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HEBE CAMARG O Há 48 anos no ar e com contrat o até 2001, a rainha da TV está sempr e disposta a defender seu público : "Quando vejo algo errado , não meço palavras . Não tenho papas na língua " Entrevist a H ebe Camargo aparec e no corredor da sua be- líssima casa no bairr o paulistano do Morumbi, esten - de os braços e grita, de longe : "Querido!" . Passo a me senti r a pessoa mais importante d o mundo só por causa dess e "querido" - relata o jornalis- ta Alex Solnik, convidado po r IMPRENSA para entrevistá - la. Ela se aproxima, a passos rápidos, esbanjando energia . Não espera para começar . J á está falando, ao mesmo tem- po em que me encaminha par a a varanda . Até então, eu esta- va apreciando os belos qua- dros e tapeçarias da sala de estar. O pé direito alto dá um tom suntuoso ao ambiente, que também se mantém mais fres- co . Hebe avisa que a decora- dora está trocando todas a s peças . Em poucos dias, a sal a não será a mesma . Da varanda dá para ver a piscina, muito azul . Alegre , como sempre, Hebe transfor- ma a tarde em dia de festa . Nã o sei se o programa tem o jeitã o da casa dela, ou vice-versa . O s gestos, a voz, tudo é igual : aqui, ou no teatro . Uma voz de mulher a chama . Ela se inclina e descobre, lá no pá - tio, uma amiga . "Querida!", exclama logo, radiante , como se fosse a visita mais importante d o planeta . "Como você entrou, que eu nã o vi?" "Você está com visitas . . ." As duas tricotam um pouquinho e ela , de novo, dá toda a atenção para mim . A o garçom, também se dirige com entusias- mo: "Por favor, um café bem gostoso e u m copo d'água bem fresquinho! " Envolvente como poucas pessoas con - seguem ser, simples como uma anônim a dona de casa .. . Trepidante . Incapaz de fi- car parada um minuto . Como na TV, ond e impera há 48 anos . IMPRENSA - O Gugu quer ter um a televisão .. . Você se vê como proprietári a de emissora de televisão ? Hebe - Não . Nunca tive essa preten- são .. . O Gugu é empresário, muito bo m empresário, né?! Você vê : tudo o que el e está fazendo está dando certo . Mas para ter isso tudo, ele está trabalhando pra ca- ramba! Não está ganhando isso de presen - IMPRENSA - E essa his- tória de que você iria para a TV Bandeirantes ? Hebe - Eu e o Nilton Tra- vesso somos muito amigos . . . Quando soube que ele saiu d a Manchete, falei para o Silvio : "Silvio, traz o Nilton para cá. El e é um tremendo de um profissio- nal, competente, maravilhoso" . O Silvio levou ele pra lá . Depois , acabou o núcleo de novela - as confusões do Silvio .. . e o Nil - ton saiu . Voltou para a Globo . Ficou uma semana . Aí foi para a Bandeirantes . Então, há essa re- cíproca ... Eu o convido para vi r para cá . . . Quando ele vai, ele me convida .. . Ele é meu amigo . IMPRENSA - Como o Silvio San- tos reagiu ? Hebe - O Silvio Santos soube, por - que saiu no jornal : "Hebe vai para a Ban- deirantes" . Eu sempre estou disposta a ouvir as pessoas que me ligam . Aí, o Sil- vio me liga em casa : "Mas, Hebe, voc ê fica me assustando . Que que é isso? Você não vai sair, vem aqui falar comigo" . Aí , fui falar com ele : "Silvio, não é nada dis- so .. ." E contei tudo, direitinho, porque nã o faço leilão, nunca fiz leilão . Nunca che- guei, por exemplo, para o Silvio Santos e falei : "Quero tanto para ficar!" . Nunca . te . Ele é empresário ; eu não. Eu sou .. . eu sou .. . uma brincalhona. Gosto de fazer aquilo, adoro fa- zer aquilo . Quando estou ali, nã o tenho tristeza, não tenho dor . Quero ser feliz e fazer as pessoas felizes . Com as besteiras qu e falo, se consigo arrancar uma ri- sada da platéia .. . eu adoro, por- que sei que quem está em cas a está rindo também, porque a coi- sa contagia. Isso, eu acho bárba- ro. E um prêmio que recebo . IMPRENSA - MARÇO 1998 65

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HEBE CAMARGOHá 48 anos no ar e com contrat o

até 2001, a rainha da TV está sempr edisposta a defender seu público:

"Quando vejo algo errado,não meço palavras.

Não tenho papas na língua "

Entrevista

H ebe Camargo apareceno corredor da sua be-líssima casa no bairro

paulistano do Morumbi, esten -de os braços e grita, de longe :"Querido!" . Passo a me sentira pessoa mais importante d omundo só por causa desse"querido" - relata o jornalis-ta Alex Solnik, convidado po rIMPRENSA para entrevistá -la.

Ela se aproxima, a passosrápidos, esbanjando energia .Não espera para começar. J áestá falando, ao mesmo tem-po em que me encaminha paraa varanda . Até então, eu esta-va apreciando os belos qua-dros e tapeçarias da sala deestar. O pé direito alto dá umtom suntuoso ao ambiente, quetambém se mantém mais fres-co . Hebe avisa que a decora-dora está trocando todas a speças . Em poucos dias, a salanão será a mesma.

Da varanda dá para ver apiscina, muito azul . Alegre ,como sempre, Hebe transfor-ma a tarde em dia de festa . Nã osei se o programa tem o jeitã oda casa dela, ou vice-versa . O sgestos, a voz, tudo é igual :aqui, ou no teatro . Uma voz de mulher achama . Ela se inclina e descobre, lá no pá -tio, uma amiga .

"Querida!", exclama logo, radiante ,como se fosse a visita mais importante doplaneta . "Como você entrou, que eu nãovi?"

"Você está com visitas . . ."As duas tricotam um pouquinho e ela ,

de novo, dá toda a atenção para mim . Aogarçom, também se dirige com entusias-mo: "Por favor, um café bem gostoso e u mcopo d'água bem fresquinho!"

Envolvente como poucas pessoas con -

seguem ser, simples como uma anônim adona de casa . . . Trepidante . Incapaz de fi-car parada um minuto . Como na TV, ond eimpera há 48 anos .

IMPRENSA - O Gugu quer ter um atelevisão . . . Você se vê como proprietári ade emissora de televisão ?

Hebe - Não. Nunca tive essa preten-são . . . O Gugu é empresário, muito bo mempresário, né?! Você vê : tudo o que el eestá fazendo está dando certo . Mas parater isso tudo, ele está trabalhando pra ca-ramba! Não está ganhando isso de presen -

IMPRENSA - E essa his-tória de que você iria para a TVBandeirantes ?

Hebe - Eu e o Nilton Tra-vesso somos muito amigos . . .Quando soube que ele saiu d aManchete, falei para o Silvio :"Silvio, traz o Nilton para cá. El eé um tremendo de um profissio-nal, competente, maravilhoso" .O Silvio levou ele pra lá. Depois ,acabou o núcleo de novela - asconfusões do Silvio . . . e o Nil -ton saiu . Voltou para a Globo .Ficou uma semana. Aí foi para aBandeirantes . Então, há essa re-cíproca . . . Eu o convido para virpara cá . . . Quando ele vai, ele meconvida . . . Ele é meu amigo .

IMPRENSA - Como o Silvio San-tos reagiu?

Hebe - O Silvio Santos soube, por-que saiu no jornal : "Hebe vai para a Ban-deirantes" . Eu sempre estou disposta aouvir as pessoas que me ligam . Aí, o Sil-vio me liga em casa : "Mas, Hebe, vocêfica me assustando . Que que é isso? Vocênão vai sair, vem aqui falar comigo" . Aí ,fui falar com ele : "Silvio, não é nada dis-so . . ." E contei tudo, direitinho, porque nãofaço leilão, nunca fiz leilão . Nunca che-guei, por exemplo, para o Silvio Santos efalei : "Quero tanto para ficar!" . Nunca .

te . Ele é empresário ; eu não. Eusou . . . eu sou . . . uma brincalhona.Gosto de fazer aquilo, adoro fa-zer aquilo . Quando estou ali, nãotenho tristeza, não tenho dor .Quero ser feliz e fazer as pessoasfelizes . Com as besteiras qu efalo, se consigo arrancar uma ri-sada da platéia . . . eu adoro, por-que sei que quem está em cas aestá rindo também, porque a coi-sa contagia. Isso, eu acho bárba-ro. E um prêmio que recebo.

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Estava na época de reformar o con -trato . "O que é que vocês estão meoferecendo?" E o que eles oferece mestá ótimo . Nunca criei problema praninguém. Sempre fui assim . Eu já ti-nha dado a palavra para o Luciano(Callegari) que ia reformar. E ele j átinha até mandado o contrato . Eu odeixei na gaveta. Aí, como o Lucia -no viajou, não assinei, não mandei . . .E ninguém veio buscar. Ficou aí . . .Minha palavra é palavra . Mas o Sil-vio Santos achou que eu não tinh aaceito a proposta . E disse : "Você vaificar até o ano 2001!". 2001! Eu dis-se : "Eu não acredito! Será que che-go lá?"

IMPRENSA -Seu programa éde variedades, mas às vezes você batenos políticos . . . Por quê ?

Hebe - Eu tenho um públicofiel que vai ao auditório . . Tem genteque me acompanha desde que co-mecei . Eles acham que estou ali par adefendê-los, porque não tenho pa-pas na língua . Quando vejo algumacoisa errada, alguma coisa que é ab-surda, aí não meço palavras . Eu nãome preparo para falar . Vou falando,vou falando, num crescendo . . . O co-ração fica me empurrando para falar ,porque tem cada coisa que os gover-nos fazem! . . .

IMPRENSA - Você causou um agrande celeuma com aquele bolo cheio d emoscas. . .

Hebe - Eu não pedi para fazer tãogrande! Fizeram cada mosca deste tama-nho! Eu tive a idéia: vamos fazer um bolo .A história é a seguinte : o bolo é novo, masas moscas continuam as mesmas . Nossa !Quase me tiraram do ar !

IMPRENSA - No dia do bolo?Hebe - No dia do bolo! Opa! Foi u m

auê! Aí começaram a querer que eu gra-vasse o programa. Acho que gravei un sdois . . . Fui obrigada a gravar para acalmaros ânimos . Depois voltou ao normal . Me uprograma tem de ser ao vivo. Uma vez aDercy Gonçalves foi ao meu programa edisse que tinha de fechar o Congresso, qu eestava lá só para gastar dinheiro, não fazi acoisa nenhuma. Aí o Ulysses Guimarãe sfoi pro plenário e fez um discurso violen-tíssimo contra mim . Quiseram me tirar doar. E eu disse : "Mas, gente, não fui eu quemfalou . Foi uma convidada ." Muito tempo

"O meu público achaque estou ali para protegê-lo "

depois, fiquei amiguinha do Ulysses . Via-jei com ele e dona Mora (a mulher do de-putado) num vôo de Nova York para SãoPaulo. Nos cumprimentamos e ele foi gen-til comigo . Já tinha passado o ódio . . . Nãochegou a ser ódio. As pessoas sentem-seagredidas por mim, depois elas vêem quenão faço nada assim (com essa intenção) . . .A única pessoa que agrido diretamente é oInocêncio de Oliveira (deputado federa lpelo PFL de Pernambuco) .

IMPRENSA - Por quê?Hebe - Porque eu não o perdôo por

ter feito um poço na fazenda dele co mmáquinas do governo . E depois ele que rfalar dos outros e fazer a política do sério,do digno, do decente . Ele fica louco quan-do eu falo dele . Manda, pede : "Fala praHebe que eu não sou assim, que eu não so uisso que ela pensa" Ele é o único em quemeu bato .

IMPRENSA - Você não acha que aTV, de um tempo para cá, só tem usado abeleza e não a inteligência das mulheres?

Hebe Eu já disse isso e fu imal-interpretada por algumas pes-soas que ficaram de mal comigo .Mas acho que a televisão regrediu .Nesses últimos tempos, teve um aregressão absurda de qualidade, por -que um quer concorrer com o outro .Até a Globo, que tinha aquele altopadrão, também já aderiu a coisasmais . . . mais vulgares, de mau gos-to . Fico muito triste . As próprias no -velas brasileiras são um primor, u mcinema! Mas agora já estão apelan-do! Se não botam mulher nua, mu-lher com homem na cama fazend osexo explícito, eles acham que nãodá audiência .

IMPRENSA - Você acha queisso acontece porque os homens éque mandam ?

Hebe - Não sei . Acho que aspessoas que estão se submetendo aisso são muito submissas . Elas es -tão aceitando . Mandam fazer, elasfazem .

IMPRENSA - Você acha quea presença da Marluce Dias da Sil-va na Rede Globo é capaz de mudaresse quadro?

Hebe - Talvez . . . não sei . Di-zem que ela é uma pessoa de muitoequilíbrio, muito bom gosto . Pelo

menos para se vestir, ela é de extremo bo mgosto . E muito chique . Pode ser que el apasse isso para a televisão . Mas não se iexplicar o que está havendo . Acho que opróprio mundo está muito devasso . Hoj eem dia, mulher não é mais tratada comomulher. Mulher virou uma coisa. Por quê?Porque ela própria se expõe . A mulher dehoje se concede muito. Então, ela própri ase vulgariza, se põe na vitrine, se venden-do . Eu acho isso uma pena. Não falo issopara denegrir ; muito pelo contrário !

IMPRENSA -Esse mito das loira sna televisão começou com você?

Hebe - Engraçado, porque eu eramorena . . . Cabelo bem até aqui (faz u mgesto, mostrando a cintura) . Eu era umpedaço de morena! Que pena, não? O qu eo tempo faz com a gente! Os homens fica-vam loucos . Eu era insinuante, tinha osolhos pretos . Eles brilhavam, brilhavam . . .Não perdia nada . Hoje também vejo tudo ,mas não com aquela vitalidade . Então ,uma vez fui para os Estados Unidos e ache itão lindo aquela mulherada - só loura ,

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loura, loura. . . Quando voltei, come-cei a oxigenar o cabelo . Mais tarde ,clareei . Quando casei, escureci . Masnão me adaptei . Todas as minhasroupas eram feitas para loura . En -tão, clareei de novo . Vou morrer lou-ra. Depois, tem aquele filme Os ho-mens preferem as loiras . . .Agora saiuuma reportagem dizendo que não ,que eles gostam é de morena. Falei :"Então vou escurecer" . Quero apro-veitar mais um tempinho. . .

IMPRENSA - Como você co-nheceuAssis Chateaubriand? Foi e m1950?

Hebe Bom, eu conheci Cha-teaubriand como dono dos Diáriose Emissoras Associadas . Ele tinh ajornais e emissoras em todo o Bra-sil . E eu era contratada da Rádi oTupi . Era cantora, a "estrelinha dosamba", e participava de toda a pro-gramação . Ainda sou do tempo doAlmirante, quando ele fazia um pro -grama lá na Rádio Tupi . Me obri-gou a aprender uma música enorme ,comprida, e aprendi . Ele fazia u mprograma sobre folclore brasileiro eexplicava tudo, as raízes . . . Tinhauma voz lindíssima . . . Sofri tantopara decorar a letra, muito compri-da, que até hoje sei quase inteira.Quando vou almoçar no La Tambo-uille, tem um pianista lá que toca . Outrodia estive lá, ele tocou Flor Amorosa e can-tei . . . E um xote. Era assim (canta) : "Floramorosa, compassiva, sensitiva, ó Deus /Por quê? O uma rosa, orgulhosa/ tão vai -dosa. . ./" Então, comecei a cantar. Eu can-tava um número solo ou cantava em con -junto. E o Chateaubriand, sempre que vi-nha a São Paulo, chegava lá - o xodó del eera a rádio Tupi . Uma vez eu o vi ser bar-rado por um porteiro, o Baiano, o Bom Bai -ano . . . Não . . . O Baiano da Bahilha . . . Eleera uma graça. . . (Imita a voz) "Aqui nãoentra! Tenho ordens para proibir!" E oChatô (imita nordestino) : "O quê? Não vaime proibir, não! Eu sou o dono! "

IMPRENSA - O Chatô tinha noçãoda força que era a televisão?

Hebe - Eu acho que tinha, porque el etrouxe a televisão. Sabia tudo. Chateau-briand era uma pessoa de uma perspicá-cia, uma argúcia. . . Todo mundo conhece ahistória dele, como ele fundou o muse uaqui (o Masp - Museu de Arte de São Pau -lo), essa maravilha que a gente tem. Mas a

"Na Rádio Tupi eu era

cantora, a estrelinha do samba "

forma . . . Não sei se a televisão foi nessabase também. Mas a gente participou muitoda idéia dele, de "vou trazer" . A respeitodisso, me lembro de um episódio . Eu esta-va no Ceará, andando de jangada . . . Quemestava pilotando, se é assim que a gent efala, era o Jerônimo, o jangadeiro mais fa-moso do Nordeste. Estávamos eu, Anit aOtero - uma cantora de folclore, bonita,morena, de tranças enormes e o JoãoCalmon, o presidente das Associadas n oNorte . Não sei por que cargas d'água sai uesse assunto de televisão . Já tinha lá nosEstados Unidos e aí a Anita Otero disse :"Ah, isso ainda vai levar muitos anos parater no Brasil" . E eu falei, não sei por quê,não tenho a menor idéia - foi uma coisameio espiritual : "Ah, eu não acho. Achoque isso é uma coisa para termos daqui auns dois anos" . Não sabia nada a respeitoe falei isso . Dois anos depois, Chateau-briand anunciou que estava trazendo e iriamontar a primeira televisão no Brasil . Erauma coisa absurda na cabeça da gente pen-sar que bastaria virar um botão para ve rimagens . Aí, quando os equipamentos che -

garam, ele or ganizou uma carava-na . Fomos todos para Santos .

IMPRENSA - Quem foi?Hebe Fomos eu, o Demerval

Costa Lima, o Walter Foster e Sari -ta Campos, que tinha um programafeminino, dava conselhos . Naqueletempo, as pessoas ainda pediam con-selhos pelo rádio e aceitavam, se-guiam as orientações . Era muito en-graçado . Tinha uma audiência lou-ca. Também foram o Homero Silvae o Ribeiro Silva - as grandes vo-zes do rádio . Subimos no navio, vi-mos aqueles caixotes todos . Eu olha-va aquilo e meu coração parecia queia pular da boca . Completamenteanalfabeta, eu não tinha idéia do queera, mas a emoção que eu sentia er aum negócio . . . Parecia que eu sabi atudo e ia trabalhar com aquilo tudo .Aí, quando desembarcou, o Cha-teaubriand deu um almoço no Par-que Balneário, em Santos . E umshow. Apresentou todo mundo . Umtécnico norte-americano explicoucomo ia montar aquilo tudo . Depoi sque montaram a emisssora, a gentetinha teste todas as tardes . O C assia-no Gabus Mendes ia para o switcher .Engraçado, as pessoas que trabalha-vam no rádio começaram a traba-lhar na televisão, como se tivessem

feito isso a vida inteira - é o talento bra-sileiro .

IMPRENSA Você fazia program ade auditório ou só cantava no rádio ?

Hebe - No programa de auditório ,cantava, mexia com o público . . . Foi aí qu ecomeçou o traquejo com o público, desd enovinha . Fiz meu primeiro contrato quan-do tinha 14 anos . Ainda tenho a carteira detrabalho. A cara é engraçadíssima. . . En-tão, todos os artistas da rádio faziam tes-tes . As 3 ou 4 horas da tarde, começavamos testes para ver quem era bom de câme-ra, quem fotografava bem, quem tinha jei-to . Fui reprovada porque tinha sombran-celhas imensas, iguais às da Malu Mader.Cabelo enorme, castanho, até os ombros .Busto deste tamanho, tipo Fafá de Belém .Então, minha imagem ficava toda borra-da . Aí, eles falaram: "Hebe, você realmentenão fotografa bem . Está reprovada". Fiqueiarrasada : "Meu Deus, como?" Depois eleschegaram à conclusão de que talvez nã oestivessem acertando a iluminação . Não sa-biam. Era tudo novo, tudo surpresa .

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IMPRENSA - Ninguém tinhaido fazer curso nos Estados Unidos ?

Hebe - Nada . O Chateaubri-and pôs de repente na cabeça que iamontar uma TV. Foi muito bonito,realmente . A gente deveria render asmaiores honrarias a essa gente, qu erealmente fez uma coisa fantástica.Como não existiam aparelhos de te-levisão no Brasil, Chateaubriandtrouxe alguns e instalou no saguãodos Diários Associados, na Rua Set ede Abril . Também distribuiu pel acidade, para alguns amigos, para quepudessem ver. . .

IMPRENSA - Você não esta-va no primeiro dia? Não cantou oHino Nacional na TV?

Hebe Não. Quem cantou foia Lolita Rodrigues . Eu escondi averdadeira história durante muito sanos . Na época, disse que fiquei comuma gripe muito forte, perdi a voz enão pude ir. Na realidade, não foiisso . Eu tinha conhecido o Luís Ra-mos, que era das Folhas, irmão doJosé Nabantino e do João Batist aRamos, e fiquei apaixonada por ele . . .E ele por mim . . . Ia ter um eventodas Lojas Assumpção ali no TeatroCultura Artstica . E eu queria vê-lode perto, ficar perto dele, tudo . En-tão, falei : "Lolita, eu não vou cantaro hino °" Além disso, eu achava difícil, umaletra esquisitissima. Ela sabe dessa histó-ria. Fui lá só para ver o Luís . Só para ver. . .Então, não cantei o hino porque fui, diga-mos, namorar.

IMPRENSA - Mas por que você ti-nha sido escolhida para cantar o hino?

Hebe Nem sei porque fui escolhi -da. Eu não era a maior cantora da rádioTupi . Tinha outras muito melhores .

IMPRENSA - Você chegou a ter pro-grama de auditório na TV Tupi ?

Hebe - Não, mas na TV Tupi eu par-ticipava de todos os programas. Tem umahistória engraçada . . . A primeira apresen-tadora do Clube dos Artistas foi a Márci aReal . Mas eu também fui uma das primei-ras, porque um dia o Airton Rodrigues nãopôde ir, uma coisa assim, e eu fiz o Clubedos Artistas . Ninguém se lembra disso, maseu me lembro. Também fiz um filminhocom o Ivon Cury. . .

IMPRENSA - Era difícil para a mu-

"Eu nunca precisei do testedo sofá para subir um degrau "

lher trabalhar em televisão ?Hebe - Eu tenho a impressão de que

hoje em dia está mais difícil, porque falamsempre no negócio do teste do sofá, né ?Eu nunca precisei do teste do sofá . Todasas vezes que me enamorei de alguém foiporque quis e não para subir degrau, nemnada. Eu subi por minha força própria . Naminha época, não me lembro desse negó-cio do sofá, não. E não havia tóxicos . Erauma coisa muito pura, muito família Agente ia para Iá, ficava o dia inteiro, mes-mo que não tivesse programa . Mas ficav aporque era um ambiente muito gostoso ,uma fraternidade. . . E claro que pintava umnamorico aqui, um namorico ali. . . Tinhaum que namorava três de uma vez . Nóstrês, eu, a Lia de Aguiar e a Vida Alves ,ficávamos disputando o Ribeiro Filho .Apaixonadíssimas por ele . Era um galã ,uma voz. E ele driblou todas. Dizia quegostava de todas e casou com outra (Ri)Aí, acabou-se a história, morreu a Vitória ;quem quiser que conte outra . Foi muito en -graçado . . . Mas claro, claro, que tinha pai-xões . O Cassiano (Gabus Mendes) se apai -

xonava. . . Eu não devo falar. . . ma sele se apaixonava pelas atrizes, equem queria, ia com ele . Não eraaquele negócio de foiçar: "Você querser contratada, tem que dar!" . Nãoera assim. Não era mesmo. A pes-soa ia porque às vezes a paixão er arecíproca Agora, tóxico, essas coi-sas, não tinha mesmo. Nunca vi enunca soube de nada disso, de cole -gas que usassem drogas naquela épo-ca. Acho que naquela época nem ti-nha, né?

IMPRENSA - Em 1950? Mui-to raro . Cocaína era coisa chique, secomprava em farmácia . . .

Hebe - Era chique.. .

IMPRENSA- Você encomen-dava uma grama na farmácia . Erafabricada pela Merck . Agora, maco-nha era coisa de bandido . . . Não ti-nha chegado à classe média . Isso émais anos 60.. .

Hebe - E. . . Aí começou a ex-plosão . Passei por essa época toda. . .Eu via, eu sabia de tudo, mas issonunca me contaminou . Nunca nemtive curiosidade de ver ou sabe rcomo é que era. Pra mim, o que meinteressava era fazer meu trabalho ,cantar, fazer sucesso . Viajei pel oBrasil inteiro pelas Emissoras Asso-

ciadas. Saía daqui na segunda-feira, naque-le avião. . .

IMPRENSA - DC-3 Caravelle ?Hebe - Não, o Caravelle eu també m

peguei, quando ia pro Rio Grande do Sul . . .Era aquele . . . Como é que era o nome? Via-java não sei quantas mil horas para chegarno Ceará . . . Então, na segunda eu ia proRio, fazer um programa de televisão ; de -pois ia para Belo Horizonte e para a Bahia .Da Bahia ia para o Recife. Tudo em umasemana . Do Recife ia para o Ceará e doCeará voltava no sábado . Chegava aqui I 1da noite, com os pés inchados . Mas eradisso que eu gostava No começo mamãeou papai iam, porque gostavam . Papai eramúsico . . . Ele adorava. . . Mamãe ia paratomar conta da virgem dela Naquela épo-ca eu ainda era virgem . . . Imagine que hor-ror, que coisa antiga! Que coisa antiga! Masa gente levava a sério. Depois, quando co-mecei a viajar sozinha, uma vez, lá no Cea-rá, terminei um programa em que perdi unstrês quilos, de tanto calor. Fui para o hotel .Meia hora depois, tocou o telefone . Era

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um hóspede . "Eu queria bater umpapo com você" . Com certeza elepensava que eu era uma daquelas ar-tistinhas que estavam lá para isso . . ."Eu vou levantar muito cedo, nã otenho nada para falar com você, nãosei quem você é. Boa Noite." Puna !Desliguei . Foi a única vez que al-guém se atreveu a telefonar pro meuquarto . (Hebe interrompe a respos-ta, para me oferecer um café, u muísque ou uma cervejinha . Recusoa gentileza, e ela prossegue.) Erauma coisa árdua, mas fascinante ,porque eu ia descobrindo o Brasi linteiro às custas dos Diários Associ ados .

IMPRENSA - Como vocêcomeçou com o programa de audi-tório? Você pediu? Pintou?

Hebe - Uma vez, quando euera das Organizações Victor Costa,e a televisão era ali na avenida Pau -lista, o Roberto Corte Real apresen-tava um programinha de 15 minu-tos chamado Musical Manon . Tinh ao Rago e seu conjunto e o MárioGenari Filho . Um dia o Roberto caiuna asneira de pegar uma gripe mui -to forte. O Costa Lima, que era di-retor, me ligou e disse: "Olha, Hebe ,você vem fazer o programa. Vocêconversa com o Rago, com o MárioGenari e canta o que você quiser . São quin-ze minutos?' Ah, eu amei, né? Aí comeceia fazer esse programinha . Em vez de con -versar com o Mário e com o Rago, eu con -versava com o telespectador, dizia pra cã -mera: "Olha, tem certas coisas de que agente gosta na vida. Eu, por exemplo, soulouca por música. Há letras de música queme tocam, que têm alguma semelhançacom o momento que eu vivi . Eu adoro .Preste atenção nessa música que eu voucantar, veja se você se identifica com ela" .Aí, eu cantava (canta): "Jamais te esque-cerei/ pois tu és a minha vida . . ." - umbolero do Rago . Aí eu perguntava se ti-nham gostado. Cantava outra, sempre con -versando . Depois eu dizia : "Liguem oumandem cartinha. Na semana que vem agente volta a se encontrar" . E eles telefo-navam e mandavam um monte de cartas .

IMPRENSA Isso de falar com opúblico, falar com a câmera, você tirou d asua cabeça? Ninguém te falou nada ?

Hebe Nada, nada . Esse negócio deolhar pra luzinha. . . acho que fui a primeira

"Na minha época nãoexistia esse negócio de tóxico "

a fazer. Quando terminava o programa euficava uns 40 minutos atendendo telefone-mas. Perguntava o nome da pessoa que li-gava, e na semana seguinte dizia : "Oh, mi-nha querida Marina, adorei seu telefone -ma, viu?" Falava com os telespectadores ,dizia seus nomes, e cantava as músicas deque eles gostavam . . . Bom, quem não que-ria ouvir seu nome na televisão? Era umacoisa .. Aí a audiência começou a crescer ,e o patrocinador não quis mais que eu saís -se. Daí, o Murilo P. Ferreira teve a idéia doprograma O Mundo é das Mulheres. OWalter Foster, que também era da Organi-zação Victor Costa, era o redator. O pro -grama era de auditório e tinha quatro oucinco mulheres e um convidado. A gentetrazia escritores, atores, políticos e er amuito engraçado porque todos contesta-vam: "Imagine se o mundo é das mulhe-res. Vocês não sabem de nada, nós é quemandamos" eles acabavam se entregan -do. A partir daí, todos os meus programa stiveram auditório. Numa época, cheguei aapresentar cinco programas por semana,ao vivo, na Organização Victor Costa . Por

isso, morro de rir quando as pessoasdizem: "Se você aparecer muito ,desgasta a imagem" . Se desgastas-se, eu não estaria mais aqui . ..

IMPRENSA - Quais eram es-ses programas?

Hebe - Eu tinha um program achamadoMaiôsà Beira-mar, oHebecomanda o espetáculo, o Calourosem Desfile. . . Quando o Ari Barrosomorreu, o Jaime Moreira Filho fi-cou fazendo A Hora do Pato. Aí oCosta Lima, que tinha uma cabeçafantástica e era uma pessoa adorá-vel, disse : "Não, pra substituir o AriBarroso, não posso botar outro ho-mem, porque nunca ninguém vaiaceitar, achar graça, por melhor queseja. Vou botar uma mulher. Quem?"A Hebe" . E lá fui eu. Puxa, fiz AHora do Pato durante anos . Depoi smudamos o nome para CalourosToddy.

IMPRENSA - Cada dia vocêfazia um programa diferente?

Hebe - Eu não sei como é queeu conseguia. . .

IMPRENSA - Com o mesmocabelo?

Hebe - Com a mesma cara, amesma cabeça. Eu não sei . . . Olha,

foi uma coisa, um fenômeno naquela épo-ca . Eu era uma pessoa extremamente sim-ples, não sabia nada, fazia tudo o que meucoração mandava . E sou assim até hoje .

IMPRENSA - Nessa época da TVPaulista você trabalhava com o Silvio San -tos?

Hebe - Não, trabalhei com o Silviona Rádio Nacional, na rua Sebastião Pe-reira . Quando o Victor Costa veio para SãoPaulo eu era da Rádio Excelsior. Aí fui con-tratada pela Rádio Nacional. O Silvio eralocutor do Programa Manoel de Nóbrega .Daí ele começou a deslanchar, a fazer osshowzinhos de circo, com o Carlos Alber-to, o Golias e o Canarinho . . .

IMPRENSA - Era a Caravana doPeru que Fala . . .

Hebe - E . . . A Caravana do Peru queFala . A atração era a macaquinha, e ele scomeçaram a ganhar dinheiro com essascaravanas . Depois o Manuel de Nóbregadeu para ele, de presente, o Baú, a idéia doBaú da Felicidade . Ele soube administrar

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"Trabalhei oito anos naRecord com ibope de 72 pontos"

isso divinamente e se tomou essapotência que é hoje . Agora, quandoeu fazia minhas viagens, trabalhe ina TV Tupi do Rio de Janeiro, n aTV Continental do Rio de Janeiro ena TV Rio, quando o Walter Clarkera o diretor. Mas a Ilka Soares, queera linda, era um poço de ciúmes .Ele não podia olhar para ningué mnem falar o nome de ninguém, detanto ciúme que ela tinha. Mas mes-mo assim eu fiz uma temporada pe-quena lá. Trabalhei oito anos na TVRecord, conseguindo índice de 7 2pontos de média . Ninguém perdia oprograma de domingo . Qualquer au-toridade, qualquer personalidade ,qualquer artista de maior projeçã oque viesse para o Brasil tinha de irao meu programa.

IMPRENSA - Quando vocêcomeçou a ser disputada pelas emis-soras?

Hebe - Nunca fui assim . . . dis-putada . Os convites chegavam nahora certa. Casei em 64 . Em 65, oMarcelo nasceu, e eu saí da televi-são, deixando o programa O Mundoé das Mulheres. Casei, saí e falei :"Quero ser dona de casa, mãe defamília" . Eu ganhava 1 .000 cruzei-ros por mês. Era um salário formi-dável em 65 . Acho que era. Saí, masnunca deixei de receber convites. O Cló-vis Azevedo, da Rádio Excelsior, me pro-curou : "Hebe você precisa voltar, você nãopode ficar fora!" Eu respondi : "Mas meumarido não vai deixar. . . A condição procasamento era eu sair da televisão. E eu ,bobinha, saí" Então o Clóvis propôs : "Per-gunte se ele deixa você fazer um progra-ma de rádio?" Aí, eu é que fiz objeção :"Você acha que vou deixar meu filho aqu ie sair pra fazer um programa de rádio?"Ele me disse : "Eu monto a rádio aí" . Eassim ele fez . Montou o estudiozinho, eeu todo dia : pá, pá, pá. . .

IMPRENSA - E como você voltoupara a TV ?

Hebe - O Agnaldo Rayol fazia aque-le programa com o Renato Corte Real, oCorte Real Show . Era o maior sucesso datelevisão. O Marcelo estava com um mês.Quem era a atração? Hebe Camargo co mo filho . Meu marido foi junto . Aí, antes deentrar no programa, o Paulinho Machadode Carvalho me disse: "Como é? Você nãovai voltar? Você precisa voltar pra Re -

cord!" . Eu respondi : "Não tem jeito devoltar" . Naquela semana, o Airton Rodri-gues veio com uma proposta do CassianoGabus Mendes, diretor da TV Tupi : "Olha,o Cassiano quer que você faça um progra-ma como sempre fez, com orquestra. Vocênão vai precisar viajar, vai ser aqui" O Air -ton e a Lolita Rodrigues, a mulher dele n aépoca, eram meus amigos e não saíam láde casa . Eu morava atrás da TV Tupi e ele sdo outro lado, atrás . Toda noite eles iam lájantar com a gente, jogar um baralhinho ,etc . . . Ele me ofereceu 10 mil . . . não me lem-bro qual a moeda em vigor na época, achoque era o cruzeiro . . .

IMPRENSA E você aceitou?Hebe - O Cassiano me mandou falar

com o Edmundo Monteiro, que me deu u mchá de cansaço logo de entrada. Fiquei nasala uns 40 minutos, esperando para seratendida. . . Quando entrei, ele falou : "Quebom, você de volta pra Tupi . . . Então va-mos conversar, porque você vai fazer u mprograma aqui e outro no Rio ." Falei :"Como?" "Você vai fazer dois programas .

Um aqui e um no Rio. Mas não vaiter orquestra, por contenção de des-pesas" . "Não foi isso o que o Cassia -no falou para mim . Quanto você vaime pagar?" "Ah . . . uns 8 mil" . Eu dis-se : "Como? O Cassiano me ofere-ceu 10 mil pra fazer um programapor semana aqui em São Paulo. Eeu fui bem clara: não posso viajar" ."Ah . . . não . . . Aí foge muito do orça-mento" . "Tudo bem, muito obriga-da por ter me atendido. Vou pensare depois telefono pra ver quando agente vai assinar o contrato". Aí, oAgnaldo chega em casa : "Olha, oPaulinho Machado mandou dize rque ele paga o que a Tupi oferecer ,para fazer um programa, um grandeprograma, aqui em São Paulo" . Res-pondi : "Pode dizer que já aceitei" .O Cassiano não se conformava :"Não é possível!" Eu falei : "Cassia-no, eu fui tratada desse jeito . . . O Ed-mundo desmentiu tudo o que vocême falou . A Record me chamou, e uvou" . Era muito dinheiro .

IMPRENSA - Você não tinhaempresário?

Hebe - Nada! Nunca tive em-presário, nem secretária. Não tive enão tenho . Até morro de rir quand oas pessoas dizem: "Ah, depois e ufalo com sua secretária" . Não tenh o

secretária, nem motorista. Gosto de dirigi reu mesma. Nunca levei calote e nunca nin-guém me tungou com esse negócio de ca-chê, viagem . . . Nunca. . .

IMPRENSA- Quem dava mais aten -ção para o artista : o Chatô ou o Paulo Ma-chado de Carvalho ?

Hebe - O Paulo Machado. Ele erauma maravilha! O Chatô gostava muito d emulher da sociedade . Pra artista, ele nãodava muita confiança, não. Chegava, olha-va tudo, mas muito por alto . O doutor Pau-lo, não . Ele conversava com os artistas . . .

IMPRENSA - Você nunca bateupapo com o Chatô?

Hebe - Não, nunca. Ele nunca meolhou . Nunca nem soube quem eu era, euacho. Eu era uma estrelinha contratada poruma das potências dele . A única vez quetive um contato maior foi quando fomo sbuscar o equipamento. Tenho uma foto aolado dele no navio . Ele era uma criaturaque transformava em ouro tudo em que pu -nha a mão . . . Mas daquela maneira. . .

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IMPRENSA - O que você sen-tia nele? Firmeza?

Hebe - Não . Ele era. . . poten-te, poderoso. . . Tudo o que queriafazer, ele conseguia. Punha na ca-beça e dizia : "Vai sair" . Você de re-pente estava de frente para o proje-to . Ele foi uma das maiores potên-cias em matéria de televisão e jor-nais, né? Eu não sei como uma he -rança dessa, de tanto poder, poss ade repente, se diluir. . . Sem que sesaiba aonde foi parar. O Paulo Ma-chado já era mais presente . . .

IMPRENSA - Mandava para-béns?

Hebe - Mandava . Mandavacartões . O Silvio Santos também fazisso. Ele manda cartões lindos, flo-res . O Silvio é uma pessoa muito . . .não posso dizer acessível, porque el ecresceu tanto que o poder dele dis-tancia as pessoas . . . Não é ele queafasta as pessoas, a gente é que nãotem coragem de chegar. Eu, quandochego na frente do Silvio, fico as -sustada. Eu acho ele assim . . . gran -de . Eu digo : "Tenho medo de você ."E ele morre de rir: "Mas Hebe, peloamor de Deus, não fala uma cois adessas . . ."

IMPRENSA - E como er aquando vocês foram colegas ?

Hebe - Eu brincava com ele, quandoera da Caravana do Peru que Fala : "O Sil-vio, vamos juntar nossas fortunas?" Ne mele nem eu tínhamos nada, mas eu brinca-va com ele . Nunca namorei com ele . Masadmiro muito a capacidade de trabalho doSilvio . E fora de série . O Dr. João Saad(TV Bandeirantes) também era um amor.Foi um diretor, um presidente encantador ,muito acessível, muito presente . O Johnny(filho de João Saad), também. Mas quan-do eu estava na Bandeirantes tive de viajarcom o Lélio (Lélio Ravagnani, marido deHebe) pra Paris e pedi licença para deixa rdois programas gravados. Aí, quando e uestava gravando um deles correu a notíci ade que o Walter Clark tinha sido contrata -do . "Oba! Walter Clark vem para cá! "pensei . Depois, parei cinco segundos . En-graçado, foi uma coisa instantânea : "Seráoba?" Tô em Paris, minha enteada liga ediz : "Hebe, o Walter Clark tirou teu pro-grama do ar" . Me tirou do ar, com patroci-nador e tudo. Foi uma gritaria. Nos jor-nais, todo mundo acabando com ele - um

absurdo o que tinha feito comigo, com aprogramação . . . Ele não deu certo. Acabe ivoltando, fazendo meu programa .

IMPRENSA - Você não teve mai scontato com o Walter Clark ?

Hebe - Só muito tempo depois, por-que o Lélio queria saber quem era o Wal-ter Clark, para matar. . . A gente se encon-trava, às vezes em boates, e eu, quietinha,não falava nada para o Lélio . . . Depois el eficou grande amigo nosso, cansou de vi ralmoçar aqui . No livro que escreveu, el ese retratou, dizendo que foi um mal-en-tendido, etc . e tal . . .

B'IPRENSA verdade que vocêchegou a pagar o cachê de artistas que ia mao seu programa?

Hebe - A TV Tupi já estava camba-leando, não tinha dinheiro para pagar osartistas . Eu morava atrás da emissora . Osartistas ameaçavam ir embora na hora doprograma : "Se não receber, não participo" .Aí, eu mandava minha empregada em cas abuscar o dinheiro e pagava o cachê . De-

pois, pra receber, era uma luta . . . Maseu pensava : "Não posso deixar, émeu nome que está em risco" . Senão, como é que eu ia fazer o pro-grama?

IMPRENSA Com o Boni ,você chegou a trabalhar?

Hebe - O Boni só me chamo uuma vez, quando era diretor da Rá-dio Bandeirantes . Eu tinha um pro-grama de muito sucesso na RádioJovem Pan e ele mandou me cha-mar porque queria que eu fosse par aa Rádio Bandeirantes . E eu ganhav a1 .000 cruzeiros na Jovem Pan . Eufui lá e ele disse : "Quanto você ga-nha na Jovem Pan?" Falei : "Tanto" .Ele falou : "Ah, sei . . . Patati, patatá,depois eu te ligo." Nunca mais euouvi a voz do Boni . Aí ele virou otodo-poderoso da Globo . Tambémnunca fui chamada, nunca me per-mitiram atuar na Globo. . .

IMPRENSA- Você nunca tra-balhou na Globo?

Hebe Nunca . Na Manchetetambém não. Participei de progra-mas, sempre tive muito carinho d opessoal da Manchete . Sempre meconvidaram, mas nunca consegui -mos chegar aos pois é . Na Globo, s óparticipei de uma entrevista no pro -

grama da Xuxa, porque a Xuxa insistiu como Boni . Ela queria que eu fosse e eu fui .Até falei : "Olha, a Xuxa faz milagres, por -que é a primeira vez que participo de umprograma da Globo" . Foi o único .

IMPRENSA Por que você acha qu emulher nunca mandou na televisão?

Hebe - Porque sempre os donos j áeram eles, né?! E coisa de homem. De un sdez anos para cá é que a mulher começo ua evoluir, a crescer, participar. A mulherera submissa demais .

IMPRENSA - Você ajudou nisso?Hebe - Não sei . Meu programa O

Mundo é das Mulheres, nos anos 50, eraabsolutamente feminista . O Hebe por Elastambém era um programa no qual as mu-lheres tinham o direito de falar tudo o qu equeriam, comentar seus problemas . Depoi sque fiquei independente, nunca dependi dehomem e não dependo até hoje . Faço oque quero . Se quiser comprar alguma coi-sa, compro. Não pergunto para o Lélio sedevo . Eu sou eu, dona de mim .

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