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Governo Federal Luiz Inácio Lula da Silva Presidente Ministério da Educação Fernando Haddad Ministro Secretaria de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Secretário Diretor do Departamento de Políticas em Educação a Distância Hélio Chaves Filho CAPES Jorge Almeida Guimarães Presidente Diretor de Educação a Distância Celso Costa Diretor de Educação Básica João Carlos Teatini Governo do Estado José Targino Maranhão Governador UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA Marlene Alves Sousa Luna Reitora Aldo Bezerra Maciel Vice-Reitor Pró-Reitora de Ensino de Graduação Eliana Maia Vieira Coordenação Institucional de Programas Especiais – CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEAD Eliane de Moura Silva Cecília Queiroz Assessora de EAD

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Governo FederalLuiz Inácio Lula da Silva

Presidente

Ministério da EducaçãoFernando Haddad

Ministro

Secretaria de Educação a DistânciaCarlos Eduardo Bielschowsky

Secretário

Diretor do Departamento de Políticas em Educação a DistânciaHélio Chaves Filho

CAPESJorge Almeida Guimarães

Presidente

Diretor de Educação a DistânciaCelso Costa

Diretor de Educação BásicaJoão Carlos Teatini

Governo do EstadoJosé Targino Maranhão

Governador

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Aldo Bezerra Macielvice-reitor

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Coordenação institucional de Programas Especiais – CiPESecretaria de Educação a Distância – SEAD

Eliane de Moura Silva

Cecília QueirozAssessora de EAD

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB

EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBARua Baraúnas, 351 - Bodocongó - Bairro Universitário - Campina Grande-PB - CEP 58429-500

Fone/Fax: (83) 3315-3381 - http://eduepb.uepb.edu.br - email: [email protected]

Editora da Universidade Estadual da Paraíba

DiretorCidoval Morais de Sousa

Coordenação de EditoraçãoArão de Azevedo Souza

Conselho EditorialCélia Marques Teles - UFBADilma Maria Brito Melo Trovão - UEPBDjane de Fátima Oliveira - UEPBGesinaldo Ataíde Cândido - UFCGJoviana Quintes Avanci - FIOCRUZRosilda Alves Bezerra - UEPBWaleska Silveira Lira - UEPB

Editoração EletrônicaJefferson Ricardo Lima Araujo Nunes Leonardo Ramos Araujo

Comercialização e DivulgaçãoJúlio Cézar Gonçalves PortoZoraide Barbosa de Oliveira Pereira

Revisão LinguísticaElizete Amaral de Medeiros

Normalização TécnicaElisabeth da Silva Araújo

Universidade Estadual da ParaíbaMarlene Alves Sousa LunaReitora

Aldo Bezerra MacielVice-Reitor

Pró-Reitora de Ensino de Graduação Eliana Maia Vieira

Coordenação Institucional de Programas Especiais-CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEADEliane de Moura Silva

Cecília QueirozAssessora de EAD

Coordenador de TecnologiaÍtalo Brito Vilarim

Projeto GráficoArão de Azevêdo Souza

Revisora de Linguagem em EADRossana Delmar de Lima Arcoverde (UFCG)

Revisão LinguísticaMaria Divanira de Lima Arcoverde (UEPB)

Diagramação Arão de Azevêdo SouzaGabriel Granja

Teoria e Crítica Literária I

Ana Lúcia Maria de Souza Neves

Campina Grande-PB2011

800N511t Neves, Ana Lúcia Maria de Souza.

Teoria e crítica literária I / Ana Lúcia Maria de Souza Neves. – Campina Grande: EDUEPB, 2011.

182 p.: il.

ISBN 1. Literatura. 2. Crítica Literária. 3. Educação a Distância. I. Titulo.

21. ed. CDD

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Sumário

I UnidadeO que é literatura?.............................................................................7

II UnidadeA arte: concepções e características...................................................25

III UnidadeMimese/mimesis............................................................................. 45

IV UnidadeUma introdução aos aspectos conceituais e formais dos gêneros literários............................................................59

V UnidadeEstudo do texto poético....................................................................73

VI UnidadeFiguras de linguagem no texto literário..............................................91

VII UnidadeO estudo do texto poético na escola...............................................119

VII UnidadeAs especificidades da crítica literária................................................135

IX UnidadeTendências da crítica literária na modernidade.................................149

X Unidade Tendências da crítica literária na contemporaneidade.......................163

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I UNIDADE

O que é literatura?O que é literatura?

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Apresentação

Caro (a) aluno (a),

Nesta primeira unidade, vamos estudar aspectos relacio-nados à natureza da literatura. O que é literatura? Como se caracteriza um texto literário? O que é literariedade?

Na sua vida escolar, você deve ter se deparado com de-finições de literatura e de texto literário. Agora é o momento de retomarmos muitas dessas definições e de maneira crítica discutirmos os sentidos histórico-culturais que se encontram atrelados às concepções. A partir sempre da leitura, reflexão e discussão de textos.

Objetivos

Esperamos que ao final desta unidade você consiga:

Perceber a naturalização dos conceitos de literatura;•

Compreender a literatura como um fenômeno cultural e histórico;•

Entender o(s) significado(s) dos termos: texto • literário, literariedade.

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Literatura: fenômeno histórico e cultural

Comecemos nosso estudo sobre literatura com base na experiência que você vivenciou em sua vida escolar.

Quando você iniciou seus estudos literários na escola? O que mar-cou seus primeiros contatos com o texto literário? Quais eram os auto-res e textos que eram lidos em sala de aula?

Provavelmente, nas suas lembranças estão momentos prazerosos com textos literários, dos quais você pode não lembrar o título ou mes-mo o nome do autor, mas que de alguma forma permanecem na sua memória. Pode ser um verso de um poema lido pelo professor, a ima-gem de um personagem, o início ou o final de uma narrativa.

Certamente, também, você pode estar lembrando-se de uma obra que precisou ler mesmo sem entender na época qual a importância daquela leitura. Algumas dessas obras, você iniciou a leitura, mas não se sentiu motivado (a) a concluir.

Possivelmente você se lembra ainda de obras que gostava de ler, mas não se sentia à vontade para falar sobre elas na escola. Leituras que lhe proporcionavam muito prazer, mas que nunca eram mencio-nadas pelo (a) professor (a) de português. Dentre estas obras podem estar: romances e gibis comprados em bancas de revistas, cordéis ad-quiridos em feiras-livres e tantas outras...

Vemos, portanto, que, quando pensamos em literatura, surgem tam-bém uma série de questionamentos, tais como: O que é que faz com que um texto seja considerado literário ou não? Por que alguns textos literários são lidos na escola e outros não? Por que na maioria das ve-zes os alunos precisam ler na escola textos que eles não gostam?

Todas essas questões estão associadas à concepção de literatura ou, melhor dizendo, uma determinada forma de conceber a literatura. Isto mesmo, pois não existe um único conceito de literatura, mas vários.

Passemos agora à análise de algumas definições de literatura.

Os significados dos conceitos atribuídos tradicionalmente à literatura

No livro Cultura Letrada: literatura e leitura (2006), Márcia Abreu analisa várias concepções de literatura presentes em uma prova de vestibular, cuja questão solicitava do candidato que, após a leitura do texto As ilusões da literatura, de Mario Vargas Llosa, assinalasse a al-ternativa em que a definição de literatura não estivesse de acordo com o texto lido.

Na sua análise, a autora aponta problemas que envolvem cada uma das definições de literatura apresentada na prova. Para que você possa entender a discussão realizada pela estudiosa, apresentaremos o texto As ilusões da literatura e as cinco alternativas em que são aponta-das diferentes concepções de literatura.

Leia o texto e, em seguida, cada uma das definições de literatura.

As ilusões da literatura

Mario Vargas Llosa

Condenados a uma existência que nunca está à altura de seus so-nhos, os seres humanos tiveram que inventar um subterfúgio para escapar de seu confinamento dentro dos limites do possível: a fic-ção. Ela lhes permite viver mais e melhor, ser outros sem deixar de ser o que já são, deslocar-se no espaço e no tempo sem sair de seu lugar, nem de sua hora e viver as mais ousadas aventuras do corpo, da mente e das paixões, sem perder o juízo ou trair o coração.

A ficção é compensação e consolo pelas muitas limitações e frustra-ções que fazem parte de todo destino individual e fonte perpétua de insatisfação, pois nada mostra de forma tão clara o quão minguada e inconsistente é a vida real quanto retornar a ela, depois de haver vivido, nem que seja de modo fugaz, a outra vida – fictícia, criada pela imaginação à medida de nossos desejos.

(Folha de São Paulo, 14.8.1995, transcrito de El País).

As cinco concepções de literatura:

a) “Literatura é criação de uma supra-realidade com os dados pro-fundos e singulares da intuição do artista.”

b) “Literatura é a arte da palavra e existe para provocar o deleite e ampliar a visão de mundo do leitor.”

c) “Literatura é a expressão artística dos conteúdos da ficção ou da imaginação por meio da palavra escrita.”

d) “Grande Literatura é simplesmente a linguagem carregada de significado até o máximo grau possível.”

e) “Ciência e literatura têm o mesmo objeto de estudo, o mesmo método e servem aos mesmos fins da vida humana.”

Fonte: ABREU, Márcia. Cultura Letrada: literatura e leitura.São Paulo: UNESP, 2006.

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Iniciando a nossa discussão

Agora que você já leu o texto e as cinco concepções de literatura apresentadas no livro de Márcia Abreu (2006), vamos analisar cada uma das definições?

Com relação à opção “a”:

“Literatura é criação de uma supra-realidade com os dados pro-fundos e singulares da intuição do artista.”

A estudiosa destaca que esta definição apresenta como problema o fato de ver a literatura tomando como critério definidor apenas a ficcio-nalidade (criação de uma supra-realidade) a partir da intuição (inspira-ção) de um escritor especial (detentor de dados profundos e singulares). Com base nessa definição, segundo Abreu, poderiam ser consideradas como literárias obras que não são incluídas entre os textos literários, os livros religiosos, por exemplo, que também criam supra-realidades por meio de inspiração divina. Logo, é uma definição limitada.

No que diz respeito à alternativa “b”:

“Literatura é a arte da palavra e existe para provocar o deleite e ampliar a visão de mundo do leitor.”

Destaca a autora:

....a alternativa que define literatura como arte da palavra visando ao deleite e ao aprimoramento do leitor não seria correta, pois nem sempre as pesso-as sentem prazer ao ler um poema e nem sempre a literatura as modifica. A alternativa estaria, en-tão, meio certa, considerando-se apenas a parte da definição que identifica literatura com um uso especial da linguagem. Ou talvez essa alternativa esteja inteiramente errada, pois nem sempre um uso especial de linguagem garante que algo seja literário. (p.35)

Um exemplo, segundo a estudiosa, de textos que têm todo um tra-balho com a linguagem, mas não são considerados literários são as frases anônimas, escritas em para-choques de caminhões. E ela apre-senta como exemplo:

“Amigo disfarçado, inimigo dobrado”.

A frase, anônima, escrita em um para-choque de caminhão, contém uma rima interna (disfarçado/dobrado) e divide-se em dois segmentos de 6 sí-labas (1º amigo disfarçado/2º inimigo dobrado). Os dois segmentos têm o mesmo ritmo e a mesma estrutura (substantivo + adjetivo). A semelhança estrutural acentua a dessemelhança semântica, pois a expressão organiza-se em torno de uma an-títese (aproximação de palavras de sentido opos-to). Alguém poderia se sentir atraído pela frase não apenas pelos jogos linguísticos, mas por ver ali um ensinamento ou um aviso sobre os falsos inimigos. (...) mas quem diria que amigo disfarçado, inimigo dobrado é um texto literário?

Com essa reflexão, a autora chama a atenção para o fato de que a literariedade (o trabalho com a linguagem) interna de um texto não é o único elemento que define se uma obra é ou não literatura.

A este respeito devemos lembrar também dos textos publicitários, em que, na maioria das vezes a linguagem utilizada revela muita criativi-dade para seduzir o consumidor: usa ambiguidades, omite, exagera, brinca, usa metáforas e expressões de duplo sentido. Pode também conquistar usando a musicalidade, o ritmo e recursos sonoros, como rimas e assonâncias. Por meio desses recursos linguísticos, a publicida-de diverte, motiva, seduz, faz sonhar, excita ou entusiasma. Entretanto, ao contrário de um texto literário, o seu objetivo primeiro é convencer, persuadir o leitor a respeito de um produto, de uma idéia.

No que diz respeito à concepção “c” de Literatura,

“Literatura é a expressão artística dos conteúdos da ficção ou da imaginação por meio da palavra escrita.”

A estudiosa se detém na expressão “por meio da palavra escrita”, que aponta o registro escrito como critério para definir um texto como literário. Contrária a esta concepção, Abreu se lembra dos poemas épicos Ilíada e Odisséia, que antes de serem reunidos e fixados por escrito, havia corrido de boca em boca e, mesmo em sua forma escrita, conservam abundantes características orais.

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Além dessas obras, a autora lembra ainda dos poemas orais po-pulares:

E o que fazer com os poemas compostos e apre-sentados oralmente por poetas nordestinos desde os tempos coloniais? Em quase toda ocasião em que se juntasse gente, apareciam poetas dispostos a contar histórias em verso ou a duelar com outro poeta em uma peleja. (p.37).

Logo, a literatura não se manifesta apenas por meio da palavra escrita.

A concepção presente no item “d” define literatura como:

“Grande Literatura é simplesmente a linguagem carregada de significado até o máximo grau possível.”

Esta concepção fundamenta-se em um ato de seleção e exclusão, isto é, existe uma literatura “superior” (grande literatura) e outras “me-nos valorizadas”. Para distinguir a “Grande” das outras literaturas, a concepção aponta como critério exclusivamente a linguagem que a obra apresenta. Ao contrário do que revela esta forma de ver a literatu-ra, Márcia Abreu destaca que não são apenas os aspectos linguísticos que são tomados para definir se uma obra faz parte da grande litera-tura, mas o prestígio sócio-cultural de quem a consagrou como gran-de: “Assim, o que torna um texto literário não são suas características internas, e sim o espaço que lhe é destinado pela crítica e, sobretudo, pela escola no conjunto dos bens simbólicos.” (ABREU, p.40). A autora lembra ainda que:

Não há obras boas ou ruins em definitivo. O que há são escolhas – e o poder daqueles que as fa-zem. Literatura não é apenas uma questão de gos-to: é uma questão política. (p.112).

É em virtude disso que tradicionalmente no Brasil a escola e os livros didáticos, priorizaram determinados autores e obras em detrimento de outros. É por isso que alguns textos que você lia fora da sala de aula jamais era abordado pelo professor.

A última definição presente na prova de vestibular analisada afirma que:

“Ciência e literatura têm o mesmo objeto de estudo, o mesmo mé-todo e servem aos mesmos fins da vida humana.”

A alternativa em que consta esta definição é a que o candidato de-veria ter assinalado, uma vez que esta é a única que se encontra total-

mente errada. O erro está no fato de que “Ciência e literatura não têm o mesmo objeto de estudo, nem o mesmo método, tampouco servem aos mesmos fins da vida humana.” (p.41).

Enquanto a ciência busca por leis e sistemas, no intuito de explicar de modo racional aquilo que se está observando, com o objetivo de abarca verdades gerais ou a operação de leis gerais especialmente obtidas e testadas através do método científico, a literatura como nos lembra Pinheiro (2003, p.23) tem como objeto de estudo:

As obras literárias: romances, contos, poemas, peças de teatro, narrativas populares ou, mais es-pecificamente, um tema ou a personagem de um romance, a significação que determinado espaço assume em uma obra, a maneira como o roman-cista ou poeta trabalham o tempo, a permanência de um procedimento formal na obra de um poeta e inúmeras outras possibilidades. Trata-se, como to-dos sabem, de um objeto com características pecu-liares: tem um forte apelo conotativo, está investido de uma dimensão estética essencial.

Atividade I

1. Você pode encontrar a maioria dessas definições em livros didáticos do Ensino Médio, mais precisamente naqueles direcionados para o primeiro ano. Muitos professores apenas repetem essas definições para seus alunos.

Qual será sua postura a partir de agora? Será que o fato de as definições estarem no livro as torna incontestáveis? Como você agiria, caso se deparasse em sala de aula com uma das definições de literatura analisadas? Poste seu comentário no AVA.

dica. utilize o bloco de anotações para responder a atividade!

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Aprofundando um pouco mais a discussão

Após a análise de diferentes concepções de literatura, vamos reto-mar as questões que motivaram a realização desta aula?

O que é literatura? Como se caracteriza um texto literário? O que é literariedade?

Esperamos que, a partir de agora, você comece a perceber que a literatura é um fenômeno histórico e cultural elaborado e apreciado de diferentes formas por diferentes épocas e grupos sociais. É importante que estudemos sobre as obras e os autores consagrados, mas também respeitemos e busquemos conhecer as literaturas de menor prestígio social, a exemplo do folheto de cordel e dos best sellers.

É importante sabermos, conforme destaca Massaud Moisés (2004, p.311), que “primitivamente o vocábulo literatura designava o ensino das primeiras letras. Com o tempo passou a significar “arte das belas letras” e, por fim, “arte literária”. Além disso, até o século XVIII a pa-lavra literatura não era empregada, em seu lugar utilizava-se o termo poesia. Somente no século XIX é que a palavra literatura passa a ser usada em referência aos textos poéticos e em referência também a toda expressão escrita, mesmo as científicas e filosóficas.

Outro aspecto importante a ser observado é que o texto literário apresenta características linguísticas e finalidades diferentes de outros textos como o jornalístico, o publicitário e tantos outros.

Estas características linguísticas constituem a literariedade da obra li-terária. Mas o que é mesmo literariedade e de onde vem esse conceito?

No início do século XX, um grupo de teóricos da literatura, mais tarde denominados Formalistas russos, imaginou que seria possível constatar uma propriedade, presente nas obras literárias, que as caracterizaria como pertencentes à literatura. Para denominar esta propriedade, cria-ram o termo literaturnost, que foi traduzido para a língua portuguesa como literariedade. Este conceito é muito questionado pelos estudiosos e para alguns autores como a professora Márcia Abreu o problema é que nem todas as características relacionadas à linguagem e a outros aspectos estruturais que são tidos como propriedades universais da lite-ratura são suficientes para definir se uma obra é ou não literária, pois a inclusão ou exclusão de um texto na literatura, sobretudo na consagra-da pela academia, envolve também outros critérios, exteriores à própria obra, aspectos sociais, culturais e políticos.

Avançando na compreensão: chegou a sua vez

“O mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, mas que elas vão sempre mudando...” (Guimarães Rosa In: Grande Sertão: veredas).

Atividade IINo poema “Por que Literatura?”, escrito pelo poeta paraibano Bráulio 1. Tavares1, o escritor apresenta alguns questionamentos que possibilitam ao leitor refletir sobre a relevância da literatura. Leia o poema e, em seguida, exponha suas opiniões sobre o texto com base nas questões propostas.

POR QUE LITERATURA? Bráulio Tavares

Por que

Literatura?

Pelo simples prazer de descobrirNo Real, uma fissura?

Pelo rito ancestral de criar cosmosNas usinas da escritura?

Para estender aos arraiais da falaNossa visceral tortura?

Para injetar nalgum rincão do CaosO vírus de uma estrutura?

Por sentir que a palavra é um brinquedo,Poesia, uma travessura?

Pelo medo do Nada que nos causaA retangular alvura?

Por que,Literatura?

1 Bráulio Tavares nasceu em Campina Grande-PB, em 1950. Já morou em Belo Ho-rizonte, em Salvador e vive no Rio de Janeiro desde 1982. Além de poeta, Bráulio Tavares é compositor, teatrólogo e estudioso da cul-tura popular.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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a) De acordo com o poema, cite algumas das contribuições da literatura para a vida das pessoas.

b) Qual(ais) o(s) significados das expressões “Real” e “fissura” na segunda estrofe do poema?

c) A referência à função lúdica da poesia está presente no poema na 6ª estrofe, apresente uma interpretação para os versos: “Por sentir que a palavra é um brinquedo,/Poesia, uma travessura?”

e) Estabeleça uma comparação entre os versos de Bráulio Tavares apresentados abaixo com as palavras do crítico literário Itálo Moriconi (2002) sobre poesia.

‘Pelo medo do Nada que nos causa/A retangular alvura?’ (Braulio • Tavares)

‘O poema é sempre uma luta entre o silêncio e a palavra. Silêncio • do branco da página. Palavra que é mancha negra de tinta.’ (Itálo Moriconi, 2002, p.52)

Atividade IIILeia a definição de literatura destacada a seguir, que foi retirada do 1. dicionário Michaelis, moderno dicionário de língua portuguesa. Em seguida, escreva um comentário expondo a sua opinião a respeito da definição apresentada com base nas questões a e b que seguem:

Definição: literatura

li.te.ra.tu.ra

sf (lat litteratura) 1 Arte de compor escritos, em prosa ou em verso, de acordo com princípios teóricos ou práticos. 2 O exercício dessa arte ou da eloquência e poesia. 3 O conjunto das obras literárias de um agregado social, ou em dada linguagem, ou referidas a determinado assunto: Literatura infantil, literatura científica, literatura de propaganda ou publicitária. 4 A história das obras literárias do espírito humano. 5 O conjunto dos homens distintos nas letras. L. amena: literatura recreativa; beletrística. L. de cordel: a de pouco ou nenhum valor literário, como

a das brochuras penduradas em cordel nas bancas dos jornaleiros. L. de ficção: o romance e o conto (também se diz simplesmente ficção). L. oral: todas as manifestações culturais (conto, lenda, mito, adivinha-ções, provérbios, cantos, orações etc.), de fundo literário, transmitidas por processos não gráficos; parte do folclore.

(http://www1.uol.com.br/michaelis/. Acesso em 16 de setembro 2009).

a) A definição contempla produções literárias de menor prestígio na sociedade? Quais?

b) Além da literariedade, são levados em consideração outros critérios para definir uma obra literária?

Se imaginarmos que o nosso percurso pelos estudos literários cor-responde a uma viagem de trem, poderemos dizer que chegamos ao ponto final da primeira estação que pretendemos percorrer. Com cer-teza já avançamos consideravelmente, mas a viagem é longa! A nossa viagem pelos estudos literários busca por meio da leitura de textos e autores diversos – homens, mulheres, crianças, pobres, ricos, de dife-rentes nacionalidades - entender melhor o sentido de nossas existências e ampliar nossa forma de ver e conviver com o Outro.

Vamos em frente?!

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadasLeituras na internetHá na internet uma série de sites e blogs que possibilitam o acesso a obras e a discussões sobre literatura. A seguir listamos alguns desses sites que você poderá estar consultando:

Domínio público - www.dominiopublico.gov.br/

Bibioteca Virtual do Estudante da Língua Portuguesa - www.bibvirt.futuro.usp.br/

Biblioteca virtual de literatura - www.biblio.com.br/

Leituras bibliográficas Além das obras citadas na aula, sugerimos o livro a seguir, para o

aprofundamento do estudo sobre as concepções de literatura e de texto literário.

CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. São Paulo: Becca, 1999.Neste livro encontramos um panorama das principais questões relacionadas à teoria e crítica literárias. Dentre estas: o que é teoria? O que é literatura? Literatura e estudos cul-turais etc. Além disso, o livro apresenta um apêndice em que se apresenta um pequeno resumo das principais escolas críticas dos sé-culos XX e XXI.

Filmes relacionados ao assuntoOs contos proibidos do Marquês de Sade, título original Quills.

Neste filme de Philip Kau-fman é narrada a história de um escritor – o marquês de Sade - que foi conde-nado a exclusão social e teve sua obra censurada pela Igreja e pelo Estado por escrever sobre as re-lações carnais levadas às últimas consequências. “É

um filme forte, violento, que fala sobre uma das formas mais terríveis de violência: o abuso de poder que alguns indivíduos utilizam para calar o artista, que com a sua literatura denuncia os desmandos e a hipocrisia de determinados grupos e indivíduos”. (Fonte: www.burburi-nho.com, Acessado em 16 de setembro de 2009).

O Clube da Leitura de Jane Austen, (título original The Jane Austen Book Club). Lançado em 2007, é um dra-ma cinematográfico escrito e dirigido por Robin Swicord, e conta a história de seis pessoas – cinco mulheres (Bernadette, Jocelyn, Prudie, Sylvia, Allegra) e um homem (Grigg) –, que

decidem se reunir para discutir, a cada mês (entre fevereiro e julho), sobre um romance da escritora inglesa Jane Austen. Os livros esco-lhidos são Emma, Mansfield Park, A Abadia de Northanger, Orgulho e Preconceito, Razão e Sensibilidade e Persuasão. O interessante do filme é a viagem para o mundo interior vivenciada por cada perso-nagem, principalmente, porque cada um encontra-se ferido na sua afetividade, na sua capacidade amorosa, em decorrência da traição, do abandono, do medo de amar, da solidão. Imperdível!!!

ResumoNesta unidade, procuramos mostrar que não é fácil definir literatura,

pois toda produção literária (poemas, contos, romances...) é histórica e cultural. Nesse sentido, faz-se necessário avaliar cada produção de acor-do com o sistema de valores em que foi criada e isto implica levar em consideração não apenas o texto isolado, mas observar também quem o escreveu? Quando? Para quê? Para quem? Ao recriar a realidade, a literatura oferece ao leitor à possibilidade de ampliar a sua visão crítica sobre esta realidade. Enxergar o Outro (pessoas, culturas alheias) para além do nível das aparências, dos conhecimentos superficiais. Dessa for-ma, a criação literária ultrapassa a mera cópia da realidade, por meio da linguagem, instaura, cria novos mundos, cosmos. Escrever ou ler litera-tura é um meio também de comunicar nossos sentimentos, insatisfação, sofrimento, desejos reprimidos, enfim “nossa visceral tortura”, conforme palavras do poeta Bráulio Tavares. Objetivamos também mostrar que a obra literária apresenta uma especificidade linguística que a diferencia de outros textos como o científico e o jornalístico. Especificidade esta que foi denominada de literariedade. Assim, ao mesmo tempo as obras literárias nos ajudam a compreender a nós mesmos e as mudanças de mentalidade e de comportamento do homem ao longo dos séculos, por isso a leitura literária é tão importante. Assim, enfatizamos ainda a impor-tância da escola não apenas trabalhar com os autores e obras consagra-dos, mas ler também os textos preferidos dos alunos, sejam literatura de massa, literatura popular ou qualquer outro subtítulo que venham a ter.

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Autovaliação

Com base no estudo realizado nesta primeira unidade, explique, com as suas palavras, a diferença entre naturalizar o conceito de lite-ratura e conceber a literatura como um fenômeno histórico e cultural. Para enriquecer a sua discussão apresente exemplos.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Referências

ABREU, Márcia. Cultura Letrada: literatura e leitura. São Paulo: UNESP, 2006.

AGUIAR E SILVA, Victor Manuel de. Teoria da Literatura. 2. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1968.

BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. 6.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

COUTINHO, Afrânio. Notas de Teoria Literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. São Paulo: Becca, 1999.

JAKOBSON, R. Linguagem e comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.

JOBIN, José Luis. Introdução aos termos literários. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1999.

MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 1987.

MORICONI, Itálo.Como e por que ler a poesia brasileira do século XX. Rio de janeiro: Objetiva, 2002.

PINHEIRO, Hélder. (Org.). Pesquisa em Literatura. Campina Grande: Bagagem, 2003.

PIRES, Orlando. Manual de Teoria e Técnica Literária. 2ed. Rio de Janeiro: Presença, 1985.

PROENÇA F. D. A linguagem literária. 4. ed. São Paulo: Ática, 1992 (Princípios, 49).

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A arte: concepções e características

A arte: concepções e características

II UNIDADE

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Apresentação

Caro (a) aluno (a),

Nesta segunda unidade, vamos estudar aspectos relacio-nados à arte em geral e mais especificamente à literária. Desde a antiguidade, estudiosos e artistas vêm tentando não só conceituar a arte como também definir o papel que ela exerce na vida humana. Como a arte é cultural, é uma cons-trução histórica, a forma de expressar-se por meio dela e de percebê-la está sempre mudando, conforme os tempos e os lugares. Em virtude disso, se torna muito difícil conceituar a arte e atribuir-lhe funções. Mas nenhuma época conseguiu dispensá-la.

Para muitos, a arte é o alimento do espírito. E assim como o alimento para o físico é necessário à nossa sobrevivência, a arte também é essencial para a humanidade. Talvez por isso, todos os povos têm em sua cultura diferentes formas de manifestação artísticas.

Em casa, na rua, na escola, todos nós, no dia-a-dia, circulamos entre manifestações artísticas diversas. O que é arte? Um capítulo de uma novela, uma mensagem grafitada em um muro, uma peça teatral, um filme, são manifestações artísticas? O que diferencia uma manifestação de outra? Há utilidade na arte?

A intenção desta unidade não é dar respostas a todas essas questões, mas estimular você – sozinho (a) ou junto com os (as) colegas - a refletir sobre a natureza e a função das diferentes manifestações artísticas que nos cercam coti-dianamente.

Objetivos

Esperamos que ao final desta unidade você consiga:

Perceber a importância das manifestações artísticas na nossa •vida;

Conhecer sobre as características e finalidades da linguagem •artística;

Conhecer as vanguardas européias e a sua importância para a •história da arte moderna e contemporânea.

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Algumas palavras sobre a arte

Para dar início às nossas reflexões sobre arte, gostaríamos que você respondesse à pergunta que se segue.

Atividade I

Quando pensa em arte, que objetos, sentimentos e ações vêm à sua mente? Apresente-os.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

De acordo com Alfredo Bosi (2004), toda forma de arte apresenta dois aspectos importantes: a “objectualidade”, produção material, e o “efeito psicológico”, produção de certos estados psíquicos no receptor. Dessa forma, ao pensar em arte, você pode ter se lembrado de um texto literário ou de uma música, ou ainda de um filme, ou de uma pintura, de uma escultura, ou quem sabe de uma dança, enfim de uma determinada expressão artística que em algum momento de sua vida despertou a sua atenção.

Muitas dessas manifestações artísticas estão presentes no nosso co-tidiano de maneira que não conseguimos pensar em nossa vida sem esses objetos ou sem esses momentos.

Você pode também ter pensado em obras e artistas como Leonardo da Vinci, Michelangelo, Aleijadinho, entre outros, artistas consagrados, que você já teve oportunidade de conhecer na escola ou por meio do acesso a livros, revistas, internet etc.

É importante destacarmos que a partir do século XX democratizou-se o conceito de arte e ampliou-se o acesso à obra de arte e a produção artística. Com as Vanguardas Européias, movimentos artísticos culturais que ocorreram na Europa no final do século XIX e início do século XX, os artistas passaram a buscar novos caminhos para as artes.

O pintor, o músico, o escritor e tantos outros, acompanhando as mudanças sociais, econômicas, políticas e filosóficas do mundo, pas-saram a desejar novas expressões artísticas.

As Vanguardas Européias se caracterizaram como movimentos al-tamente radicais e questionadores, que visavam ao rompimento com o pensamento acadêmico e a arte centralizada nos moldes conserva-dores. Isto por que o cenário europeu em que as vanguardas surgiram estava marcado por um período sócio-cultural conturbado. No último quartel do século XIX, as principais potências capitalistas (Inglaterra, França, Alemanha...) passaram a disputar acirradamente os mercados. A busca de matérias primas e consumidores, para os industrializados que os europeus fabricavam, fez com que a África e a Ásia fossem dis-putadas pelas potências imperialistas.

No plano econômico, o capitalismo atingia a sua fase imperialista, com o predomínio de um pequeno número de países sobre o resto do mundo. É neste cenário que ocorre na Europa a primeira guerra mun-dial entre os anos de 1914 a 1918.

Diante dessa realidade sócio-politico-cultural caótica, as vanguar-das proclamavam seus programas e intenções por meio de manifestos, editoriais de jornais e revistas literários, prefácios e poemas, deixando para as futuras gerações um legado precioso, pois, a partir desses tex-tos, se estabeleceu uma atitude crítica permanente nas manifestações artísticas posteriores.

A seguir apresentamos um quadro em que expomos os nomes de algumas desses movimentos vanguardistas, seus principais representan-tes e algumas das características que marcaram seus programas:

MOVIMENTOS REPRESENTANTES CARACTERÍSTICAS

Futurismo (1905) Fillippo Tomasso Marinetti

Consciência do fu-turo, abominando o passado; Culto do moderno (a máquina, a veloci-dade); Destruição da sintaxe (a pala-vra em liberdade); Imaginação sem fios.

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Avançando na compreensão: chegou a sua vez

Atividade II

Vejamos agora algumas produções artísticas representativas de cada movimento. Identifique traços artísticos que caracterizaram cada figura e com as suas palavras liste no quadro abaixo:

“Demoiselles d’Avignon” – pintura cubista de Pablo Picasso

Figura 01 - Cubismo

Figura 02 - Futurismo

Cubismo

(1907 - 1914)

Picasso (na pintura)

Apollinaire (na literatura)

A geometrização das figuras resulta numa arte intuitiva e abstrata, deriva-da da "experiência visual.” Baseia-se essencialmente na luz e na sombra; Supressão da con-tinuidade cronoló-gica na narrativa; Representação simultânea na tela de vários aspec-tos de um mesmo objeto.

Dadaísmo (1916) Tristan Tzara

Negava todas as tradições sociais e artísticas, ti-nha como base um anarquismo niilista; Buscavam a destruição da arte acadêmica e tinham grande ad-miração pela arte abstrata; Desmis-tificação da arte: “a arte não é coisa séria”.

Surrealismo (1914)

Salvador Dali (na pintura)

André Breton (na literatura)

Explorava a força criativa do subconsciente, valorizando um anti-racionalismo, a livre associação de pensamentos e os sonhos, norte-ado pelas teorias psicanalíticas de Freud.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Figura 04 - Surrealismo

Figura 03 - Dadaísmo

Aprofundando um pouco mais a discussão

O processo artístico compreende três momentos que podem ocor-rer simultaneamente: o fazer, o conhecer e o exprimir (BOSI, 2004).

Para estudarmos sobre cada uma dessas dimensões (fazer, conhe-cer e exprimir), passaremos agora para a leitura de o poema intitulado Traduzir-se, de Ferreira Gullar1:

As dimensões do trabalho artístico

TRADUZIR-SE2

Ferreira Gullar

Uma parte de mim é todo mundo:

outra parte é ninguém:fundo sem fundo.Uma parte de mim

é multidão:outra parte estranheza

e solidão.Uma parte de mim

pesa, pondera:outra parte

delira.

Uma parte de mimalmoça e janta:

outra partese espanta.

Uma parte de mimé permanente:

outra partese sabe de repente.

Uma parte de mim

é só vertigem:outra parte,linguagem.

Traduzir uma parte

na outra parte_ que é uma questãode vida ou morte _

será arte?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

2 Este poema foi musicado por Raimundo Fagner. Busque ouvir a música, você vai encontrá-la no site www.youtube.com na voz de vários interpretes, dentre eles o próprio Fagner em parceria com Chico Buarque, Oswaldo Montenegro e Adriana Calcanhoto. Vale a pena conferir!

1 Ferreira Gullar (José Ribamar Ferreira), nasceu no dia 10 de setembro de 1930, na cidade de São Luiz, capital do Maranhão, quarto filho dos onze que teriam seus pais, Newton Ferreira e Alzira Ribeiro Goulart. Poeta, crítico, teatrólogo e intelectual, Ferreira Gullar entra para a história da li-teratura brasileira como um dos maiores expoentes. Estreou em poesia em 1949 com o livro Um Pouco Acima do Chão. Em 1951 transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde começou a trabalhar como jornalista. As experimentações gráficas contidas em seu livro A Luta Corporal (1954) motivaram sua aproximação com os poetas paulistas Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, que lançariam mais tarde o movimento da poesia concreta (1956). Ini-cialmente, Gullar participou do movimento, mas afastou-se em 1959 para criar o grupo neoconcretista. Na opinião de alguns críti-cos, Ferreira Gullar é atualmente uma das vozes mais expressivas da poesia brasileira. (http://portalliteral.terra.com.br/ferrei-ra_gullar/)

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No poema de Ferreira Gullar, ressalta-se o caráter humano e, ao mesmo tempo, o lado sensível, estranho, do poeta, conforme sugerem a oposição estabelecida entre os pares de versos:

Uma parte de mim

é todo mundo: Xoutra parte

é ninguém: fundo sem fun-do.

Uma parte de mim

é multidão:X

outra parte

estranheza e solidão.Uma parte de mim

pesa, pondera:X

outra parte

delira.Uma parte de mim

almoça e janta:X

outra parte

se espanta.Uma parte de mim

é permanente:X

outra parte

se sabe de repente.Uma parte de mim

é só vertigem:X

outra parte,

linguagem.

Além disso, é possível perceber que o fazer artístico, o traduzir-se, envolve as três dimensões de que nos fala o Alfredo Bosi no seu livro Reflexões sobre a arte (2004).

a) A arte é um fazer, uma tradução;

b) A arte nasce de um momento de introspecção, de um olhar do artista para si mesmo e sobre o mundo em volta na eterna busca pelo conhecimento.

c) Há momentos em que o artista também não se compreende, sente-se perdido (uma parte de mim é só vertigem), mas em outros momentos ele é capaz de se exprimir, de se comunicar (outra parte linguagem).

Para melhor entendermos essas três dimensões, observemos o qua-dro abaixo, em que destacamos algumas das idéias apresentas por Bosi (2004) no seu livro.

Arte é construção Arte é conhecimento Arte é expressão

“Arte é um fazer.” (P. 13)

A obra de arte deita suas raízes na “reali-dade.” (P. 27)

A expressão artísti-ca pressupõe uma fenomenologia do corpo.Nos expres-samos por meio do olhar, do falar, dos gestos etc.

“A arte é um conjunto de atos pelos quais se muda a forma, se transforma a matéria oferecida pela nature-za e pela cultura.” (P. 13)

A arte é uma repre-sentação da realidade (mimesis)3 Não é mera cópia da natu-reza ou dos objetos culturais.

A ideia de expres-são está intima-mente ligada a uma fonte de ener-gia – sensações, afetos, idéias, e a um signo que a veicula ou encerra (o poema, a músi-ca, uma pintura...)

“Qualquer atividade humana, desde que conduzida regular-mente a um fim, pode chamar-se artística.” (P. 13)

“O trabalho do artista se desenvolve, ao mesmo tempo, no plano do conheci-mento do mundo (mimesis) e no plano da construção original de um outro mundo (a obra)”.(P. 36)

Toda atividade artística nasce de uma forte motiva-ção.

“A arte é uma pro-dução; logo supõe trabalho.” (P. 13).

“A arte do século XX busca abraçar os dois extremos: o máximo de verdade interior e o máximo de pesquisa formal.” (p. 70).

O trabalho ar-tístico apresenta um caráter plural: passa pela men-te, pelo coração, pelos olhos, pela garganta, pelas mãos.

3 O conceito de mimesis será trabalhado na próxima aula.

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Avançando na compreensão: chegou a sua vez

Atividade IIILeia o texto 1. A arte de ser feliz, da escritora Cecília Meireles, e, em seguida, exponha suas opiniões sobre ele com base nas questões propostas.

A arte de ser feliz Cecília Meireles

Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.

Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim pa-recia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras ve-zes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como re-fletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, ou-tros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Fote: http://amorecultura.vilabol.uol.com.br/artefeli.htm. Acesso em 17 de agosto de 2009.

a) O texto de Cecília Meireles fala sobre atividades simples, comuns no nosso cotidiano, o que torna essas atividades especiais a ponto de tocar a escritora?

b) O texto de Cecília ressalta a capacidade humana de contemplar o mundo exterior, chamando a atenção para a importância de uma aprendizagem do olhar. Escreva um comentário estabelecendo uma relação entre o texto de Cecília com a idéia de expressão de que nos fala Bosi (2004).

c) O texto mostra que o trabalho do artista não se pauta em um modelo de beleza absoluto, mas resulta de uma capacidade de saber enxergar a “realidade”. Explique como se dá este trabalho do artista a partir das três dimensões apresentadas por Bosi (2004): a arte é um fazer; a arte é um conhecer; a arte é um exprimir.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Aprofundando um pouco mais a discussão

O artista e a realidade social Conforme nos lembra Fischer, no livro A necessidade da Arte (1987),

o artista é antes de tudo um ser histórico, isto é, a sua arte resulta da “experiência daquilo que seu tempo e suas condições sociais têm para oferecer.” (p. 56).

Nas palavras de Ficher,

a subjetividade de um artista não consiste em que a sua experiência seja fundamentalmente diversa da dos outros homens de seu tempo e de sua clas-se, mas consiste em que ela seja mais forte, mais consistente e mais concentrada. A experiência do artista precisa apreender as novas relações sociais de maneira a fazer com que outros também ve-nham a tomar consciência delas.(Op, cit, p. 56).

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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É neste sentido, que o referido autor defende a importância do ar-tista para a sociedade, como aquele que, por meio de seu trabalho, amplia as formas de representação do mundo.

É preciso lembrar, entretanto, que a obra de arte, ao retratar a reali-dade, a realiza geralmente por meio de uma relação indireta (metafórica, simbólica etc), logo, de acordo com Mukarovsky (1988, p.179), “a obra artística nunca deve ser utilizada como documento histórico ou sociológi-co sem prévia explicação do seu valor documental, isto é, da quantidade da sua relação com um dado contexto de fenômenos sociais.”

Sobre a importância da obra de arte para a humanidade, observe-mos o que nos diz Monteiro Lobato na sua versão intitulada “A formiga má” da fábula clássica A cigarra e a formiga. Lembremos que Lobato escreveu duas versões para a fábula citada.

I - A FORMIGA BOA

Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé dum formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas. Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chu-vas. Os animais todos, arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas. A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém. Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se diri-giu para o formigueiro. Bateu _ tique, tique, tique... Aparece uma formiga, friorenta, embrulhada num xalinho de paina.- Que quer? _ perguntou, examinando a triste men-diga suja de lama e a tossir.- Venho em busca de um agasalho. O mau tempo não cessa e eu... A formiga olhou-a de alto a baixo.- E o que fez durante o bom tempo, que não cons-truiu sua casa? A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu depois de um acesso de tosse: - Eu cantava, bem sabe... - Ah! ... exclamou a formiga recordando-se. Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas? - Isso mesmo, era eu... - Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho. Di-zíamos sempre: que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora! Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo. A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.

II – A FORMIGA MÁ

Já houve entretanto, uma formiga má que não sou-be compreender a cigarra e com dureza a repeliu de sua porta. Foi isso na Europa, em pleno inverno, quando a neve recobria o mundo com o seu cruel manto de gelo. A cigarra, como de costume, havia cantado sem parar o estio inteiro, e o inverno veio encontrá-la desprovida de tudo, sem casa onde abrigar-se, nem folhinhas que comesse. Desesperada, bateu à porta da formiga e implorou _ emprestado, notem! _ uns miseráveis restos de comida. Pagaria com juros altos aquela comida de empréstimo, logo que o tempo o permitisse. Mas a formiga era uma usuária sem entranhas. Além disso, invejosa. Como não soubesse cantar, tinha ódio à cigarra por vê-la querida de todos os seres.- Que fazia você durante o bom tempo?- Eu... eu cantava!... - Cantava? Pois dance agora... - e fechou-lhe a porta no nariz. Resultado: a cigarra ali morreu estanguidinha; e quando voltou a primavera o mundo apresentava um aspecto mais triste. Ë que faltava na música do mundo o som estridente daquela cigarra morta por causa da avareza da formiga. Mas se a usuária morresse, quem daria pela falta dela?Os artistas _ poetas, pintores e músicos _ são as cigarras da humanidade.

Ao elaborar duas versões para a fábula de La Fontaine, Lobato pro-picia a relativização do maniqueísmo, advindo da moral absoluta.

No texto Monteiro Lobato e as fábulas: adaptação à brasileira (2001), a professora Penteado realiza um estudo comparativo entre as versões de lobato e a fábula de La Fontaine, assinalando aspectos que demonstram o estilo inovador do escritor brasileiro.

Segundo a estudiosa, a fábula de La Fontaine revela, através do esquema Situação/Ação/Reação/Reação/Resultado, a postura valori-zadora do trabalho e da produção capitalista e mercantilista do século XVII, uma vez que o trabalho dos operários era de suma importância para o crescimento das manufaturas no mundo de então. Neste cenário, o narrador refere-se à cigarra com uma visão depreciativa – penúria ex-trema, a tagarela, sem nem mesmo ceder a palavra à personagem. Já em relação à formiga, percebemos claramente a postura de adesão do narrador, que lhe concede voz, por meio do discurso direto para difun-dir os valores mais importantes do relato, ou seja, a moral da fábula: “– OH! bravo! – torna a formiga – Cantavas? Pois dança agora!”.

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A autora chama a atenção ainda para a importância do elemento tempo na narrativa de La Fontaine. Este aspecto, para ela, tem “a fun-ção de exasperar a aspereza da situação e enfatizar a negligência da formiga.” Destaca ainda que o tempo polariza-se entre dois momen-tos opostos da natureza, Verão-Fartura/Inverno-Penúria, em uma clara referência à visão maniqueísta e utilitarista da sociedade “que castiga todo aquele que se afasta dos padrões estabelecidos, premiando os que seguem os moldes propostos.”

Na versão de Lobato, ao contrário, a cigarra é tratada pelo narra-dor de uma maneira mais compreensiva, aspecto indiciado pelo discur-so empregado: “pobre cigarra, em seu galhinho, manquitolando, com uma asa a arrastar, triste mendiga, a tossir.”

A formiga também é apresentada com um comportamento diferente do assumido na versão clássica. Ao recordar-se de que a outra cantava enquanto ela trabalhava, reconhece o valor do canto da cigarra e pro-cura recompensá-la pela satisfação e pelo alívio que a música cantada lhe proporcionava.

A fábula de Lobato chega a reconhecer a atividade da cigarra como profissão: “voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.”.

Para Penteado (2001), mesmo a segunda parte da fábula de Mon-teiro, A formiga má, caracterizada por um acirramento das agruras da cigarra, aspecto denunciado pela ambientação que, ao contrário da primeira parte, “é claramente marcado pela distância e dificuldade: os fatos acontecem na Europa em pleno inverno”, a postura do narrador permanece solidária à cigarra e contrária à formiga:

Não soube compreender a cigarra, com dureza a repeliu de sua porta. (...) Mas a formiga era uma usuária sem entranhas. Além disso, invejosa. Como não soubesse cantar, tinha ódio à cigarra por vê-la querida de todos os seres.- Que fazia você durante o bom tempo?- Eu... eu cantava!... - Cantava? Pois dance agora... - e fechou-lhe a porta no nariz

Com base nesses aspectos, a estudiosa chega à conclusão de que, embora, na segunda versão de Lobato, a cigarra tenha o mesmo final trágico da versão de La Fontaine, na adaptação do escritor brasileiro, é possível perceber uma crítica à postura impiedosa e pragmática da formiga, bem como o respeito à atitude da cigarra, que representa os artistas: poetas, pintores, músicos. Ainda que, mesmo na versão mo-derna, o produto do artista – o canto – apareça apenas com a função de distrair e aliviar o trabalho.

Atividade IVVocê acabou de conhecer as duas versões escritas por Monteiro Lobato da fábula clássica A cigarra e a formiga, de La Fontaine. Saiba que muitos outros escritores escreveram versões para esta fábula. Apresentamos a seguir a versão do poeta José Paulo Paes4 para que você leia e escreva um breve comentário para ser postado no AVA sobre a visão do poeta com relação ao trabalho do artista.

Sem barra

Enquanto a formigacarrega comida

para o formigueiro,a cigarra canta,

canta o dia inteiro.

A formiga é só trabalho.A cigarra é só cantiga.

Mas sem a cantigada cigarra

que distrai da fadiga,seria uma barra

o trabalho da formiga!

José Paulo Paes

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

4 O poeta José Paulo Paes nasceu na cidade de Taquaritinga, em São Paulo, no dia 22 de julho de 1926. Posteriormente, além da poesia, ele se dedicaria à tradução, à crítica literária e à produção de ensaios. Seu avô, que o iniciou no universo da literatura, era livreiro, e o pai era caixeiro-viajante.José Paulo edita, em 1989, sua obra A po-esia está morta mas eu juro que não fui eu, através da coleção Claro Enigma, dirigida por Augusto Massi. Nos anos 90 ele segue em seu ofício literário, publicando vários ensaios, poemas escritos para crianças, tra-duções e poesias. No livro Prosas seguidas de odes mínimas, ele sublima um período doloroso de sua existência, quando sua per-na esquerda é amputada. O poeta morre em 1998, em São Paulo, sem publicar em vida sua obra Socráticas, lançado postumamen-te em 2001. (www.infoescola.com › Biogra-fias. Acessado em 04 de 01 de 2010).

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Leituras recomendadas

Leituras na internet

Há na internet uma série de sites e blogs que possibilitam o acesso à discussão sobre arte. A se-guir indicamos um desses sites que você poderá es-tar consultando:

http://www.historiadaarte.com.br

Leituras bibliográficas

Além das obras citadas na aula, sugerimos o livro a seguir, para o aprofundamento do estudo sobre arte:

MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa e GUERRA, Maria Terezinha Telles. Didática do ensino da arte: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.

Esta obra, que integra a coleção Conteúdo & Metodologia, destinada a alunos de Magistérios e Licenciatura, os futuros professores do Ensino Fundamental e Médio, as autoras enfocam as linguagens específicas das Artes Visuais, Músi-ca, Teatro e Dança, no contexto mais amplo da Arte e sugerem alternativas metodológicas para o trabalho do professor em sala de aula.

Resumo

Aprendemos nesta unidade que a arte é construção, conhecimento e expressão. Embora resulte do olhar do artista sobre dados concretos da realidade, transcende a matéria oferecida pela natureza e pela cul-tura, gerando (re) interpretações do mundo. As manifestações artísticas são diversas e cada vez mais no mundo atual torna-se difícil estabelecer uma divisão entre o que é ou não é arte, sobretudo a partir do advento das Vanguardas Modernistas.

Autovaliação

Leia o fragmento abaixo:1.

“ A arte é uma mentira,Mas uma mentira que nos ajuda a compreender a verdade.” ( Pablo Picasso).

a) Por que o artista afirma que a arte é uma mentira? Com base nas discussões realizadas na aula, apresente algumas características do fazer artístico.

b) De que maneira (s) a mentira da arte ajuda a compreender a verdade? Exemplifique.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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III UNIDADEReferências

BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ática, 2004.

FICHER, Ernest. A necessidade da arte. Ed, 9. São Paulo: LTC, 1987.

LOBATO, Monteiro. Fábulas. São Paulo: Brasiliense, 2000.

MUKAROVSKÝ, Jan. Escritos Sobre Estética e Semiótica da Arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1988.

NEVES, Ana Lúcia Maria de Souza. Tradição e dissonância nas fábulas de Monteiro Lobato. In SILVA, Márcia Tavares & RODRIGUES, Etiene Mendes (Orgs). Caminhos da Leitura Literária: Propostas e perspectivas de um encontro. Campina Grande: Bagagem, 2009.

PAES, José Paulo. Olha o bicho. 11.ed. São Paulo: Ática, 2000.

PENTEADO, Alice Áurea Martha. Monteiro Lobato e as fábulas: adaptação à brasileira. Revista de literatura infantil Cuatrogatos. n° 7, julio-septiembre 2001.

Mimese/mimesisMimese/mimesis

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Apresentação

Caro (a) aluno (a),

Nesta terceira unidade, vamos estudar o conceito de mi-mese, bem como a importância deste conceito para os es-tudos literários. Assim como nas aulas anteriores, o estudo buscará a articulação entre a leitura de textos literários com o comentário teórico-crítico.

Segundo a maioria dos teóricos, o conceito de mimese resiste ainda hoje a qualquer intuito de esclarecimento defi-nitivo. Apesar disso, pretendemos nesta aula conhecer sobre o referido conceito e refletir sobre a sua implicação para os estudos literários.

Objetivos

Ao final desta unidade esperamos que você consiga:

Conhecer a origem, bem como as primeiras formula-•ções sobre mimese;

Compreender sobre as implicações para os estudos •literários das concepções de mimese na atualidade.

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Palavras iniciaisVocê talvez se lembre de já ter visto ou ouvido a frase:

“Qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência”

Essa frase costuma ser usada na apresentação de obras artísticas que contam histórias, principalmente em filmes, romances, novelas etc. A sua intenção primordial é evitar que alguém que assista ao filme, à novela ou leia o livro acredite que a história contada seja inspirada em momentos reais da sua vida. Se fosse realmente uma imitação, deveria ser pedida autorização à pessoa que vivenciou os fatos, sob pena de violar direitos individuais, como o direito à intimidade e à imagem.

Ainda, se fosse o caso de cópia da vida alheia sem autorização, a pessoa que teve a vida imitada poderia processar e pedir indenização pela imitação. Dessa forma, para evitar eventuais processos de indeni-zação, as obras anunciam que não se inspiraram em qualquer fato real e que, se houver semelhanças com a vida de terceiros, terá sido uma simples coincidência.

Trouxemos este exemplo para introduzirmos a nossa reflexão sobre a imitação na obra de arte. Esta discussão tem sua origem na anti-guidade clássica: Heródoto foi o primeiro a utilizar o conceito e Aris-tófanes, em Tesmofórias (411), já o aplica. Entretanto, é em Platão e, posteriormente, em Aristóteles que o conceito torna-se nuclear no que diz respeito às discussões sobre a criação da obra de arte e à forma como reproduz objetos pré-existentes. Já naquela época se discutia se a arte imitava ou não a vida.

Passemos então para o estudo sobre mimese na perspectiva de Pla-tão e de Aristóteles.

As origens do conceito de mimese

O conceito de mimesis segundo Platão

Embora a ideia embrionária de mimesis já apareça nas doutrinas dos filósofos Demócrito (460 - 370 AC) e Sócrates (470 ou 469 a.C), é com Platão (427-347 a.C) que a palavra surge pela primeira vez. Pla-tão não deixou uma filosofia sistemática a respeito da literatura (poe-sia), mas é possível, a partir de seus Diálogos, identificar alguns de seus postulados referentes à arte, em geral, e à Poesia, em particular, forma-dores de um corpo de teorias que repercutem através dos tempos.

Suas considerações sobre literatura aparecem, sobretudo, em A Re-pública. Nesta obra (compreendendo dez livros), Platão procura traçar os princípios gerais que devem reger uma sociedade perfeita e definir os processos que levarão a obtê-la. É no livro X que aprofunda sua dis-cussão sobre a poesia. Com base na leitura do referido livro, é possível perceber as concepções de Platão sobre poesia; o papel do artista na sociedade; o conceito de belo; a concepção de mimesis.

No livro X, da República, o filósofo apresenta a sua idéia de mime-sis a partir da concepção de que existe um “modelo no céu”, existindo assim três graus de realidade, a criada por Deus, a do artífice e a do artista.

Para Platão, o trabalho do artista representa uma produção afasta-da três graus da natureza. Para isso, ele toma como exemplo a cama. Primeiro estaria Deus que criou a idéia deste objeto, em segundo o marceneiro, que é capaz de dar forma ao objeto a partir da idéia cria-da por Deus, e, por último estaria o artista – no caso ele exemplifica citando a figura do pintor – que realiza uma imitação da aparência, ou seja, a imitação do objeto produzido pelo marceneiro.

Então, um pintor, ao pintar uma cama, imita a imitação da idéia verdadeira desse objeto. Dessa maneira, a pintura da cama estaria a três graus da verdade, não tendo sequer com ela vínculo direto.

Junto ao pintor, encontra-se o poeta na qualidade de imitador. Pois assim como o primeiro imita, não aquilo que é verdadeiramente, mas o que aparenta ser, também o poeta faz o mesmo ao imitar todas as coisas sem ao menos conhecê-las.

A poesia imita o homem em todas as suas contradições internas, conflitos, felicidades e infelicidades. E é ao representá-los que os co-loca como verdades aparentes. Com isso, ela dificulta a educação do homem, na medida em que dando à ilusão aparência de verdade, afasta-os do conhecimento pleno do ser. O poeta é, nas cidades co-muns, um formador de opinião, já que cria os mitos a serem tomados por todos. Por isso é que, como os pintores, e ainda mais que eles, não têm lugar numa cidade cuja constituição é regida pela Filosofia, isto é na república idealizada por Platão.

Atividade ICom base na leitura do livro X, de Platão, escreva um breve texto destacando: 1. 1) o papel do artista; 2) a concepção de mimese; 3) a função que o filósofo atribui à arte.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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O conceito de mimesis na poética de Aristóteles

É com Aristóteles que a noção de mimesis, relacionada à discussão acerca da poesia, impõe-se como válida e necessária esteticamente. É importante destacarmos que a expressão “Poesia” – do grego poeésis - neste período está sendo utilizada em referência não apenas ao gê-nero lírico, mas em relação a todas as produções literárias da época: epopéia, tragédia, comédia, poesia ditirâmbica, dentre outras. Somen-te no século XVIII é que a palavra Literatura passou a ser empregada em relação a todas as expressões escritas, incluindo os textos poéticos, científicos e filosóficos.

Para Aristóteles, Logo nos primeiros capítulos da Poética, a noção de mimesis afasta-se da visão de Platão na própria definição da função do conceito de imitação e na exposição que faz relativamente à arte da poesia, a qual descreverá como sendo a arte da “imitação da ação”. Segundo Aristóteles, a “arte poética“ é realizada através da disposição do ritmo, da linguagem e da harmonia, e ela apresenta inúmeras di-visões: a epopéia, a tragédia, a comédia, a poesia ditirâmbica, den-tre outras, cuja distinção encontra-se atrelada ao conceito de mimesis. Mas, que relevância dá Aristóteles, entretanto, à mimesis no âmbito da espécie humana? Este autor diz que o “imitar é próprio do homem” (Po-ética, 1448 a, II, §13). Há na espécie humana a tendência natural para o imitar, aspecto que o distingue de outros seres da natureza, pois entre todos os outros ele é o mais verdadeiro. É por meio da imitação que o homem aprende. Aristóteles observa duas grandes divisões nos modos de imitar, sobre as quais todas as outras espécies de imitar se reúnem: o modo de imitar por meio da narrativa e o modo de imitar por meio de atores. Dessa maneira, fica reservado ao poeta a narrativa dos aconte-cimentos, mediante as personagens, ou a narração dos acontecimentos sendo ele próprio a personagem a representar a ação. Ficam assim demarcados os componentes do tema a respeito dos quais Aristóteles faz suas considerações, a saber: a epopéia, como a arte da narrativa; a tragédia e a comédia, que representam as artes dramáticas.

A mimesis é a imitação da ação. Há uma separação entre os in-divíduos que praticam as artes miméticas e esta divisão é estabelecida de acordo com a qualidade ou modo dos que representam a imitação. De modo que, embora a epopéia, a tragédia, a poesia ditirâmbica, assim como a maior parte da aulética e da citarística sejam em geral, imitações, elas diferenciam-se entre si nas circunstâncias do meio pelos quais imitam ou porque imitam; pelos objetos que variam na imitação, ou porque praticam ações por modos diversos a partir dos quais imitam diferenciadamente.

Igualmente, em outras artes, tais como a dança ou a siríngica (arte de tocar “flauta de Pã”) são designadas como artes miméticas; estas imitam, respectivamente: a DANÇA; imita o ritmo (imitação de afetos, ritmos gesticulados e ações); e as artes da MÚSICA, congêneres à sirín-gica, imitam o ritmo e a melodia.

Relativamente às artes dramáticas e narrativas, Aristóteles distingue a tragédia, por exemplo, como a imitação de um ato nobre. Os imi-tadores da tragédia são homens que praticam necessariamente ações elevadas e são distinguidos, em geral, pela virtude. Portanto, cabe ob-servar que, em qualidade, estas personagens imitam sempre homens melhores que nós. Homero imita em suas tragédias estes homens de caráter elevado. A imitação na tragédia se efetua não por narrativa, mas mediante personagens que suscitarão nos espectadores o “terror e a piedade” com o propósito de purgar essas emoções. As personagens da tragédia agem e se apresentam de acordo com seu próprio caráter e conforme seus pensamentos. Aristóteles compreende o conceito mi-mesis como um aspecto fundamental das artes miméticas.

A mimesis é imitação da ação. Há uma separação entre os indiví-duos que praticam as artes miméticas, isto os grandes homens estão representados na tragédia enquanto os homens inferiores estão mime-tizados na comédia. Conclui-se, por fim, que todas as artes poéticas - inclusive a dança, pintura, escultura e música - são reconhecidamente artes miméticas.

Atividade IINa 1. Poética (séc.IV, aC) ou Arte Poética, como veio a ser chamada, Aristóteles realiza um debate crítico sobre a natureza e o valor da criação literária, identifique os principais postulados referentes a esta natureza e a este valor.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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O conceito de mimesis na contemporaneidade

Vários teóricos contemporâneos retomaram a discussão sobre o conceito de mimese, relacionando-o, muitas vezes, a outros concei-tos como o de verossimilhança (para Aristóteles as narrativas poéticas deveriam representar não o que realmente acontece, mas sim o que poderia acontecer, relacionado ao homem ou ao plano da história). No dicionário de termos literários de Ceia encontramos a referência aos principais estudiosos modernos e contemporâneos que retomaram a discussão sobre mimese:

O alemão Erich Auerbach traça, em Mimesis (1946), a história da representação poética da re-alidade na literatura ocidental, analisando a rela-ção do texto literário com o mundo, mas recusando definir o que seja a imitação; Northrop Frye, em Anatomy of Criticism (1957), retoma a distinção aristotélica entre mímesis superior (domínio supe-rior de representação, onde o herói domina por completo a acção das restantes personagens) e a mímesis inferior (domínio onde o herói se coloca ao mesmo nível de representação das restantes personagens); a estética de Georg Lukàcs presta particular atenção às artes não figurativas, que o teórico marxista considerava a exteriorização mais verdadeira da intimidadade do artista; Hans Ge-org Gadamer retoma a filosofia de Pitágoras, para quem o mundo real imitava a ordem cósmica das relações numéricas, para defender que a música, a literatura e a pintura modernas imitam essa ordem primordial. Em todos os casos, falamos de imitação enquanto forma de representação do mundo e não como uma forma de copiar uma técnica (imitatio, na retórica latina), o que foi prática corrente a par-tir do Império Romano, sobretudo na imitação da obra de mestres de gerações anteriores. É talvez Jacques Derrida quem propõe uma reflexão mais radical sobre o conceito de mímesis: o real é, em síntese, uma replicação do que já está descrito, recontado, expresso na própria linguagem. Falar neste caso de imitação do mundo é aceitar que estamos apenas a repetir uma visão aprendida na linguagem. A semiótica contemporânea substituiu o conceito de imitação pelo conceito de iconicida-de nos estudos literários. (www.fcsh.une.pt/invest/edt/verbetes/, acessado em 19 de fevereiro de 2010 )

Aprofundando um pouco mais a discussão

A discussão sobre mimese lembra-nos os versos do poema “Autop-sicografia”, do poeta modernista português Fernando Pessoa1. Vamos à leitura do poema?

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dorA dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,Na dor lida sentem bem,Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de rodaGira, a entreter a razão,Esse comboio de cordaQue se chama coração.

Neste poema, o poeta realiza uma reflexão que diz respeito a toda criação artística e, em particular, à criação literária.

Podemos interpretar a partir do título do poema “Autopsicografia” que o poeta quer explicar o processo psíquico que envolve a elabora-ção de um texto poético.

A expressão “O poeta é um fingidor” pode ser interpretada como uma metáfora, isto é, emprego de uma palavra ou expressão que mos-tra uma relação de semelhança entre a palavra escrita e a idéia que esta oferece. Trata-se de uma comparação implícita. Logo, de acordo com a referida expressão, a atividade do poeta caracteriza-se pelo fin-gimento e ele finge tão bem que consegue fingir a dor que não sente na realidade. Coloca-nos assim perante dois tipos distintos de dor: a dor real, sentida, e a dor fingida, imaginária. A dor fingida é comunicada através da linguagem verbal, através da poesia.

O produto do trabalho do poeta, sua poesia, é concebido como recriação, ele não se limita a representar o que realmente sente, mas ele reinventa - dor fingida - e esta reinvenção serve de motivo à dor sentida pelos leitores.

1 Fernando Pessoa - Fernando António No-gueira Pessoa (1888-1935, Lisboa), poeta e escritor português. Pessoa é considerado junto de Luís Vaz de Camões um dos mais importantes poetas de língua portuguesa.

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A terceira parte do poema (terceira estrofe), como, sugere a expres-são “E assim”, expressa uma espécie de conclusão: o coração (símbolo da sensibilidade) é um “comboio de corda” sempre a girar nas “calhas de roda” (que o destino fatalmente traçou) para “entreter a razão”. Referência à função lúdica da poesia, que começa na fruição (no sen-timento de prazer) de que o próprio poeta goza, no ato da criação artística.

São também aqui marcados os dois polos em que se processa a criação do poema: o “coração” (as sensações donde o poema nasce) e a “razão” (a imaginação, onde o poema é inventado).

O final do poema aponta para o processo de circular sensação-imaginação que caracteriza a criação literarária.

Avançando na compreensão:chegou a sua vez

Atividade IIIApós a leitura – silenciosa e em voz alta – vamos conversar sobre outro 1. poema do escritor português Fernando Pessoa.

IstoDizem que finjo ou minto Tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação.

Não uso o coração. Tudo o que sonho ou passo,

O que me falha ou finda, É como que um terraço Sobre outra coisa ainda.

Essa coisa é que é linda. Por isso escrevo em meio Do que não está ao pé,

Livre do meu enleio, Sério do que não é,

Sentir, sinta quem lê !

a) O que significa no poema a expressão “sentir com a imaginação”?

b) Segundo o dicionário de termos literário de Massaud Moisés (2000), as palavras “ficção” e “fingimento” originam-se da mesma palavra latina, isto é fictione (m):

Ficção – Latim fictione (m), de fingere, modelar, compor, imaginar, fingir. (MOISÈS, 2000, p.229).

Logo, de acordo com o poema, sobre o que o poeta escreve? Qual a matéria de sua poesia?

c) Na terceira estrofe, o poeta fala da relação entre a obra e o público, o poema e o leitor. Qual deve ser a atitude do leitor diante do texto lido? Justifique sua resposta.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Chegamos ao término de mais uma etapa de nossos estudos sobre a teoria literária. E lembramos aqui mais uma vez as palavras do poeta Fernando Pessoa: “Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: “Navegar é preciso; viver não é preciso.” Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.” (www.insite.com.br/art/pessoa/ Acessado em 19 de fevereiro de 2010). Esperamos que a partir das reflexões realizadas sobre a noção de mimese, você se sinta moti-vado (a) a aprofundar cada vez mais seus conhecimentos literários.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Resumo

Como vimos nesta unidade, a realidade apresentada no texto li-terário pode até expressar aspectos do nosso mundo concreto – dor, sofrimento, alegria, amor- mas é, antes de tudo, fruto da imaginação do autor. Nesse sentido, ao imitar a realidade, o autor recria as suas vivências particulares, os fatos reais. E a isto chamamos de mimese. O termo mimese, ou mimesis, tem origem grega e significa literalmente, imitação. O conceito se torna conhecido através dos filósofos gregos Platão e Aristóteles. Na época em que eles escreveram suas obras não havia o conceito de literatura; as artes como as epopéias de Homero ou as tragédias de Ésquilo ou as odes de tantos poetas eram denominadas de artes miméticas. As artes miméticas tinham como característica imi-tar as ações humanas. Muito se escreveu sobre esta concepção de arte e de literatura, posteriormente.

Lembremos aqui uma questão para a qual Aristóteles já chamava a atenção. As artes miméticas, para ele, poderiam imitar não apenas o que existia ou existiu, elas poderiam trazer à tona coisas que não acon-teceram ou que poderiam ter acontecido. Neste sentido particular, ele enfatiza, por exemplo, a diferença entre um poeta e um historiador.

Logo, mimetizar a realidade não significa meramente copiar a re-alidade concreta, mas ser capaz de transfigurar as experiências huma-nas. Assim como representação da realidade, a literatura não precisa estar presa a ela. Além disso, não é apenas o escritor que faz uso da imaginação e recria a realidade. A partir do século XX, os escritores e críticos literários têm chamado a atenção para o fato de que assim como o escritor, o leitor recria o texto literário que lê. Logo, ler um texto está longe de ser uma atividade passiva, pelo contrário, conforme destaca Chartier (1999, p. 11-2) “um texto só existe se houver um leitor para lhe dar um significado. (...) Ele só se torna texto através de sua relação com a exterioridade do leitor.” Isso implica que, como afirma Mckenzie (apud CHARTIER, 1999, p. 14), “novos leitores criam textos novos, cujas significações dependem diretamente de suas novas for-mas”. A constante renovação do sentido do texto, que vem da também constante renovação da posição do leitor, da formação e entendimento de cada um, garante à obra seu caráter de “eterna novidade”, a cada leitura ou releitura que sofre, e aproxima consideravelmente mundos reais e fictícios.

AutovaliaçãoLeia o poema do escritor brasileiro Oswald de Andrade, intitulado

3 de maio, que tematiza sobre a criação poética. Em seguida estabe-leça uma relação entre a noção de mimese, estudada nesta aula, e a afirmação do poeta de que “a poesia é a descoberta das coisas que eu nunca vi”. Para enriquecer sua leitura do poema, procure conhecer um pouco sobre o escritor Oswald de Andrade. Para tanto, você poderá consultar alguns sites, dentre os quais:

www.releituras.com/oandrade_bio.asp •

www.revista.agulha.nom.br/oswal.html•

3 de maio

Aprendi com meu filho de dez anosQue a poesia é a descobertaDas coisas que eu nunca vi.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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IV UNIDADEReferênciasARISTÓTELES. Poética. (Coleção Grandes Pensadores).

CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Trad. de Mary Del Priori. Brasília: Universidade de Brasília, 1999.

MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. 4. ed.. São Paulo: Cultrix, 1987.

PLATÃO. A República (Livro X). (Coleção Grandes Pensadores).

SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Petropólis/Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

SILVA, Vitor Manuel de Aguiar. Teoria da Literatura. Coimbra: Almedina, 3ed. , 1973.

Uma introdução aos aspectos conceituais e formais dos

gêneros literários

Uma introdução aos aspectos conceituais e formais dos

gêneros literários

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Apresentação

Caro aluno (a),

Conceitos como o de “gêneros literários” não são pací-ficos. Tentaremos abordá-lo chamando sempre a atenção para os aspectos históricos e para o lado mais pragmático a que o professor enfrenta no dia-a-dia. A primeira questão para qual devemos estar atentos é o caráter classificatório que a teoria dos gêneros pode assumir – e assumiu, por exemplo, no período denominado Classicismo. O risco de apresentar a teoria dos gêneros de modo muito fechado pode criar a ilusão de que eles são entidades acabadas, imutáveis.

Se observarmos o modo como muitos livros didáticos abordam a questão dos gêneros, veremos que há uma ten-dência para o que o crítico Césare Segre (1989,p.71) chama de “finalidade normativa”. Ora, é preciso também mostrar para o jovem que inicia seus estudos que os gêneros apon-tam um caminho fecundo trilhado por muitos escritores, mas que cada época tem a liberdade de buscar outros caminhos, de romper com tradições muito arraigadas em nome da ex-pressão de inquietações típicas do momento histórico em que o artista vive.

Feitas estas reflexões iniciais, destacamos o percurso que pretendemos seguir nesta unidade: partiremos de algumas definições de gênero; em seguida, apresentaremos um qua-dro geral dos gêneros numa perspectiva clássica – isto é, associada às denominadas épocas clássicas (obras da Gré-cia e Roma antiga, do Renascimento e do Arcadismo) e um quadro mais moderno (que de fato se instaura a partir do

Romantismo); dando continuidade, buscaremos situar histo-ricamente as alterações mais relevantes no quadro dos gê-neros segundo os grandes períodos históricos da literatura ocidental. Ao longo da aula realizaremos várias atividades de leitura de textos diversos. Lembrando de que, de acordo com as ementas das disciplinas Teoria e critica literária I e II, na próxima aula focaremos nosso estudo no gênero lírico e na Teoria II estudaremos mais detidamente os gêneros nar-rativos ficcionais (conto, novelas, romances etc) e o gênero dramático.

Objetivos

Ao final desta unidade esperamos que você seja capaz de:

Distinguir a classificação dos gêneros literários clássica da mo-•derna.;

Conhecer as alterações mais relevantes no quadro dos gêneros •segundo os grandes períodos históricos da literatura ocidental;

Identificar aspectos característicos dos gêneros literários clássi-•cos e modernos.

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Palavras iniciais

Vamos iniciar analisando algumas definições de gênero literário.

“Se a literatura de imaginação ou criadora é uma interpretação verbal da vida por um artista, essa interpretação pode ser corpo-rificada através de fôrmas que lhe emprestaram uma forma: são os gêneros.” (COUTINHO, 1978, p.23).

“O gênero sempre é e não é o mesmo, sempre é novo e velho ao mesmo tempo. o gênero renasce e se renova em cada nova etapa do desenvolvimento da literatura e em cada obra individual de um dado gênero.” (BAKHTIN, 1997, p.110)

Alguns aspectos merecem ser destacados nas definições de gênero apresentadas por Coutinho e por Bakhtin.

Na definição de Coutinho você concorda que nos de-paramos com a concepção de literatura discutida na aula anterior, ou seja, literatura como fruto da imaginação e cria-tividade do artista e não como cópia da realidade? No en-tanto, as expressões fôrma e forma em referência aos gêne-ros literários recaem, a nosso ver, na visão de gênero como entidades fechadas, fixas, puras, tal como imaginavam os clássicos. A este respeito vejamos o significado de fôrma e forma no dicionário Michaelis, moderno dicionário de língua portuguesa:

for.ma1

(ó) (lat forma) 1 Figura ou aspecto exterior dos corpos ma-teriais. 2 Modo sob o qual uma coisa existe ou se mani-festa. 3 Constituição, modo particular de ser. 4 Modelo, norma. 5 Talhe ou feição da letra. 6 Modo, maneira. 7 Alinhamento de tropas; formatura. 8 Gram Aspecto sob o qual se apresenta um termo ou um enunciado. 9 Caráter de estilo em composição literária, musical ou plástica.

for.ma2

(ô) sf (lat forma) 1 Modelo, molde de qualquer coisa. 2 Molde para a indústria de calçado ou de chapelaria, ou para a formação de qualquer corpo com feitio preesta-belecido. 3 Molde sobre que ou dentro de que se forma qualquer coisa que lhe tome o feitio. 4 Tip Conjunto de

granéis dispostos na máquina para a impressão de uma folha. 5 Cestinho ou vaso em que se fazem os queijos; cincho1. 6 Vaso em que se coalha e apura o açúcar. 7 Vasilha em que se assam bolos e pudins. Letra de f.: letra de imprensa. (Embora a reforma ortográfica de 18 de de-zembro de 1971, Lei nº 5765, não incluia a palavra fôrma entre aquelas cujo acento diferencial permaneceu, enten-demos seja recomendável, para desfazer ambiguidade, a manutenção do acento. Ex: a forma da fôrma retangular é a melhor.) Cf forma.

http://www1.uol.com.br/michaelis/. Acesso em 16 de setembro 2009.

Já a definição do teórico russo Bakhtin é mais coerente com as características apresentadas pelos gêneros no mundo contemporâneo. Ao afirmar que “O gênero sempre é e não é o mesmo, sempre é novo e velho ao mesmo tempo” o estudioso refere-se ao caráter dinâmico, plural e aberto dos gêneros. Nas palavras de Bakhtin compreende-se que os gêneros sofrem mudanças de acordo com as transformações mais gerais no âmbito literário como dependendo do estilo de cada autor.

Avançando na Compreensão: chegou a sua vez

Atividade IEscreva um comentário crítico sobre a definição de gênero apresentada 1. pelo livro didático Literatura brasileira: ensino médio, de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães.

“Entre os gêneros do discurso, existem aqueles que são próprios da esfera artística e cultural e são utilizados com finalidade estética, artística: os gêneros literários. Como o escritor tem liberdade para criar e recriar gêneros literários, é difícil traçar as fronteiras entre estes. Na esfera artísti-ca, os gêneros se multiplicam ou se combinam, e sofrem transformações quase constantemente.” (CEREJA & MA-GALHÃES, 2005, p. 52).

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Aprofundando um pouco mais a discussão

Apresentaremos a seguir dois quadros dos gêneros que trazem uma visão tradicional, isto é, das formulações que vêm da Grécia e perdu-ram até hoje e outro com o que poderíamos considerar a conceituação contemporânea. Eles foram recolhidos de Coelho (1980, p. 44-45).

Quadro 1:

Gênero Formas literárias

Maneira da “imitação”

OBJETO DA IMITAÇÃO ou FACE da reali-dade imitada

Reação do leitor

Lírico

Ditirambo(poema lírico breve: culto de Dionísio) Elegia (=pranto) Hino (= canto à divindade) Canção (=canto de bodas ou dramático)

Cantada Versos pen-tâmetros ou elegíacos; sáficos; alcaicos, etc. (ritmo leve)

O mundo in-terior: o “eu” do poeta em face de suas emoções e do mistério da vida. A “persona” em face da vida.

Emoção que leva o leitor a se concentrar.

Épico Epopéia

RecitadaVersos hexâ-metros (ritmo que corres-ponde ao tom grandio-so, acima do tom comum)

O mundo exterior ao poeta: o mundo das grandes ações, dos grandes gestos que atuam no mundo exterior e o transfor-mam. A vida herói-ca ativa.

Admiração que leva o ser a se expandir

Dramático Tragédia

Dialogada e representa-da. Verso tríme-tro jâmbico (jambo é o metro que mais se conforma ao ritmo natural da fala) ou verso hexâ-metro

O mundo das grandes ações em conflito.Homens superiores vencidos pela fata-lidade ou vencedores

Espanto, dor, como-ção que leva o ser a comungar com o so-frimento do “outro”.

Comédia

Dialogada e representada Mescla de metros

O mundo das ações mesquinhas, do torpe e do feio das rela-ções huma-nas comuns.

Riso e ga-lhofa

Gêneros literários segundo a conceituação de Aristóteles vigorante na Antiguidade Clássica

Quadro 2:

Gêneros Formas literárias

Espécies literárias

Natureza da linguagem

Objeto (ou fonte da “matéria”

Poesia

Lírica

ElegiaOde Can-ção Ba-lada Soneto Madrigal Idílio etc.

Linguagem poética

O mundo lírico (= o mundo do “eu”

Épica

Epopéiahomérica. “Canções de gesta”. Poe-mas épicos renascentis-tas. Poesia social etc.

O mundo épico ou heróico (= o mundo das gran-des ações)

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66 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 67

Teatro

Tragédia

Comédia

Drama

Espécies medievais: Mistérios; Milagres; Autos; far-sas; Alego-rias/ etc.Espécies poético-mu-sicais: ópe-ra; opereta; Variedades; Revistas; etc.

Lingaugem poética ou em prosa.

Dialogada e representa-da.

O mundo social (= o mundo das relações huma-nas + o mundo do “eu”)

Ficção

Romance

Conto

Novela

Crônica

Históricos

Sentimentais

Urbanos

Regionalistas

Ficção cien-tífica

Policiais...

Linguagens em prosa narrativa

O mundo da refle-xão (=a expressão artística que reflete sobre o mundo lírico, o épico ou o social, ex-presso em linguagem literária)

Crítica estética

Ensaio

Artigo

Resenha

Análise de texto

Literária Teatral De artes plásticas Cinemato-gráfica

Metalingua-gem

Com base na visualização dos quadros acima e fundamentados nas contribuições de Jobim (1999), listamos abaixo as alterações mais rele-vantes no quadro dos gêneros segundo os grandes períodos históricos da literatura ocidental.

Na Antiguidade, constituem-se como principais formas literárias •a epopéia, a tragédia e a comédia, além de modalidades ca-racterizadas como pertencentes ao gênero lírico: o ditirambo, a ode, o hino, o epigrama, a égloga.1

A reflexão sobre os gêneros encontram-se fixadas em três prin-•cípios: normatividade (cada gênero tem suas regras de composi-ção); hierarquia ( há gêneros tidos como superiores – por exem-plo, a tragédia) – e outros considerados inferiores – por exemplo,

a comédia); pureza (não se admite em princípio a possibilidade de uma obra combinar elementos de gêneros diversos).

Na Idade Média, embora continue prevalecendo a visão tradi-•cional Greco-latina, surgem novas técnicas e formas sem an-tecedentes no Classicismo antigo, desencadeadas por rupturas nos planos linguístico, cultural, social e religioso. Um exemplo dessa mudança é a reforma no sistema de verso, desencadeada pelas alterações fonológicas e morfológicas do latim, presente nas línguas neolatinas.

Surgem modalidades líricas, narrativas e dramáticas propria-•mente medievais.

Entre as manifestações líricas, destaca-se a • cansó provençal, base do lirismo trovadoresco que se difunde na Europa em tor-no do século XIII.

Entre as narrativas, destacam-se: as épicas escandinava (sa-•gas), francesa (canções de gesta), espanhola e alemã, bem como formas em prosa como a novela de cavalaria e o conto burguês.

Entre as manifestações dramáticas, merecem destaque, o teatro •cômico francês (sotias, farsas, pastorais e monólogos dramáti-cos) e o teatro religioso (milagres, mistérios, autos).2

No Renascimento revitalizam-se os gêneros antigos, epopéia e •tragédia; canoniza o soneto, inventado por volta do século XII.

Na época romântica, enfatiza-se a idéia de liberdade criativa; •desestabiliza-se a teoria clássica dos gêneros, rompendo com critérios como o de pureza e hierarquia; abre-se espaço para gêneros considerados como representativos dos ideais da socie-dade de classes emergente e burguesa: o romance e o drama; a lírica abandona as formas fixas valorizadas no período clás-sico (balada, vilancete, rondel, rondó, triolé, terceto, décima, oitava, entre outas), optando por formas mais livres, criadas de acordo com a subjetividade dos poetas.

No Realismo-Naturalismo a novidade é o impulso dado ao con-•to moderno e a hipótese teórica fundamentada na visão de que as modificações históricas sofridas pelos gêneros são análogas a evolução das espécies biológicas. Assim, do mesmo modo que uma espécie animal surge, se desenvolve e desaparece, vencidas por outras espécies melhor adaptadas ao meio am-biente, também o gênero cumpriria o mesmo ciclo.

No século XX, a partir do Modernismo, há um investimento na •liberdade criativa, surgida no romantismo, multiplicando-se as-sim experiências inovadoras como a introdução do verso livre, rompendo com os velhos padrões regulares da métrica, da rima e da estrofação.

1. Vamos conhecer alguns gêneros da Anti-guidade:

Ditirambo: consistia num canto em louvor ao deus do vinho, Baco.

Ode e hino: Ode e hino: os dois nomes vêm da Grécia e significam canto. Ode é mais a poesia entusiástica, de exaltação. Hino é a poesia destinada a glorificar a pátria ou dar

Epigrama: toda sorte de inscrição, em tú-mulos, monumentos, estátuas, medalhas, moedas, em verso ou em prosa.

Égloga: composição de tema pastoril ou campestre.

2 Vamos conhecer alguns gêneros da Idade Média:

Milagres: textos que fazem referência à vida dos santos e passagens bíblicas.

Mistérios: textos que discutiam a fé.

Autos: peças curtas e de cunho religioso. .

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Avançando na compreensão: chegou a sua vez

Atividade IILeia o poema abaixo e escreva um comentário destacando em que período 1. na história da literatura ocidental a concepção de poesia do poeta encontra-se.

Justifique sua resposta com base nas alternativas apresentadas.

Poética Manuel Bandeira

Estou farto do lirismo comedidoDo lirismo bem comportado

Do lirismo funcionário público com livro de ponto expedienteprotocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionárioo cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristasTodas as palavras sobretudo os barbarismos universaisTodas as construções sobretudo as sintaxes de exceção

Todos os ritmos sobretudo os inumeráveisEstou farto do lirismo namorador

PolíticoRaquíticoSifilítico

De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo

De resto não é lirismoSerá contabilidade tabela de co-senos secretário do amante

exemplar com cem modelos de cartas e as diferentesmaneiras de agradar às mulheres, etc

Quero antes o lirismo dos loucosO lirismo dos bêbedos

O lirismo difícil e pungente dos bêbedosO lirismo dos clowns de Shakespeare

a) No poema de Manuel Bandeira, qual é a atitude em relação ao gênero lírico cultivada em seu tempo?

b) Nos versos “estou farto do lirismo comedido/do lirismo bem comportado”, ao que se refere o eu lírico?

c) Ao afirmar que deseja o lirismo dos loucos, /O lirismo dos bêbedos/O lirismo difícil e pungente dos bêbedos/O lirismo dos clowns de Shakespeare, de que matéria a poesia do poeta se constituirá?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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ResumoConforme vimos nesta unidade, desde a Antiguidade Greco-latina

o texto literário foi alvo de classificações. Regras que serviam para agru-par as obras literárias de acordo com seus temas e formas. No entanto, ao longo da história da literatura, as classificações sempre geraram muitas discussões. Enquanto os clássicos consideravam os gêneros ca-tegorias imutáveis e valorizavam a obra pela sua obediência às regras classificadoras, a partir do século XIX escritores e críticos passaram a defender a liberdade criativa em que se rompem as normas que orde-navam as classificações puras e hierarquizadas.

AutovaliaçãoComo é característico do mundo moderno e contemporâneo os

gêneros se misturam em um constante diálogo. Leia a composição de Chico Buarque e Francis Hime Meu caro amigo e escreva um comentá-rio destacando os gêneros que são referenciados. Se possível, ouça a música. Você pode encontrá-la no site do youtube.

Meu Caro AmigoComposição: Chico Buarque / Francis Hime

Meu caro amigo me perdoe, por favorSe eu não lhe faço uma visita

Mas como agora apareceu um portadorMando notícias nessa fita

Aqui na terra tão jogando futebolTem muito samba, muito choro e rock’n’roll

Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita mutreta pra levar a situaçãoQue a gente vai levando de teimoso e de pirraçaE a gente vai tomando e também sem a cachaça

Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu não pretendo provocarNem atiçar suas saudades

Mas acontece que não posso me furtarA lhe contar as novidades

Aqui na terra tão jogando futebolTem muito samba, muito choro e rock’n’roll

Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

É pirueta pra cavar o ganha-pãoQue a gente vai cavando só de birra, só de sarro

E a gente vai fumando que, também, sem um cigarroNinguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu quis até telefonarMas a tarifa não tem graça

Eu ando aflito pra fazer você ficarA par de tudo que se passa

Aqui na terra tão jogando futebolTem muito samba, muito choro e rock’n’roll

Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita careta pra engolir a transaçãoE a gente tá engolindo cada sapo no caminho

E a gente vai se amando que, também, sem um carinhoNinguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu bem queria lhe escreverMas o correio andou arisco

Se me permitem, vou tentar lhe remeterNotícias frescas nesse disco

Aqui na terra tão jogando futebolTem muito samba, muito choro e rock’n’roll

Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

A Marieta manda um beijo para os seusUm beijo na família, na Cecília e nas crianças

O Francis aproveita pra também mandar lembrançasA todo o pessoal

Adeus

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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V UNIDADEReferências

AGUIAR E SILVA, Victor Manuel de. Teoria da Literatura. 2. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1968.

BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski.

BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. 6.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura & Linguagem. São Paulo: Quíron, 1980.

COUTINHO, Afrânio. Notas de Teoria Literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

JOBIN, José Luis. Introdução aos termos literários. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1999.

MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 1987.

SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Petropólis/Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

SEGRE, C. Gêneros. In: Enciclopédia Einaudi, vol. 17. Porto, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1989, p. 70 a 93.

Estudo do texto poéticoEstudo do texto poético

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Apresentação

Caro (a) aluno (a),

Estudaremos, a partir de agora, no gênero lírico ou po-esia lírica. Trataremos de suas formas, seus tons, suas espé-cies. Partiremos sempre dos poemas procurando motivá-lo (a) a ir, através da leitura, inferindo questões e até mesmo construindo seus conceitos.

Segundo o poeta e ensaísta mexicano Octávio Paz,

a poesia é conhecimento, salvação, poder, aban-dono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um médico de libertação in-terior. A poesia revela este mundo, cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal.” (PAZ, 1982, p.15).

Vamos embarcar nessa viagem?!

Objetivos

Esperamos que ao término desta unidade você seja capaz de:

Identificar os recursos expressivos característicos do gênero lírico;•

Empregar subsídios teórico-metodológicos na leitura do texto po-•ético, mediante a adoção de uma perspectiva científica. ;

Ler e analisar textos poéticos em língua portuguesa, clássicos e •contemporâneos.

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Palavras iniciais

O que dizem os poetas1

Todos nós temos diferentes experiências de leitura da poesia. Alguns ouviram poemas na infância, outros leram em livros didáticos, em anto-logias e, mais recentemente, muitos encontram na internet um espaço de acesso a esse importante gênero literário.

Nesta unidade, iremos estudar mais detidamente a poesia. E vamos iniciar não a definindo, conceituando-a teoricamente. Vamos iniciar lendo poemas em que os próprios poetas e poetisas nos apresentam suas concepções sobre a poesia.

Comecemos com Mário Quintana, poeta gaúcho, que nos deixou inúmeros poemas em que está exposta sua concepção de poesia. Em seu livro Esconderijos do tempo (1980), encontramos o poema abaixo:

Os Poemas

Os poemas são pássaros que chegamnão se sabe de onde e pousam

no livro que lês.Quando fechas o livro, eles alçam vôo

como de um alçapão.Eles não têm pouso

nem portoalimentam-se de um instante e cada par de mão e partem.

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,no maravilhado espanto de saberes

que o alimento deles já estava em ti...

Após algumas leituras – silenciosa e em voz alta – vamos conversar sobre o poema. O poeta compara “poema” a “pássaros”. Quais as possíveis razões para estabelecer esta aproximação? Quando ele afir-ma que o alimento dos “pássaros-poemas” já estava em ti”– isto é, no leitor; a que reflexões o poeta está nos levando? Qual é, de fato, a morada da poesia?

Outro poeta, um pouco anterior a Quintana, também nos deixou um curioso poema em que está posta sua concepção de poesia e de poeta. Vejamos:

PÓETICAI

Que é a poesia?uma ilha cercada

de palavraspor todos os lados

(Cassiano Ricardo – Jeremias sem-chorar. Rio de Janeiro, José Olympio, 1968.)

Se observarmos bem, este poema traz um elemento novo: as pa-lavras. Poesia se faz com palavras. Parece óbvio, mas é preciso ir re-fletindo. Poesia se faz com o trabalho às vezes árduo com as palavras. Drummond, outro importante poeta brasileiro, diz num poema que ire-mos ler depois, que “lutar com palavras é a luta mais vã”. Mas o poe-ma fala também do poeta. E o faz de um modo não idealizado.

Vejamos outro poema. Agora uma vivência de uma poetisa mineira chamada Adélia Prado.

SEDUÇÃO

A poesia me pega com sua roda dentada,me força a escutar imóvelo seu discurso esdrúxulo.

Me abraça detrás do muro, levantaa saia pra eu ver, amorosa e doida.Acontece a má coisa, eu lhe digo,

também sou filho de Deus,me deixa desesperar.

Ela responde passandolíngua quente em meu pescoço,

fala pau pra me acalmar,fala pedra, geometria,

se descuida e fica meiga,aproveito pra me safar.Eu corro ela corre mais,eu grito ela grita mais,

sete demônios mais forte.Me pega a ponta do pée vem até na cabeça,

fazendo sulcos profundos.É de ferro a roda dentada dela.

(Bagagem, 1976, p. 70)

1 Este percurso de leitura é sugestão do professor Doutor José Helder Pinheiro Alves, estudioso do gênero poético.

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O eu que fala no poema – e que chamamos de eu lírico – é femi-nino e revela uma vivência intensa, poderíamos mesmo dizer, erótica com a poesia. Isto é possível? A poesia para esse eu lírico não é algo passivo, é algo mais forte. As expressões utilizadas para revelar a im-possibilidade do eu lírico de se desprender da poesia são fortes, como podemos observar: “me pega com sua roda dentada”, “faz escutar”, “me abraça”, “eu corro ela corre mais”, “Me pega a ponta do pé...”. Ou seja, a poetisa cunhou várias imagens para revelar o poder da poesia, sua sedução, e, ao mesmo tempo, a pequenez do eu diante desta força.

Por fim, um outro poema que nos aponta uma outra concepção e vivência com a poesia:

SUBVERSIVA

A poesia

quando chega

Não respeita nada.

Nem pai nem mãe.

Quando ela chega

de qualquer de seus abismos

desconhece o Estado e a Sociedade Civil

desrespeita o Códito das Águas

relincha

como puta

nova

em frente ao Palácio da Alvorada.

E só depois

reconsidera: beija

nos olhos os que ganham mal

embala no colo

os que têm sede de felicidade

e de justiça

E promete incendiar o país.

(Ferreira Gullar)

Como se vê, o tom aqui mudou: a poesia assume uma função combativa, o que já está indicado no título. Como no poema anterior, a poesia aqui também ostenta sua força, mas a direção agora não é um sujeito individualizado. A poesia volta-se para as instituições como a família, o estado, a sociedade civil. Por outro lado, ela se enternece com os pobres, os “que têm sede de justiça” e, possivelmente por causa destes, promete lutar, ser instrumento revolucionário.

Temos quatro poemas que, cada um a seu modo, falam da poe-sia. Você pode querer saber qual a concepção mais acertada, mais correta. De fato, cada poema destaca uma dimensão importante da poesia. Estes poemas ostentam o que a teoria das funções da lingua-gem, de Jakbson, chamou de função metalinguística. Isto é, os poemas têm como tema central a própria poesia – mas cada um revela suas peculiaridades. Como se vê, não é possível reduzir a poesia a uma só concepção, e, muito menos, a uma só função.

Trata-se de uma arte das mais antigas e sempre presente na vida dos homens. Antes de termos acesso aos livros, à internet, a poesia circulava entre o povo, sobretudo pela via oral. Se puxarmos pela memória, vere-mos que alguns versos, uma estrofe pode aflorar à nossa mente. Ou seja, a poesia pode estar mais próxima de nós do que imaginamos.

Aprofundando um pouco mais a discussão

Aproximação teórica e formal do poemaAgora vamos estudar a poesia de modo mais detido: suas formas,

seus ritmos e suas imagens. Mas o faremos sempre a partir da própria poesia. Passemos à leitura de um poema de Vinícius de Moraes

IV

Apavorado acordo, em treva. O luarÉ como o espectro do meu sonho em mim

E sem destino, e louco, sou o marPatético, sonâmbulo e sem fim.

Desço na noite, envolto em sono; e os braçosComo ímãs, atraio o firmamento

Enquanto os bruxos, velhos e devassosAssoviam de mim na voz do vento.

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Sou o mar! sou o mar! meu corpo informeSem dimensão e sem razão me leva

Para o silêncio onde o Silêncio dorme

Enorme. E como o mar dentro da trevaNum constante arremesso largo e aflito

Eu me despedaço em vão contra o infinito. (1968, p. 191)

Este poema, do livro O encontro do cotidiano, compõe um bloco denominado “Quatro sonetos de meditação”. Trata-se de uma das formas da lírica mais antigas e sempre cultivada através dos anos, o soneto. Escolhemos este poema por acreditarmos que ele exemplifica bem o que a teoria literária elege como marcas determinantes da po-esia lírica. É comum afirmar-se que o gênero lírico é o mais subjetivo dos gêneros literários, uma vez que “exprime um estado de alma e o traduz por meio de ações e disposições psíquicas, muitas vezes tam-bém de concepções, reflexões e visões enquanto intensamente vividas e experimentadas” (ROSENFELD, 1997, p. 22) A lírica é, por natureza, curta, uma vez que exprime quase sempre um sentimento, uma emo-ção, o que não quer dizer que não possa, muitas vezes, vir na forma de pequenas narrativas. Mas quando isto acontece, o evento “narrado” visa exprimir a lembrança de uma vivência intensa, como acontece no conhecido poema “Porquinho da Índia”, de Manuel Bandeira.

Reflitamos um pouco mais sobre a lírica, agora acompanhando o soneto de Vinícius de Moraes. Primeiro, é necessário ler e reler, destacar aspectos que parecem curiosos, expressões pouco usadas em nosso co-tidiano. Seria bom começar se interrogando por que o poema se inicia com o “Apavorado acordo”, ou seja, que sentido tem esta inversão? Esse acordar com pavor e “em treva” sinalizam para o que dissemos há pouco: trata-se de um estado, de uma intensa sensação. Observe-se que os verbos estão todos no presente: “acordo”, “é”, “sou”. Esse gosto pelo presente suscita no leitor a sensação de que as coisas se sucedem aqui e agora, isto é, o poema não narra propriamente um fato acontecido, como corre na ficção. Esta presentificação é também uma característica da poesia lírica. Comentando a primeira estrofe do soneto, Rosenfeld (1997, p. 23) afirma:

A treva, o luar, o mar se fundem por inteiro com o Eu lírico, não se constituem em um mundo à parte, não se emanciparam da consciência que se manifesta. O universo se torna expressão de um estado interior.

Essa “fusão” de que fala o crítico pode ser observada também nas demais estrofes; na E-2, a imagem do corpo como imã que atrai o firmamento, e o assovio do vento associado às imagens de bruxos e “velhos devassos”; na E- 3 através da fusão metafórica: “Sou o mar...”, que se repete duas vezes e, por última, no terceto final, em que o eu lírico parece se integrar totalmente a esta coisa maior que chama de infinito: “Eu me espedaço em vão contra o infinito”.

Como observamos, o poema nos coloca diante da vivência intensa de uma sensação forte, corpórea, diríamos mesmo, avassaladora. Ago-ra observemos algumas imagens que contribuem para a construção do efeito que o soneto tem sobre nós leitores. Expressões como “acordo, em treva” foge ao nosso falar cotidiano. A expressão traz a treva para dentro do sujeito. Na primeira estrofe temos uma metáfora que também con-tribui para o que o crítico chamou de fusão do eu lírico com a natureza: “Sou o mar” (que se repete no início do primeiro terceto). No segundo quarteto destacamos “atraio o firmamento” e também o último verso do poema. Além das imagens, alguns adjetivos trazem sua contribuição para que o poema possibilite um efeito de algo avassalador: “apavora-do”, “espectro”, “sem destino”, “louco”, “patético”, “bruxos”, “aflito”, entre outras. Ou seja, o plano mórfico configura um campo semântico ligado ao estranho, ao inabitual. Para usarmos um conceito da semióti-ca, trata-se de uma isotopia que se constrói ao longo do poema.

No plano estritamente formal, da teoria do verso, destacamos: a) o poema é todo construído por versos decassílabos; b) há presença de rimas em todas as estrofes o que confere uma musicalidade discreta ao poema; c) no segundo quarteto, nos versos finais, há uma repetição do fonema /v/ : velho – devassos – assoviam - voz – vento. Este recur-so, denominado aliteração, parece sugerir aqui o assovio dos bruxos. Como se observa, há um plano sonoro que às vezes pode passar desa-percebido, mas que é fundamental para a construção do poema e para a percepção dos leitores.

Ainda poderíamos falar um pouco da sintaxe do poema. Já cha-mamos a atenção para a inversão inicial, que coloca em destaque o estado do eu lírico. Não se trata de um mero acordar, mas um acordar “apavorado”, em treva. Observe que alguns em versos o sentido só se completa no verso seguinte. Por exemplo, verso 1/2: “O luar/ É como...”, “sou o mar/ Patético”, e ainda “e os braços/ Como ímãs”. Este recurso é denominado enjambement ou cavalgamento, podem contribuir para a construção do sentido do poema.

Como podemos observar, com este rápido percurso, aparentemente simples, o poema tem uma estrutura, comporta camadas que vão do se-mântico (as imagens, os deslocamentos de sentido) ao sintático (a ordem das palavras, as inversões, etc.), do sonoro ao lexical. Percorrer estas ca-madas é um exercício de descobertas de sentidos, de percepção de parti-cularidades que à primeira vista quase sempre não são tão claras. Portan-to, se quisermos aprofundar nosso conhecimento da poesia é necessária esta disposição para apreender, lentamente, todas essas dimensões.

Para conhecer melhor:

As questões teóricas e formais são necessárias para nos ajudar a descobrir os sentidos do poema. Elas não devem ser memorizadas e aplicadas mecanicamente a este ou àquele poema. Há sempre que se perguntar: por que o poeta lançou mão deste recurso? Um verso

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lido mais rapidamente ou mais lentamente tem algum sentido? Esta repetição no início do poema implica no reforço de alguma idéia? Nos tornamos leitores proficientes de poesia quando nos convencemos de que estamos diante de uma linguagem peculiar, fortemente conotativa, mas que nos possibilita viver ou reviver sentimentos e experiências sin-gulares. Nesse sentido, vejamos alguns recursos peculiares do poema.

Versos, estrofes e rimas As doze variedades de versos e sua composição métrica

Número de sílabas do verso Sílabas acentuadas Exemplos

uma 1ªRua Torta Lua Morta. Tua Porta.(Cassiano Ricardo)

duas 2ª

Um raio Fulgura No espaço Esparso De luz (Gonçalves Dias)

três 3ª ou 1ª e 3ª

Vem a aurora Pres-surosa Cor-de-rosa Que se cora De carmim (Gonçalves Dias)

quatro 1ª e 4ª ou 2ª e 4ª

Noite perdida não te lamento embarco a vida no pensa-mento, busco a alvorada do sonho isento. (Cecília Meireles)

cinco (redondilha menor)

2ª e 5ª ou 3ª e 5ª ou 1ª, 3ª e 5ª

Le era um menino valente e caprino Um pequeno infan-te Sadio e gripante. (Vinícius de Mora-es).

seis2ª e 6ª ou 2ª, 4ª e 6ª ou 3ª e 6ª ou 1ª, 4ª e 6ª

Havia um pastor-zinho que andava a pastorar Saiu de sua casa E pôs-se a cantar ( Cancioneiro popular).

sete (redondilha maior) qualquer sílaba e 7ª.

Assim morre o bra-sileiro, como bode, expostoà chuva tem por direito o im-posto. A palmatória por luva: família só herda dele nome de órfão e viúva. (Leandro Gomes de Barros).

oito4ª e 8ª ou 2ª, 6ª e 8ª ou 3ª, 5ª e 8ª ou 2ª, 5ª e 8ª

Suavemente grande avança Cheia de sol a onda do mar, Pausadamente se balança, E desce como a descansar. (Fernando Pessoa).

nove 4ª e 9ª ou 3ª, 6ª e 9ª

Sou o sonho de tua esperança Tua febre que nunca descansa O delírio que te há de matar. (Álvares de Azevedo).

dez6ª e 10ª (heróico) ou 4ª, 8ª e 10ª (sáfico).

Sonhos, mistérios, ansiedades, zelos, tudo que lembra as convulsões de um rio passa na noite cálida no estio da noite tropical dos teus cabelos. (Cruz e Souza).

onze5ª e 11ª ou 2ª, 5ª, 8ª e 11ª ou 2ª, 4ª, 6ª e 11ª

Quantas vezes nós sorrimos sem von-tade E escondemos um rancor no cora-ção. (Noel Rosa).

doze (alexandrino). 6ª e 12ª ou 4ª, 8ª e 12ª

Venha inverno, de-pois do outono benfeitor! Feliz por-que nasci, feliz por-que envelheço, Hei de ter no meu fim a glória do começo: Não me verão cho-rar no dia em que me for. (Olavo Bi-lac).

(GOLDSTEIN, 2006, p. 46-47)*

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84 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 85

Tipos de versos

a) verso branco: é o que não rima

b) verso livre: o que não obedece a nenhuma constrição silábica ou acentual.

c) verso polimétrico: conjunto de versos com diversos tamanhos.

Tipos de estrofes:

Número de versos Nome da estrofeDois versos DísticoTrês versos Terceto Quatro versos Quadra ou quartetoCinco versos Quinteto ou quintilhaSeis versos Sexteto ou sextilhaSete versos Sétima ou sextilhaOito versos OitavaNove versos Novena ou nonaDez versos Décima

(GOLDSTEIN, 2006, p. 53)

Rimas e sua classificação

A rima é definida como a repetição de sons semelhantes que po-dem estar, ora no final dos versos (são as mais usuais e perceptíveis), ora no interior do mesmo verso, ora em posições diversas, já que o parentesco sonoro das palavras que compõem a rima permite esse tipo de variedade de possibilidades no poema.

Há tipos específicos de rimas, a saber: rima interna e rima externa; rima consoante e rima toante; rimas cruzadas, emparelhadas, interpo-ladas e misturadas; rimas agudas, graves e esdrúxulas; rima rica e rima pobre. Abaixo a especificação de cada rima:

a) Rima interna e externa: a rima interna caracteriza-se pelo fato de as sonoridades semelhantes poderem estar ambas no interior de versos diferentes, ou ainda no final de verso e no meio de outro posterior;

b) a rima externa caracteriza-se por ambas semelhanças vocálicas es-tarem no final dos versos.

c) Rima consoante e toante: a rima consoante é aquela na qual há semelhança de sons não só na vogal tônica das palavras como também nas consoantes das mesmas, causando assim uma perfeita identidade de sons na rima; a rima toante é aquela em que há so-mente semelhança sonora na vogal tônica das palavras, isso pode, a princípio causar um estranhamento, já que, a primeira vista, não parece tratar-se de uma rima – esse tipo de rima, às vezes, parece uma “pseudo-rima” (se comparada à rima consoante).

d) Rimas cruzadas, emparelhadas, interpoladas e misturadas: usemos esquemas envolvendo letras a fim de facilitar o entendimento dessas rimas, este esquema ABAB, por exemplo, são rimas cruzadas (ou ainda alternadas); neste esquema CDDC, as rimas DD são empa-relhadas e as CC são interpoladas.

e) Rimas agudas, graves e esdrúxulas: na fonética, as sílabas tônicas das palavras são classificadas em oxítonas, paroxítonas e proparo-xítonas. Quando isso ocorre na rima, na literatura elas são classifi-cadas respectivamente em: agudas (rimas com palavras oxítonas); graves (rimas com palavras paroxítonas); e esdrúxulas (rimas com palavras proparoxítonas).

f) Rima rica e pobre: é possível designá-las através do aspecto fônico ou do aspecto gramatical. Visto que uma rima em que haja pa-lavras de identidade de sons começarem antes da vogal tônica e manter ainda a identidade após a vogal é rica, enquanto que uma rima em que a identidade de sons começarem só a partir da vogal é pobre; e se há uma rima com palavras de categorias gramaticais diferentes ela é rica, enquanto que se há uma rima com palavras de mesmas categorias gramaticais ela é pobre.

Outros recursos sonoros

Aliteração (repetição de uma mesma consoante ou mais); assonân-cia (repetição de uma mesma vogal ou mais); paranomásia (repetição de um grupo de mesmas consoantes e vogais); anáfora (repetição de palavras); onomatopéia (imitação dos sons).

Sugerimos que você, aluno (a), adquira e leia na integra o livro Análise do poema, da Norma Godstein. Afim de que você possa ter conhecimento, de maneira mais aprofunda-da, dos recursos expressivos do poema.

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86 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 87

Avançando na Compreensão: chegou a sua vez

Atividade ICom base no poema abaixo, escreva um texto comentando sobre 1. características da linguagem literária no que diz respeito aos aspectos fônicos, lexicais, semânticos e sintáticos.

O bichoVi ontem um bicho

Na imundície do pátioCatando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,Não era um gato,Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem. (Manuel Bandeira)

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Chegamos ao final de mais uma unidade e esperamos que o tra-balho aqui realizado tenha servido para tirar dúvidas muito comuns em que lê poesia, tais como: o que é poesia? Quando é que um texto escrito é poema e quando não é? Embora saibamos que não existem respostas fechadas para estas e outras perguntas. Então, você poderia perguntar: e como saberemos ao certo? O único caminho é a leitura, ler e ler poemas de diferentes escritores e de diferentes épocas, esta é a única chave. Assim, o mais importante desta aula é que tenhamos despertado o seu interesse em ler poesia, convite ao desvelamento, ao encontro com o não-dito, com o desejado e imaginado. Para isso, lembremos do convite nos feito pelo poeta:

Penetra surdamente no reino das palavras.Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,há calma e frescura na superfície intata.

Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.

Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.Espera que cada um se realize e consume

com seu poder de palavrae seu poder de silêncio.

Não forces o poema a desprender-se do limbo.Não colhas no chão o poema que se perdeu.

Não adules o poema. Aceita-ocomo ele aceitará sua forma definitiva e concentrada

no espaço.Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada umatem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?

(Procura da poesia, Carlos Drummond de Andrade)

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88 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 89

Leitura recomendadaLeituras na internet

http://www.jornaldepoesia.jor.brPossibilita o acesso à obra e à biografia de diferentes poetas do cânone brasileiro.

Leitura bibliográficaTAVARES, Bráulio. Contando histórias em versos: poesia e romanceiro popular no Brasil. São Paulo: Ed34, 2005.

Neste livro encontramos em tom de conversa, inteligente e criativa, noções fundamentais da poesia. O livro é resultado de oficinas literá-rias ministradas pelo autor no Teatro Brincante, em São Paulo.

Contando histórias em versos: poesia e roman-ceiro popular no Brasil encontra-se organizado

em três partes. Na primeira, são apresentados os principais elementos da linguagem poética: o ritmo, as rimas, os vários tipos de verso, as formas fixas, os esquemas métricos, o jogo das ideias e das imagens. A segunda parte aborda a poesia narrativa, isto é, textos que contam uma história em forma de versos, com destaque para o capítulo que ensina “Como contar uma história”. A terceira e última parte apresenta um painel in-trodutório da literatura de cordel brasileira: suas origens, sua estrutura, o desenvolvimento do cordel ao longo do tempo e análises de textos traadição.

ResumoNesta unidade enfocamos o gênero lírico, explorando a partir da leitu-ra de diversos poemas as especificidades deste gênero. Vimos que ele não se propõe a contar uma história, narração de ações ou aconteci-mentos. O que busca o poeta é a captação de um momento especial, transmitido através de um processo muito mais sugestivo e musical do que discursivo. Sua construção se dá por meio do emprego do verso, de recursos musicais – sonoridade e ritmo das palavras- e de um léxico e uma sintaxe específica. Na próxima aula aprofundaremos o estudo dos recursos expressivos presentes no poema, sobretudo no que diz respeito ao aspecto semântico.

AutovaliaçãoAo criar um mundo ficcional, o escritor utiliza basicamente da mes-

ma língua/linguagem empregada pelo cientista, pelo historiador, pelo jornalista, pelo falante comum. No entanto, a maneira de empregar essa língua/linguagem é bem diferente. O escritor dispensa a ela de-terminados cuidados, emprega recursos com o objetivo de chamar a atenção para a própria língua. Escreva um breve texto comentando sobre a linguagem literária com base no poema abaixo.

Catar feijão

1.Catar feijão se limita com escrever:

joga-se os grãos na água do alguidare as palavras na folha de papel;

e depois, joga-se fora o que boiar.Certo, toda palavra boiará no papel,

água congelada, por chumbo seu verbo:pois para catar esse feijão, soprar nele,e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2. Ora, nesse catar feijão entra um risco:o de que entre os grãos pesados entreum grão qualquer, pedra ou indigesto,um grão imastigável, de quebrar dente.Certo não, quando ao catar palavras:a pedra dá à frase seu grão mais vivo:

obstrui a leitura fluviante, flutual,açula a atenção, isca-a como o risco.

(João cabral de melo Neto, Educação pela pedra,1965)

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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90 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 91

VI UNIDADEReferênciasCHALHUB, Samira. A metalinguagem. 4.ed. São Paulo: Ática, 1998.

______. Funções da linguagem. São Paulo: Ática, 1987.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura & Linguagem. São Paulo: Quíron, 1980.

COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons, ritmos. 14.ed. São Paulo: Ática, 2006.

GULLAR, Ferreira. Toda poesia. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.

______. Sobre a arte. Rio de Janeiro: Avenir; São Paulo: Palavra e Imagem, 1982.

JOBIM, José Luís (org.). Introdução aos termos literários. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1999.

MORAES, Vinícius. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987.

Paz, Octávio. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

PRADO, Adélia. Bagagem. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

RAMOS, Péricle Eugênio da Silva (Seleção e Introdução). Poesia Moderna. São Paulo: Melhoramentos, 1967.

ROSENFELD, Anatol. O gênero épico e lírico e seus traços estilísticos fundamentais. In: ___ O teatro épico. 3.ed. São Paulo: Perspectiva, 1997.

SEGRE, C. Gêneros. In: Enciclopédia Einaudi, vol. 17. Porto, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1989, p. 70 a 93.

SOARES, Angélica. Gêneros literários. São Paulo: Ática, 1989.

Figuras de linguagem no texto literário

Figuras de linguagem no texto literário

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92 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 93

Apresentação

Caro (a) aluno (a),

Nesta sexta unidade, vamos estudar a natureza semântica da lingua-gem literária. Para tanto, focalizaremos o estudo de algumas formas de expressão linguísticas que consistem no emprego de palavras em sen-tido figurado e que são importantes na interpretação do texto seja ele literário ou não. Centraremos nossa discussão no texto poético.

Na sua vida escolar, você deve ter se deparado com definições de inúmeras figuras de linguagem. A nosso ver o mais importante não é decorar os nomes e as definições das figuras, mas ser capaz de perce-ber o(s) seu(s) efeito(s) de sentido no texto. Assim, buscaremos, a partir da leitura e estudo do texto poético O navio negreiro, de Castro Alves, mostrar como as figuras são capazes de (re) velar ao leitor a visão de mundo do poeta e/ou de sua época.

Objetivos

Esperamos que ao final desta unidade você consiga:

Perceber no texto as significações expressas por diferentes figu-•ras de linguagem;

Compreender o caráter plurissignificativo da linguagem literá-•ria, especialmente da linguagem poética.

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94 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 95

Iniciando a nossa discussãoO navio negreiro: o poeta, o contexto histórico-cultural da produção e o poema

O poeta

Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_TCImxSrnJ2I/Swfsq6p5uKI/AAAAAAAAAjA/

PmV3k-eDkeI/s1600/Castro_Alves.jpg

E voz como um soluço lacerante

Continua a cantar:

“Eu sou como a garça triste

Que mora à beira do rio,

As orvalhadas da noite

Me fazem tremer de frio.

Me fazem tremer de frio

Como os juncos da lagoa;

Feliz da araponga errante

Que é livre, que livre voa.”

(Trecho do poema Tragédia no lar, de Castro Alves).

Antônio Frederico de Castro Alves (14/03/1847- 06/07/1871) nasceu na fazenda Cabeceiras em 14 de março de 1847, próximo à Curralinho, atual Castro Alves. Filho do Dr. Antonio José Alves e de D. Clélia Basília da Silva Castro.

Recebeu as primeiras letras na cidade de São Félix para onde se transferiu com a família entre os anos de 1852 e 1853.

Em 1854 muda-se com a família para Salvador onde estuda no colégio Serrão e no Ginásio Baiano.

Com o falecimento da mãe em 1859, muda-se com o irmão mais velho para a cidade do Recife-PE.

Em 1854 matricula-se no primeiro ano do curso jurídico e redige com colegas o jornal Futuro. Neste mesmo ano escreve Mocidade e Morte, com o título de O tísico. Em 1865 escreve diversos poemas de Os escravos.

No ano seguinte, funda uma sociedade abolicionista com Rui Bar-bosa e outros colegas.

Em 1867 conclui o drama Gonzaga.

Em 1868 viaja para o Rio de Janeiro onde é recebido por José de Alencar e Machado de Assis.

Em 1869, cursando o quarto ano jurídico, começa a sofrer de en-fraquecimento pulmonar, vindo a falecer dois anos depois.

O contexto histórico-cultural da produção

O Navio Negreiro – Tragédia no Mar, do escritor Castro Alves, foi concluído pelo poeta em São Paulo, em 1868. Quase vinte anos de-pois, portanto, da promulgação da Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico de escravos, de 4 de setembro de 1850. A proibição, no en-tanto, não vingou de todo, o que levou Castro Alves a se empenhar na denúncia da miséria a que eram submetidos os africanos na cruel tra-vessia oceânica. É preciso lembrar que, em média, menos da metade dos escravos embarcados nos navios negreiros completavam a viagem com vida.

(Fonte: ww.casadobruxo.com.br/poesia/c/castrobio4.htm).

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96 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 97

O poema

“Navio negreiro” de Johann Moritz Rugendas, 1830

Breve apresentação

Um dos poemas mais conhecidos do poeta Castro Alves, O Navio Negreiro – tragédia no mar retrata as desventuras dos negros nos po-rões dos navios vindos da África para a América.

Além de apresentar uma linguagem eloquente, característica do século XIX, o poema é rico na utilização de recursos expressivos: pon-tuação sugestiva com uso de reticências e intercalações; presença de metáforas, antíteses, hipérboles, aliterações e assonâncias, conforme mostraremos ao comentar cada uma das seis partes que compõem o Navio negreiro.

Chama a atenção também no poema a maneira cinematográfica de retratar a tragédia narrada: parte-se de uma visão panorâmica, de fora do navio, para um mergulho no interior dos porões.

Passemos então para a leitura de cada uma das partes que com-põem o poema, destacando alguns dos efeitos de sentido gerados pe-los recursos linguísticos empregados. Para tanto, vamos relembrar, ao longo do nosso comentário, alguns recursos formais característicos do poema estudados na quinta unidade.

Iniciando a nossa discussãoA leitura

Antes de comentarmos cada uma das partes que compõem o texto de Castro Alves, vamos proceder à leitura na íntegra do poema “para que as imagens e o ritmo calem dentro de cada leitor ouvinte.” (PINHEI-RO, 2007, p.93).

Se possível, leia em voz alta o poema, procurando perceber os sons e o ritmo do texto. A seguir responda ao que se pede.

O Navio Negreiro Castro Alves

I

‘Stamos em pleno mar... Doudo no espaço Brinca o luar — dourada borboleta;

E as vagas após ele correm... cansam Como turba de infantes inquieta.

‘Stamos em pleno mar... Do firmamento

Os astros saltam como espumas de ouro... O mar em troca acende as ardentias, — Constelações do líquido tesouro...

Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_JBoMiotIBMs/SwVqrQl8_vI/AAAAAAAAAMs/CLqidZ6GwIY/s1600/navio_negreiro.jpg

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98 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 99

‘Stamos em pleno mar... Dois infinitos Ali se estreitam num abraço insano,

Azuis, dourados, plácidos, sublimes... Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

‘Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas Ao quente arfar das virações marinhas, Veleiro brigue corre à flor dos mares,

Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai? Das naus errantes Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?

Neste saara os corcéis o pó levantam, Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest’hora Sentir deste painel a majestade!

Embaixo — o mar em cima — o firmamento... E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! Que música suave ao longe soa!

Meu Deus! como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros, Tostados pelo sol dos quatro mundos!

Crianças que a procela acalentara No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba Esta selvagem, livre poesia

Orquestra — é o mar, que ruge pela proa, E o vento, que nas cordas assobia...

..........................................................

Por que foges assim, barco ligeiro? Por que foges do pávido poeta?

Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano, Tu que dormes das nuvens entre as gazas, Sacode as penas, Leviathan do espaço, Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.

II

Que importa do nauta o berço, Donde é filho, qual seu lar? Ama a cadência do verso

Que lhe ensina o velho mar! Cantai! que a morte é divina!

Resvala o brigue à bolina Como golfinho veloz.

Presa ao mastro da mezena Saudosa bandeira acena As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas Requebradas de langor,

Lembram as moças morenas, As andaluzas em flor!

Da Itália o filho indolente Canta Veneza dormente,

— Terra de amor e traição, Ou do golfo no regaço

Relembra os versos de Tasso, Junto às lavas do vulcão!

O Inglês — marinheiro frio, Que ao nascer no mar se achou, (Porque a Inglaterra é um navio, Que Deus na Mancha ancorou),

Rijo entoa pátrias glórias, Lembrando, orgulhoso, histórias

De Nelson e de Aboukir... O Francês — predestinado — Canta os louros do passado

E os loureiros do porvir!

Nelson: almirante inglês (1758-1805).iônia: variante de jônia, grega antiga.Ulisses: herói da Odisséia, de Homero.

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100 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 101

Os marinheiros Helenos, Que a vaga jônia criou, Belos piratas morenos

Do mar que Ulisses cortou,

Homens que Fídias talhara,

Vão cantando em noite clara

Versos que Homero gemeu ...

Nautas de todas as plagas,

Vós sabeis achar nas vagas

As melodias do céu! ...

III

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!

Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano

Como o teu mergulhar no brigue voador!

Mas que vejo eu aí... Que quadro d’amarguras!

É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...

Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

IV

Era um sonho dantesco... o tombadilho

Que das luzernas avermelha o brilho.

Em sangue a se banhar.

Tinir de ferros... estalar de açoite...

Legiões de homens negros como a noite,

Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas

Magras crianças, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mães:

Outras moças, mas nuas e espantadas,

No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais ...

Se o velho arqueja, se no chão resvala,

Ouvem-se gritos... o chicote estala.

E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,

A multidão faminta cambaleia,

E chora e dança ali!

Um de raiva delira, outro enlouquece,

Outro, que martírios embrutece,

Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,

E após fitando o céu que se desdobra,

Tão puro sobre o mar,

Diz do fumo entre os densos nevoeiros:

“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!

Fazei-os mais dançar!...”

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais...

Qual um sonho dantesco as sombras voam!...

Gritos, ais, maldições, preces ressoam!

E ri-se Satanás!...

V

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas Co’a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão!

vaga: grande onda.turba: aglomeração.ardentias: fosforecência marítima.arfar: ofegar.virações: brisas.brigue: navio à vela.prrocela: tempestade marítima.pélago: mar profundo.pávido: medrosogazas: variante de gasesLeviatã: monstro da mitologia fenícia; sim-boliza força pagã inimiga do povo judeu.à bolina: com a proa na linha do vento.mezena: último mastro, a ré, nos navios de quatro mastro.

luzernas: clarõesdantesco: que lembra o inferno de Dante alighieri (1265-1321).

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102 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 103

Quem são estes desgraçados

Que não encontram em vós

Mais que o rir calmo da turba

Que excita a fúria do algoz?

Quem são? Se a estrela se cala,

Se a vaga à pressa resvala

Como um cúmplice fugaz,

Perante a noite confusa...

Dize-o tu, severa Musa,

Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,

Onde a terra esposa a luz.

Onde vive em campo aberto

A tribo dos homens nus...

São os guerreiros ousados

Que com os tigres mosqueados

Combatem na solidão.

Ontem simples, fortes, bravos.

Hoje míseros escravos,

Sem luz, sem ar, sem razão. . .

São mulheres desgraçadas,

Como Agar o foi também.

Que sedentas, alquebradas,

De longe... bem longe vêm...

Trazendo com tíbios passos,

Filhos e algemas nos braços,

N’alma — lágrimas e fel...

Como Agar sofrendo tanto,

Que nem o leite de pranto

Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,

Das palmeiras no país,

Nasceram crianças lindas,

Viveram moças gentis...

Passa um dia a caravana,

Quando a virgem na cabana

Cisma da noite nos véus ...

... Adeus, ó choça do monte,

... Adeus, palmeiras da fonte!...

... Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...

Depois, o oceano de pó.

Depois no horizonte imenso

Desertos... desertos só...

E a fome, o cansaço, a sede...

Ai! quanto infeliz que cede,

E cai p’ra não mais s’erguer!...

Vaga um lugar na cadeia,

Mas o chacal sobre a areia

Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,

A guerra, a caça ao leão,

O sono dormido à toa

Sob as tendas d’amplidão!

Hoje... o porão negro, fundo,

Infecto, apertado, imundo,

Tendo a peste por jaguar...

E o sono sempre cortado

Pelo arranco de um finado,

E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,

A vontade por poder...

Hoje... cúm’lo de maldade,

Nem são livres p’ra morrer. .

Mosqueados: malhadosAgar: escrava e amante de Abrãão, repudia-da juntamente com o filho Ismael.Tíbios: fracos.Caravana: veículo para captura de africanos que seriam vendidos como escravos.

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104 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 105

Prende-os a mesma corrente

— Férrea, lúgubre serpente —

Nas roscas da escravidão.

E assim zombando da morte,

Dança a lúgubre coorte

Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus,

Se eu deliro... ou se é verdade

Tanto horror perante os céus?!...

Ó mar, por que não apagas

Co’a esponja de tuas vagas

Do teu manto este borrão?

Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão! ...

VI Existe um povo que a bandeira empresta

P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...

E deixa-a transformar-se nessa festa

Em manto impuro de bacante fria!...

Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,

Que impudente na gávea tripudia?

Silêncio. Musa... chora, e chora tanto

Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra

E as promessas divinas da esperança...

Tu que, da liberdade após a guerra,

Foste hasteado dos heróis na lança

Antes te houvessem roto na batalha,

Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!

Extingue nesta hora o brigue imundo

O trilho que Colombo abriu nas vagas,

Como um íris no pélago profundo!

Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga

Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!

Andrada! arranca esse pendão dos ares!

Colombo! fecha a porta dos teus mares!

Atividade IVocê já conhecia o poema de Castro Alves? O que lhe chamou a atenção 1. no texto?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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106 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 107

Comentário das partes que compõem o poema...

...a partir do estudo das figuras de linguagem

Na primeira parte do poema, composta pelas onze estrofes iniciais, observamos o deslumbramento do eu lírico diante da beleza e da har-monia que sugere a imagem do navio em pleno mar:

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! Que música suave ao longe soa!

Meu Deus! como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa!

O que é uma imagem?Como você define imagem?Vejamos como esta palavra é definida no dicionário.

imagem

i.ma.gem

sf (lat imagine) 1 Reflexo de um objeto na água, num espelho etc. 2 Representação de uma pessoa ou coisa, ob-tida por meio de desenho, gravura ou escultura. 3 Estampa que representa assunto religioso. 4 Estampa ou escultura que representa personagem santificada para ser exposta à veneração dos fiéis. 5 Fís Representação de um objeto por meio de certos fenômenos de óptica ou pela reunião dos raios luminosos emanados desse objeto depois de uma re-flexão. 6 Representação mental de qualquer forma. 7 Imi-tação de uma forma; semelhança. 8 Aquilo que imita ou representa pessoa ou coisa. 9 Impressão de um objeto no espírito. 10 Reprodução na memória. 11 Símbolo. 12 Psicol Reprodução, no espírito, de uma sensação, na ausência da causa que a produziu. I. anamórfica, Ópt: imagem que foi distorcida numa direção. I. de bit, Inform: coleção de bits representando os pixels que caracterizam uma imagem na tela ou numa impressora. I. edética, Psicol: imagem visu-al subjetiva de percepções passadas, evocável por certas

pessoas, principalmente por crianças, com toda a nitidez. I. ética: a que apresenta ao vivo os costumes ou a índole dos indivíduos. I. de fundo, Inform: imagem exibida como um pano de fundo atrás de um programa ou janelas de uma GUI; não se move e não interfere com qualquer progra-ma. I. de primeira geração, Inform: cópia mestre de uma imagem, texto ou documento original. I. de sistema único, Inform: visão operacional de redes múltiplas, bancos de dados distribuídos ou dos sistemas de computação múlti-plos, como se eles fossem um sistema único. I. real, Fís: a que é formada diretamente pelos raios refletidos num espe-lho ou lente. I. virtual, Fís: a que é formada não pelos raios refletidos mas pelo prolongamento destes num espelho ou lente. I. virtual, Inform: imagem completa armazenada em memória, e não apenas a parte que é mostrada. I. visual: concepção mental que corresponde a um objeto visto.

(http://www1.uol.com.br/michaelis/. Acesso em 15 de março de 2010).

Podemos perceber que a palavra imagem abarca uma série de sig-nificados. No entanto, no nosso trabalho com o texto literário, ela esta-rá sendo utilizada de acordo com a acepção abaixo:

Da perspectiva literária, a imagem se relaciona ou se confunde com as figuras de linguagem.

Figura de Linguagem: “diz-se dos recursos linguísticos que alteram a disposição normal dos membros da fra-se, com vistas a criar um efeito imprevisto, não neces-sariamente de índole artística ou erudita.” (MOISÉS, Dicionário de termos literário, p.229).

Na primeira parte do poema de Castro Alves, encontramos muitas imagens que fazem referência à/ao:

a) infância: “E as vagas após ele correm... cansam/ Como turba de infantes inquieta.” (ondas do mar correndo igual a uma multidão de criança);

b) equilíbrio da natureza: “ ‘Stamos em pleno mar... Dois infinitos/Ali se estreitam num abraço insano, /Azuis, dourados, plácidos, sublimes... /Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...” (fusão do céu e do mar).

c) ânsia de liberdade: “Esperai! esperai! deixai que eu beba/ Esta selvagem, livre poesia” ; “Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.”

d) grandiosidade da cena vislumbrada: “Embaixo — o mar... em cima — o firmamento... /E no mar e no céu — a imensidade!“

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108 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 109

Vamos nomear algumas dessas figuras de linguagem?

Personificação ou prosopopéia - Figura de linguagem que consiste na atribuição de sentimentos, ações e linguagem próprios dos seres humanos a seres inanimados ou irra-cionais.

No verso “E as vagas após ele correm... cansam”, o eu lírico per-sonifica as ondas (vagas) atribuindo-lhes ações que são próprias dos seres humanos (correr, cansar).

Paradoxo - Emprego de palavras que, embora opostas quanto ao sentido, se fundem em um enunciado.

Veja o verso a seguir:

Qual dos dous é o céu? Qual o oceano?...” (fusão do céu e do mar).

Antítese - Emprego de palavras que se opõem quanto ao sentido.

Veja o verso a seguir:

“Embaixo — o mar... em cima — o firmamento...

A segunda parte encontra-se constituída de quatro estrofes de 10 versos heptassílabos ou redondilhas maiores (sete sílabas). Nesta, o poeta exalta a figura dos marinheiros:

Nautas de todas as plagas, Vós sabeis achar nas vagas

As melodias do céu! ...

Percebemos uma idealização dos marinheiros que são retratados como heróis, comparados a célebres personagens como Nelson (al-mirante inglês – 1758-1805, derrotou Napoleão em Aboukir – 1793) e Ulisses (herói da Odisséia, de Homero, enfrentou inúmeros perigos antes de voltar ao lar em Ítaca).

Nesta parte, o poeta recorre ao uso de figuras de contiguidade (metonímia) e de similaridade (comparação e metáfora).

Metonímia - “Emprego de um termo por outro, numa rela-ção de vizinhança relativa à ordem: causa pelo efeito; si-nal pela coisa significada; continente pelo conteúdo; pos-suidor pela coisa possuída.” (GODSTEIN, 1988, p.42).

Exemplo:

“Que importa do nauta o berço,

Donde é filho, qual seu lar?”

Comparação- proximação entre dois ou mais termos, atra-vés da conjunção como ou seus sinônimos: tal qual, as-sim como, da mesma maneira que.

Observe o exemplo:

“Resvala o brigue à bolina

Como golfinho veloz.”

Metáfora - “Emprego de uma palavra por outra, base-ando-se numa comparação entre elas. É uma espécie de comparação abreviada, da qual se tirou a expressão como ou similar.” (GODSTEIN, 1988, p.40).

Exemplos:

“(Porque a Inglaterra é um navio,

Que Deus na Mancha ancorou),”

“Os marinheiros Helenos,

Que a vaga jônia criou,

Belos piratas morenos”

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110 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 111

A terceira parte encontra-se composta de uma única estrofe de seis versos de doze sílabas. Nesta, o poeta revela a descoberta do horror que se passa no navio:

Mas que vejo eu aí... Que quadro d’amarguras!

É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...

Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

A estupefação do poeta revela-se no uso da pontuação expressiva (recorrência de reticências e exclamações), bem como no emprego do apóstrofo (Meu Deus! Meu Deus! Que horror!).

Atividade IINesta terceira parte o eu lírico emprega algumas metáforas. Cite uma 1. delas e justifique a sua resposta.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

A quarta parte retrata o horror e o sofrimento dos negros aprisiona-dos no porão do navio. Além das metáforas que marcam a idealização presente nas duas primeiras partes do poema, deparamo-nos, agora com a presença de hipérboles que apontam para a dramaticidade da situação vivenciada pelos negros:

Hipérbole - Emprego de palavras que expressam uma idéia com exagero.

Exemplos:

Era um sonho dantesco...• o tombadilho

Legiões de homens negros• como a noite, Horrendos a dançar...

Presa nos elos de uma só cadeia, •A multidão faminta cambaleia, E chora e dança ali! Um de raiva delira, outro enlouquece, Outro, que martírios embrutece, Cantando, geme e ri!

Encontramos também a presença de metonímias que mostram a mi-serabilidade física a que estão reduzidos homens, mulheres, crianças:

Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mães: Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoa vãs!

Chama a atenção ainda a presença de recursos sonoros ou figuras de sonoridade, tais como: aliteração e assonância.

Aliteração: repetição da mesma consoante.

Assonância: repetição da mesma vogal.

Há no poema a aliteração do “i”, combinada com a assonância do “s”, sugerindo os gritos e sílvos dos açoites:

Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite,

Horrendos a dançar... E ri-se a orquestra irônica, estridente...

E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais ...

Se o velho arqueja, se no chão resvala, Ouvem-se gritos... o chicote estala.

E voam mais e mais...

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112 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 113

Na quinta parte vemos retratada a oposição: passado x presente/ liberdade x escravidão. Buscando entender o motivo do sofrimento dos negros, o poeta descreve o passado de liberdade, beleza e bravura vivenciado por homens e mulheres na África - terra natal- em compa-ração com a condição de escravidão, dor e sofrimento a que estão condenados no presente:

São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz.

Onde vive em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados

Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão.

Ontem simples, fortes, bravos. Hoje míseros escravos,

Sem luz, sem ar, sem razão. . . São mulheres desgraçadas, Como Agar o foi também.

Que sedentas, alquebradas, De longe... bem longe vêm... Trazendo com tíbios passos, Filhos e algemas nos braços, N’alma — lágrimas e fel... Como Agar sofrendo tanto, Que nem o leite de pranto Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas, Das palmeiras no país,

Nasceram crianças lindas, Viveram moças gentis...

Passa um dia a caravana, Quando a virgem na cabana Cisma da noite nos véus ...

... Adeus, ó choça do monte, ... Adeus, palmeiras da fonte!... ... Adeus, amores... adeus!...

Atentemos para a musicalidade dos versos. Esta resulta da regu-laridade da métrica e das rimas, bem como da repetição de sílabas, palavras e versos. Com a exploração da expressividade sonoro dos fonemas, no ato de estalar o chicote, o poeta acentua a crueldade dos marinheiros que atendem prontamente as palavras do comandante:

Vibrai rijo o chicote, marinheiros!Fazei-os mais dançar!...

Na sexta e última parte do poema, composta de seis estrofes de oito versos decassílabos, o poeta revela mais uma vez a sua indignação diante do horror vivenciado pelos negros e invoca figuras históricas como Colombo e José Bonifácio de Andrada e Silva para por fim ao tráfico de escravos.

Embora percebamos que são a condição estética do texto literário, ocorre a partir da coesão de figuras e outros aspectos como a dispo-sição do texto na página, por exemplo, as figuras de linguagem são recursos de que o escritor lança mão na construção dos níveis sonoro, morfossintático e semântico do texto.

Atividade IIIO 1. Navio Negreiro foi declamado por Castro Alves em 1868, em São Paulo. Dezoito anos após a Lei Eusébio de Queirós. Faça uma pesquisa sobre a posição político-cultural da elite agrária escravocrata brasileira no que se refere ao processo da Abolição, que só chegaria em 1888. Destaque o pensamento de intelectuais da época como o escritor Castro Alves no que diz respeito ao governo monárquico. De posse dos dados coletados em livros e sites diversos, escreva um breve texto opinativo e poste no AVA.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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114 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 115

Leituras recomendadas

Leituras na internet

http://www.youtube.com/results?search_query=navio+negreiro+&aq=fO poema Navio Negreiro foi musicado por Caeta-no Veloso e se encontra no CD Livro, lançado em 1997. Busque ouvir a música, você vai encontrá-la também no site www.youtube.com na voz de vários

intérpretes, dentre eles Caetano Veloso com a participação de Maria Bethânia e Carlinhos Brown. Vale a pena conferir!

Leituras bibliográficas

MARICONI, Itálo. Como e Por que ler a poesia brasileira do século XX. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

Em como e por que ler a poesia brasileira do século xx, Italo Moriconi realiza um convite aos amantes da poesia para adentrar o uni-verso lírico dos considerado, por ele, como os grandes poetas do século XX. Para tanto, o autor levanta uma série de reflexões relati-vas à leitura deste gênero literário: por onde começar? Que poetas ler? Modernismo,

concretismo, o que significam? Letra de música é poema? Chico Buar-que, Caetano Veloso e Renato Russo podem ser considerados poetas?

Na obra, Italo Moriconi elege os 15 livros canônicos do período. Seus autores: Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Jorge de Lima, Cecília Meireles e Murilo Mendes. E, ainda, os poemas indispensáveis, eternos, estes estudados pelo autor verso a ver-so. Vale a pena conferir!

GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons, ritmos. 14. ed. São Paulo: Ática, 2006.

Este livro apresenta a análise do poema como um procedimento didático. São propos-tas várias interpretações de poemas por meio do estudo dos diferentes níveis que compõem o texto poético, quais sejam: fônico, morfoló-gico, sintático, semântico.

Resumo

Nesta unidade enfocamos os sentidos, as imagens, que expressam, com sensibilidade, a emoção do poeta em relação ao sofrimento do negro aprisionado nos porões dos navios negreiros. A partir da leitura do poema de Castro Alves estudado, identificamos o emprego de dife-rentes figuras de linguagem, buscando desvelar a visão de mundo do poeta. Vimos que o poeta recorre a diferentes figuras para expressar ora uma idéia com exagero (hipérbole), ora para aproximar dois seres em razão de alguma semelhança entre eles (comparação, metáfora), ora para opor sentidos diferentes (antítese, paradoxo) etc,, visando a partir desses sentidos denunciar o horror, a desumanização de que eram vítimas os negros trazidos da África.

AutovaliaçãoA exploração contra o negro ainda vem sendo abordada por artis-

tas contemporâneos. Agora na voz do próprio negro e por movimentos sociais como o rap e o hip hop, que se expressam por meio de dife-rentes manifestações artísticas. Leia a letra da música abaixo e, em seguida, escreva um breve texto, comentando sobre a intertextualidade da música com o poema de Castro Alves. Na comparação entre os textos observe, sobretudo, a linguagem empregada em cada produ-ção. Quem é o eu lírico? De que lugar sócio-cultural ele está falando? Qual a linguagem utilizada (formal, coloquial...)? Quais as figuras de linguagem que você encontra na letra da música? Identifique na análise das figuras a visão de mundo do artista e do contexto social em que ele se encontra.

Você poderá ouvir a música no site do youtube.dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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116 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 117

Todo Camburão Tem Um Pouco De Navio Negreiro

O RappaComposição: Marcelo Yuka

Tudo começou quando a gente conversavaNaquela esquina alí

De frente àquela praçaVeio os homensE nos pararam

Documento por favorEntão a gente apresentou

Mas eles não paravamQual é negão? qual é negão?

O que que tá pegando?Qual é negão? qual é negão?

É mole de verQue em qualquer dura

O tempo passa mais lento pro negãoQuem segurava com força a chibata

Agora usa fardaEngatilha a macaca

Escolhe sempre o primeiroNegro pra passar na revista

Pra passar na revista

Todo camburão tem um pouco de navio negreiroTodo camburão tem um pouco de navio negreiro

É mole de verQue para o negro

Mesmo a aids possui hierarquiaNa áfrica a doença corre solta

E a imprensa mundialDispensa poucas linhas

Comparado, comparadoAo que faz com qualquer

Figurinha do cinemaComparado, comparadoAo que faz com qualquer

Figurinha do cinemaOu das colunas sociais

Todo camburão tem um pouco de navio negreiroTodo camburão tem um pouco de navio negreiro

Referências

GUIMARÃES, H. de S & LESSA, A. C. Figuras de Linguagem. São Paulo: Atual, 1988.

GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons, ritmos. 14. ed. São Paulo: Ática, 2006.

MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 1987.

__________. A análise literária. Ed. 15. São Paulo: Cultrix, 2005.

MORICONI, Itálo.Como e por que ler a poesia brasileira do século XX. Rio de janeiro: Objetiva, 2002.

PINHEIRO, Hélder. (Org.). Pesquisa em Literatura. Campina Grande: Bagagem, 2003.__________. Poesia na sala de aula. Campina Grande: Bagagem, 2007.

PIRES, Orlando. Manual de Teoria e Técnica Literária. 2ed. Rio de Janeiro: Presença, 1985.

PROENÇA F. D. A linguagem literária. 4. ed. São Paulo: Ática, 1992 (Princípios, 49).

RAMOS, M. L. Fenomenologia da obra literária. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

TAVARES, Bráulio. Contando histórias em versos: poesia e romanceiro popular no Brasil. São Paulo: Ed34, 2005.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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118 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 119

VII UNIDADE

O estudo do texto poético na escola O estudo do texto poético na escola

O SILÊNCIOConvivência entre o poeta e o leitor, só no silêncio da leitura a sós. A sós, os dois. Isto é, livro e leitor. Este não quer saber de terceiros, não quer que interpretem, que cantem, que dancem um poema. O verdadeiro amador

de poemas ama em silêncio...

Mário Quintana - A vaca e o hipogrifo (1995).

José Ferraz de Almeida Jr (Brasil,1850-1899) Moça com livro, 1879, MASP.

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120 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 121

Apresentação

Caro (a) aluno (a),

Nesta unidade vamos refletir sobre a abordagem do tex-to poético na sala de aula, sobretudo da educação básica, nível de ensino para o qual você está se preparando para atuar como professor (a).

Para tanto, dividimos a aula em dois momentos:

No primeiro, traçamos, com base em diversos estudiosos da relação entre literatura e ensino, um breve panorama his-tórico da abordagem do texto poético na escola brasileira.

No segundo momento, enfocamos estratégias teórico-metodológicas que se constituem como sugestões para a abordagem significativa do referido gênero em sala de aula.

Objetivos

Ao final desta unidade esperamos que você seja capaz de:

Identificar a (as) forma(s) como a literatura vem sendo tratada •no cotidiano das salas de aula do ensino fundamental e médio e avaliar as suas consequências sobre o processo de formação dos leitores;

Perceber as implicações históricas, culturais e metodológicas •que envolvem a abordagem do texto poético na sala de aula;

Elaborar estratégias metodológicas significativas de abordagem •do texto poético em sala de aula.

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122 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 123

Palavras iniciaisUm Parêntese contextual...

Nas últimas décadas inúmeras pesquisas, estudos monográficos de graduação e pós-graduação têm proporcionado no cenário aca-dêmico discussões sobre a produção, a leitura e as especificidades do texto poético dirigido ao público infanto-juvenil brasileiro, bem como sobre o tratamento atribuído ao referido gênero pelo professor em sala de aula. Entretanto, as formas de abordagem do texto poéti-co na educação básica continuam, na maioria das vezes, priorizando práticas que não incentivam a leitura prazerosa, utilizando o poema como pretexto para outros fins que não a apreciação do texto. Assim, o poema, mais do que qualquer outro gênero, permanece atrelado a atividades que não favorecem a possibilidade de reinterpretabilidade que cada leitor realiza ao tornar-se sujeito de sua leitura (LAJOLO, 1993).

Conforme lembra-nos Letícia Malard (1985), o ensino da Literatura é o mais antigo do Brasil, tendo começado nos colégios fundados pelos padres jesuítas. Nesse período, o estudo literário limitava-se aos clássi-cos gregos e latinos. A metodologia consistia na declamação de textos de Homero, Ovídio, Virgílio e Cícero com o objetivo de supervalorizar a beleza do mundo antigo e o “conteúdo moral da velha poesia.”.

Logo, o estudo do texto literário em nenhum momento possibilita-va aos educandos refletir sobre si e sobre a realidade em que viviam, servindo apenas de “enfeite da memória, de culto da arte da palavra em si.”.

Segundo a referida autora, esta característica do ensino da litera-tura no Brasil, desvinculada da realidade e cujos autores eram vistos como “gênios”, permaneceu durante os séculos XVII, XVIII (apesar da expulsão dos jesuítas e os colégios passarem a ser administrados por outras ordens religiosas ou leigas), no XIX (quando são introduzidas o estudo das línguas francesa e inglesa) e adentrou pelo século XX, firmando-se até a década de 50.

A partir da década de 60, surgem as “análises” e “interpretações”, sobretudo do poema por ser um texto curto, por meio das quais, os professores voavam longe e os alunos, sem a bagagem de leituras do mestre, viam a literatura como matéria para poucos, apenas os “dota-dos de inspiração”.

Diante da dificuldade, estudar literatura passa a ser concebido como memorização de características e definições superficiais dos estilos de época e de nomes de autores que neles são enquadrados.

No entanto, conforme destaca a própria Malard (1985), a literatura é muito mais do que características e definições de estilo de época:

A literatura é uma prática social tanto para quem escreve quanto para quem a lê. Prática social no sentido de atividade humana em intenção trans-formadora do mundo, que expressa o peculiar da relação do homem com o mundo, os modos de ser do homem no mundo. (p.10).

Assim sendo, o estudo da literatura precisa pautar-se no texto, a unidade de sentido, e no contexto (informações sobre o autor, período em que a obra foi escrita, condições de produção, circulação e recep-ção do texto, representando para o aluno algo dinâmico, vivo, huma-no... bem diferente da memorização de fatos e datas históricas.

Nessa perspectiva, não há outra forma de se aprender literatura senão pela leitura. “Ler poemas, contos, romances, crônicas etc (...) antigos e atuais de preferência inteiros.” (MALARD, 1985, p.11).

A questão do valor em literatura considera não apenas o valor li-terário em si mesmo, mas o valor literário imbricado numa rede mais ampla, de natureza social, e coletiva, que diz respeito ao papel do es-critor e do público, suas origens de classe, função intelectual e étnica, e a seus anseios profundos.

Diante do exposto, e frente à realidade que encontramos ainda hoje nas escolas no que se refere ao ensino/estudo da literatura, conside-rada, muitas vezes, como mero pretexto para se ensinar gramática e regras de comportamento, percebemos a necessidade de investirmos, como educadores, no estudo literário que possibilite ao aluno, da edu-cação básica e de nível superior, familiarização com diferentes gêneros textuais, bem como motivação e embasamento teórico que o ajude a interagir com o texto de forma inteligente, criativa e apaixonada.

Atividade IQuando você pensa na sua experiência escolar de estudo da literatura, o 1. que vem a sua mente? A sua experiência assemelha-se ou diferencia-se da realidade apontada pelos estudiosos? Escreva um comentário crítico sobre a sua vivência com a literatura na escola.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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124 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 125

A poesia para crianças e jovens no Brasil

José Ferraz de Almeida Júnior, (Brasil 1850-1899) Família reunida em casa do interior

A década de 80 correspondeu ao período que sucede a fase do boom da literatura infantil, ocorrida na década de 1970. Conforme destacam Brandão (1998), Cunha (1998), Bordini (1998), a literatura infantil e, mais especificamente a poesia brasileira para crianças e jo-vens, ingressa em uma fase marcada por duas realidades: de um lado muitos dos melhores nomes de nossa literatura infantil estavam lan-çando-se àquela época na trilha das obras primorosas de Henriqueta Lisboa (O Menino Poeta), de Cecília Meireles (Ou isto, ou aquilo), de Vinícius de Moraes (A Arca de Noé), de Mario Quintana (Pé de Pi-lão). Dentre estes novos nomes, encontram-se: Sérgio Caparelli, Elias José, José Paulo Paes, Bartolomeu Campos Queiros, Roseana Murray, Ricardo Azevedo, os quais realizaram incursões felizes por meio do

humor questionador, pela organização gráfico-especial dos versos, pela escolha e articulação das palavras, pelo resgate de temáticas e recursos da poesia popular, etc. Por outro, em virtude, principalmente da necessidade de atender ao mercado consumista, que se consolida-va, surgiram as exigências para que o poeta publicasse cada vez mais e em prazos mais curtos de tempo, gerando:

Uma pulverização temática e estilística em que mui-to se escreve, mas sempre sobre o mesmo. A massa da produção se apresenta como redundância anó-dina, viciada pela ânsia de agradar, mesmo que isso signifique representar sempre o mesmo prato com outra decoração. (Bordini, 1998, p.44).

Nessa mesma fase, mais precisamente início dos anos noventa, es-tendendo-se para a década seguinte, surgem os projetos e programas nacionais de incentivo à leitura, criado pelo Ministério da Educação: Ci-randa do livro; Salas de leitura; Literatura em Minha Casa. Este último está em andamento no país, desde 2001. Todos os três enviaram acervo biblio-gráfico para as escolas, priorizando na seleção autores e obras consa-grados nacional e internacionalmente. Em relação à coleção Literatura em Minha Casa, esta apresenta três diferenças em relação aos projetos e programas anteriores: 1) objetiva a formação do acervo particular de cada aluno, estudante da rede pública oficial do país; 2) direciona-se não apenas para a primeira fase do ensino fundamental, mas também para a segunda; 3) constitui-se de coleções de autoria diversificada, reu-nindo em uma obra um mesmo gênero textual (Poesia, Crônica, Conto, Novela, Dramático, Clássico universal, Tradição popular...).

O fato enunciado, isto é, a compra e distribuição, pelo Estado, de acervos publicados e em circulação no mercado, entre as escolas pú-blicas, tem a sua importância, uma vez que representa um dos passos para o encontro entre o leitor e o livro. Entretanto, esta política não tem conseguido atingir o seu objetivo voltado para a formação de leito-res, pelo contrário, conforme já apontara a estudiosa Regina Zilberman (1988), quem mais têm se beneficiado é o mercado:

Embora tenha em vista o benefício da escola e do estudante, quem parece levar mais vantagem é o capital privado, pois as editoras recebem ajuda fi-nanceira antes ou depois de editarem os livros. E, enquanto os destinatários finais- professores e alu-nos- pouco podem opinar sobre o material que lhe foi generosamente enviado (e é por essa razão que não o fazem), os beneficiários nacionais podem usar de seu poder para tentar influir na decisão sobre a aquisição dos títulos a editar ou adquirir. (p.54)

Sobre a hegemonia do mercado editorial, não podemos nos es-quecer dos problemas que envolvem a presença do livro didático em nossas salas de aula, intermediando a relação entre texto e leitor. A este respeito, vários foram os estudos publicados nos anos noventa, enfo-

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cando as limitações das abordagens, sobretudo do poema, presentes no livro didático.

Logo, para uma política bem sucedida de leitura faz-se necessário muito mais do que comprar e distribuir livros com as escolas públicas. É importante investir na formação do professor, seja ela de longa du-ração (oferecida nos cursos de licenciatura) ou de curta (chamada de formação continuada), visando prepará-lo para o trabalho com o texto literário.

Isso por que, muitos professores não se sentem, ainda, motivados, nem seguros, de acordo com eles mesmos, para explorarem o texto literário em sala de aula, sobretudo o poema.*

Diante dessa realidade, percebemos que a problemática é bem mais profunda, logo se faz necessário buscar estratégias que possibili-tem ao professor ler como co-autor, isto implica conhecimento, com-prometimento, prazer...

Atividade IILeia a proposta de atividade com o texto poético A mudança, de Mário Quintana, destacada do livro Português linguagens. v 2, de Willian R. Cereja e Thereza C. Magalhães. Em seguida, elabore um comentário crítico sobre a questão proposta para a interpretação do poema. Para ajudá-lo nesse trabalho, apresentamos dois questionamentos que você poderá buscar responder no seu comentário:

1. A atividade proposta explora as especificidades do texto poético?

2. Com a atividade é possível despertar no aluno o interesse pela leitura?

A abordagem do texto literário na escola: o que fazer? Por onde começar?

As palavras de Mário Quintana, que estão presentes no texto Silên-cio, apresentado no início desta aula, mostram-nos que o mais impor-tante na leitura do texto literário é o encontro entre o leitor e o texto. O que muitas vezes ocorre de forma espontânea, mas o professor muitas vezes não percebe por que está aprisionado a currículos prontos que dificultam a percepção sobre o que o aluno está lendo, ou o que ele gostaria de ler. Talvez seja mais fácil continuarmos afirmando que os alunos não gostam de ler em vez de investirmos na pergunta: de que forma eu posso aproveitar o repertório cultural do meu aluno e fazê-lo adentrar outros universos de leitura, “partindo do conhecido para o desconhecido, do simples para o complexo, do semelhante para o diferente, com o objetivo de ampliar e consolidar o repertório cultural do aluno.” (COSSON, 2006, p.47-48).

Nesse sentido, é preciso, conforme apontamos já na nossa primeira aula, que a literatura não seja reduzida ao sistema canônico. O profes-sor precisa abrir espaço na sala de aula para as várias manifestações literárias, representativas das expressões de diferentes grupos sociais do nosso país.

Assim, a leitura do texto literário (seja qual for o gênero textual) poderá tornar-se antes de tudo uma atividade prazerosa de troca de saberes, dialogia, experiência com a leitura que se justifica pelo seu valor cultural e estético e não porque é boa para ensinar isso ou aquilo. Perceber que o trabalho com a literatura precisa extrapolar o âmbito do conteúdo pelo conteúdo, possibilitando ao leitor, conforme palavras do mestre Antonio Candido, “a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis [como] um direito inalienável”. (1995, p.263, grifo nosso).

Esperamos com essas breves considerações contribuir com o pensar sobre leitura literária na escola- aparentemente uma questão bastante discutida- mas que, a nosso ver, ainda permanece a nos desafiar.

Para aprofundar um pouco mais a discussão, leia o texto abaixo do professor Hélder Pinheiro sobre a atuação do professor na mediação entre o jovem e a poesia. Após a leitura do texto, responda as questões propostas.

Alternativas

A pergunta que sempre me persegue é como levar a poesia aos jovens leitores? Que métodos, que instrumentos utilizar, em que momento ou circunstâncias ela poderá ser melhor vivenciada? Essas questões me parecem esquecidas pela maioria de nossos professores, das escolas, dos pais, dos educadores em geral.não acredito que um dia teremos

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

* Há cerca de quatro anos venho desenvol-vendo na universidade, com a participação de alunos da graduação, pesquisas junto a professores da educação básica, que vem nos apontando para a dificuldade do pro-fessor em trabalhar com o texto literário em sala de aula, principalmente com o poema.

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um saco de respostas prontas – o que seria muito pouco poético. Cada situação, cada turma, cada momento histórico a de exigir de nós procedimentos diversos. Portanto, a preocupação não deve ser substituída por receituário, nem tampouco por uma busca frenética por novidade, pela última moda. Uma boa receita pode nos indicar o caminho para a cura de uma doença, mas sabemos que o organismo, com o tempo poderá se acostumar com o medicamento. Mais que receitas, precisamos desenvolver e assumir algumas posturas quanto à leitura do poema e a leitura em geral. Atrevo-me a sugerir algumas destas posturas ao professor que deseja, em diferentes situações, levar a poesia a seus alunos: 1) não se fixar, de modo absoluto, no que deu ou não certo em experiências anteriores; 2) não buscar resultados imediatos e visíveis – nesse campo, há coisas sutis que nem sempre vemos; 3) ter constância no trabalho – é melhor ler diariamente um poema com seus alunos do que realizar um “festival de poesia” e no resto do ano ela ser esquecida; 4) priorizar a leitura à criação- precisamos de “amadores de poesia”, nos lembra Drummond; e, por último, 5) é imprescindível que o professor seja um leitor de poesia.

O professor que deseja trabalhar com poemas em sala de aula deve ficar se perguntando sobre as alternativas que terá uma vez que o acesso às obras em muitos pon-tos do país não é fácil e o preço também não ajuda. Uma alternativa possível que facilitaria o acesso à poesia é a confecção de antologia de poemas por autores. Esse ca-minho cada professor, em tese, poderia seguir. Para leito-res adolescentes, antologia é uma boa porta de entrada. Muitos poemas de Drummond, Bandeira, Vinícius, José Paulo Paes e tantos outros grandes poetas, poderiam ser levados ao conhecimento desses jovens leitores. (PINHEIRO, Hélder. Alternativas. In: Poemas para Crianças. - (Org) São Paulo: Duas Cidades, 2000.)

Atividade IIICom base no texto 1. Alternativas, do professor Hélder Pinheiro, responda:

a) Pinheiro aponta cinco posturas que devem ser assumidas pelo professor ao abordar a poesia em sala de aula. Destaque e explique cada uma das posturas apontadas.

b) A confecção de antologias como alternativa possível para facilitar o acesso dos alunos à poesia é sugerida por Pinheiro. Com a presença cada vez mais efetiva da tecnologia nas escolas (computadores, TVs, DVDs etc) que outras sugestões você apontaria para o trabalho do professor com o texto poético.

Para encerrar, gostaríamos de citar o poema Aula de leitura, de Ricardo Azevedo, texto que nos possibilita refletir sobre o que é ler no sentido deste encontro do leitor consigo mesmo, com o outro, com a vida.

Atividade IV Leia o texto intitulado Aula de Leitura, do escritor Ricardo Azevedo, e, em seguida, descreva, com as suas palavras, o que significa ler baseado no poema.

Aula de leitura

A leitura é muito maisdo que decifrar palavras;quem quiser parar pra verpode até se surpreender:vai ler nas folhas do chãose é outono ou se é verão;nas ondas soltas do mar,

se é hora de navegar;e no jeito da pessoa,

se trabalha ou se é à-toa;na cara do lutador,

quando está sentindo dor;vai ler na casa de alguém,o gosto que o dono tem;e no pêlo do cachorro,

se é melhor gritar socorro;e na cinza da fumaça,

o tamanho da desgraça;e no tom que sopra o vento,

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Ricardo Azevedo, escritor e ilustrador pau-lista nascido em 1949, é autor de mais cem livros para crianças e jovens, entre eles Um homem no sótão (Ática), Lúcio vira bicho (Cia. das Letras), Aula de carnaval e outros poemas (Ática), A hora do cachorro louco (Ática), Livro dos pontos de vista (Ática), Armazém do Folclore (Ática), Histórias de bobos, bocós, burraldos e paspalhões (Pro-jeto), O livro das palavras (Ed. do Brasil), Trezentos parafusos a menos (Companhia das Letrinhas), O sábio ao contrário (Se-nac/Ática), Contos de enganar a morte (Áti-ca), Chega de saudade (Moderna), Contos de espanto e alumbramento (Scipione), O peixe que podia cantar (Edições SM) e Nin-guém sabe o que é um poema (Ática). Ga-nhou várias vezes o prêmio Jabuti, o APCA e outros. Tem livros publicados na Alemanha, em Portugal, no México, na França e na Holanda. Bacharel em Comunicação Visual pela Faculdade de Artes Plásticas da Fun-dação Armando Álvares Penteado e doutor em Teoria Literária pela Universidade de São Paulo. Pesquisador na área de cultura popular. Professor convidado do curso de especialização em Arte Educação no PRE-PES-PUCMG desde 2003. Tem artigos publi-cados em livros e revistas abordando proble-mas do uso da literatura de ficção na escola. A maioria desses livros foram contemplados pelos programas de leitura do MEC, tendo sido enviados para as escolas públicas do país. Vale a pena conhecer!!!!

Fonte: www.ricardoazevedo.com.br/biogra-fia.htm

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se corre o barco ou vai lento;e também na cor da fruta,

e no cheiro da comida,e no ronco do motor,

e nos dentes do cavalo,e na pele da pessoa,e no brilho do sorriso,

vai ler nas nuvens do céu,vai ler na palma da mão,

vai ler até nas estrelase no som do coração.Uma arte que dá medo

é a de ler um olhar,pois os olhos têm segredos

difíceis de decifrar.

(AZEVEDO, Se eu fosse Aquilo, 2002.)

Atividade VA partir do texto 1. Aula de leitura, elabore uma proposta de atividade para uma turma do 6º ano, tendo como objetivo principal despertar o interesse do aluno para a leitura do texto poético.

Leituras recomendadas

Leituras na internet

Leitura e Literatura Site da TV Cultura/Alô Escola que traz vários ar-tigos sobre o ensino da leitura e a abordagem da literatura na escola.

http://www.dobrasdaleitura.comRevista de literatura infantil e juvenil que divulga as novidades do mercado editorial e disponibiliza tex-tos para a reflexão sobre as tendências da literatura e do livro para crianças e jovens, formação de leito-res e incentivo à prática da leitura literária

Leituras bibliográficas

Além das obras citadas na aula, sugerimos os livros a seguir, para o aprofundamento do estudo sobre o assunto abordado nesta aula.

PINHEIRO, Hélder. Poesia na Sala de Aula. (3ª ed. revista e ampliada) Campina Grande: Bagagem, 2007. 133 p.

Fundamentado em diferentes pesquisas e es-tudos, o livro mostra o pouco interesse em relação à poesia por parte dos organizado-res dos currículos escolares e a ausência des-te gênero nos livros de literatura distribuídos

pelo governo. Com base nesses dados, o autor chama a atenção para a necessidade de obras que mostrem formas de abordagem do texto poético em sala de aula. É com esse propósito que são relatadas experiências que surgerem um trabalho prazeroso e apai-xonante com a com a poesia dentro da escola.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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ResumoPercebemos que o estudo do texto literário, sobretudo da poesia, per-manece, segundo os estudiosos, atrelado a práticas de utilização do texto literário caracterizadas por uma perspectiva desvinculados do pra-zer da leitura. Observamos também a necessidade de rompermos com o sentido da obrigatoriedade, a leitura como mera disciplina escolar, para se converter em ato espontâneo e instigante, desencadeando mo-mentos agradáveis, aspecto importantes para qualquer forma de leitura e de literatura. Faz-se necessário integrar a literatura a um projeto de-safiador, próprio de todo fenômeno artístico, o que poderá impulsionar o seu leitor a uma postura crítica perante a realidade, dando margem à efetivação dos propósitos da leitura como habilidade humana. Caso contrário, transformar-se-á em objeto pedagógico, prática passiva, alienante.

AutovaliaçãoCom base na discussão realizada na aula, selecione um livro didá-

tico de uma das séries do fundamental II (6º ao 9º ano) e, em seguida, escolha uma unidade para ser analisada com base nos aspectos des-tacados abaixo:

• Identificaçãodoscritériosquedeterminamaescolhadosautorescomo das obras (autores e obras pertencentes ao cânone nacional? autores e obras contemporâneos? autores e obras diversificados?)

• Conteúdosexploradosnaabordagemdotexto(sãoexploradasasespecificidades do texto literário? O texto literário é utilizado como pretexto para o estudo gramatical?);

• Aformacomoostextosliteráriossãotranspostosparaasquestões(o texto aparece na íntegra? Aparece fragmentado?).

• Sãoestabelecidasrelaçõesentreotextoliterárioeoutraslinguagens(do cinema? Da internet? etc).

Referências

AGUIAR, Vera Teixeira de. A literatura infantil no compasso da sociedade brasileira. In: ZILLES, Urbano. Gratidão de ser. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994.

AGUIAR, Vera Teixeira de & BORDINI, Maria da Glória. Literatura; a formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988

CANDIDO, Antonio.O direito à literatura. In:___Vários Escritos.3ed.São Paulo: Duas Cidades, 1995.

COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura infantil: teoria e prática. 5 ed. São Paulo: Ática, 1986.

FARIA, Maria Alice. Parâmetros curriculares e literatura: as personagens de que os alunos gostam. São Paulo: Contexto, 1999.

FULGÊNCIO, Lúcia & LIBERATO, Yara. A leitura na escola. São Paulo: Contexto, 1996.

LAJOLO, Marisa. Usos e abusos da literatura na escola: Bilac e a literatura escolar na República Velha. Rio de Janeiro: Globo, 1982.

_____________. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1993.

______________. & ZILBERMAN, Regina. A leitura rarefeita. São Paulo: Brasiliense, 1991.

LEAL, Leiva de Figueiredo Viana. Leitura e Formação de professores. In: MARTINS, Aracy Alves et al. A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

LEITE, Lígia Chiappini M. Invasão da cetedral: literatura e ensino em debate. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.

MALARD, Letícia. Ensino e literatura no 2º grau: problemas e perspectivas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.

PINHEIRO, Hélder (Org.) Poemas Para Crianças: reflexões, experiências, sugestões. São Paulo: Duas Cidades, 2000.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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VIII UNIDADE

SERRA, Elizabeth D’angelo (Org.). 30 anos de Literatura para Crianças e Jovens: Algumas leituras. Campinas/São Paulo: Mercado de Letras, 1998.

ZILBERMAN, Regina (Org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.

ZILBERMAN, Regina & LAJOLO, Marisa. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1997.

ZILBERMAN, Regina. & SILVA, Ezequiel Theodoro da (Org.). Leitura: perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1988.

ZILBERMAN, Regina & SILVA, Ezequiel Theodoro da. Literatura e pedagogia: ponto e contraponto. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.

ZILBERMAN, REGINA. Fim Do Livro, Fim Dos Leitores? SAO PAULO: SENAC, 2009.

As especificidades da crítica literária

As especificidades da crítica literária

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Apresentação

Caro (a) aluno (a),

Nesta oitava unidade, vamos estudar sobre as especificidades da crítica literária, refletindo sobre algumas questões. Dentre estas: em que consiste a atividade da crítica? Qual (ais) o (s) papel(eis) da crítica? Quais as contribuições da crítica para o ensino da literatura? Para tan-to, focalizaremos as mudanças ocorridas no discurso crítico do século XIX ao presente. Ao longo do estudo apresentaremos as principais ca-racterísticas da crítica literária segundo cada período histórico.

Objetivos

Esperamos que ao final desta unidade você consiga:

Compreender a o discurso crítico literário como uma constru-•ção cultural e histórica;

Situar historicamente a crítica literária no Brasil;•

Identificar as principais características da crítica literária do sé-•culo XIX à atualidade.

Compreender o lugar da crítica na relação com o ensino da •literatura.

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Um pouco de história...

A crítica literária do século XIX ao XXIComecemos nosso estudo sobre crítica literária chamando a aten-

ção para o fato de que do século XIX para o século XXI existem diferen-tes perspectivas de conceber a atividade realizada pela crítica literária. E estas variações implicam em mudanças quanto à concepção do que é literatura, qual o objeto das pesquisas literárias, isto é, o que pode ser estudado nas pesquisas em literatura e como este objeto pode ser abordado.

Segundo Afrânio Coutinho (1978, p.91), a história da crítica literá-ria “é uma longa luta, um grande esforço para penetrar e compreender o fenômeno literário.”

Entre o final do século XIX e início do século XX, o discurso crítico literário era dominado pelo estudo dos fatores exteriores, extrínsecos que condicionavam a gênese do fato literário. A crítica fundamentava-se nas teorias do naturalismo e determinismo biológico, social e geo-gráfico, bem como no biografismo. Nessa perspectiva, destaca-se, no Brasil, os estudos críticos de Silvio Romero.

Com base nessa forma de conceber o trabalho da crítica, a obra literária era encarada de fora, vista como um documento – de uma raça, uma época, uma sociedade, uma personalidade. A literatura era concebida como espelho da vida.

A partir do século XX, na Europa, surgem inúmeros movimentos teóricos, os quais estudaremos nas aulas seguintes, que apresentam reação contrária à crítica literária preocupada com os fatores exteriores ao fato literário. A preocupação passa a ser com a obra em si. O papel da crítica passa a ser o de analisar o fato literário em seus elementos intrínsecos (interiores) a procura das especificidades que garantem o caráter artístico do objeto estudado. A partir de então há uma ênfase sobre o elemento estético em detrimento de aspectos históricos e cul-turais. Essa nova forma de conceber o fazer da crítica literária é assim resumida por Coutinho:

A grande idéia da teoria crítica contemporânea é precisamente esta: a do primado do texto, da obra. Dirigir-se ao texto com simpatia e capacidade de senti-lo, a fim de subordinar-se a ele e aferir o seu valor, pós análise, comparação, compreensão, in-terpretação. (1978, p.96).

Observemos que Coutinho se refere a esta nova crítica como con-temporânea, pelo fato da mesma está presente no século XX, década de 1970, período em que surge esta nova perspectiva e, ao mesmo tempo, contemporâneo dele.

No final do século XX e no século atual, conforme nos lembra Luiza Lobo no seu livro Crítica sem juízo (1993), a crítica literária sofre mudanças significativas, ocorre a “falência da crítica em se colocar “superegoicamente” como um juízo de valor sobre tudo e todos e pro-põe um desajuizamento intelectual, um nosense prazeroso, um riso, ainda que forçado, na maneira de ver o cotidiano, a literatura e tudo o mais. (p.9).

Para a autora, trata-se de um movimento inverso ao das propostas estruturalistas de abordagem do “objeto” literário, que, segundo ela, se constituíam em camisas-de-força impostas ao referido objeto.

Conforme destaca Culler (1999), A partir dos anos de 1960, os estudos críticos encaminham-se por três “modalidades teóricas”. A re-flexão sobre a linguagem empreendida pela desconstrução e pela psi-canálise; as análises do papel do gênero e da sexualidade inicialmente realizadas pelo feminismo e depois pelos estudos de gênero e pela “Queer Theory”; e o desenvolvimento de críticas culturais historicamen-te orientadas (novo historicismo, teoria pós-colonial), que estudam uma gama ampla de práticas discursivas, envolvendo muitos objetos (corpo, família, raça, leitura) não pensados anteriormente como tendo uma história. Na aula sobre os estudos críticos contemporâneos trataremos dessas três modalidades.

A crítica brasileiraA crítica no Brasil tem início no século XIX, embora no século XVIII

tenham existido manifestações esporádicas ocorrida na época das aca-demias* e entre os poetas arcádicos.

É a partir do Romantismo que a literatura brasileira tem os primeiros espécimes de pensamento crítico e de crítica prática. Gonçalves de Ma-galhães, Santiago Nunes Ribeiro, Joaquim Norberto, José de Alencar, Macedo Soares, Álvares de Azevedo, Machado de Assis iniciaram a crítica brasileira propriamente dita, conduzindo-a do Romantismo para o Realismo.

Nessa segunda fase, surgiu a crítica mais sistemática sob o domínio das novas doutrinas filosóficas e biológicas, deterministas, positivistas e naturalistas, que concebiam a literatura como reflexo da sociedade, com Silvio Romero, Araripe Júnior, Rocha Lima, Capistrano de Abreu, Clóvis Beviláqua, Artur Orlando, Valentim Magalhães, José Veríssimo, João Ribeiro. Nas primeiras décadas do Século XX, destacaram-se os críticos impressionistas, na linha de Anatole France, Jules Lemaitre e outros, concebendo como “passeio da alma através das obras-primas,

O século XVIII assiste ao período áureo das academias - filosóficas, científicas e literárias -, num momento de afirmação e difusão de uma cultura laica, enciclopédica e universal e de revolução política, quando o papel social da arte se explicita e, com ele, o apoio crescente do Estado às instituições de ensino artístico e entre os poetas arcá-dicos.

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crítica subjetivista e autobiográfica” (COUTINHO, 1978). A reação de Tristão de Athayde, Mario de Andrade, Henrique Abílio e outros veio encaminhar a crítica para a busca do estético da obra literária, tanto contra o impressionismo, como contra o sociologismo naturalista. Estu-daremos sobre estas correntes nas próximas aulas. Surge neste período as análises fundamentadas nas técnicas estilísticas e estruturalista de explicação dos textos. De qualquer modo, em obediência à regra geral da primazia do texto, ou seja, da obra. Crítica de cunho estético. Nova crítica.

Após os anos de 1960, a crítica envereda-se por uma perspectiva histórico-cultural voltada não apenas para os aspectos imanentes, mas também para os aspectos exteriores ao fato literário. Esta perspectiva crítica será o assunto da décima aula.

Avançando na compreensão

ConcepçõesPara os defensores da literatura como mero objeto estético, a críti-

ca literária “é uma atividade intelectual, reflexiva, usando o raciocínio lógico-formal, procurando adotar um método rigoroso, tanto quanto o das ciências, porém de acordo com a natureza do fenômeno que estuda (...) é um método específico para um objeto específico.” (COU-TINHO, 1978, P.92).

Para Culler (1999, p. 52), a tarefa da crítica neste período “era a interpretação de obras literárias enquanto realizações de seus autores, e a principal justificativa para o estudo da literatura era o valor especial das grandes obras: sua complexidade, sua beleza, sua percepção, sua universalidade e seus potenciais benefícios para o leitor.”.

Com o advento dos Estudos Culturais no final do século XX, a crí-tica literária passa a ser vista como um caminho de estudo da litera-tura como prática cultural específica e as obras são relacionadas a outros discursos. “O impacto da teoria foi expandir o arco de questões às quais as obras literárias podem responder e focar a atenção nos diferentes modos através dos quais elas resistem a ou complicam as idéias de seu tempo.” (CULLER, p.52). Ao contrário dos estudos que priorizavam a obra em si mesma, a partir dos estudos culturais, a crítica literária passou a se preocupar com as condições de produção: o que é dito, o que é silenciado, para quem é dito, quando é dito, com qual finalidade é dito etc.

Para refletir e opinar !

Atividade INo tópico anterior vimos que a atividade crítica sofreu ao longo dos anos 1. muitas alterações. Isso implicou no fato de mudanças com relação à concepção sobre quem escrevia (autor/ autora), sobre o que se escrevia (o que é ou não literário), de que forma estudar o fato literário (crítica extrínseca, crítica intrínseca)). Apresentamos abaixo a opinião do crítico Abgar Renault, declarada em 27 de janeiro de 1926 sobre a poetisa mineira Henriqueta Lisboa. Leia a opinião e, em seguida, escreva um breve comentário, situando historicamente a perspectiva do crítico. Observe no seu comentário a concepção do teórico sobre a mulher escritora.

“Tem um verdadeiro talento essa moça, não acha? Finura, elegância, presença, assim de formas como de expressões [...] e, sobretudo, uma rara feminili-dade, qualidade, a meu ver, tanto ou quanto efu-siva entre as musas femininas. [...] faço questão de expressar a admiração que em mim despertaram os versos de Henriqueta Lisboa, em mim... que sou tanto séptico a propósito de inteligência de mulher” (RENAULT IN PAIVA, 2006, P.139)

Atividade II2. Outra característica do discurso crítico é que ele não é uma verdade, muito

menos absoluta, como muitos pensavam até o século XX. A opinião do crítico é determinada por condições psicológicas, sociais e culturais, isto é, depende de como o estudioso está emocionalmente, bem como de que lugar social ele está falando, para quem ele está falando, com qual finalidade ele está falando. São as injunções históricas, políticas e sociais às quais nem críticos, nem teóricos, nem autores, nem leitores estão imunes.

A este respeito leia um trecho de uma carta de Mário de Andrade, escrita para a poetisa Henriqueta Lisboa, em que ele protesta por saber que Henriqueta suprimira da primeira edição do livro O menino poeta, de autoria da escritora mineira, o poema Mamãezinha por ele tê-lo julgado banal. Em seguida, destaque as condições de produção que estão relacionadas ao discurso de Mário de Andrade e que podem ter influenciado na opinião do estudioso. Justifique sua resposta..

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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“Mas lhe peço por favor quando retirar ou consertar alguma coisa, fazer sempre isso por sua exclusiva vontade e responsabilidade. [...] guarde sua liber-dade inteira, por favor! Si concordar, muito que bem: jogue fora, conserte. Mas, si não concordar, sustente. Só assim terei facilidade e despreocupa-ção. [...] não se esqueça nunca que os seus versos e livros são exclusivamente de você. Muitas vezes um estado de idéias em que a gente está com paixão, um exemplo mau, um estado de sensibilidade, uma fadiga momentânea, até um calo doendo, pode me levar a um erro, a uma leviandade. Mas ai está você pra controlar tudo isso.” (apud PAIVA, 2006).

Contribuições da crítica para o ensino da literatura

Para refletirmos sobre a contribuição da Crítica para o ensino de literatura, apresentamos a seguir o texto intitulado A crítica na sala de aula, de autoria do professor Hélder Pinheiro. Este texto é parte inte-grante do artigo Teoria da literatura, crítica literária e ensino (2006). Leia com atenção o texto e, em seguida, responda as questões propostas.

A crítica na sala de aula

E agora vem o segundo momento de nossa conversa: a relação da crítica literária com o ensino de literatura – mais especificamente no ensino médio. Penso que esta re-lação deverá ser sempre de parceria. Noutras palavras, o professor de literatura deveria estar sempre às voltas com a crítica, tendo em vista que ela poderá, aceita na pers-pectiva acima referida, ajudá-lo na descoberta de novos sentidos para as obras literárias. E se a crítica a qual o professor teve acesso tiver uma complexidade conceitual não adequada a seu aluno, sua função será a de tradutor desta leitura, talvez de um aspecto, de um achado. Ou, melhor ainda, através de questões que levem o jovem leitor a descobrir novos sentidos na obra lida.

Novamente, não posso me furtar à minha própria ex-periência como professor de literatura – tanto no nível fun-damental e médio quanto atualmente em nível universitá-rio. Muitas vezes me vali de estudos críticos para ministrar aulas, analisar poemas e contos. (Claro, sempre indicando

as minhas fontes e incentivando os leitores, sobretudo os universitários, a freqüentá-las). As primeiras aulas que mi-nistrei no nível médio e depois na universidade, sobre a po-esia de João Cabral de Melo Neto, foram todas calcadas nas reflexões de Benedito Nunes, sobretudo. O meu traba-lho era, vou usar uma palavra que está bem cotada e que é bastante significativa, de transposição didática. Claro, minha experiência pessoal de leitura dos poemas repetidas vezes e em voz alta contavam (e contavam muito0 neste trabalho de sala de aula.

Penso, portanto, que a crítica literária é fundamental para o professor de literatura, não para substituir a leitura do professor e dos alunos, mas para estimular em novas descobertas de sentido e para ajudar o jovem leitor a en-contrar o caminho da leitura significativa, que, lembremos, às vezes é exigente, diríamos mesmo, cansativa.

E aqui quero só acenar por uma questão importante: uma boa leitura ou uma leitura significativa estará sempre a nos exigir tempo, reflexão, análise detida das obras. Tra-ta-se, portanto, de algo muitas vezes cansativo, mas, por outro lado, que nos oferece um imenso prazer. O prazer de ler, tão badalado, nasce do esforço, do trabalho. Não é, portanto, um mero passatempo.

O aluno de letras, o professor ou professora de litera-tura ganharia, creio eu, lendo obras literárias, refletindo sobre elas, mas também lendo como os outros homens, de nossa ou de outras épocas, leram as mesmas obras. E cultivar o senso de diálogo com a obra e com seus autores. E seus leitores são, sobretudo, seus alunos. Este exercício parece-me fundamental. E vou trazer um outro exemplo: uma professora que concluiu uma especialização em Li-teratura e Ensino recentemente aqui na UFCG, ao traba-lhar com seus alunos do bairro pobre, poemas de Cecília Meireles, trouxe-nos alguns elementos importantes para, no mínimo, levarmos em conta quando trabalhamos com o texto literário em sala de aula. Dentre os poemas lidos para suas crianças estava “ O menino azul”, aquele que fala do menino que “ quer um burrinho para passear/ um burrinho manso que nem corra nem pule/ mas que saiba brincar...” contou-nos a professora que uma das discus-sões que dominou a sala naquele momento, foi sobre o preço do jumento. Qualquer professor tenderia a cortar o papo sobre o preço do jumento, o que seria lastimável. Os alunos trouxeram a seu modo, o poema para suas vidas. Se tivessem que viajar, o burrinho manso passaria a ser o jumentinho do quintal. E são muitos os jumentinho que ainda povoam a nossa cidade, nossos bairros mais pobres. Todos os dias eles passam à frente da nossa universida-de carregando papel, verdura, servindo de instrumento de

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subsistência de muitos. Os meninos gostaram do poema, sim. Ilustraram-no, mas souberam lê-lo por um viés que nem eu nem a professora tínhamos pensado: pelo viés da experiência deles, o viés mais adequado.

No âmbito do ensino médio, acredito que poderíamos trabalhar com pequenos ensaios ou artigos sobre determi-nadas obras literárias – depois de lida a obra ou mesmo antes de ter contato com ela. Quantas vezes nos dispomos a ler uma obra depois de um comentário de um amigo, da leitura de um artigo? Não estou pensando nos famosos resumos de enredo. Penso em textos que discutissem deter-minados temas e modo como são expressos; e que levas-se questões para discussão. (...) ( PINHEIRO & NÓBREGA (Orgs), 2006, p.119- 120.).

Atividade III Na opinião de Pinheiro, qual a contribuição da crítica literária para o 1. ensino/estudo da literatura?

Para Pinheiro, o professor exerce um papel importante na relação entre a 2. crítica literária e o ensino da literatura. Destaque e explique as atitudes que o professor pode assumir. Pinheiro defende a leitura crítica dos alunos, seja qual for a obra (texto, livro, filme etc), denominando esta atividade de “exercício crítico”. Exerça VOCÊ agora esta atividade e avalie as sugestões apresentadas pelo estudioso para a abordagem do texto de crítica em sala de aula e para o exercício pelos alunos da atividade crítica.

Leituras recomendadas

Leituras bibliográficas

Além das obras citadas na aula, sugerimos o livro a seguir, para o aprofundamento do estudo sobre a crítica literária.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Inútil Poesia. São Paulo: Companhia das letras, 2000.

Neste livro a autora apresenta uma coletâ-nea com 43 ensaios, selecionados, por ela mesma, dentre os mais de duzentos que ela escreveu ao longo dos anos e, em particu-lar, dentre os publicados nas duas últimas décadas. Sugerimos a leitura de dois em particular, pois estão, mais diretamente,

relacionados ao assunto estudado nesta aula. São eles: “Que fim levou a crítica literária?” e “ Pastiches críticos”.

ResumoNesta unidade, procuramos mostrar que a crítica literária é uma

prática histórica e cultural. E como tal está sujeita a mudanças, a re-elaborações. Em virtude disso, o discurso crítico jamais é neutro, pelo contrário, encontra-se determinado pelas condições políticas, sociais, históricas, culturais e psicológicas em que foi produzido, as intenções e motivações desse discurso, o momento, o ambiente e as relações de poder que o envolve. Mostramos ainda que o texto crítico pode ser um aliado na leitura do professor e do aluno, podendo estar presente nas salas de aula desde o ensino fundamental e médio.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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AutovaliaçãoCom base no estudo realizado nesta aula, escreva um comentário para se postado no AVA sobre a opinião de Machado de Assis, destacada abaixo, no que se refere ao papel do crítico literário.

“E para melhor definir o meu pensamento, eis o que eu exigiria no crítico do futuro. O crítico atu-almente aceito não prima pela ciência literária; creio até que uma das condições para desempe-nhar tão curioso papel, é despreocupar-se de to-das as questões que entendem com o domínio da imaginação. Outra, entretanto, deve ser a marcha do crítico [...] o jugamento de uma obra, cumpri-lhe meditar profundamente sobre ela, procurar-lhe o sentido íntimo, aplicar-lhe as leis poéticas, ver enfim até que ponto a imaginação e a verda-de conferenciaram para aquela produção. Des-te modo as conclusões do crítico servem tanto à obra concluída como à obra embrião. Crítica é análise.” (O ideal crítico, 1865).

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Referências

ABREU, Márcia. Cultura Letrada: literatura e leitura. São Paulo: UNESP, 2006.

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: UFMG, 2006.

COUTINHO, Afrânio. Notas de Teoria Literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. São Paulo: Becca, 1999.

DUARTE, Constância Lima. Remate de Males. Correspondência de Carlos Drummond de Andrade e Henriqueta Lisboa. Campinas: departamento de Teoria Literária IEL/UNICAMP, n23, 2003.

LOBO, Luíza. Crítica sem juízo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993.

MACHADO DE ASSIS. Joaquim Maria. Críticas literárias. Pará de Minas. Virtual Books. Online M& M Editores 2000/2003 disponível em:<HTTP://virtual books terra.com.br/freebook/port/download/criticas_literarias.pdf, consultado em: 20 de 02 de 2010.

PINHEIRO, Hélder. (Org.). Pesquisa em Literatura. Campina Grande: Bagagem, 2003.

PAIVA, Kelen Benfenatti. Histórias de vida e amizade: as cartas de Mário, Drummond e Cecília Para Henriqueta Lisboa. Dissertação de mestrado.2006 (mimeo).

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IX UNIDADE

Tendências da crítica literária na modernidade

Tendências da crítica literária na modernidade

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Apresentação

Caro(a) aluno(a),

Nesta unidade, vamos estudar sobre a crítica literária no século XX. Para tanto, focalizaremos os caminhos, isto é, as teorias literárias que fundamentaram e continuam emba-sando diferentes maneiras de abordagem do texto literário. Caminhos estes que receberam o nome de escolas literárias ou correntes críticas. Dentre estas: a Estilística, o Formalismo Russo, o New Criticism, e o Estruturalismo.

Objetivos

Esperamos com esta unidade que você

Identificar as características das principais correntes •críticas do século XX;

Conhecer os principais expoentes de cada corrente;•

Perceber os aspectos históricos, culturais e metodo-•lógicos que envolvem a abordagem do texto literário por cada corrente crítica.

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Palavras iniciaisUm Parêntese contextual...

Embora as reflexões e as análises sobre a natureza e as caracterís-ticas da linguagem literária iniciem-se na Antiguidade com Aristóteles; estendam-se nas investigações dos autores dos manuais de poética e retórica nos séculos XVI, XVII e XVIII e tenham sido estudadas por escri-tores românticos e realistas, a partir dos movimentos de crítica literá-ria surgidos no século XX, são elaborados estudos mais sistematizados acerca das especificidades e dos critérios de abordagem do objeto li-terário.

A incursão nas correntes teóricas do século XX pretende explicar alguns dos conceitos sistematizados por teóricos como os formalistas que construíram as noções de literariedade e estranhamento; a ênfase dos teóricos New Criticism no estudo imanente do texto literário e na apreensão do poema enquanto uma estrutura em si; a crescente preo-cupação dos estruturalistas com o aspecto estrutural, buscando explicar estruturalmente a natureza da obra de arte literária.

Buscamos mostrar também a aproximação, o diálogo, existente en-tre essas correntes, como por exemplo, no que se refere à preocupação com o estudo imanente da obra literária, característica que marcou os Formalistas Russo, os New Criticism, os estruturalistas e os principais pensadores da Estilística. Aspecto este que levou, em alguns casos, a depreciação dos estudos autorais e das relações exercidas entre a obra e o público.

Atualmente, conforme mostraremos na próxima aula, os estudio-sos da literatura reconhecem a importância dos estudos intrínsecos da obra literária, defendidos pelas correntes do início do século XX, que priorizaram a exploração do texto como um todo orgânico, mas sem perder de vista as condições históricas e culturais que regem a produ-ção literária.

A seguir apresentamos um quadro sintético pondo em destaque o contexto histórico, os principais representantes e as principais idéias das três grandes correntes críticas do século XX. O referido quadro foi or-ganizado com base nos manuais de teoria literária de Vítor Manuel de Aguiar e Silva (1979), Rogel Samuel (2002), Culler (1999) e D’Onofrio (2007). É importante destacar que o referido quadro é apenas para que VOCÊ tenha uma noção geral sobre as referidas correntes, por isso tor-na-se imprescindível a leitura dos textos presentes nos quatro manuais citados e /ou de outros indicados nas referências. Só através da leitura dos textos VOCÊ perceberá a dinamicidade que envolve as discussões propostas pelas referidas correntes, que em decorrência dos estudos dos seus principais autores formularam conceitos e procedimentos de análise do texto literário que ora se aproximam, ora se distanciam.

Corrente crítica Contexto histórico Principais expoentes

Principais idéias

Formalismo russo

Nasceu no Círculo Linguístico de Mos-cou (1914/1915) e durou até 1924.

Seus representan-tes mantiveram diálogo com os movimentos de vanguarda cubistas e futuristas.

Á medida que o partido comunis-ta impôs a sua disciplina na vida intelectual rus-sa, as idéias dos formalistas foram consideradas he-resias em relação à pura ortodoxia marxista-leninista e os defensores do formalismo foram obrigados a silen-ciar.

Roman Jako-bson

Boris Eikhen-baum

Victor shklo-vsky

Chklovsky

Tinjanov

Vladimir Propp

Preocupação com a caracterização da linguagem literária, elaborando o conceito de literariedade da literatura (as estratégias verbais que tornam a obra literária);

Trataram também em seus estudos dos problemas da técnica do romance e do conto, de assunto de estilo e de composição;

Negaram que a literatura fosse reflexo da sociedade, ou lugar de luta de classes e de idéias;

Para eles o discurso literário caracteriza-se por uma desautomatização da linguagem, isto é, ao contrário da conversação cotidiana que não gera nenhum impacto nos interlocutores, a linguagem literária desautomatiza a percep-ção natural, causa estranhamento;

O método do formalismo russo é essen-cialmente descritivo e morfológico, isto é, bus-cam conhecer uma obra mediante a descrição exaustiva dos seus elementos componentes e das respectivas funções;

Os formalistas russos realizaram importan-tes estudos sobre a semântica da linguagem literária, sobre as metáforas e as imagens, a fraseologia, etc;

No que diz respeito ao gênero narrativo, estudaram a diferenciação do romance e da novela, as diversas formas de construção do romance e a importância do fator tempo na estruturação da obra romanesca;

Distinção entre fábula e intriga, conside-rando a fábula como o conjunto de acon-tecimentos que figuram na obra de ficção, enquanto que a intriga diz respeito aos processos artísticos utilizados pelo narrador na apresentação das personagens, no modo de figurar os acontecimentos etc.

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New criticism Surge na década de 30 nos Estados Unidos.

I. A RichardsWellekPaul ValéryEzra PoundT.S Eliot

Reação contra a crítica que se publicava em jornais, acusada de impressionista, de não científica;

Estimulo ao exercício crítico realizado pelos professores universitários, que só de-viam ver os elementos “intrínsecos” , formais, sendo abolidas as verificações “extrínsecas”, históricas e sociológicas.

Centra a atenção no texto e não no autor, invalidando as tentativas de explica-ção das obras através dos dados e hipóteses biografistas;

A preocupação central da crítica tem de ser a obra, considerada como um cosmos, uma estrutura de que é necessário conhecer os elementos integrantes e as respectivas inter-relações e funções;

Defende uma análise da obra literária es-tritamente imanente (close reading) a fim de se apreender o modo único como em cada obra está utilizada a linguagem literária;

Interessa a qualidade estética, considera-da o aspecto -essencial da obra literária.

Estruturalismo A palavra estrutura origina-se do vocabulário da arquitetura. Somente no século XVIII começa a ser empregado nos domínios semânticos da língua e da literatura;No século XX passa a ser utilizado cientificamente no âmbito da linguística e da psicologia.

Claude Lévi-StraussRoland BarthesJ. Greimas

“Crítica empenhada em descrever, de modo imanente e com rigor analítico, as relações instituídas entre os vários elementos componentes de um dado texto literário e que configuram especificamente a estrutura desse texto, ignorando propositadamente problemas de história literária, de erudição bibliográfica, de interpretação psicológica, etc.” (AGUIAR & SILVA, p. 655);

Interesse pelo modo como o sentido é produzido.

Estilistica Nasce em estrita correlação com a linguística.

Charles Bally Karl VosslerLeo SptizerDámaso AlonsoPierre GuiraudCharles Muller

Charles Bally, Karl Vossler, Leo Sptizer, Dá-maso Alonso, Guiraud, Charles Muller são os principais estudiosos da estística;

Na concepção de Bally, a estilística estuda os fatos de expressão da língua sob o ponto de vista do seu conteúdo afetivo;

A estilística literária tem sua origem na lin-guística idealista de Karl Vossler;

A estilística de Vossler tem como objeto o estudo da linguagem como criação artística, concebendo a linguagem literária como criação individual;

A estilística de Sptizer caracteriza-se por tomar a obra como ponto de partida, priori-zando a imanência textual. Cabe ao crítico um trabalho de vai e vem sobre o texto, ora partindo da periferia para o centro, ora do centro para a periferia, buscando apreender sua forma interna. Para o referido autor, a obra literária apresenta uma totalidade em que todos os elementos se encontram organicamente estruturados.

Para Dámaso Alonso, tal como Sptizer, a obra literária se define pela sua unicidade, pelo fato de constituir “um cosmo, um universo fechado em si.”

A estilística de Dámaso e Aptizer é denomi-nada de intuitiva, pois ao investigar as relações entre o signo (palavra), o significante (forma) e o significado (sentitidos), buscam chegar ao momento original dos pensamentos, emoções e reminiscências do escritor.

Contrário a estilística de Dámaso e Sptizer, surgem os estudos de Pierre Guiraud e Charles Muller, representantes do método “estilo-estatis-tico”.

No método “estilo-estatistico”, o crítico rea-liza um estudo acerca dos sentidos que envolve a frequência de uma dada palavra ou outro recurso na obra de um escritor.

De maneira resumida, podemos dizer que a análise estilística tem como objeto primeiro a palavra. Por meio dela busca-se descobrir o (s) sentido (s) presentes no contexto da obra.

Identificado os materiais linguísticos com os quais o autor se expressou, passa-se a outros aspectos da expressão: forma de linguagem (prosa ou verso); nível da linguagem (erudito, popular, etc), etc.

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Atividade I

Apresentamos abaixo a opinião de dois renomados críticos brasileiros 1. sobre o seu trabalho – Antonio Candido e Wilsson Martins. Identifique características das correntes críticas apresentadas anteriormente no discurso dos entrevistados. Justifique sua resposta.

Opinião 1

CULT – Quais eram as suas preferências metodológicas e teóricas na época em que assinava os textos publicados na revista Clima, na Folha da Manhã e no Diário de São Paulo?

A.C. – Para ser franco, sempre tive mais intuição do que método. No tempo a que alude, eu me interessava pelo vínculo da produção literária com a vida social, procuran-do determinar a sua função. Em parte, porque sou formado em ciências sociais; em parte, porque estava começando a militar em grupos de esquerda e tencionava politizar o meu trabalho crítico. A reflexão sobre as limitações de Sílvio Ro-mero, que fiz numa tese de 1945, mais a influência da críti-ca americana e inglesa daquele tempo me levaram a retifi-car posições iniciais e tentar uma abordagem mais atenta à realidade própria dos textos. Sem falar que quando temos que escrever um artigo por semana sobre obras de vários tipos, elas acabam impondo a sua realidade e nós vamos deixando alguns pressupostos de lado para nos ajustarmos à natureza de cada uma. O crítico muito estrito em matéria de teoria e método acaba tendendo a tratar apenas as obras que se enquadram nos seus pressupostos.

(A vocação crítica de Antonio Candido - Publicado em 11 de março de 2010- revistacult.uol.com.br/.../vocacao-critica-de-antonio-candido)

Opinião 2

Wilson Martins - As pessoas emburram como se eu escre-vesse ofensas pessoais e dizem que me contradigo quando gosto de um livro de um autor, e do seguinte, não. Não escrevo sobre autores, escrevo sobre livros. Na crítica séria não há autor, há somente o texto. Jorge Amado escreve há 60 anos, ao longo da vida publicou livros bons e livros menos bons. Elogiei os bons, mas não recuei quando o li-vro era ruim. Além disso, esteve durante uma grande parte da sua carreira “medusado” pelo realismo socialista que estragou boa parte do trabalho.

(Entrevista a O Estado de São Paulo. In Jornal de Poesia)

Conhecendo um pouco mais outras correntes da crítica literária

Além das correntes destacadas anteriormente, tiveram destaque também, no século XX, os estudos críticos, que ao contrário do defendi-do pelas correntes imanentistas, priorizaram uma abordagem extrínse-ca (de fora para dentro) do texto literário. Estudam-se as biografias do autor, as condições sócio-culturais que determinam e/ou influenciam a produção da obra. Dentre as várias modalidades desse enfoque da obra artística, estão: a crítica sociológica e a crítica arquetípica.

Segundo D’Onofrio (2007,p.33), “a crítica sociológica considera a leitura, ao lado de outras atividades artísticas, como produto e expres-são da cultura e da civilização de um povo nas diversas fases de seu desenvolvimento.”

Já a modalidade arquetípica, “constrói seu arcabouço tendo em vista concepções gerais sobre a cultura e a civilização, rejeitando a história da literatura, fases e modos.” (D’Onofrio, 2007,p.37).

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Atividade IILeia a proposta de atividade com o texto poético 1. Soneto de Amor Total, de Vinícius de Morais, destacada do livro Literatura Brasileira: Ensino Médio, de Willian R. Cereja e Thereza C. Magalhães. Em seguida, elabore um comentário crítico sobre as questões propostas para a interpretação do poema, destacando os aspectos que são priorizados na interpretação do texto (elementos intrínsecos formais, elementos biográficos, históricos). Justifique sua resposta.

Atividade IIIO trabalho do crítico é considerado por muitos estudiosos como uma 1. atividade criadora. O crítico ao expressar as suas idéias sobre uma determinada obra se exprime como autor. Lembre-se da sua experiência como leitor de um determinado texto literário. Em seguida, escreva as suas principais reações frente ao texto lido, destacando quais os aspectos do texto que chamaram a sua atenção.

Leituras recomendadasAlém dos textos citados na aula, sugerimos o filme e o livro a seguir,

para o aprofundamento do estudo.

Filme

“Escritores da Liberdade” (Freedom Writers, EUA, 2007)

Analisar a si mesmo também é um trabalho crítico que fazemos coti-dianamente. Muitas vezes esta análise ocorre por meio da escrita como nas autobiografias, nos diá-rios, nas cartas, onde é possível encontrarmos as

chamadas “escritas de si”. Nessa perspectiva, vale a pena assistir ao filme Escritores da liberdade que conta a história de uma professora novata interessada em lecionar Língua Inglesa e Literatura para uma turma de adolescentes que não aceitam o ensino na perspectiva con-vencional; muitos se encontram cumprindo pena judicial, e todos são reféns das gangues avessas ao convívio pacífico com os diferentes. É por meio da leitura de obras literárias e da escrita de um diário sobre o cotidiano trágico de suas vidas que a professora desenvolve nos alunos um pensamento crítico, fazendo-os reconhecer, sentir e pensar sobre a realidade criada por eles próprios.

Leituras bibliográficas

LIMA, Luis Costa. Teoria da Literatura em suas fontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

Nesta obra, que se encontra dividida em dois vo-lumes, você poderá encontrar textos centrais das principais correntes críticas do século XX.

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160 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 161

ResumoNesta unidade ficamos conhecendo um pouco sobre alguns con-

ceitos e procedimentos de abordagem do texto literário propostos por algumas correntes críticas do século XX. Embora de forma introdutória, buscamos familiarizar Você com os nomes e os posicionamentos críti-cos dessas principais correntes.

AutovaliaçãoAs correntes críticas citadas nesta aula, que priorizam o estudo ima-

nente do texto, além de analisar cada aspecto do poema, propõem que se faça associações entre as diferentes partes, também chamadas de ní-veis (fônico, lexical, sintático, semântico) do texto, conforme estudamos na aula cinco. Agora é a sua vez: escreva um comentário crítico sobre o poema abaixo, analisando cada parte que o compõe e as possíveis relações estabelecidas entre elas.

MotivoCecília Meireles

Eu canto porque o instante existee a minha vida está completa.Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.Atravesso noites e dias

no vento.Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço, — não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.Sei que canto. E a canção é tudo.Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:— mais nada.

Referências

AGUIAR E SILVA, Victor Manuel de. Teoria da Literatura. 3. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1979.

AMORA, Antonio Soares. Introdução à Teoria da Literatura.

CEREJA, William Roberto & MAGALHÃES. Thereza Cochar. Literatura Brasileira: ensino médio. 3ed. São Paulo: Atual, 2005.

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: UFMG, 2006.

COUTINHO, Afrânio. Notas de Teoria Literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. São Paulo: Becca, 1999.D’ONOFRIO, Salvatore. Forma e Sentido do Texto Literário. São Paulo: Ática, 2007.

SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Petropólis/Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

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162 SEAD/UEPB I Teoria e Crítica Literária I Teoria e Crítica Literária I I SEAD/UEPB 163

X UNIDADE

Tendências da crítica literária na

contemporaneidade

Tendências da crítica literária na

contemporaneidade“Há não muito tempo, a terra tinha dois bilhões de habitantes: quinhentos milhões de homens e um bilhão e quinhentos milhões de nativos. Os primeiros tinham a palavra, os outros sim-plesmente a usavam.” (Frederic Jameson)

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Apresentação

Caro(a) aluno(a),

Nesta unidade, vamos estudar sobre a crítica literária do final do século XX – a partir da década de 60 - até os dias atuais. Modalidades também chamadas de perspectivas pós-estruturalistas de estudo no âmbito literário. Perspectivas estas que não priorizam o estudo dos recursos formais, pelo contrário, voltaram a sua preocupação para as relações existentes entre o texto e a vida social, focalizando nas suas discussões: as reflexões sobre as análises do papel do gêne-ro e da sexualidade, realizadas inicialmente pelo feminismo e depois pelos estudos de gênero e pela “Qeer Theory”; o corpo, a família, a raça, a leitura como tendo uma história.

Objetivos

Ao final desta unidade esperamos que você seja capaz de:

Identificar as características dos principais movimen-•tos críticos da contemporaneidade;

Perceber os aspectos históricos, culturais e metodoló-•gicos que envolvem a abordagem do texto literário na contemporaneidade.

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Palavras iniciaisUm parêntese contextual...

“Os Estudos Culturais são justamente o viés, o olhar, a “atividade”, ou o desejo, como diz Frederic Jameson, através dos quais as manifestações cul-turais e artísticas não canônicas se incorporam aos estudos e pesquisas realizados nas Universidades.” (Heloisa Buarque de Hollanda).

A partir da década de 1960, muitos estudiosos, inicialmente ca-racterizados como estruturalistas, dentre estes Roland Barthes, Jacques Lacan e Michel Foucault, começaram a demonstrar em seus estudos que “as estruturas dos sistemas de significação não existem indepen-dentemente do sujeito, como objetos do conhecimento, mas são es-truturas para os sujeitos, que estão emaranhados nas forças que os produzem.” (CULLER, 1999, p.122). Isso quer dizer que o estudo de uma obra literária deve focalizar não apenas os elementos internos que a estruturam, mas as condições histórico-culturais que a influenciam ou a determinam.

Os estudiosos da literatura passaram a dialogar com textos de fora do campo dos estudos literários, obras de antropologia, linguística, filosofia, teoria política, psicanálise, sociologia que apontaram expli-cações novas acerca de questões textuais e culturais. Através dessas outras áreas, a literatura passou a ser vista como uma prática discursiva histórica e cultural. Estudar o objeto literário extrapolou a descrição dos elementos intrínsecos da obra, passando ao exame dos papeis culturais dos quais a literatura foi investida. As noções de marginalidade, alte-ridade e diferença começaram a entrar em cena como temas centrais do debate acadêmico.

Em decorrência disso, os estudos literários, influenciados pelos es-tudos culturais, passaram a estudar textos de grupos historicamente marginalizados. A literatura que só se aplicava às obras de linguagem consagradas pelo tempo e incluídas nos cânones pelos críticos e histo-riadores literários, passou a investigar como os grupos menos privile-giados da sociedade resistem a ou agem sobre as idéias do seu tempo. Essa e outras mudanças iniciadas nos anos de 1960 sugiram na esteira da nova concepção de cultura. Conforme destaca Bordini (2006), a cultura que abarcava apenas as mais altas realizações do espírito, co-meça a ser vista não mais como um todo unitário, “mas um mosaico de manifestações simbólicas autônomas e específicas, geradas no interior dos diversos seguimentos que formam as sociedades, mas capazes de ultrapassar fronteiras nacionais ou regionais.”

O diálogo dos estudos culturais com a literatura tem possibilitado a esta última um alargamento das questões a serem estudadas nas obras literárias: “A literatura que é ensinada amplamente hoje inclui textos de mulheres e de membros de outros grupos historicamente marginaliza-dos.” (CULLER, 1999, p.53-54).

É importante destacar que o diálogo entre a literatura e os estudos culturais ainda envolve uma série de discussões e polêmicas. Culler (1999, p.54) aponta três questões que nos anos 90 se fizeram presen-te no “debate acalorado da mídia” e que a nosso vê ainda se fazem presente no discurso de estudantes e professores de literatura: 1) os padrões literários tradicionais foram comprometidos? 2) Obras ante-riormente negligenciadas são escolhidas pela sua “excelência literária” ou pela sua representatividade cultural? É o “politicamente correto”, o desejo de dar a cada minoria uma representação justa, e não critério especificamente literários, que está determinando a escolha das obras a serem estudadas?

Em resposta a essas indagações Culler ressalta a reflexão crítica que é feita atualmente em relação ao que seja “excelência literária”, mostrando o quanto esta expressão é problemática, uma vez que, im-plica hierarquização (a literatura canônica como superior as outras pro-duções literárias), quando por traz do critério de classificação de uma obra como excelente ou não se escondem, historicamente, relações de poder.

Atividade ISelecione um livro didático de literatura brasileira do 2º ano do ensino 1. médio. Examine a unidade direcionada ao Romantismo e verifique:

a) O número de escritoras mulheres que são citadas em relação ao número de escritores do sexo masculino;

b) A origem da maioria dos escritores brasileiros (são originários das diferentes regiões brasileiras ou apenas pertencem ao eixo sul/sudeste do Brasil?).

De posse desses dados, escreva um texto de opinião sobre a quem era dado o direito de escrever no Brasil do século XIX.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Aprofundando um pouco mais a discussão

Vejamos como estudiosos das áreas de literatura e cultura conce-bem a relação entre literatura e estudos culturais.

Heloisa Buarque de HollandaEnsaista, escritora, editora, crítica literária e pesquisadora brasi-leira. (www.heloisabuarquedehollanda.com.br).

Existe um teórico americano muito bom, o Fredric Ja-meson, que, como nós, padece da orfandade das utopias dos anos 60, que procura identificar para onde foi essa superinflação de energias da nossa geração. Uma primeira coisa, que não é dele, mas que ´é muito interessante é que , pelo menos na academia, muitos inconformados com a perda daquele momento eufórico, que participaram na New Left Review, da nova esquerda, dos movimentos sociais que emergiram pós 60, foram se abrigar numa disciplina nova, muito interessante nesse sentido de abrigo possível da academia de esquerda, que são os Estudos Culturais, espe-cialmente em sua corrente saxônica. Os Estudos culturais que apareceram gerando polêmica na academia por sua falta de “pureza e independência na busca de resultados na produção do saber” e que ainda continuam sendo consi-derados pelos ortodoxos como “pouco sérios” porque sua meta é exatamente a articulação da produção de conheci-mento com a ação política fora da academia. Esses estudos passaram a abrigar essas zonas ou objetos muito contem-

porâneos, que não cabem no campo restrito das disciplinas tradicionais, como as minorias, o meio ambiente, os efeitos de uma nova sociedade de consumo e o desenvolvimento acelerado das mídias digitais, procurando interpretar esses novos objetos de estudo à luz dos recursos de várias disci-plinas como antropologia, sociologia, comunicação, letras etc , numa espécie de pirataria pós disciplinar. O que me parece bem importante neste caso, é que esse conhecimen-to produzido tem como principal objetivo a intervenção das soluções possíveis que essas questões emergentes apre-sentam, seja fornecendo subsídios para políticas publicas, seja defendendo os direitos das minorias, seja intervindo no debate das novas leis que regem o universo digital, seja dis-cutindo o equipamento cultural das cidades, e, sobretudo o acesso e o direito à cidade e à cultura urbana. Ou seja, essa geração, não sabendo onde colocar seu sonho, tentou a saída de fazer política dentro da Universidade.

Stuart Hall

O pesquisador é hoje, no Brasil, um reconhecidíssimo nome da cultura acadêmica. Jamaicano, vive na Inglaterra desde 1951 onde é conhecido como um intelectual engajado nos debates sobre as dimensões político–culturais da globalização, a política nacional e os movimentos anti-racistas. Tem dois livros publica-dos no Brasil: Identidades culturais na Pós-Modernidade e Da diáspora: identidades e mediações culturais.

Tornei-me um estudante de Letras porque queria ser es-critor. Em Oxford, onde me formei, eu odiava o clima de diletantismo literário que reinava por lá me tornei um crítico literário ferocíssimo da linha canônica de F. R. Leavis. Foi aí

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que comecei a trabalhar a relação entre o texto literário e o contexto histórico e social. Ao mesmo tempo, eu já era um modernista. O que me estimulava como escritor era ler T. S. Eliot e Ezra Pound, ouvir Stravinsky, ver Paul Klee, Picasso. O que me interessava era o modernismo. E em Oxford eu tinha que estudar a língua anglo-saxã da Idade Média e na literatura, com muita sorte, chegava até o século XIX. Foi aí que, lendo F. R. Leavis, o New Criticism americano e envolvendo-me com Raymond Williams e com a crítica social que comecei a me colocar a questão: “este texto se relaciona com o quê?” Comecei a perceber que estudar lite-ratura requeria, sobretudo, o entendimento de um contexto histórico e cultural mais amplo. Como entender Dickens? A Inglaterra como nação imperial, como país industrial, afinal o que estava no âmago da grande literatura que estudava? Ainda antes de me graduar, já me colocava essas questões. (...) Quando entrei para a Pós Graduação, pensei: O que preciso fazer é entender a diferença entre a cultura caribe-nha, de onde eu vim, e esta outra cultura que produz textos magníficos mas que são estudados de forma isolada , den-tro de um cânone. Isso me trouxe de volta para o Caribe. Os Estudos Culturais para mim começaram, portanto, com meu interesse nas culturas diaspóricas do Caribe. Foi aí que deslizei da literatura para a cultura.

www.heloisabuarquedehollanda.com.br

Atividade IINo texto de Heloisa Buarque e no de Stuart Hall são feitas referências aos 1. estudos críticos que priorizam a abordagem imanente do texto literário. Destaque algumas dessas referências e explique o posicionamento dos dois teóricos frente a este tipo de estudo da obra literária.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Um pouco sobre algumas das teorias contemporâneas

Teoria da recepçãoDesenvolvida na Alemanha Ocidental durante os anos 1960 e

1970 inclui a Escola de Constance que se volta para a recepção de textos literários ao contrário de métodos que priorizam a produção ou a sua leitura. Seus principais expoentes são Hans Robert Jauss e Wolf-gang Iser.

Para Jauss, a significação histórica da obra não é estabelecida pe-las suas qualidades intrínsecas como defendiam as críticas imanentes ou pelo gênio de seu autor, mas pela cadeia de recepções de geração em geração.

Com a publicação da obra O ato de ler (1976), Wolfgang Iser com-plementou as discussões de Jauss. O interesse de Iser se volta para a identificação e análise de como um texto tem significado para o leitor. O exame da interação entre texto e leitor, possibilitou a Iser verificar as qualidades do texto que o torna legível, ou que influenciam na leitura, e verificar também características do processo de leitura essenciais para a compreensão de um texto.

DesconstruçãoAparece na França nos anos 60 e grande parte das suas teses se

deve a Jacques Derrida. A desconstrução é empregada “para referir a uma ampla gama de discursos teóricos nos quais há uma crítica das noções de conhecimento objetivo e de um sujeito capaz de se conhe-cer.” (CULLER, 1999,p.122).

A desconstrução é definida como uma crítica das oposições hie-rárquicas que estruturam o pensamento ocidental: dentro/fora; corpo/mente; literal/metafórico; fala/escrita; presença/ausência; natureza/cultura; forma/sentido. “ desconstruir uma oposição é mostrar que ela não é natural, nem inevitável, mas uma construção produzida por dis-cursos que se apóiam nela...” (CULLER, 122).

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Atividade III

Leia com atenção os dois poemas apresentados abaixo. Observe que existe 1. entre os textos uma intertextualidade, isto é, um diálogo. Enquanto no de Adélia há uma clara referência à mulher, no de Drummond a temática focaliza a existência de um eu masculino. Escreva um comentário crítico sobre as contradições do universo feminino, bem como suas diferenças diante do universo masculino. Justifique seus argumentos com passagens dos textos.

Com licença poética

(Bagagem, 1976)Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher,

esta espécie ainda envergonhada.

Aceito os subterfúgios que me cabem,

sem precisar mentir.

Não sou tão feia que não possa casar,

acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo reinos

(dor não é amargura).

Minha tristeza não tem pedigree,

já a minha vontade de alegria,

sua raiz vai ao meu mil avô.

Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou.

A crítica feministaConforme destaca Holanda, o debate sobre a condição feminina,

expresso nas obras literárias e na imprensa, conhece um pique na se-gunda metade do século XIX. A crítica feminista que tem seu início nos anos 60, já vivenciou várias fases. Muitas foram as táticas e os contra-ataques das políticas feministas nesse passado recentíssimo:

Nos anos 60, diria, prestando o devido tributo à Gramsci, que o feminismo atuou no diapasão de uma “guerra de posição”. Ou seja, seus esforços voltaram-se prioritariamente para a marcação de território, para a demanda agressiva da “igualda-de” entre os sexos. Já nos anos70/80, época na qual o pluralismo pós-moderno começa a dar o tom, assistimos, ainda apud Gramsci, a uma “guer-ra de manobra”, ou, melhor dizendo, a um claro movimento de valorização da “diferença” como importante elemento de negociação social e cultu-ral.” (HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA)

Os estudos literários feministas abordam uma diversidade de pro-blemas críticos dentre os quais: a reconstrução da história das mulheres e de uma tradição literária feminina; a formação do Cânone; a crítica feminista das mulheres negras; a crítica da representação da mulher nas artes visuais e na literatura; a autobiografia; a questão sobre a es-pecificidade de uma linguagem feminina; etc (SAMUEL, 2002, p.143).

O ponto central das discussões nos estudos sobre o lugar da mulher na sociedade contemporânea é a desconstrução da oposição homem/mulher e das oposições associadas a ela na história da cultura ociden-tal. (CULLER, 1999, p.122).

Essas três linhas teóricas representam apenas uma amostra dos vá-rios movimentos e teorias que compõem o cenário das discussões na atualidade sobre as literaturas e as questões culturais de um modo geral.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Poema de sete faces

Carlos Drummond de Andrade- Alguma Poesia 1930)

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens

que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos

não perguntam nada.

O homem atrás do bigode

é serio, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos

o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer

mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.

Leituras recomendadasFilmes

São vários os filmes que tematizam sobre questões sócio-culturais. Abaixo sugiro dois que considero muito importantes para ampliar a nossa visão de mundo sobre o respeito à diferença.

A Hora da Estrela.A hora da estrela é um filme brasileiro de 1985, do gêne-ro drama, dirigido por Suza-na Amaral. O roteiro é uma adaptação do romance homô-nimo de Clarice Lispector. O filme possibilita uma série de reflexões interessantes no que diz respeito às questões sócio-culturais. Uma delas é sobre o lugar ocupado pela mulher

brasileira pobre que deixa a região nordestina para morar em um grande centro urbano.

Cidade de Deus

O filme assim como a obra homônima que lhe deu ori-gem, mostra as transforma-ções ocorridas nas favelas brasileiras entre os anos de 1960 e 1990.Titulo original: (Cidade de Deus)lançamento: 2002 (Brasil) direção: Fernando Meirelles atores: Matheus Nachtergaele , Seu Jorge , Alexandre Rodrigues,

Leandro Firmino da Hora , Roberta Rodrigues gênero: Drama

Livros

Que é Afinal, Estudos Culturais?, de Tomaz Tadeu da Silva.Neste livro encontramos vários ensaios intro-dutórios sobre os estudos culturais.

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Resumo

Os estudos literários contemporâneos oferecem ao leitor um ca-minho através do qual é possível sondar e compreender aspectos de uma determinada sociedade, porém, nesse processo, para não in-correr em suposições infundadas, é imprescindível ter em mente que as fronteiras que separam literatura e contexto sócio-histórico nem sempre se apresentam bem definidas. O texto literário, nesse prisma, não corresponde a um documento, mas pode ser visto como um ob-jeto através do qual se torna possível descobrir indícios do poder, do desejo, enfim, da ideologia da sociedade em questão. É um foco de inconformismo interagindo com o contexto histórico ao qual pertence e não a simples representação de uma realidade. A leitura da crítica literária nesse sentido torna-se um espaço que possibilita o exercí-cio da liberdade, pois, diferentemente de outras abordagens críticas, coloca em questão justamente nossos padrões sociais e linguísticos, elaborando vias para desconstruirmos construções discursivas estere-otipadas e preconceituosas.

Autovaliação

No poema abaixo de Carlos Drummond de Andrade, observamos uma crítica do poeta à coisificação do homem na sociedade contemporânea. Escreva um comentário crítico sobre o texto, explorando o diálogo dele com a realidade da sociedade de consumo estruturada no conceito de “Indústria Cultural” e de “Sociedade do Espetáculo”.

EU ETIQUETA

(O Corpo. Rio de Janeiro, Record, 1984, p.85-87.)

Em minha calça está grudado um nome Que não é meu de batismo ou de cartório

Um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida Que jamais pus na boca, nessa vida,

Em minha camiseta, a marca de cigarro Que não fumo, até hoje não fumei.

Minhas meias falam de produtos Que nunca experimentei

Mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido De alguma coisa não provada

Por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, Minha gravata e cinto e escova e pente,

Meu copo, minha xícara, Minha toalha de banho e sabonete,

Meu isso, meu aquilo. Desde a cabeça ao bico dos sapatos,

São mensagens, Letras falantes, Gritos visuais,

Ordens de uso, abuso, reincidências. Costume, hábito, permência,

Indispensabilidade, E fazem de mim homem-anúncio itinerante,

Escravo da matéria anunciada. Estou, estou na moda.

É duro andar na moda, ainda que a moda Seja negar minha identidade,

Trocá-la por mil, açambarcando Todas as marcas registradas,

Todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser

Eu que antes era e me sabia Tão diverso de outros, tão mim mesmo,

Ser pensante sentinte e solitário Com outros seres diversos e conscientes De sua humana, invencível condição.

Agora sou anúncio Ora vulgar ora bizarro.

Em língua nacional ou em qualquer língua (Qualquer principalmente.)

E nisto me comparo, tiro glória De minha anulação.

Não sou - vê lá - anúncio contratado.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Eu é que mimosamente pago Para anunciar, para vender

Em bares festas praias pérgulas piscinas, E bem à vista exibo esta etiqueta

Global no corpo que desiste De ser veste e sandália de uma essência

Tão viva, independente, Que moda ou suborno algum a compromete.

Onde terei jogado fora Meu gosto e capacidade de escolher, Minhas idiossincrasias tão pessoais,

Tão minhas que no rosto se espelhavam E cada gesto, cada olhar

Cada vinco da roupa Sou gravado de forma universal, Saio da estamparia, não de casa, Da vitrine me tiram, recolocam,

Objeto pulsante mas objeto Que se oferece como signo dos outros

Objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso De ser não eu, mas artigo industrial,

Peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem.

Meu nome novo é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente.

Referências

BORDINI, Maria da Glória. Estudos Culturais e Estudos Literários. In: Letras de Hoje. Porto Alegre, v. 41, n. 3, p.11-22, setembro de 2006.

CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. São Paulo: Becca, 1999.

D’ONOFRIO, Salvatore. Forma e Sentido do Texto Literário. São Paulo: Ática, 2007.

SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Petropólis/Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

www.heloisabuarquedehollanda.com.br. consultado em 25 de maio de 2010.

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