origem a novo ciclo que se

iniciaria novamente com a sofiocracia

Aristoacuteteles

Aristoacuteteles nasce (seacutec IV aC de 384-322 aC) na cidade de Estagira na Macedoacutenia por isso ficaraacute

a ser conhecido como o Estagirita

Aristoacuteteles eacute partidaacuterio do bom senso do equiliacutebrio da moderaccedilatildeo ndash isto eacute em sentido grego da

virtude Para ele o ideal a atingir natildeo eacute a Cidade justa mas sim o bom cidadatildeo o cidadatildeo

virtuoso o cidadatildeo justo orientado para a felicidade por um Estado eacutetico e tutelar

A poliacutetica aristoteacutelica eacute essencialmente unida agrave moral porque o fim uacuteltimo do estado eacute a virtude

isto eacute a formaccedilatildeo moral dos cidadatildeos e o conjunto dos meios necessaacuterios para isso O estado eacute um

organismo moral condiccedilatildeo e complemento da atividade moral individual e fundamento primeiro

da suprema atividade contemplativa

Na filosofia aristoteacutelica a poliacutetica eacute um desdobramento natural da eacutetica Ambas na verdade

compotildeem a unidade do que Aristoacuteteles designava filosofia praacutetica Se a eacutetica estaacute preocupada com

a felicidade individual do homem a poliacutetica preocupa-se com a felicidade coletiva da Poacutelis Desse

modo a tarefa da poliacutetica eacute investigar e descobrir quais satildeo as formas de governo e as instituiccedilotildees

capazes de assegurar a felicidade coletiva

O estado entatildeo eacute superior ao indiviacuteduo porquanto a coletividade eacute superior ao indiviacuteduo o bem

comum superior ao bem particular Unicamente no estado efetua-se a satisfaccedilatildeo de todas as

necessidades pois o homem sendo naturalmente animal social poliacutetico natildeo pode realizar a sua

perfeiccedilatildeo sem a sociedade do estado

No livro P O L Iacute T I C A Aristoacuteteles inicia a sua reflexatildeo filosoacutefica mostrando que a cidade eacute

uma comunidade poliacutetica eacute uma criaccedilatildeo natural e que o homem eacute por natureza um animal

socialhellip Todavia por ser dotado de inteligecircncia e vontade o homem necessita de normas que

regulamentem a sua conduta dentro da comunidade Assinala Aristoacuteteles que efetivamente o

homem quando perfeito eacute o melhor dos animais mas eacute tambeacutem o pior de todos quando

afastado da lei e da justiccedila pois a injusticcedila eacute mais perniciosa quando armada e o homem nasce

dotado de armas para serem usadas pela inteligecircncia e pelo talento mas podem secirc-lo em

sentido inteiramente oposto () a justiccedila eacute a base da sociedade sua aplicaccedilatildeo assegura a ordem

na comunidade social por ser o meio de determinar o que eacute justo Apoacutes criticar vaacuterios aspetos

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da filosofia poliacutetica de Platatildeo o Estagirita analisa diversas constituiccedilotildees de Cidades-Estado

visando encontrar elementos para a melhor forma de governo

Considerando que a POLIS (isto eacute a Cidade-Estado) existe para promover o bem-comum

Aristoacuteteles analisou as diversas formas de governo existentes na sua eacutepoca Assim diz ele

() as constituiccedilotildees cujo objetivo eacute o bem-comum satildeo corretamente estruturadas de

conformidade com os princiacutepios essenciais da justiccedila enquanto as que visam apenas ao bem

dos proacuteprios governantes satildeo todas defeituosas e constituem desvios das constituiccedilotildees corretas

de fato elas passam a ser despoacuteticas enquanto a cidade deve ser uma comunidade de homens

livres

Aristoacuteteles defende o primado da lei sobre a vontade dos homens Para ele a regra geral eacute a do

respeito pela lei a da observacircncia da legalidade e igualdade a do sistema das leis objectivas e

impessoais acima da vontade do capricho e da discricionariedade dos homens Haacute pois neste

sistema toda a possibilidade de atender agraves circunstacircncias particulares de cada caso seraacute essa a

tarefa dos oacutergatildeos executores da lei por delegaccedilatildeo dela e dentro dos limites por ela definidos Ou

seja ldquoo primado da lei eacute preferiacutevel ao governo livre de qualquer cidadatildeordquo pois ldquoa lei eacute a razatildeo

sem o apetiterdquo ao passo que o poder pessoal eacute o domiacutenio das paixotildees incontrolaacuteveis subjectivo e

arbitraacuterio

Para Aristoacuteteles o regime legiacutetimo ou ldquobomrdquo eacute aquele que tem por fim o bem comum e que eacute

conforme agrave justiccedila ao inveacutes daqueles que apenas soacute tendem para o benefiacutecio particular de alguns

Assim o Estagirita apresenta uma classificaccedilatildeo de regimes poliacuteticos agrupados em regimes satildeos

(monarquia aristocracia e a repuacuteblica) e regimes degenerados (tirania oligarquia e democracia)

- Entre as monarquias daacute-se o nome de realeza aquela que tem por fim o interesse geral

- O governo de um pequeno nuacutemero de homens ou de vaacuterios mas natildeo de um soacute chama-se

aristocracia porque eles o exercem para o maior bem do Estado e de todos os membros da

sociedade

- Quando a multidatildeo governa no sentido do interesse geral chama-se repuacuteblica

Os governos que constituem desvio ou degeneraccedilotildees satildeo

- em relaccedilatildeo agrave realeza a tirania ndash monarquia governada no interesse exclusivo do monarca

- em relaccedilatildeo agrave aristocracia a oligarquia ndash dirigida unicamente no interesse dos ricos

- em relaccedilatildeo agrave repuacuteblica a democracia ndash somente no interesse dos pobres

A Monarquia desvirtuada transforma em Tirania onde a vontade de um sempre prevaleceraacute

contra a ordem juriacutedica vigente Quando a Aristocracia eacute degenerada aparece a Oligarquia nesse

contexto o poder estaraacute nas matildeos dos possuidores de riqueza

A uacuteltima forma desvirtuada seraacute a Democracia na traduccedilatildeo literal de Aristoacuteteles ou a Demagogia

na visatildeo de Bonavides e Azambuja Esta seraacute exercida pelas populaccedilotildees ldquorudes ignaras e

despoacuteticasrdquo ou ldquoo poder eacute exercido pelos que natildeo possuem muitos bens ou seja pelos pobresrdquo

Eacute importante observar que para Aristoacuteteles quando alguma classe social toma o poder para si

exercendo despoticamente estaraacute em um contexto de forma impura de governo

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Ao definir a melhor forma de governo Aristoacuteteles aplica agrave poliacutetica o princiacutepio da medianidade

que ele expocircs no livro Eacutetica a Nicocircmaco

Na sua individualidade o homem ao agir procura conquistar a felicidade Ora a funccedilatildeo

preciacutepua de todo governo eacute proporcionar a realizaccedilatildeo da felicidade coletiva que ele chama de

bem comum Este soacute se realiza na forma de governo que se baseia no princiacutepio do meio-termo

No livro II da Eacutetica a Nicocircmaco o Estagirita expotildee o princiacutepio do meio-termo da seguinte

forma

Em tudo que eacute contiacutenuo e divisiacutevel pode-se tomar mais menos ou uma quantidade igual e isso

quer em termos da proacutepria coisa quer relativamente a noacutes e o igual eacute um meio-termo entre o

excesso e a falta Por meio-termo no objeto entendo aquilo que eacute equidistante de ambos os

extremos e que eacute um soacute e o mesmo para todos os homens e por meio-termo relativamente a

noacutes o que natildeo eacute nem demasiado nem demasiadamente pouco - e este natildeo eacute um soacute e o mesmo

para todos

Diz o citado autor que a virtude eacute uma mediana Por conseguinte tanto na vida individual

quanto na vida coletiva a virtude estaacute na moderaccedilatildeo no equiliacutebrio que manteacutem as coisas

equidistantes dos extremos ora de excesso ora de carecircncia Se os extremos satildeo prejudiciais aos

indiviacuteduos da mesma forma seratildeo nocivos agrave sociedade

Ao aplicar o princiacutepio da medianidade agrave poliacutetica o Estagirita encontrou a melhor forma de

governo naquela constituiccedilatildeo que mistura elementos democraacuteticos com elementos oligaacuterquicos

Desta forma satildeo evitados os extremos de riqueza e os extremos de pobreza

Assim para Aristoacuteteles a melhor forma de governo seria uma repuacuteblica (governo assente no poder

do grande nuacutemero exercido no interesse de todos os cidadatildeos) de caraacutecter misto contendo alguns

elementos de oligarquia (muitas instituiccedilotildees oligaacuterquicas tais como as magistraturas por eleiccedilatildeo) e

de democracia (muitas coisas populares tais como educaccedilatildeo e vestuaacuterio acessiacutevel a todos) e

apoiada no predomiacutenio das classes meacutedias

Tal como Platatildeo Aristoacuteteles tambeacutem emitiu a sua teoria sobre a sucessatildeo ciacuteclica das formas de

governo comeccedilaria na monarquia (o governo dos antigos) passaria para a aristocracia oligarquia

tirania de seguida a democracia e resultaria na repuacuteblica mista que resultaraacute tanto melhor quanto se

apoiar mais na classe meacutedia

Aristoacuteteles sobre as classes sociais defende o predomiacutenio das classes meacutedias pois a melhor forma

de governo a melhor espeacutecie de sociedade poliacutetica eacute a que for constituiacuteda em maioria por

cidadatildeos das classes meacutedias Defende que os que pertencem agrave classe meacutedia integram-se mais

harmoniosamente numa sociedade equilibrada e satilde pois a violecircncia (dos mais abastados) e a

intriga (dos mais pobres) satildeo duas fontes iniquidades ldquoDe maneira que estes incapazes de

comandar (os mais pobres) natildeo sabem senatildeo mostrar uma submissatildeo servil e aqueles (os mais

ricos) incapazes de se submeter a qualquer poder legiacutetimo (desobediecircncia aos magistrados) natildeo

sabem senatildeo exercer uma autoridade despoacuteticardquo E assim ldquoos cidadatildeos de condiccedilatildeo meacutedia natildeo

empregam violecircncias nem intrigas porque natildeo ambicionam as magistraturasrdquo Assim Aristoacuteteles

conclui que a sociedade civil mais perfeita eacute aquela em que a condiccedilatildeo meacutedia eacute mais numerosa e

poderosa que as outras duas (ou pelo menos mais poderosa que cada uma das outras) pois

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quando ldquouns tecircm riquezas imensas e os outros natildeo tecircm nada daiacute resulta sempre ou a pior das

democracias ou uma oligarquia desenfreada ou uma tirania insuportaacutevelrdquo

O governo constitucional resultante da mistura de elementos democraacuteticos e oligaacuterquicos se

submete ao impeacuterio da lei e tem na justiccedila e na liberdade os princiacutepios basilares que devem

reger as relaccedilotildees dos cidadatildeos entre si e destes com o Estado

O homem feliz seraacute aquele que for capaz de dedicar a melhor parte da sua vida agrave contemplaccedilatildeo

filosoacutefica das verdades eternas mas sem desprezar por outro lado a vida activa assente numa

quantidade moderada de bens materiais e de sauacutede Mas para que os homens se tornem bons eacute

necessaacuterio que o governo e as leis do paiacutes sejam orientados para a consecuccedilatildeo do bem em suma

ldquoeacute atraveacutes das leis que noacutes podemos tornar-nos bonsrdquo A poliacutetica estaacute pois ao serviccedilo da moral as

leis devem conduzir agrave virtude do bom cidadatildeo e se possiacutevel ainda mais agrave virtude (suprema) do

homem de bem O Estado natildeo eacute portanto apenas um fenoacutemeno poliacutetico ou juriacutedico o Estado eacute e

deve ser um Estado eacutetico um fenoacutemeno moral e religioso

Aristoacuteteles critica o modelo da unicidade da Cidade de Platatildeo defendendo a superioridade do

pluralismo social e poliacutetico (a Cidade ao tornar-se mais una e ao ser reconduzida o mais possiacutevel agrave

unicidade acabaraacute por ser reduzida a uma famiacutelia e esta a um indiviacuteduo aniquilando a Cidade

que deve pressupor uma pluralidade

Aristoacuteteles defende a propriedade privada principalmente pelo sentimento de satisfaccedilatildeo de que

uma coisa nos pertence como coisa proacutepria O Estagirita argumenta que pela comunhatildeo de bens

mais problemas sociais advecircm pelo facto de existirem ldquomais frequentemente dissensotildees entre

aqueles que possuem coisas em comum do que entre aqueles cujas fortunas satildeo distintas e

separadasrdquo

Aristoacuteteles defende a famiacutelia ao exprimir a sua repugnacircncia (moral e social) por esse tipo de

sociedade onde seraacute praticamente ldquoimpossiacutevel que um pai diga meu filho ou que um filho diga

meu pairdquo O fundamento eacute de que ldquonada inspira menos interesse (ao Homem) do que uma coisa

cuja posse eacute comum a grande nuacutemero de pessoas porquanto se daacute uma grande importacircncia ao

que nos pertencerdquo Outro conjunto de consequecircncias da teoria de Platatildeo era a generalizaccedilatildeo dos

laccedilos familiares (ou seja inexistentes) e que provocaria ldquoassassinatos rixas e injuacuteriasrdquo bem como a

possiacutevel banalizaccedilatildeo de relaccedilotildees promiacutescuas tais como o incesto

Segundo Aristoacuteteles a famiacutelia compotildee-se de quatro elementos os filhos a mulher os bens os

escravos aleacutem naturalmente do chefe a que pertence a direccedilatildeo da famiacutelia Deve ele guiar os filhos

e as mulheres em razatildeo da imperfeiccedilatildeo destes No entanto para que a propriedade seja

produtora satildeo necessaacuterios instrumentos inanimados e animados estes uacuteltimos seriam os escravos

Aristoacuteteles natildeo nega a natureza humana ao escravo mas constata que na sociedade satildeo

necessaacuterios tambeacutem os trabalhos materiais que exigem indiviacuteduos particulares a que fica assim

tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma visto ser necessaacuterio para

tanto tempo e liberdade bem como aptas qualidades espirituais excluiacutedas pelas proacuteprias

caracteriacutesticas qualidades materiais de tais indiviacuteduos Daiacute a escravidatildeo

O estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social poliacutetico O estado

provecirc inicialmente a satisfaccedilatildeo daquelas necessidades materiais negativas e positivas defesa e

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seguranccedila conservaccedilatildeo e engrandecimento de outro modo irrealizaacuteveis Mas o seu fim essencial eacute

espiritual isto eacute deve promover a virtude e consequentemente a felicidade dos suacutebditos

mediante a ciecircncia

Compreende-se entatildeo como seja tarefa essencial do estado a educaccedilatildeo que deve desenvolver

harmocircnica e hierarquicamente todas as faculdades antes de tudo as espirituais intelectuais e

subordinadamente as materiais fiacutesicas O fim da educaccedilatildeo eacute formar homens mediante as artes

liberais importantiacutessimas a poesia e a muacutesica e natildeo maacutequinas mediante um treinamento

profissional Eis porque Aristoacuteteles como Platatildeo condena o estado que ao inveacutes de se preocupar

com uma paciacutefica educaccedilatildeo cientiacutefica e moral visa a conquista e a guerra E critica dessa forma a

educaccedilatildeo militar de Esparta que faz da guerra a tarefa preciacutepua do estado e potildee a conquista

acima da virtude enquanto a guerra como o trabalho satildeo apenas meios para a paz e o lazer

sapiente

O Estado deve promover a famiacutelia e a educaccedilatildeo legislando sobre as mesmas

Conveacutem fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos e o dos homens nos trinta e sete ou

pouco menos Assim a uniatildeo seraacute feita no momento do maacuteximo vigor e os dois esposos teratildeo um

tempo pouco mais ou menos igual para educar a famiacutelia ateacute que cessem a ser proacuteprios agrave

procriaccedilatildeo

Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar deve haver uma lei que

proiacuteba alimentar toda a crianccedila disforme Sobre o nuacutemero dos filhos (porque o nuacutemero dos

nascimentos deve sempre ser limitado) se os costumes natildeo permitem que os abandonem e se

alguns casamentos satildeo tatildeo fecundos que ultrapassem o limite fixado de nascimentos eacute preciso

provocar o aborto antes que o feto receba animaccedilatildeo e a vida com efeito soacute pela animaccedilatildeo e vida

se poderaacute determinar se existe crime

Como jaacute mencionado o cidadatildeo deve ir em busca das virtudes da justiccedila e do fim uacuteltimo a

liberdadehellip mas haacute muitos conceitos por redescobrir

O que eacute Justiccedila

Todos os homens entendem por justiccedila aquela disposiccedilatildeo de caraacuteter que torna as pessoas

propensas a fazer o que eacute justo que as faz agir justamente e desejar o que eacute justo e do mesmo

modo por injusticcedila se entende a disposiccedilatildeo que as leva a agir injustamente e a desejar o que eacute

injusto

O homem Justo Eacute aquele que respeita e lei e a igualdade Escolhe sempre os maiores bens

(virtude e felicidade) em detrimento dos menores (riquezas e prazeres) As leis tecircm em mira a

vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detecircm o poder de modo

que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a

sociedade poliacutetica a felicidade e os elementos que a compotildeem Na justiccedila estatildeo compreendidas

todas as virtudes E ela eacute a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exerciacutecio atual

da virtude completa Eacute completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude natildeo soacute

sobre si mesmo mas tambeacutem sobre o seu proacuteximo

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O pior dos homens eacute aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com

os seus amigos e o melhor natildeo eacute o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com

um outro

A justiccedila seraacute entatildeo uma praacutetica efetiva de excelecircncia moral

A Injusticcedila Eacute necessaacuterio falar sobre injusticcedila para se compreender bem o que eacute a proacutepria justiccedila

Ideia de grega de apresentar sempre o conceito e a negaccedilatildeo deste ldquoQuando se conhece a boa

condiccedilatildeo a maacute tambeacutem se torna manifestardquo

O que eacute a Injusticcedila Se justiccedila eacute a justa medida o meio termo entre o excesso e a falta a injusticcedila eacute

tudo aquilo que viola esta proporccedilatildeo Injusticcedila=desequiliacutebrio=extremos

Causas da injusticcedila Maldades ganacircncia paixotildees ignoracircncia e desobediecircncia

O Homem injusto ldquoConsidera-se injusto o homem que viola a lei aquele que agindo pela avidez

toma mais do que lhe eacute devido Tambeacutem aquele que viola a igualdade (tomando no que diz

respeito as coisas maacutes menos do que a sua parte)rdquo

ldquoO Homem que age injustamente tem em excesso enquanto o que eacute injusticcedilado recebe pouco do

que eacute bom No caso das coisas maacutes eacute o contraacuterio

Justiccedila e Felicidade Todos os atos legiacutetimos satildeo justos e como tais produzem e preservam a

felicidade A eacutetica aristoteacutelica pressupotildee que as accedilotildees praticadas sejam orientadas para o bem

coletivo e a felicidade geral pelo que o conhecimento deve ser levado agrave praacutetica em benefiacutecio de

todos os cidadatildeos Aristoacuteteles aponta sempre para a necessidade de se pensar o coletivo acima do

particular sem contudo defender que os interesses particulares natildeo devam ser defendidos e

respeitados

Aristoacuteteles descreveu dois tipos de justiccedila

Justiccedila Universal Exerciacutecio de todas as virtudes fazer o que eacute certo em sentido amplo o que eacute

bom

Justiccedila Particular Refere-se agrave distribuiccedilatildeo de honras e bens na vida social dizendo respeito agraves

relaccedilotildees interpessoais este tipo de justiccedila manifesta-se pela observacircncia da lei e da igualdade

Justiccedila distributiva O justo deve ser ao mesmo tempo intermediaacuterio igual e relativo E a mesma

igualdade observar-se-aacute entre as pessoas e entre as coisas envolvidas segue-se o brocardo de que

as distribuiccedilotildees devem ser feitas de acordo com o meacuterito pois todos admitem que a distribuiccedilatildeo

justa deve recordar com o meacuterito se bem que nem todos especifiquem a mesma espeacutecie de meacuterito

O justo eacute pois uma espeacutecie de termo proporcional O injusto eacute o que viola a proporccedilatildeo

Justiccedila Corretiva O justo particular corretivo consiste na aplicaccedilatildeo de um juiacutezo corretivo nas

relaccedilotildees a serem estabelecidas entre os indiviacuteduos Na medida em que surgem conflitos de direito

agrave justiccedila corretiva eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de corrigir este conflito de modo que se retorne o status

quo Eacute ela ldquo[] o intermediaacuterio entre a perda e o ganhordquo Desse modo ela previne os cidadatildeos de

serem lesados nos seus direitos

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A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

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- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 7: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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artesatildeosartiacutefices (seriam os trabalhadores cuja principal funccedilatildeo consistia em assegurar os bens e

o sustento da cidade) noutras pessoas seria a prata e pertenceriam portanto agrave classe dos

guardasmilitares (cuja funccedilatildeo seria a proteger e defender a cidade) e finalmente teriacuteamos um

restrito grupo de pessoas cuja alma seria caracterizada pelo ouro pertencendo tais elementos agrave

classe mais importante a dos magistradosgovernantes agrave qual as outras duas estariam

subordinadas (a funccedilatildeo dos governantes seria logicamente a de colocar a sabedoria ao serviccedilo do

governo da cidade)

A teoria dos metais seria um dos criteacuterios para seleccionar os cidadatildeos para as classes propostas

por Platatildeo todavia esse ldquometalrdquo seria apurado natildeo por hereditariedade mas pelo sistema

educacional imposto pelos magistrados que faria sobressair as inclinaccedilotildees naturais de cada um

Outro grande contributo de Platatildeo para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas prende-se com a sua

tipologia das formas de Governo O filoacutesofo projecta 5 modelos

- Monarquia - podia ser uma sofiocracia (descrita como a forma de Governo da Cidade Ideal

assente na sabedoria e exercida pelo Rei-filoacutesofo) ou uma tirania (e neste caso o poder absoluto

assentava num soacute homem de cariz violento e desprovido das luzes da filosofia)

- Oligarquia - podia ser uma timocracia (e nesse caso o poder estaria assente na classe dos guardas

acabando por se instalar o predomiacutenio da forccedila sobre a sabedoria) ou podia ser tambeacutem uma

plutocracia (descrita como o governo de uma minoria de ricos voltados para os seus interesses

pessoais)

- Um modelo democraacutetico embora apreciasse pouco a democracia pois entendia que as grandes

massas e multidotildees satildeo incapazes de no seu todo possuir a Razatildeo e a Sabedoria necessaacuterias para

o governo da cidade Considera que na democracia os sofistas transformavam os valores morais

conforme os seus apetitesinteresses impondo a sua superioridade fiacutesica intelectual e social

banindo os saacutebios do poder

Platatildeo considera que a melhor forma de governo eacute a monarquia sofiocraacutetica (a cargo do Rei-

Filoacutesofo ndash aquele que consegue olhar para a verdade absoluta promulgando leis sobre o belo

justo e o bem aquele que possui boa memoacuteria e facilidade de aprendizagem dotado de

superioridade e amabilidade amigo e aderente da verdade justiccedila coragem e temperanccedila) e que a

pior eacute a tirania A democracia quanto a ele eacute melhor que a tirania ndash pois o governo da multidatildeo eacute

incapaz de gerar um grande mal - mas eacute pior que a monarquia sofiocraacutetica ndash pois o governo da

multidatildeo eacute incapaz de gerar um grande bem

Entregue a um Rei-Filoacutesofo a sofiocracia seria noutras palavras ldquoo governo de uma soacute pessoa

com o maacuteximo de conhecimentordquo na arte de governar

Para ele o governante ideal estaacute acima da lei e natildeo soacute pode como deve ignoraacute-la ou afastaacute-la

sempre que no seu criteacuterio o interesse superior da colectividade assim o exija o estadista deve

forccedilar os cidadatildeos a ir contra o disposto nos seus coacutedigos e tradiccedilotildees se no interesse deles isso for

melhor do que acatar as leis

Platatildeo natildeo quer o governo das leis mas antes o governo de um homem sobre os demais homens

Platatildeo preconiza para a sua Cidade ideal um regime geral de relaccedilotildees entre governantes e

governados assente no comando autoritaacuterio dos primeiros e na obediecircncia cega dos segundos

No entender de Platatildeo as formas de governo natildeo satildeo imutaacuteveis na medida em que evoluiriam

consoante as circunstacircncias Ele daacute inclusivamente como assente uma espeacutecie de ciclo (A sucessatildeo

ciacuteclica das formas de governo) em termos governamentais que se iniciaria com a sofiocracia

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passaria para a timocracia e posteriormente agrave oligarquia dando esta lugar agrave democracia e o

governo democraacutetico devido agraves suas vicissitudes culminaria numa tirania A tirania seria uma

espeacutecie de culminar esta espeacutecie de ciclo governamental dando origem a novo ciclo que se

iniciaria novamente com a sofiocracia

Aristoacuteteles

Aristoacuteteles nasce (seacutec IV aC de 384-322 aC) na cidade de Estagira na Macedoacutenia por isso ficaraacute

a ser conhecido como o Estagirita

Aristoacuteteles eacute partidaacuterio do bom senso do equiliacutebrio da moderaccedilatildeo ndash isto eacute em sentido grego da

virtude Para ele o ideal a atingir natildeo eacute a Cidade justa mas sim o bom cidadatildeo o cidadatildeo

virtuoso o cidadatildeo justo orientado para a felicidade por um Estado eacutetico e tutelar

A poliacutetica aristoteacutelica eacute essencialmente unida agrave moral porque o fim uacuteltimo do estado eacute a virtude

isto eacute a formaccedilatildeo moral dos cidadatildeos e o conjunto dos meios necessaacuterios para isso O estado eacute um

organismo moral condiccedilatildeo e complemento da atividade moral individual e fundamento primeiro

da suprema atividade contemplativa

Na filosofia aristoteacutelica a poliacutetica eacute um desdobramento natural da eacutetica Ambas na verdade

compotildeem a unidade do que Aristoacuteteles designava filosofia praacutetica Se a eacutetica estaacute preocupada com

a felicidade individual do homem a poliacutetica preocupa-se com a felicidade coletiva da Poacutelis Desse

modo a tarefa da poliacutetica eacute investigar e descobrir quais satildeo as formas de governo e as instituiccedilotildees

capazes de assegurar a felicidade coletiva

O estado entatildeo eacute superior ao indiviacuteduo porquanto a coletividade eacute superior ao indiviacuteduo o bem

comum superior ao bem particular Unicamente no estado efetua-se a satisfaccedilatildeo de todas as

necessidades pois o homem sendo naturalmente animal social poliacutetico natildeo pode realizar a sua

perfeiccedilatildeo sem a sociedade do estado

No livro P O L Iacute T I C A Aristoacuteteles inicia a sua reflexatildeo filosoacutefica mostrando que a cidade eacute

uma comunidade poliacutetica eacute uma criaccedilatildeo natural e que o homem eacute por natureza um animal

socialhellip Todavia por ser dotado de inteligecircncia e vontade o homem necessita de normas que

regulamentem a sua conduta dentro da comunidade Assinala Aristoacuteteles que efetivamente o

homem quando perfeito eacute o melhor dos animais mas eacute tambeacutem o pior de todos quando

afastado da lei e da justiccedila pois a injusticcedila eacute mais perniciosa quando armada e o homem nasce

dotado de armas para serem usadas pela inteligecircncia e pelo talento mas podem secirc-lo em

sentido inteiramente oposto () a justiccedila eacute a base da sociedade sua aplicaccedilatildeo assegura a ordem

na comunidade social por ser o meio de determinar o que eacute justo Apoacutes criticar vaacuterios aspetos

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da filosofia poliacutetica de Platatildeo o Estagirita analisa diversas constituiccedilotildees de Cidades-Estado

visando encontrar elementos para a melhor forma de governo

Considerando que a POLIS (isto eacute a Cidade-Estado) existe para promover o bem-comum

Aristoacuteteles analisou as diversas formas de governo existentes na sua eacutepoca Assim diz ele

() as constituiccedilotildees cujo objetivo eacute o bem-comum satildeo corretamente estruturadas de

conformidade com os princiacutepios essenciais da justiccedila enquanto as que visam apenas ao bem

dos proacuteprios governantes satildeo todas defeituosas e constituem desvios das constituiccedilotildees corretas

de fato elas passam a ser despoacuteticas enquanto a cidade deve ser uma comunidade de homens

livres

Aristoacuteteles defende o primado da lei sobre a vontade dos homens Para ele a regra geral eacute a do

respeito pela lei a da observacircncia da legalidade e igualdade a do sistema das leis objectivas e

impessoais acima da vontade do capricho e da discricionariedade dos homens Haacute pois neste

sistema toda a possibilidade de atender agraves circunstacircncias particulares de cada caso seraacute essa a

tarefa dos oacutergatildeos executores da lei por delegaccedilatildeo dela e dentro dos limites por ela definidos Ou

seja ldquoo primado da lei eacute preferiacutevel ao governo livre de qualquer cidadatildeordquo pois ldquoa lei eacute a razatildeo

sem o apetiterdquo ao passo que o poder pessoal eacute o domiacutenio das paixotildees incontrolaacuteveis subjectivo e

arbitraacuterio

Para Aristoacuteteles o regime legiacutetimo ou ldquobomrdquo eacute aquele que tem por fim o bem comum e que eacute

conforme agrave justiccedila ao inveacutes daqueles que apenas soacute tendem para o benefiacutecio particular de alguns

Assim o Estagirita apresenta uma classificaccedilatildeo de regimes poliacuteticos agrupados em regimes satildeos

(monarquia aristocracia e a repuacuteblica) e regimes degenerados (tirania oligarquia e democracia)

- Entre as monarquias daacute-se o nome de realeza aquela que tem por fim o interesse geral

- O governo de um pequeno nuacutemero de homens ou de vaacuterios mas natildeo de um soacute chama-se

aristocracia porque eles o exercem para o maior bem do Estado e de todos os membros da

sociedade

- Quando a multidatildeo governa no sentido do interesse geral chama-se repuacuteblica

Os governos que constituem desvio ou degeneraccedilotildees satildeo

- em relaccedilatildeo agrave realeza a tirania ndash monarquia governada no interesse exclusivo do monarca

- em relaccedilatildeo agrave aristocracia a oligarquia ndash dirigida unicamente no interesse dos ricos

- em relaccedilatildeo agrave repuacuteblica a democracia ndash somente no interesse dos pobres

A Monarquia desvirtuada transforma em Tirania onde a vontade de um sempre prevaleceraacute

contra a ordem juriacutedica vigente Quando a Aristocracia eacute degenerada aparece a Oligarquia nesse

contexto o poder estaraacute nas matildeos dos possuidores de riqueza

A uacuteltima forma desvirtuada seraacute a Democracia na traduccedilatildeo literal de Aristoacuteteles ou a Demagogia

na visatildeo de Bonavides e Azambuja Esta seraacute exercida pelas populaccedilotildees ldquorudes ignaras e

despoacuteticasrdquo ou ldquoo poder eacute exercido pelos que natildeo possuem muitos bens ou seja pelos pobresrdquo

Eacute importante observar que para Aristoacuteteles quando alguma classe social toma o poder para si

exercendo despoticamente estaraacute em um contexto de forma impura de governo

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Ao definir a melhor forma de governo Aristoacuteteles aplica agrave poliacutetica o princiacutepio da medianidade

que ele expocircs no livro Eacutetica a Nicocircmaco

Na sua individualidade o homem ao agir procura conquistar a felicidade Ora a funccedilatildeo

preciacutepua de todo governo eacute proporcionar a realizaccedilatildeo da felicidade coletiva que ele chama de

bem comum Este soacute se realiza na forma de governo que se baseia no princiacutepio do meio-termo

No livro II da Eacutetica a Nicocircmaco o Estagirita expotildee o princiacutepio do meio-termo da seguinte

forma

Em tudo que eacute contiacutenuo e divisiacutevel pode-se tomar mais menos ou uma quantidade igual e isso

quer em termos da proacutepria coisa quer relativamente a noacutes e o igual eacute um meio-termo entre o

excesso e a falta Por meio-termo no objeto entendo aquilo que eacute equidistante de ambos os

extremos e que eacute um soacute e o mesmo para todos os homens e por meio-termo relativamente a

noacutes o que natildeo eacute nem demasiado nem demasiadamente pouco - e este natildeo eacute um soacute e o mesmo

para todos

Diz o citado autor que a virtude eacute uma mediana Por conseguinte tanto na vida individual

quanto na vida coletiva a virtude estaacute na moderaccedilatildeo no equiliacutebrio que manteacutem as coisas

equidistantes dos extremos ora de excesso ora de carecircncia Se os extremos satildeo prejudiciais aos

indiviacuteduos da mesma forma seratildeo nocivos agrave sociedade

Ao aplicar o princiacutepio da medianidade agrave poliacutetica o Estagirita encontrou a melhor forma de

governo naquela constituiccedilatildeo que mistura elementos democraacuteticos com elementos oligaacuterquicos

Desta forma satildeo evitados os extremos de riqueza e os extremos de pobreza

Assim para Aristoacuteteles a melhor forma de governo seria uma repuacuteblica (governo assente no poder

do grande nuacutemero exercido no interesse de todos os cidadatildeos) de caraacutecter misto contendo alguns

elementos de oligarquia (muitas instituiccedilotildees oligaacuterquicas tais como as magistraturas por eleiccedilatildeo) e

de democracia (muitas coisas populares tais como educaccedilatildeo e vestuaacuterio acessiacutevel a todos) e

apoiada no predomiacutenio das classes meacutedias

Tal como Platatildeo Aristoacuteteles tambeacutem emitiu a sua teoria sobre a sucessatildeo ciacuteclica das formas de

governo comeccedilaria na monarquia (o governo dos antigos) passaria para a aristocracia oligarquia

tirania de seguida a democracia e resultaria na repuacuteblica mista que resultaraacute tanto melhor quanto se

apoiar mais na classe meacutedia

Aristoacuteteles sobre as classes sociais defende o predomiacutenio das classes meacutedias pois a melhor forma

de governo a melhor espeacutecie de sociedade poliacutetica eacute a que for constituiacuteda em maioria por

cidadatildeos das classes meacutedias Defende que os que pertencem agrave classe meacutedia integram-se mais

harmoniosamente numa sociedade equilibrada e satilde pois a violecircncia (dos mais abastados) e a

intriga (dos mais pobres) satildeo duas fontes iniquidades ldquoDe maneira que estes incapazes de

comandar (os mais pobres) natildeo sabem senatildeo mostrar uma submissatildeo servil e aqueles (os mais

ricos) incapazes de se submeter a qualquer poder legiacutetimo (desobediecircncia aos magistrados) natildeo

sabem senatildeo exercer uma autoridade despoacuteticardquo E assim ldquoos cidadatildeos de condiccedilatildeo meacutedia natildeo

empregam violecircncias nem intrigas porque natildeo ambicionam as magistraturasrdquo Assim Aristoacuteteles

conclui que a sociedade civil mais perfeita eacute aquela em que a condiccedilatildeo meacutedia eacute mais numerosa e

poderosa que as outras duas (ou pelo menos mais poderosa que cada uma das outras) pois

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quando ldquouns tecircm riquezas imensas e os outros natildeo tecircm nada daiacute resulta sempre ou a pior das

democracias ou uma oligarquia desenfreada ou uma tirania insuportaacutevelrdquo

O governo constitucional resultante da mistura de elementos democraacuteticos e oligaacuterquicos se

submete ao impeacuterio da lei e tem na justiccedila e na liberdade os princiacutepios basilares que devem

reger as relaccedilotildees dos cidadatildeos entre si e destes com o Estado

O homem feliz seraacute aquele que for capaz de dedicar a melhor parte da sua vida agrave contemplaccedilatildeo

filosoacutefica das verdades eternas mas sem desprezar por outro lado a vida activa assente numa

quantidade moderada de bens materiais e de sauacutede Mas para que os homens se tornem bons eacute

necessaacuterio que o governo e as leis do paiacutes sejam orientados para a consecuccedilatildeo do bem em suma

ldquoeacute atraveacutes das leis que noacutes podemos tornar-nos bonsrdquo A poliacutetica estaacute pois ao serviccedilo da moral as

leis devem conduzir agrave virtude do bom cidadatildeo e se possiacutevel ainda mais agrave virtude (suprema) do

homem de bem O Estado natildeo eacute portanto apenas um fenoacutemeno poliacutetico ou juriacutedico o Estado eacute e

deve ser um Estado eacutetico um fenoacutemeno moral e religioso

Aristoacuteteles critica o modelo da unicidade da Cidade de Platatildeo defendendo a superioridade do

pluralismo social e poliacutetico (a Cidade ao tornar-se mais una e ao ser reconduzida o mais possiacutevel agrave

unicidade acabaraacute por ser reduzida a uma famiacutelia e esta a um indiviacuteduo aniquilando a Cidade

que deve pressupor uma pluralidade

Aristoacuteteles defende a propriedade privada principalmente pelo sentimento de satisfaccedilatildeo de que

uma coisa nos pertence como coisa proacutepria O Estagirita argumenta que pela comunhatildeo de bens

mais problemas sociais advecircm pelo facto de existirem ldquomais frequentemente dissensotildees entre

aqueles que possuem coisas em comum do que entre aqueles cujas fortunas satildeo distintas e

separadasrdquo

Aristoacuteteles defende a famiacutelia ao exprimir a sua repugnacircncia (moral e social) por esse tipo de

sociedade onde seraacute praticamente ldquoimpossiacutevel que um pai diga meu filho ou que um filho diga

meu pairdquo O fundamento eacute de que ldquonada inspira menos interesse (ao Homem) do que uma coisa

cuja posse eacute comum a grande nuacutemero de pessoas porquanto se daacute uma grande importacircncia ao

que nos pertencerdquo Outro conjunto de consequecircncias da teoria de Platatildeo era a generalizaccedilatildeo dos

laccedilos familiares (ou seja inexistentes) e que provocaria ldquoassassinatos rixas e injuacuteriasrdquo bem como a

possiacutevel banalizaccedilatildeo de relaccedilotildees promiacutescuas tais como o incesto

Segundo Aristoacuteteles a famiacutelia compotildee-se de quatro elementos os filhos a mulher os bens os

escravos aleacutem naturalmente do chefe a que pertence a direccedilatildeo da famiacutelia Deve ele guiar os filhos

e as mulheres em razatildeo da imperfeiccedilatildeo destes No entanto para que a propriedade seja

produtora satildeo necessaacuterios instrumentos inanimados e animados estes uacuteltimos seriam os escravos

Aristoacuteteles natildeo nega a natureza humana ao escravo mas constata que na sociedade satildeo

necessaacuterios tambeacutem os trabalhos materiais que exigem indiviacuteduos particulares a que fica assim

tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma visto ser necessaacuterio para

tanto tempo e liberdade bem como aptas qualidades espirituais excluiacutedas pelas proacuteprias

caracteriacutesticas qualidades materiais de tais indiviacuteduos Daiacute a escravidatildeo

O estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social poliacutetico O estado

provecirc inicialmente a satisfaccedilatildeo daquelas necessidades materiais negativas e positivas defesa e

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seguranccedila conservaccedilatildeo e engrandecimento de outro modo irrealizaacuteveis Mas o seu fim essencial eacute

espiritual isto eacute deve promover a virtude e consequentemente a felicidade dos suacutebditos

mediante a ciecircncia

Compreende-se entatildeo como seja tarefa essencial do estado a educaccedilatildeo que deve desenvolver

harmocircnica e hierarquicamente todas as faculdades antes de tudo as espirituais intelectuais e

subordinadamente as materiais fiacutesicas O fim da educaccedilatildeo eacute formar homens mediante as artes

liberais importantiacutessimas a poesia e a muacutesica e natildeo maacutequinas mediante um treinamento

profissional Eis porque Aristoacuteteles como Platatildeo condena o estado que ao inveacutes de se preocupar

com uma paciacutefica educaccedilatildeo cientiacutefica e moral visa a conquista e a guerra E critica dessa forma a

educaccedilatildeo militar de Esparta que faz da guerra a tarefa preciacutepua do estado e potildee a conquista

acima da virtude enquanto a guerra como o trabalho satildeo apenas meios para a paz e o lazer

sapiente

O Estado deve promover a famiacutelia e a educaccedilatildeo legislando sobre as mesmas

Conveacutem fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos e o dos homens nos trinta e sete ou

pouco menos Assim a uniatildeo seraacute feita no momento do maacuteximo vigor e os dois esposos teratildeo um

tempo pouco mais ou menos igual para educar a famiacutelia ateacute que cessem a ser proacuteprios agrave

procriaccedilatildeo

Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar deve haver uma lei que

proiacuteba alimentar toda a crianccedila disforme Sobre o nuacutemero dos filhos (porque o nuacutemero dos

nascimentos deve sempre ser limitado) se os costumes natildeo permitem que os abandonem e se

alguns casamentos satildeo tatildeo fecundos que ultrapassem o limite fixado de nascimentos eacute preciso

provocar o aborto antes que o feto receba animaccedilatildeo e a vida com efeito soacute pela animaccedilatildeo e vida

se poderaacute determinar se existe crime

Como jaacute mencionado o cidadatildeo deve ir em busca das virtudes da justiccedila e do fim uacuteltimo a

liberdadehellip mas haacute muitos conceitos por redescobrir

O que eacute Justiccedila

Todos os homens entendem por justiccedila aquela disposiccedilatildeo de caraacuteter que torna as pessoas

propensas a fazer o que eacute justo que as faz agir justamente e desejar o que eacute justo e do mesmo

modo por injusticcedila se entende a disposiccedilatildeo que as leva a agir injustamente e a desejar o que eacute

injusto

O homem Justo Eacute aquele que respeita e lei e a igualdade Escolhe sempre os maiores bens

(virtude e felicidade) em detrimento dos menores (riquezas e prazeres) As leis tecircm em mira a

vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detecircm o poder de modo

que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a

sociedade poliacutetica a felicidade e os elementos que a compotildeem Na justiccedila estatildeo compreendidas

todas as virtudes E ela eacute a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exerciacutecio atual

da virtude completa Eacute completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude natildeo soacute

sobre si mesmo mas tambeacutem sobre o seu proacuteximo

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O pior dos homens eacute aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com

os seus amigos e o melhor natildeo eacute o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com

um outro

A justiccedila seraacute entatildeo uma praacutetica efetiva de excelecircncia moral

A Injusticcedila Eacute necessaacuterio falar sobre injusticcedila para se compreender bem o que eacute a proacutepria justiccedila

Ideia de grega de apresentar sempre o conceito e a negaccedilatildeo deste ldquoQuando se conhece a boa

condiccedilatildeo a maacute tambeacutem se torna manifestardquo

O que eacute a Injusticcedila Se justiccedila eacute a justa medida o meio termo entre o excesso e a falta a injusticcedila eacute

tudo aquilo que viola esta proporccedilatildeo Injusticcedila=desequiliacutebrio=extremos

Causas da injusticcedila Maldades ganacircncia paixotildees ignoracircncia e desobediecircncia

O Homem injusto ldquoConsidera-se injusto o homem que viola a lei aquele que agindo pela avidez

toma mais do que lhe eacute devido Tambeacutem aquele que viola a igualdade (tomando no que diz

respeito as coisas maacutes menos do que a sua parte)rdquo

ldquoO Homem que age injustamente tem em excesso enquanto o que eacute injusticcedilado recebe pouco do

que eacute bom No caso das coisas maacutes eacute o contraacuterio

Justiccedila e Felicidade Todos os atos legiacutetimos satildeo justos e como tais produzem e preservam a

felicidade A eacutetica aristoteacutelica pressupotildee que as accedilotildees praticadas sejam orientadas para o bem

coletivo e a felicidade geral pelo que o conhecimento deve ser levado agrave praacutetica em benefiacutecio de

todos os cidadatildeos Aristoacuteteles aponta sempre para a necessidade de se pensar o coletivo acima do

particular sem contudo defender que os interesses particulares natildeo devam ser defendidos e

respeitados

Aristoacuteteles descreveu dois tipos de justiccedila

Justiccedila Universal Exerciacutecio de todas as virtudes fazer o que eacute certo em sentido amplo o que eacute

bom

Justiccedila Particular Refere-se agrave distribuiccedilatildeo de honras e bens na vida social dizendo respeito agraves

relaccedilotildees interpessoais este tipo de justiccedila manifesta-se pela observacircncia da lei e da igualdade

Justiccedila distributiva O justo deve ser ao mesmo tempo intermediaacuterio igual e relativo E a mesma

igualdade observar-se-aacute entre as pessoas e entre as coisas envolvidas segue-se o brocardo de que

as distribuiccedilotildees devem ser feitas de acordo com o meacuterito pois todos admitem que a distribuiccedilatildeo

justa deve recordar com o meacuterito se bem que nem todos especifiquem a mesma espeacutecie de meacuterito

O justo eacute pois uma espeacutecie de termo proporcional O injusto eacute o que viola a proporccedilatildeo

Justiccedila Corretiva O justo particular corretivo consiste na aplicaccedilatildeo de um juiacutezo corretivo nas

relaccedilotildees a serem estabelecidas entre os indiviacuteduos Na medida em que surgem conflitos de direito

agrave justiccedila corretiva eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de corrigir este conflito de modo que se retorne o status

quo Eacute ela ldquo[] o intermediaacuterio entre a perda e o ganhordquo Desse modo ela previne os cidadatildeos de

serem lesados nos seus direitos

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A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 8: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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passaria para a timocracia e posteriormente agrave oligarquia dando esta lugar agrave democracia e o

governo democraacutetico devido agraves suas vicissitudes culminaria numa tirania A tirania seria uma

espeacutecie de culminar esta espeacutecie de ciclo governamental dando origem a novo ciclo que se

iniciaria novamente com a sofiocracia

Aristoacuteteles

Aristoacuteteles nasce (seacutec IV aC de 384-322 aC) na cidade de Estagira na Macedoacutenia por isso ficaraacute

a ser conhecido como o Estagirita

Aristoacuteteles eacute partidaacuterio do bom senso do equiliacutebrio da moderaccedilatildeo ndash isto eacute em sentido grego da

virtude Para ele o ideal a atingir natildeo eacute a Cidade justa mas sim o bom cidadatildeo o cidadatildeo

virtuoso o cidadatildeo justo orientado para a felicidade por um Estado eacutetico e tutelar

A poliacutetica aristoteacutelica eacute essencialmente unida agrave moral porque o fim uacuteltimo do estado eacute a virtude

isto eacute a formaccedilatildeo moral dos cidadatildeos e o conjunto dos meios necessaacuterios para isso O estado eacute um

organismo moral condiccedilatildeo e complemento da atividade moral individual e fundamento primeiro

da suprema atividade contemplativa

Na filosofia aristoteacutelica a poliacutetica eacute um desdobramento natural da eacutetica Ambas na verdade

compotildeem a unidade do que Aristoacuteteles designava filosofia praacutetica Se a eacutetica estaacute preocupada com

a felicidade individual do homem a poliacutetica preocupa-se com a felicidade coletiva da Poacutelis Desse

modo a tarefa da poliacutetica eacute investigar e descobrir quais satildeo as formas de governo e as instituiccedilotildees

capazes de assegurar a felicidade coletiva

O estado entatildeo eacute superior ao indiviacuteduo porquanto a coletividade eacute superior ao indiviacuteduo o bem

comum superior ao bem particular Unicamente no estado efetua-se a satisfaccedilatildeo de todas as

necessidades pois o homem sendo naturalmente animal social poliacutetico natildeo pode realizar a sua

perfeiccedilatildeo sem a sociedade do estado

No livro P O L Iacute T I C A Aristoacuteteles inicia a sua reflexatildeo filosoacutefica mostrando que a cidade eacute

uma comunidade poliacutetica eacute uma criaccedilatildeo natural e que o homem eacute por natureza um animal

socialhellip Todavia por ser dotado de inteligecircncia e vontade o homem necessita de normas que

regulamentem a sua conduta dentro da comunidade Assinala Aristoacuteteles que efetivamente o

homem quando perfeito eacute o melhor dos animais mas eacute tambeacutem o pior de todos quando

afastado da lei e da justiccedila pois a injusticcedila eacute mais perniciosa quando armada e o homem nasce

dotado de armas para serem usadas pela inteligecircncia e pelo talento mas podem secirc-lo em

sentido inteiramente oposto () a justiccedila eacute a base da sociedade sua aplicaccedilatildeo assegura a ordem

na comunidade social por ser o meio de determinar o que eacute justo Apoacutes criticar vaacuterios aspetos

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da filosofia poliacutetica de Platatildeo o Estagirita analisa diversas constituiccedilotildees de Cidades-Estado

visando encontrar elementos para a melhor forma de governo

Considerando que a POLIS (isto eacute a Cidade-Estado) existe para promover o bem-comum

Aristoacuteteles analisou as diversas formas de governo existentes na sua eacutepoca Assim diz ele

() as constituiccedilotildees cujo objetivo eacute o bem-comum satildeo corretamente estruturadas de

conformidade com os princiacutepios essenciais da justiccedila enquanto as que visam apenas ao bem

dos proacuteprios governantes satildeo todas defeituosas e constituem desvios das constituiccedilotildees corretas

de fato elas passam a ser despoacuteticas enquanto a cidade deve ser uma comunidade de homens

livres

Aristoacuteteles defende o primado da lei sobre a vontade dos homens Para ele a regra geral eacute a do

respeito pela lei a da observacircncia da legalidade e igualdade a do sistema das leis objectivas e

impessoais acima da vontade do capricho e da discricionariedade dos homens Haacute pois neste

sistema toda a possibilidade de atender agraves circunstacircncias particulares de cada caso seraacute essa a

tarefa dos oacutergatildeos executores da lei por delegaccedilatildeo dela e dentro dos limites por ela definidos Ou

seja ldquoo primado da lei eacute preferiacutevel ao governo livre de qualquer cidadatildeordquo pois ldquoa lei eacute a razatildeo

sem o apetiterdquo ao passo que o poder pessoal eacute o domiacutenio das paixotildees incontrolaacuteveis subjectivo e

arbitraacuterio

Para Aristoacuteteles o regime legiacutetimo ou ldquobomrdquo eacute aquele que tem por fim o bem comum e que eacute

conforme agrave justiccedila ao inveacutes daqueles que apenas soacute tendem para o benefiacutecio particular de alguns

Assim o Estagirita apresenta uma classificaccedilatildeo de regimes poliacuteticos agrupados em regimes satildeos

(monarquia aristocracia e a repuacuteblica) e regimes degenerados (tirania oligarquia e democracia)

- Entre as monarquias daacute-se o nome de realeza aquela que tem por fim o interesse geral

- O governo de um pequeno nuacutemero de homens ou de vaacuterios mas natildeo de um soacute chama-se

aristocracia porque eles o exercem para o maior bem do Estado e de todos os membros da

sociedade

- Quando a multidatildeo governa no sentido do interesse geral chama-se repuacuteblica

Os governos que constituem desvio ou degeneraccedilotildees satildeo

- em relaccedilatildeo agrave realeza a tirania ndash monarquia governada no interesse exclusivo do monarca

- em relaccedilatildeo agrave aristocracia a oligarquia ndash dirigida unicamente no interesse dos ricos

- em relaccedilatildeo agrave repuacuteblica a democracia ndash somente no interesse dos pobres

A Monarquia desvirtuada transforma em Tirania onde a vontade de um sempre prevaleceraacute

contra a ordem juriacutedica vigente Quando a Aristocracia eacute degenerada aparece a Oligarquia nesse

contexto o poder estaraacute nas matildeos dos possuidores de riqueza

A uacuteltima forma desvirtuada seraacute a Democracia na traduccedilatildeo literal de Aristoacuteteles ou a Demagogia

na visatildeo de Bonavides e Azambuja Esta seraacute exercida pelas populaccedilotildees ldquorudes ignaras e

despoacuteticasrdquo ou ldquoo poder eacute exercido pelos que natildeo possuem muitos bens ou seja pelos pobresrdquo

Eacute importante observar que para Aristoacuteteles quando alguma classe social toma o poder para si

exercendo despoticamente estaraacute em um contexto de forma impura de governo

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Ao definir a melhor forma de governo Aristoacuteteles aplica agrave poliacutetica o princiacutepio da medianidade

que ele expocircs no livro Eacutetica a Nicocircmaco

Na sua individualidade o homem ao agir procura conquistar a felicidade Ora a funccedilatildeo

preciacutepua de todo governo eacute proporcionar a realizaccedilatildeo da felicidade coletiva que ele chama de

bem comum Este soacute se realiza na forma de governo que se baseia no princiacutepio do meio-termo

No livro II da Eacutetica a Nicocircmaco o Estagirita expotildee o princiacutepio do meio-termo da seguinte

forma

Em tudo que eacute contiacutenuo e divisiacutevel pode-se tomar mais menos ou uma quantidade igual e isso

quer em termos da proacutepria coisa quer relativamente a noacutes e o igual eacute um meio-termo entre o

excesso e a falta Por meio-termo no objeto entendo aquilo que eacute equidistante de ambos os

extremos e que eacute um soacute e o mesmo para todos os homens e por meio-termo relativamente a

noacutes o que natildeo eacute nem demasiado nem demasiadamente pouco - e este natildeo eacute um soacute e o mesmo

para todos

Diz o citado autor que a virtude eacute uma mediana Por conseguinte tanto na vida individual

quanto na vida coletiva a virtude estaacute na moderaccedilatildeo no equiliacutebrio que manteacutem as coisas

equidistantes dos extremos ora de excesso ora de carecircncia Se os extremos satildeo prejudiciais aos

indiviacuteduos da mesma forma seratildeo nocivos agrave sociedade

Ao aplicar o princiacutepio da medianidade agrave poliacutetica o Estagirita encontrou a melhor forma de

governo naquela constituiccedilatildeo que mistura elementos democraacuteticos com elementos oligaacuterquicos

Desta forma satildeo evitados os extremos de riqueza e os extremos de pobreza

Assim para Aristoacuteteles a melhor forma de governo seria uma repuacuteblica (governo assente no poder

do grande nuacutemero exercido no interesse de todos os cidadatildeos) de caraacutecter misto contendo alguns

elementos de oligarquia (muitas instituiccedilotildees oligaacuterquicas tais como as magistraturas por eleiccedilatildeo) e

de democracia (muitas coisas populares tais como educaccedilatildeo e vestuaacuterio acessiacutevel a todos) e

apoiada no predomiacutenio das classes meacutedias

Tal como Platatildeo Aristoacuteteles tambeacutem emitiu a sua teoria sobre a sucessatildeo ciacuteclica das formas de

governo comeccedilaria na monarquia (o governo dos antigos) passaria para a aristocracia oligarquia

tirania de seguida a democracia e resultaria na repuacuteblica mista que resultaraacute tanto melhor quanto se

apoiar mais na classe meacutedia

Aristoacuteteles sobre as classes sociais defende o predomiacutenio das classes meacutedias pois a melhor forma

de governo a melhor espeacutecie de sociedade poliacutetica eacute a que for constituiacuteda em maioria por

cidadatildeos das classes meacutedias Defende que os que pertencem agrave classe meacutedia integram-se mais

harmoniosamente numa sociedade equilibrada e satilde pois a violecircncia (dos mais abastados) e a

intriga (dos mais pobres) satildeo duas fontes iniquidades ldquoDe maneira que estes incapazes de

comandar (os mais pobres) natildeo sabem senatildeo mostrar uma submissatildeo servil e aqueles (os mais

ricos) incapazes de se submeter a qualquer poder legiacutetimo (desobediecircncia aos magistrados) natildeo

sabem senatildeo exercer uma autoridade despoacuteticardquo E assim ldquoos cidadatildeos de condiccedilatildeo meacutedia natildeo

empregam violecircncias nem intrigas porque natildeo ambicionam as magistraturasrdquo Assim Aristoacuteteles

conclui que a sociedade civil mais perfeita eacute aquela em que a condiccedilatildeo meacutedia eacute mais numerosa e

poderosa que as outras duas (ou pelo menos mais poderosa que cada uma das outras) pois

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quando ldquouns tecircm riquezas imensas e os outros natildeo tecircm nada daiacute resulta sempre ou a pior das

democracias ou uma oligarquia desenfreada ou uma tirania insuportaacutevelrdquo

O governo constitucional resultante da mistura de elementos democraacuteticos e oligaacuterquicos se

submete ao impeacuterio da lei e tem na justiccedila e na liberdade os princiacutepios basilares que devem

reger as relaccedilotildees dos cidadatildeos entre si e destes com o Estado

O homem feliz seraacute aquele que for capaz de dedicar a melhor parte da sua vida agrave contemplaccedilatildeo

filosoacutefica das verdades eternas mas sem desprezar por outro lado a vida activa assente numa

quantidade moderada de bens materiais e de sauacutede Mas para que os homens se tornem bons eacute

necessaacuterio que o governo e as leis do paiacutes sejam orientados para a consecuccedilatildeo do bem em suma

ldquoeacute atraveacutes das leis que noacutes podemos tornar-nos bonsrdquo A poliacutetica estaacute pois ao serviccedilo da moral as

leis devem conduzir agrave virtude do bom cidadatildeo e se possiacutevel ainda mais agrave virtude (suprema) do

homem de bem O Estado natildeo eacute portanto apenas um fenoacutemeno poliacutetico ou juriacutedico o Estado eacute e

deve ser um Estado eacutetico um fenoacutemeno moral e religioso

Aristoacuteteles critica o modelo da unicidade da Cidade de Platatildeo defendendo a superioridade do

pluralismo social e poliacutetico (a Cidade ao tornar-se mais una e ao ser reconduzida o mais possiacutevel agrave

unicidade acabaraacute por ser reduzida a uma famiacutelia e esta a um indiviacuteduo aniquilando a Cidade

que deve pressupor uma pluralidade

Aristoacuteteles defende a propriedade privada principalmente pelo sentimento de satisfaccedilatildeo de que

uma coisa nos pertence como coisa proacutepria O Estagirita argumenta que pela comunhatildeo de bens

mais problemas sociais advecircm pelo facto de existirem ldquomais frequentemente dissensotildees entre

aqueles que possuem coisas em comum do que entre aqueles cujas fortunas satildeo distintas e

separadasrdquo

Aristoacuteteles defende a famiacutelia ao exprimir a sua repugnacircncia (moral e social) por esse tipo de

sociedade onde seraacute praticamente ldquoimpossiacutevel que um pai diga meu filho ou que um filho diga

meu pairdquo O fundamento eacute de que ldquonada inspira menos interesse (ao Homem) do que uma coisa

cuja posse eacute comum a grande nuacutemero de pessoas porquanto se daacute uma grande importacircncia ao

que nos pertencerdquo Outro conjunto de consequecircncias da teoria de Platatildeo era a generalizaccedilatildeo dos

laccedilos familiares (ou seja inexistentes) e que provocaria ldquoassassinatos rixas e injuacuteriasrdquo bem como a

possiacutevel banalizaccedilatildeo de relaccedilotildees promiacutescuas tais como o incesto

Segundo Aristoacuteteles a famiacutelia compotildee-se de quatro elementos os filhos a mulher os bens os

escravos aleacutem naturalmente do chefe a que pertence a direccedilatildeo da famiacutelia Deve ele guiar os filhos

e as mulheres em razatildeo da imperfeiccedilatildeo destes No entanto para que a propriedade seja

produtora satildeo necessaacuterios instrumentos inanimados e animados estes uacuteltimos seriam os escravos

Aristoacuteteles natildeo nega a natureza humana ao escravo mas constata que na sociedade satildeo

necessaacuterios tambeacutem os trabalhos materiais que exigem indiviacuteduos particulares a que fica assim

tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma visto ser necessaacuterio para

tanto tempo e liberdade bem como aptas qualidades espirituais excluiacutedas pelas proacuteprias

caracteriacutesticas qualidades materiais de tais indiviacuteduos Daiacute a escravidatildeo

O estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social poliacutetico O estado

provecirc inicialmente a satisfaccedilatildeo daquelas necessidades materiais negativas e positivas defesa e

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seguranccedila conservaccedilatildeo e engrandecimento de outro modo irrealizaacuteveis Mas o seu fim essencial eacute

espiritual isto eacute deve promover a virtude e consequentemente a felicidade dos suacutebditos

mediante a ciecircncia

Compreende-se entatildeo como seja tarefa essencial do estado a educaccedilatildeo que deve desenvolver

harmocircnica e hierarquicamente todas as faculdades antes de tudo as espirituais intelectuais e

subordinadamente as materiais fiacutesicas O fim da educaccedilatildeo eacute formar homens mediante as artes

liberais importantiacutessimas a poesia e a muacutesica e natildeo maacutequinas mediante um treinamento

profissional Eis porque Aristoacuteteles como Platatildeo condena o estado que ao inveacutes de se preocupar

com uma paciacutefica educaccedilatildeo cientiacutefica e moral visa a conquista e a guerra E critica dessa forma a

educaccedilatildeo militar de Esparta que faz da guerra a tarefa preciacutepua do estado e potildee a conquista

acima da virtude enquanto a guerra como o trabalho satildeo apenas meios para a paz e o lazer

sapiente

O Estado deve promover a famiacutelia e a educaccedilatildeo legislando sobre as mesmas

Conveacutem fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos e o dos homens nos trinta e sete ou

pouco menos Assim a uniatildeo seraacute feita no momento do maacuteximo vigor e os dois esposos teratildeo um

tempo pouco mais ou menos igual para educar a famiacutelia ateacute que cessem a ser proacuteprios agrave

procriaccedilatildeo

Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar deve haver uma lei que

proiacuteba alimentar toda a crianccedila disforme Sobre o nuacutemero dos filhos (porque o nuacutemero dos

nascimentos deve sempre ser limitado) se os costumes natildeo permitem que os abandonem e se

alguns casamentos satildeo tatildeo fecundos que ultrapassem o limite fixado de nascimentos eacute preciso

provocar o aborto antes que o feto receba animaccedilatildeo e a vida com efeito soacute pela animaccedilatildeo e vida

se poderaacute determinar se existe crime

Como jaacute mencionado o cidadatildeo deve ir em busca das virtudes da justiccedila e do fim uacuteltimo a

liberdadehellip mas haacute muitos conceitos por redescobrir

O que eacute Justiccedila

Todos os homens entendem por justiccedila aquela disposiccedilatildeo de caraacuteter que torna as pessoas

propensas a fazer o que eacute justo que as faz agir justamente e desejar o que eacute justo e do mesmo

modo por injusticcedila se entende a disposiccedilatildeo que as leva a agir injustamente e a desejar o que eacute

injusto

O homem Justo Eacute aquele que respeita e lei e a igualdade Escolhe sempre os maiores bens

(virtude e felicidade) em detrimento dos menores (riquezas e prazeres) As leis tecircm em mira a

vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detecircm o poder de modo

que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a

sociedade poliacutetica a felicidade e os elementos que a compotildeem Na justiccedila estatildeo compreendidas

todas as virtudes E ela eacute a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exerciacutecio atual

da virtude completa Eacute completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude natildeo soacute

sobre si mesmo mas tambeacutem sobre o seu proacuteximo

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O pior dos homens eacute aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com

os seus amigos e o melhor natildeo eacute o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com

um outro

A justiccedila seraacute entatildeo uma praacutetica efetiva de excelecircncia moral

A Injusticcedila Eacute necessaacuterio falar sobre injusticcedila para se compreender bem o que eacute a proacutepria justiccedila

Ideia de grega de apresentar sempre o conceito e a negaccedilatildeo deste ldquoQuando se conhece a boa

condiccedilatildeo a maacute tambeacutem se torna manifestardquo

O que eacute a Injusticcedila Se justiccedila eacute a justa medida o meio termo entre o excesso e a falta a injusticcedila eacute

tudo aquilo que viola esta proporccedilatildeo Injusticcedila=desequiliacutebrio=extremos

Causas da injusticcedila Maldades ganacircncia paixotildees ignoracircncia e desobediecircncia

O Homem injusto ldquoConsidera-se injusto o homem que viola a lei aquele que agindo pela avidez

toma mais do que lhe eacute devido Tambeacutem aquele que viola a igualdade (tomando no que diz

respeito as coisas maacutes menos do que a sua parte)rdquo

ldquoO Homem que age injustamente tem em excesso enquanto o que eacute injusticcedilado recebe pouco do

que eacute bom No caso das coisas maacutes eacute o contraacuterio

Justiccedila e Felicidade Todos os atos legiacutetimos satildeo justos e como tais produzem e preservam a

felicidade A eacutetica aristoteacutelica pressupotildee que as accedilotildees praticadas sejam orientadas para o bem

coletivo e a felicidade geral pelo que o conhecimento deve ser levado agrave praacutetica em benefiacutecio de

todos os cidadatildeos Aristoacuteteles aponta sempre para a necessidade de se pensar o coletivo acima do

particular sem contudo defender que os interesses particulares natildeo devam ser defendidos e

respeitados

Aristoacuteteles descreveu dois tipos de justiccedila

Justiccedila Universal Exerciacutecio de todas as virtudes fazer o que eacute certo em sentido amplo o que eacute

bom

Justiccedila Particular Refere-se agrave distribuiccedilatildeo de honras e bens na vida social dizendo respeito agraves

relaccedilotildees interpessoais este tipo de justiccedila manifesta-se pela observacircncia da lei e da igualdade

Justiccedila distributiva O justo deve ser ao mesmo tempo intermediaacuterio igual e relativo E a mesma

igualdade observar-se-aacute entre as pessoas e entre as coisas envolvidas segue-se o brocardo de que

as distribuiccedilotildees devem ser feitas de acordo com o meacuterito pois todos admitem que a distribuiccedilatildeo

justa deve recordar com o meacuterito se bem que nem todos especifiquem a mesma espeacutecie de meacuterito

O justo eacute pois uma espeacutecie de termo proporcional O injusto eacute o que viola a proporccedilatildeo

Justiccedila Corretiva O justo particular corretivo consiste na aplicaccedilatildeo de um juiacutezo corretivo nas

relaccedilotildees a serem estabelecidas entre os indiviacuteduos Na medida em que surgem conflitos de direito

agrave justiccedila corretiva eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de corrigir este conflito de modo que se retorne o status

quo Eacute ela ldquo[] o intermediaacuterio entre a perda e o ganhordquo Desse modo ela previne os cidadatildeos de

serem lesados nos seus direitos

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A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 9: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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da filosofia poliacutetica de Platatildeo o Estagirita analisa diversas constituiccedilotildees de Cidades-Estado

visando encontrar elementos para a melhor forma de governo

Considerando que a POLIS (isto eacute a Cidade-Estado) existe para promover o bem-comum

Aristoacuteteles analisou as diversas formas de governo existentes na sua eacutepoca Assim diz ele

() as constituiccedilotildees cujo objetivo eacute o bem-comum satildeo corretamente estruturadas de

conformidade com os princiacutepios essenciais da justiccedila enquanto as que visam apenas ao bem

dos proacuteprios governantes satildeo todas defeituosas e constituem desvios das constituiccedilotildees corretas

de fato elas passam a ser despoacuteticas enquanto a cidade deve ser uma comunidade de homens

livres

Aristoacuteteles defende o primado da lei sobre a vontade dos homens Para ele a regra geral eacute a do

respeito pela lei a da observacircncia da legalidade e igualdade a do sistema das leis objectivas e

impessoais acima da vontade do capricho e da discricionariedade dos homens Haacute pois neste

sistema toda a possibilidade de atender agraves circunstacircncias particulares de cada caso seraacute essa a

tarefa dos oacutergatildeos executores da lei por delegaccedilatildeo dela e dentro dos limites por ela definidos Ou

seja ldquoo primado da lei eacute preferiacutevel ao governo livre de qualquer cidadatildeordquo pois ldquoa lei eacute a razatildeo

sem o apetiterdquo ao passo que o poder pessoal eacute o domiacutenio das paixotildees incontrolaacuteveis subjectivo e

arbitraacuterio

Para Aristoacuteteles o regime legiacutetimo ou ldquobomrdquo eacute aquele que tem por fim o bem comum e que eacute

conforme agrave justiccedila ao inveacutes daqueles que apenas soacute tendem para o benefiacutecio particular de alguns

Assim o Estagirita apresenta uma classificaccedilatildeo de regimes poliacuteticos agrupados em regimes satildeos

(monarquia aristocracia e a repuacuteblica) e regimes degenerados (tirania oligarquia e democracia)

- Entre as monarquias daacute-se o nome de realeza aquela que tem por fim o interesse geral

- O governo de um pequeno nuacutemero de homens ou de vaacuterios mas natildeo de um soacute chama-se

aristocracia porque eles o exercem para o maior bem do Estado e de todos os membros da

sociedade

- Quando a multidatildeo governa no sentido do interesse geral chama-se repuacuteblica

Os governos que constituem desvio ou degeneraccedilotildees satildeo

- em relaccedilatildeo agrave realeza a tirania ndash monarquia governada no interesse exclusivo do monarca

- em relaccedilatildeo agrave aristocracia a oligarquia ndash dirigida unicamente no interesse dos ricos

- em relaccedilatildeo agrave repuacuteblica a democracia ndash somente no interesse dos pobres

A Monarquia desvirtuada transforma em Tirania onde a vontade de um sempre prevaleceraacute

contra a ordem juriacutedica vigente Quando a Aristocracia eacute degenerada aparece a Oligarquia nesse

contexto o poder estaraacute nas matildeos dos possuidores de riqueza

A uacuteltima forma desvirtuada seraacute a Democracia na traduccedilatildeo literal de Aristoacuteteles ou a Demagogia

na visatildeo de Bonavides e Azambuja Esta seraacute exercida pelas populaccedilotildees ldquorudes ignaras e

despoacuteticasrdquo ou ldquoo poder eacute exercido pelos que natildeo possuem muitos bens ou seja pelos pobresrdquo

Eacute importante observar que para Aristoacuteteles quando alguma classe social toma o poder para si

exercendo despoticamente estaraacute em um contexto de forma impura de governo

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Ao definir a melhor forma de governo Aristoacuteteles aplica agrave poliacutetica o princiacutepio da medianidade

que ele expocircs no livro Eacutetica a Nicocircmaco

Na sua individualidade o homem ao agir procura conquistar a felicidade Ora a funccedilatildeo

preciacutepua de todo governo eacute proporcionar a realizaccedilatildeo da felicidade coletiva que ele chama de

bem comum Este soacute se realiza na forma de governo que se baseia no princiacutepio do meio-termo

No livro II da Eacutetica a Nicocircmaco o Estagirita expotildee o princiacutepio do meio-termo da seguinte

forma

Em tudo que eacute contiacutenuo e divisiacutevel pode-se tomar mais menos ou uma quantidade igual e isso

quer em termos da proacutepria coisa quer relativamente a noacutes e o igual eacute um meio-termo entre o

excesso e a falta Por meio-termo no objeto entendo aquilo que eacute equidistante de ambos os

extremos e que eacute um soacute e o mesmo para todos os homens e por meio-termo relativamente a

noacutes o que natildeo eacute nem demasiado nem demasiadamente pouco - e este natildeo eacute um soacute e o mesmo

para todos

Diz o citado autor que a virtude eacute uma mediana Por conseguinte tanto na vida individual

quanto na vida coletiva a virtude estaacute na moderaccedilatildeo no equiliacutebrio que manteacutem as coisas

equidistantes dos extremos ora de excesso ora de carecircncia Se os extremos satildeo prejudiciais aos

indiviacuteduos da mesma forma seratildeo nocivos agrave sociedade

Ao aplicar o princiacutepio da medianidade agrave poliacutetica o Estagirita encontrou a melhor forma de

governo naquela constituiccedilatildeo que mistura elementos democraacuteticos com elementos oligaacuterquicos

Desta forma satildeo evitados os extremos de riqueza e os extremos de pobreza

Assim para Aristoacuteteles a melhor forma de governo seria uma repuacuteblica (governo assente no poder

do grande nuacutemero exercido no interesse de todos os cidadatildeos) de caraacutecter misto contendo alguns

elementos de oligarquia (muitas instituiccedilotildees oligaacuterquicas tais como as magistraturas por eleiccedilatildeo) e

de democracia (muitas coisas populares tais como educaccedilatildeo e vestuaacuterio acessiacutevel a todos) e

apoiada no predomiacutenio das classes meacutedias

Tal como Platatildeo Aristoacuteteles tambeacutem emitiu a sua teoria sobre a sucessatildeo ciacuteclica das formas de

governo comeccedilaria na monarquia (o governo dos antigos) passaria para a aristocracia oligarquia

tirania de seguida a democracia e resultaria na repuacuteblica mista que resultaraacute tanto melhor quanto se

apoiar mais na classe meacutedia

Aristoacuteteles sobre as classes sociais defende o predomiacutenio das classes meacutedias pois a melhor forma

de governo a melhor espeacutecie de sociedade poliacutetica eacute a que for constituiacuteda em maioria por

cidadatildeos das classes meacutedias Defende que os que pertencem agrave classe meacutedia integram-se mais

harmoniosamente numa sociedade equilibrada e satilde pois a violecircncia (dos mais abastados) e a

intriga (dos mais pobres) satildeo duas fontes iniquidades ldquoDe maneira que estes incapazes de

comandar (os mais pobres) natildeo sabem senatildeo mostrar uma submissatildeo servil e aqueles (os mais

ricos) incapazes de se submeter a qualquer poder legiacutetimo (desobediecircncia aos magistrados) natildeo

sabem senatildeo exercer uma autoridade despoacuteticardquo E assim ldquoos cidadatildeos de condiccedilatildeo meacutedia natildeo

empregam violecircncias nem intrigas porque natildeo ambicionam as magistraturasrdquo Assim Aristoacuteteles

conclui que a sociedade civil mais perfeita eacute aquela em que a condiccedilatildeo meacutedia eacute mais numerosa e

poderosa que as outras duas (ou pelo menos mais poderosa que cada uma das outras) pois

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quando ldquouns tecircm riquezas imensas e os outros natildeo tecircm nada daiacute resulta sempre ou a pior das

democracias ou uma oligarquia desenfreada ou uma tirania insuportaacutevelrdquo

O governo constitucional resultante da mistura de elementos democraacuteticos e oligaacuterquicos se

submete ao impeacuterio da lei e tem na justiccedila e na liberdade os princiacutepios basilares que devem

reger as relaccedilotildees dos cidadatildeos entre si e destes com o Estado

O homem feliz seraacute aquele que for capaz de dedicar a melhor parte da sua vida agrave contemplaccedilatildeo

filosoacutefica das verdades eternas mas sem desprezar por outro lado a vida activa assente numa

quantidade moderada de bens materiais e de sauacutede Mas para que os homens se tornem bons eacute

necessaacuterio que o governo e as leis do paiacutes sejam orientados para a consecuccedilatildeo do bem em suma

ldquoeacute atraveacutes das leis que noacutes podemos tornar-nos bonsrdquo A poliacutetica estaacute pois ao serviccedilo da moral as

leis devem conduzir agrave virtude do bom cidadatildeo e se possiacutevel ainda mais agrave virtude (suprema) do

homem de bem O Estado natildeo eacute portanto apenas um fenoacutemeno poliacutetico ou juriacutedico o Estado eacute e

deve ser um Estado eacutetico um fenoacutemeno moral e religioso

Aristoacuteteles critica o modelo da unicidade da Cidade de Platatildeo defendendo a superioridade do

pluralismo social e poliacutetico (a Cidade ao tornar-se mais una e ao ser reconduzida o mais possiacutevel agrave

unicidade acabaraacute por ser reduzida a uma famiacutelia e esta a um indiviacuteduo aniquilando a Cidade

que deve pressupor uma pluralidade

Aristoacuteteles defende a propriedade privada principalmente pelo sentimento de satisfaccedilatildeo de que

uma coisa nos pertence como coisa proacutepria O Estagirita argumenta que pela comunhatildeo de bens

mais problemas sociais advecircm pelo facto de existirem ldquomais frequentemente dissensotildees entre

aqueles que possuem coisas em comum do que entre aqueles cujas fortunas satildeo distintas e

separadasrdquo

Aristoacuteteles defende a famiacutelia ao exprimir a sua repugnacircncia (moral e social) por esse tipo de

sociedade onde seraacute praticamente ldquoimpossiacutevel que um pai diga meu filho ou que um filho diga

meu pairdquo O fundamento eacute de que ldquonada inspira menos interesse (ao Homem) do que uma coisa

cuja posse eacute comum a grande nuacutemero de pessoas porquanto se daacute uma grande importacircncia ao

que nos pertencerdquo Outro conjunto de consequecircncias da teoria de Platatildeo era a generalizaccedilatildeo dos

laccedilos familiares (ou seja inexistentes) e que provocaria ldquoassassinatos rixas e injuacuteriasrdquo bem como a

possiacutevel banalizaccedilatildeo de relaccedilotildees promiacutescuas tais como o incesto

Segundo Aristoacuteteles a famiacutelia compotildee-se de quatro elementos os filhos a mulher os bens os

escravos aleacutem naturalmente do chefe a que pertence a direccedilatildeo da famiacutelia Deve ele guiar os filhos

e as mulheres em razatildeo da imperfeiccedilatildeo destes No entanto para que a propriedade seja

produtora satildeo necessaacuterios instrumentos inanimados e animados estes uacuteltimos seriam os escravos

Aristoacuteteles natildeo nega a natureza humana ao escravo mas constata que na sociedade satildeo

necessaacuterios tambeacutem os trabalhos materiais que exigem indiviacuteduos particulares a que fica assim

tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma visto ser necessaacuterio para

tanto tempo e liberdade bem como aptas qualidades espirituais excluiacutedas pelas proacuteprias

caracteriacutesticas qualidades materiais de tais indiviacuteduos Daiacute a escravidatildeo

O estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social poliacutetico O estado

provecirc inicialmente a satisfaccedilatildeo daquelas necessidades materiais negativas e positivas defesa e

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seguranccedila conservaccedilatildeo e engrandecimento de outro modo irrealizaacuteveis Mas o seu fim essencial eacute

espiritual isto eacute deve promover a virtude e consequentemente a felicidade dos suacutebditos

mediante a ciecircncia

Compreende-se entatildeo como seja tarefa essencial do estado a educaccedilatildeo que deve desenvolver

harmocircnica e hierarquicamente todas as faculdades antes de tudo as espirituais intelectuais e

subordinadamente as materiais fiacutesicas O fim da educaccedilatildeo eacute formar homens mediante as artes

liberais importantiacutessimas a poesia e a muacutesica e natildeo maacutequinas mediante um treinamento

profissional Eis porque Aristoacuteteles como Platatildeo condena o estado que ao inveacutes de se preocupar

com uma paciacutefica educaccedilatildeo cientiacutefica e moral visa a conquista e a guerra E critica dessa forma a

educaccedilatildeo militar de Esparta que faz da guerra a tarefa preciacutepua do estado e potildee a conquista

acima da virtude enquanto a guerra como o trabalho satildeo apenas meios para a paz e o lazer

sapiente

O Estado deve promover a famiacutelia e a educaccedilatildeo legislando sobre as mesmas

Conveacutem fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos e o dos homens nos trinta e sete ou

pouco menos Assim a uniatildeo seraacute feita no momento do maacuteximo vigor e os dois esposos teratildeo um

tempo pouco mais ou menos igual para educar a famiacutelia ateacute que cessem a ser proacuteprios agrave

procriaccedilatildeo

Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar deve haver uma lei que

proiacuteba alimentar toda a crianccedila disforme Sobre o nuacutemero dos filhos (porque o nuacutemero dos

nascimentos deve sempre ser limitado) se os costumes natildeo permitem que os abandonem e se

alguns casamentos satildeo tatildeo fecundos que ultrapassem o limite fixado de nascimentos eacute preciso

provocar o aborto antes que o feto receba animaccedilatildeo e a vida com efeito soacute pela animaccedilatildeo e vida

se poderaacute determinar se existe crime

Como jaacute mencionado o cidadatildeo deve ir em busca das virtudes da justiccedila e do fim uacuteltimo a

liberdadehellip mas haacute muitos conceitos por redescobrir

O que eacute Justiccedila

Todos os homens entendem por justiccedila aquela disposiccedilatildeo de caraacuteter que torna as pessoas

propensas a fazer o que eacute justo que as faz agir justamente e desejar o que eacute justo e do mesmo

modo por injusticcedila se entende a disposiccedilatildeo que as leva a agir injustamente e a desejar o que eacute

injusto

O homem Justo Eacute aquele que respeita e lei e a igualdade Escolhe sempre os maiores bens

(virtude e felicidade) em detrimento dos menores (riquezas e prazeres) As leis tecircm em mira a

vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detecircm o poder de modo

que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a

sociedade poliacutetica a felicidade e os elementos que a compotildeem Na justiccedila estatildeo compreendidas

todas as virtudes E ela eacute a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exerciacutecio atual

da virtude completa Eacute completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude natildeo soacute

sobre si mesmo mas tambeacutem sobre o seu proacuteximo

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

O pior dos homens eacute aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com

os seus amigos e o melhor natildeo eacute o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com

um outro

A justiccedila seraacute entatildeo uma praacutetica efetiva de excelecircncia moral

A Injusticcedila Eacute necessaacuterio falar sobre injusticcedila para se compreender bem o que eacute a proacutepria justiccedila

Ideia de grega de apresentar sempre o conceito e a negaccedilatildeo deste ldquoQuando se conhece a boa

condiccedilatildeo a maacute tambeacutem se torna manifestardquo

O que eacute a Injusticcedila Se justiccedila eacute a justa medida o meio termo entre o excesso e a falta a injusticcedila eacute

tudo aquilo que viola esta proporccedilatildeo Injusticcedila=desequiliacutebrio=extremos

Causas da injusticcedila Maldades ganacircncia paixotildees ignoracircncia e desobediecircncia

O Homem injusto ldquoConsidera-se injusto o homem que viola a lei aquele que agindo pela avidez

toma mais do que lhe eacute devido Tambeacutem aquele que viola a igualdade (tomando no que diz

respeito as coisas maacutes menos do que a sua parte)rdquo

ldquoO Homem que age injustamente tem em excesso enquanto o que eacute injusticcedilado recebe pouco do

que eacute bom No caso das coisas maacutes eacute o contraacuterio

Justiccedila e Felicidade Todos os atos legiacutetimos satildeo justos e como tais produzem e preservam a

felicidade A eacutetica aristoteacutelica pressupotildee que as accedilotildees praticadas sejam orientadas para o bem

coletivo e a felicidade geral pelo que o conhecimento deve ser levado agrave praacutetica em benefiacutecio de

todos os cidadatildeos Aristoacuteteles aponta sempre para a necessidade de se pensar o coletivo acima do

particular sem contudo defender que os interesses particulares natildeo devam ser defendidos e

respeitados

Aristoacuteteles descreveu dois tipos de justiccedila

Justiccedila Universal Exerciacutecio de todas as virtudes fazer o que eacute certo em sentido amplo o que eacute

bom

Justiccedila Particular Refere-se agrave distribuiccedilatildeo de honras e bens na vida social dizendo respeito agraves

relaccedilotildees interpessoais este tipo de justiccedila manifesta-se pela observacircncia da lei e da igualdade

Justiccedila distributiva O justo deve ser ao mesmo tempo intermediaacuterio igual e relativo E a mesma

igualdade observar-se-aacute entre as pessoas e entre as coisas envolvidas segue-se o brocardo de que

as distribuiccedilotildees devem ser feitas de acordo com o meacuterito pois todos admitem que a distribuiccedilatildeo

justa deve recordar com o meacuterito se bem que nem todos especifiquem a mesma espeacutecie de meacuterito

O justo eacute pois uma espeacutecie de termo proporcional O injusto eacute o que viola a proporccedilatildeo

Justiccedila Corretiva O justo particular corretivo consiste na aplicaccedilatildeo de um juiacutezo corretivo nas

relaccedilotildees a serem estabelecidas entre os indiviacuteduos Na medida em que surgem conflitos de direito

agrave justiccedila corretiva eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de corrigir este conflito de modo que se retorne o status

quo Eacute ela ldquo[] o intermediaacuterio entre a perda e o ganhordquo Desse modo ela previne os cidadatildeos de

serem lesados nos seus direitos

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A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

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- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 10: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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Ao definir a melhor forma de governo Aristoacuteteles aplica agrave poliacutetica o princiacutepio da medianidade

que ele expocircs no livro Eacutetica a Nicocircmaco

Na sua individualidade o homem ao agir procura conquistar a felicidade Ora a funccedilatildeo

preciacutepua de todo governo eacute proporcionar a realizaccedilatildeo da felicidade coletiva que ele chama de

bem comum Este soacute se realiza na forma de governo que se baseia no princiacutepio do meio-termo

No livro II da Eacutetica a Nicocircmaco o Estagirita expotildee o princiacutepio do meio-termo da seguinte

forma

Em tudo que eacute contiacutenuo e divisiacutevel pode-se tomar mais menos ou uma quantidade igual e isso

quer em termos da proacutepria coisa quer relativamente a noacutes e o igual eacute um meio-termo entre o

excesso e a falta Por meio-termo no objeto entendo aquilo que eacute equidistante de ambos os

extremos e que eacute um soacute e o mesmo para todos os homens e por meio-termo relativamente a

noacutes o que natildeo eacute nem demasiado nem demasiadamente pouco - e este natildeo eacute um soacute e o mesmo

para todos

Diz o citado autor que a virtude eacute uma mediana Por conseguinte tanto na vida individual

quanto na vida coletiva a virtude estaacute na moderaccedilatildeo no equiliacutebrio que manteacutem as coisas

equidistantes dos extremos ora de excesso ora de carecircncia Se os extremos satildeo prejudiciais aos

indiviacuteduos da mesma forma seratildeo nocivos agrave sociedade

Ao aplicar o princiacutepio da medianidade agrave poliacutetica o Estagirita encontrou a melhor forma de

governo naquela constituiccedilatildeo que mistura elementos democraacuteticos com elementos oligaacuterquicos

Desta forma satildeo evitados os extremos de riqueza e os extremos de pobreza

Assim para Aristoacuteteles a melhor forma de governo seria uma repuacuteblica (governo assente no poder

do grande nuacutemero exercido no interesse de todos os cidadatildeos) de caraacutecter misto contendo alguns

elementos de oligarquia (muitas instituiccedilotildees oligaacuterquicas tais como as magistraturas por eleiccedilatildeo) e

de democracia (muitas coisas populares tais como educaccedilatildeo e vestuaacuterio acessiacutevel a todos) e

apoiada no predomiacutenio das classes meacutedias

Tal como Platatildeo Aristoacuteteles tambeacutem emitiu a sua teoria sobre a sucessatildeo ciacuteclica das formas de

governo comeccedilaria na monarquia (o governo dos antigos) passaria para a aristocracia oligarquia

tirania de seguida a democracia e resultaria na repuacuteblica mista que resultaraacute tanto melhor quanto se

apoiar mais na classe meacutedia

Aristoacuteteles sobre as classes sociais defende o predomiacutenio das classes meacutedias pois a melhor forma

de governo a melhor espeacutecie de sociedade poliacutetica eacute a que for constituiacuteda em maioria por

cidadatildeos das classes meacutedias Defende que os que pertencem agrave classe meacutedia integram-se mais

harmoniosamente numa sociedade equilibrada e satilde pois a violecircncia (dos mais abastados) e a

intriga (dos mais pobres) satildeo duas fontes iniquidades ldquoDe maneira que estes incapazes de

comandar (os mais pobres) natildeo sabem senatildeo mostrar uma submissatildeo servil e aqueles (os mais

ricos) incapazes de se submeter a qualquer poder legiacutetimo (desobediecircncia aos magistrados) natildeo

sabem senatildeo exercer uma autoridade despoacuteticardquo E assim ldquoos cidadatildeos de condiccedilatildeo meacutedia natildeo

empregam violecircncias nem intrigas porque natildeo ambicionam as magistraturasrdquo Assim Aristoacuteteles

conclui que a sociedade civil mais perfeita eacute aquela em que a condiccedilatildeo meacutedia eacute mais numerosa e

poderosa que as outras duas (ou pelo menos mais poderosa que cada uma das outras) pois

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quando ldquouns tecircm riquezas imensas e os outros natildeo tecircm nada daiacute resulta sempre ou a pior das

democracias ou uma oligarquia desenfreada ou uma tirania insuportaacutevelrdquo

O governo constitucional resultante da mistura de elementos democraacuteticos e oligaacuterquicos se

submete ao impeacuterio da lei e tem na justiccedila e na liberdade os princiacutepios basilares que devem

reger as relaccedilotildees dos cidadatildeos entre si e destes com o Estado

O homem feliz seraacute aquele que for capaz de dedicar a melhor parte da sua vida agrave contemplaccedilatildeo

filosoacutefica das verdades eternas mas sem desprezar por outro lado a vida activa assente numa

quantidade moderada de bens materiais e de sauacutede Mas para que os homens se tornem bons eacute

necessaacuterio que o governo e as leis do paiacutes sejam orientados para a consecuccedilatildeo do bem em suma

ldquoeacute atraveacutes das leis que noacutes podemos tornar-nos bonsrdquo A poliacutetica estaacute pois ao serviccedilo da moral as

leis devem conduzir agrave virtude do bom cidadatildeo e se possiacutevel ainda mais agrave virtude (suprema) do

homem de bem O Estado natildeo eacute portanto apenas um fenoacutemeno poliacutetico ou juriacutedico o Estado eacute e

deve ser um Estado eacutetico um fenoacutemeno moral e religioso

Aristoacuteteles critica o modelo da unicidade da Cidade de Platatildeo defendendo a superioridade do

pluralismo social e poliacutetico (a Cidade ao tornar-se mais una e ao ser reconduzida o mais possiacutevel agrave

unicidade acabaraacute por ser reduzida a uma famiacutelia e esta a um indiviacuteduo aniquilando a Cidade

que deve pressupor uma pluralidade

Aristoacuteteles defende a propriedade privada principalmente pelo sentimento de satisfaccedilatildeo de que

uma coisa nos pertence como coisa proacutepria O Estagirita argumenta que pela comunhatildeo de bens

mais problemas sociais advecircm pelo facto de existirem ldquomais frequentemente dissensotildees entre

aqueles que possuem coisas em comum do que entre aqueles cujas fortunas satildeo distintas e

separadasrdquo

Aristoacuteteles defende a famiacutelia ao exprimir a sua repugnacircncia (moral e social) por esse tipo de

sociedade onde seraacute praticamente ldquoimpossiacutevel que um pai diga meu filho ou que um filho diga

meu pairdquo O fundamento eacute de que ldquonada inspira menos interesse (ao Homem) do que uma coisa

cuja posse eacute comum a grande nuacutemero de pessoas porquanto se daacute uma grande importacircncia ao

que nos pertencerdquo Outro conjunto de consequecircncias da teoria de Platatildeo era a generalizaccedilatildeo dos

laccedilos familiares (ou seja inexistentes) e que provocaria ldquoassassinatos rixas e injuacuteriasrdquo bem como a

possiacutevel banalizaccedilatildeo de relaccedilotildees promiacutescuas tais como o incesto

Segundo Aristoacuteteles a famiacutelia compotildee-se de quatro elementos os filhos a mulher os bens os

escravos aleacutem naturalmente do chefe a que pertence a direccedilatildeo da famiacutelia Deve ele guiar os filhos

e as mulheres em razatildeo da imperfeiccedilatildeo destes No entanto para que a propriedade seja

produtora satildeo necessaacuterios instrumentos inanimados e animados estes uacuteltimos seriam os escravos

Aristoacuteteles natildeo nega a natureza humana ao escravo mas constata que na sociedade satildeo

necessaacuterios tambeacutem os trabalhos materiais que exigem indiviacuteduos particulares a que fica assim

tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma visto ser necessaacuterio para

tanto tempo e liberdade bem como aptas qualidades espirituais excluiacutedas pelas proacuteprias

caracteriacutesticas qualidades materiais de tais indiviacuteduos Daiacute a escravidatildeo

O estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social poliacutetico O estado

provecirc inicialmente a satisfaccedilatildeo daquelas necessidades materiais negativas e positivas defesa e

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seguranccedila conservaccedilatildeo e engrandecimento de outro modo irrealizaacuteveis Mas o seu fim essencial eacute

espiritual isto eacute deve promover a virtude e consequentemente a felicidade dos suacutebditos

mediante a ciecircncia

Compreende-se entatildeo como seja tarefa essencial do estado a educaccedilatildeo que deve desenvolver

harmocircnica e hierarquicamente todas as faculdades antes de tudo as espirituais intelectuais e

subordinadamente as materiais fiacutesicas O fim da educaccedilatildeo eacute formar homens mediante as artes

liberais importantiacutessimas a poesia e a muacutesica e natildeo maacutequinas mediante um treinamento

profissional Eis porque Aristoacuteteles como Platatildeo condena o estado que ao inveacutes de se preocupar

com uma paciacutefica educaccedilatildeo cientiacutefica e moral visa a conquista e a guerra E critica dessa forma a

educaccedilatildeo militar de Esparta que faz da guerra a tarefa preciacutepua do estado e potildee a conquista

acima da virtude enquanto a guerra como o trabalho satildeo apenas meios para a paz e o lazer

sapiente

O Estado deve promover a famiacutelia e a educaccedilatildeo legislando sobre as mesmas

Conveacutem fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos e o dos homens nos trinta e sete ou

pouco menos Assim a uniatildeo seraacute feita no momento do maacuteximo vigor e os dois esposos teratildeo um

tempo pouco mais ou menos igual para educar a famiacutelia ateacute que cessem a ser proacuteprios agrave

procriaccedilatildeo

Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar deve haver uma lei que

proiacuteba alimentar toda a crianccedila disforme Sobre o nuacutemero dos filhos (porque o nuacutemero dos

nascimentos deve sempre ser limitado) se os costumes natildeo permitem que os abandonem e se

alguns casamentos satildeo tatildeo fecundos que ultrapassem o limite fixado de nascimentos eacute preciso

provocar o aborto antes que o feto receba animaccedilatildeo e a vida com efeito soacute pela animaccedilatildeo e vida

se poderaacute determinar se existe crime

Como jaacute mencionado o cidadatildeo deve ir em busca das virtudes da justiccedila e do fim uacuteltimo a

liberdadehellip mas haacute muitos conceitos por redescobrir

O que eacute Justiccedila

Todos os homens entendem por justiccedila aquela disposiccedilatildeo de caraacuteter que torna as pessoas

propensas a fazer o que eacute justo que as faz agir justamente e desejar o que eacute justo e do mesmo

modo por injusticcedila se entende a disposiccedilatildeo que as leva a agir injustamente e a desejar o que eacute

injusto

O homem Justo Eacute aquele que respeita e lei e a igualdade Escolhe sempre os maiores bens

(virtude e felicidade) em detrimento dos menores (riquezas e prazeres) As leis tecircm em mira a

vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detecircm o poder de modo

que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a

sociedade poliacutetica a felicidade e os elementos que a compotildeem Na justiccedila estatildeo compreendidas

todas as virtudes E ela eacute a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exerciacutecio atual

da virtude completa Eacute completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude natildeo soacute

sobre si mesmo mas tambeacutem sobre o seu proacuteximo

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O pior dos homens eacute aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com

os seus amigos e o melhor natildeo eacute o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com

um outro

A justiccedila seraacute entatildeo uma praacutetica efetiva de excelecircncia moral

A Injusticcedila Eacute necessaacuterio falar sobre injusticcedila para se compreender bem o que eacute a proacutepria justiccedila

Ideia de grega de apresentar sempre o conceito e a negaccedilatildeo deste ldquoQuando se conhece a boa

condiccedilatildeo a maacute tambeacutem se torna manifestardquo

O que eacute a Injusticcedila Se justiccedila eacute a justa medida o meio termo entre o excesso e a falta a injusticcedila eacute

tudo aquilo que viola esta proporccedilatildeo Injusticcedila=desequiliacutebrio=extremos

Causas da injusticcedila Maldades ganacircncia paixotildees ignoracircncia e desobediecircncia

O Homem injusto ldquoConsidera-se injusto o homem que viola a lei aquele que agindo pela avidez

toma mais do que lhe eacute devido Tambeacutem aquele que viola a igualdade (tomando no que diz

respeito as coisas maacutes menos do que a sua parte)rdquo

ldquoO Homem que age injustamente tem em excesso enquanto o que eacute injusticcedilado recebe pouco do

que eacute bom No caso das coisas maacutes eacute o contraacuterio

Justiccedila e Felicidade Todos os atos legiacutetimos satildeo justos e como tais produzem e preservam a

felicidade A eacutetica aristoteacutelica pressupotildee que as accedilotildees praticadas sejam orientadas para o bem

coletivo e a felicidade geral pelo que o conhecimento deve ser levado agrave praacutetica em benefiacutecio de

todos os cidadatildeos Aristoacuteteles aponta sempre para a necessidade de se pensar o coletivo acima do

particular sem contudo defender que os interesses particulares natildeo devam ser defendidos e

respeitados

Aristoacuteteles descreveu dois tipos de justiccedila

Justiccedila Universal Exerciacutecio de todas as virtudes fazer o que eacute certo em sentido amplo o que eacute

bom

Justiccedila Particular Refere-se agrave distribuiccedilatildeo de honras e bens na vida social dizendo respeito agraves

relaccedilotildees interpessoais este tipo de justiccedila manifesta-se pela observacircncia da lei e da igualdade

Justiccedila distributiva O justo deve ser ao mesmo tempo intermediaacuterio igual e relativo E a mesma

igualdade observar-se-aacute entre as pessoas e entre as coisas envolvidas segue-se o brocardo de que

as distribuiccedilotildees devem ser feitas de acordo com o meacuterito pois todos admitem que a distribuiccedilatildeo

justa deve recordar com o meacuterito se bem que nem todos especifiquem a mesma espeacutecie de meacuterito

O justo eacute pois uma espeacutecie de termo proporcional O injusto eacute o que viola a proporccedilatildeo

Justiccedila Corretiva O justo particular corretivo consiste na aplicaccedilatildeo de um juiacutezo corretivo nas

relaccedilotildees a serem estabelecidas entre os indiviacuteduos Na medida em que surgem conflitos de direito

agrave justiccedila corretiva eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de corrigir este conflito de modo que se retorne o status

quo Eacute ela ldquo[] o intermediaacuterio entre a perda e o ganhordquo Desse modo ela previne os cidadatildeos de

serem lesados nos seus direitos

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A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

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- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

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quando ldquouns tecircm riquezas imensas e os outros natildeo tecircm nada daiacute resulta sempre ou a pior das

democracias ou uma oligarquia desenfreada ou uma tirania insuportaacutevelrdquo

O governo constitucional resultante da mistura de elementos democraacuteticos e oligaacuterquicos se

submete ao impeacuterio da lei e tem na justiccedila e na liberdade os princiacutepios basilares que devem

reger as relaccedilotildees dos cidadatildeos entre si e destes com o Estado

O homem feliz seraacute aquele que for capaz de dedicar a melhor parte da sua vida agrave contemplaccedilatildeo

filosoacutefica das verdades eternas mas sem desprezar por outro lado a vida activa assente numa

quantidade moderada de bens materiais e de sauacutede Mas para que os homens se tornem bons eacute

necessaacuterio que o governo e as leis do paiacutes sejam orientados para a consecuccedilatildeo do bem em suma

ldquoeacute atraveacutes das leis que noacutes podemos tornar-nos bonsrdquo A poliacutetica estaacute pois ao serviccedilo da moral as

leis devem conduzir agrave virtude do bom cidadatildeo e se possiacutevel ainda mais agrave virtude (suprema) do

homem de bem O Estado natildeo eacute portanto apenas um fenoacutemeno poliacutetico ou juriacutedico o Estado eacute e

deve ser um Estado eacutetico um fenoacutemeno moral e religioso

Aristoacuteteles critica o modelo da unicidade da Cidade de Platatildeo defendendo a superioridade do

pluralismo social e poliacutetico (a Cidade ao tornar-se mais una e ao ser reconduzida o mais possiacutevel agrave

unicidade acabaraacute por ser reduzida a uma famiacutelia e esta a um indiviacuteduo aniquilando a Cidade

que deve pressupor uma pluralidade

Aristoacuteteles defende a propriedade privada principalmente pelo sentimento de satisfaccedilatildeo de que

uma coisa nos pertence como coisa proacutepria O Estagirita argumenta que pela comunhatildeo de bens

mais problemas sociais advecircm pelo facto de existirem ldquomais frequentemente dissensotildees entre

aqueles que possuem coisas em comum do que entre aqueles cujas fortunas satildeo distintas e

separadasrdquo

Aristoacuteteles defende a famiacutelia ao exprimir a sua repugnacircncia (moral e social) por esse tipo de

sociedade onde seraacute praticamente ldquoimpossiacutevel que um pai diga meu filho ou que um filho diga

meu pairdquo O fundamento eacute de que ldquonada inspira menos interesse (ao Homem) do que uma coisa

cuja posse eacute comum a grande nuacutemero de pessoas porquanto se daacute uma grande importacircncia ao

que nos pertencerdquo Outro conjunto de consequecircncias da teoria de Platatildeo era a generalizaccedilatildeo dos

laccedilos familiares (ou seja inexistentes) e que provocaria ldquoassassinatos rixas e injuacuteriasrdquo bem como a

possiacutevel banalizaccedilatildeo de relaccedilotildees promiacutescuas tais como o incesto

Segundo Aristoacuteteles a famiacutelia compotildee-se de quatro elementos os filhos a mulher os bens os

escravos aleacutem naturalmente do chefe a que pertence a direccedilatildeo da famiacutelia Deve ele guiar os filhos

e as mulheres em razatildeo da imperfeiccedilatildeo destes No entanto para que a propriedade seja

produtora satildeo necessaacuterios instrumentos inanimados e animados estes uacuteltimos seriam os escravos

Aristoacuteteles natildeo nega a natureza humana ao escravo mas constata que na sociedade satildeo

necessaacuterios tambeacutem os trabalhos materiais que exigem indiviacuteduos particulares a que fica assim

tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma visto ser necessaacuterio para

tanto tempo e liberdade bem como aptas qualidades espirituais excluiacutedas pelas proacuteprias

caracteriacutesticas qualidades materiais de tais indiviacuteduos Daiacute a escravidatildeo

O estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social poliacutetico O estado

provecirc inicialmente a satisfaccedilatildeo daquelas necessidades materiais negativas e positivas defesa e

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seguranccedila conservaccedilatildeo e engrandecimento de outro modo irrealizaacuteveis Mas o seu fim essencial eacute

espiritual isto eacute deve promover a virtude e consequentemente a felicidade dos suacutebditos

mediante a ciecircncia

Compreende-se entatildeo como seja tarefa essencial do estado a educaccedilatildeo que deve desenvolver

harmocircnica e hierarquicamente todas as faculdades antes de tudo as espirituais intelectuais e

subordinadamente as materiais fiacutesicas O fim da educaccedilatildeo eacute formar homens mediante as artes

liberais importantiacutessimas a poesia e a muacutesica e natildeo maacutequinas mediante um treinamento

profissional Eis porque Aristoacuteteles como Platatildeo condena o estado que ao inveacutes de se preocupar

com uma paciacutefica educaccedilatildeo cientiacutefica e moral visa a conquista e a guerra E critica dessa forma a

educaccedilatildeo militar de Esparta que faz da guerra a tarefa preciacutepua do estado e potildee a conquista

acima da virtude enquanto a guerra como o trabalho satildeo apenas meios para a paz e o lazer

sapiente

O Estado deve promover a famiacutelia e a educaccedilatildeo legislando sobre as mesmas

Conveacutem fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos e o dos homens nos trinta e sete ou

pouco menos Assim a uniatildeo seraacute feita no momento do maacuteximo vigor e os dois esposos teratildeo um

tempo pouco mais ou menos igual para educar a famiacutelia ateacute que cessem a ser proacuteprios agrave

procriaccedilatildeo

Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar deve haver uma lei que

proiacuteba alimentar toda a crianccedila disforme Sobre o nuacutemero dos filhos (porque o nuacutemero dos

nascimentos deve sempre ser limitado) se os costumes natildeo permitem que os abandonem e se

alguns casamentos satildeo tatildeo fecundos que ultrapassem o limite fixado de nascimentos eacute preciso

provocar o aborto antes que o feto receba animaccedilatildeo e a vida com efeito soacute pela animaccedilatildeo e vida

se poderaacute determinar se existe crime

Como jaacute mencionado o cidadatildeo deve ir em busca das virtudes da justiccedila e do fim uacuteltimo a

liberdadehellip mas haacute muitos conceitos por redescobrir

O que eacute Justiccedila

Todos os homens entendem por justiccedila aquela disposiccedilatildeo de caraacuteter que torna as pessoas

propensas a fazer o que eacute justo que as faz agir justamente e desejar o que eacute justo e do mesmo

modo por injusticcedila se entende a disposiccedilatildeo que as leva a agir injustamente e a desejar o que eacute

injusto

O homem Justo Eacute aquele que respeita e lei e a igualdade Escolhe sempre os maiores bens

(virtude e felicidade) em detrimento dos menores (riquezas e prazeres) As leis tecircm em mira a

vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detecircm o poder de modo

que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a

sociedade poliacutetica a felicidade e os elementos que a compotildeem Na justiccedila estatildeo compreendidas

todas as virtudes E ela eacute a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exerciacutecio atual

da virtude completa Eacute completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude natildeo soacute

sobre si mesmo mas tambeacutem sobre o seu proacuteximo

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O pior dos homens eacute aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com

os seus amigos e o melhor natildeo eacute o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com

um outro

A justiccedila seraacute entatildeo uma praacutetica efetiva de excelecircncia moral

A Injusticcedila Eacute necessaacuterio falar sobre injusticcedila para se compreender bem o que eacute a proacutepria justiccedila

Ideia de grega de apresentar sempre o conceito e a negaccedilatildeo deste ldquoQuando se conhece a boa

condiccedilatildeo a maacute tambeacutem se torna manifestardquo

O que eacute a Injusticcedila Se justiccedila eacute a justa medida o meio termo entre o excesso e a falta a injusticcedila eacute

tudo aquilo que viola esta proporccedilatildeo Injusticcedila=desequiliacutebrio=extremos

Causas da injusticcedila Maldades ganacircncia paixotildees ignoracircncia e desobediecircncia

O Homem injusto ldquoConsidera-se injusto o homem que viola a lei aquele que agindo pela avidez

toma mais do que lhe eacute devido Tambeacutem aquele que viola a igualdade (tomando no que diz

respeito as coisas maacutes menos do que a sua parte)rdquo

ldquoO Homem que age injustamente tem em excesso enquanto o que eacute injusticcedilado recebe pouco do

que eacute bom No caso das coisas maacutes eacute o contraacuterio

Justiccedila e Felicidade Todos os atos legiacutetimos satildeo justos e como tais produzem e preservam a

felicidade A eacutetica aristoteacutelica pressupotildee que as accedilotildees praticadas sejam orientadas para o bem

coletivo e a felicidade geral pelo que o conhecimento deve ser levado agrave praacutetica em benefiacutecio de

todos os cidadatildeos Aristoacuteteles aponta sempre para a necessidade de se pensar o coletivo acima do

particular sem contudo defender que os interesses particulares natildeo devam ser defendidos e

respeitados

Aristoacuteteles descreveu dois tipos de justiccedila

Justiccedila Universal Exerciacutecio de todas as virtudes fazer o que eacute certo em sentido amplo o que eacute

bom

Justiccedila Particular Refere-se agrave distribuiccedilatildeo de honras e bens na vida social dizendo respeito agraves

relaccedilotildees interpessoais este tipo de justiccedila manifesta-se pela observacircncia da lei e da igualdade

Justiccedila distributiva O justo deve ser ao mesmo tempo intermediaacuterio igual e relativo E a mesma

igualdade observar-se-aacute entre as pessoas e entre as coisas envolvidas segue-se o brocardo de que

as distribuiccedilotildees devem ser feitas de acordo com o meacuterito pois todos admitem que a distribuiccedilatildeo

justa deve recordar com o meacuterito se bem que nem todos especifiquem a mesma espeacutecie de meacuterito

O justo eacute pois uma espeacutecie de termo proporcional O injusto eacute o que viola a proporccedilatildeo

Justiccedila Corretiva O justo particular corretivo consiste na aplicaccedilatildeo de um juiacutezo corretivo nas

relaccedilotildees a serem estabelecidas entre os indiviacuteduos Na medida em que surgem conflitos de direito

agrave justiccedila corretiva eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de corrigir este conflito de modo que se retorne o status

quo Eacute ela ldquo[] o intermediaacuterio entre a perda e o ganhordquo Desse modo ela previne os cidadatildeos de

serem lesados nos seus direitos

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 12: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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seguranccedila conservaccedilatildeo e engrandecimento de outro modo irrealizaacuteveis Mas o seu fim essencial eacute

espiritual isto eacute deve promover a virtude e consequentemente a felicidade dos suacutebditos

mediante a ciecircncia

Compreende-se entatildeo como seja tarefa essencial do estado a educaccedilatildeo que deve desenvolver

harmocircnica e hierarquicamente todas as faculdades antes de tudo as espirituais intelectuais e

subordinadamente as materiais fiacutesicas O fim da educaccedilatildeo eacute formar homens mediante as artes

liberais importantiacutessimas a poesia e a muacutesica e natildeo maacutequinas mediante um treinamento

profissional Eis porque Aristoacuteteles como Platatildeo condena o estado que ao inveacutes de se preocupar

com uma paciacutefica educaccedilatildeo cientiacutefica e moral visa a conquista e a guerra E critica dessa forma a

educaccedilatildeo militar de Esparta que faz da guerra a tarefa preciacutepua do estado e potildee a conquista

acima da virtude enquanto a guerra como o trabalho satildeo apenas meios para a paz e o lazer

sapiente

O Estado deve promover a famiacutelia e a educaccedilatildeo legislando sobre as mesmas

Conveacutem fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos e o dos homens nos trinta e sete ou

pouco menos Assim a uniatildeo seraacute feita no momento do maacuteximo vigor e os dois esposos teratildeo um

tempo pouco mais ou menos igual para educar a famiacutelia ateacute que cessem a ser proacuteprios agrave

procriaccedilatildeo

Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar deve haver uma lei que

proiacuteba alimentar toda a crianccedila disforme Sobre o nuacutemero dos filhos (porque o nuacutemero dos

nascimentos deve sempre ser limitado) se os costumes natildeo permitem que os abandonem e se

alguns casamentos satildeo tatildeo fecundos que ultrapassem o limite fixado de nascimentos eacute preciso

provocar o aborto antes que o feto receba animaccedilatildeo e a vida com efeito soacute pela animaccedilatildeo e vida

se poderaacute determinar se existe crime

Como jaacute mencionado o cidadatildeo deve ir em busca das virtudes da justiccedila e do fim uacuteltimo a

liberdadehellip mas haacute muitos conceitos por redescobrir

O que eacute Justiccedila

Todos os homens entendem por justiccedila aquela disposiccedilatildeo de caraacuteter que torna as pessoas

propensas a fazer o que eacute justo que as faz agir justamente e desejar o que eacute justo e do mesmo

modo por injusticcedila se entende a disposiccedilatildeo que as leva a agir injustamente e a desejar o que eacute

injusto

O homem Justo Eacute aquele que respeita e lei e a igualdade Escolhe sempre os maiores bens

(virtude e felicidade) em detrimento dos menores (riquezas e prazeres) As leis tecircm em mira a

vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detecircm o poder de modo

que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a

sociedade poliacutetica a felicidade e os elementos que a compotildeem Na justiccedila estatildeo compreendidas

todas as virtudes E ela eacute a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exerciacutecio atual

da virtude completa Eacute completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude natildeo soacute

sobre si mesmo mas tambeacutem sobre o seu proacuteximo

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O pior dos homens eacute aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com

os seus amigos e o melhor natildeo eacute o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com

um outro

A justiccedila seraacute entatildeo uma praacutetica efetiva de excelecircncia moral

A Injusticcedila Eacute necessaacuterio falar sobre injusticcedila para se compreender bem o que eacute a proacutepria justiccedila

Ideia de grega de apresentar sempre o conceito e a negaccedilatildeo deste ldquoQuando se conhece a boa

condiccedilatildeo a maacute tambeacutem se torna manifestardquo

O que eacute a Injusticcedila Se justiccedila eacute a justa medida o meio termo entre o excesso e a falta a injusticcedila eacute

tudo aquilo que viola esta proporccedilatildeo Injusticcedila=desequiliacutebrio=extremos

Causas da injusticcedila Maldades ganacircncia paixotildees ignoracircncia e desobediecircncia

O Homem injusto ldquoConsidera-se injusto o homem que viola a lei aquele que agindo pela avidez

toma mais do que lhe eacute devido Tambeacutem aquele que viola a igualdade (tomando no que diz

respeito as coisas maacutes menos do que a sua parte)rdquo

ldquoO Homem que age injustamente tem em excesso enquanto o que eacute injusticcedilado recebe pouco do

que eacute bom No caso das coisas maacutes eacute o contraacuterio

Justiccedila e Felicidade Todos os atos legiacutetimos satildeo justos e como tais produzem e preservam a

felicidade A eacutetica aristoteacutelica pressupotildee que as accedilotildees praticadas sejam orientadas para o bem

coletivo e a felicidade geral pelo que o conhecimento deve ser levado agrave praacutetica em benefiacutecio de

todos os cidadatildeos Aristoacuteteles aponta sempre para a necessidade de se pensar o coletivo acima do

particular sem contudo defender que os interesses particulares natildeo devam ser defendidos e

respeitados

Aristoacuteteles descreveu dois tipos de justiccedila

Justiccedila Universal Exerciacutecio de todas as virtudes fazer o que eacute certo em sentido amplo o que eacute

bom

Justiccedila Particular Refere-se agrave distribuiccedilatildeo de honras e bens na vida social dizendo respeito agraves

relaccedilotildees interpessoais este tipo de justiccedila manifesta-se pela observacircncia da lei e da igualdade

Justiccedila distributiva O justo deve ser ao mesmo tempo intermediaacuterio igual e relativo E a mesma

igualdade observar-se-aacute entre as pessoas e entre as coisas envolvidas segue-se o brocardo de que

as distribuiccedilotildees devem ser feitas de acordo com o meacuterito pois todos admitem que a distribuiccedilatildeo

justa deve recordar com o meacuterito se bem que nem todos especifiquem a mesma espeacutecie de meacuterito

O justo eacute pois uma espeacutecie de termo proporcional O injusto eacute o que viola a proporccedilatildeo

Justiccedila Corretiva O justo particular corretivo consiste na aplicaccedilatildeo de um juiacutezo corretivo nas

relaccedilotildees a serem estabelecidas entre os indiviacuteduos Na medida em que surgem conflitos de direito

agrave justiccedila corretiva eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de corrigir este conflito de modo que se retorne o status

quo Eacute ela ldquo[] o intermediaacuterio entre a perda e o ganhordquo Desse modo ela previne os cidadatildeos de

serem lesados nos seus direitos

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A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 13: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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O pior dos homens eacute aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com

os seus amigos e o melhor natildeo eacute o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com

um outro

A justiccedila seraacute entatildeo uma praacutetica efetiva de excelecircncia moral

A Injusticcedila Eacute necessaacuterio falar sobre injusticcedila para se compreender bem o que eacute a proacutepria justiccedila

Ideia de grega de apresentar sempre o conceito e a negaccedilatildeo deste ldquoQuando se conhece a boa

condiccedilatildeo a maacute tambeacutem se torna manifestardquo

O que eacute a Injusticcedila Se justiccedila eacute a justa medida o meio termo entre o excesso e a falta a injusticcedila eacute

tudo aquilo que viola esta proporccedilatildeo Injusticcedila=desequiliacutebrio=extremos

Causas da injusticcedila Maldades ganacircncia paixotildees ignoracircncia e desobediecircncia

O Homem injusto ldquoConsidera-se injusto o homem que viola a lei aquele que agindo pela avidez

toma mais do que lhe eacute devido Tambeacutem aquele que viola a igualdade (tomando no que diz

respeito as coisas maacutes menos do que a sua parte)rdquo

ldquoO Homem que age injustamente tem em excesso enquanto o que eacute injusticcedilado recebe pouco do

que eacute bom No caso das coisas maacutes eacute o contraacuterio

Justiccedila e Felicidade Todos os atos legiacutetimos satildeo justos e como tais produzem e preservam a

felicidade A eacutetica aristoteacutelica pressupotildee que as accedilotildees praticadas sejam orientadas para o bem

coletivo e a felicidade geral pelo que o conhecimento deve ser levado agrave praacutetica em benefiacutecio de

todos os cidadatildeos Aristoacuteteles aponta sempre para a necessidade de se pensar o coletivo acima do

particular sem contudo defender que os interesses particulares natildeo devam ser defendidos e

respeitados

Aristoacuteteles descreveu dois tipos de justiccedila

Justiccedila Universal Exerciacutecio de todas as virtudes fazer o que eacute certo em sentido amplo o que eacute

bom

Justiccedila Particular Refere-se agrave distribuiccedilatildeo de honras e bens na vida social dizendo respeito agraves

relaccedilotildees interpessoais este tipo de justiccedila manifesta-se pela observacircncia da lei e da igualdade

Justiccedila distributiva O justo deve ser ao mesmo tempo intermediaacuterio igual e relativo E a mesma

igualdade observar-se-aacute entre as pessoas e entre as coisas envolvidas segue-se o brocardo de que

as distribuiccedilotildees devem ser feitas de acordo com o meacuterito pois todos admitem que a distribuiccedilatildeo

justa deve recordar com o meacuterito se bem que nem todos especifiquem a mesma espeacutecie de meacuterito

O justo eacute pois uma espeacutecie de termo proporcional O injusto eacute o que viola a proporccedilatildeo

Justiccedila Corretiva O justo particular corretivo consiste na aplicaccedilatildeo de um juiacutezo corretivo nas

relaccedilotildees a serem estabelecidas entre os indiviacuteduos Na medida em que surgem conflitos de direito

agrave justiccedila corretiva eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de corrigir este conflito de modo que se retorne o status

quo Eacute ela ldquo[] o intermediaacuterio entre a perda e o ganhordquo Desse modo ela previne os cidadatildeos de

serem lesados nos seus direitos

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A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

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- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 14: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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A lei considera apenas o caraacuteter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e

a outra sofre injusticcedila se uma eacute autora e a outra eacute viacutetima do delito Portanto sendo esta espeacutecie de

injusticcedila uma desigualdade o juiz procura igualaacute-la o juiz procura igualaacute-los por meio da pena

tomando uma parte do ganho do acusado Logo o igual eacute intermediaacuterio entre o maior e o menor

a justiccedila corretiva seraacute o intermediaacuterio entre a perda e o ganho Recorrer ao juiz eacute recorrer agrave

justiccedila procuram o juiz como um intermediaacuterio Ora o juiz restabelece a igualdade e quando o

todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence mdash isto eacute

receberam o que eacute igual Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntaacuterias pois ter

mais do que aquilo que eacute nosso chama-se ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chama-

se perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transaccedilotildees em que a lei

daacute liberdade aos indiviacuteduos para estabelecerem suas proacuteprias condiccedilotildees quando todavia natildeo

recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que tecircm o que eacute seu e que

nem ganharam nem perderam Logo o justo eacute intermediaacuterio entre uma espeacutecie de ganho e uma

espeacutecie de perda a saber os que satildeo involuntaacuterios Consiste em ter uma quantidade igual antes e

depois da transaccedilatildeo

Reciprocidade diferente de retaliaccedilatildeo A reciprocidade natildeo se enquadra nem na justiccedila

distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiccedila Se um homem sofrer o que fez

a devida justiccedila seraacute feita Ora em muitos casos a reciprocidade natildeo se coaduna com a justiccedila

corretiva por exemplo se uma autoridade infligiu um ferimento natildeo deve ser ferida em

represaacutelia e se algueacutem feriu uma autoridade natildeo apenas deve ser tambeacutem ferido mas castigado

aleacutem disso A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporccedilatildeo e natildeo na base de uma

retribuiccedilatildeo exatamente igual Ora a retribuiccedilatildeo proporcional eacute garantida pela conjunccedilatildeo cruzada

Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve

receber do sapateiro o produto do trabalho deste uacuteltimo e dar-lhe o seu em troca Se pois haacute uma

igualdade proporcional de bens e ocorre a accedilatildeo reciacuteproca o resultado que mencionamos seraacute

efetuado Senatildeo a permuta natildeo eacute igual nem vaacutelida pois nada impede que o trabalho de um seja

superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto eacute verdadeiro tambeacutem das outras artes

porquanto elas natildeo subsistiriam se o que o paciente sofre natildeo fosse exatamente o mesmo que o

agente faz e da mesma quantidade e espeacutecie Eis aiacute por que todas as coisas que satildeo objetos de

troca devem ser comparaacuteveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o

dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por

conseguinte tambeacutem o excesso e a falta mdash quantos pares de sapatos satildeo iguais a uma casa ou a

uma determinada quantidade de alimento O nuacutemero de sapatos trocados por uma casa (ou por

uma determinada quantidade de alimento) deve portanto corresponder agrave razatildeo entre o arquiteto

e o sapateiro Porque se assim natildeo for natildeo haveraacute troca E essa proporccedilatildeo natildeo se verificaraacute a

menos que os bens sejam iguais de um modo Seja A um agricultor C uma determinada

quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se natildeo fosse

possiacutevel efetuar dessa forma a reciprocidade natildeo haveria associaccedilatildeo das partes Ora com o

dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso

tende a ser mais estaacutevel Daiacute a necessidade de que todos os bens tenham um preccedilo marcado pois

assim haveraacute sempre troca e por conseguinte associaccedilatildeo de homem com homem Deste modo

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

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- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

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agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuraacuteveis e os equipara entre si pois

nem haveria associaccedilatildeo se natildeo houvesse troca

Natildeo haacute duacutevida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma

diferenccedila faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetaacuterio de cinco

camas A justiccedila eacute uma espeacutecie de meio-termo poreacutem natildeo no mesmo sentido que as outras

virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaacuteria enquanto a

injusticcedila se relaciona com os extremos

Justiccedila Poliacutetica e Justiccedila Domeacutestica

A justiccedila poliacutetica eacute encontrada entre os homens que vivem em comum em vista agrave liberdade e

igualdade entre eles Eacute a justiccedila que organiza um modo de vida que tende agrave autossuficiecircncia da

vida comunitaacuteria vigente entre homens que partilham de um espaccedilo comumrdquo Suas relaccedilotildees satildeo

regidas por lei

A justiccedila domeacutestica eacute a que se encontra no acircmbito da casa no que se refere ao filho escravos e a

mulher Assim ldquopode-se dizer que a justiccedila domeacutestica tem estas uacuteltimas como espeacutecies (justiccedila

para com a mulher justiccedila para com os filhos justiccedila para com os escravos)rdquoAristoacuteteles sustenta

que ldquoa justiccedila do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho natildeo satildeo iguais agrave justiccedila

poliacutetica embora se lhe assemelhem na realidade natildeo pode haver injusticcedila no sentido irrestrito em

relaccedilatildeo a coisas que nos pertencem mas os escravos de um homem e seus filhos ateacute uma certa

idade em que se tornam independentes satildeo por assim dizer partes deste homem e ningueacutem faz

mal a si mesmo (por esta razatildeo uma pessoa natildeo pode ser injusta em relaccedilatildeo a si mesma)rdquo

Justiccedila Legal e Justiccedila Natural A justiccedila legal e a justiccedila natural satildeo divisotildees do gecircnero que eacute a

justiccedila poliacutetica ldquoA justiccedila poliacutetica eacute em parte natural e em parte legal satildeo naturais as coisas que

em todos os lugares tecircm a mesma forccedila e natildeo dependem de as aceitarmos ou natildeo e eacute legal aquilo

que a princiacutepio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra mas depois

de determinado jaacute natildeo eacute indiferenterdquo A justiccedila legal tem fundamento na lei que eacute definida pela

vontade do legislador Possui forccedila natildeo natural e eacute fundada na convenccedilatildeo pois a vontade do

oacutergatildeo que emana o ato legislativo eacute soberana e pressupotildee consenso de todos os suacuteditos uma

vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadatildeos A justiccedila natural consiste

no ldquoconjunto de todas as regras que encontram aplicaccedilatildeo validade forccedila e aceitaccedilatildeo universais

Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo poliacutetico que encontra respaldo na

natureza humana e natildeo depende do arbiacutetrio volitivo do legislador sendo por consequecircncia de

caraacuteter universalistardquo Portanto a justiccedila natural tem uma forccedila que rompe com as barreiras

poliacuteticas sendo que transcende a vontade humana e satildeo imutaacuteveis e tem a mesma forma em todo

lugar ldquo

Atos de Justiccedila Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de

maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica

involuntariamente os seus atos natildeo satildeo justos nem injustos salvo por acidente isto eacute porque ele

fez coisas que redundam em justiccedilas ou injusticcedilas E o caraacuteter voluntaacuterio ou involuntaacuterio do ato

que determina se ele eacute justo ou injusto pois quando eacute voluntaacuterio eacute censurado e pela mesma

razatildeo se torna um ato de injusticcedila de forma que existem coisas que satildeo injustas sem que no

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

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- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 16: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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entanto sejam atos de injusticcedila se natildeo estiver presente tambeacutem a voluntariedade Aquilo que se

faz na ignoracircncia ou embora feito com conhecimento de causa natildeo depende do agente ou que eacute

feito sob coaccedilatildeo eacute involuntaacuterio Haacute por conseguinte trecircs espeacutecies de dano nas transaccedilotildees entre

um homem e outro Os que satildeo infligidos por ignoracircncia satildeo enganos quando a pessoa atingida

pelo ato o proacuteprio ato o instrumento ou o fim a ser alcanccedilado satildeo diferentes do que o agente

supotildee ou o agente pensou que natildeo ia atingir ningueacutem ou que natildeo ia atingir com determinado

objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provaacutevel (por exemplo se

atirou algo natildeo com o propoacutesito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado

natildeo eram os que ele supunha) Ora (1) quando o dano ocorre contrariando o que era

razoavelmente de esperar eacute um infortuacutenio (2) Quando age com o conhecimento do que faz mas

sem deliberaccedilatildeo preacutevia eacute um ato de injusticcedila por exemplo os que se originam da coacutelera ou de

outras paixotildees necessaacuterias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos

nocivos e errocircneos desta espeacutecie agem injustamente e seus atos satildeo atos de injusticcedila mas isso natildeo

quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano natildeo se deve ao viacutecio Mas

quando um homem age por escolha eacute ele um homem injusto e vicioso Do mesmo modo um

homem eacute justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua accedilatildeo eacute apenas

voluntaacuteria

Aristoacuteteles interroga-nos sobre duas questotildees ndash ldquoEacute possiacutevel ser injustamente tratado por quererrdquo

e ldquoPode o homem agir contra si proacutepriordquo

A primeira ideia eacute que natildeo eacute possiacutevel ser injustamente tratado se o outro natildeo age injustamente ou

justamente tratado a natildeo ser que o outro aja com justiccedila

A segunda ideia apresentada eacute que agir injustamente natildeo eacute mais do que prejudicar

voluntariamente algueacutem e ningueacutem seria injustamente tratado por seu querer uma vez que

ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom Eacute-nos apresentado o exemplo do quinhatildeo de forma a

suscitar a duacutevida Seraacute que algueacutem de prejudica a si proacuteprio se dividir com outro algueacutem

atribuindo-lhe mais do que o devido Seraacute todavia uma questatildeo discutiacutevel uma vez que o faz por

seu querer por sua vontade A ideia de que ningueacutem deseja o que julga natildeo ser bom vem

corresponder de igual modo agrave segunda questatildeo Mais define que uma classe de atos justos satildeo os

que estatildeo em consonacircncia com alguma virtude e satildeo prescritos por lei dando o exemplo do

suiciacutedio Ora a lei natildeo o permite e o que a lei natildeo permite proiacutebe expressamente assim o suicida

natildeo agiria contra si proacutepria mas sim contra o estado pelo que natildeo eacute permitido

A Equidade Espeacutecie superior de Justiccedila O equitativo eacute justo uma correccedilatildeo da justiccedila legal

Equidade tratar desigualmente os desiguais Aplicaccedilatildeo das leis abstratas a casos concretos O

princiacutepio da justiccedila positiva deixa simplesmente pressupor que a igualdade entre os homens se

ache jaacute fixada e em harmonia Poreacutem os homens satildeo desiguais A igualdade eacute sempre uma

abstraccedilatildeo Soacute as desigualdades nos satildeo dadas A mesma coisa eacute justa e equitativa e embora

ambos sejam bons o equitativo eacute superior Quando a lei se expressa universalmente e surge um

caso que natildeo eacute abrangido pela declaraccedilatildeo universal eacute justo uma vez que o legislador falhou e

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

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Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

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- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

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errou por excesso de simplicidade corrigir a omissatildeo E essa eacute a natureza do equitativo uma

correccedilatildeo da lei quando ela eacute deficiente em razatildeo da sua universalidade

LIVRO VI

Divisotildees da virtude

Aristoacuteteles considerava que a alma possuiacutea duas partes uma racional e outra irracional A

segunda relaciona-se com as virtudes morais e com a busca do justo meio com a finalidade de

evitar excesso e deficiecircncia Este meio-termo eacute definido pelo princiacutepio da reta razatildeo (mediana

entre os excessos e as emoccedilotildees) E eacute a primeira parte da alma que trata de identificar qual eacute esta

reta razatildeo A parte racional da alma tambeacutem se divide em duas partes Aquelas coisas cujos

princiacutepios primeiros satildeo invariaacuteveis (faculdade cientiacutefica) e aquelas que satildeo variaacuteveis (faculdade

calculativa ou deliberaccedilatildeo) Existem trecircs elementos na alma que controlam a accedilatildeo e a busca pela

verdade sensaccedilatildeo razatildeo e desejo Destes a sensaccedilatildeo eacute a uacutenica que natildeo origina accedilatildeo refletida A

origem da accedilatildeo eacute a escolha e a origem desta eacute o desejo e o raciociacutenio dirigido a algum fim por isso

a escolha natildeo pode existir sem a razatildeo e o intelecto nem sem a moral pois as boas e as maacutes accedilotildees

natildeo podem existir sem uma combinaccedilatildeo de intelecto e de caraacuteter Em suma o homem deseja

raciocina sobre escolhe e age

As qualidadesdisposiccedilotildees para a busca da verdade

Ciecircncia trata das coisas que natildeo variam as coisas que variam estatildeo fora do alcance de nossa

observaccedilatildeo natildeo sabemos se existem ou natildeo Todo aprendizado inicia com fatos previamente

conhecidos e prosseguem pela induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Um homem atinge um conhecimento

cientiacutefico quando possui convicccedilatildeo atingida de alguma forma e quando os princiacutepios primeiros

cuja convicccedilatildeo se apoia satildeo conhecidos por ele com certeza Em suma o conhecimento cientiacutefico eacute

um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras caracteriacutesticas limitativas que

especificamos nos Analiacuteticos pois eacute quando um homem tem certa espeacutecie de convicccedilatildeo aleacutem de

conhecer os pontos de partida que possui conhecimento cientiacutefico ou seja por um processo de

investigaccedilatildeo digamos

Artes relaciona-se com trazer alguma coisa para a existecircncia e perseguir uma arte significa

estudar como trazer para a existecircncia alguma coisa que pode existir ou natildeo A arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacutenio

Sabedoria praacutetica relacionada com o discernimento a capacidade de julgaropinar O homem

prudente eacute aquele dotado de sabedoria praacutetica o poder deliberar bem sobre o que eacute bom e

conveniente para ele e que contribuem para a vida boa em geral

Inteligecircncia ou intuiccedilatildeo racional eacute a qualidade que nos possibilita compreender os princiacutepios

primeiros que serviratildeo de base para o conhecimento cientiacutefico a arte ou a prudecircncia Ponto de

partida para a apreensatildeo do fim

Sabedoria (filosoacutefica) eacute a mais perfeita das formas de conhecimento O saacutebio natildeo apenas sabe as

conclusotildees que seguem dos princiacutepios primeiros (intuiccedilatildeo racional) mas tambeacutem tem uma

conceccedilatildeo verdadeira sobre os proacuteprios princiacutepios primeiros

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 18: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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Prudecircncia (ldquodispotildee a razatildeo para discernir em todas as circunstacircncias o verdadeiro bem e a

escolher os justos meios para o atingir Ela conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a

medida - cautela)

A prudecircncia relaciona-se com a ciecircncia poliacutetica no entanto sua essecircncia eacute diferente Quando a

prudecircncia se refere ao Estado trata-se da ciecircncia legislativa quando se relaciona com ocorrecircncias

particulares eacute denominada ciecircncia poliacutetica Esta segunda relaciona-se com a accedilatildeo e a deliberaccedilatildeo e

eacute o motivo por que apenas as pessoas que tratam de factos em particular que tomam parte em

poliacutetica

Variedades da prudecircncia

Excelecircncia deliberativa envolve um caacutelculo conscientecorreccedilatildeo do pensamento

O facto de chegar a uma conclusatildeo correta natildeo implica que os argumentos sejam verdadeiros A

correta deliberaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica do homem prudente Eacute necessaacuterio suporte de argumentos

corretospremissas que apotildeem a conclusatildeo

Compreensatildeo Relaciona-se com as coisas que existem duacutevidas e deve-se deliberar Eacute atraveacutes da

compreensatildeo que se faz o julgamento para decidir o que fazer e o que eacute correto fazer

Consideraccedilatildeo eacute a faculdade de julgar corretamente

Aristoacuteteles afirmava que um homem teria compreensatildeo e consideraccedilatildeo ou consideraccedilatildeo pelos

outros quando ele eacute um bom juiz sobre os assuntos relativos agrave prudecircncia

Sabedoria e prudecircncia Relaccedilatildeo

Na parte final do capiacutetulo Aristoacuteteles trata da relaccedilatildeo entre sabedoria e prudecircncia Segundo ele a

sabedoria produz a felicidade Atraveacutes de sua posse ou do seu exerciacutecio resulta em um homem

feliz A prudecircncia assegura a correccedilatildeo nos meios que o homem escolhe para atingir os seus fins

Considerando que o fim uacuteltimo dos atos dos homens eacute a felicidade a prudecircncia seria a forma de

se alcanccedilar a sabedoria e com ela a felicidade

Mais adiante afirma que natildeo eacute possiacutevel ser bom sem a prudecircncia aliada agraves virtudes morais

LIVRO VII

Disposiccedilotildees morais a serem evitadas Viacutecio Incontinecircncia e Bestialidade

Aristoacuteteles inicia o seu seacutetimo livro a falar sobre trecircs espeacutecies de disposiccedilotildees morais que precisam

de ser evitadas o viacutecio a incontinecircncia e a bestialidade As disposiccedilotildees contraacuterias satildeo

respetivamente a virtude a continecircncia e uma espeacutecie de habilidade heroica sobre humana

divinificada sendo esta uacuteltima rara de encontrar

A incontinecircncia eacute dada ao homem que age mal segundo as suas paixotildees mesmo que consciente de

seus atos A contingecircncia resume-se a manter as suas ideias sobre todas as coisas Aleacutem desta

visatildeo dizemos que o incontinente eacute aquele que tem o conhecimento mas natildeo o usa Os

incontinentes satildeo semelhantes aos homens adormecidos e embriagados que natildeo escolhem o que

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

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para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 19: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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fazem no momento ou aqueles que procuram os prazeres da carne por demais mas ningueacutem eacute

incontinente em absoluto poreacutem algumas pessoas satildeo demasiadamente que as chamamos assim

estes por serem impulsionados por seus desejos podemos comparaacute-los e equiparaacute-los aos

intemperantes Todo homem busca os prazeres da vida e foge dos desprazeres mas somente

quem o faz com excessividade pode ser considerado assim mesmo que seja apenas numa aacuterea de

sua vida assim como consideramos um mau ator ele natildeo eacute mau como homem completo mas

apenas em sua representaccedilatildeo A incontinecircncia assim como a bestialidade pode vir da natureza

pelo haacutebito ou por problemas doenccedilas e dificuldades como um estuprador que quando crianccedila

sofreu maus tratos e por isso quando adulto cometeu estes pecados Todas as bestialidades e

incontinecircncias vecircm da deficiecircncia moral e a incontinecircncia brutal bestial e aquilo que eacute

excessivamente demais natildeo eacute simplesmente incontinecircncia mas supera este conceito A

incontinecircncia pelo apetite eacute mais reprovaacutevel do que pela coacutelera (ira) pois daacute-se pelo impulso natildeo

eacute colocada sobre a razatildeo ou ao julgo do raciociacutenio ao ser praticado Jaacute pela coacutelera como quando

um insulto nos eacute dado este vai ao raciociacutenio e antes mesmo de terminaacute-lo nos premeditamos e

concluiacutemos que eacute preciso revidar(replicar) ela com sua natureza ardente e impetuosa ouve mas

natildeo escuta a razatildeo Por isso a coacutelera eacute menos reprovaacutevel que o apetite pois eacute levada pelo

raciociacutenio enquanto o outro sequer isso faz Embora perdoemos com mais facilidade os erros

cometidos em razatildeo do apetite este eacute reprovaacutevel tambeacutem por especular daacute-nos com o tempo a

maliacutecia de buscar o que queremos mesmo que por meios errados jaacute a coacutelera natildeo esta eacute sincera e

momentacircnea Quanto aos prazeres dores apetites e aversotildees a maioria das pessoas eacute mediana

quanto a estes sentimentos e as outras tendem mais aos seus extremos Alguns prazeres satildeo

necessaacuterios outros natildeo e o homem que os busca eacute vicioso Um homem que fere outro sem estar

em coacutelera eacute mais recriminado que aquele que o faz em tal situaccedilatildeo pois o que faria o primeiro

quando encolerado Por isso a intemperanccedila faz pior do que a incontinecircncia O intemperante eacute

incuraacutevel pois nunca se arrepende do caminho que escolhe Jaacute o incontinente eacute curaacutevel pois este eacute

capaz de se arrepender A intemperanccedila e o viacutecio diferemndashse pois o viciado natildeo tem

conhecimento de si e o incontinente tem

O prazer tambeacutem eacute estudado por Aristoacuteteles Existem sobre ele trecircs visotildees

A primeira defende que o prazer absolutamente natildeo eacute um bem pois eles satildeo evitados pelas

pessoas temperantes os saacutebios buscam o que eacute isento de sofrimento

Uma segunda visatildeo defende que nem todos os prazeres satildeo bons pois existem prazeres que satildeo

ignoacutebeis e censuraacuteveis e haacute aqueles que nos prejudicam e fazem mal agrave sauacutede

Haacute ainda uma terceira visatildeo que diz que o prazer natildeo eacute o bem supremo pois natildeo eacute um fim mas

sim um processo discordando de todas estas visotildees

Segundo Aristoacuteteles o prazer pode ser o bem supremo pois eacute a busca comum entre os animais

irracionais as crianccedilas e os homens

Concluindo homem que busca os excessos do prazer torna-se mau pois acaba por natildeo buscar os

prazeres necessaacuterios a todos os homens felicidade e virtudes

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

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e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

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Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 20: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

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Pontos essenciais

Os principais contributos de Aristoacuteteles para a Histoacuteria das Ideias Poliacuteticas satildeo a apresentaccedilatildeo de

uma concepccedilatildeo acerca da natureza humana da qual deduz depois como consequecircncias as suas

outras observaccedilotildees e propostas a criacutetica directa da Cidade Ideal de Platatildeo e portanto a defesa da

famiacutelia da propriedade privada e do pluralismo essencial a anaacutelise das classes sociais e o papel

preponderante reconhecido agraves classes meacutedias a defesa do primado da lei sobre a vontade dos

homens a classificaccedilatildeo dos regimes poliacuteticos satildeos e degenerados e a teoria do regime misto como

forma de governo ideal

Ciacutecero

Ciacutecero nasceu em Roma (seacutec II e I aC de 106-43 aC) Foi um dos maiores juristas governantes e

filoacutesofos da Antiguidade Claacutessica Escreveu o tratado De Repuacuteblica Eacute influenciado por Platatildeo e

Aristoacuteteles Escreve num periacuteodo importante da histoacuteria de Roma o periacuteodo final da Repuacuteblica

quando este jaacute vai ser substituiacutedo pelo Impeacuterio

Ciacutecero eacute um dos mais representantes do estoicismo os quais defendem que a ideia de que o

princiacutepio do mundo e da realidade eacute a razatildeo (logos) a noccedilatildeo de devoccedilatildeo permanente ao dever e

do controle de si mesmo a existecircncia de um deus uacutenico cuja relaccedilatildeo com os homens eacute igual ou

semelhante agrave de um pai para com os seus filhos a noccedilatildeo de igualdade fundamental entre os

homens como membros de uma mesma famiacutelia a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania

universal e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina

No tratado De Repuacuteblica Ciacutecero defende o dever de participaccedilatildeo poliacutetica que considera ser o

primeiro dos deveres que a moral social impotildee aos homens Defende que eacute natural que os homens

participem na vida poliacutetica pois na natureza uma grande necessidade de ldquoagirrdquo com vista agrave

ldquosalvaccedilatildeo comumrdquo e que o homem deve procurar a virtude e soacute a possui quando a aplicar

principalmente no governo da cidade

O tratado poliacutetico filosoacutefico de Ciacutecero tem como abordagem o desmantelamento das instituiccedilotildees

republicanas em Roma sendo que os interlocutores dialogam entre si sobre os mais diversos

assuntos relacionados com a questatildeo poliacutetica republicana De entre as personagens visadas na

obra destaca-se Cipiatildeo representado como modelo da virtude siacutembolo do cidadatildeo romano

idealizado apresentado como um poliacutetico haacutebil que corresponde agraves maiores virtudes do homem

Nos diaacutelogos entre as personagens Cipiatildeo discursa sobre as instituiccedilotildees do estado romano

apontando as possiacuteveis ldquosoluccedilotildeesrdquo para reverter a decadecircncia vivida da repuacuteblica Esta por sua

vez eacute definida como a res populi laquoPortanto res publica lsquoCoisa Puacuteblicarsquo eacute a res populi lsquoCoisa do

Povorsquo E o povo natildeo eacute qualquer ajuntamento de homens congregado de qualquer maneira mas o

ajuntamento de uma multidatildeo associada por um consenso juriacutedico e por uma comunidade de

interessesrdquo

Na conceccedilatildeo de Ciacutecero o romano ideal eacute o que valoriza a paacutetria e por conseguinte sacrifica-se

pela mesma em benefiacutecio do bem-estar comum Para tal o homem necessita de desenvolver o

ldquoamor paacutetriordquo a triunfar sobre qualquer atitude em relaccedilatildeo ao Estado Este amor encontra-se

diretamente relacionado com a noccedilatildeo de virtude a maior arte que o homem pode ter

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Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

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Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 21: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Mais Ciacutecero parece fazer uma criacutetica aos cidadatildeos que se submetem ao oacutecio exemplificando com

os antepassados que deve ser tido como referecircncia para as geraccedilotildees vindouras refletindo os feitos

dos antigos e virtuosos cidadatildeos ressaltando as qualidades virtuosas que devem ser tidas em

conta numa cidade considerada pelo mesmo corrompida Para ele as virtudes do cidadatildeo

exemplar baseiam-se nos elementos do homem considerado por ele ideal condicionado pelo ofiacutecio

do campo assumindo assim um caraacuteter mais ruacutestico e forte O autor considera que deve existir

uma espeacutecie de reciprocidade entre o Estado e os seus cidadatildeos Se a paacutetria educa e proporciona o

bem-estar comum tambeacutem o cidadatildeo deve retribuir as recompensas necessaacuterias Deste modo o

cidadatildeo ideal seria aquele que abandona o seu oacutecio e corresponde agraves solicitaccedilotildees da sua paacutetria

mesmo que implique o sacrifiacutecio do seu bem-estar em prol do bem-comum

Quanto aos governantes e poliacuteticos estes devem agir segundo os princiacutepios do dever moral e do

bem comum e ter senso de justiccedila Cabendo ao governante a tutela e moderaccedilatildeo ou seja a

governaccedilatildeo deve ser orientada pelo amor e filantropia e o governante deve intervir segundo o

princiacutepio do equiliacutebrio poliacutetico e do bem-estar para toda a coletividade Para Ciacutecero um dos

objetivos do Estado era contribuir para a felicidade de todos os cidadatildeos Deste modo o meio

mais adequado para conseguir essa finalidade eacute a aplicaccedilatildeo de uma justiccedila equitativa ou seja dar

a cada um o que eacute seu No que respeita agrave justiccedila esta eacute uma virtude do homem de ldquodar a cada o

seu direito eacute proacuteprio do homem bom e justordquo a justiccedila como meio de preservaccedilatildeo do homem da

propriedade e dos demais bens e finalmente a justiccedila como meio para os fins imperialistas uma

vez que segundo Ciacutecero foi aliando a justiccedila e uma poliacutetica prudente que o povo romano passou

de povo insignificante a povo -rei

O poliacutetico eacute pois mais importante que o filoacutesofo e que o moralista pois consegue atraveacutes das leis

e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filoacutesofos soacute

conseguiriam a um pequeno nuacutemero de pessoas

Ciacutecero tambeacutem teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuiacutedo apenas

a uma pessoa) aristocracia (poder atribuiacutedo a vaacuterios) e democracia (poder atribuiacutedo agrave totalidade do

povo) Segundo Ciacutecero tudo isto tem de ser combinado porque cada uma destas formas de

governo separadamente tem vaacuterios inconvenientes

A primeira forma de governo citada eacute a ldquomonarquiardquo o poder de um ou seja o poder atribuiacutedo a

um uacutenico homem Neste regime deveria existir uma espeacutecie de ldquorelaccedilatildeo paternalrdquo olhando o rei

para os suacutebditos como se fossem seus filhos com vista agrave garantia do seu bem uma vez que caso

assim natildeo o fosse poderia desenvolver-se uma tirania Nesta constituiccedilatildeo grande parte da

populaccedilatildeo natildeo exerceria o ldquodireito comumrdquo Ciacutecero alude agrave volubilidade na sucessatildeo de

monarcas pois ao mesmo tempo em que um ldquorex possa ser toleraacutevel e afaacutevel outro possa ser seu

contrasterdquo A monarquia porque se presta a toda a espeacutecie de abusos e basta o abuso de um soacute rei

para que o povo comece a detestar o proacuteprio regime monaacuterquico apresenta-se fragilizada A

monarquia poderaacute ser uma forma de governo justa aceite pelo povo enquanto houver um rei

justo Poreacutem quando haacute usufruto extremo do poder a autoridade do rei avanccedila no sentido

antagocircnico desencadeando o regime designado por tirania

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 22: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Em segundo surge a ldquoaristocraciardquo o governo de alguns Na aristocracia o povo estaacute privado de

qualquer decisatildeo sendo esta uma classificaccedilatildeo ausente do seu consentimento que tal como a

monarquia estaacute sujeita ao excesso o que desencadearia uma oligarquia Mais critica o facto de ser

o governo dos ricos o governo de pessoas que pelo seu niacutevel de vida estatildeo muito afastadas das

necessidades do povo e procuraratildeo se o governo lhes pertencer exercecirc-lo apenas no seu interesse

Por fim eacute apresentada a ldquodemocraciardquo encontrando-se o poder na ldquomatildeordquo da soberania popular

Aqui eacute feita uma criacutetica ao povo que natildeo obstante a procura pela igualdade esta acaba por ser

desmedida resultando medidas poliacuteticas e sociais geradoras de desigualdade social originando o

caos e consequentemente a impossibilidade de governaccedilatildeo Ou seja a multidatildeo quando entregue

a si proacutepria com os seus apetites a sua cegueira e os seus abusos de poder eacute a pior de todos os

tiranos

Para Ciacutecero a melhor forma de governo seria a combinaccedilatildeo das trecircs formas a monarquia para

que haja uma afirmaccedilatildeo de poder a aristocracia para que haja lucidez e conhecimento no

tratamento dos negoacutecios puacuteblicos a democracia para que haja o princiacutepio popular de liberdade e

justiccedila para o povo Ciacutecero acrescenta a Aristoacuteteles a ideia de um poder executivo num homem

que mande (monarquia + aristocracia + democracia ao inveacutes de oligarquia + democracia)

Ciacutecero defende a necessidade de um magistrado fundamental de um liacuteder Ora a funccedilatildeo do

magistrado eacute representar o povo sustentar a dignidade e a honra do paiacutes executar as leis

respeitar os direitos de cada um e cumprir as obrigaccedilotildees confiadas agrave sua lealdade Ciacutecero sublinha

a necessidade do magistrado obedecer agraves leis o magistrado estaacute abaixo das leis embora esteja

acima dos governados porque eacute governante

Ainda sobre Ciacutecero embora natildeo apresentada de forma vincada mas que natildeo deixa de contribuir

para a apresentaccedilatildeo das suas ideias estaacute a teorizaccedilatildeo do Direito Natural ldquouma lei verdadeira que

eacute a reta razatildeo conforme agrave natureza presente em todos os homens constante e sempre eterna Esta

lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos e proiacutebe-nos o mal desviando-nos delerdquo

Ou seja para Ciacutecero o Direito Natural engloba a ideia que existe uma ordem natural que foi criada

por Deus cuja sua descoberta eacute feita pela razatildeo humana na qual resulta uma ordem que impotildee

direitos e deveres aos homens e que estes tecircm de atender sob pena de desrespeitarem a proacutepria

natureza humana Esta eacute uma ordem que se apresenta pelos seus imperativos universais eternos e

invariaacuteveis Em suma Ciacutecero apresenta-se como um defensor da liberdade e do combate contra a

ditadura e contra a corrupccedilatildeo avaliando o Estado a partir da liberdade de quem governa Quanto

mais livre for o governante melhor seraacute o Estado por sua vez a falta de liberdade causaria a

insatisfaccedilatildeo Se faltar liberdade ao povo haveraacute o risco de ele se rebelar o que poderia originar a

guerra

Conclusatildeo o bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados

devendo o homem agir de forma eacutetica sendo honesto Para tal exige o uso do seu conhecimento

para controlar as paixotildees e demonstrar senso de justiccedila natildeo prejudicando o proacuteximo aliado com o

regime mais favoraacutevel como supra evidenciado

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 23: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Pontos essenciais

Ciacutecero eacute efectivamente algueacutem que apresenta vaacuterias ideias novas de grande significado e

importacircncia no plano filosoacutefico-juriacutedico Ciacutecero eacute o primeiro grande autor que apresenta e teoriza

o direito natural no plano da ciecircncia poliacutetica Ciacutecero eacute o defensor de um regime misto encarado

natildeo penas institucionalmente como distribuiccedilatildeo do poder governativo por vaacuterios oacutergatildeos do

Estado mas tambeacutem sociologicamente como distribuiccedilatildeo do poder poliacutetico por vaacuterias classes

sociais ndash a associaccedilatildeo harmoniosa do chefe da elite e do povo no plano da moral colectiva Ciacutecero

eacute o primeiro a acentuar duma maneira muito clara o dever de participaccedilatildeo ciacutevica que os cidadatildeos

tecircm relativamente agrave Paacutetria ainda que com sacrifiacutecios e perigos para a sua vida privada ou para a

proacutepria sobrevivecircncia fiacutesica e finalmente no plano estritamente poliacutetico Ciacutecero eacute a encarnaccedilatildeo

viva da opccedilatildeo pela liberdade e do combate sem treacuteguas contra a ditadura e contra a corrupccedilatildeo

A IDADE MEacuteDIA

Breve referecircncia ao Cristianismo

O Cristianismo comeccedila muito antes de a Idade Meacutedia principiar comeccedila no tempo do

Impeacuterio Romano Jesus Cristo nasce sob o principado de Ceacutesar Augusto

O Cristianismo eacute como se sabe essencialmente uma revoluccedilatildeo religiosa mas satildeo inegaacuteveis as suas

implicaccedilotildees morais sociais e poliacuteticas Agrave dimensatildeo vertical do Cristianismo ndash referente ao plano

das relaccedilotildees do Homem com Deus ndash acresce uma outra dimensatildeo a chamada dimensatildeo horizontal

ndash que incide no plano das relaccedilotildees dos homens uns com os outros

No que respeita agrave dimensatildeo vertical o Cristianismo veio trazer uma nova concepccedilatildeo da

divindade unitaacuteria e transcendente contraposta agrave noccedilatildeo plural e imanente dos deuses do

paganismo apresentou a ideia da incarnaccedilatildeo humana de Deus claramente diferenciada da visatildeo

puramente celeste da divindade no judaiacutesmo e preconizou a substituiccedilatildeo do dever de justiccedila pelo

dever de caridade assente num mandamento considerado tatildeo importante como o amor a Deus ndash o

do amor ao proacuteximo

Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo

- Em primeiro lugar foi a noccedilatildeo de humanidade como noccedilatildeo nova equivalente agrave globalidade do

geacutenero humano Todos os homens satildeo iguais todos satildeo filhos do mesmo Deus nenhuma

diferenccedila de natureza existe entre eles

- Em segundo lugar e pela mesma ordem de razotildees o Cristianismo veio proclamar com todas as

suas forccedilas a natureza inviolaacutevel da pessoa humana princiacutepio superior ndash como a condenaccedilatildeo da

escravatura a liberdade e os direitos do homem a limitaccedilatildeo do poder poliacutetico a garantia do

direito agrave vida etc

- Em terceiro lugar surge com os primeiros doutrinadores cristatildeos uma concepccedilatildeo inteiramente

nova do poder poliacutetico ndash a partir de agora entender-se-aacute que todo o poder vem de Deus ndash quer quanto

ao sentido do seu exerciacutecio ndash o poder passaraacute a ser visto natildeo como um direito proacuteprio dos

governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadatildeos mas sobretudo como funccedilatildeo

posta ao serviccedilo do bem comum da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos

e menos privileacutegios do que responsabilidades

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 24: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Por uacuteltimo a criaccedilatildeo de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a feacute cristatilde deu

origem agrave problemaacutetica das relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado Com o Cristianismo os aspectos do

familiar do moral e do religioso passam para a esfera de competecircncia da Igreja ficando para o

Estado apenas o poliacutetico O homem medieval eacute submetido a um dualismo de poderes e jurisdiccedilotildees

ndash a Deus o que eacute de Deus a Ceacutesar o que eacute de Ceacutesar

Santo Agostinho

Nasce em Tagaste na Numiacutedia (Norte de Aacutefrica) e vive entre 354-430 (seacutec IV e V) A sua

inspiraccedilatildeo mais forte foi sem duacutevida a de Platatildeo muitos o consideram mesmo um neo-platoacutenico

O pensamento poliacutetico de Santo Agostinho

Natildeo haveraacute um nexo de causalidade evidente entre a generalizaccedilatildeo do Cristianismo e a

decadecircncia do poderio de Roma Eacute neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em

redigir uma das suas maiores obras a De Civitate Dei ou Cidade de Deus

Nesta obra satildeo tratados vaacuterios problemas de relevo ndash a distinccedilatildeo entre as duas cidades uma

concepccedilatildeo particular sobre a natureza humana a noccedilatildeo de Estado a sociedade e o poder a paz as

funccedilotildees da autoridade e enfim as relaccedilotildees entre a Igreja e o Estado

As duas Cidades

Santo Agostinho considera haver duas Cidades ndash a cidade celeste ou Civitas Dei comunidade dos

homens que vivem segundo o espiacuterito e buscam a Justiccedila e a cidade terrena ou Civitas Diaboli

conjunto dos homens que vivem segundo a carne para satisfaccedilatildeo dos seus prazeres Uma eacute a

cidade do bem outra a cidade do mal Ambas estatildeo em luta permanente uma contra a outra e

ambas disputam a posse do mundo A vida presente eacute uma luta um combate quotidiano soacute na

vida futura haveraacute paz autecircntica e duradoira

Daiacute que o Estado em si mesmo natildeo possa ser considerado a priori como bom ou mau tudo vai

dos que o governam Se o Estado eacute governado por homens que praticam o bem e amam a Deus eacute

bom e trabalha para a cidade celeste se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou

hostilizam Deus eacute mau e concorre para a Cidade Terrena

Soacute na Cidade Celeste haacute verdadeira paz verdadeira justiccedila verdadeiro bem na Cidade Terrena

os homens esforccedilam-se por alcanccedilar a paz mas como natildeo haacute paz sem Deus encontram apenas

uma aparecircncia de paz procuram alcanccedilar a justiccedila mas como natildeo haacute justiccedila sem Deus encontram

apenas uma aparecircncia de justiccedila e tentam alcanccedilar o bem mas como natildeo haacute bem sem Deus

encontram apenas a aparecircncia de bem

Concepccedilatildeo sobre a natureza humana

Santo Agostinho apresenta-nos uma visatildeo profundamente pessimista acerca da natureza humana

Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adatildeo e Eva) foram

criados como seres bons perfeitos com todas as qualidades e sem defeitos Mas pela

desobediecircncia (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre tornaram-se

infelizes e cheios de defeitos o Homem transformou-se num pecador As suas caracteriacutesticas

principais passaram a ser o egoiacutesmo a arrogacircncia a vontade de dominar os outros e a tendecircncia

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

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SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

para procurar o bem proacuteprio com desprezo do bem dos outros O Homem eacute assim um ser

irreversivelmente marcado pelo pecado eacute um pecador

Noccedilatildeo de Estado

Da concepccedilatildeo pessimista acerca do Homem e da natureza humana haacute-de resultar como

consequecircncia loacutegica uma concepccedilatildeo repressiva do Estado se o Homem eacute mau para o seu

semelhante o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros as injusticcedilas os

crimes

O Estado ndash ao contraacuterio do que defende Aristoacuteteles ndash natildeo deve procurar (porque eacute impossiacutevel)

tornar os homens bons e virtuosos apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e seguranccedila

exteriores nas relaccedilotildees sociais entre os homens

O Estado eacute pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a seguranccedila terrenas devem ser

asseguradas atraveacutes da coacccedilatildeo e puniccedilatildeo atraveacutes do sistema juriacutedica o Direito) natildeo tem a ver

com o Bem e com a Justiccedila mas apenas com a paz e a seguranccedila possiacuteveis na Cidade Terrena A

Cidade de Deus eacute uma ordem de amor o Estado no interior da Cidade Terrena eacute uma ordem de

coacccedilatildeo

O dever de obediecircncia ao Poder poliacutetico

Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e por conseguinte considera que o

Estado eacute um instrumento ordenado por Deus eacute mesmo ldquoum dom de Deus aos homensrdquo Daiacute

resultam 2 consequecircncias

A primeira eacute que o dever de obediecircncia eacute absoluto natildeo haacute limitaccedilotildees ao Poder dos governantes

natildeo haacute espaccedilo para justificaccedilatildeo da desobediecircncia ou para quaisquer formas de resistecircncia dos

governados

A segunda consiste em que os homens natildeo podem distinguir entre bons e maus governantes entre

formas de governo justas e injustas (como fazia Aristoacuteteles) a todos se deve por igual obediecircncia

Numa palavra o Estado deve ser duro e repressivo o cidadatildeo deve aceitar passivamente a

autoridade do Poder E natildeo deve dar grande importacircncia agrave possiacutevel existecircncia de maus

governantes ou de dirigentes tiracircnicos porque o que sobretudo interessa eacute a vida eterna e natildeo eacute

longo o tempo que se passa na vida terrena O que interessa natildeo eacute ser bem governado mas manter

sempre a liberdade interior que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso

futuro na Cidade de Deus

A paz

A principal finalidade a prosseguir no uso do poder eacute para Santo Agostinho a preservaccedilatildeo da

paz Santo Agostinho considera entatildeo que ldquoa paz eacute o supremo bem da Cidaderdquo e que existe uma

ldquoaspiraccedilatildeo universal em direccedilatildeo agrave pazrdquo

As funccedilotildees da autoridade

Santo Agostinho analisa as 3 funccedilotildees em que se desdobra a autoridade imperare (comandar)

providere (prover) e consulare (aconselhar) Satildeo estes os deveres do chefe

- O officium imperandi eacute o primeiro de todos consiste na funccedilatildeo de comando e eacute o mais importante

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

Page 26: HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS - Webnode · 2021. 2. 16. · HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS Política é uma palavra que pode ter muitos significados diferentes. O principal conceito

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

e o mais difiacutecil dos deveres do chefe O poder natildeo eacute uma propriedade pessoal mas uma funccedilatildeo

um serviccedilo

- O officium providendi eacute a segunda das funccedilotildees do governante consiste em prever as necessidades

do paiacutes e em prover agrave sua satisfaccedilatildeo

- O officium consulendi faz ressaltar a posiccedilatildeo do chefe como conselheiro do seu povo O governante

deve natildeo apenas comandar e prover mas tambeacutem aconselhar ndash e deve fazecirc-lo com espiacuterito

fraterno

A Igreja e o Estado

Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a mateacuteria os poderes eclesiaacutestico e civil satildeo distintos e

independentes Cada um move-se na sua esfera proacutepria de jurisdiccedilatildeo e actua por sua conta soacute

sendo responsaacutevel perante Deus Toda e qualquer ingerecircncia de um nos domiacutenios reservados do

outro eacute inconveniente e perigosa

Santo Agostinho manteve-se na posiccedilatildeo tradicional do Cristianismo primitivo E especificava

mesmo que a Igreja por amor da concoacuterdia civil deve aceitar o Estado tal como ele eacute com os erros

e insuficiecircncias que inevitavelmente o caracterizam oferecendo-lhe na pessoa dos seus fieacuteis

cidadatildeos bons e virtuosos A Igreja devia ser assim uma verdadeira escola de civismo

Mas houve dois fatores que formariam o ldquoagostinianismo poliacuteticordquo ou a doutrina da supremacia

da Igreja sobre o Estado

- O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favoraacutevel agrave intervenccedilatildeo do Estado contra as seitas

hereacuteticas na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger ndash

funcionando assim na praacutetica como ldquobraccedilo secularrdquo da Igreja e aceitando as definiccedilotildees da verdade

religiosa dadas por esta - natildeo haacute duacutevida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia

de subordinaccedilatildeo do Estado agrave Igreja

- O segundo factor foi a proacutepria concepccedilatildeo da Cidade de Deus como algo de intrinsecamente

superior agrave Cidade Terrena Eacute certo que nem aquela correspondia agrave Igreja nem esta ao Estado

A necessidade de o Estado se submeter agrave religiatildeo e caminhar para Deus como elemento da

Cidade Celeste ia provocar o desvio de interpretaccedilatildeo que nela estava impliacutecito Nasceu assim o jaacute

referido ldquoagostinianismo poliacuteticordquo

SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram

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SIMAtildeO FINO | Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Conclusatildeo

Atualidade

A Poliacutetica e a Moral podem ser tidas como esferas distintas da vida social que podem e

devem assumir uma relaccedilatildeo que respeite a autonomia e a especificidade de cada uma Todavia

deve ser uma relaccedilatildeo de complementaridade A accedilatildeo poliacutetica natildeo pode prescindir-se da Moral

A Moral vigente configura expectativas nos sujeitos sociais que quando contrariadas

profundamente dificilmente permitiraacute agrave poliacutetica legitimidade

Podemos dizer que de certa forma a moral expressa legitima e justifica a poliacutetica

Nesse sentido eacute necessaacuterio que a poliacutetica e a moral sejam analisadas natildeo de formas separadas

mas sim de formas complementares acatando a autonomia de cada uma para que assim se possa

encontrarchegar aagrave Eacutetica Poliacutetica atual

A respeito da distacircncia no tempo e espaccedilo as estruturas poliacuteticas e as mentalidades que

nasceram na antiguidade influenciaram diretamente a poliacutetica contemporacircnea

Instituiccedilotildees modelos de organizaccedilatildeo e regimes poliacuteticos atuais possuem raiacutezes na antiguidade

Portanto para entender a poliacutetica hoje precisamos olhar para o passado remontando a

eacutepocas distantes que possibilitam vislumbrar movimentos circulares na configuraccedilatildeo atual e

futura em sentido amplo

Atualmente vaacuterias das nossas accedilotildees poliacuteticas e institucionais foram em certa medida

experimentadas pelos gregos Em Atenas os legisladores Cliacutestenes e Peacutericles lanccedilaram as bases

de uma nova forma de governo que inspirou a nossa democracia moderna Aleacutem disso foram os

primeiros povos a criarem ldquoconcursosrdquo para ocupaccedilatildeo de cargos puacuteblicos

Certo que temos de ter em consideraccedilatildeo a evoluccedilatildeo da poliacutetica atraveacutes do tempo pode-se

perceber que ela se modificou para adequar-se aos distintos tipos de sociedade que se

apresentaramperpetuam

Com isto conclui-se que a poliacutetica amadureceu agrave medida que as sociedades evoluiacuteram e

se desenvolveram