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Universidade Federal do Paraná GUERRA DO PARAGUAI: PECULIARIDADES DO RECRUTAMENTO Monografia apresentada ao Curso de História da Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica Orientador Professor Dr. Dennison de Oliveira Acadêmico Luis Cláudio Batista Palavras-chave: Guerra do Paraguai Recrutamento e revoltas Libertos, escravos e pobres Curitiba 2010

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Universidade Federal do Paraná

GUERRA DO PARAGUAI:

PECULIARIDADES DO RECRUTAMENTO

Monografia apresentada ao Curso de História da Faculdade de Ciências Humanas, Letras e

Artes da Universidade Federal do Paraná.

Disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica

Orientador Professor Dr. Dennison de Oliveira

Acadêmico Luis Cláudio Batista

Palavras-chave:

Guerra do Paraguai

Recrutamento e revoltas

Libertos, escravos e pobres

Curitiba

2010

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Sumário

Resumo....................................................................................................................02.

Introdução...............................................................................................................03.

Problematização e objetivos..................................................................................06.

Capítulo I

1.1 - Imprensa no Império e Historiografia sobre Recrutamento.....................09.

1.2 - Recrutamento.................................................................................................13.

1.3 - Deserções de recrutas e revoltas populares.................................................16.

1.4 - Fugas de escravos..........................................................................................21.

Capítulo II

2.1 - A guerra é para os pobres.............................................................................24.

2.2 - Os presos........................................................................................................32.

2.3 - Exército constrangido com seu contingente................................................35.

Capítulo III

3.1 - Direito de Propriedade..................................................................................39.

3.2 - Violência e conflito social..............................................................................42.

Conclusão................................................................................................................46.

Fontes......................................................................................................................48.

Referências Bibliográficas.....................................................................................49.

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Resumo

A reconstituição do contexto histórico relacionado à Guerra do Paraguai mostra

vestígios deixados pelas pessoas que participaram em diversas medidas do conflito militar.

Contrariando a historiografia memorialista, em que os autores enfatizam os voluntários

oriundos de famílias tradicionais, meu objeto de pesquisa, o Jornal do Commercio,

perscrutado abrangendo todo o período da guerra, entre 1864 e 1870, permite identificar

inúmeras dificuldades no recrutamento: deserções, recusa das autoridades subalternas para

cumprir a ordem superior, desentendimentos entre os próprios recrutadores, preocupação

quanto à força policial indispensável para manter o regime escravista, recrutamento de

libertos ou estrangeiros como substitutos da Guarda Nacional, recrutamento forçado,

engajamento de escravos, etc. Diversos elementos políticos, culturais, econômicos e

sociais, atuaram sobre a sociedade produzindo uma constante violência. Os pobres

brasileiros, seja libertos, negros livres, ou qualquer que fosse a cor da pele, desfrutavam de

uma cidadania incompleta (não votavam), em que a relação de compadrio com o chefe

político local era decisiva. O embate entre proprietários escravocratas e o Estado induz a

uma mudança do teor de vida na sociedade brasileira durante a Guerra do Paraguai.

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Introdução

Meu tema é a Guerra do Paraguai e o objeto da monografia trata de concepções e

expectativas da elite política imperial sobre o recrutamento, as perspectivas dos

proprietários de escravos e das massas inseridas no conflito. Neste propósito a questão

racial e o pensamento social vigente têm relevância porque os escravos alforriados e os

negros livres formaram a maior parte do contingente de recrutas. Minha fonte é o Jornal do

Commercio, um periódico fundado em 1º de outubro de 1827 no Rio de Janeiro, pelo

francês Pierre Plancher. O jornal é o mais antigo em circulação ininterrupta na América

Latina. Tive acesso ao Jornal do Commercio publicado entre dezembro de 1864 e março de

1870, através de microfilmes, respectivamente data da declaração de guerra feita pelo

Paraguai, e morte de Solano Lopez finalizando o conflito militar. Os microfilmes estão

arquivados na Divisão de Documentação Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná,

situada na Rua Cândido Lopes, número 133, Centro de Curitiba. Priorizo em meus estudos

A-Pedidos (publicações pagas) e reflexões sobre os anúncios de fugas de escravos para

apresentar-se ao Exército.

Trata-se de uma fonte conservadora, que tanto realizou campanha maciça para o

Governo Imperial arregimentar contingentes, quanto atendeu reivindicações dos

fazendeiros em usar os recrutamentos como artifício de barganha financeira e política.

Aliás, seu diretor de redação, Luís Joaquim d’Oliveira e Castro, nascido em Portugal,

formado em Direito na Universidade de Coimbra, exerceu de março de 1868 a maio de

1888 o cargo no Jornal do Commercio, sendo um paladino ora dos proprietários

escravocratas, ora do Imperador;

“nos 20 anos em que Luís de Castro dirigiu a redação do Jornal o país enfrentou graves problemas, mas em todos eles, desde os que se prendiam ao desfecho da Guerra do Paraguai até as questões abolicionista, religiosa e militar, o Jornal do Commercio interveio de acordo com sua índole moderada e conservadora, mas não raro divergindo dos governos1”.

Minha metodologia é trabalhar os dados históricos indo direto à fonte, assim como

Edward P. Thompson (1924-1993) defendeu em Poverty of theory, “que o discurso da

demonstração da disciplina histórica consiste num dialogo entre conceito e dado

empírico2”. Esta análise empírica, incorporando experiência e observação, contará também

1 SANDRONI, Cícero. 180 Anos do Jornal do Commercio – 1827-2007: de D. Pedro I a Luiz Inácio Lula da Silva. Rio de Janeiro: Editora Quorum, 2007, p.187-188. 2 FONTANA, Josep. In: “Os Marxismos”. A História dos homens. Capítulo XI. Bauru: EDUSC, 2004, p.335.

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com teoria científica, afinal Thompson por toda sua vida continuou “insistindo na

exigência de rigor na pesquisa porque a teoria e a evidência devem manter um diálogo

constante3”. Meu objeto de pesquisa abrange História Social e Cultural, campos

predominantes de Thompson, e faço uma experimentação através do conhecimento

empírico embasado à análise do contexto. Verifico na perspectiva da História Social grupos

marginalizados (libertos, escravos, negros livres, presos) analisados com o auxílio de

métodos utilizados pela Sociologia. Esta postura da história vista pelos vencidos é uma

vertente de Thompson, Peter Burke, etc. A história vista de baixo, trazendo a tona

experiências de grupos e camadas sociais que demonstram culturas de resistência.

Obviamente não sigo nenhuma orientação marxista, apesar do meu estudo bibliográfico

apontar para conflitos sociais. Creio que uma análise de luta de classes não é pertinente ao

contexto brasileiro no final do século XIX.

Desde o século XX com a renovação historiográfica (Febvre, Bloch, Braudel)

reinventando a relação do historiador com o documento histórico, “o documento,

considerado vestígio deixado pelos homens, passou a ser encarado como produto da

sociedade que o fabricou, de acordo com determinadas relações de poder4”. Minha fonte,

um texto de imprensa, que por si exprime uma opinião ou idéia, serve tanto para contar um

fato, defendê-lo, atacá-lo ou explicar as causas e circunstâncias. Nem todos meus extratos

de fonte acompanham autoria, frequentemente recorrem a pseudônimos, pois criticam o

poder constituído, sejam presidentes de província, oficiais da guarda nacional, ou mesmo o

Imperador.

Na análise da percepção social será observada, entre outros estudos, a obra de Lilia

Moritz Schwartz, que expõe o fato das instituições brasileiras criadas no século XIX,

sobretudo as predominantes na época, recorrerem às teorias darwinistas sociais para

justificar, por meio da raça, hierarquias sociais consolidadas: “interessa compreender como

o argumento racial foi política e historicamente construído nesse momento, assim como o

conceito raça, que além de sua definição biológica acabou recebendo uma interpretação

sobretudo social5”. Centros de ensino como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a

Faculdade de Direito de Recife, Faculdade de Direito de São Paulo, e as faculdades de

medicina, seja na Bahia como no Rio de Janeiro, tinham a função de formar os quadros

3 Ibidem, p.337. 4 SCHMIDT, Maria Auxiliadora. CAINELLI, Marlene. “As fontes históricas e o ensino da História. O uso do documento em sala de aula”. In: Ensinar História. São Paulo: Editora Scipione, 2007, p.94. 5 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil. São Paulo; Editora Companhia das Letras, 2007, p.17.

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próprios da nação e consequentemente orientarem na formação intelectual da elite.

Conforme Lilia Schwarcz, o universo intelectual tinha seus pressupostos racistas

claramente postulados, surgindo um paradoxo de uma nação miscigenada ante a

idealização racial dos homens da ciência.

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Problematização e objetivos

O número elevado de mortos, o despreparo do Exército brasileiro, o embate entre

proprietários escravocratas e o Estado, tudo induz a uma mudança do teor de vida na

sociedade brasileira durante a Guerra do Paraguai. O Estado estava resolvido a reformar a

escravidão para controlar o proprietário rural politicamente. Conforme José Murilo de

Carvalho a necessidade de entrar para a guerra exigiu um reforço do poder político, este

poder foi subtraído dos proprietários escravocratas, formando o Estado desta maneira uma

nova elite política. É possível perscrutar nas fontes uma percepção racial inserida na elite.

O grau de confiança na capacidade dos negros em vencer a guerra está relacionado na

confiabilidade dos negros como um todo, ou seja, quase nenhuma, apesar do negro ser a

força motriz da economia e do conflito.

O Conselheiro José Tomaz Nabuco opinou no Conselho de Estado em 1867 que a

libertação de escravos após a participação na guerra era benéfica por afastar o perigo de

aglomerações de marginalizados nas capitais, assim como esses homens livres sentiriam

honrados em lutar pela Pátria. No parecer de José Nabuco o Império poderia contar com

“soldados devotados pelo reconhecimento da liberdade, disciplinados pelo hábito de

obedecer6”. A questão dos escravos alforriados e os negros livres formarem a maior parte

do contingente de recrutas será problematizada no que concerne às teorias raciais. A

mestiçagem da população brasileira é associada ao atraso e inviabilidade da nação.

Largamente adotadas nas instituições de ensino e pesquisa do país, as teorias demonstram

segundo Lilia Schwarcz, que os critérios políticos estavam distantes dos parâmetros

científicos de análise; “percebe-se, então, uma clara seleção de modelos, na medida em

que, frente a uma variedade de linhas, nota-se uma evidente insistência na tradução de

autores darwinistas sociais que, como vimos, destacavam o caráter essencial das raças e,

sobretudo, o lado nefasto da miscigenação7”.

Conforme Izecksohn foi na guerra contra o Paraguai travada pelo Brasil em que o

Estado “consolidou definitivamente a respectiva unidade nacional8”. Durante a guerra o

governo brasileiro enfrentou problemas devido a necessidade de ampliar seu exército e

pela ausência de uma burocracia adequada ao recrutamento militar, surgindo então o atrito

6 CUNHA, Marco Antonio. A Chama da Nacionalidade – Ecos da Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2000, p.45. 7 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Usos e abusos da mestiçagem e da raça no Brasil: uma história das teorias raciais em finais do século XIX. Salvador. Afro-Asia. nº. 18, 1996, p.86-87. 8 IZECKSOHN, Vitor. Resistência ao recrutamento para o Exército durante as guerras Civil e a do Paraguai. Brasil e Estados Unidos na década de 1860. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 27, 2001, p.85.

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com os proprietários de escravos, detentores do poderio político local. Dificultava a

relação, proprietários–Estado, o fato de grande parte da elitista Guarda Nacional ser

apadrinhada pelos fazendeiros.

A sociedade não contava com um exército nacional de grande porte, recorrendo a

colaboração de milícias organizadas pelas elites locais para manterem a ordem e

defenderem o território. Conseqüentemente essa intervenção militar do Governo

contrariava as lideranças locais que controlavam os meios de coerção. A transferência de

corpos da Guarda Nacional para o cenário de guerra alterou profundamente a função da

instituição, principalmente porque fracassaram os métodos empregados para prover o

Exército em uma campanha de longa duração. Centralizar o poder no Governo Imperial

ocasionou “disputas sobre o controle local do recrutamento, aumentando a politização em

torno do serviço militar9”.

Pretendo apontar que de imediato, entre os anos de 1865-1866, houve

manifestações de patriotismo na população em virtude das forças paraguaias terem

invadido o Rio Grande do Sul. Todavia tal patriotismo dependia de uma guerra curta.

Bastou as inúmeras complicações no front, a falta de estrutura para alojar os recrutas que

deveriam seguir para a Corte, o prolongamento do conflito militar, e então surgiram muitas

resistências ao recrutamento, já em 1866 até o final do conflito. Em um segundo momento

foram frequentes as deserções, revoltas. Os soldados da Guarda Nacional em atividades

nas vilas e cidades eram a maioria dos que se recusavam a seguir para a guerra.

Os historiadores do pós-guerra apoiaram-se em valores abstratos, como heroísmo,

integridade, bravura. A ideologia política e intelectual brasileira centrada na antítese

civilização/barbárie, apontava o Brasil de D. Pedro II, um Estado superior à Republica

paraguaia. Na visão europocentrista, cujo expoente é Manuel Pinheiro Chagas, era um

“momento em que o positivismo europeu via o Brasil escravista como a personificação do

primitivismo10”. É característico da história narrativa, conforme François Furet,

“representar a necessidade de que todo povo precisa de uma narrativa das origens e de um

material de grandeza que possa ser ao mesmo tempo garantia do seu futuro11”. A

historiografia memorialista teve um caráter institucional, mostrando o Exército como o

responsável pela vitória, deixando implícito a idéia que a República foi conseqüência da

guerra. Um dos precursores desta ideologia foi José Bernadino Bormann, com sua obra

9 Ibidem, p.86-87. 10 SOUZA, Jorge Prata de. Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Mauad: ADESA, 1996, p.20. 11 FURET, François. O quantitativo em História – História: Novos Problemas. Rio de Janeiro, 1979, p.83.

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História da Guerra do Paraguai (1897).

O Exército alçado a instituição salvadora foi personalizado na figura do Duque de

Caxias, através de autores contemporâneos ao confronto como Antonio Sena Madureira,

Guerra do Paraguai, resposta ao Sr. Jorge Thompson (1870), obra na qual defende o

Exército dos seus erros grosseiros apontados pelo representante americano. Carlos Baltazar

da Silveira produz um ode à Marinha em seu livro Breves apontamentos sobre a campanha

do Paraguai. A passagem do Humaitá (1866). A ideologia rankeana permeia a

historiografia da época, com o antes explicando o depois. Houve espaço também para

exaltações regionais, como David Carneiro, laureando a atuação dos Prados, os Vaz Lobo,

os Bueno Stocheler, em sua província, O Paraná na Guerra do Paraguai (1940). Joaquim

Silvério de Azevedo retrata Pernambuco. O capitão Genserico de Vasconvelos aborda os

heróis de Laguna e Dourados no âmbito da província do Mato Grosso, A Guerra do

Paraguai no teatro do Mato Grosso. Tais autores enfatizam os voluntários oriundos de

famílias tradicionais, desconsiderando o recrutamento forçado, o engajamento de escravos,

etc. A forma homogeneizada que estes autores se referem ao contingente apontando o

heroísmo e a bravura dos conterrâneos, ignora os pobres, em geral recrutados à força.

A perspectiva personalista também aparece mais recentemente através da obra de

Paulo de Queiroz Duarte, Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai (1981). O autor

ecoa a exaltação do Exército, o clamor do Imperador atendido com fervor, segundo

Queiroz, por um povo disposto a abnegar-se. Pretendo elaborar minha argumentação

metodicamente, afinal,

“toda história é escolha. É porque existiu o azar que aqui destruiu e lá preservou os vestígios do passado. É porque existe o homem: quando os documentos abundam, ele abrevia, simplifica, realça isso, releva aquilo a segundo plano. E é, principalmente, pelo fato de que o historiador cria seus materiais ou recria-os, [...] O essencial de seu trabalho consiste em criar, por assim dizer, os objetos de sua observação, com ajuda de técnicas freqüentemente muito complicadas . E depois, uma vez adquiridos esses objetos, ele os interpreta, ler os seus cortes12”.

12 FEBVRE, Lucien. “A História Historicizante”. In: Combates pela História. Vol. I. Lisboa: Editorial Presença, 1977, p.178.

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Capítulo I

1.1 - Imprensa no Império e Historiografia sobre Recrutamento

A imprensa no Império acompanhou o desenvolvimento do país, em

particular da capital, em uma época que o latifúndio era a sustentação da nação. O público

leitor constituía-se da elite política, fazendeiros, profissionais liberais, ou seja, uma

limitada parcela da população, na qual o analfabetismo era uma constante de Norte a Sul.

Os periódicos divulgavam noticias comerciais, como preços, movimentos de paquetes,

informação sobre importação e exportação, noticiário do país e do exterior e,

principalmente, anúncios. Cabia a imprensa “fornecer os elementos mais importantes do

quadro político, participando, assim, dos episódios principais daquela fase13”.

Jean Glénisson, professor francês que lecionou no Departamento de História da

Universidade de São Paulo, autor da obra Iniciação aos estudos históricos (1979),

ponderou sobre os procedimentos críticos dos jornais, apontando que estes seguiam,

“complexidade desanimadora. Sempre será difícil sabermos que influências ocultas

exerciam-se num momento dado sobre um órgão de informação, qual o papel

desempenhado, por exemplo, pela distribuição da publicidade, qual a pressão exercida pelo

governo14”.

Glénisson endossava a opinião do historiador Pierre Renouvin, que recomendava

investigar “a respeito das fontes de informação de uma dada publicação, sua tiragem, área

de difusão, relações com instituições políticas, grupos econômicos e financeiros15”,

aspectos que convidam à prudência. Da mesma forma as letras miúdas imprimidas em

muitas colunas à manchetes principais, manchetes secundárias, ênfase em certos temas,

linguagem, natureza do conteúdo, contém práticas diversas de leitura, assim identificar a

linha editorial e os textos programáticos é indispensável. Também a publicidade e o tipo de

impressão têm relevância, pois “historicizar a fonte requer ter em conta, portanto, as

condições técnicas de produção vigentes e a averiguação, dentre tudo que se dispunha, do

que foi escolhido e por quê16”.

Conforme Nelson Sodré na sociedade fluminense o comércio era uma atividade

principal, com intensa participação de estrangeiros, notoriamente portugueses, ingleses e

franceses. Os portugueses participavam da imprensa constantemente, os franceses

13 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 1999, p.109. 14 LUCA, Tânia Regina de. “História dos, nos e por meio dos periódicos”. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.) Fontes Históricas. São Paulo: Editora Contexto, 2008, p.116. 15 Ibidem, p.116. 16 Ibidem, p.132.

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mantiveram um jornal, o Courier Du Bresil, discutindo abertamente os problemas do país e

contribuindo no desenvolvimento da tipografia e do jornal. Os ingleses mantiveram o The

Rio Herald, além de outros. O Jornal do Commercio, iniciado pelo francês Pierre

Plancher, tinha um alcance no âmbito político, literário e artístico. O jornal não assumia

posição partidária, nem mesmo durante a conciliação de liberais e conservadores (1853-

1869), todavia, conforme o jornalista e senador Alcindo Guanabara (1865-1919) expôs

muito tempo depois; “esse alheiamento das paixões em convulsão, essa inalterável

tranqüilidade, num meio tão agitado, valeram ao Jornal do Commercio a força e o prestígio

com que, no princípio do Segundo Reinado, ele agia e reagia sobre a sociedade, prestígio

que cresceu e acentuou-se de tal arte que a expressão quarto poder lhe era aplicável com

absoluta justiça17”.

Os fatos que constituem a vida no Império estão em sua maioria presentes no

Jornal do Commercio. No periódico os principais intelectuais do tempo assinavam artigos

e o latifúndio escravista era a base de seus assinantes, “triunfava, realmente, no início da

segunda metade do século XIX, o jornalismo conservador, de que o Jornal do Commercio

foi expressão singular18”. O recrutamento é recorrente no noticiário, isto porque, “esses

debates, nas Câmaras e na imprensa, tinham razão de ser: o recrutamento tocava de perto a

propriedade, diretamente a servil19”. O embate encetado entre Governo Imperial e

proprietários de escravos envolvia uma quantia vultosa, além de afetar o núcleo da

economia brasileira; “as desapropriações de escravos para as fileiras, cada vez em número

maior, apesar de bem pagas – talvez essas alforrias tenham representado a maior despesa

da guerra – traziam inconvenientes, pois a substituição era difícil, no trabalho das lavouras,

quando não eram impossíveis20”.

Nas duas últimas décadas a historiografia ampliou a investigação de questões antes

negligenciadas por autores. Estudos sobre a incorporação de escravos e libertos nas tropas

do Exército tornaram-se objeto de pesquisa dos historiadores. O recrutamento de escravos

para Guerra do Paraguai foi tema de estudo no começo da década de 1980 por José Julio

Chiavenatto, Voluntários da Pátria e outros mitos (1983), em que prematuramente pondera

“que a maioria dos soldados brasileiros na guerra eram escravos21”. Este dado é

contestado, entre outros, por Robert Conrad, outro estudioso sobre o tema. Segundo

17 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 1999, p.189. 18 Ibidem, p.190. 19 Ibidem, p.201. 20 Ibidem, p.201-202. 21 CHIAVENATTO, Julio José. Voluntários da Pátria e outros mitos. São Paulo: Editora Global, 1983, p.27.

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Conrad, foram “20 mil o numero de escravos libertos por meio do conflito, incluindo-se aí

as mulheres dos escravos que conseguiam a liberdade com o regresso da batalha22”.

Chiavenatto cometeu um equivoco ao avaliar a maioria dos negros no contingente

brasileiro como cativo recém libertado, escravo da Nação ou escravo fugido, pois podia

tratar de libertos e negros livres. Ricardo Salles, historiador que pesquisou a guerra do

Paraguai, declara que o numero de escravos era de cerca de 7% do efetivo da tropa,

portanto, seriam “8.489 escravos em meio a um contingente de 123.150 soldados23”.

Um dos empreendimentos de pesquisar a participação dos escravos, libertos e

negros livres na guerra do Paraguai resultou no livro Nova História Militar Brasileira

(2004), organizado por Celso Castro. A obra analisa procedimentos militares como o

recrutamento militar do ponto de vista oficial e também pela perspectiva dos potenciais

recrutas, ou seja, os populares. A medida de libertar escravos para atuar no conflito,

adotada pelo Gabinete liberal de Zacarias de Góis, iniciado em 1866, teve origem precisa,

“na recomendação após a reunião do Conselho de Estado em 6 de novembro de 1866 de

libertação de escravos para atuar no conflito. Porém esta atuação estava condicionada em

dois fatores distintos; primeiro o direito de posse do proprietário; e por fim a

obrigatoriedade de prestação de serviço militar por parte do cativo24”.

Hendrik Kraay estudou a prática do Exército brasileiro de incorporar escravos

fugidos ao batalhão, não se importando com a origem destes homens, afinal, a instituição

carecia de homens. Tal atitude Hendrik Kraay denominou de “abrigo da farda”, isto é, os

escravos buscavam esta medida como forma de mudança social; “independente de sua

ocupação ou da condição social de seus senhores, os escravos desenvolveram diversas

estratégias para melhorar suas vidas, desde fazer corpo mole no trabalho, passando pela

afirmação de culturas autônomas, até a revolta manifesta, num processo constante de

conflitos25”.

O anseio de incorporar-se ao Exército motivou os escravos a criarem várias táticas

para persuadir seus senhores no intuito de ir à guerra, assim obtendo a sonhada liberdade.

Estes subterfúgios podiam “ser rebeliões, assassinatos, resistência ao trabalho e delitos,

22 CONRAD, Robert. Os últimos anos de escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasiliera, 1978, p.48. 23 SALLES, Ricardo. Guerra, escravidão e cidadania na formação do Exército. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1999, p. 65. 24 IZECKSHON, Vitor. O recrutamento militar durante a Guerra do Paraguai. In: Celso Castro (Org.) Nova História Militar Brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p.197. 25 KRAAY, Hendrik. O abrigo da farda: O Exército brasileiro e os escravos fugidos, 1800 – 1888. Salvador. Afro - Ásia, n. 17, 1996, p.38.

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interferindo, desta maneira, em providências que dizem respeito a seu próprio destino26”. O

objetivo dos cativos era de serem vendidos ao Império para servirem na Armada ou

Exército. Muitas vezes tal afã por liberdade custava a própria vida nas fileiras militares.

26 CHALHOUB, Sidney. Visões de liberdade: Uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.58.

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1.2 - Recrutamento

Conforme destacado pelo historiador Marco Antonio Cunha, o Paraguai tinha um

expressivo poder central, o qual punha a disposição do governo todos os recursos materiais

e humanos do país. Esta centralização administrativa, política e econômica permitiu a

formação de um Estado fortemente militarizado. Propenso a essa disposição foi a

catequese imposta pelos jesuítas no século XVII na qual estava embutida que todos adultos

do sexo masculino eram arregimentados nas fileiras militares, notadamente devido a

ameaça externa: proteger as casas com fossos profundos e paliçadas contra os mamelucos

paulistanos do Brasil. Assim sendo no início da guerra os paraguaios dispunham de 300 a

400 mil habitantes e uma superioridade militar, com “um contingente variando entre 28 mil

a 57 mil homens, mais os reservistas entre 20 mil e 28 mil27”. Isto significa que

praticamente toda população masculina adulta estava apta à guerra.

A inferioridade do efetivo militar brasileiro era acintosa, com contingente estimado

“de 17 a 20 mil, embora pudesse dispor, também, da Polícia Militar e de uma ampla

reserva de até 200 mil homens, na forma de Guarda Nacional28”. O fato levou o Governo

Imperial a instituir cargos para o serviço militar em circunstâncias extraordinárias, com o

nome de “Voluntários da Pátria”. Assinado no sábado, 7 de janeiro de 1865, o texto do

Decreto nº 3.371, convocando os Voluntários da Pátria e os Guardas Nacionais foi

publicado no Jornal do Commercio da segunda-feira, 9, dizia o instrumento legal:

“Atendendo às graves e extraordinárias circunstâncias em que se acha o País e á urgente e indeclinável necessidade de tomar, na ausência do Corpo Legislativo, todas as providencias para a sustentação no exterior da Honra e da Integridade do Império; e tendo ouvido o meu Conselho de Ministros, hei por bem decretar: Art. 1º - São criados extraordinariamente, Corpos para o serviço de guerra, compostos de todos os cidadãos maiores de 18 e menores de 50 anos, que voluntariamente se quiserem alistar, sob as condições e vantagens abaixo declaradas. Art. 2º - Os voluntários que não forem Guardas Nacionais terão, além do soldo que recebem os voluntários do Exército, mais 300 réis diários e a gratificação de 300$000, quando derem baixa, e prazo de terras de 22.500 braças quadradas nas colônias militares ou agrícolas.29”

Havia ainda treze outros artigos regulando as vantagens, regalias e direitos dos

convocados, dispondo até sobre as características do uniforme a ser usado, inclusive do

27 CUNHA, Marco Antonio – Op. Cit., p.31. 28 Ibidem, p.31. 29 Ibidem, p.32.

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distintivo. A Guarda Nacional já dispunha de uma legislação, a lei nº 602, de setembro de

1850, que previa o fornecimento de Corpos Destacados, para a defesa das praias, fronteiras

e costas do Império, como Força Auxiliar do Exército de Linha.

O Conselho de Guerra deliberou sobre o caráter da mobilização e recrutamento,

vindo à solução nas assertivas do brigadeiro José Antonio Pereira do Lago, que declarava:

“As Províncias de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco podem fornecer famosos

contingentes, por serem as mais avultam em força cívica. Se a força cívica e a Guarda

Nacional não correspondem às necessidades da Guerra, é de absoluta necessidade proceder

ao recrutamento forçado, não só na população, como na própria Guarda Nacional.30”.

O historiador Jorge Prata de Souza elencou dificuldades no recrutamento:

deserções, recusa das autoridades subalternas para cumprir a ordem superior,

desentendimentos entre os próprios recrutadores, preocupação quanto à força policial

indispensável para manter o regime escravista, recrutamento de libertos ou estrangeiros

como substitutos da Guarda Nacional. Diante das muitas resistências da Guarda Nacional

em atender a convocação, o governo central elaborava estratégias. O dispositivo de

substituir guardas nacionais por libertos teve a intenção de resolver duas demandas:

“primeiramente, à necessidade de enviar novos contingentes à guerra. Em segundo lugar,

possibilitava a determinadas classes ou segmentos sociais ausentar-se da convocação para

o cumprimento dos deveres pátrios31”. Houve um constrangimento da elite militar diante

do recrutamento das massas, seja no Exército ou Guarda Nacional, onde os oficiais

proviam de famílias abastadas, com patentes simbolizando respeito social, status. Na

Marinha os serviços navais eram ainda mais insalubres, devido os rigores da lei, as

chibatadas, os ferros nos pés, a golinha ao pescoço, as intempéries climáticas, o que

tornava o recrutamento forçado o “único sistema seguido até hoje de que se há colhido

maiores resultados32”. Isto explica as expressões nos relatórios ministeriais sobre os

marujos requisitados, “população nociva, ralé, libertos, gente viciosa, gentalha33”. Por sua

vez, a repugnância que tinha a população em relação ao serviço militar se explica com o

Estado lidando com um “quadro de fuga generalizada do serviço militar na Armada34”.

Nos anos iniciais da guerra, escravos recém libertados foram enviados às áreas de

30 Ibidem, p.39. 31 SOUZA, Jorge Prata de – Op. Cit., p.63. 32 Ibidem, p.73. 33 Ibidem, p.73. Apud: Relatório do Ministério da Marinha. 1860-1970. 34 ARIAS NETO, Jose Miguel. Violência sistêmica na Organização Militar do Império e as lutas dos imperiais marinheiros pela conquista dos direitos. História: Questões & Debates. Curitiba: Editora da UFPR, n. 35, p. 103, 2001.

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conflito em substituição aos guardas nacionais provenientes de famílias endinheiradas, ou

então para preservar guardas em seus postos de comando nos municípios escravistas. Seja

na lavoura como no campo de batalha lá estava o escravo servindo aos interesses da nação,

o que elevou seu preço e serviu aos proprietários adquirirem títulos de nobreza;

“Por decreto baixado em 6 de novembro de 1866, os “escravos da nação”, do Estado, que servissem no Exército em guerra ganhavam a liberdade, enquanto os donos que libertassem os seus, para esse mesmo fim, eram recompensados com título de nobreza. O governo imperial também desapropriou escravos para enviá-los para o Paraguai, pagando indenizações generosas, as quais não deixavam de causar inconvenientes aos fazendeiros, pois era difícil a substituição desse trabalho nas lavouras. O aumento da demanda por escravos elevou seu preço, e cada indivíduo era vendido por dois contos de réis no início de 1868, quando poucos meses antes o valor de venda não era superior a 900 mil réis35” .

Tamanha procura fez com que negociantes disputassem a compra de cativos em

anúncios no Jornal do Commercio, como se verifica nestes extratos em minha fonte, no dia

3 de junho de 1868;

Escravos “Comprão-se e pagão-se bem, sendo nas circunstâncias de poderem servir no exercito ou armada imperial, na rua da Quitanda n.º176.

A.1:800$000. Paga-se por escravos para se libertarem, afim de se servir

no exercito e armada mediante o exame do medico, negocio decidido no mesmo dia; na rua do Hospício n.83.

Libertos. Comprão-se escravos para libertar e assentar praça,

também se comprão de 12 a 35 annos para a roça, negocio decidido; para informações na rua da Alfândega n.100, sobrado36”.

35 DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra. Nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2002, p.272. 36 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 48, n. 154, Biblioteca Pública Paranaense. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 47.

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1.3 - Deserções de recrutas e revoltas populares

Na análise dos crimes julgados pelo Conselho Militar de Justiça, “a estatística

demonstra a alta incidência de casos de deserção, principalmente nos dois primeiros anos

de conflito,37” de 36,09% e 42,85%, respectivamente. Os soldados em atividades nas vilas

e cidades eram a maioria dos que se recusavam a seguir para a guerra, e no biênio 1867-68,

quando o recrutamento tornou-se mais urgente devido o acirramento dos confrontos,

muitos se embrenhavam em matas de difícil acesso. O barão de Cotegipe, do Partido

Conservador, ao discursar, em julho de 1868, na tribuna do Senado declarou que havia

esfriado a disposição popular com a guerra, o que exigiu do governo o emprego de meios

ainda mais enérgicos para angariar os contingentes que, antes, eram obtidos por “meios

muito mais brandos e suaves38”. O recrutamento, apontou Cotegipe, despovoava os

campos, principalmente nas províncias do Norte, notoriamente Piauí e Alagoas, e os que

não eram levados para o Exército se achavam, ou sob proteção dos políticos governistas

locais, ou, então, “embrenhados pelos matos, fugindo à perseguição, a uma espécie de

caçada que é, hoje, o recurso do governo para obter tropas39”. O Jornal do Commercio de

10 de março de 1866, um sábado, apresenta ao público o quão grotesco tornaram-se os

meios de evadir-se do confronto, subterfúgio empregado pelas próprias autoridades

responsáveis no recrutamento nas imediações da Corte.

Publicação A Pedido “Um Sr. Dr. Juiz de direito interino.- O tenente-coronel

Pedro de Siqueira Campos, incumbido de organizar o 4º corpo de voluntários desta província, tendo confiado ao capitão Samuel de Sá Montenegro a organisação de uma companhia em Villa- Bella onde V. S. com o prestigio de que goza, muito concorreu para que em pouco tempo se augmentasse o alistamento dos voluntários, que erão afastados pelos que, não satisfeitos do indifferentismo aos estragos da guerra, e impellidos por motivos indignos de explicação, procurão fazer desertores os patriotas que, ouvindo o convite do governo correrão aos reclamos da pátria, magoada pela torpeza do inimigo que a provoca;

E porque, entre os que procurarão a triste celebridade de obter o alistamento de voluntários, constituindo-se verdadeiros inimigos do paiz, contão-se até indivíduos, gozando da confiança do governo pelos cargos que occupão nesta comarca e no termo Villa Bella; por isso, com o mais profundo respeito, vem pedir a V. S. se digne attestar: 1º, se o commandante- superior, Antonio Xavier de Moraes, procurou obstar o alistamento de voluntários de pátria; 2º, se para assim obter apresentou- se nas ruas de Villa Bella até com trajes menos decentes, fazendo ver que os voluntários não

37 SOUZA, Jorge Prata de – Op. Cit., p.59-60. 38 DORATIOTO, Francisco – Op.Cit., p.276. 39 DORATIOTO, Francisco – Op.Cit., p.276 Apud: Discurso do Barão de Cotegipe, sessão do Senado de 9/6/1868, AS, vol. II, p.166.

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gozavam das garantias promettidas, e que devião ser tratados com hostilidade pelas autoridades policiaes; 3º, se reunio força da guarda nacional para que pudesse o delegado supplente Francisco de Souza Magalhães, a pretexto de manter a ordem publica, provocar o capitão Samuel Montenegro e dissolver a companhia; 4º, se os supplentes do delegado de policia, Epaminondas de Barros e Francisco de Souza Magalhães, no emprego dos meios para evitar o alistamento e fazer desertar os alistados, apresentarão-se publicamente em Villa Bella, umas vezes promettendo dinheiro aos que fugissem, outras vezes anunciando factos extraordinários, capazes de enfraqueçer os animos; 5º, se esses supplentes declarão muitas vezes, não só que os indivíduos de sua protecção estariam livres do recrutamento, como que os desertores que se alystassem em suas terras estarião também livres de prisão por deserção; 6º, se a pretexto de manter a ordem publica , não alterada, aparatosamente reunirão força, para proteger os indivíduos, insinuando provocar conflictos que dessem lugar a processos e a tudo mais quanto, affligindo, trouxessse o desanimo e a dissolução; 7º, finalmente tudo quanto V. S. constar do procedimento de taes indivíduos; neste termos pede a V. S. diferimento.- E. R. M. – Pedro Pessoa de Siqueira Campos, tenente- coronel commandante40”.

Estes eram os termos utilizados pelas autoridades sobre membros da própria

instituição: indiferença, indignidade, indecências, em troca de dinheiro os inimigos do país

incitavam a deserção. Isto porque a transferência de forças locais para o front desagradava

às elites. Significava perda de poder político, além do que tais forças seriam comandadas

por um exército centralizado. Alterações tornaram-se inevitáveis, os grupos perceberam o

fortalecimento do Império e tentaram resistir à transgressão de suas prerrogativas. Estes

embates entre o Governo Imperial e os fazendeiros aconteciam desde a Regência com

revoltas eclodindo como a Setembrizada em Pernambuco (1831), a Sabinada na Bahia

(1838), a Farroupilha no Rio Grande (1835-1845), etc. Conforme José Murilo de Carvalho,

a aliança firmada entre o Rei e os fazendeiros “atendia os interesses do setor comercial e

agrícola41”.

O Decreto 3.383, de 21 de janeiro de 1865 culminou em atritos como estes

apresentados pelo Jornal do Commercio; tenente-coronel Pedro de Siqueira Campos x

comandante superior Antonio Xavier de Moraes; delegados suplentes Francisco Souza

Magalhães e Epanimondas de Barros x capitão Samuel Montenegro. O decreto transferia

14.796 soldados da Guarda Nacional para o front. Uma medida deste porte interferindo em

40 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 45, n.71, Biblioteca Pública Paranaense. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 40. 41 CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem – Teatro das Sombras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p.249.

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uma instituição intrínseca ao poder local ocasionou medidas extremas. Hostilidade,

dinheiro, difamação, qualquer subterfúgio que surtisse efeito contra o decreto era utilizado.

Estava em jogo a autoridade dos chefes locais, pois sua reputação dependia da proteção

que podia proporcionar. Tal autoridade formulava-se em costumes,

“os homens imbuídos da crença de que estavam defendendo direitos ou costumes tradicionais; e de que em geral, tinham o apoio do consenso mais amplo da comunidade. De vez em quando, esse consenso popular era endossado por alguma autorização concedida pelas autoridades. O mais comum era o consenso ser tão forte a ponto de passar por cima das causas do medo ou da deferência42”.

Situações de resistência se repetiam por todas as províncias. Em 6 de janeiro de

1868, o Jornal do Commercio repercute no Rio de Janeiro um clamor desta vez da

província de Alagoas, onde rotineiramente havia ajuntamentos subversivos. Novamente o

povo contra o governo e seus critérios abusivos no recrutamento.

Publicação A Pedido Alagôas

“O que vai passando nesta província com a administração do Sr. Moreira de Barros é tão extraordinário, que não pôde ser comprehendido.

[...] S. Ex, porém, que tanto criticava o seu antecessor, o Sr. Alencastre, por ser, na phrase de S. Ex., mais um agarrador de gente do que um administrador, em flagrante contradicção com suas palavras, tem excedido muito aquelle presidente por actos de violência praticadas nesse empenho, e tal tem sido a excitação publica, que revolta aos animos por esse procedimento, que nas Vilas de Pilar e Santa Luzia do Norte derão-se tumultos populares bastante graves, resultando disso a libertação aos homens que injustamente tinhão sido presos, e a desmoralisação a mais completa da autoridade publica.

A índole pacifica e ordeira dos Alagoanos quando assim se sobrexcita é porque a compressão tem tocado ao extremo.

Os intimos de S. Ex. dizem que o Sr. Moreira de Barros estava tanto mais seguro na província quanto maior for o numero de homens que enviar para a guerra, por outros termos, S. Ex. aproveita as calamidades publicas para se manter na cadeira presidencial.

Actualmente o que se dá na província é uma transacção entre o administrador e os adversários políticos, cedendo aquelle influencia e posição official em troca de homens.

O governo precisa volver suas vistas para esta pobre terra. Maceió, 28 de Dezembro de 186743 ” .

42 THOMPSON, E. P. “A economia moral da multidão inglesa no século XVIII”. In: Costumes em comum. São Paulo: Cia das Letras, 1998, p.152. 43 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 48, n. 06, Biblioteca Pública Paranaense. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 46.

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Em Minas Gerais tal quadro também se repetia. A província era uma das mais

resistentes ao recrutamento em todo o Império. Faltavam lugares para alojar os recrutas

que deveriam seguir para a Corte. Aquartelados na prisão, frequentemente “eles recebem

visitas de pessoas importantes que os aconselham a resistir aos guardas, forçar as portas e

fugir44”. Quem relata isso é o presidente da província de Minas, Pedro de Alcântara

Cerqueira Leite, que em relatórios e cartas escritos a partir de 1866 justifica-se dos

péssimos resultados obtidos. A sabotagem, conforme Izecksohn, partia de pessoas

importantes da sociedade mineira, incluindo padres, fazendeiros, juízes de paz. Tratava de

preservar a rede de relações pessoais, ou seja, libertar agregados, parentes e conhecidos

que devido à lealdade seriam muito mais importantes do que no cenário da guerra. Os

motins não são sinônimos de desordem inconseqüente, mas parte integrante de um

propósito social nas ações das multidões. Esta referência baseia-se em um estudo de

George Rudé, no início dos anos 1970, em que através de nova abordagem metodológica

aponta arregimentações de homens para protestar em fins do século XVIII e inícios do

século XIX, contra o preço dos alimentos nas cidades, ou insurreições no campo, na

Europa. A contribuição dos procedimentos metodológicos de Rudé para o estudo do

protesto popular traz luz sobre trabalhos sobre história social em geral. Tais levantes são

apontados tanto em sociedades recém-industrializadas na Europa quanto naquelas ditas

pré-industriais como o Brasil Imperial.

No relatório da província de Minas, trechos dão luz ao contexto do recrutamento.

Vicente Pires da Mota, responsável pela viagem dos recrutas de Ouro Preto até a Corte,

justifica o uso de algemas por causa do risco de motim. O impacto da visão dos recrutas

algemados pelo caminho era menor que não entregar o contingente; “sempre que

precisássemos desacorrentá-los precisaríamos de um ferreiro, mas onde encontrá-lo? De

qualquer modo, nessas vilas, fugas seriam inevitáveis. Qualquer habitante, qualquer

fazendeiro e mesmo qualquer autoridade tentaria esconder aqueles que pudesse45”.

As ordens no relatório da Província de Minas eram “para que as algemas sejam

retiradas em Petrópolis, para evitar que eles cheguem a Corte algemados46”.

Eric J. Hobsbawn desde os anos 1950 também contribuiu para a historiografia sobre

o protesto popular. Em seus ensaios, “Hobsbawn sempre se preocupou em enfatizar

especialmente a necessidade de se perceber a sempre complexa relação entre as ações

44 IZECKSOHN, Vitor – Op. Cit., p.89. 45 Ibidem, p.90 Apud: Vicente Pires da Mota para o Marques de Paranaguá. Ouro Preto, 24 de maio de 1867. Arquivo Histórico do Museu Imperial, I-DPP-22.1-1867. 46 Ibidem, p.90.

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coletivas, a transformação econômica e a reorganização política da sociedade47”. São fatos

que no Brasil dos anos 1860-70 a sociedade via paralelamente o surgimento maciço dos

ideais republicanos, movimentos abolicionistas, as primeiras levas de mão-de-obra livre.

Estes temas são recorrentes no editorial do Jornal do Commercio.

Ainda conforme o pesquisador Doratioto “repetiram-se, então, resistências ao

recrutamento por todas as províncias, e a impopularidade da guerra obrigou o governo, nas

palavras de Cotegipe, a “uma espécie de caçada”, visando alistar cidadãos que fossem para

a frente de luta48”. Para fugir ao recrutamento havia principalmente três meios: no primeiro

muitos homens declararam-se adeptos do Partido Liberal, passando a ser protegidos pelos

chefes políticos locais, ou seguiam pelo segundo método, refugiavam-se nos bosques e

florestas, despovoando os campos. O terceiro subterfúgio fora revelado em 1870, pelo

Ministro da Guerra João José de Oliveira Junqueira Junior, que afirmou que muitos jovens,

para não serem enviados ao Paraguai, casaram-se com mulheres que tinham o dobro de sua

idade. Tal fato, “admitiu o titular da Pasta da Guerra, fez com que muitos membros dos

Voluntários da Pátria tivessem sido, na verdade, obrigados a se alistar49”.

Por causa da lacuna nas instituições militares, o Ministério da Justiça criou a 1º de

abril de 1865 o Corpo Policial Provisório - auxiliar do Corpo Policial Provincial; e em 26

de março de 1866 a Guarda Municipal.

47 PAMPLONA, Marco Antonio. A Historiografia sobre o protesto popular: uma contribuição para o estudo das revoltas urbanas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 17, 1996, p.03. 48 DORATIOTO, Francisco - Op. Cit., p.265. 49 Ibidem, p.265.

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1.4 - Fugas de escravos

O Arquivo Histórico da Bahia contém inúmeros documentos atestando alforrias

para a guerra, motivadas por projeção pessoal do senhorio ou dever cívico. Em uma

assertiva de 23 de setembro de 1865, Manoel Lopez da Costa Pinto concede a liberdade a

seu escravo pardo chamado Epifanio, “que possuo livre e desembargado, com a condição

de assentar praça em qualquer dos Batalhões que se vão organizando a seguir para a

Campanha do Brasil contra o Paraguai50.” A chance de liberdade dos escravos engajados

na guerra motivou cativos a fugirem das fazendas do interior, como se verifica no anúncio

de captura do Vale do Paraíba fluminense; “Fugiu no dia 14 do corrente o preto Antonio,

crioulo, escravo de Inocêncio Gomes de Assunção, morador da Freguesia de Santo Antonio

da Encruzilhada... este escravo disse que havia de fazer o possível para ir ao Paraguay, por

isso pede-se aos srs. Pedestres toda vigilância a fim de ser capturado51.”

Também meu objeto de pesquisa relata no primeiro ano do conflito inúmeros casos

de escravos fugidos tencionando ir para o confronto. As autoridades imperiais legislaram

oferecendo vantagens e benefícios para os recrutas, mas após a guerra poucos receberam

de fato as 22.500 mil braças quadradas de terra nas colônias militares ou agrícolas. Tais

lotes agrícolas localizavam-se em províncias limítrofes, lugares ermos, evidentemente os

ex-combatentes não teriam recursos para trabalhar a terra. Mas quanto aos lotes de fato, “se

tal disposição foi alguma vez efetivada, os historiadores ainda não encontraram dados que

o comprovem52”. Ainda assim no afã de abandonarem o cativeiro, muitos preferiam trocar

a enxada pelo mosquetão, deixarem de servir o capataz para servirem o senhor oficial.

Teriam soldo e havia o respeito que a farda impunha na idealização dos escravos. Além do

que “as autoridades imperiais prometiam alforria para os escravos que se apresentassem

para a guerra, fazendo vista grossa para aqueles que fugiram das fazendas53”. Não se trata

de abnegação ou consciência do valor patriota, era uma atitude desesperada para fugir do

submundo da escravidão. Em três extratos de anúncios no Jornal do Commercio, em 1865,

no limiar do conflito, percebe-se como a prática de fugas era rotineira.

50 CUNHA, Marco Antonio - Op. Cit., p.51. Apud: Arquivo Histórico da Bahia: Guerra do Paraguai, pacote de 1865. 51 CUNHA, Marco Antonio - Op. Cit., p.53. Apud: Jornal O PARAHYBANO, de 23 de janeiro de 1867, Apud: Carlos Eugenio Líbano Soares – A Negrada Instituição: Os Capoeiras no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1994, p.188. 52 SOUZA, Jorge Prata de – Op. Cit., p.72. Apud: IHGB. Lata 314. Pasta 1. Decreto 3.371. Livro dos Avisos, Circulares...; Lata 206. Doc. 69. Proposta do presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul para a concessão de terras devolutas das margens do rio Uruguai e afluentes aos guardas nacionais. 53 TORAL, André Amaral de. A participação dos negros escravos na Guerra do Paraguai. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, Volume 9, nº 24, 1995, p.292.

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Rio de Janeiro, Sábado, 18 de fevereiro de 1865. ESCRAVO FUGIDO

“Fugio, no dia 30 de janeiro próximo passado, da fazenda Campo Alegrete, distrieto do Banauai, provínsia de São Paulo, o escravo pardo Benedieto, com os sienaes seguintes: estatura acima da regular, reforçado, pouca barba, cabello corrido e crespo nas pontas, sem dentes, idade 25 annos, fallador e gostando de usar lenço na cabeça e chapéo ao lado. Levou roupa fina, um ponche forrado de baeta azul e chapéo de panno preto. Suppõe-se ter ido para Mambucaba a aprensetar-se como voluntario para assentar praça. Quem o apprehender e levar a sua senhora D. Anna Pereira de Mello, na fazenda acima indicada, ou a Furquim & Irmão, no Rio de Janeiro, rua dos Benedietinos n.28, será bem gratificado54”.

Rio de Janeiro, Segunda-feira, 7 de agosto de 1865. ESCRAVO FUGIDO

“Recommenda-se aos Srs. pedestres a captura de um escravo, que sahindo a passear no dia 9 de Janeiro próximo passado não voltou á casa de seu senhor o conego José Mendes de Paiva. Chama-se Manoel, pardo (claro), e estatura regular, ainda que bastante magro, rosto comprido, sem barba e queixo delgado, com 20 annos de idade. Foi encontrado na cidade trajando calça branca, paletó de alpaca preta, chapéo baixo de aba estreita cor de castenha, e relógio de prata dourada com corrente de prata; suppóe-se, porém, que elle tenha assentado praça, ou embarcado para o Rio-Grande em algum dos vapores que partirão no dia 10 do mesmo mez. Gratificasse- ha generosamente a quem o apprehender, levar rua do Rosário n.76, armazém de molhados55”.

Rio de Janeiro, Segunda-feira, 7 de agosto de 1865. ESCRAVO FUGIDO

“Fugio o escravo Honorato, pardo, de 25 annos, presumiveis, estatura regular, cheio de corpo, bem fallante e andar ligeiro; levou vestido calça e paletó branco, e foi visto calçado no arsenal de Marinha no dia 10 do corrente, é official de marceneiro e lustrador; presume-se assentar praça em algum batalhão de voluntários e pode-se, portanto aos Ilm. Srs. comandantes dos mesmos não o aceitarem como tal. Quem o apprehender levar á rua do Rosário n.21 A, ou mesmo der noticias, será bem gratificado56”.

Uma constante nos três anúncios de fugas é a suposição do proprietário de que o

escravo pretendia assentar praça. Esta desconfiança pode tratar de boatos, delação,

testemunha ocular, ou os precedentes casos de “abrigo da farda57”, segundo estudos feitos

54 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 43, n.49. Biblioteca Pública do Paraná. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 37. 55 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 43, n.218. Biblioteca Pública do Paraná. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 38. 56 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 43, n.218. Biblioteca Pública do Paraná. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 38. 57 KRAAY, Hendrik – Op. Cit., p.38.

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por Hendrik Kraay. Conforme citado anteriormente, o Exército brasileiro era permissivo ao

incorporar escravos fugidos no contingente. A premente necessidade de homens para a

guerra acabava chancelando tal procedimento.

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Capítulo II

2.1 - A guerra é para os pobres

Os pobres, principalmente de cor, estavam sujeitos às nuances do ministério liberal

de Zacarias com o conservador Caxias pela disputa da condução da guerra. O alistamento

compulsório atingia tanto o escravo, o liberto, o negro livre, como os pobres brancos, isto

porque os direitos individuais não existiam na monarquia constitucional escravocrata

brasileira. Conforme o jornalista Chiavenatto, enquanto que no Exército paraguaio havia

cinco brancos para um mestiço ou negro, os aliados argentinos e uruguaios tinham para

cada soldado branco vinte e cinco mulatos ou negros. Já no “exército do Império do Brasil,

para cada soldado branco havia nada menos que quarenta e cinco negros!58”.

A legislação principal que regulava o recrutamento, um Decreto de 10 de julho

ditando as normas, conhecido como as Instruções de 1822, especificou os segmentos

sujeitos ao recrutamento e declarou o intento do governo de proteger os que eram

percebidos como essenciais à sociedade e à economia, por esse meio assegurando o bem

estar da sociedade. Eram sujeitos ao recrutamento todos os homens brancos solteiros e

pardos livres de 18 a 35 anos. Homens nesta faixa etária, empregados em atividades

econômicas julgadas úteis, todavia, gozavam de isenção: feitores, tropeiros, artesões,

cocheiros, marinheiros, pescadores, um filho de cada lavrador, certo número de

empregados em cada estabelecimento comercial e estudantes. Além de homens casados, as

Instruções também isentavam o irmão maior responsável por órfãos menores e um filho

para sustentar cada viúva. As Instruções restringiam essas isenções com a cláusula “uma

vez que exercitem os seus ofícios efetivamente e tenham bom comportamento59”, o que

deu margem às autoridades para interpretarem a lei. Além disso, em muitas províncias,

como na Bahia, onde apenas uma pequena parte da população casava-se na Igreja, a

isenção de um filho de viúva protegia apenas os poucos que desfrutavam de tal privilégio.

Era proibido recrutar 60 dias antes e 30 dias depois das eleições.

Argumentos para isenção que eram contestados pelos agentes recrutadores,

ocasionando ofícios em que se afirmavam e negavam evidências. Os requerimentos dos

recrutados enfatizavam sua decência na base de posse de bens, casamento legítimo,

moralidade sexual e respeito à autoridade. Os recrutados forneciam atestados do vigário,

subdelegado de polícia e inspetor de quarteirão. Cada um procurava atestar dedicação ao

58 CHIAVENATTO, Julio José. O Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983, p.111. 59 Coleção das Leis do Império (1808 – 1888) Acessado em 29/03/2010. http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/Colecoes/Legislacao/legimp-D_44.pdf

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trabalho e à família. A arbitrariedade do recrutamento prejudicava a atividade econômica,

porque todos os homens do vilarejo fugiam à mata quando os recrutadores aproximavam-

se. Os indivíduos mais pobres sabiam da realidade no front: mortalidade elevada, precárias

condições sanitárias, falta de transporte adequado, falta de provisões, insuficiente

treinamento militar, etc. O testemunho de combatentes que retornavam mutilados

corroborava o temor da população. Todavia, “gradativamente, as fileiras do Exército

Brasileiro foram sendo preenchidas por escravos libertos, índios, criminosos comuns,

migrantes rurais e pobres das cidades60”. O público alvo preferencial do recrutamento eram

os homens livres e pobres das cidades e do campo, constituídos principalmente de negros

ou mestiços, além evidentemente dos escravos libertos para a guerra. Isto explica a

imprensa paraguaia apontar o negro como o principal inimigo. Os dois principais

periódicos, Cabichuí e o El Centinela, a serviço de Lopez, transmitiam a idéia de que o

“exército brasileiro era o exército macacuno, e seus líderes, segundo a propaganda lopizta,

macacos que pretendiam escravizar o povo paraguaio, conduzindo-os da liberdade à

escravidão. O imperador é definido como um grande macaco representado sempre com

uma longa cauda, Caxias um descomunal sapo preto que se locomovia montado numa

tartaruga61”.

No contexto daqueles anos o que ocorria nas províncias eram “delegados de polícia

e seus representantes, a fim de atender aos reclamos das autoridades recrutadoras, iam

caçar o caboclo no Amazonas e Pará, a tabaréu nordestino na caatinga, o matuto na sua

tapera, o caiçara no litoral62”. Arregimentados para a guerra, mulatos e negros, os

segmentos majoritários, além dos brancos pobres, eram despachados imediatamente para

as capitais provinciais e em seguida para a Corte vestidos em uniformes de brim pardo.

Conforme apresenta um extrato da minha fonte, tal arbitrariedade era denunciada,

frequentemente por um opositor político. É importante relembrar que os A-Pedidos eram

pagos, o público leitor trata-se do topo da pirâmide social que tinham acesso ao Jornal do

Commercio. Denunciar as mazelas conforme o ponto de vista do autor revela uma

preocupação da elite local e também expõe o cenário político adverso. O objetivo é que os

reclames cheguem até o Imperador. Vejamos o artigo no dia 14 de janeiro de 1867.

60 CUNHA, Marco Antonio – Op. Cit., p.36. 61 TORAL, André Amaral de – Op. Cit., p.288. 62 CUNHA, Marco Antonio – Op. Cit., p.70. Apud: Paulo de Queiroz Duarte – Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Vol. I. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1981, p.200-2002.

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Publicação A Pedido O Recrutamento na província das Alagoas

“Em um paiz constitucional como é o nosso, não podem os agentes do poder publico pôr em execução qualquer medida que offenda ou viole a constituição e as leis do Estado.

Nenhum fardão de membro supremo ou subalterno do poder execultivo reveste aos cidadãos chamados para semelhantes posições de autoridade dietatorial e despótica, nem são ellas tão permanentes nos mesmos cidadãos, que mais tarde terão de despi-los, tornando a confundir-se na massa commum dos mais concidadãos.

Não há razão, portanto, para que um ministro de estado, ou um presidente de província, que deixára a profissão de typographo para ser accommodado em uma secretaria de estado, e depois elevado a presidente de província, tranque em sua cabeça as leis do Estado, e julgando-se senhor e superior ao pobre povo que o supporta pacientemente, pratique toda a sorte de arbítrio e violação de, por capricho ou vaidade da alta posição que occupa.

O facto, porém, é que na província das Alagoas o seu presidente calculadamente sustendado pelo ministro da guerra, tem-se constituído o senhor poderoso da infeliz província, algoz de tantas infelizes que pranteão a separação forçada de seus maridos que lhes davao o pão, e protector decidido dos proletários que são acobertados pelas longas capas de sua camarilha.

Não foi somente victima o infeliz Henrique Manoel de Lima, pardo, casado, maior de cincoenta annos, que illegal e violentamente foi remettido para o sul, a dezenas de outros cidadãos o presidente da província lavrou escriptura de divorcio, arrancando-os do seio de suas mulheres e filhos, que lá ficarão mendigando o pão para não morrer á fome, afim de ser satisfeito o capricho do presidente da província, e o apparato da remessa de numeroso contingente para a guerra; entretanto que continuão a permanecer alli os que estavão nas condições de seguirem para a campanha, mas que são protegidos pelas influencias da camarilha do presidente, que tem seus fins especiaes no próximo fazimento de deputados á assembléia geral

Na ultima expedição desembarcada hontem das Alagoas vierão, além de outros cidadãos incapazes e isentos do serviço de guerra, os que são abaixo relacionados.

Não são portanto, calumniosos os factos apresentados, e em tempo serão produzidas e comprovadas ainda as accusações de que torna-se merecedor esse presidente de província.

Mas o capricho não se manifesta somente na violência praticada contra o pobre pai de família, que não presta-se a mostrar-se servil ás influencias da camarilha, manifesta-se ainda quando o infeliz lembrando-se de que não é escravo, diz-lhe: - Senhor, eu tenho motivos legues de isenção, e vós sois obrigado a respeitar a lei que me protege. – Então o infeliz é recommendado ao ministro, que sustenta o seu agente, e não há recurso; os documentos que motivão a isenção são inutilizados, as suas petições não tem despacho, são mal recebidos os que se apresentão por qual motivo de moralidade a fazerem valer o seu direito, as ordens de embarque são dadas com maior atropello, a fim de desapparecerem para o infeliz os recursos que as leis lhe concebem.

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É este infelizmente o modo por que a província das Alagoas vê os seus filhos sacrificados no capricho de um governo incapaz e arbitrário.

É esta a sorte dos que não merecem as graças dos homens do governo.

É esta a condição do cidadão constituído livre neste paiz pelas leis do Estado, mas reduzido á condição de escravo pelos agentes de poder.

A província das Alagoas não quer, nem poder esquivar-se à contribuição necessária de soldados para a guerra; não está em seus brios deixar de participar da obra final da victoria na guerra que levamos com tanto empenho, ainda que as centenas de seus filhos que lá estão sejão enterrados em roda do pendão auri-verde, mas não póde deixar de bradar contra a violência que está sofrendo nos direitos que lhe são mais sagrados, contra a falta de garantias que encontra o fraco perante a audácia caprichosa e pertinaz do seu administrador, surdo a toda e qualquer reclamação por mais legal que seja, activão e enérgico na pratica de abuso e violências, e cego para a vida econômica da província.

Não importa que o poder supremo seja indifferente ao nosso reclamo; é nossa obrigação fazê-lo soar bem alto para que um dia não seja o nosso silencio condenado como fraqueza e complicidade estúpida com o poder que autorisa e sustenta semelhente situação. O certo, porém, é que a oppresão violenta e caprichosa que soffre presentemente a província das Alagoas, as queixas e reclamações continuadas que têm subido até os poderes supremos, e que voltão sem serem attendidos, vão encrosando a torrente caudalosa que se forma e que está represada pela ignorância e falta de animo de tantos pacientes, mas que um dia o desespero faria rebentar e correr formidavelmente.

Relação dos cidadãos supramencionados que fazem parte do continente remettido pelo presidente das Alagoas no Vapor Tocantins.

João Francisco dos Santos, casado, com três filhos, mulher em estado de gravidez, mãi, irmã e sobrinha a seu cargo.

Pedro Corrêa, casado, com dous filhos e mulher em estado de gravidez.

José Rodrigues dos Santos, casado, com três filhos, mãi cega e uma irmã aleijada a seu cargo.

João Felix do Nacimento, casado, com 2 filhos menores. José Rodrigues de Mello, casado com 11 filhos. Saturnino Gomes de Oliveira, casado, com 6 filhos e

mulher cega. Marcellino Marques da Costa, casado, com 3 filhos. Rozendo José de Almeida, casado, com 1 filho, mãi idosa e

irmã viúva a seu cargo. João Gomes Damasceno, casado, com 2 filhos, dos quais

um é cego. Arnaldo José Ferreira, casado, com 5 filhos.

G. P. P.

Côrte, 12 de janeiro de 186763”.

63 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 46, n.14. Biblioteca Pública do Paraná. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 43.

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Indiscutivelmente os pobres eram os potenciais recrutas. Mais precisamente os

pobres indesejáveis, quer dizer, migrantes, mendigos, vadios, enfim, todo aquele que não

gozava de algum tipo de proteção. Merece menção especial esta fonte sobre Alagoas, pois

nas publicações A-Pedidos o assunto é recorrente, fornecendo um panorama da tensão

político-eleitoral que se passava nas províncias devido o recrutamento. O presidente da

província de Alagoas, Sr. José Martins Pereira de Alencastre, é constantemente retratado

como um opressor nos A-Pedidos, normalmente assinados pelo Dr. Mello Moraes. O

acusador obviamente é da oposição, ficando a defesa do presidente da província a cargo de

artigos da situação, que a cada semana intercala réplica, tréplica, em A-Pedidos

intermináveis. Daí que obtém-se a informação que Sr. Alencastre foi presidente da

província de Goiás, trabalhou no ofício de tipógrafo durante a mocidade, e é acusado de

constantes abusos e violação de direitos no recrutamento. A situação, por sua vez, alega

que a oposição não apresenta provas, tendo a finalidade de denegrir a imagem do Sr.

Alencastre visto as eleições estarem próximas, além de o censurarem simplesmente por Sr.

Alencastre ter sido tipógrafo. Foram vinte meses de confronto na imprensa, mostrando

indícios do que se passava no cotidiano. Além do Dr. Mello de Moraes, outro autor lhe era

solidário nas críticas, alguém que assinava com o pseudônimo de G. P. P.

Evidente que o acirramento das detrações ocasionou represarias das autoridades sob

ordens do Sr. Alencastre. Ironicamente uma tipografia em Maceió foi invadida pelo

delegado de polícia. Era onde se publicava um periódico local denunciado o presidente da

província. O tipógrafo foi preso, causando um novo A-Pedido escrito veementemente pelo

Dr. Mello Moraes e publicado em 23 de março de 1867 no Jornal do Commercio. O

desenrolar do embate foi até o fim da permanência do Sr. Alencastre no cargo. Houve

muitas acusações, reviravoltas, com artigos que causaram alvoroço nos conterrâneos

alagoanos que viviam na Corte.

No mesmo dia da publicação assinada por G. P. P., 14 de janeiro de 1867, o Dr.

Mello Moraes também escreveu endossando as opressões;

Publicação A Pedido

O ultimo contingente das Alagoas

“O modo por que se obtêm hoje os voluntários para o Exercito no Paraguay, não é como no princípio, quando o povo julgou que com elle se praticava de boa fé. Hoje é por meio da violência, e pelos que a tyrannia e barbaridade aconselhão, como ouvi ontem da própria boca dos míseros pais de família, arrancados violentamente do seio de suas mulheres e filhos e na sua própria lavoura, e mesmo nos transportes do seu trabalho!

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No ultimo contingente que alli está no convento de Santo Antonio (onde todos podem ir indagar dos factos), mandados das Alagoas, raro é o voluntário que não seja casado, e não pranteie a sua infelicidade pela maneira com que foi violentado, e o modo por que foi conduzido para o transporte do governo, como sejam os recrutados (voluntarios) José Rodrigues, lavrador de Mucury, casado com onze filhos; Francisco Lopes da Silva, com mais de 50 annos, casado e com vários filhos, cuja mãos callosas pelo trabalho não lhe valérão, porque foi preso mesmo no acto de colher seus algodões, e isto a dentes de cães, e depois de amarrado com cordas como se fôra uma hyena, foi conduzido para Maceió, deixando os seus productos no campo ao desamparo sua lastimosa família; Rozendo José de Almeida, casado, com filhos, tento consigo mãi aleijada e irmã viúva com três innocentes filhinhos; Amaro José Ferreira, casado, com cinco filhos, que em viagem para o Rio de S. Francisco com o seu negocio foi recrutado, deixando na estrada ao abandono o seu animal e os generos; o menor Leocardio Gomes do Nascimento, filho único da viúva Josepha, que ahi está com seu filho, cujo mancebo quasi que o enfocá-rão no acto da prisão e assim outros que se pode ouvir a história. E ainda bem no mesmo contingente veio o tenente José Canuto Valentim (recrutado ou designado), viuvo com 47 annos, 30 de serviços, com seis filhos menores, além de três que cedeu para o exercito, tendo feito em bem da ordem pública a campanha de 1848 em Pernambuco e no contingente passado foram designados ou recrutados, o capitão Francisco Xavier Guedes, o alferes Miguel Trigoso de Bulhões, e outros que poderei enumerar. E no entanto se illude o bom senso do publico (mas não o daquelles que mais tarde levarão á posteridade os erros e os abusos, mesmo as fraudes em toda a sua hediondez) com números de voluntários, e com as despezas que com elles se fazem! No meio desta pobre gente laboriosa e honesta, e isenta pela constituição e pelas leis do recrutamento, vêm alguns aleijados, estropeados, rendidos e mesmo obstruídos pelo rústico da vida dos campos, impróprios para a guerra, que de nada mais serve que de fazer numero e de se consumir os dinheiros do Estado, em clamorosa desgraça de tantas famílias que, alli como em outras partes, ficarão orphãs, ao desamparo e na miséria. Tudo isto de nada vale se não se sente os gemidos da humanidade, e onde o império das leis é constituído pelo do arbítrio e pelo da corrupção.

Dr. Mello Moraes.

Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 186764”.

Meios de recrutamento que indicam muito da realidade na época. Voluntários que

nada tem da idealização da historiografia memorialista, muito menos da concepção

voluntário; alguém “que procede espontaneamente, que deriva da vontade própria, em que

não há coação, aquele que se alista espontaneamente no Exército, aquele que se apresenta

64 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 46, n.14. Biblioteca Pública do Paraná. Divisão de

Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 43.

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para realizar algum ato perigoso65”. Pais de família, homens casados, lavradores, veteranos

de guerra. Todos caçados por cães e se necessário amarrados com cordas. Pessoas que

surpreendem por terem deixado eco de suas lamurias através do Dr. Mello Moraes.

Categoricamente para os pobres e livres a condição de recruta era uma realidade

aplicada por serem homens comuns, aqueles sem proteção dos chefes políticos locais.

Muitos soldados jamais retornavam para o lar, eram enterrados em covas coletivas no

cenário de guerra. Ademais, aqueles que retornavam constantemente apresentavam

mutilações físicas ou mentais; cegos, aleijados, alienados. Portanto ninguém,

voluntariamente, passado o primeiro ano de conflito e com a morosidade da guerra, podia

querer viver longe da família sofrendo castigos físicos e psicológicos.

Em um extrato do Jornal do Commercio aparece a real concepção das autoridades

sobre os recrutados. Na pretensão de se defenderam e inocentarem o presidente da

província, alegam que guardas nacionais casados podem ser designados para a guerra

quando não há outros guardas que os substituem. O fato de ter 30 anos de serviços, e ter

servido em combates vinte anos antes é relegado, caso do tenente José Canuto Valentim, de

47 anos, que serviu na campanha de 1848 em Pernambuco. Enfim, todos os meios valem e

todos servem, pois o cenário é de guerra. Fica registrado que os indivíduos recrutados são

inúteis à família e à sociedade, vagabundos, desordeiros. Isto endossa as expressões nos

relatórios ministeriais da Armada, conforme citado pelo historiador Jorge Prata de Souza

(Op. Cit., p.73): população nociva, ralé, libertos, gente viciosa. É lamentável somente que

o A-Pedido não foi assinado nominalmente, para sabermos o autor de tal perola no Jornal

do Commercio, publicado em 15 de janeiro de 1867, no Rio de Janeiro;

Publicação A Pedido

O recrutamento em Alagoas

“Cumpre não confundir, pois, os recrutas com os guardas nacionaes. Por outro lado a circunstância do casamento não é escusa legitima para o próprio recruta, se não no caso de cohabitar com sua mulher, e não prevalece quando elle é vagabundo, desordeiro, etc. Esta é a pratica admittida no recrutamento em todas as províncias. Segundo as informações que possuímos, alguns dos indivíduos que se dizem casado apenas são nominalmente. A autoridade recrutou-os, porque eram indivíduos inúteis á suas famílias e á sociedade. Taes são as informações que possuímos, e mais tarde produziremos documentos que as hão de comprovar. Os autores das publicações contra o activo, intelligente e

65 KURY, Adriano da Gama. Minidicionário Gama Kury da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora FTD,

2001, p.830.

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zeloso cidadão que preside á província de Alagoas podem ser sinceros nas suas reclamações; mais o modo como se exprime, o calor com que fazem, o recuso á imprensa antes de ser interpôrem os seus bons officios perante o digno Sr. Ministro de guerra, revelão claramente um plano, que já descobrimos: - nas vésperas da eleições querem tornar odioso o presidente de Alagoas ...66”

66 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 46, n. 15. Biblioteca Pública do Paraná. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 43.

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2.2 - Os presos

O ano de 1867 serviu para desvanecer as esperanças de guerra curta, os paraguaios

resistiam, as complicações no front cada vez mais pioravam. Expulsos os paraguaios do

Rio Grande do Sul, tarefa relativamente fácil, veio a etapa de enfrentá-los em seu próprio

território. Multiplicavam-se as deficiências quanto a orientação tática e ao planejamento

estratégico, prevalecia o improviso dos comandantes, que se dividiam entre os oficiais

“que não haviam cursado a Escola Militar e aqueles que, por terem se socializado através

da educação profissionalizante, encaravam a carreira das armas como um ofício ligado ao

conhecimento técnico e a hierarquias de competência67”. Somente após a nomeação de

Luis Alves de Lima e Silva, Marques de Caxias, para o cargo de Comandante em Chefe de

todas as Forças Brasileiras em Operação contra o Governo do Paraguai, em 10 de outubro

de 1866, houve melhora nos aspectos organizacionais e logísticos. Ainda assim o frio e a

falta de aclimatação matavam mais do que o inimigo paraguaio, além das epidemias no

Exército que vieram desde os combates contra as tropas paraguaias no Mato Grosso.

Não bastava o alistamento compulsório, era mister empenhar todos aqueles

que estivessem disponíveis. O Governo Imperial fez uso do Artigo 101, parágrafo 8º,

expresso no Título 5º, Capítulo I, da Constituição Política do Império do Brasil (25 de

março de 1824), na qual outorga ao Imperador a prerrogativa de exercer o Poder

Moderador; “Poder Moderador é a chave de toda a organização Política, e é delegado

privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro

Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência,

equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos68”.

O parágrafo em questão da Constituição do Império, parágrafo III, lhe concede

poderes “perdoando, e moderando as penas impostas e os Réos condemnados por

Sentença69”.

Portanto na Guerra do Paraguai não foi a primeira vez que se usou o expediente de

usar presos no front. Surgiram por todas as províncias presos pretensamente clamando por

uma vaga nas fileiras militares. Foi o caso do Batalhão de Infantaria designado

numericamente 31º Corpo de Voluntários da Pátria embarcado em 10 de julho de 1865, no

Cais Pharoux na Corte, onde subiu a bordo do vapor Cruzeiro do Sul, partindo para a

cidade de Rio Grande. No contingente muitos “recrutados na Casa de Detenção, os

67 CUNHA, Marco Antonio – Op. Cit., p.79. 68 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm Acessado em 29/03/2010. 69 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm Acessado em 29/03/2010.

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capoeiras, os mesmos arruaceiros que povoavam a crônica policial do Rio de Janeiro e

tanto temor espalhavam pelas ruas da cidade, tais como: Antonio José de Azevedo, mais

conhecido pela alcunha de Pinta-Preta da Lapa, Manoel Maria Trindade, o Manduca

Tambor, e José da Silva Balão70”.

Havia alguns critérios no alistamento de transgressores, como vetar a entrada

daqueles que atentaram contra a vida de algum parente ou alguém a quem devesse respeito.

Aqueles que não tivessem cumprido um terço da condenação e não tivessem bom

comportamento, teoricamente também seria negado o alistamento voluntário para a guerra.

Na prática marginais e criminosos partiam para a frente de batalha somando número às

fileiras militares. Houve invasão em algumas cadeias para evitar tal voluntarismo. No

distrito “de Cruz do Espírito Santo, Rio Grande do Norte, o que foi descrito como um

grupo de desertores e criminosos atacou uma escolta do recrutamento e a cadeia local,

libertando todos os prisioneiros71”.

Em Fortaleza foi recebido um ofício confirmando a prerrogativa do Imperador,

onde se dizia “perdoar os réus que estão cumprindo na cadeia da Capital do Ceará, desde

que eles se ofereçam voluntariamente para o conflito paraguaio72”. Meu objeto de pesquisa

também oferece vestígios daqueles tempos, onde se percebe que o autor do A-Pedido, um

anônimo, empregou seu talento lingüístico para comover o Imperador da disposição nos

condenados de servirem a Nação. Conforme publicado no Jornal do Commercio em 12 de

maio de 1868, tal artigo provém da própria instituição imperial, a detenção da corte;

Publicação A Pedido

A S. M. Imperial.

“Senhor! A’ soberana clemência e a alta misericórdia de V. M. recorrem 100 infelizes presos, vindos da província de Minas-Geraes, onde forão condennados pelo jury a diferentes penas. A crise actual, senhor, por que hoje atravessa a mãi patria exige o sacrifício do sangue de seus filhos. Os infelizes supplicantes, senhor, tendo já muitos delles pertencido à heroica carreira das armas, e por cedo de uma vez, no clamor do clarim das batalhas cruzado o ferro com o do inimigo na arena do combate; hoje, porém, gemendo sob o peso da mais cruel sevicia, e carregados de ferros, únicos louros que lhes deparou a sorte, para em cuja sombra descansarem das fadigas lides, vêm prostrados ás régias plantas de V. M. Imperial, impetrar a suprema graça de,

70 CUNHA, Marco Antonio – Op. Cit., p.78. Apud: Carlos Eugenio Líbano Soares – A Negrada Instituição: Os Capoeiras no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1994, p.259-260. 71 IZECKSOHN, Vitor – Op. Cit., p.94. Apud: Relatório Ministério Justiça, 1868:7. 72 http://www.secult.ce.gov.br/equipamentos-culturais/arquivo-publico/arquivo-publico/ Acessado em 29/13/2010 - Livro de Avisos dos diversos Ministérios. Série: ofícios recebidos. Livro nº 16. Oficio enviado em 01/06/1867. Arquivo Público do Ceará (APEC).

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mandando sobre os infelizes supplicantes os effeitos de vossa imperial munificencia, manda-los agglomerar ás fileiras do exército imperial em operações no sul do Império contra a Republica do Paraguay. Os infelizes supplicantes, senhor, por este meio, não só serão alliviados do cruel supplicio que já há muito supportão, como também porque, reunidos aos bravos irmãos em campanha, poderão ser mais úteis ao paiz, pagando-lhe um tributo de sangue, que entre as muralhas de uma prisão, onde só podem ambicionar á morte, cujas garras, talvez, sejão mais brandas que suas tão desesperadoras existencias. Eis, senhor, as humildes supplicas dos infelizes supplicantes, que sem outra estrella de esperanças no acaso de seus destinos mais que o excelso patrocinio de V. M. Imperial, vem reverentes buscar um abrigo á vasta sombra do escudo valioso de vossa purpura imperial. Attendei-lhes senhor, por vossa magnanima clemencia. Detenção da côrte, 12 de maio de 186873”.

Somente em 26 de agosto de 1869 foi decretada a Reforma do Recrutamento,

quando a convocação de novos contingentes já não exigia métodos tão arbitrários e

polêmicos. Os projetos apresentados a Câmara de Deputados, de autoria do Deputado

Silveira de Souza, não discutiram primeiramente o alistamento de presos ou escravos.

Trataram prioritariamente de legislar sobre a convocação de algumas categorias de

homens, pois os letrados e as pessoas ligadas à administração pública poderiam dispensar-

se do recrutamento. No Artigo XVII, “proibia-se o recrutamento dos libertos, dos ébrios,

dos que houvessem sido condenados à prisão por qualquer tempo, assim como indivíduos

de maus costumes incorrigíveis – os quais poderiam manchar a ilibada honradez da

instituição militar74”, quando convocados. Percebe-se que o Exército objetivava evitar

muitos daqueles que derramaram do próprio sangue no campo de batalha. O Deputado José

Bonifacio criticou a exclusão do liberto da convocação, advertindo que a Constituição do

Império facultava o direito de voto ao liberto, e que por lei podia ser convocado para a

Guarda Nacional.

Todavia a guerra estava decidida, durou tão somente mais sete meses. Restava a

Solano Lopez nada mais que táticas de guerrilha empregadas por poucos combatentes que

lhe permaneceram fiéis. O Exército podia então dispensar segmentos que lhe causavam

ojeriza. Tal concepção preconceituosa da instituição militar será apresentada no próximo

tema.

73 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 48. n 132. Biblioteca Pública do Paraná. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 47. 74 SOUZA, Jorge Prata de – Op. Cit., p.46.

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2.3 - Exército constrangido com seu contingente

Questões sociais somam-se ao fator racial. É notório o que as elites pensavam.

Segundo Lilia Schwarcz, o universo intelectual tinha seus pressupostos racistas claramente

postulados, surgindo um paradoxo de uma nação miscigenada ante a idealização racial dos

homens da ciência. As Forças Armadas do Império estavam longe do princípio da

igualdade, e convictas da concepção de “pensadores como Gobienau (1853), Le Bon

(1894), e Kid (1875) que acreditavam que as raças constituiriam fenômenos finais,

resultados imutáveis, sendo todo cruzamento por princípio entendido como um erro75”.

Conseqüentemente tal postulado via a miscigenação como sinônimo de degeneração, seja

racial como social. O conselheiro Paranhos, discursando sobre os escravos a ingressarem

nas fileiras militares, previu os seguintes inconvenientes: “ferir os preconceitos sociais, de

que não estarão inteiramente isentos os Voluntários da Pátria e Guarda Nacionais, em sua

grande maioria vendo-se obrigados a ombrear com indivíduos que ainda ontem eram

cativos, e que obtiveram a liberdade, não porque o seu caráter e costumes os tornassem

dignos dela, mas unicamente pela necessidade de reforçar o Exército76”.

Os chefes militares criticavam a presença de libertos no Exército. O Comandante

Caxias, por exemplo, reclamava que o “comportamento dos libertos causava indisciplina

na tropa, por serem homens que não compreendem o que é pátria, sociedade e família, que

se consideram ainda escravos, que apenas mudaram de senhor77”. Caxias não ponderava

em suas queixas o fato de que o negro ao ser escravizado fora tratado como bem material e

privado de cidadania.

Existe neste aspecto da questão racial um consenso seja para o Comandante Caxias

ou para a maior parte da elite intelectual, tanto os monarquistas como os republicanos, que

compartilhavam do pensamento intelectual científico;

“em face desta luta no campo ideológico entre conservadores monarquistas e progressistas republicanos, situamos também a presença da intelectualidade científica na época. Imbuídos dos princípios evolucionistas assentados sobre a desigualdade das raças, estes são extremamente pessimistas em relação ao destino do país, já que a miscigenação teria comprometido os alicerces da nação78”.

75 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Usos e abusos da mestiçagem e da raça no Brasil: uma história das teorias raciais em finais do século XIX. Afro-Asia nº. 18, 1996, p.85. 76 SOUZA, Jorge Prata de – Op. Cit., p.53. Apud: Ata do Conselho de Estado, Sessão de 5 de novembro de 1866. p.85. 77 DORATIOTO, Francisco - Op. Cit., p.274. Apud: Caxias para Muritiba. S. L. 13/12/1868, AN, códice 924. Guerra do Paraguai. Vol. 5, p. 133-140. 78 OLIVEIRA, Lucia Lippi. A Questão Nacional na Primeira República. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990, p. 187.

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O Deputado Buarque de Macedo, que discursou no projeto da Reforma do

Recrutamento em 1869, defendeu afastar o liberto das Forças Armadas, o que de fato virou

lei, e expressou a hipocrisia com que o tema era tratado:

“Eu sei que o liberto pode, pela nossa legislação, ocupar os primeiros cargos de eleição popular e outros: mas o fato é que os prejuízos sociais não lhe permitem que efetivamente eles cheguem até esses cargos; e quando assim acontece, é certo que o fato de haver no exército uma maior comunhão na vida dos soldados que na dos cidadãos em outras classes é motivo a meu ver justo para provocar a repugnância do alistamento dos libertos no exército79”.

As origens da formação social brasileira foram calcadas na ordem senhorial

escravocrata, não em princípios de liberdade, igualdade, segurança e bem-estar social, tão

caros a Rousseau. As duas principais províncias a contribuírem com contingentes, Rio

Grande do Sul e Bahia, tinham no front um clima evidente de preconceito. Os sulistas

recebiam mal os recrutas do Norte e Nordeste, afinal no Sul a colonização foi mais

estritamente européia, sem terem recebido tanto do tráfico transatlântico de africanos. Um

ditado popular entre os sulistas nas Forças Armadas era, “Mandai, Mãe de Deus, mais

alguns dias de Minuano para acabar com tudo que é baiano80”.

Havia também descontentamento com o desempenho militar dos escravos libertos.

O coronel José Antonio Corrêa da Câmara, responsável pela perseguição nos últimos

meses nas Cordilheiras dos Andes a Solano Lopez, escreveu uma carta a esposa em

dezembro de 1868, responsabilizando os libertos pelo fracasso da tomada das posições

defensivas paraguaias. Na opinião do coronel José Corrêa da Câmara, as posições

paraguaias teriam sido ocupadas, “se os nossos soldados não fossem os negros mais

infames deste mundo, que chegam a ter medo até do inimigo que foge, como observei na

batalha de 11 de dezembro81”.

Acrescentava ainda mais números de libertos ao contingente na guerra o fato de

escravos serem comprados para seguir no lugar de substitutos. Prática rotineira, empregada

principalmente por “guardas nacionais provenientes de famílias endinheiradas, ou então

para manter guardas em seus postos de comando nos municípios escravistas82”. Tamanha

79 SOUZA, Jorge Prata de – Op. Cit., p.46. Apud: Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 29 de maio de 1869. 80 CERQUEIRA, Dionísio Evangelista de Castro. Reminiscências da Campanha do Paraguai. 1865-1870. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980, p.72. 81 DORATIOTO, Francisco - Op. Cit., p.275. Apud: Corrêa da Câmara para Maria Rita, Lomas Valentinas, 26/12/1868, em Rinaldo Pereira da Câmara, O Marechal Câmara: sua Vida Militar. Vol. II, Porto Alegre: Editora da Livraria Globo, 1970, p.250. 82 SOUZA, Jorge Prata de – Op. Cit., p.63.

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procura por escravos fez nascer um concorrido mercado de compra e venda de cativos para

assentar praça. É o que se comprova analisando os três anúncios no Jornal do Commercio,

em uma única edição, de quarta-feira, 3 de junho de 1868.

Escravos.

“Comprão-se e pagão-se bem, sendo nas circunstâncias de poderem servir no exercito ou armada imperial, na rua da Quitanda n.º176.

A.1:800$000.

Paga-se por escravos para se libertarem, afim de se servir no exercito e armada mediante o exame do medico, negocio decidido no mesmo dia; na rua do Hospício n.83.

Libertos.

Comprão-se escravos para libertar e assentar praça, também se comprão de 12 a 35 annos para a roça, negocio decidido; para informações na rua da Alfândega n.100, sobrado83”.

Os estrangeiros desde o liminar da guerra foram descartados como soldados

substitutos, “sob alegação de que se tornaria onerosa para o Império – além de ser

arriscado confiar a defesa nacional a mãos estrangeiras84”. Quando o Governo Imperial

convocou os Corpos Destacados da Guarda Nacional e os Voluntários da Pátria, deixou

expresso que “os guardas nacionais designados para fazer parte de um Corpo Destacado

podiam dar em seu lugar um substituto, contanto que fosse brasileiro e tivesse a idade de

18 a 40 anos85”. Mas alemães e prussianos que moravam no Sul participaram ativamente

dos combates, à margem da lei. Prova inconteste da ojeriza aos libertos nas Forças

Armadas, e também da participação de estrangeiros na guerra foi o A-Pedido no Jornal do

Commercio, em 7 de abril de 1867. Neste extrato da minha fonte um anônimo, em defesa

do Ministro de Guerra, responde ao negociante de escravos sobre a presença de substitutos

estrangeiros. Trata-se de um indício documental sobre o que se pensava dos cativos e

estrangeiros no contingente. No Brasil as teorias sociais darwinistas do século XIX dão

embasamento para justificar, por meio da raça, hierarquias sociais consolidadas. Este artigo

inserido no A-Pedido em 7 de abril de 1867 demonstra vestígios das concepções raciais na

instituição militar.

83 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 48. n 154. Biblioteca Pública do Paraná. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 47. 84 SOUZA, Jorge Prata de – Op. Cit., p.65. 85 Ibidem, p.65. Apud: DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Vol. II. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1981, p.181.

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Ministério da guerra Resposta ao Sr. P. R. F. O.

“Dirigindo S. Ex. a pasta da guerra, com tino e juizo, com V. S. diz em sua machiavelica correspondência de hontem, deve ter lobrigado que o assignante é por força negociante de escravos, e que, sócio da commandita compra de escravos, quer ficar só em campo, para poder por meio do monopólio impôr o preço aos substitutos e salvar seus capitaes compromettidos.

A pilula é bem dourada, mas deixa-se enjoar pelo cheiro. A França e a Inglaterra sempre aceitárão substitutos

estrangeiros, sem tantas precauções, por isso que tantos desertão uns como outros, porque a liberdade alcançada por tal meio os iguala em circumstancias e codições de fuga; tendo todavia a vantagem os livres sobre os captivos, porque o exercito terá mais moralidade, formado por homens brancos que em entendimento e instrucção estão superiores por natureza áquelles, que sua infeliz condição embotou lhes o senso tôrnando-os machinas humanas, e mesmo porque em mais breve espaço de tempo torna-se o branco soldado, do que o liberto.

Demonstrada está a grande vantagem dos substitutos sobre os libertos; os defensores da pátria quando tenhão de hombrear com elles não se vexarão, como acontece com aquelles que lá estão. A época da emancipação ha de chegar, não se afflija V. S., que terá muito tampo de vender todos os da sociedade.

A responsabilidade é para que entre com outro para o lugar daquelle que houver desertado, sendo o fiador idôneo; não vejo nisso difficuldade, porque quem trata disso deve ser pessoa de confiança e não desses que podem da noite para o dia ausentar-se; talvez que fosse garantia para o governo serem afiançados esses agentes como são os da camara municipal.

X.”86

86 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 46. n 97. Biblioteca Pública do Paraná. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 43.

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Capítulo III

3.1 - Direito de Propriedade

Nas províncias os proprietários de escravos se rebelavam contra o arbítrio do

governo no alistamento compulsório. Levavam suas queixas às autoridades policiais pelo

recrutamento sem permissão. Somente na província do Rio de Janeiro, em 1867, houve 140

ocorrências policiais de “casos de escravos aprisionados e remetidos à corte para ser

enviados aos campos de batalha87”. Resguardando seus interesses, os proprietários

portavam documentos comprobatórios da posse dos escravos, para exigir ressarcimento ou

impedir que o cativo fosse enviado à guerra. Ignorando o direito de propriedade, em todos

os 140 casos os proprietários reclamavam do recrutamento forçado e da infração ao direito

de propriedade reconhecido por lei. Conceitualmente chama-se, “Propriedade à relação que

se estabelece entre o sujeito “A” e o objeto “X”, quando A dispõe livremente de X e esta

faculdade de A em relação a X é socialmente reconhecida como uma prerrogativa

exclusiva, cujo limite teórico é “sem vínculos” e onde “dispor de X” significa ter o direito

de decidir com respeito a X88”.

O direito de propriedade é formalmente um direito igualitário, no sentido de que,

exceção de limitações previstas em lei, todos podem ser titulares do direito, desde que

sejam rigorosamente aplicados os mecanismos legais previstos na sociedade para a

aquisição de tal direito. São várias as formas: doação, herança, compra-venda, etc. Está

intrínseco ao direito de propriedade um conjunto de modelos de comportamento

socialmente reconhecido, com reflexos variados na sociedade. O sociólogo alemão Georg

Simmel (1858-1918), destaca a função da Propriedade privada de criar uma desigualdade

crescente, apresentando-a como um dos elementos no paradoxo que existe entre liberdade

e igualdade numa sociedade. Tal concepção aplica-se notadamente ao verificarmos a

história da elite brasileira, que escolheu aspectos da ideologia liberal que se adequassem as

suas estruturas tradicionais e atendesse seus interesses.

A Propriedade deixa implícito uma “definição de poder, entendido esta como

capacidade de controlar e de impor a própria vontade89”. Consequentemente, a Propriedade

pressupõe o seu reconhecimento no campo do direito, isto é, da legitimidade. Vários são os

valores ligados a Propriedade: estabilidade, segurança, prestígio, legitimidade, poder,

privilégio, entre outros.

87 SOUZA, Jorge Prata de – Op. Cit., p.66. 88 BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. II. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008, p.1021. 89 Ibidem, p.1026.

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O Governo Imperial nem se preocupava de negar o aliciamento de escravos sem o

consentimento dos proprietários. No máximo tratava de pagar uma indenização ao

reclamante, após exigências burocráticas. O embate da propriedade privada com os

interesses do Estado conduzia a desapropriação. O Ministro Nabuco de Araujo propôs a

aplicação da lei de 9 de setembro de 1826, que amparava a medida de desapropriação.

Apesar de preferirem agir de forma mais informal, o Governo podia citar como

“precedentes as provisões de 23 de outubro de 1823 e de 10 de setembro de 1824 – quando

senhores da Bahia foram obrigados a libertar escravos, mediante indenização, para a guerra

da Independência90”.

Meu objeto de estudo contém inúmeros editoriais e A-Pedido denunciando a

violação do direito de propriedade. Eventualmente o escravo era devolvido pelos

recrutadores, e outras vezes o Governo encaminhava o cativo para o contingente e pagava

uma indenização para o reclamante. Ainda assim, os proprietários ficavam indignados com

a prática tão banalizada com que se violava o direito de propriedade. Neste extrato do

Jornal do Commercio, em uma segunda-feira, 1 de abril de 1867, percebem-se indícios dos

ardis e afrontas no contexto do recrutamento.

Publicação A-Pedido Recrutamento

“Há dias foi recrutado um preto escravo, que carregava um barril para encher d’agua no chavariz do largo do Paço. Não obstante o preto declarar que era escravo e que seu senhor morava á rua de D. Manoel, proseguião os recrutadores e official da guarda do paço a dizerem ao preto que não era escravo e que ainda sendo ficaria forro se assentasse praça, e além disso viria da guerra condecorado, como muitos já de lá tinhão vindo.

Sendo avisado o senhor do preto por uma pessoa de seu conhecimento, veio á guardo do paço exhibir o documento por onde provava a propriedade de seu escravo, e depois de algumas perguntas impertinentes foi-lhe o seu escravo entregue.

Narramos o facto sem commentarios; mas considerem os recrutadores nas terríveis conseqüências do seu novo systema de recrutamento. Reparem na segurança da propriedade, aliás adeos Brazil.

V. S.91”

No A-Pedido de sexta-feira, 10 de julho de 1868, é ainda maior a fúria do

proprietário de escravo por não ter sido indenizado, isto mais de quatro meses depois do

cativo ter sido enviado para o front. O reclamante alegava ter apresentado documentos que 90 SOUZA, Jorge Prata de – Op. Cit., p.68. Apud: Atas do Conselho de Estado. Vol. IV. Ata de 5 de novembro de 1866. p.83. 91 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 46. n 91. Biblioteca Pública do Paraná. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 43.

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comprovavam a identidade do escravo, um fugitivo há mais de três anos, e atesta o direito

de propriedade. Todavia ainda não teve seu pedido deferido. Note-se que o recrutamento

deu-se em Minas Gerais e o reclamante foi até o Rio de Janeiro requerer seu ressarcimento.

A-Pedido A S. Ex. o Sr. Ministro da guerra.

“Raymundo, escravo de Misael Ferreira de Paiva, foi recrutado na província de Minas- Geraes e remettido para esta corte, onde lhe verificárão praça no exercito sob o falso nome de Benedicto Antonio Gonçalves (nome este que se suppõe ter dito ser o seu, por se achar fugido do poder de seu senhor a mais de três annos), e seguio para o sul a reunir-se ao nosso exército em operações no Paraguay, por ordem superior, isto há mais de quatro meses. Seu senhor requereu competentemente a S. Ex.., afim de ser indemnisado do valor do mesmo escravo, como se tem feito a outros mais felizes breves dias; juntou ao requerimento documentos que satisfactoriamente não só provão o direito de propriedade, como tambem a identidade do escravo em questão, e até hoje não tem tido semelhante negocio solução alguma favoravel, em detrimento dos interesses do mesmo.

Pede-se a S. Ex. que, por mais um acto de sua reconhecida justiça, se digne ordenar seja Paiva indemnisado, como requereu, e a outros se tem concedido.

Justiça!! Rio de Janeiro, 9 de julho de 186892”.

92 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 48. n 191. Biblioteca Pública do Paraná. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 47.

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3.2 - Violência e conflito social

A violência é uma constante em todos os extratos do meu objeto de pesquisa e

elemento implícito no contexto da guerra com alistamento compulsório. A intervenção

física tem por finalidade coagir as pessoas e destruir qualquer resistência. Esta coerção

também significa uma forma de manipulação, na medida em que o Governo Imperial

exerce o poder obrigando os pobres, escravos, libertos e negros livres, a prestarem serviço

militar contra sua vontade, empregando os métodos que forem necessários. Surge então

uma dupla violência: a física e aquela que contraria a vontade do recruta. No uso do poder

político o Governo Imperial, “utiliza tipicamente, com continuidade e de maneira

tendencialmente exclusiva, a Violência através de um ou mais aparelhos especializados (a

Polícia, o Exército), que dispõem de maneira preponderante em relação a todos os outros

grupos internos da comunidade de homens e de meios materiais para usá-la93”.

O Governo Imperial chamou para si o poder dos usos legítimos da violência,

regulamentando-a e detendo o monopólio da mesma. Os proprietários de escravos tiveram

interferência também nos meios de empregar a violência, pois antes havia os milicianos

que zelavam pelos interesses do chefe político local, além de uma maior ou menor

tolerância legal, na qual o proprietário podia usar o exercício do poder coercitivo sobre o

cativo. Este poder coercitivo do proprietário atingia as condutas transgressoras dos

escravos e as castiga com violência, cuja variável é preestabelecida e medida conforme a

gravidade da desobediência.

O contexto de falta de recrutas durante a guerra exigiu do Governo Imperial o uso

da violência para impor sua própria vontade. Tal desdobramento pode ser entendido devido

o conflito violento no Paraguai, onde as batalhas intermináveis prolongaram a guerra muito

acima das expectativas brasileiras, o que exigiu uma diferenciação de tarefas, além da

subordinação dos diferentes segmentos da sociedade a um único centro de comando, o

Governo Imperial do Brasil, e o Exército no front de operações. Quanto mais tempo durava

o conflito maior foi a coesão necessária entre o Exército e o Governo, afinal cabia ao

Governo providenciar os contingentes. Dois fatores são distintos na Guerra do Paraguai: a

longa duração da guerra, quase seis anos, e intensidade de violência do conflito. No último

ano de combates restavam velhos, crianças e moribundos como soldados paraguaios. Tal

cenário culminou no desgaste de D. Pedro II, concomitantemente a uma gradativa

profissionalização e proeminência do Exército. Os editoriais e A-Pedidos no Jornal do

93 BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco – Op. Cit., p.1293.

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Commercio denunciando a precariedade das finanças do Império e prejuízo com a

continuidade da guerra eram constantes, conforme se nota ainda no início de 1868, dia 22

de janeiro, “A Guerra e as Finanças”. O jornal Opinião Liberal contestava o discurso do

Governo exortando patriotismo para limpar a honra ultrajada com a invasão de Solano

Lopez ao Rio Grande. O periódico afirmava que “a honra que se entrega aos cuidados de

galés e pretos minas não é honra, é uma mentira!94”.

Não havia um padrão definido para a eclosão da violência. Podia ser desde

episódios expressando a aversão individual ao recrutamento, como resistência opondo

vizinhos, divididos por posições partidárias, o Partido Liberal e o Partido Conservador. Ou

seja, enquanto alguns tentavam executar as ordens do governo, outros resistiam a elas.

Frequentemente a violência unia toda a comunidade contra os recrutadores. Sucediam-se

então ocasiões de rebeliões, como exposto no tópico “Deserções de recrutas e revoltas

populares”, neste estudo historiográfico.

O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588 – 1679) via o Estado e seus meios

coercitivos como única forma de controlar a discórdia social e construir um pacto social.

No que se trata ao aspecto da natureza sociológica, Georg Simmel, sociólogo alemão,

“compreende que o conflito é projetado para resolver os dualismos divergentes, é uma

maneira de conseguir algum tipo de unidade, mesmo se for pela aniquilação dos

opostos95”. A intenção do conflito é produzir coesão social, obrigando as pessoas a se

unirem em grupos e em seus objetivos comuns. O recrutamento estabeleceu grupos sociais

definidos e hierarquizados: Governo, Exército, Guarda Nacional, proprietários, agregados

e por último, os pobres sem vínculos algum de proteção. Tal clareza produziu e reproduziu

a identidade do grupo e suas diferenças sobre outros grupos. Conforme Simmel, apenas a

exclusão de um grupo nas relações poderia ser nefasta. Há aspectos positivos, mesmo em

um relacionamento conflituoso, pois os grupos integram a dinâmica de uma participação

mútua mesmo sendo diante do dissenso.

A concepção de violência não é a mesma de conflito social na sociologia, pois a

violência provém de diversos elementos políticos, culturais, econômicos e sociais, atuando

sobre o sujeito rebaixando-o moralmente. Entretanto a violência vista como desequilíbrio

na ordem social, de não reconhecimento mútuo e negação do outro, permite distinguir a

concepção de Simmel, de violência tida como um processo entre meios e fins. Segundo

94 DORATIOTO, Francisco - Op. Cit., p.275. Apud: Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 28/02/1868. em Nelson Werneck Sodré. Panorama do Segundo Império. Rio de Janeiro: Editora Grafhia, 1998, p.232. 95 CARVALHO, Giane Alves. Conflito, violência e tragédia da cultura moderna: reflexões à luz de Georg Simmel. Revista Brasileira de Segurança Pública. São Paulo: Editora Bartira, Ano 1 . Edição 2, 2007, p.152.

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Simmel o conflito social somente será conflito quando corresponder à socialização e a ação

recíproca entre os grupos sociais, caso contrário entende-se que o conflito deixa de ser

conflito e cede lugar às mais diversas formas de violência.

O recrutamento arbitrário de pobres pelo Governo visava socializar os

marginalizados integrando-os ao Exército conforme interesses imperiais. O conflito social

culminou na violência a partir do momento que fatores políticos, culturais, econômicos e

sociais prevaleceram. A população não atendia mais os conclames de bravura e patriotismo

como no início da guerra, além do alistamento progredir para proporções jamais feitas até

então, o que exigiu o emprego de intervenção física coercitiva.

Este extrato da minha fonte apresenta uma resistência individual ao recrutamento,

um episódio no qual um grupo resistia a ordens do governo, e sofreu violência por parte de

milicianos subordinados ao Governo. A dubiedade da situação realça as múltiplas facetas

de um conflito que termina em violência. A prepotência das autoridades frente um

segmento despossuído de cidadania (escravos) explica inclusive a impunidade denunciada

no Jornal do Commercio, em uma segunda-feira, 18 de março de 1867.

Publicação A Pedido Novo desacato praticado pela policia de S. João da Barra. “Na noite de 4 do corrente, das 8 para as 9 horas, foi a casa do advogado Luiz Gomes Moreira e Souza assaltada pelos caceteiros, os quães atacarão-a a principio a pedradas, e depois acommeterão, os pretos de uma musica de barbeiros os espalharão e cacetárão alguns, quebrando igualmente os lampeões do dito advogado. Este novo e barbaro attentado foi praticado á vista de mais de doze pessoas por João Martins da Silva Coutinho, pratico-mor da barra, Fernando Martins da Silva Coutinho, sota-patrão da barra, Justino Martins da Silva Coutinho, João Ennes Vianna, Zacarias (vulgo João Pequeno), capanga da policia, Salvador Gomes Carneiro, idem, Virissimo Miguel da Costa, idem, João Gonçalves Vianna, porteiro da camara municipal e capanga da policia, Florindo José Antonio de Souza, inspector de quarteirão e capanga da policia. Estavão presentes no grupo dos caceteiros e dirigindo-os Elias dos Santos Barreto, subdelegado e juiz de paz de S. Francisco de Paula e outros, que até agora não forão descobertos por estarem com roupas mudadas e as caras pintadas, para não serem reconhecidos. O motivo que deu lugar a este crime, foi o seguinte: Benedicto, crioulo, escravo que foi de Manoel Gomes Pereira, requereu a sua manutenção, pretextando que seus ex-senhores Fernando Martins da Silva Coutinho (genro) e D. Rachel de tal pretenderão rasgar ou rasgarão sua carta condicional de liberdade. Foi depositado e nomeado o respectivo curador para tratar da ação respectiva. D. Rachel & Genro declarão em juízo desistirem do direito que tinhão no preto Benedicto e offerecem a favor do

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Estado para a guerra do Paraguay esses serviços. Foi preso pelo subdelegado substituído e remettido ao Exm. Chefe de policia o preto Benedicto, sem que aquelle attendesse ás justas reclamações do depositario e curador do preto. O Exm. Sr. Chefe de policia attendeu á reclamação do curador, por uma precatória, e o remetteu o juízo municipal deste termo, chegando o preto no vapor de hontem. O advogado Luiz Gomes, que promovia a questão a favor do preto, depois que este chegou, principiou a atirar foguetes ao ar. As oito horas da noite chegou à porta delle a musica de barbeiros, e na occasião em que o mesmo advogado prorrompia os vivas a S. M. o Imperador e ao Exm. Chefe de policia, foi quando os caceteiros invadirão-lhe a casa! quebrarão-lhe os lampeões! e cacetarão os músicos!!!

Este facto é real, e seria conveniente que o Exm. Sr. Chefe de policia viesse a S. João da Barra para averiguar o estado anormal e annarchico em que se acha este pobre paiz. Cumprindo notar que logo apoz o acontecimento se apresentou o delegado de policia e não prendeu os criminosos, nem ao menos syndicou do facto96”.

96 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro. Anno 46. n 77. Biblioteca Pública do Paraná. Divisão de Documentação Paranaense. Gaveta 39, Microfilme nº 43.

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Conclusão

A exposição da pesquisa teve por finalidade trazer à tona vestígios de um contexto

cuja historiografia memorialista fez questão de ignorar. Historiadores e cronistas,

principalmente militares, idealizaram a guerra apresentando-a como ato de abnegação e

heroísmo que solidificava a unidade da instituição, Exército, por sua vez responsável pelo

surgimento da República. Os dados empíricos apontam que a realidade diverge do idílio. A

produção historiográfica brasileira seguia os ditames de uma homogeneização da visão de

Brasil no interior das elites brasileiras. Àqueles que couberam escrever a história do

conflito, os militares e órgãos como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, adotaram

uma postura priorizando o “esclarecimento, em primeiro lugar, daqueles que ocupam o

topo da pirâmide social, que por sua vez encarregar-se-ão do esclarecimento do resto da

sociedade97”, no que concerne pensar a Nação no espaço brasileiro. Ao elaborar a Nação

brasileira “enquanto representante da idéia de civilização no Novo Mundo, esta mesma

historiografia estará definindo aqueles que internamente ficarão excluídos deste projeto por

não serem portadores da noção de civilização: índios e negros98”.

Conforme mencionado, o historiador Jorge Prata de Souza elencou inúmeras

dificuldades no recrutamento: deserções, recusa das autoridades subalternas para cumprir a

ordem superior, desentendimentos entre os próprios recrutadores, preocupação quanto à

força policial indispensável para manter o regime escravista, recrutamento de libertos ou

estrangeiros como substitutos da Guarda Nacional. As formas de resistências ao

recrutamento incluíam sabotagens, conforme Izecksohn, que partia de pessoas importantes

na sociedade, fossem padres, fazendeiros, juízes de paz. Tratava de preservar a rede de

relações pessoais, ou seja, libertar agregados, parentes e conhecidos encarcerados para

serem enviados ao front, que devido à lealdade seriam muito mais importantes na

localidade do que no cenário da guerra.

Tratei nesta pesquisa de selecionar fontes que nortearam minhas premissas,

indicando ações que pressupunha concepções sociais. O resultado da seleção dos

documentos teve origem em indagações formuladas contestando a historiografia oficial.

Empreguei nisto empenho para adquirir conhecimento sobre o tema, para desmentir ou

verificar hipóteses a respeito, construindo um quadro coerente, composto de uma ampla

variedade de informações fragmentadas. De fato, segui o conselho de Hobsbawm,

97 GUIMARAES, Manoel Luís Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n 01, 1988, p.06. 98 Ibidem, p.07.

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construindo um quebra-cabeças e formulando como tais informações deveriam se encaixar.

Não usei apenas conhecimento e imaginação, porque o que precisava, “construir ou

reconstruir, teoricamente falando, é um sistema de comportamento ou pensamento

coerente, de preferência consistente – e um sistema que possa ser, em certos sentidos,

inferido uma vez que conheçamos as premissas, parâmetros e tarefas básicos da situação,

mas antes que saibamos muito sobre essa situação99”.

É verdade que a mobilização da sociedade envolveu brasileiros de todas as origens,

muitos movidos por dois sentimentos nacionais: honra e pátria. Também confere o fato de

se criar no cotidiano do campo de batalha um sentimento de inclusão entre os segmentos

marginais, tendo muitos realizados atos de bravura e sacrificaram a própria vida na Guerra

do Paraguai. Exemplo disto foi o Corpo de Zuavos Baianos, composto unicamente de

negros. As três Companhias de Zuavos embarcaram para luta ainda em 1865, sob o

comando de oficiais negros. O 3º Companhia de Zuavos integrava o 24º Corpo de

Voluntários da Pátria, e em setembro de 1866 o efetivo desgastado havia sofrido perdas em

Tuiuti, Punta Naró e Islã Carapá, tendo seus sobreviventes colocados à disposição de

outras Unidades. Aliás, todas as três tropas de Zuavos da Bahia e uma de Pernambuco,

“mantiveram suas características (uniformes) e denominações específicas por pouco

tempo, porque logo foram enquadradas e uniformizadas como os outros Corpos de

Voluntários da Pátria100”.

Portanto não era praxe no contexto do recrutamento mobilizações patrióticas como

do Zuavos, mas sim resistências individuais e de grupos marginalizados ao recrutamento,

rixas por posições partidárias, etc. Diversos elementos políticos, culturais, econômicos e

sociais, atuaram sobre a sociedade produzindo uma constante violência. A cidadania na

época consistia num grupo seleto, os escravos na faziam parte, pois não tinham poder sobre

si mesmos, pertenciam ao senhor. Os pobres brasileiros, seja libertos, negros livres, ou

qualquer que fosse a cor da pele, desfrutavam de uma cidadania incompleta (não votavam),

em que a relação de compadrio com o chefe político local era decisiva. Num Estado

paternalista como o Governo Imperial, em que a política autoritária é exercida pelas elites

com assistencialismo em favor do povo, mas excluindo sua participação, o povo tinha

noção dos seus direitos e os deveres do Estado. A resistência popular contra o recrutamento

culminou em revoltas que serviram para demonstrar a insatisfação em terem sua vida

particular violada. Estes e outros aspectos serviram de mote a esta pesquisa.

99 HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2005, p.226. 100 CUNHA, Marco Antonio – Op. Cit., p.76.

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