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[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ 1964-2014: 50 ANOS DEPOIS, A CULTURA
AUTORITÁRIA EM QUESTÃO]
Ano 4, n° 5 | 2014, vol.1
ISSN [2236-4846]
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História e memória do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região no
regime civil-militar
Claudiane Torres da Silva1
Resumo: O presente artigo destaca a história de um dos mais importantes tribunais regionais
do trabalho no Brasil e sua atuação durante o regime civil-militar no período de 1964 a 1985.
Destaca a formação e estrutura de uma das maiores instâncias trabalhistas no judiciário cuja
legitimidade e atuação percorreram caminhos diversos ao longo de contextos políticos
específicos. Desde a sua construção, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região marcou
sua história através do perfil da sua magistratura, suas lutas e suas relações profissionais
jurídicas e políticas, buscando manter sua atuação como importante espaço democrático
durante o regime.
Palavras-chave: justiça; trabalho; ditadura.
Abstract: This article presents the story of one of the most important regional labor courts in
Brazil and its performance during the civil-military regime from 1964 to 1985. Highlights the
formation and structure of a major labor bodies in legal action whose legitimacy and walked
many paths along specific political contexts. Since its construction, the Regional Labor Court
of the 1st Region marked its history through the listing of its judiciary, its struggles and its
legal and political relations professionals, seeking to maintain its role as a major democratic
space during the regime.
Keywords: justice; work; dictatorship.
No Brasil, alguns estudos assinalam que, cada vez mais, o Judiciário tem atuado
como protagonista político, especialmente, após a redemocratização ocorrida na década de
1980. O progressivo aumento do número de processos seria resultado do intenso processo de
judicialização das relações de classe no Brasil, isto é, de recursos à Justiça do Trabalho para a
solução de conflitos individuais ou coletivos de direito que deveriam ser dirimidos nos
1 Doutoranda do PPGHPBC da FGV/Cpdoc e bolsista Capes. E-mail [email protected]
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próprios locais de trabalho ou através de mecanismos de caráter autocompositivo constituídos
para esse fim. Diante do impasse em resolver questões fundamentais no campo do trabalho,
são os Tribunais Regionais do Trabalho o lugar no qual esses conflitos são mediados.
Os trabalhadores recorrem ao judiciário trabalhista porque não encontram, no
cotidiano das relações de trabalho, meios confiáveis de negociar com o empregador os direitos
burlados. Assim, desde sua criação os Tribunais Regionais do Trabalho exercem funções
primordiais para a sociedade brasileira e entendendo a importância dessa instância do Poder
Judiciário no Brasil, este artigo tem como proposta compreender a formação e estrutura de um
dos tribunais trabalhistas mais importantes do país, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª
Região. Para tal, pretendo abordar um breve histórico da instituição dando ênfase na atuação
política do tribunal durante a década de 1960 quando o país vivia uma grave crise política e
inaugurou o regime civil-militar.
Refletir sobre a construção, a estrutura e o funcionamento do Tribunal Regional
da 1ᵃ Região no Rio de Janeiro durante a década de 1960 é um exercício que exige apresentar
parte da história da Justiça e do Direito do Trabalho no Brasil. Com tantas mudanças
institucionais e administrativas, tal exercício de investigação histórica requer percorrer os
momentos políticos que determinaram mudanças significativas para a Justiça do Trabalho
desde sua elaboração ainda no governo de Getúlio Vargas até sua composição atual.
Para iniciarmos essa reflexão, partiremos da perspectiva de dois governos
autoritários distintos, que contextualizam importantes acontecimentos diretamente ligados à
história da Justiça e do Direito do Trabalho no Brasil. No momento da montagem da Justiça
do Trabalho, durante governo ditatorial varguista a partir dos anos de 1940, e no momento de
significativas mudanças legislativas que o direito trabalhista sofreu a partir da década de 1960
quando o presidente da República João Goulart foi deposto iniciando o regime civil-militar.
Assim, essa reflexão também buscará compreender como este último regime de exceção se
relacionou com o Poder Judiciário, especificamente a Justiça do Trabalho, entendida como
uma instituição democrática, e que na década de 1960 passava por uma reestruturação com o
advento dos concursos para a magistratura do trabalho e da formação de associações.
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Antes de tratarmos precisamente da história da Justiça do Trabalho a partir do
governo Vargas, é necessário um breve histórico do direito do trabalho no Brasil. Sendo
assim, cabe atentar que é indispensável um olhar mais amplo do direito do trabalho no país já
que o mesmo é precedido de direitos sociais que rompem com as fronteiras do marco
cronológico que este artigo propõe.
É sabido que o pensamento jurídico do direito do trabalho no Brasil se constituiu a
partir de questões em torno do trabalho escravo, no contexto do abolicionismo. Destacaram-se
como principais ideólogos e ativistas dos movimentos sociais e sindicais do início do século
XX: Joaquim Pimenta, Evaristo de Moraes, Astrogildo Pereira, Agripino Nazaré, José
Oiticica, ente outros. No estudo do Direito do Trabalho, foram pioneiros, Evaristo de Moraes,
Sampaio Doria, Carvalho Neto e Francisco Alexandre, Cesarino Junior, que publicaram,
respectivamente, as obras Apontamentos de Direito Operário (1905), A Questão Social
(1922), Legislação do Trabalho (1926) e Estudos de Legislação Social (1930), Consolidação
das Leis do Trabalho – Anotada (1943), contendo os primeiros comentários à CLT
(BOMFIM, 2011, 175-186).
Nesse momento, o jurista Evaristo de Moraes que após se debruçar sobre questões
penais e criminais, voltou-se para o tema da história da abolição, refletindo sobre a atuação
dos trabalhadores. Entre o abolicionismo, decorrente da ação dos homens públicos em torno
da legislação emancipacionista, e a militância política no campo dos direitos sociais, o jurista
entregou ao então candidato à presidência da República Rui Barbosa, ainda na segunda
década do século XX, um dos primeiros textos sobre a importância de uma legislação
trabalhista para o Brasil, Apontamentos de direito operário (MENDONÇA, 2006, 303).
Questões como relações de trabalho, operariado, acidentes de trabalho e até mesmo condições
de vida do operariado no Brasil começam a fazer parte do pensamento jurídico do início do
século XX.
Abrindo a possibilidade de ampliação dos direitos sociais e conquistas
trabalhistas, as décadas de 1910 e 1920 assistiram os primeiros passos na instituição de
normas jurídicas que abalaram a rigidez da legislação liberal vigente no país desde o início do
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século (MOREL; PESSANHA, 2007, 87).2 Entre 1906 e 1932, mais intensamente a partir de
1920, numerosas greves, movimentos sociais e sindicais no Rio de Janeiro e em São Paulo,
promovidas por associações profissionais, entidades sindicais, associações trabalhistas, uniões
profissionais, entre outras agremiações agitavam as categorias de trabalhadores de pedreira,
tecelões, portuários, marítimos, gráficos, ferroviários, chapeleiros, condutores, motorneiros de
bondes etc (BONFIM, 2011, 176). Essas entidades tinham como principais reivindicações a
redução da jornada de trabalho, aumentos salariais e melhoria de condições degradantes do
ambiente de trabalho. Diante desse contexto, fica delimitado que a resistência patronal era
mais incisiva nos conflitos coletivos que nos conflitos individuais.
Na composição do desenho legal da Justiça do Trabalho em 1918, foi criado o
Departamento Nacional do Trabalho (DNT), por meio do Decreto nº 3.550, de 16 de outubro,
assinado pelo Presidente da República Wenceslau Braz P. Gomes, a fim de regulamentar a
organização do trabalho no Brasil. O objetivo do órgão seria realizar estudos, preparar e pôr
em execução medidas referentes ao trabalho em geral, devendo transformar-se, no futuro, em
um Ministério do Trabalho. Concebido como órgão máximo de estudos e fiscalização de uma
legislação social, o DNT teria também competência para dirimir conflitos de trabalho.
Já em 1923 foi instituído o Conselho Nacional do Trabalho (CNT) que através do
Decreto nº 16.027, assinado pelo então Presidente Artur Bernardes, efetivou os compromissos
assumidos pelo Brasil no Tratado de Versalhes (GOMES, 2007).3 Considerado o embrião do
futuro Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,4 o CNT foi concebido como órgão
consultivo que intermediava e conduzia os debates e os litígios trabalhistas (GOMES, 2006).
2 Em janeiro de 1919 foi promulgada a primeira Lei de Acidentes do Trabalho, somente regulamentada em 1923,
ano em que também se decretou a lei Eloy Chaves. A lei de acidentes de trabalho baseava-se no conceito de
“risco profissional”, considerando esse risco como sendo natural à atividade profissional. Tal lei adotou, como
fundamento jurídico, o fato de que, como o empregador gozava a vantagem dos lucros, é ele também que deveria
responder por todos os riscos derivados da atividade da empresa, entre eles, os de acidentes do trabalho. Já a lei
Eloy Chaves criou caixas de aposentadoria e pensões nas empresas de estradas de ferro, garantindo estabilidade
aos dez anos de serviço. 3 Decreto n. 16.027 de 30 de abril de 1923, assinado pelo Presidente Arthur Bernardes criou o Conselho Nacional
do Trabalho. 4 O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi criado em 26 de novembro de 1930, pelo decreto n. 19.433.
Pouco tempo depois foi organizado o Departamento Nacional do Trabalho através do decreto n. 19.671 de 04 de
fevereiro de 1931, especificamente voltado para a elaboração de uma legislação trabalhista, previdenciária e
sindical.
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Em 1926, através de uma reforma constitucional, pela primeira vez passou a constar na
Constituição do país “como assunto expresso” a referência à legislação do trabalho e, no
plano propriamente jurídico, as primeiras funções específicas da “Justiça do Trabalho”.
Através da Emenda nº 22 ao artigo 34 da Constituição de 1891, passou a ser atribuição do
Congresso Nacional, legislar sobre o trabalho e sobre licenças, aposentadorias e reformas.
Logo em seguida, foi elaborado o Código de Menores, promulgado em 1927, e regulamentada
a Lei de Férias.
A década de 1930 foi decisiva tendo em vista que questões sociais e trabalhistas
passaram a fazer parte da política desenvolvida por Getúlio Vargas. Ainda nesse contexto, em
1932, o Governo Provisório, chefiado por Getúlio Vargas, criou dois organismos destinados a
lidar com conflitos trabalhistas: as Comissões Mistas de Conciliação (CMC) e as Juntas de
Conciliação e Julgamento (JCJ). As CMCs tratavam de divergências coletivas, relativas a
categorias profissionais e econômicas. Eram órgãos de conciliação e não de julgamento. Já as
JCJs eram órgãos administrativos voltados para conflitos individuais, entretanto, podiam
impor solução às partes.
Morel e Pessanha ressaltam que a Constituição de 1934, finalmente, instituiu a
Justiça do Trabalho, por meio do título IV, art. 122, “para dirimir questões entre
empregadores e empregados, regidas pela legislação social” (MOREL; PESSANHA,
2007,89). A partir da referida Carta, fica assegurado o estatuto da pluralidade sindical e a
completa autonomia dos sindicatos. Além disso, vários direitos são regulados, como a jornada
diária de oito horas, e são reconhecidas, também, as convenções coletivas. A composição das
Comissões de Conciliação e Julgamento devia obedecer ao princípio de eleição paritária de
representantes de patrões e empregados, com presidente indicado pelo governo. Segundo as
autoras, em 1936, um anteprojeto de organização da Justiça do Trabalho, elaborado por
técnicos do Ministério do Trabalho, pelo então consultor jurídico Oliveira Viana, e pela
Procuradoria do Trabalho, foi encaminhado pelo presidente Getúlio Vargas ao Poder
Legislativo. O debate sobre essa proposta expõe um quadro de fortes disputas políticas e
ideológicas em torno do caráter da instituição, tanto dos interesses conflitantes em jogo, como
de adesões a seus pressupostos e objetivos.
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Ainda na década de 1930, o projeto de lei que regulava o funcionamento da
Justiça do Trabalho se encontrava na Câmara e estava sendo examinado pela Comissão de
Constituição e Justiça, então presidida pelo professor de direito comercial da Faculdade de
Direito de São Paulo, Valdemar Ferreira. Para o professor e deputado paulista, o principal
ponto a ser recusado no então projeto era o fato de a Justiça do Trabalho ser concebida como
tendo o poder de editar normas para resolver dissídios coletivos, o chamado poder normativo.
Do ponto de vista material, segundo Valdemar Ferreira, a decisão normativa podia ser
equiparada a uma “lei” e a Constituição atribuía esse poder exclusivamente ao Legislativo
(GOMES, 2006, 18). Entretanto, Oliveira Viana entendia que a Justiça do Trabalho não podia
nem devia ser examinada à luz dos princípios jurídicos do “direito tradicional”, uma vez que
sua instituição visava justamente buscar fundamentos diversos. Nesse sentido, sua grande
inovação era justamente o enfrentamento dos conflitos coletivos, possibilitando a formulação
de contratos coletivos de trabalho, para o que era necessário ter o poder de estabelecer
normas.
É importante de observar o esforço realizado pelo Estado no sentido de buscar
efetividade no cumprimento das leis sociais, mesmo no regime autoritário, no qual greves ou
quaisquer movimentos de protesto dos trabalhadores eram legalmente proibidos e
violentamente reprimidos. Assim, o caráter da Justiça do Trabalho, mesmo diante da
apreciação do Poder Legislativo, já estava determinado quando o governo autoritário
varguista outorgou na Constituição de 1937. Nesta, manteve-se a Justiça do Trabalho, porém
introduzindo mecanismos de enrijecimento da estrutura sindical e de seu controle, como a
unicidade, o imposto compulsório e o enquadramento sindical (GOMES, 2006, 21).
Criada em 1º de maio de 1939, pelo Decreto-lei nº 1.237, e regulamentada em
1940 pelo Decreto n° 6.596, a Justiça do Trabalho foi inaugurada, finalmente, em 1ᵒ de maio
de 1941. Durante um ato público, realizado pelo então Presidente Getúlio Vargas, que, em
discurso inflamado, assim se pronunciou:
“A Justiça do Trabalho, que declaro instalada neste histórico Primeiro
de Maio, tem essa missão. Cumpre-lhe defender de todos os perigos
nossa modelar legislação social-trabalhista, aprimorá-la pela
jurisprudência coerente e pela retidão e firmeza das sentenças. Da
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nova magistratura outra coisa não esperam Governo, Empregados e
Empregadores.”5
Nesse contexto, o Rio de Janeiro tem um papel primordial acerca da
consolidação da Justiça e do Direito do Trabalho. Era na então capital federal que as
instituições trabalhistas passaram, oficialmente, a fazer parte da sociedade brasileira. O
Conselho Nacional do Trabalho (CNT) era o órgão máximo da Justiça do Trabalho e essa
estrutura manteve-se intacta até a Constituição de 1946. Só então, a Justiça do Trabalho
integrou-se ao Poder Judiciário, ganhando competência para a execução de suas decisões. Os
Conselhos Regionais transformaram-se em Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) e o
Conselho Nacional em Tribunal Superior do Trabalho (TST). Essa alteração deixou para a
justiça ordinária a competência para julgar os casos relativos a acidentes do trabalho, mas
manteve sob o manto da justiça trabalhista aquelas relacionadas à previdência social até
meados da década de 1960.6
A estruturação federal e nacional da Justiça do Trabalho quanto aos órgãos
colegiados de segundo grau - os Tribunais Regionais-, eram distribuídos em oito grandes
regiões, que eram centralizadas nos maiores estados brasileiros, do ponto de vista
populacional, com sede nas respectivas capitais do estado matriz.7 As regiões pioneiras foram:
1ª: Rio de Janeiro, com sede na então capital da República; 2ª: São Paulo, com sede na capital
do estado, São Paulo; 3ª: Minas Gerais, com sede em Belo Horizonte; 4ª: Rio Grande do Sul,
com sede em Porto Alegre; 5ª: Bahia, sediada em Salvador; 6ª: Pernambuco, com sede em
Recife; 7ª: Ceará, sediada em Fortaleza; 8ª Região: Pará, com sede em Belém (DELGADO;
DELGADO, 2011, 103-106).
Conforme já foi dito, a primeira mudança administrativa significativa para a
Justiça do Trabalho ocorreu em 1946 quando deixou de ser submetida ao Poder Executivo e
passou a integrar o Poder Judiciário.8 Nesse contexto, foi criado o Tribunal Regional do
5 Trecho retirado do site http://www.trt18.jus.br/portal/institucional/justica-do-trabalho/historico-da-justica-do-
trabalho/#4, acessado em janeiro de 2013. 6 Vale lembrar que a Justiça comum julgava em todos os lugares onde não havia Justiça do Trabalho. 7http://www.tst.jus.br/documents/1295387/2071945/Justica+do+Trabalho+70+anos+de+justica+social acessado
em janeiro de 2013. 8 É importante ressaltar que existe uma polêmica acerca da data de origem da Justiça do Trabalho. A mesma foi
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Trabalho da 1ᵃ Região, um dos primeiros do país, com sede no Estado do Rio de Janeiro, na
época capital federal, através do Decreto-lei n. 9.797 assinado pelo então presidente da
República, Eurico Gaspar Dutra. Nesse episódio, a Justiça do Trabalho passou a integrar o
Poder Judiciário que determinava a transformação dos Conselhos Regionais do Trabalho e do
Conselho Nacional do Trabalho, já existentes, em Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) e
Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Com o início da ditadura civil-militar no Brasil em 31 de março de 1964, várias
mudanças ocorreram no direito do trabalho e, consequentemente, na Justiça do Trabalho.
Além do impacto que o movimento teve na organização sindical com as progressivas
cassações, prisões e execuções de lideranças sindicalista e fechamento das associações, a
Justiça do Trabalho atuou no contexto de mudança no cenário político-jurídico do Brasil,
sobretudo, sofreu a pressão de carregar uma responsabilidade que era agir de acordo com a
política salarial do regime, além de contribuir diretamente para o controle da inflação que
assombrava o país. Nesse contexto, as demandas trabalhistas coletivas estavam cada dia mais
em pauta e desde o início do regime civil-militar demostravam ser uma preocupação do Poder
Executivo.
Após 1965, com o movimento sindical enfraquecido, temporariamente, diante das
ações políticas do regime civil-militar, o Estado tornou-se praticamente legislador do trabalho
decretando e alterando a legislação trabalhista para dar conta da política financeira que o
regime e o contexto exigiam.9 Assim, é senso comum entre os magistrados acreditar que o
regime civil-militar esvaziou o poder da Justiça do Trabalho quando houve a ampliação da
legislação trabalhista e o poder normativo10
foi perdendo espaço nas decisões trabalhistas.
criada pelo presidente da República Getúlio Vargas como instituição ligada ao Poder Executivo ainda em 1941.
Entretanto, só é considerada por alguns agentes do judiciário como tendo sido criada na data em que foi
incorporada pelo Poder Judiciário em 1946. 9 Não podemos esquecer os efeitos causados pelas greves de Osasco, Contagem, em 1968, do ABC paulista já na
década de 1970. 10 Poder normativo foi a competência da Justiça do Trabalho em normatizar e regulamentar questões que as leis
existentes não alcançavam. Em 1946, a Carta Magna incluiu a Justiça do Trabalho como um órgão do Poder
Judiciário e dispôs a respeito do seu poder normativo: “Art 123 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e
julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais controvérsias
oriundas de relações, do trabalho regidas por legislação especial. §2° A lei especificará os casos em que as
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Também a classe trabalhadora precisou reestruturar suas ações no judiciário já que o regime
civil-militar limitou a atuação política sindical.11
Diante desse contexto, a Carta de 1967 foi importante quando firmou aspectos
estruturantes da Justiça do Trabalho nesse novo momento político. Fixou constitucionalmente
o número de ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), tendo mantido o poder
normativo da Justiça do Trabalho utilizando outros recursos para mantê-lo sob controle e a
composição paritária de seus órgãos, criando, assim, a figura hoje conhecida como quinto
constitucional, de modo a garantir o acesso a membros do Ministério Público do Trabalho
(MPT) e da advocacia, em proporções definidas, aos TRTs, bem como fixou o ingresso de
membros oriundos daquelas instituições no TST.
Em Seção VII referente aos juízes e tribunais, a Carta de 1967 determinou no art.
133 parágrafo primeiro que o Tribunal Superior do Trabalho seria composto por dezessete
juízes com denominação de Ministros sendo onze togados e vitalícios nomeados pelo
Presidente da República, após aprovação do Senado Federal. Desses onze, sete deveriam ser
magistrados da Justiça do trabalho, dois advogados no efetivo exercício da profissão e dois
membros do Ministério Público da Justiça do Trabalho, esses últimos implicados no
dispositivo do quinto constitucional.12
Além disso, o Superior Tribunal deveria ter seis
representantes de empregados e de empregadores, classistas e temporários.
O texto constitucional também fixa o número de Tribunais Regionais do Trabalho
e suas respectivas sedes, instituindo atribuição de sua jurisdição aos juízes de Direito nos
locais onde não existe Junta de Conciliação e Julgamento. Os TRTs deveriam ser compostos
por dois terços de juízes togados e vitalícios, além de um terço de juízes classistas
temporários, assegurado, entre os juízes togados, a participação de advogados e membros do
Ministério Público do Trabalho. No artigo 134 da Constituição Federal de 1967, fica
determinado que compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e
decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho.” Constituição de 1946.
Acessado em www.planalto.gov.br em 20 de novembro de 2013. 11 Durante pesquisa de dissertação entrevistei os desembargadores que compunham do Tribunal Regional do
Trabalho da Primeira Região na composição do biênio 2008/2009. 12 O quinto constitucional previsto no Artigo 94 da Constituição é um dispositivo que prevê que 1/5 dos
membros de determinados tribunais brasileiros, incluindo o TST e os TRTs, sejam compostos por advogados e
membros do Ministério Público.
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coletivos entre empregados e empregadores e as demais controvérsias oriundas de relações de
trabalhos regidas por lei ressaltando, sobretudo no parágrafo primeiro, que a lei especificará
as hipóteses em que as decisões nos dissídios coletivos poderão estabelecer normas e
condições de trabalho.
Não podemos descartar o uso da Justiça do Trabalho nesse período como
estratégia de garantir alguns direitos mesmo diante de um Estado de exceção. Podemos
perceber que o número de processos durante o regime civil-militar apresentou um aumento
considerável, principalmente, nos anos de 1969 e 1979. Durante a ditadura civil-militar, de
1964 até 1968, podemos observamos o enorme esforço do governo em regular os assuntos
relacionados às demandas trabalhistas como: greve, estabilidade, salário mínimo, entre outros.
Tal esforço teria inaugurado o início do processo de estrangulamento do poder normativo e,
consequentemente, estruturado novas estratégias de atuação dos trabalhadores que passavam a
ver a Justiça do Trabalho como um dos poucos meios viáveis de reivindicação de classe.13
Desde a sua criação a Justiça do Trabalho está estruturada em três diferentes
instâncias: Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e Juntas de
Conciliação e Julgamento que após o advento da Emenda Constitucional nº 24, de dezembro
de 1999 e de acordo com o art. 111 da Constituição Federal de 1988 passou a ser integrada
pelos já citados tribunais, entretanto, as Juntas de Conciliação e Julgamento passaram a ser
denominadas Varas do Trabalho. No primeiro grau funcionam as Varas do Trabalho, no
segundo grau funcionam os Tribunais Regionais do Trabalho e no terceiro grau ou instância
superior funciona o Tribunal Superior do Trabalho. Vejamos então como se constituiu o
Tribunal Regional do Trabalho do estado do Rio de Janeiro, conhecido como TRT da 1ª
Região.
O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região
A escolha por estudar o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio de
Janeiro justifica-se pela importância que o estado teve na consolidação dos direitos
13 Os dados apresentados nesse parágrafo foram baseados na pesquisa feita durante o mestrado que resultou na
dissertação SILVA, Claudiane Torres da. Justiça do Trabalho e ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985):
atuação e memória. Universidade Federal Fluminense, 2010.
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trabalhistas ao longo da sua história. Nesse período, a jurisdição do TRT da 1ᵃ Região
abrangia o Distrito Federal, o antigo estado do Rio de Janeiro, e o Espírito Santo e sua
composição compreendia as Juntas de Conciliação e Julgamento que apresentavam a
magistratura de primeira instância, compostas por juízes de direito e juízes classistas,
representantes dos sindicatos e dos patrões, distribuídas da seguinte forma: nove juntas na
capital e uma nos municípios de Niterói, Campos, Petrópolis, Cachoeira de Itapemirim e
Vitória.
O primeiro endereço da sede do Tribunal Regional do Trabalho e das Juntas de
Conciliação e Julgamento da 1ᵃ Região foi a Rua Nilo Peçanha, número 31, no Centro do Rio
de Janeiro. Mais tarde, o aumento da demanda trabalhista exigiu mais espaço e a mudança foi
necessária para Avenida Almirante Barroso, número 54. Por fim, o TRT transferiu-se em
definitivo para o Palácio do Trabalho, antiga sede do Ministério do Trabalho, na Avenida
Presidente Antônio Carlos, número 251, no Castelo, tendo sido batizado como Fórum
Ministro Arnaldo Süssekind em 08 de setembro de 1997, em homenagem ao jurista e um dos
mentores da Consolidação das Leis do Trabalho recentemente falecido.14
O Palácio do Trabalho, além do imponente nome, foi sede do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio desde 1936 quando sua construção foi autorizada pela Lei n.
201 de 04 de fevereiro do mesmo ano. Inaugurado em 10 de novembro de 1938 como parte
das comemorações do primeiro aniversário do governo varguista, o prédio foi palco de fatos
históricos quando na própria inauguração, houve uma homenagem a Getúlio Vargas, com a
presença dos representantes de mais de mil sindicatos do país.
Em 1940, na sacada do terceiro andar, Getúlio Vargas assinou o decreto-lei que
aprovou a primeira tabela de salários mínimos. E em 1942, os juristas Arnaldo Süssekind,
Luiz Augusto de Rego Monteiro, Dorval Lacerda, José Segadas Viana e Oscar Saraiva se
reuniram para elaborar o texto da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).15
Segundo os
registros do próprio TRT da 1ᵃ Região, os primeiros presidentes das referidas JCJs foram os
juízes Aldílio Tostes Malta, Jês de Paiva, Homero Prates, Rubens de Andrade Filho, Álvario
14 O jurista Arnaldo Süssekind faleceu no dia 09 de julho de 2012 aos 95 anos de idade. 15 Dados pesquisados em TRT 1ᵃ Região: 2003-2005, Rio de Janeiro, 2005.
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Sá Filho, Geraldo Magela Machado, Geraldo Octávio Guimarães, Mário Pereira e Gustavo
Simões Barbosa.16
Nesse momento, ainda não existia concurso para a magistratura do trabalho
e os juízes eram nomeados para o cargo pelo Executivo. A partir da década de 1950, houve
uma preocupação em regulamentar da carreira da magistratura do trabalho no Brasil que
passou por várias modificações.
Foi na Constituição de 1946 que a carreira de juiz do trabalho passou a seguir o
modelo da carreira da magistratura em geral, sendo composta de três níveis: juiz presidente de
junta, juiz do Tribunal Regional do Trabalho e ministro do Tribunal Superior do Trabalho
(MOREL; PESSANHA, 2007, 87). Nesse processo de estruturação da carreira, o primeiro
concurso para a magistratura do trabalho ocorreu em 1955, entretanto, os candidatos só foram
convocados a partir de 1959.
“Era um caminho quase óbvio. Meu pai, Adílio Tostes Malta,
bacharel, tornara-se juiz do Trabalho ou seu equivalente, à época, nos
anos 40, chegando ao TRT em 1946 e ao TST em 1964.” (MOREL;
PESSANHA, 2007, 89)
Esse momento de regulamentação do concurso da magistratura do Trabalho
marca uma etapa democratizante quando há uma abertura da carreira da magistratura antes
condicionada a indicação do Poder Executivo. Apesar disso, Morel e Pessanha chamam
atenção para o longo caminho percorrido até que os juízes do trabalho construíssem uma
identidade institucional e fossem aceitos como integrantes do Poder Judiciário. Também
demorou para que a equiparação dos vencimentos garantisse aos juízes do trabalho os mesmos
direitos e prerrogativas dos demais membros do judiciário federal. Foi um momento de luta na
qual os magistrados do TRT da 1ª Região tiveram papel importante.
Nas palavras do Juiz Luiz Philippe Vieira de Mello, o primeiro concurso
público para juiz do Trabalho ocorreu com muita cautela e na presença de advogados que
legitimaram “uma seleção magnífica” em que alguns chegaram a ministros (GOMES;
PESSANHA; MOREL, 2007, 43). O juiz ainda ressalta que foi uma seleção com a presença
de candidatos expressivos que honraram a magistratura e também o magistério. Completa
afirmando,
16 Idem, p. 06.
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“(...) Esse concurso foi um marco, porque representou uma
expectativa e um resultado muito bom perante a sociedade. A Justiça
comum também viu que a Justiça do Trabalho tinha uma grande
seriedade na sua atuação.”17
Sobre o processo de profissionalização dos magistrados, Morel e Pessanha
ressaltam que a orientação baseou-se em valores como autonomia e independência, de modo
que o controle da carreira, ou seja, as condições de entrada e o estabelecimento de normas de
promoções no cargo ficaram determinadas internamente pela própria corporação (MOREL;
PESSANHA, 2006). Assim, a rígida hierarquia interna e a imprecisão dos critérios de
promoção tornaram a trajetória profissional do juiz do Trabalho altamente dependente da
avaliação de seus pares e superiores, criando um controle interno tenso e subjetivo. Não
podemos esquecer que a Lei Complementar da Magistratura foi composta em 14 de março de
1979, ainda no regime civil-militar. Mais conhecida como Lomam, as promoções estão
regidas obedecendo critérios de antiguidade e merecimento.18
Para os tribunais, os
magistrados são nomeados pelo presidente da República que escolhe um nome a partir de uma
lista tríplice, elaborada pelos próprios tribunais.
Não é mera coincidência que o momento da estruturação e regulamentação da
carreira da magistratura esteve tão presente nos depoimentos de alguns juízes. Em algumas
entrevistas, muitos desembargadores ressaltaram o primeiro concurso destacando que, antes
de 1955, os juízes eram nomeados exclusivamente pelo Poder Executivo. O mesmo momento
que se pensava a regulamentação da carreira da magistratura, também emergia temas como as
melhorias salariais e a construção da associação dos magistrados. Vejamos como essas
questões se desenvolveram no estado do Rio de Janeiro aos olhos da magistratura do
Trabalho.
A magistratura do Trabalho da Primeira Região em ação
17 Idem, 2007, p. 43. 18 O tema da promoção da magistratura é delicado entre os agentes do Judiciário e ainda muito presente nas
instituições que o compõe. O Conselho Nacional de Justiça discute critérios de promoção da carreira de
magistrado há muitos anos, desde sua primeira gestão, sem ter chegado a um consenso.
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A década de 1950 marcou o contexto do movimento de luta para a
regulamentação do concurso público da magistratura e em relação à consolidação das
conquistas dos magistrados do Trabalho em diversos temas. Não podemos deixar de ressaltar
que a década de 1960 representou um avanço e um importante marco nesse caminho pela
estruturação profissional da magistratura do Trabalho e das conquistas desse grupo. Em meio
a uma crise política que teve na deposição do presidente da República João Goulart um marco
na mudança do regime político adotado no país, o estado do Rio de Janeiro estava
organizando sua primeira associação de magistrados do Trabalho denominada Amatra I.
Tendo sido a primeira associação estadual de magistrados, a Amatra I teve
importante papel político na atuação de um grupo de magistrados do Trabalho no Rio de
Janeiro quando, criada em 1963, reuniu juízes do trabalho da 1ᵃ Região iniciando uma
discussão acerca dos vencimentos da magistratura considerados bastantes reduzidos em
relação aos outros magistrados federais marcando uma importante posição política sobre a
importância da função da magistratura do Trabalho não só no Rio de Janeiro como em todo o
Brasil. Pretendia fortalecer e discutir reivindicações dos magistrados do Trabalho num
momento tenso percebendo a necessidade de se reestruturar, unindo forças em busca de
conquistas relativas ao cargo de magistratura. Estava em questão reajustes salariais,
autonomia, orçamento, entre outros temas. Diante disso, a Amamtra I pode ser entendida
como uma instituição que denota noção de relação histórica ao passo que a relação está
encarnada em pessoas, nas relações interpessoais e contextos reais (THOMPSON, 2011, 09).
Já em sua ata de fundação, datada de 21 de maio de 1963, a Associação dos
Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região, ressaltou que os juízes que estavam
reunidos na sala de audiências da 11ª Junta de Conciliação e Julgamento do TRT do Rio de
Janeiro deliberavam criar uma associação de classe “visando o aprimoramento das letras
jurídicas, o congraçamento da magistratura especial do trabalho e suas relações com os
demais poderes”.19
Segue conduzindo tal solenidade o juiz Lyad de Almeida que, indicado,
19Ata de fundação da Amatra I disponível no site da associação
http://www.amatra1.com.br/material/atadefundacao.pdf, acessada em março de 2013.
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assumiu a presidência da mesa e convidou o juiz Hugo Ferreira da Cunha para secretariar os
trabalhos.
Ainda no evento de fundação da associação, os magistrados deliberaram a
imediata eleição de uma comissão que deveria tomar as providências relativas à elaboração de
um anteprojeto do Estatuto que deveria ser votado em trinta dias, além das diligências
necessárias à parte material de instalação do órgão e a direção do mesmo até a posse da
primeira diretoria que seria eleita a partir do que ficasse estabelecido no Estatuto. Procedida a
eleição, verificou-se a escolha unânime dos juízes Lyad de Almeida, Hugo Ferreira da Cunha,
Feliciano Mathias Neto e Moacyr Ferreira da Silva, os quais aceitaram os encargos e
prometeram dar-lhes integral cumprimento. Ficou assim deliberado em assembleia:
“a) Elaboração de anteprojeto estatutário e sua divulgação entre a
classe, dentro de cinco dias;
b) Abertura do prazo de vinte dias para o recebimento de emendas;
c) Designação no dia 21 de junho do corrente ano, às dezessete horas
em primeira convocação e dezessete horas e trinta minutos em
segunda convocação para, com a maioria da classe ou com o número
dos presentes, respectivamente, ser realizada a assembleia geral
extraordinária em que serão debatidas as emendas e aprovados os
Estatutos que seguirão os destinos da novel instituição. Em seguida,
por sugestão da mesa e aprovação do plenário foi fixada a taxa
provisória de C$ 1.000,00 “per capta” para fazer face às primeiras
despesas até que sejam criados os meios regulares de receita do
órgão.”20
Com a unanimidade de votos foi criada a Amatra I com a presença dos
seguintes juízes do Trabalho: Hugo Ferreira da Cunha, Celso Bacelo, Lyad Sebastião de
Almeida, Carlos Gonçalo do Amaral, Feliciano Mathias Neto, Moacyr Ferreira da Silva, José
da Cunha Filho, Anna Britto da Rocha Acker, Roberto José Amarante Davis, Alédio Vieira
Braga, Vidigal Medeiros, Dácio José de Oliveira, Álvaro Filho, César Pires Chaves, Gustavo
Simões Barbosa, Hugo Bacelar, Sebastião Ribeiro de Oliveira, Christovão Piragibe Tostes
Malta, José Eduardo Pizarro Drummond, Sônia Taciana Sanches Goulart, Adaucto Frizas,
David Mussa, José Fiorencio Junior, Athiê Cury, Anastácio Honório de Mello, Francisco de
Mello Machado, Jês Elias Carvalho de Paiva e José de Moraes Rattes. Dos vinte oito
20 Idem.
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magistrados presente nessa solenidade que marcou a atuação da magistratura do Tribunal
Regional do trabalho do Rio de Janeiro, podemos verificar a presença de apenas duas
mulheres, a Dra. Anna Brito da Rocha Acker e a Dra. Sônia Taciana Sanches Goulart
demostrando ainda uma fraca representatividade das mulheres no acesso ao cargo de
magistrado do Trabalho.
Ao traçar um perfil da magistratura do Trabalho no Brasil, não podemos perder
de vista a relação entre o associativismo e a construção da identidade coletiva do juiz do
trabalho (MOREL; PESSANHA, 2006, 29). Nesse sentido, as autoras afirmam que a
profissionalização e a diferenciação das categorias ligadas ao direito se deu pari passu à
criação de associações, como o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) em 1843, a Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) em 1930, a Associação dos Magistrados do Trabalho da 1ª
região (Amatra I) em 1963 e a Associação Nacional de Magistrados do Trabalho (Anamatra)
criada em 1976.
Em 2003 a Amatra I completou quarenta anos desde sua fundação e, nessa
ocasião, o Dr. Cláudio Montesso então presidente da associação idealizou a edição de um
livro, História e histórias: Amatra 1, que contasse através de depoimentos dos ex-dirigentes a
história da Amatra I. Por fatores como tempo e falta de verba a idealização dessa obra foi
impedida na ocasião da data comemorativa dos quarenta anos da associação tendo sido
recuperada cinco anos depois pela então presidente da Amatra I, Dra. Luciana Gonçalves de
Oliveira Pereira das Neves que presidiu no biênio 2008-2009, motivada pela provocação
durante um almoço do então colega de profissão e amigo, Dr. Gustavo Tadeu Alkmim.21
Essa obra nos revela recortes memorialísticos da magistratura do Trabalho que
certamente se confunde com a história das instituições do Trabalho no Rio de Janeiro. Propõe
pensar a categoria da magistratura do trabalho no contexto da sua atuação na sociedade
brasileira, percebendo os períodos de transformações e crises dos momentos políticos que o
Brasil viveu. Assim, entende o magistrado do Trabalho como um ator político desde a sua
formação. Isso fica ainda mais evidente quando se trata dos relatos do período que a
21 A obra foi editada quando a Amatra 1 completava 45 anos.
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magistratura do Trabalho está se organizando e atuando, principalmente, nas décadas de 1950
e durante todo o regime civil-militar.
“uma década de fatos intensos e fervilhantes, que se inicia com a
renúncia do presidente da República eleito e a luta política para
impedir a posse do vice, culminando com o golpe militar que derruba
o governo constitucional e instaura uma ditadura que iria durar mais
de vinte anos. Mas é também a década em que têm início os
transplantes de coração e de surgimento dos movimentos pacifistas,
da contracultura e do tropicalismo. (...)Nascia assim a Associação dos
Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ᵃ Região – Amatra 1, então
Amat, sem sede, sem estatutos registrados e também sem diretoria
formal, resultado apenas de um sonho de “um punhado de gente com
espírito associativo, muitas ideias, muita coragem e muito carinho
recíproco”, como recorda Anna Acker, sua ex-presidente e também
fundadora.”22
É importante ressaltar que a década de 1960 representa, sobretudo, um
momento fundamental na compreensão da estrutura da magistratura do Trabalho e de todas as
mudanças que a Justiça do Trabalho sofreu durante o regime civil-militar. A memória da
magistratura do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro firmou o que os mesmo
quiseram deixar como marca. Avanços, conquistas, recuos, negociações e as demais relações
estabelecidas entre o Poder Judiciário, o Poder Executivo e os trabalhadores. Sabemos que
esses relatos são dotados de significados pessoais e coletivos e, sobretudo, apresentam zonas
cinzentas no qual o esquecimento também deixa sua marca (LABORIE, 2003, 96). Com a
responsabilidade de corresponder aos anseios das metas estabelecidas pelo regime civil-
militar e, ao mesmo tempo, entendendo-se como instrumentos da garantia de luta por
conquistas trabalhistas, o papel desenvolvido pelos Tribunais Regionais do Trabalho marcam
o cruzamento das histórias de muitas classes. Demarca também o quanto a atuação de uma
instituição essencialmente democrática adotou estratégias para manter-se em pleno
funcionamento durante os anos de 1960 e 1970.
“(...) É certo que poucos sabem acerca do que sucedeu após o ingresso
da primeira turma de juízes substitutos concursados do TRT da 1ᵃ
Região, até mesmo aqueles que já integravam o quadro dos novos
magistrados.
22 Idem, 2008, p.03. Prefácio produzido pelo Membro do Conselho Editorial da Amatra 1, Dra. Rosilda Lacerda
Rocha.
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Em 1957, a remuneração dos juízes era irrisória, mas a garantia do
emprego vitalício tornou-se uma tentação para os candidatos que se
habilitavam ao concurso, porque o advogado, na época, não tinha
instituição de previdência que o amparasse, caso ficasse
impossibilitado de exercer a profissão – era um deserdado da sorte.” 23
A luta por melhorias das condições de trabalho e especialmente as questões dos
vencimentos da magistratura se agrega com esse momento de organização dos magistrados e
com a convocação dos primeiros concursados para os Tribunais Regionais do Trabalho. Um
pouco mais atrasado, a magistratura do Trabalho iria esbarrar na política salarial do regime
civil-militar e nas suas metas de conter a inflação. Quando o depoente diz que a remuneração
dos magistrados em 1957 era irrisória, está claramente se referindo aos vencimentos dos seus
pares no âmbito federal. A justiça federal já tinha seu prestígio consolidado e seus
vencimentos correspondiam a um salário muito acima da média da maioria dos trabalhadores
brasileiros. Era exatamente onde os magistrados do trabalho queriam chegar, nos vencimentos
da Justiça federal e nesse momento, podemos perceber um elo que os une e é fortemente
lembrado até os dias de atuais.
“Tão pouco era o que ganhava um juiz [do trabalho] que muitos
desenvolviam outras atividades a fim de complementar a remuneração
percebida e garantir uma subsistência condigna, embora já proibido
outro qualquer trabalho à exceção do magistério. Ainda não se havia
desligado totalmente do cordão umbilical que ligava a Justiça do
Trabalho ao Ministério do Trabalho, de modo que era tolerado, mas
não legal, o exercício de outra atividade.”24
No trecho acima uma informação nos é cara e precisa ser destacada como um
ponto importante na trajetória dos magistrados do Trabalho, o peso que o Ministério do
Trabalho ainda tinha sobre os tribunais. Sua principal função era discutir questões como as
políticas necessárias para a criação de empregos e a geração de renda, auxílios ao trabalhador,
ou seja, fazer evoluir as relações de trabalho, fiscalizar e aplicar as devidas sanções,
promovendo uma política salarial, promovendo formação e desenvolvimento para os
23 Depoimento do Juiz Feliciano Mathias Netto encontra-se na obra História e histórias: Amatra 1, Rio de
Janeiro, p. 09- 12. Dr. Feliciano falecido em 13 de março de 2000 escreveu o referido texto espontaneamente nos
idos de 1990 para um dia ser publicado. 24 Idem, 2008.
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trabalhadores e garantindo a segurança e a saúde no trabalho. Entretanto, o Ministério do
Trabalho sempre carregou entre os agentes do judiciário trabalhista o adjetivo de conservador
e elitista. Sabemos que a função de promover a política salarial na década de 1950 e 1960
estava condicionada ao momento político e econômico que o país passava. Tal questão fica
evidente quando o juiz Paulo Cardoso de Melo Silva afirmou,
“Até ali, o grosso das questões trabalhistas era resolvido pelo chefe do
Posto do Ministério do Trabalho, com sua óbvia visão conservadora
da matéria. Os trabalhadores achavam que o juiz continuaria na
mesma linha. Os trabalhadores tinham muita desconfiança, achavam
que aquilo era mais uma arapuca e os empregadores folgavam,
acostumados a figuras que davam cobertura política a suas empresas.
Quando a Justiça do Trabalho se instalou, foi mostrando que não era
bem assim, os empregados foram vendo que poderiam ganhar, a
desconfiança foi se desfazendo.”25
O depoimento do juiz Paulo Cardoso de Melo Silva quer marcar outra posição
no que se refere à postura e a função da Justiça do Trabalho na sociedade brasileira. Faz
questão de distinguir a atuação do Ministério do Trabalho da dos Tribunais Regionais do
Trabalho enfatizando sua necessidade de existência pelo caráter distributivo implícito na
Justiça do Trabalho.
“Nessa ocasião, isto é, em 1957, tramitava pelo Congresso Nacional
um projeto de lei visando estabelecer novos padrões de vencimentos
para a magistratura, inclusive disciplinando a questão dos adicionais
por tempo de serviço, uma vez que já naquele tempo discutia-se o
acesso dos juízes às vantagens dos funcionários públicos previstas na
Lei n. 1.711/52 (Estatuto os Funcionários Públicos). (...)
Quando chegou ao nosso conhecimento a notícia de que havia em
tramitação no Congresso Nacional um projeto visando aumentar o
ganho dos juízes, eu, Hugo (Ferreira da Cunha) e Lyad (Sebastião
Guimarães de Almeida) resolvemos – já habituados com a militância
sindical – partir para a luta. Na época, presidia o Tribunal Regional da
1ᵃ Região o juiz César Pires Chaves, vice-presidente no exercício da
presidência, ao qual nos dirigimos para conseguir o seu apoio ao
plano que havíamos idealizado: ir a Brasília – ainda não inaugurada
mas já funcionando como capital federal – para acompanhar o projeto
e interceder junto ao relator, o deputado mineiro Oliveira Brito, no
sentido de sensibilizá-lo para a situação angustiante da magistratura
federal e pedir maior celeridade no processo de tramitação. A
princípio houve certa resistência da direção do Tribunal, que não
25 Idem, 2008.
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recebeu com entusiasmo a ideia, mas, depois, dada a nossa
insistência, resolveu apoiá-la moralmente.”26
Já nesse contexto, o depoimento ressalta a luta política travada pelos
magistrados do Trabalho para garantir conquistas no aumento do salário evidenciando os
problemas de se ter um cargo que requer dedicação exclusiva na atuação com problemas de
condições de trabalho. Fica claro no depoimento do juiz que o presidente do Tribunal
Regional do Trabalho da 1ª Região não apoiou incialmente o movimento.
O juiz César Pires Chaves foi diretor da antiga Faculdade de Direito do
Maranhão tendo sido nomeado primeiro juiz do Trabalho no estado do Piauí, em 1941, pelo
então Presidente Getúlio Vargas. César Pires Chaves presidiu a 1ª Junta de Conciliação e
Julgamento (JCJ) de São Luís até 1946 e em 25 de outubro do mesmo ano foi indicado para
exercer o cargo de juiz do Trabalho Presidente da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento do
Distrito Federal, no Rio de Janeiro, ano em que ocorreu a transferência da Justiça do Trabalho
para o Poder Judiciário. Foi convocado para o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região em
vários períodos entre os anos de 1948 e 1952, entretanto, a promoção para desembargador só
veio em 1955. No período de 1959 a 1963 assumiu a Vice-Presidência e foi por duas vezes
presidente do TRT-RJ nos períodos de 1963-1965 e 1965-1967. Esteve, ainda, como
convocado para o Tribunal Superior do Trabalho entre 1959 e 1960.
Cercado por uma polêmica atuação junto aos magistrados do Trabalho, o juiz
César Pires Chaves também fazia parte de uma associação denominada Instituto dos
Centenários.27
De caráter tradicionalmente conservador, o Instituto foi criado em 1965 e tinha
por finalidade homenagear personalidades, instituições e episódios históricos do país. Seus
fundadores foram: o então presidente do TRT-RJ juiz César Pires Chaves, o Ministro do
tribunal de Contas do estado da Guanabara Venâncio Igrejas; o general Jonas Correia Neto, os
professores Ariosto Berna e Zayra Coutinho Chaves Duarte, além de Nylton Lago Ilhas
Fontes.
26 Idem, 2008. 27 O juiz César Pires Chaves durante o ano 1964, no momento do golpe civil-militar, abriu com a aprovação do
tribunal uma sindicância para apurar os funcionários subversivos através do Provimento n. 20 de 29 de abril de
1964.
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“Pelas dificuldades de toda ordem que encontrávamos, e contra a
vontade de César Pires Chaves, com o qual havíamos tido um atrito
que relatarei adiante, sentimos a necessidade da criação de uma
entidade que defendesse, especificamente, os interesses dos juízes do
trabalho porque não podíamos contar com a Associação dos
Magistrados Brasileiros, dirigida por juízes e desembargadores da
justiça comum, e que nenhuma atenção dava à nossa classe, já que os
nossos interesses não eram comuns. (...)”28
Podemos perceber que o depoimento do magistrado marca conflitos internos já
que atenta para as relações sociais e políticas estabelecidas entre a magistratura do Trabalho.
O juiz também levantou questões acerca das relações profissionais e interpessoais que seus
pares viveram naquele momento, apontando divergências políticas. Nesse contexto, ressalta a
importância da criação da Amatra 1 para defender os interesses dos magistratura do Trabalho.
Tais aspectos também ficam evidenciados no relato do magistrado José Fiorêncio Júnior.
“1. Comecemos com uma das principais etapas da Justiça do
Trabalho: os primeiros concursos para juiz togado, realizados na,
então, 2ᵃ e 1ᵃ Região (não lembro da ordem, mas sei que o intervalo
entre um e outro foi muito pequeno), cuja banca examinadora era
composta pelos ilustres juízes e juristas Délio Maranhão, Amaro
Barreto e César Pires Chaves, sendo três as provas, doutrinária e
sentença, e uma oral. (...) 2. A propósito do concurso, uma
curiosidade: com o seu encerramento e a remessa da primeira lista de
aprovados para a Presidência da República, uma certa demora nas
nomeações passou a inquietar-nos, já que nenhuma impugnação ou
reparo ao concurso surgira, não havendo assim obstáculo para a
conclusão do expediente. Mas, com o tempo, descobriu-se que o
entrave residia na inclusão de um possível comunista na lista e, onde
já se viu juiz do trabalho comunista? Afinal, eram os tempos em que
“comunista comia criancinha”. E tudo isso porque o ilustre e muito
saudoso colega Orlando Silva de Oliveira, que não era jovem, pai de
nove filhos, pertencia ao Partido Comunista, embora dele já se tivesse
desligado há muitos anos.”29
O fantasma do comunismo assombrava a sociedade brasileira desde a década
de 1930 e criou problemas na posse dos magistrados recém-concursados. É importante
ressaltar que as relações que reuniam tais magistrados são de toda natureza, passavam por
questões relacionadas à atividade profissional e até mesmo pessoal. No momento que o juiz
28 Idem, 2008. 29
Depoimento do Juiz José Fiorêncio Junior, idem, 2008, p. 13-15.
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ressalta “onde já se viu juiz do trabalho comunista?” há um acentuado tom de ironia na sua
fala que traduz a heterogeneidade dos magistrados do Trabalho desde então.
“De certa forma o acontecimento foi gerador de forte solidariedade
entre os colegas que, independentemente do interesse de serem
nomeados, de suas posições e ideologias, passaram a trabalhar
arduamente para evitar a injustiça que se avizinhava. Em especial,
destaque-se o colega Tarcísio Meirelles Padilha, hoje acadêmico da
ABL que, por constituir-se em forte expressão católica, conseguiu
levar ao Ministério da Justiça o seu depoimento e o de várias outras
lideranças católicas e até de ideologias adversas, o que convenceu e
tranquilizou as autoridades, que afinal, assinaram as nomeações,
inclusive a do nosso Orlando.”30
O juiz José Fiorêncio Junior nasceu na cidade do Rio de Janeiro e na década de
1950 se formou em Direito pela Faculdade Nacional de Direito, atualmente Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Em 1957 foi nomeado juiz do Trabalho Substituto do TRT da 1ª
Região. Ocupou também o cargo de juiz Presidente da 7ª e 18ª Juntas de Conciliação e
Julgamento, Presidente de Turma e Vice-Presidente do TRT-RJ. Fez parte da Comissão de
Estudos, responsável pela revisão do Código Civil Brasileiro e também pela elaboração do
projeto do Código de Processo do Trabalho.
O magistrado relembra um fato importante que ocorrera no TRT da 1ᵃ Região e
que não se tinha conhecimento de que em outra Junta de Conciliação de Julgamento teria
acontecido, a visita do então Presidente da República João Goulart a 18ᵃ JCJ. Dada ênfase
com que o relato foi abordado, tem-se total noção do prestígio que se quer delimitar
posicionando o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região na história do judiciário
trabalhista desse país. Assim, o TRT da 1ª Região não só tinha um magistrado que pertencia
aos quadros do Partido Comunista mas, também, foi prestigiado pela presença do presidente
da República conhecido por ter ligação com a história da classe trabalhadora por já ter sido
Ministro do Trabalho. João Goulart visitou o Palácio do Trabalho como relembra o juiz.
“6. Afinal, um acontecimento importante que, me parece, ainda não
ter merecido a devida avaliação. Trata-se de uma junta de conciliação
e julgamento do Rio de Janeiro, inaugurada por um Presidente da
República, evento marcante tanto mais porque, pelo menos até há
30
Depoimento do Juiz José Fiorêncio Junior, idem, p. 13-15.
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alguns anos, ele não se repetira, tal como consegui apurar em
frequentes conversas com colegas de diversas regiões. Mais ou menos
em 1962, foram criadas 5 juntas no Rio de Janeiro e ampliado o
Tribunal Regional da 1ᵃ Região. Era seu ilustre presidente o juiz
Celso Lanna, que convidou para a solenidade o Presidente da
República – João Marques Belquior Goulart -, que substituíra o
renunciante Jânio Quadros. A aceitação do convite, como é natural,
entusiasmou o nosso presidente, que desejou, então, que a visita não
se limitasse ao local, às instalações das juntas, e para demostrar maior
reconhecimento, estimou que uma delas estivesse com seus
integrantes que fariam a recepção, antes da solenidade, a ser cumprida
na sala de sessões do Tribunal.”31
Marcando também uma posição de destaque dentro do Tribunal, o juiz José
Fiorêncio Júnior fez questão de pormenorizar a visita do ilustre presidente da República na
ocasião em que era presidente da 18ª JCJ. Em meio à descrição do evento, o juiz faz questão
de ressaltar características do então presidente da República aproximando-o ao da Justiça do
Trabalho. Goulart era um presidente simples e informal. Assim também era o Tribunal
Regional do Trabalho da 1ª região que lidava com o povo, com o trabalhador.
“Chamou-me, então, com a gentileza que o caracterizava –eu era juiz-
presidente de uma das juntas criadas, a 18ᵃ - pediu-me que
comunicasse aos senhores vogais e funcionários que seria nossa tal
incumbência, embora, acrescentava ele, não acreditasse na
confirmação da visita, em razão dos grandes afazeres da Presidência
da República. Ocorre que, poucos dias depois, S. Exa. confirmou a
presença, o que, aliás, se tornou do conhecimento geral, dentro e fora
do âmbito da Justiça do Trabalho. (...) Pois bem, aí vai alguma coisa
para mim inesquecível. No momento em que o Presidente da
República chega à sala de audiência, da 18ᵃ JCJ, repletos saguão,
corredores, escadas, estava eu em conversa, de costas para a porta de
entrada, quando sinto alguém que me puxava pelo braço e me
chamava para conversar. Envergonhado ao ver S. Exa., pois eu
deveria recebê-lo, é lógico que me desculpei inúmeras vezes, mas,
quero logo acentuar, nunca tinha visto uma autoridade de tal nível
portar-se com tanta simplicidade, informalismo e simpatia.
Bem me lembro, junto a uma das janelas, indagou-me sobre o
trabalho, número de processos, sua celebridade, a representação
classista, a compreensão dos trabalhos e dos empregadores sobre a
nossa Justiça e ainda outros temas de que não me lembro. E sempre
com a maior atenção e interesse, não se limitando, pois, ao protocolar
cumprimento com votos de felicidades e mais duas ou três palavras de
31 Idem, 2008.
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praxe. E tudo isso com a gravata sempre fora do lugar, como era seu
hábito, enquanto várias pessoas, à falta de seguranças, enchiam seus
bolsos com numerosos papéis. Enfim, outros tempos. (...)”32
É nesse clima que a magistratura do TRT da 1ª Região atuava decidindo os
processos de dissídios individuais e coletivos. Sua composição, o perfil de sua magistratura,
as decisões no que tange as questões mais importantes desse período como política salarial,
insalubridade, segurança do trabalho, entre outras, são questões que estavam presentes em
todas as discussões de Direito do Trabalho nas décadas de 1960 e 1970. O Tribunal Regional
da Primeira Região ao mesmo tempo que viveu mudanças legislativas importantes no campo
do trabalho que influenciaram as decisões trabalhistas dos juízes, também viveu os momentos
de tensões políticas no país vendo reflexo direto na movimentação dos trabalhadores,
principalmente, nas associações de classes. As estratégias de atuação dos magistrados do
trabalho nessa conjuntura que seriam mais fáceis de perceber caso os processos trabalhistas da
Primeira Região ainda existissem. Infelizmente, todos esses processos trabalhistas são
incinerados após cinco anos restando apenas os acórdãos.
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32 Idem, p. 15.
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