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Page 1: GUERRA DO PARAGUAI: PECULIARIDADES DO … · 1 Meu tema é a Guerra do Paraguai e o objeto da monografia trata de concepções e expectativas da elite política imperial sobre o Recrutamento,

Universidade Federal do Paraná

GUERRA DO PARAGUAI:

PECULIARIDADES DO RECRUTAMENTO Acadêmico Luis Cláudio Batista

Orientador Professor Dr. Dennison de Oliveira

Palavras-chave:

Guerra do Paraguai

Recrutamento e revoltas

Libertos, escravos e pobres

Curitiba

2010

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Meu tema é a Guerra do Paraguai e o objeto da monografia trata de concepções e expectativas da elite política imperial sobre o Recrutamento, as perspectivas dos proprietários de escravos e das massas inseridas no conflito. Minha fonte é o Jornal do

Commercio, um periódico fundado em 1º de outubro de 1827 no Rio de Janeiro. Tive acesso ao Jornal do Commercio publicado entre dezembro de 1864 e março de 1870, através de microfilmes, respectivamente data da declaração de guerra feita pelo Paraguai, e morte de Solano Lopez finalizando o conflito militar. Os microfilmes estão arquivados na Divisão de Documentação Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná, situada na Rua Cândido Lopes, número 133, Centro de Curitiba. Priorizo em meus estudos A-Pedidos (publicações pagas) e reflexões sobre os anúncios de fugas de escravos para apresentar-se ao Exército.

Minha metodologia é trabalhar os dados históricos indo direto à fonte. Esta análise empírica, incorporando experiência e observação, contará também com teoria científica, afinal Thompson por toda sua vida continuou “insistindo na exigência de rigor na pesquisa porque a teoria e a evidência devem manter um diálogo constante1”. Faço uma experimentação através do conhecimento empírico embasado à análise do contexto, verificando na perspectiva da História Social grupos marginalizados (libertos, escravos, negros livres, pobres). Esta postura da história vista pelos vencidos é uma vertente de Thompson, Peter Burke, etc. A história vista de baixo, trazendo a tona experiências de grupos e camadas sociais que demonstram culturas de resistência.

Desde o século XX com a renovação historiográfica (Febvre, Bloch, Braudel) reinventando a relação do historiador com o documento histórico, “o documento, considerado vestígio deixado pelos homens, passou a ser encarado como produto da sociedade que o fabricou, de acordo com determinadas relações de poder2. Devido às relações de poder intrinsecamente envolvidas nos periódicos, pondero meus argumentos partindo da premissa de Jean Glénisson, professor francês que lecionou no Departamento de História da Universidade de São Paulo, autor da obra Iniciação aos estudos históricos

(1979), que estudou sobre os procedimentos críticos dos jornais, apontando que “sempre será difícil sabermos que influências ocultas exerciam-se num momento dado sobre um órgão de informação, qual o papel desempenhado, por exemplo, pela distribuição da publicidade, qual a pressão exercida pelo governo3”. Os fatos que constituem a vida no Império estão em sua maioria presentes no Jornal do Commercio. No periódico os principais intelectuais do tempo assinavam artigos e o latifúndio escravista era a base de seus assinantes, “triunfava, realmente, no início da segunda metade do século XIX, o jornalismo conservador, de que o Jornal do Commercio foi expressão singular4”. O recrutamento é recorrente no noticiário, isto porque, “esses debates, nas Câmaras e na imprensa, tinham razão de ser: o recrutamento tocava de perto a propriedade, diretamente a servil5”.

Aponto que de imediato, entre os anos de 1865-1866, houve manifestações de patriotismo na população em virtude das forças paraguaias terem invadido o Rio Grande do Sul. Todavia tal patriotismo dependia de uma guerra curta. Bastou as inúmeras complicações no front, a falta de estrutura para alojar os recrutas que deveriam seguir para a Corte, o prolongamento do conflito militar, e então surgiram muitas resistências ao

1 FONTANA, Josep. In: “Os Marxismos”. A História dos homens. Capítulo XI. Bauru: EDUSC, 2004, p.337. 2 SCHMIDT, Maria Auxiliadora. CAINELLI, Marlene. “As fontes históricas e o ensino da História. O uso do documento em sala de aula”. In: Ensinar História. São Paulo: Editora Scipione, 2007, p.94. 3 LUCA, Tânia Regina de. “História dos, nos e por meio dos periódicos”. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.) Fontes Históricas. São Paulo: Editora Contexto, 2008, p.116. 4 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 1999, p.190. 5 Ibidem, p.201.

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recrutamento, já em 1866 até o final do conflito. Em um segundo momento foram frequentes as deserções, revoltas populares, os soldados da Guarda Nacional em atividades nas vilas e cidades eram a maioria dos que se recusavam a seguir para a guerra, houve recusa das autoridades subalternas para cumprir a ordem superior, desentendimentos entre os próprios recrutadores, preocupação quanto à força policial indispensável para manter o regime escravista, recrutamento de libertos ou estrangeiros como substitutos da Guarda Nacional, recrutamento forçado, engajamento de escravos, etc. Os historiadores do pós-guerra apoiaram-se em valores abstratos, como heroísmo, integridade, bravura. A historiografia memorialista teve um caráter institucional, mostrando o Exército como o responsável pela vitória. Um dos precursores desta ideologia foi José Bernadino Bormann, com sua obra História da Guerra do Paraguai (1897). O Exército alçado a instituição salvadora foi personalizado na figura do Duque de Caxias, através de autores contemporâneos ao confronto como Antonio Sena Madureira, Guerra do Paraguai,

resposta ao Sr. Jorge Thompson (1870), obra na qual defende o Exército dos seus erros grosseiros apontados pelo representante americano. Carlos Baltazar da Silveira produz um ode à Marinha em seu livro Breves apontamentos sobre a campanha do Paraguai. A

passagem do Humaitá (1866). Houve espaço também para exaltações regionais, como David Carneiro, laureando a atuação dos Prados, os Vaz Lobo, os Bueno Stocheler, em sua província, O Paraná na Guerra do Paraguai (1940). Tais autores, entre outros, enfatizam os voluntários oriundos de famílias tradicionais, desconsiderando a realidade do recrutamento. A forma homogeneizada que estes autores se referem ao contingente apontando o heroísmo dos conterrâneos, ignora os pobres, em geral recrutados à força.

Nas duas últimas décadas a historiografia ampliou a investigação de questões antes negligenciadas por autores. Estudos sobre a incorporação de escravos e libertos nas tropas do Exército tornaram-se objeto de pesquisa dos historiadores. Robert Conrad, estudioso sobre o tema estima que foram “20 mil o numero de escravos libertos por meio do conflito, incluindo-se aí as mulheres dos escravos que conseguiam a liberdade com o regresso da batalha6”. Ricardo Salles, historiador que pesquisou a guerra do Paraguai, declara que o número de escravos era de cerca de 7% do efetivo da tropa, portanto, seriam “8.489 escravos em meio a um contingente de 123.150 soldados7”. Um dos empreendimentos de pesquisar a participação dos escravos, libertos e negros livres na guerra do Paraguai resultou no livro Nova História Militar Brasileira (2004), organizado por Celso Castro. A obra analisa procedimentos militares como o recrutamento militar do ponto de vista oficial e também pela perspectiva dos potenciais recrutas, ou seja, os populares. Hendrik Kraay estudou a prática do Exército brasileiro de incorporar escravos fugidos ao batalhão, não se importando com a origem destes homens, afinal, a instituição carecia de homens. Tal atitude Hendrik Kraay denominou de “abrigo da farda”, isto é, os escravos buscavam esta medida como forma de mudança social; “independente de sua ocupação ou da condição social de seus senhores, os escravos desenvolveram diversas estratégias para melhorar suas vidas, desde fazer corpo mole no trabalho, passando pela afirmação de culturas autônomas, até a revolta manifesta, num processo constante de conflitos8”. Estes subterfúgios serviram anteriormente de tema a uma obra de Chalhoub, o qual afirma que as “rebeliões, assassinatos, resistência ao trabalho e delitos, interferiam, desta maneira, em providências

6 CONRAD, Robert. Os últimos anos de escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasiliera, 1978, p.48. 7 SALLES, Ricardo. Guerra, escravidão e cidadania na formação do Exército. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1999, p. 65. 8 KRAAY, Hendrik. O abrigo da farda: O Exército brasileiro e os escravos fugidos, 1800 – 1888. Salvador. Afro - Ásia, n. 17, 1996, p.38.

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que dizem respeito a seu próprio destino9”. O objetivo dos cativos era de serem vendidos ao Império para servirem na Armada ou Exército. Muitas vezes tal afã por liberdade custava a própria vida nas fileiras militares.

A inferioridade do efetivo militar brasileiro era acintosa, com contingente estimado em 20 mil soldados. O fato levou o Governo Imperial a instituir cargos para o serviço militar em circunstâncias extraordinárias, com o nome de “Voluntários da Pátria”. Assinado no sábado, 7 de janeiro de 1865, o texto do Decreto nº 3.371, convocando os Voluntários da Pátria e os Guardas Nacionais foi publicado no Jornal do Commercio da segunda-feira, 9, dizia o instrumento legal: “Art. 2º - Os voluntários que não forem Guardas Nacionais terão, além do soldo que recebem os voluntários do Exército, mais 300 réis diários e a gratificação de 300$000, quando derem baixa, e prazo de terras de 22.500 braças quadradas nas colônias militares ou agrícolas.10”. Havia ainda treze outros artigos regulando as vantagens, regalias e direitos dos convocados, dispondo até sobre as características do uniforme a ser usado, inclusive do distintivo. Diante das muitas resistências da Guarda Nacional em atender a convocação, o governo central elaborava estratégias. O dispositivo de substituir guardas nacionais por libertos teve a intenção de resolver duas demandas: “primeiramente, à necessidade de enviar novos contingentes à guerra. Em segundo lugar, possibilitava a determinadas classes ou segmentos sociais ausentar-se da convocação para o cumprimento dos deveres pátrios11”. Na Marinha os serviços navais eram ainda mais insalubres, devido os rigores da lei, as chibatadas, os ferros nos pés, a golinha ao pescoço, as intempéries climáticas, o que tornava o recrutamento forçado o “único sistema seguido até hoje de que se há colhido maiores resultados12”.

No princípio da guerra escravos recém libertados foram enviados às áreas de conflito em substituição aos guardas nacionais provenientes de famílias endinheiradas, ou então para preservar guardas em seus postos de comando nos municípios escravistas. Mas no biênio 1867-68, quando o recrutamento tornou-se mais urgente devido o acirramento dos confrontos, muitos recrutas se embrenhavam em matas de difícil acesso, a ponto do barão de Cotegipe, do Partido Conservador, ao discursar, em julho de 1868, na tribuna do Senado declarar que havia esfriado a disposição popular com a guerra, o que exigiu do governo o emprego de meios ainda mais enérgicos para angariar os contingentes. O recrutamento, apontou Cotegipe, despovoava os campos, principalmente nas províncias do Norte, notoriamente Piauí e Alagoas, e os que não eram levados para o Exército se achavam, ou sob proteção dos políticos governistas locais, ou, então, “embrenhados pelos matos, fugindo à perseguição, a uma espécie de caçada que é, hoje, o recurso do governo para obter tropas13”. O Jornal do Commercio de 10 de março de 1866 apresenta ao público os meios de evadir-se do confronto, subterfúgios empregados pelas próprias autoridades responsáveis no recrutamento nas imediações da Corte; “... os supplentes do delegado de policia, Epaminondas de Barros e Francisco de Souza Magalhães, no emprego dos meios para evitar o alistamento e fazer desertar os alistados, apresentarão-se publicamente em Villa Bella, umas vezes promettendo dinheiro aos que fugissem, outras vezes anunciando

9 CHALHOUB, Sidney. Visões de liberdade: Uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.58. 10 CUNHA, Marco Antonio. A Chama da Nacionalidade – Ecos da Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2000, p.32. 11 SOUZA, Jorge Prata de. Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Mauad: ADESA, 1996, p.63. 12 Ibidem, p.73. 13 DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra. Nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2002, p.276 Apud: Discurso do Barão de Cotegipe, sessão do Senado de 9/6/1868, AS, vol. II, p.166.

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factos extraordinários, capazes de enfraqueçer os animos;...14.” Desentendimentos entre os responsáveis pelo recrutamento se repetiam porque a transferência de forças locais para o front desagradava às elites. Significava perda de poder político para o Império, pois tais forças seriam comandadas por um exército centralizado. Os grupos (fazendeiros, elites políticas regionais) perceberam o fortalecimento do Império e tentaram resistir à transgressão de suas prerrogativas. Conforme José Murilo de Carvalho, a aliança firmada desde a Regência entre o Rei e os fazendeiros “atendia os interesses do setor comercial e agrícola15”, justamente os setores que mais se abalaram com o prolongamento da Guerra do Paraguai. Estava em jogo a autoridade dos chefes locais, pois sua reputação dependia da proteção que podia proporcionar.

Situações de resistência se repetiam por todas as províncias. Em 6 de janeiro de 1868, o Jornal do Commercio repercute no Rio de Janeiro um clamor desta vez da província de Alagoas, onde rotineiramente havia ajuntamentos subversivos. O autor do A-Pedidos era um anônimo e escrevia sobre o novo Presidente da Província que repetia a prática do anterior, o qual era; “[...] mais um agarrador de gente do que um administrador, em flagrante contradicção com suas palavras, tem excedido muito aquelle presidente por actos de violência praticadas nesse empenho, e tal tem sido a excitação publica, que revolta aos animos por esse procedimento, que nas Vilas de Pilar e Santa Luzia do Norte derão-se tumultos populares bastante graves...16”. Em Minas Gerais tal quadro também se repetia. A província era uma das mais resistentes ao recrutamento em todo o Império. Faltavam lugares para alojar os recrutas que deveriam seguir para a Corte. Aquartelados na prisão, frequentemente “eles recebem visitas de pessoas importantes que os aconselham a resistir aos guardas, forçar as portas e fugir17”. Quem relata isso é o presidente da província de Minas, Pedro de Alcântara Cerqueira Leite, que em relatórios e cartas escritos a partir de 1866 justifica-se dos péssimos resultados obtidos no recrutamento. A sabotagem, conforme Izecksohn, partia de pessoas importantes da sociedade mineira, incluindo padres, fazendeiros, juízes de paz. Tratava de preservar a rede de relações pessoais, ou seja, libertar agregados, parentes e conhecidos. Vicente Pires da Mota, responsável pela viagem dos recrutas de Ouro Preto até a Corte, justifica o uso de algemas por causa do risco de motim. O impacto da visão dos recrutas algemados pelo caminho era menor que não entregar o contingente; “sempre que precisássemos desacorrentá-los precisaríamos de um ferreiro, mas onde encontrá-lo? De qualquer modo, nessas vilas, fugas seriam inevitáveis. Qualquer habitante, qualquer fazendeiro e mesmo qualquer autoridade tentaria esconder aqueles que pudesse18”. As ordens no relatório da Província de Minas eram “para que as algemas sejam retiradas em Petrópolis, para evitar que eles cheguem a Corte algemados19”.

O alistamento compulsório atingia tanto o escravo, o liberto, o negro livre, como os pobres brancos, isto porque os direitos individuais não existiam na monarquia constitucional escravocrata brasileira. Eram sujeitos ao recrutamento todos os homens brancos solteiros e pardos livres de 18 a 35 anos, conforme as Instruções de 1822. Homens nesta faixa etária, empregados em atividades econômicas julgadas úteis, todavia, gozavam

14 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 45, n.71, Biblioteca Pública Paranaense. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 40. 15 CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem – Teatro das Sombras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p.249. 16 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 48, n. 06, Biblioteca Pública Paranaense. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 46. 17 IZECKSOHN, Vitor. O recrutamento militar durante a Guerra do Paraguai. In: Celso Castro (Org.) Nova

História Militar Brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p.89. 18 Ibidem, p.90 Apud: Vicente Pires da Mota para o Marques de Paranaguá. Ouro Preto, 24 de maio de 1867. Arquivo Histórico do Museu Imperial, I-DPP-22.1-1867. 19 Ibidem, p.90.

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de isenção: feitores, tropeiros, artesões, cocheiros, marinheiros, pescadores, um filho de cada lavrador e estudantes. Além de homens casados, as Instruções também isentavam o irmão maior responsável por órfãos menores e um filho para sustentar cada viúva. Isto na teoria legal, pois a realidade eram argumentos para isenção que eram contestados pelos agentes recrutadores, ocasionando ofícios em que se afirmavam e negavam evidências. Os indivíduos mais pobres sabiam da realidade no front: mortalidade elevada, precárias condições sanitárias, falta de transporte adequado, falta de provisões, insuficiente treinamento militar, etc. O testemunho de combatentes que retornavam mutilados corroborava o temor da população. Todavia, “gradativamente, as fileiras do Exército Brasileiro foram sendo preenchidas por escravos libertos, índios, criminosos comuns, migrantes rurais e pobres das cidades20”. No contexto daqueles anos o que ocorria nas províncias eram “delegados de polícia e seus representantes, a fim de atender aos reclamos das autoridades recrutadoras, iam caçar o caboclo no Amazonas e Pará, a tabaréu nordestino na caatinga, o matuto na sua tapera, o caiçara no litoral21. Indiscutivelmente os pobres eram os potenciais recrutas. Mais precisamente os pobres indesejáveis, quer dizer, migrantes, mendigos, vadios, enfim, todo aquele que não gozava de algum tipo de proteção. Em 14 de janeiro de 1867, o Dr. Mello Moraes escreveu no Jornal do

Commercio endossando as opressões sucedidas em Alagoas, “... No ultimo contingente que alli está no convento de Santo Antonio (onde todos podem ir indagar dos factos), mandados das Alagoas, raro é o voluntário que não seja casado, e não pranteie a sua infelicidade pela maneira com que foi violentado, e o modo por que foi conduzido para o transporte do governo...22”.

Questões sociais somam-se ao fator racial. Segundo Lilia Schwarcz, o universo intelectual tinha seus pressupostos racistas claramente postulados, surgindo um paradoxo de uma nação miscigenada ante a idealização racial da elite. Estas recorrem às teorias darwinistas sociais para justificar, por meio da raça, hierarquias sociais consolidadas; “interessa compreender como o argumento racial foi política e historicamente construído nesse momento23”. Os chefes militares criticavam a presença de libertos no Exército. O Comandante Caxias, por exemplo, reclamava que o “comportamento dos libertos causava indisciplina na tropa, por serem homens que não compreendem o que é pátria, sociedade e família, que se consideram ainda escravos, que apenas mudaram de senhor24.

Enfim, eram inerentes ao contexto do recrutamento resistências individuais, resistência de grupos marginalizados, rixas por posições partidárias, etc. Os dados empíricos apontam uma dura realidade. A exposição da pesquisa teve por finalidade trazer à tona vestígios de um contexto cuja historiografia memorialista fez questão de ignorar. Tratei nesta pesquisa de selecionar fontes que nortearam minhas premissas, indicando ações que pressupunha concepções sociais. Elaborei um quadro composto de uma ampla variedade de informações fragmentadas, conforme recomendado por Hobsbawm. Construí um quebra-cabeça formulando como tais informações deveriam se encaixar, utilizando nisto conhecimento e imaginação. Cheguei a um sistema de comportamento consistente, que pode ser, em certos sentidos, inferido uma vez que conheçamos as premissas, parâmetros e tarefas básicas da situação, mesmo sem sabermos tudo desta situação.

20 CUNHA, Marco Antonio – Op. Cit., p.36. 21 DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Vol. I. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1981, p.200-201. 22 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 46, n.14. Biblioteca Pública do Paraná. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 43. 23 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil. São Paulo; Editora Companhia das Letras, 2007, p.17 24 DORATIOTO, Francisco - Op. Cit., p.274. Apud: Caxias para Muritiba. S. L. 13/12/1868, AN, códice 924. Guerra do Paraguai. Vol. 5, p. 133-140.