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'•ESPECIAL : UM DIA N • ;'S GRANDES JORNAI S Editorial Ano XI N2 123 DEZEMBRO 97 Ó. JORNALISMO DA COMUNICAÇÃO R$ 4 ;80 Marcelo Rezende conta como chegam a el e as gravações e documentos secretos que se transforma m nos grandes furos do jornalismo policial na TV

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Page 1: •ESPECIAL : UM DIA N •;S GRANDES JORNAI Sportalimprensa.com.br/tv60anos/pdfs/90_04_dezembro_97.pdfcaras. Quando o produtor estava con-versando com o cara eu chegava. Na matéria

'•ESPECIAL: UM DIA N • ;'S GRANDES JORNAIS

Editorial

Ano XI N2 123 DEZEMBRO 97

Ó. JORNALISMO DA COMUNICAÇÃO R$ 4;80

Marcelo Rezende conta como chegam a eleas gravações e documentos secretos que se transforma m

nos grandes furos do jornalismo policial na TV

Page 2: •ESPECIAL : UM DIA N •;S GRANDES JORNAI Sportalimprensa.com.br/tv60anos/pdfs/90_04_dezembro_97.pdfcaras. Quando o produtor estava con-versando com o cara eu chegava. Na matéria

MARCELO REZENDEO festejado repórter policial

da TV brasileiracelebra a fama e o sucesso:

"Ninguém pode bater nopeito e dizer: dei mais

furos que a Globo em 1997"

Entrevista

oosamigoseoscola-boradores mais próxi-Smos sabem se Marce-

lo Rezende é casado, se te mfilhos, onde mora, que am-bientes freqüenta além d aTV Globo . A reserva é umaforma da preservar a segu-rança dos seus familiares ,posta em risco na mesm amedida em que conquista de -safetos com as denúncias quefaz pela televisão, na formade reportagens policiais .

São de sua autoria algu-mas das matérias de maiorimpacto divulgadas pelaGlobo nos últimos tempos .Entre elas, as sessões de es-pancamento e assassinato demoradores ou freqüentado-res da Favela Naval, em Dia-dema, por integrantes da PMde São Paulo ; o escândaloda venda de arbitragens naCBF; o golpe para retiradado seguro obrigatório . . .

Se lhe custam algum ris-co e algumas ameaças anô-nimas, as reportagens d eMarcelo Rezende têm-lhe valido, tam-bém, um crescente prestígio entre cole-gas de profissão e uma notoriedade qu eo leva a ser parado na rua por pessoasque lhe pedem autógrafos . Ele confes-sa que essa situação não lhe desagradae vê no assédio dos admiradores umaforma de reconhecimento ao serviço pú-blico prestado pela televisão .

Aos 45 anos de idade e 27 de jorna-lismo, formado em desenho mecânico ,está há dez anos na Globo. Ali, na suaopinião, se pratica o melhor telejorna-lismo entre as emissoras brasileiras .

"Não há hoje quem possa bater no pei-to e dizer : dei mais furos que a Globoneste ano de 1997", afirma Rezende . Eacrescenta: "Muitos dos jornalistas qu ese mostram criticos da Globo na verda-de gostariam de trabalhar lá" .

Esta entrevista foi dada por Marce-lo Rezende entre os intervalos do IV Se-minário Internacional de Telejornalis-mo, realizado por IMPRENSA no fimde setembro, em Salvador, e que tev eno repórter policial da Globo um do spalestrantes mais festejados pelos mai sde 500 participantes do encontro .

IMPRENSA - Por que vo-cê é assediado por admiradores ,incluindo colegas de profissão ,como se fosse um artista?

Marcelo Rezende - Minhamaior força vem da minha equi-pe . A equipe da Rede Globo, aspessoas que trabalham comigo .Não acredito em coincidência :acredito na coisa sistêmica, nacoisa sinérgica. A grande respos-ta que nós temos é aquela queas pessoas nos devolvem pela smatérias que fazemos no dia-a-dia . Fico superfeliz quando a spessoas vêm conversar comigo,me contar histórias. Ou quandoos companheiros jornalistas meparam para pedir opiniões, paradar entrevistas .

IMPRENSA - Como re-pórter, essa notoriedade ajudaou atrapalha?

Rezende - Para mim, aju-da . Não vejo isso com vaidade ,porque o lugar mais doloroso deonde se pode cair é o topo . O tom -bo é sempre pior. O fundamentalé o seguinte : eu trabalho pensan -

do no que fiz ontem e no que vou fazeramanhã. Aí componho o meu presente .Acho que é mais ou menos como estar nosAlcoólicos Anônimos: ficar ligado 24 ho-ras por dia. Para mim, cada dia é um novorecomeço. Essa questão de, ser assediadopelas pessoas é um barato! E uma troca deenergia muito intensa. Elas vêm com o co-ração tão despojado, com a alma tão aber -ta, com tanta vontade, que na verdade merefluidificam. Elas me passam uma ener-gia boa, sejam jornalistas ou não . Até mes-mo quando vêm para reclamar de algumacoisa equivocada que eu tenha feito.

IMPRENSA - DEZEMBRO 1997 25

Page 3: •ESPECIAL : UM DIA N •;S GRANDES JORNAI Sportalimprensa.com.br/tv60anos/pdfs/90_04_dezembro_97.pdfcaras. Quando o produtor estava con-versando com o cara eu chegava. Na matéria

"Recebo críticas ferozes,mas tenho liberdade de ação"._ter. .

IMPRENSA - Essa notorie-dade não atrapalha nem na hora emque você precisa ser discreto, parase aproximar de uma fonte ou deum informante ?

Rezende - Não. Aí tenho mi-nhas estratégias . Nessas situações otrabalho de equipe é fundamental .Em muitas coisas que nós apuramo se descobrimos sempre existe o tra-balho inicial de um produtor. Eleentra antes de mim em muitas ma-térias em que eu poderia criar trans -tornos caso entrasse logo de cara. Amatéria sobre o golpe no seguro obri -gatório de veículos, por exemplo ,incluiu vários flagrantes em que oprodutor foi na frente . Fui investi-gando, investigando até descobrir o scaras . Quando o produtor estava con -versando com o cara eu chegava . N amatéria sobre o tráfico de armas, u mcolaborador de fora trabalhou co ma gente . Era ele quem acompanha-va o engenheiro nos contatos, por-que se eu coloco a cara acaba a cena,o sujeito se toca . Por isso digo : acoisa tem de funcionar como u mconjunto, tendo por princípio bási-co a quebra do ego . Todos na equi-pe têm pesos iguais . Quem acom-panhar uma discussão minha com aequipe vai achar engraçado, porqu etodo mundo manda.

IMPRENSA

Quantos vocês são ?Rezende - Varia, mas em geral, quan-

do saímos para uma grande reportagem ,somos quatro . O produtor, o repórter, quesou eu, o cinegrafista e o técnico de áu-dio . As vezes vai um motorista, mas ge-ralmente nós mesmos dirigimos, para evi-tar que haja muita gente metida naquilo .Nós, quatro ou cinco, na hora em qu evamos decidir uma atitude ou um recuo ,temos o mesmo peso .

IMPRENSA É um processo de-mocrático . Você não precisa consultar adireção do telejornalismo ?

Rezende - Consulto a direção do jor-nalismo da Globo em questões muito es-peciais . A direção da Globo tem inúme-ras preocupações . Quando as minhas preo-cupações são vitais, aí eu procuro uma di-retriz: se vou mesmo fazer a matéria o unão vou, coisas assim. Na hora da guerra ,no campo de batalha, ninguém liga para ogeneral para perguntar : "Atiro ou não ati-ro?" . Ou o sujeito atira ou não atira . Gra-

ças a Deus, tenho grande liberdade de ação .E mais : tenho apoio! Tenho uma belíssi-ma infra-estrutura e a ajuda dos meus com-panheiros, inclusive de níveis hierárquico ssuperiores ao meu . As vezes levo bronca,recebo críticas ferozes . Na matéria do se-guro, a certa altura, saí de trás de uma por-ta e disse para o cara: "Vem cá, vem cá! . ...Essa é uma atitude que não se toma . O caraia fugindo, e eu fiquei desesperado porqueestava há dois dias atrás daquela pauta .Levei uma reprimenda com toda razão.Na ânsia de não deixar o cara sumir, ultra-passei os limites . Mas tenho liberdade eautonomia para trabalhar.

IMPRENSA - Você edita suas pró-prias reportagens ?

Rezende - Não, eu não gosto. Repi-to : o meu trabalho é de equipe . Quand ochego com o material, os outros membro sda equipe se incorporam ao processo . Iss oquando não estão desde o início . Vou co meles para a ilha de edição e fechamo sjuntos pré-roteiros, a roteirização final,

idéias de imagem, de texto . Issoé muito salutar : a margem de err odiminui muito . São mais olho scriticos que policiam o que esta-mos fazendo . Assim, não come -temos nenhum exagero .

IMPRENSA - Você imaginao mesmo tipo de trabalho que fazna Globo em uma emissora menor ,com menos recursos ?

Rezende - Se você parar parapensar, as grandes redes brasileirasganham muito dinheiro ; não é só aGlobo . Elas não investem como de-veriam nesse tipo de jornalismo .Esse é um jornalismo extremamen-te caro . Demanda tempo, os profis-sionais ficam às vezes um ou doi smeses dedicados só a uma matéria .O retorno de gratificação é funda-mental . E não pense só no retorn ofinanceiro . Nós trabalhamos numveículo que presta um serviço pú-blico e o retorno para a sociedade éfundamental . Existem matérias quevalem pelo serviço prestado à socie-dade, que se vê representada. E porisso que muitas pessoas me paramna rua para conversar comigo. Elasse vêem representadas, em funçãodas mazelas que vivem, numa socie-dade de exceção, feita para protegerricos e punir pobres . Não quero di-zer com isso que sou um herói, um

paladino . Eu só acho que nós da TV Glo-bo estamos fazendo um jornalismo caro ,mas que é fundamental para mostrar com osão as coisas neste país.

IMPRENSA - A imagem da Globojunto à população e junto a muitos jorna -listas nem sempre é essa que você pinta. . .

Rezende - Preconceito. Nós temosum arcabouço que não rompemos . Nóstemos premissas e com isso ficamos nes-sa história que parece o cachorro corren-do atrás do rabo . A imagem da Rede Glo-bo junto à população mudou e mudo umuito . Muitos jornalistas que se mostramcriticos em relação à Globo na verdadegostariam de trabalhar lá . Da mesma ma-neira que amanhã eu posso deixar de tra-balhar na Globo e passar a trabalhar, commuito orgulho, em outra rede . No jorna-lismo, a TV Globo é hoje uma empres avoltada para a sociedade . E desafio quempossa contestar isso .

IMPRENSA - Durante o Seminá-

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"Fazemos o jornalismo do furo,do combate, da linha de fronte"

rio Internacional de Telejornalismo ,profissionais de outras emissora scriticaram a Globo, talvez comoforma de reação ao que o EvandroCarlos de Andrade, diretor da Cen-tral Globo de Jornalismo, susten-tou na palestra de abertura, ao de -fender com veemência o modelo dejornalismo praticado lá . . .

Rezende - Essas coisas sã omuito pequenas, num contexto tãoimportante para o país . Essas con-testações em relação à TV Globo . . .As críticas feitas aqui por outro scompanheiros não são à Rede Glo-bo, mas ao trabalho que os jornalis-tas da TV Globo estão fazendo . Ojornalismo da Globo é feito por jor-nalistas . Não cai do céu. Eu pergun-to : as criticas tiveram apoio da pla-téia? Não tiveram. Só ouvi tímidosaplausos do público quando foramfeitas criticas à Globo, algumas po rprofissionais de primeira linha . Emais : não existe ninguém que possabater no peito e dizer : "Dei mai sfuros que a Globo no ano de 1997" .

IMPRENSA - E nem quepossa exibir um ibope parecido . . .

Rezende - Tem mais : o ibopeda TV Globo cada vez mais se res-tabelece, porque o público se iden-tificou outra vez com o jornalismode notícia, de furo, de combate, delinha de frente . Nós demos este ano o furosobre as contas CC5, de quem mandav apara o exterior dinheiro dos precatórios .Nós demos o contrabando na Marinha ; aviolência da PM na Favela Naval, em Dia-dema; o escândalo das arbitragens na CBF ;o tráfico de armas ; a fraude no seguro obri-gatório ; os bancos de sangue contaminan-do pessoas ; questões da TAM que ningué mtinha dado . . . Nós temos orgulho disso . Eutenho orgulho disso! Eu teria muito orgu-lho se estivesse em outra emissora e fizes-se isso como na Globo, porque é disso quenós vivemos . O fato é que o público pre-sente a este seminário, formado basicamen-te por profissionais e estudantes de jorna-lismo, não aprovou as criticas feitas ao tra-balho dos jornalistas da TV Globo, e sãoeles que estou defendendo .

IMPRENSA - Por falar nesse pú-blico, de profissionais sim, mas també mde estudantes e jovens profissionais : quala principal lição que você deu no se uworkshop, "O ABC da telerreportagem"?

Rezende - Não dei lição nenhuma. Ésempre uma grande troca. Eu acredito quenós vamos entrar numa nova era . Uma erade novo saber, onde o homem vai usar mai sa sua intuição e menos o seu cérebro . Sefizermos um retrospecto do século, vamo sencontrar avanços impressionantes . Temo sa calça jeans : não há nada mais democrá-tico! Tivemos uma revolução social co mos Beatles, a maior deste século . Chega-mos à Lua. Chegamos a Marte . Temos fi-bra óptica . Temos penicilina. Temos a curade várias doenças através de mecanismo salopáticos, de descobertas de cientistas . En-tramos na era da informática! E eu lhe per-gunto: o homem evoluiu nessa proporção,ou o homem involuiu? A miséria no mun-do aumentou ; a fome no mundo aumen-tou ; as guerras étnicas voltaram ; as guer-ras tribais voltaram . E aí a pergunta é : oque nós temos de fazer ?

IMPRENSA - Mas você não imagi-na que esse jovem público do seminário

estivesse interessado em lições mai sobjetivas e mais práticas, com basena sua experiência como jornalista ?

Rezende - Eles fizeram per-guntas práticas . As mensagens queeu recebi no final, e foram mais decem, diziam o seguinte : a palestrafoi fundamental porque nos deu u mrumo que não tínhamos, que a fa-culdade não nos dá e que o dia-a-dia também não nos dá. Uma jorna-lista em formação me escreveu u mbilhete lindo, que foi lido pelo pre-sidente da mesa. Dizia o seguinte :"Até hoje eu não sabia: primeiro, oque era ser jornalista ; segundo, seeu queria mesmo ser jornalista ; e ter-ceiro, se o jornalismo correspondiaà minha expectativa enquanto pes-soa. Hoje tenho certeza de que o jor-nalismo é feito por seres humanos .Agora sei : quero ser jornalista!" A squestões práticas não se aprende mnem no banco escolar nem no dia-a-dia. É importante ouvir de umapessoa experiente o quanto é melhortrabalhar em equipe, o quanto é me-lhor olhar as questões como ser hu-mano, o quanto é importante o de-bate ético num país como o Brasil .Foram temas que nós impusemos eque graças a Deus encheram aquelasala no seminário. Ficou gente parafora e ninguém queria terminar . Foimelhor que coisa prática !

IMPRENSA - Em parte, talvez, porcausa do tema. Mas em grande parte porcausa da sua figura, que contribui tam-bém para que jovens estudantes decidamser jornalistas, imaginando que vão serbem-sucedidos e bem recebidos nos lu-gares, como você é . Não acha que iss opossa pesar na sua consciência um dia?

Rezende - Absolutamente não! S eelas estavam em dúvida e se convence-ram de que vão ser jornalistas, esse é umpasso que deram por si mesmas . Se euporventura influenciei com o discurso, o ucom a presença, espero que tenha influen-ciado positivamente, até porque o mer-cado jornalístico está aberto e nós preci-samos de talentos . Acho que vamos tergrandes avanços na comunicação, vamo ster grandes oportunidades de trabalho .Com essa nova mentalidade podemos teraté novas lições . Nós precisamos apren-der com eles . Que venham para o merca-do disputar, e eu espero furá-los diaria-mente, se eles me derem chance .

28 IMPRENSA - DEZEMBRO 1997

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"Não faço acordo combandidos. Disso estou fora "

IMPRENSA - Qual a repor-tagem que você gostou mais de terfeito?

Rezende - É difícil dizer .Uma reportagem que politicamen-te me deu um grande prazer foi ado escândalo das arbitragens n aCBF. Ali eu vi que tinha indepen-dência e que podia trabalhar à von-tade . Um dos envolvidos, o presi-dente do Clube Atlético Paranaen-se, é sócio da rádio CBN do Para -ná e de um canal a cabo da Net(ambos pertencentes à Rede Glo-bo) . E no dia seguinte àquele e mque a matéria iria para o ar, comoacabou indo, a Rede Globo fecha -ria um contrato para pagar, inicial -mente, 60 milhões de dólares pel atransmissão do Campeonato Bra-sileiro . Essas questões foram dis-cutidas, e o que eu escutei foi oseguinte : "Coloca a matéria no ar" .Então, essa reportagem me de usatisfação. A gente sentiu ali n aredação, que é onde a gente pul-sa, o grau de independência par afazer as matérias .

IMPRENSA - Nessa repor-tagem da CBF, por que você deu ofuro e não um repórter da área d eesportes ?

Rezende - Não sei por quê .Você tem que perguntar a quemgrampeou aquelas fitas . Eu não sei que mfoi e sou louco para saber. A pessoa, mui -to esperta, nunca me escreveu nem tele-fonou. Recebi um envelope que tinha asfitas e um bilhete datilografado e sem as-sinatura, só relatando o conteúdo . Nãodizia nem por que tinha mandado as fita spara mim .

IMPRENSA - Talvez pela ques-tão da notoriedade . . .

Rezende - Acho que pela questãoda credibilidade . As pessoas acreditam noque eu faço . Elas têm certeza absoluta d eque jamais vou transigir . Jamais vou m epermitir criar qualquer tipo de manto paraproteger alguém. Foi a mesmíssima cois ana matéria de Diadema .

IMPRENSA - Como é que a fit asobre a violência da PM na Favela Na-val chegou às suas mãos ?

Rezende - Segundo a minha fonte ,havia quatro pessoas reunidas numa mes ae elas decidiram que entregariam uma das

cópias da fita ao Comando Geral da Polí-cia Militar do Estado de São Paulo . Umaoutra cópia chegaria a um jornalista . Fu iescolhido como o jornalista porque ele stinham certeza de que eu iria manter osigilo da fonte e de que eu não deixari apassar absolutamente nada que falseass eo que a fita mostrava .

IMPRENSA - Quer dizer : você te mum comportamento ético com as sua sfontes, sejam elas pessoas de bem ou se -jam bandidos . . .

Rezende - Não faço acordos co mbandidos . Primeiro: só faço acordos qu eeu possa cumprir. Segundo : acordos qu etragam benefícios para a sociedade . E ter-ceiro : que tragam benefícios para o meuo trabalho. Se não, estou fora . Jamai sfaço um acordo para cometer um desliz eou dar um furo numa situação que v áferir meus princípios . Disso estou fora !Pode ser o maior furo do mundo: se aregra não for a que eu impuser, não tem

furo! É a regra que eu imponho eponto final . Quem vem me procu-rar já sabe que vai ser assim, e s enão me conhece é a primeira cois aque escuta .

IMPRENSA - Por exemplo?Rezende - Eu te conto a his-

tória do engenheiro da reportage msobre o tráfico de armas, o Césa rMarques da Rocha Filho . A propos-ta dele era fazer que parecesse bon -zinho, porque tem uma pendênci ajudicial . Eu sabia que tinha u mbaita furo na mão . Mas disse paraele : "Não há hipótese! Você vai sero que é, porque você é o que vocêconstruiu ao longo da sua vida" .Aí ficou um impasse . A matéri aquase não sai . No fim, ele re -conheceu que eu teria de contar ahistória dele . Deu um tiro num PM ,um PM deu um tiro nele e ele fo ipreso . Então ele topou . Nisso souintransigente mesmo .

IMPRENSA - Do jeito queconta como as fitas chegam atévocê, dá a impressão de que nãoprecisa mais correr atrás da notí-cia porque a notícia vem atrás d evocê . . .

Rezende - Eu te mostro a mi-nha conta telefônica para você teridéia de quantos telefonemas e u

dou por dia . Ontem, tivemos uma horade descanso no seminário, e o telefonetocou pelo menos umas seis vezes segui-das . Duas eram pessoas que consegui -ram meu telefone, não sei como, e meligavam passando notícias . Outras qua-tro eram ligações minhas para checarcoisas que tinha ouvido falar. Eu chec oinformação o tempo inteiro . Na reporta -gem sobre a quadrilha que falsificavaatestados de óbito para receber o seguroobrigatório, nós passamos pelo menosdez dias colocando a matéria em pé, ten-tando juntar as pontas que estavam sol -tas . Eu corro, e muito . Nós estamos nodécimo mês do ano e eu não passei doi sna minha casa. Isso quer dizer o seguin-te : estou na rua trabalhando, descobrin-do coisas . Meus companheiros, que es -tão comigo, também estão fora das suascasas . E a regra do jogo . Se entrei nele ,vou jogar até o final .

IMPRENSA - Quem teve a inicia-tiva de fazer a fita da Favela Naval ?

30 IMPRENSA - DEZEMBRO 1997

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Rezende - Quem tev ea iniciativa, eu não sei t edizer. Não tenho a meno ridéia de quem fez, por qu efez, de que maneira fez, oucom que intenção. Isso fo iuma coisa em que pense imuito, até chegar à conclu-são de que isso tinha um aimportância apenas relati-va diante da barbárie qu eera cometida pela Políci aMilitar do Estado de SãoPaulo . Então levei esse me uraciocínio à direção da TVGlobo, informando sobre omaterial que eu tinha e mmãos, expondo o que e upensava, as minhas preocu-pações . Eles chegaram àconclusão de que deveria mpôr no ar, porque aquilo eraum escárnio, uma barbárie .

duamente durante quaseuma semana para investiga rtudo. Ela só foi ao ar numasegunda-feira porque apenasno domingo à tarde foi en-contrada a última vítima. Setivesse sido encontrada an-

tes, nós a teriamos mostra -do antes . Eu estava doidopara me livrar daquilo . Eusabia que havia uma fita n amão da PM . E esta, a qual -quer momento, se percebes -se que um jornalista tambémtinha a fita, poderia divulgá -la como uma grande denún-cia-investigação, uma cois ainterna, para livrar a própri abarra . Eu sabia que a fita es-tava escondida, porque já ti-nha ligado para as minhasfontes da PM .

"A notícia sempre vaiprevalecer sobre a imagem "

IMPRENSA - Vocêrecebeu a fita, mas faltavaproduzir a matéria . Comofoi o processo ?

Rezende - Simples . Antes de levarpara a redação, vi aquela fita umas de zou quinze vezes, vinte até . Pedi à dire-ção da Globo a permissão de escolhe ruma equipe para me ajudar. A equipefoi escolhida . Chamei todo mundo par auma sala e coloquei a fita, sem dizerpara ninguém sobre o que era . Os carasnem sabiam o que iriam fazer . Ficoutodo mundo estarrecido! Vimos a fitapela segunda vez e eu disse : "Isso pod eser uma mentira, isso pode ser forjado" .Levei o material a um laboratório, par aavaliar se aquilo não era uma monta -gem e para verificar se, com a experi-ência dos peritos, era possível percebe ralguma simulação . Eles me deram ok edisseram que a fita era autêntica . Reun inovamente o meu pessoal e disse : a fit aé boa, mas só temos matéria se locali-zarmos as vítimas e testemunhas .

IMPRENSA - E como chegou aelas ?

Rezende - A partir das placas doscarros, que apareciam legíveis na fita .Levantamos a quem eles pertenciam eaí ficou fácil . Quando não era o carrode fulano, era de algum amigo ou vizi-nho que morava lá . Tudo no mesmoquarteirão . E foi assim que nós chega -mos em todo mundo .

IMPRENSA - E a questão dos 1 0mil reais que a Globo pagou pela fita ?

Rezende - A fonte que me trouxe afita queria 50 mil reais por ela . Eu nego -ciei por 10 mil, em duas prestações, por -que aquele era um trabalho em que osujeito usou sua câmera, comprou a fita ,passou a noite inteira lá filmando e que -ria receber . Ele se dizia um cinegrafist aamador, e a Globo paga trabalhos d ecinegrafistas amadores . E a regra .

IMPRENSA - Além da fita que cus-tou 10 mil reais, de que constou a matéria ?

Rezende - Além das imagens da fita ,a reportagem tem depoimentos das teste-munhas, dados sobre as vítimas, os lo -cais, os horários, quem era quem, com oaquilo era feito, a barbárie, como aquil oera combinado, como era praticado, quemera quem na PM . Foi todo um trabalho emque levantamos o lugar onde o mecânic oestava enterrado, quem era sua família, oque ele estava fazendo ali ; tudo, enfim . . .

IMPRENSA Fica bem claro quea Globo inscreveu no prêmio Libero Ba-daró de Telejornalismo toda uma repor-tagem e não meramente a fita ?

Rezende Claro. Foi uma reporta -gem em que estiveram envolvidos trezejornalistas profissionais, trabalhando ar -

IMPRENSA - Fo imuito discutido no seminá -rio se o caráter de espetácu -lo do telejornalismo é um acoisa positiva ou negativa .

Um exemplo é esse da Favela Naval . Vocênão acha que a imagem é a essência do . . .

Rezende - . . . eu tenho plena certe-za de que a coisa fundamental no tele-jornalismo, e no jornalismo em si, é anotícia . Se você tiver a melhor imageme eu a melhor notícia, na hora de esco-lher uma para pôr no ar, pode ter certez ade que a escolhida será a minha . A notí-cia sempre vai prevalecer. Podem inven-tar a tecnologia que quiserem : se a ima-gem não estiver carregada de uma notí-cia estará morta por si só . Vou citar um afrase do Millôr, que para mim define issobem: "Uma imagem vale por mil pala-vras . Me diga isso sem palavras!!!" Est afrase é de uma grande sapiência . . . O quefaz o diferencial não é a imagem da Fa -vela Naval, mas a reportagem .

IMPRENSA - E o texto?Rezende O conjunto das coisas .

Uma coisa é literalmente dependente d aoutra . Você pode ter grandes notícias ,que serão muito melhores se apresenta -das com bons textos e com boas ima-gens . E preciso ter a informação e sabe rtransmitir.

IMPRENSA - O texto final das suasreportagens é seu ?

Rezende - E meu .X

32 IMPRENSA - DEZEMBRO 1997