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Personagem Um exemplo de vida inteligente na T V por Brenda Fucut a Quando aquele rosto de imensos olhos azuis se apóia nas mão s igualmente imensas, mas quase transparentes, o entrevistado sabe que vem chumbo grosso. A caneta encaixada entre os dedos , enfeitando um queixo duro e um olhar fixo, é um sinal de perigo . Foi apontando a caneta que Manha Gabriela perguntou se Regin a Duarte havia experimentado drogas . A atriz respondeu que sim , e que não recomendava . Foi com ela que Mari1ia conseguiu deto - nar o mais apimentado episódio do governo Collor, indagando à então ministra d a Economia Zélia Cardoso de Mello se ela tinha tempo para namorar . Corada, Zéli a respondeu que para namorar não tinha tempo . Mas que estava apaixonada . Há dois anos e meio comandando os densos diálogos do programa Cara a Cara, n a Rede Bandeirantes, a jornalista Marília Gabriela, de 43 anos e 22 de profissão, j á conseguiu colecionar um respeitável rol de entrevistas com chefes de Estado, políticos , escritores e artistas . Conseguiu também provocar uma rara unanimidade junto a o público de TV : definitivamente, Manilha Gabriela é a mais completa entrevistadora da s telinhas brasileiras . Ela esbanja charme, perspicácia e inteligência . Aplica saias-justa s com suprema . delicadeza e não aceita tergiversações : com Manilha os entrevistados nã o conseguem fugir das perguntas incômodas, pois quando se dão conta já estão irreme- diavelmente envolvidos pela personalidade encantadora de Gabi .

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Personagem

Um exemplo de vida inteligente na TV

por Brenda Fucuta

Quando aquele rosto de imensos olhos azuis se apóia nas mãosigualmente imensas, mas quase transparentes, o entrevistado sabeque vem chumbo grosso. A caneta encaixada entre os dedos ,enfeitando um queixo duro e um olhar fixo, é um sinal de perigo .Foi apontando a caneta que Manha Gabriela perguntou se Regin aDuarte havia experimentado drogas . A atriz respondeu que sim ,e que não recomendava . Foi com ela que Mari1ia conseguiu deto-

nar o mais apimentado episódio do governo Collor, indagando à então ministra d aEconomia Zélia Cardoso de Mello se ela tinha tempo para namorar . Corada, Zéli arespondeu que para namorar não tinha tempo. Mas que estava apaixonada .

Há dois anos e meio comandando os densos diálogos do programa Cara a Cara, naRede Bandeirantes, a jornalista Marília Gabriela, de 43 anos e 22 de profissão, jáconseguiu colecionar um respeitável rol de entrevistas com chefes de Estado, políticos ,escritores e artistas. Conseguiu também provocar uma rara unanimidade junto a opúblico de TV : definitivamente, Manilha Gabriela é a mais completa entrevistadora da stelinhas brasileiras . Ela esbanja charme, perspicácia e inteligência . Aplica saias-justascom suprema . delicadeza e não aceita tergiversações : com Manilha os entrevistados nã oconseguem fugir das perguntas incômodas, pois quando se dão conta já estão irreme-diavelmente envolvidos pela personalidade encantadora de Gabi .

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Marília Gabriela : charme e competência traçam oretrato acabado da mais completa entrevistadora da TV brasileir a

Na academia : "Sou um animal saudável"

Tratos periódicos na loura cabeleira

IMPRENSA - NOVEMBRO 1991

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O estilo de Marília conduzi ruma entrevista já

foi definido como psicanalítico,por sua obsessão em

entender como age e pensa oentrevistado. "Ela

extrai tesouros insuspeitados",reconheceu, uma vez, um crítico

Em maio de1989, quandoMarília Gabrielacomemorava 20anos de televisãoe 41 de vida, foilevada por um

amigo a fazer uma viagem no tempo. Exa-tamente no dia 31 de maio, pouco depois d eter estreado o programa que a consagroucomo a melhor entrevistadora da TV brasi-leira - o Cara a Cara, naRede Bandeirantes-, Marlia Gabriela espiava sua infância atra-vés da janela de uma pequena casa em Cam -pinas, onde morou até os oito anos de idade .O amigo sabia que Manha Gabriela tinha amemória curta. "Não me recordo de quasenada que passou há muito tempo . Tenho um amemória seletiva", diz.

Ao olhar para a escada que foi a causa d euma das maiores surras que levou da mã erigorosa - com a conivência do pai, u mfuncionário do Departamento de'Estradas deRodagem -, Marthia Gabriela levou um sus-to. "Apanhei terrivelmente por ter derrubad omeu irmão menor da escada de poucos lances,que, na minha cabeça, parecia uma passarel ahollywoodiana", conta. "Quando revi o mo-tivo da surra, percebi que havia sido vítima deuma injustiça. Ninguém que caísse de umaescada tão minúscula poderia ter se machuca -do seriamente." A escada, assim como o quin-tal, o corredor e os dois quartos da casa, ma lcomportavam os atuais 1,78 metros de alturada entrevistadora .

O passeio de Marilia Gabriela à infânci aé simbólico . Sua primeira recordação pode -ria explicar o insistente senso de justiça quepersegue a jornalista desde sua primeiraaparição na TV, em 1969, no horário nobredoJornal Nacional. Assim como Elias Ca-netti, um de seus autores preferidos, a pri-meira informação que a memória daentrevistadora registrou serviu como bús-sola e metáfora de sua obsessão . Canetti,que também se lembra de uma escada no

primeiro livro de sua trilogia autobiográfi-ca, A Lingua Absolvida, recorda-se de umhomem atemorizante querendo cortar sualíngua . Canetti ganhou um Prêmio Nobel efez uma das obras mais densas da literaturamundial sobre o encantamento do homempelo conhecimento. Marilia, uma leitoraobsessiva, devoradora de bula de remédios ,preferiu a rota da justa informação .

Sem excessos - Do violino pseudo-Stra-divarius trocado por uma galinha - foi est eo tema de sua primeira reportagem na TV -,à conturbada entrevista com o cartunista Zi-raldo, levada ao ar no Cara a Cara do começode novembro, sua trajetória tem sido umapersistente tentativa de entender seu entrevis -tado - a forma como ele age e pensa . "Elanão entrevista, extrai tesouras insuspeitados" ,disse uma vez o noveleiro Manoel Carlos ,numa critica sobre o Cara a Cara . Seu estilo ,já definido como psicanalítico, arrancou re-velações respeitáveis de personagens idem. Ada então ministra Zélia Cardoso de Mello ,garimpada no começo deste ano, provocourebuliço na imprensa. "A revelação que fiz noprograma da Gabi, a de que eu estava apaixo -nada, não derivou de nenhuma forçada debarra", diz Zélia . "Fiz a afirmação de formaespontânea. A Manhia, como jornalista inte-ligente, que provoca com elegância, não pre -cisa recorrer a subterfúgios para tomar aentrevista interessante ." Mesmo espontânea,a declaração da ex-ministra deixou a entrevis -tadora com complexo de Saint-Exupéry . "Mesinto meio responsável por ela e pelo queestão fazendo com seu livro", diz, logo depoi sde desligar seu telefone vermelho (cujo nú -mero só é conhecido por João Saad, big bossda Bandeirantes, por algumas personalidadese amigos íntimos), no apartamento recém -comprado nos Jardins . Manha acabava demarcar o retomo de Zélia ao seu programa .Evidente, uma oportunidade para Zélia, quefoi criticada em sua autobiografia palaciana ,justificar-se publicamente .

"Eu só descobri que usava ométodo psica-nalítico muito depois de ter começado na TV .Na busca de informação, procuro vestir oentrevistado. Não vou explicar porque ele ag edaquela forma, como faria um psicanalista ,mas vou tentar entendê-lo", diz Gabi . A cum-plicidade que ela estabelece com seu interlo-cutor é resultado de anos batendo a loiracabeça - com permanente reeditada religio-samente no Beka Cabeleireiros, em São Paul o- nas paredes da verdade . "Eu era muito

mais agressiva . Agora estou mais suave.Descobri que a agressividade funciona aocontrário no jornalismo . "

Para a colega Leda Nagle, que dividi ucom Marilia a apresentação do jornal Hoje ,quando ambas batiam cartão na Rede Glo-bo, o segredo da entrevistadora está noequilíbrio. "Gabi tem uma personalidad eforte, mas não atravessa . Deixa o entrevis-tado falar", confirma Leda. Foi com suavi-dade, temperada por uma estratégia d esedução tipicamente feminina, que ela con-seguiu que Henry Kissinger falasse ao Caraa Cara sem cobrar um tostão . "Pedia pel oamor de Deus para que ele fizesse o bate -bola e ele me respondia que só uma mulhe ro faria perder seus compromissos para ar-rancar informações que não seriam pagas" ,conta Marilia . "She is ruining me", gritav aele . Marilia, na verdade, nunca arruinou acarreira de ninguém . Mas poderia . A mu-lher determinada que arrancou confissõesimpensáveis em seu trabalho, hoje chega ater dificuldade para namorar com homensda mesma faixa etária . "Sou namoradeira,mas os homens da minha idade parecem te rmedo da mulher de sucesso, da mulher afir -mativa . Por isso hoje só namoro com gentemais nova, da faixa dos 30, que me leva paradançar e me divertir, em vez de falar depolítica ou agricultura . "

Marilia Gabriela não é exatamente bonita ."Sou interessante . Brinco que antes eu ia aopsicanalista dizendo que queria ser a mulhermais inteligente da TV. Hoje eu iria para dizerque queria ser a mais bonitinha ." Com a alturaque falta ao respeito com a maior parte dasbrasileiras, ela já teve que se sentar, quandoera repórter, para não deixar figurões olhandopara cima . Com65 quilos, há doisanos mantidoscom ginástica euma vida sem ex-cessos ("sou u manimal saudá-

« Eu só fui descobrir que usavao método psicanalític omuito depois de ter começadoem TV. Eu era agressiva,agora estou maissuave. A agressividade quasesempre funcionaao contrário no jornalismo 9 5

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Marília conseguiu que HenryKissinger falasse ao

Cara a Cara sem cobrar umtostão. "Ele m e

dizia que só uma mulhero faria perder seu s

compromissos para arrancarinformações que não seriam pagas "

vet"), ela chegouaos 43 anos dispen-sando a maquia-gem, bastanteusada tempos atrás.

"Minha vaidadeé intelectual", diz.

A gulosa necessidade de informação elatenta aplacar com a leitura de cinco jornaisdiárias, três de São Paulo e dois do Rio, co ma Tune e com um repertório literário eclético ."Leio tudo, qualquer coisa. Meu ex-maridodizia que eu era a única pessoa que conseguiaver TV, conversar e ler ao mesmo tempo."Atrás da brincadeira está o pavor da ignorân-cia. "Eu me esforcei na vida para ser informa-da. O que eu não posso é ficar esclerosada edizer alguma besteira. Eu vivo disso . "

Os traços que exibe - fruto da açãotropical sobre os Bens dos ascendentes ita-lianos -, se não obedecem aos padrõesconvencionais de beleza, são inegavelmen-te marcantes . Boca grande, olhos escorre-gando para o desproporcional, pel etransparente, ela é o equivalente, no jorna-lismo, a Fernanda Montenegro no teatro .hipnótica . A profissional que, como a jor-nalista Janna, de Doris Lessing, é boa noque faz . "You are the best", cumprimentouo tenor Luciano Pavarotti, depois de falarmais de quatro horas para um dos Cara aCara internacionais .

"Com Pavarotti e com Tony Ramos el aconseguiu coisas incriveis e ainda não reve-ladas nas carreiras de ambos, apesar das cen-tenas de entrevistas já concedidas", diz NiltonTravesso, diretor artístico da Rede Manchetee um dos maiores fas de Manlia Gabriela . Foipor intermédio de Travesso que a repórter doJornal Nacional e do Fantástico conseguiuseu primeiro programa, o TVMulher, na Glo-bo. Com a fórmula sexo, saúde, moda, com-portamento e entrevistas, destinada aabocanhar o público feminino que ouvia rádi ono começo da década passada, TV Mulherlançou Marília Gabriela na galeria instável

das personalidades nacionais ."Foi uma época de superexposição", conta

Manlia . Foi também a época de reconheci -mento de público, de problemas com o segun -do casamento, com Zeca Cochrane - porcausa da excessiva dedicação de Manlia aotrabalho e de lançamento do primeiro dis-co, bombardeado pela critica. Manlia Gabrie-la Boston de Toledo Cochrane, ex-aluna deFilosofia e Artes Plásticas em Ribeirão Preto,a moça que aprendeu a arrastar o r com umvizinho carioca, aos seis anos de idade, e qu econseguiu seu primeiro emprego na TV di-zendo positivamente a Paulo Mansur, chefiode jornalismo da Globo de São Paulo, em1969, que queria ser repórter do Jornal Na-cional porque achava que não saberia fazeroutra coisa da vida . Começou a ser chamada,país afora, por Gabi, o apelido charmoso quehoje é reservado aos amigos.

"Comigo não, hein" - Depois de 1 1anos como repórter do Jornal Nacional,disputando 30 segundos de matéria, ela pas-sou a ilustrar capas de revistas nacionais .Chegou a ser assunto do New York Times,ao lado da sexóloga Marta Suplicy, quetrabalhava com ela no TV Mulher. ParaMarília, o programa tinha se esgotado mui -to antes de ser cancelado em 1984, quatr oanos depois de estrear . "Em um ano o for -mato já estava ultrapassado . Até porque asreivindicações femininas foram assimiladaspor preocupações sociais muito maiores . "

Com o fun do TV Mulher, Manlia Gabriela.apresentou, por pouco tempo, um programade variedades chamado Show dos Shows.Logo depois estava amargando fogs em Lon-dres, dividindo as saudades dos dois filhospequenos (Christiano e Theodoro, hoje com19 e 12 anos) comas atividades de correspon -dente do Fantástico . 0 breve expio - seismeses apenas - serviu para que a jornalista(que nunca chegou a cursar Comunicação )determinasse novos rumos para a sua carreira."Não fazia mais sentido voltar a ser repórter. "Com uma proposta de Roberto Oliveira, daBandeirantes, para apresentar um programadiário na emissora, ela decidiu deixar para trása mulher do TV Mulher e os índices de au-diência da Globo . Virou dona do MaríliaGabi Gabriela - programa semanal de duashoras que estreou em junho de 1985 .

A Bandeirantes insistiu para que a apre-sentadora passasse a emprestar sua credibi-lidade aos telejornais da casa. Marinacomeçou a integrar os telejornais e trocou

o Gabi Gabriela pelo Canal Livre. "Eu tinhainteresse em um programa de estúdio. Euqueria dar tempo para revelar o entrevistado . "

A partir do Canal Livre surgiu o Cara aCara, o formato ideal para Marília Gabriela ."Eu adoro o Cara a Cara . Me sinto à vontadeno estúdio fechado, só com o entrevistado. "Foi no Cara a Cara, dirigido por Ninho Mo-raes, que ela conseguiu momentos fundamen -tais na sua carreira. Fazendo questão deesconder os cameramen do entrevistado emanter a luz baixa - "aprendi com Shirle yMcLaine" -, Manlia deu a deixa para queRuth Escobar revelasse seus problemas coma calvície e que Juca de Oliveira contassesobre a sua infância miserável .

A uma breve passagem como âncora - aprimeira anchorwoman da TV brasileira - ,noJornal da Bandeirantes, seguiu-se a parti -cipação antológica no primeiro debate entreos presidenciáveis, em 1989, no qual Manli aGabriela fazia apartes, em cadeia nacional ,nas discussões entre candidatos que iam deAureliano Chaves a Lula, de Ronaldo Caiadoa Brizola. "Saí dizendo nunca mais. Erammuitas vaidades envolvidas. A adrenalina foitanta que eu não conseguia dormir . "

Manha, que não perde suas oito horas desono diárias por nada, estranhou pela primeiravez o veículo em que foi criada. "Nos inter-valos nós brigávamos. O Aloízio Mercadante,por exemplo, assessor do Lula, dizia que euestava tomando partido do Brizola . 'Comigonão, hein, Mercadante', eu gritava. "

Nome de perfume - "Se fosse desenharalguém com a cara da TV, possivelmentedesenharia Manlia Gabriela. Ela é absoluta-mente televisiva", afirma o publicitário Wa-shington Oli -vetto, amigo daentrevistadoradesde o começodos 80, época emque Manlia Ga-briela era uma

46 Sou namoradeira, mas os homensda minha idade parecemter medo da mulher de sucesso .Por isso hoje só namorocom gente mais nova, da faixados 30, que meleva para dançar e medivertir em vez de falar de política "

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Jô Soares está entre os melhoresamigos de Marília :

"Não tenho mestres na TV,mas se pudesse aprender com

alguém, gostaria deaprender com o Jô aquele

talento único para ohistriônico, para a espirituosidade "

personage mconstante na noi-te paulistana .Hoje ela sai pou-co de casa : diz tercansado da bada-lação . Recente-

mente, em um dos poucos comerciais qu eaceita fazer, Marília Gabriela participou dacampanha inventada por Olivetto para acerveja Antarctica. "Só aceito os comer-ciais que pagam muito bem e não afetamminha credibilidade . No caso da Antarctica,como era com o Jô, aquilo foi uma troca decarinhos." Jô Soares é ao mesmo tempo umdos melhores amigos de Manlia e seu para-digma profissional . "Não tenho mestres naTV; gostaria de aprender com o Jô aqueletalento único para o histriônico, para a espiri-tuosidade. "

Colocada como uma das mais populare s"jornalistas econômicas" na pesquisa VoxPo-puli sobre jornalistas brasileiros publicada emIMPRENSA n2 43, Mania Gabriela começaa pensar que seu programa não está devida-mente divulgado. "A TV tem mesmo essesdesvios . Acho que a maioria da populaçã onão consegue classificar o processo de feiturade uma reportagem e confunde apresentadorcom repórter, mas fiquei um pouco triste e mnão ver meu trabalho reconhecido na área e mque devia." Com um público cativo que lh erende uma razoável audiência em São Paulo,o Cara a Cara vai ganhar um irmão no anoque vem . Marilia, que acabou de renovar ocontrato com a Bandeirantes depois de umflerte com a Manchete, começa 1992 co ma promessa de mais um programa jornalís-tico, que deve estrear em março e vai mos -trá-la novamente como repórter de rua .

"Tanto eu como a Bandeirantes começa-mos a achar que estamos explorando pouco aminha imagem." A marca Gabi de qualidadenão vai ser estendida apenas a um novo pro -grama : no ano que vem ela lança, pela Phi-toervas, um perfume com seu nome .

Os segredos de Gab iAs receitas para uma boa entrevista

Marília Gabriela deve ter sido omaior erro de avaliação do vice-presi-dente de operações da Globo, José Bo-nifácio de Oliveira Sobrinho. Em 1980,o infalível estrategista achou que a en -tão repórter do Jornal Nacional, aquelaloira de Campinas com sotaque empres-tado dos cariocas, tinha a fala moledemais para ser apresentadora do TVMulher. Onze anos depois, Marília Ga-briela é conhecida como a mais afirma-tiva das apresentadoras brasileiras. Asdiversas entonações que exibe, à forçade um ouvido que considera musical,aulas de piano e dois LPs gravados,transformam sua voz no canto de sereiaque já deixou muita gente querendo seamarrar em mastros de navio . MaríliaGabriela sabe alternar agressividade ecumplicidade para estar cara a caracom seu entrevistado. Se ainda fosseobrigada a fazer coletivas, mesmo nelasMarília se destacaria : sua empostaçãoe dicção perfeitas são trabalhadas des-de a infância.

Mas não é só com a voz que ela con-segue fazer de seu programa um confes-sionário. Postura, técnica d epsicanálise, aquela coisa de olhos no solhos, persistência e um raciocínio ve-loz, que não deixa nada barato, també mcontam. Eis o método de Marília Ga-briela, por Marília Gabriela:

"Quando percebo que a pessoa pas-sou de giro - e tanta gente já passou degiro, Emerson Fittipaldi, quando foi fa -lar do Copersucar, Gore V dal, quandofoi falar da mãe alcoólatra - eu cortona hora. Eu me controlo quando perce-bo que está ficando muito dolorido paraa pessoa. Aí eu mudo de assunto. Eu nãoexploro a comoção. Pode ser antijorna-listico, mas é de muito respeito.

"Cordialidade, boa disposição e ho-nestidade são primordiais para conquis-tar o entrevistado . Há uma técnic ainfalível, que é pegar o entrevistado pelavaidade . Ninguém escapa de um born elo-gio. Outra coisa que entrevistado gostamuito é trabalho de pesquisa. O entrevis -

tado é conquistável quando percebe queo jornalista tem conhecimento de causo .

"Quando o entrevistado não respon-de, eu cobro. As vezes acontece deledivagar e eu divagar junto, mas lá nafrente eu recupero a pergunta. Não dei-xopassar nada .

"Não existe assunto tabu. Sexo, tal-vez. Sexo pode ser delicado para todomundo. No geral é o departamento pes-soal que afeta a maioria. Houve umaépoca em que eu começava pelo pessoal ;Hoje em dia eu prefiro começar pel oassunto que é gancho para depois che-gar ao pessoal. Também porque conclu íque no terceiro bloco a pessoa está maisà vontade.

"Eu nunca deixo o entrevistado dis-tante demais. Se algum se afasta de mimeu vou para frente imediatamente. Que-ro uma situação de intimidado. Mas seo entrevistado se aproxima demais, e ume afasto. Mantenho um certo equilí-brio. Tem também aquele entrevistadoque chega com olho na câmera . Aí e uvou buscá-lo, ele tem que olhar paramim. Eu começo a chamar a atenção dapessoa, interferir nas respostas paratentar dizer: 'Olha, eu estou prestandoatenção no que você está falando . Olhepara mim. Você tem um interlocutor,que sou eu, não a câmera. '

"Em geral as pessoas têm mais boavontade com a mulher. Os homens cos-tumam ser mais atenciosos com a entre-vistadora . De mulher para mulher,então, é mel na sopa . A cumplicidade seestabelece no ato. Em alguns assuntos,no entanto, percebo que há certa resis-tência, mas ai vou na captura . E mulhertem certos artifícios que homem nãopode usar. Por exemplo : "Ah, por favorministro, conta, vai. " Imagine um ho-mem fazendo este número? É uma prer-rogativa feminina que funciona muito. Éum certo jeitinho que eu não abro mã ode usar. As feministas mais radicais po-dem reclamar. Mas na hora em que seestá defendendo o lado profissional, euuso mesmo . "

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