história do design do relógio
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Trabalho acadêmico para o curso de Design, tratando de aspectos históricos do relógio e da disciplina, sob a luz principal de estudos de Michel Foucault.TRANSCRIPT
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Andr Santos e Priscila Muran
Anlise dosSignificados Culturais:
Relgio de Bolso
Curitiba, Outubro/2014
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1. Introduo
Sendo o relgio inerente sociedade atual, portanto a possibilidade de nos
encontrarmos em uma situao em que este no esteja presente ser extremamente baixa,
comum ignorarmos a importncia deste artefato e raramente paramos para refletir sobre sua
trajetria e significado. Entretanto o relgio nem sempre esteve presente da forma na qual o
encontramos atualmente.
Este estudo tem como objetivo analisar especificamente o relgio de bolso e a
transio de sua nfase como artefato medidor de tempo para artefato de adorno.
Optamos por realizar uma pesquisa base sobre a origem e desenvolvimento do
relgio, analis-la sob a luz dos estudos de Foucault e outros autores e se aprofundar
especificamente no relgio de bolso ao analisar seus aspectos conforme os fatores
condicionantes do significado propostos por Cardoso (2012) e seus respectivos conceitos.
2. Desenvolvimento
Uma vez dotados da capacidade cognitiva de perceber a natureza ao seu redor, os
seres vivos passam a organizar suas atividades de acordo com a passagem do tempo.
Determinadas aes fsicas ou processos qumicos so apenas possveis, ou seguras, de
acordo com o momento do dia, tendo o Sol papel principal nesta capacidade de percepo
cronolgica.
medida que sua capacidade de abstrao se desenvolveu, e em decorrncia o
planejamento do futuro, o ser humano foi gradativamente aumentando sua capacidade de
alterar seu comportamento de simples caa e coleta para atividades mais complexas como
a agricultura e a edificao de abrigos. Ainda assim, a inexistncia de um artefato que
precisasse o momento temporal em que se situava em determinado instante, limitava suas
aes cotidianas (como quanto tempo teriam de maior segurana em ambiente selvagem
procura de alimentos coletveis). Sendo assim, uma das mais primordiais preocupaes
humanas, o controle do tempo, se definiu antes mesmo de sua existncia como espcie e
permaneceu primitiva at muito recentemente se considerado o perodo de sua existncia.
Segundo indcios da cultura material, provvel afirmar que o primeiro instrumento
para mensurar a passagem do tempo tenha surgido por volta de 3000 aC, tendo por tcnica
o uso da sombra do Sol. Apenas em 250 dC surgiro materiais que sugerem um maior
controle deste processo com as ampulhetas de areia. O uso de um equipamento mecnico
com tal funo, todavia, ser de 1386. Confere-se o crdito de sua criao a Henry de Vicky,
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ingls, e fora instalado na Catedral de Salisbury1.
notvel, e no coincidente, que este artefato tenha sido fixado justamente em uma
construo eclesistica. Como nos lembra Michael Foucault, durante sculos, as ordens
religiosas foram mestras de disciplinas: eram os especialistas do tempo, grandes tcnicos
do ritmo e das atividades regulares2 e, no obstante, foram por longo tempo os locais onde
se podia encontrar equipamentos com maior preciso3
Embora a necessidade da contagem do tempo existisse desde antes da instituio
de sociedade a popularizao de um artefato pessoal que executasse tal funo durante
todo o tempo do dia (o relgio domstico) se concretizou somente no sculo XIV na
Pennsula Itlica. Apenas ampulhetas e grande relgios pblicos eram usados at ento.
Estes primeiros relgios domsticos consistiam em mecanismos impulsionados pela
queda de pesos, o que os tornava necessariamente estticos. Em 1510, Peter Henlein
aperfeioa o mecanismo de corda e inventa o relgio porttil, entretanto este ainda no
considerado o relgio de bolso uma vez que por ser feito de ferro era muito pesado para
carreg-lo consigo a todo momento e por ser muito grande no cabia em nenhum bolso. Foi
somente no fim do sculo XVI quando a espiral de ao inventada e quando estes relgios
portteis comearam a ser produzidos em lato que seu tamanho e peso puderam ser
reduzidos assim tornando-os relgios de bolso.
Por sua difcil fabricao, pelo conhecimento tecnolgico necessrio ser detido por
poucos, por seu processo ser artesanal e pelo custo da rica ornamentao, a princpio
relgios de bolso eram muito raros e considerados como verdadeiras joias e smbolo da alta
aristocracia, somente a classe alta poderia possuir a este dispositivo4. Entretanto, com o
aumento das manufaturas e incio da revoluo industrial, cumprir com exatido seus
horrios se tornou cada vez mais essencial ao trabalhador e ao rendimento de empresa e
modelos mais simples comearam a ser comercializados para atender esta necessidade.
Esta lgica de condicionamento do tempo herdeira daquela disciplina monstica
supracitada, ainda que aqui tome uma nova perspectiva. Enquanto a disciplina atravs da
rigidez de rituais executados em momentos especficos do tempo tinha por objetivo o
aperfeioamento individual como fim (e, portanto, uma maior iluminao frente Criao),
na sociedade capitalista industrial ela tinha como objetivo a reduo de falhas, tempo de
produo ociosa e, no menos importante, a domesticao do indivduo5. Assim,
1 Sem autor. Tic tac : o relgio e o tempo. So Paulo: Agora So Paulo, 2006, p. 7.2 FOULCAULT, Michael (trad. RAMALHETE, Raquel). Vigiar e punir : nascimento da priso. Petrpolis:
Editora Vozes, 1999, p. 128.3 YORGEY, Carroll Colette J. The History of Pocket Watches. Disponvel em
http://www.stylestudio360.com/index.php/the-history-of-pocket-watches-5-21502/. Acesso em 11/10/2014.4 Sem autor. Tic tac : o relgio e o tempo. Op cit, p. 17.5 FOUCAULT, Op cit, p. 118.
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averiguamos a modificao dos fatores condicionantes de que nos fala Rafael Carodoso
devido ao processo histrico sob o qual o relgio fora submetido. O prprio autor sugere a
dificuldade em separ-los, mas, assim como ele, o faremos sob uma justificativa
metodolgica. A modificao de seu entorno, das igrejas s fbricas e bolsos do capitalista, representou o processo de resignificao do tempo: no mais a disciplina quanto a subjugar-
se sob um carter milenar, mas aperfeioar o tempo de trabalho. De outra forma,
poderamos falar que um novo uso da mensurao do tempo e, portanto, do relgio, provocou tambm o surgimento da necessidade de t-lo sob o controle de novos
personagens, em novos espaos e, principalmente, a todo instante. Surgira assim, a
necessidade de um relgio mvel, os relgios de bolso.
Entretanto, estes no possuam proteo ao ponteiro e face e at ento somente
as horas eram marcadas. Apenas no incio do sculo XVIII, na Inglaterra, placas de cristal
para proteger os ponteiros, cascos de prata e ouro ornamentadas para proteger todo o
equipamento e embelez-lo e pedras preciosas como rolamentos para evitar o atrito e o
desgaste entre as partes metlicas foram adicionados. A experincia do usurio se aprofundara. O objeto, assim sendo, se projeta alm de sua funo. Aqui devemos no
afastar um pouco quanto questo tecnolgica de preciso do relgio porttil, e
debruarmo-nos sobre o carter subjetivo que levara adio de tamanho nvel de
ornamentao. O uso do relgio de bolso tornara-se caracterstico um determinado grupo
e, assim sendo, fora se tornando cada vez mais um signo de distino (como citado
anteriormente).
E quanto s diferentes percepes deste objeto? No incio do sculo XIX, a
Inglaterra foi acometida pelo movimento ludista de quebra do maquinrio fabril. O motivo:
representavam a expurgao do controle sobre o prprio trabalho, algo anlogo ao que
Foucault viria a chamar de instituies de sequestro6. Para o sociolgo, a primeira destas
trata-se do controle do tempo, ou o horrio7. Desta forma, podemos nos permitir um
exerccio de comparao e subjetivao e imaginar que, sua poca, poderia tambm o
relgio ser outro smbolo deste expurgo (no toa sua localizao em todos os ambientes
de trabalho, os sinais intermitentes, a disciplinarizao cronolgica elevada ao extremo
como nos relatos da obra Vigiar e Punir e, o que nos diz ainda mais, sua presena em
outros espaos de cultura da disciplina como prises, abrigos para infantes e escolas).
Portanto, apenas podemos conjecturar em relao s diferenas de pontos de vista sob o artefato relgio. Um smbolo de lucratividade e eficincia para um. Do controle e
insalubridade fsica e mental para outro. A no localizao de mais fontes nesta pesquisa
6 COIMBRA, Cecilia Maria Bouas; DO NASCIMENTO, Maria Livia. O efeito Foucault : desnaturalizando verdades, superando dicotomias. In: Psicologia : teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense. Set-Dez 2001, Vol. 17 n. 3, p. 247.
7 FOUCAULT, Op cit, p. 127.
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sobre este ponto especfico nos dificulta uma afirmao mais categrica aqui, ainda que a
construo argumentativa frente s demais fontes e referncias da literatura possam nos
criar um campo relativamente seguro nestas concluses, ainda que no absolutas.
Com a alta da demanda, e consequentemente de capital de investimento que se
originou pela necessidade de preciso na medida de tempo gerada pela indstria ferroviria,
em 1859 foi fundada a primeira indstria de produo em srie de relgios de bolso, a
American Watch Co. com o conceito de que produzir repetidamente o mesmo projeto o
tornaria de melhor qualidade uma vez que isto os tornaria especialistas nestes designs.
Portanto, melhorando seu conhecimento sobre os mesmos e finalmente a qualidade do
produto.
O consequente barateamento destes artefatos foi, ento, popularizando o utenslio
paulatinamente. O desuso do relgio de bolso como utilitrio prtico, enfim, data do sculo
XX e, dentre outros fatores, tem por responsabilidade a popularizao do relgio de pulso
por Santos Dumont, frequentador e um dos cones dos festivais cientficos parisienses. No
que este j no existisse, mas limitava-se indumentria feminina. Novamente, podemos
estar nos arriscando em uma anlise com menor sustentao bibliogrfica, mas percebemos
que se aqui no temos um discurso sobre o artefato, temos o artefato como discurso. Como Cardoso afirma, as representaes necessariamente agregam sentidos e afetam a
compreenso do artefato8, e assim como utiliz-lo em sua verso de bolso ou de pulso
uma forma de expresso de gnero, contrariar tal tendncia, como a escolha da verso de
pulso por questes prticas para um engenheiro e inventor, tambm gera novos
significados. Se considerarmos junto a isto as tecnologias do sculo XXI, como os telefones
mveis com inmeros aplicativos, incluindo relgio, percebemos que a opo de uso de um
relgio de bolso ultrapassa, hoje, a questo funcional e tornou-se, mais que nunca, uma
opo esttica, subjetiva ou de grande especificidade cultural.
Finalmente, sabemos que ainda que a necessidade do controle do tempo por parte
do ser humano remete ao seu prprio surgimento e alm, percebemos os processos de
longa durao (aqui emprestando um termo de Fernand Braudel) que levaram criao de sua forma de bolso e, posteriormente, sua adoo como opo de adorno, no utilitria. ,
assim, resultado de um processo complexo, permeado por inmeros fatores, os quais
selecionamos alguns aqui (culturais, econmicos e tcnicos) a fim de esquadrinh-lo e
entend-lo.
8 CARDOSO, Rafael. Fatores condicionantes do significado. In: CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. So Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 68.
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3. Concluso
Ao encerrarmos o levantamento bibliogrfico para esta pesquisa, fomos capazes de
identificar relaes de carter histrico quanto aos processos que levaram criao do
relgio de bolso e a posterior transformao de utilitrio para adorno. As condies de sua
transformao localizadas no tempo foram vrias, mas acreditamos sermos capazes de
afirmar que o relgio de bolso fora um objeto caracterstico do perodo analisado por
Foucault e outros autores, tornando-o um dos grandes smbolos do controle do ser humano
sobre o tempo e o prprio corpo sob a forma de disciplina.
4. Bibliografia
CARDOSO, Rafael. Fatores condicionantes do significado. In: CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. So Paulo: Cosac Naify, 2012COIMBRA, Cecilia Maria Bouas; DO NASCIMENTO, Maria Livia. O efeito Foucault : desnaturalizando verdades, superando dicotomias. Psicologia : teoria e pesquisa. Rio deJaneiro: Universidade Federal Fluminense, v. 17, n. 3, set./dez. 2001.
FOULCAULT, Michael (trad. RAMALHETE, Raquel). Vigiar e punir : nascimento da priso.Petrpolis: Editora Vozes, 1999
HERMES, Amanda. History of pocket watches. Disponvel em http://www.ehow.com/about_5418550_history-pocket-watches.html. Acesso em 11/10/2014.
KEANE, Maribeth. Pocket Watches. Disponvel em http://www.collectorsweekly.com/. Acesso em 11/10/2014.
Sem autor. Tic tac : o relgio e o tempo. So Paulo: Agora So Paulo, 2006THOMPSON, Clive. The pocket watch was the worlds first wearable tech game changer. Disponvel em http://www.smithsonianmag.com/innovation/pocket-watch-was-worlds-first-wearable-tech-game-changer-180951435/. Acesso em 11/10/2014.
YORGEY, Carroll Colette J. The History of Pocket Watches. Disponvel em http://www.stylestudio360.com/index.php/the-history-of-pocket-watches-5-21502/. Acesso em
11/10/2014.