gonzÁlez f. j. bracht v. metodologia do ensino dos esportes coletivos. vitória ufes 2012. data...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO Núcleo de Educação Aberta e a Distância Fernando Jaime González Valter Bracht Vitória 2012

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Estudo da classificação e metodologia de ensino do esporte

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTONcleo de Educao Aberta e a Distncia

    Fernando Jaime GonzlezValter Bracht

    Vitria2012

  • Presidente da RepblicaDilma Rousseff

    Ministro da EducaoAloizio Mercadante

    Diretor de Educao a Distncia - DED/CAPES/MECJoo Carlos Teatini de Souza Climaco

    Universidade Federal do Esprito Santo

    Reitor Reinaldo Centoducatte

    Pr-Reitora de Ensino de GraduaoMaria Auxiliadora de Carvalho Corassa

    Diretor Geral do Ne@adReinaldo Centoducatte

    Coordenadora UAB da Ufes Maria Jos Campos Rodrigues

    Diretora-Administrativa do Ne@ad Maria Jos Campos Rodrigues

    Diretor-Pedaggico do Ne@adJlio Francelino Ferreira Filho

    Diretor do Centro de Educao Fsicae DesportoZenlia Christina Campos Figueiredo

    Coordenao do Curso de Educao Fsica EAD/UFESFernanda Simone Lopes de Paiva

    Revisor de ContedoLuiz Alenxandre Oxley da Rocha

    Revisora de LinguagemAlina Bonella

    Design GrficoLDI - Laboratrio de Design Instrucional

    Ne@adAv. Fernando Ferrari, 514CEP 29075-910, GoiabeirasVitria - ES(27) 4009 2208

    A reproduo de imagens de obras nesta obra tem carter pedaggico e cientifico, amparado pelos limites do direito de autor no art. 46 da Lei n. 9610/1998, entre elas as previstas no inciso III (a citao em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicao, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crtica ou polmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra), sendo toda reproduo realizada com amparo legal do regime geral de direito de autor no Brasil.

    Copyright 2012. Todos os direitos desta edio esto reservados ao ne@ad. Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Coordenao Acadmica do Curso de Licenciatura em Educao Fsica, na modalidade a distncia.

    Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)(Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)

    Gonzlez, Fernando Jaime. Metodologia do ensino dos esportes coletivos / Fernando Jaime Gonzlez, Valter Bracht. - Vitria : UFES, Ncleo de Educao Aberta e a Distncia, 2012. 126 p. : il ; 28 cm

    Inclui bibliografia. ISBN:

    1. Esportes. 2. Esportes Estudo e ensino. I. Bracht, Valter, 1957- II. Ttulo.

    CDU: 796

    G643mLaboratrio de Design Instrucional

    LDI coordenaoHeliana PachecoJos Octavio Lobo NameRicardo Esteves

    GernciaSusllem Meneguzzi Samira Bolonha Gomes

    EditoraoHeinrich Kohler

    IlustraoAlex Furtado

    CapaAlexssandro Mello FurtadoHeinrich Kohler

    ImpressoGrfica e Editora GSA

  • APRESENTAO __________________________ 4

    INTRODUO ____________________________ 6

    CAPTULO 1 - POR QUE ENSINAR ESPORTE NA ESCOLA E NA DISCIPLINA EDUCAO FSICA? _ 8

    CAPTULO 2 - O QUE ENSINAR ____________ 14Lgica interna dos esportes ____________ 19Relaes de colaborao ______________ 20Relaes de oposio _________________ 21Tipos de esportes ____________________ 21Tipos de esportes dentro do conjunto SEM interao entre adversrios ____________ 22Tipos de esportes dentro do conjunto COM interao entre adversrios ____________ 23O mapa dos esportes _________________ 24Regulao da ao motora e prticas esportivas ___________________ 28Mecanismo perceptivo _______________ 29Mecanismo de tomada de deciso ______ 30Mecanismo de execuo ______________ 31Em sntese... ________________________ 31Lgica externa dos esportes ____________ 48O esporte como objeto de ensino ________ 49Saberes corporais dos esportes de invaso _ 50Saberes conceituais dos esportes de invaso _ 57Saberes atitudinais __________________ 59

    CAPTULO 3 - QUANDO ENSINAR? _________ 62

    CAPTULO 4 - COMO ENSINAR? ___________ 74O ensino dos saberes corporais _________ 76Mtodos de ensino ___________________ 77As tarefas __________________________ 77Da interveno do professor ____________ 80Papel do aluno ______________________ 82Mtodos de ensino dos diferentes elementos do desempenho esportivo _____________ 83Mtodos de ensino das regras de ao ____ 83Estratgias de ensino ________________ 86Estratgias para o desenvolvimento de saberes conceituais __________________ 87Formas de trabalhar o desenvolvimento de saberes atitudinais ___________________ 92

    CAPTULO 5 - PARA QU, O QU, QUANDO E COMO AVALIAR? ______________ 94

    A avaliao dos saberes corporais ______ 96

    CAPTULO 6 - O DESENHO DE UNIDADES DIDTICAS ___________________ 102

    O planejamento do ensino dos saberes corporais em uma unidade didtica ____ 104O planejamento do ensino dos saberes conceituais em uma unidade didtica ___ 114

    2.1

    2.1.1

    2.1.2

    2.1.3

    2.1.4

    2.2

    2.2.1

    2.2.2

    2.2.3

    2.2.4

    2.3

    2.4

    2.4.1

    2.4.2

    2.4.3

    4.1

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    4.2.1

    4.2.2

    4.2.3

    4.3

    4.3.1

    4.3.2

    4.3.3

    5.1

    6.1

    6.2

    S u m r i o

  • Prezados alunos

    com muito prazer que apresentamos o fascculo destinado a subsidiar o desenvolvi-mento da disciplina Metodologia do Ensino dos Esportes Coletivos.

    Um dos professores responsveis pela elaborao do fascculo e desenvolvimento da disciplina vocs j conhecem de outros momentos, no caso, o professor Valter Bracht. O professor Fernando Jaime Gonzlez a primeira vez que participa diretamente do curso.

    Fernando professor de Educao Fsica formado pelo Instituto del Profesorado de Educacin Fsica de Crdoba, Argentina, mestre em Cincias do Movimento Humanos pela Universidade Federal de Santa Maria, com doutorado na mesma rea pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. professor da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, onde trabalha com as disciplinas Estrutura dos Esportes, Metodologia do Ensino dos Esportes, Currculo e Metodologia da Pesquisa. Foi um dos autores do Referencial Curricular da Educao Fsica e da coleo Lies da rede estadual de educao do Rio Grande do Sul (2009). Tem produzido e orientado diversos trabalhos vinculados com o ensino dos esportes.

    Valter Bracht licenciado em Educao Fsica pela Universidade Federal do Paran (1980), mestre em Educao Fsica pela Universidade Federal de Santa Maria e realizou doutorado na Universidade de Oldenburg (Alemanha). Atualmente professor titular do Centro de Educao Fsica e Desportos da Ufes. Desde a sua dissertao de mestrado (1983), vem se ocupando do tema ensino dos esportes nas escolas. Em 1992, participou de um Coletivo de Autores que escreveu o livro Metodologia do ensino da educao fsica, publicado pela editora Cortez.

    importante dizer que, na elaborao do fascculo, tivemos uma forte preocupao em oferecer um texto que fosse bastante instrumental (como fazer) sem descuidar, em momento algum, dos seus fundamentos (por que fazer). Portanto, no se trata de um mero manual de como dar aulas de esportes coletivos, mas um texto que tambm convida a pensar sobre as diferentes decises que temos de tomar no momento de agir como professores no ensino dos esportes na escola.

    O que apresentamos aqui, embora tenha sido escrito a duas mos, contm muito da experincia do professor Fernando com o ensino dessa disciplina em cursos de licenciatura em Educao Fsica e de orientao de estgios de alunos em escolas de ensino fundamental

    Apresentao

    4 Metodologia do Ensino dos Esportes Coletivos

  • e mdio. Portanto, no so ideias que foram apenas pensadas (teoricamente) entre as quatro paredes de um gabinete. Por trs do contedo aqui exposto, existe muita experincia e, claro, tambm muita reflexo. Isso no quer dizer que todas as ideias contidas no fascculo podem ser imediatamente aplicadas nas mais diferentes escolas. Muito pelo contrrio, apenas quer dizer que elas podem e devem inspirar aqueles que tm a responsabilidade de ensinar esportes nas escolas.

    Outra observao importante que o contedo aqui apresentado est ancorado numa tradio da Educao Fsica (do ensino dos esportes nas escolas), mas tambm resultado de um processo de discusso que emergiu com o chamado Movimento Renovador da Educao Fsica Brasileira, da dcada de 1980, e que hoje nos permite, aps anos de trabalho coletivo de muitos professores de Educao Fsica, formular o ensino dos esportes nas escolas brasileiras em outras bases conceituais, ou seja, de uma forma que esse ensino contribua efetivamente para a formao crtica e cidad dos nossos alunos.

    Desejamos a todos ns um bom estudo.

    Fernando e Valter

    5Metodologia do Ensino dos Esportes Coletivos

  • 6 Metodologia do Ensino dos Esportes Coletivos

  • Quando pensamos na forma de organizar este fascculo, vrias ideias apareceram. Aps algumas discusses, decidimos faz-lo com base nas cinco perguntas estruturantes do ensino que todo professor responde quando desenvolve seu trabalho:

    a) Para que ou por que ensinar?b) O que ensinar? c) Quando ensinar? Ou em que sequncia ensinar? d) Como ensinar?e) Para qu, o qu, quando e como avaliar?

    As respostas a essas questes nem sempre so explcitas ou esto totalmente claras para o professor, mas, em cada uma de suas decises e aes, ele responde a todas elas implicitamente.

    De tal modo, no fascculo nos desafiamos a fazer dois movimentos simultaneamente, explicitar o sentido dessas perguntas e apontar como podem ser respondidas quando se ensina esporte nas aulas de Educao Fsica.

    Terminamos o fascculo com o Captulo 6, em que, com base nos conhecimentos discutidos em cada uma das sees que trata das perguntas estruturantes do ensino, apresentamos orientaes para o desenho de unidades didticas para tratar do tema esporte na escola.

    Introduo

    7Metodologia do Ensino dos Esportes Coletivos

  • POR QUE ENSINAR ESPORTE NA ESCOLA

    E NA DISCIPLINA EDUCAO FSICA?

    CAPTULO 1:

  • POR QUE ENSINAR ESPORTE NA ESCOLA E NA DISCIPLINA EDUCAO FSICA?

    No parece, mas responder a essa pergunta fundamental porque dessa resposta que depende, em grande parte, o que e como ns vamos ensinar o esporte nas aulas de Educao Fsica.

    Portanto, para discutir o contedo e os mtodos do ensino dos esportes (coletivos), preciso antes discutir uma questo mais fundamental: por que ensinar o esporte na escola? Lembrando que, quando falamos de mtodos de ensino dos esportes, nesse caso, estamos falando, na verdade, de mtodos de ensino da Educao Fsica com o contedo esporte.

    Colocar e enfrentar essa pergunta significa tentar ir alm de respostas na forma de chaves, como aqueles que foram divulgados pelo Governo Militar na dcada de 1970 e que ainda hoje so muito propalados, do tipo: O esporte educa; Esporte sade.

    Esses chaves no nos ajudam a dar uma resposta qualificada pergunta.

    Poucos se colocam explicitamente essa pergunta. Mas todos a respondem de forma indireta, quando elaboram algum tipo de proposta para a Educao Fsica, quando falam da importncia do esporte na educao das crianas ou, ento, justificando a presena de determinada modalidade esportiva nas aulas. Justificar a presena dos esportes nas aulas de Educao Fsica significa tentar legitimar esse contedo.

    Segue uma lista de possveis justificativas que aparecem explcitas e/ou implcitas em livros, documentos e mesmo em discursos no mbito da Educao Fsica:

    1. O esporte um bom meio de desenvolvimento da aptido fsica, que , por sua vez, elemento importante da sade.

    2. O esporte um bom meio de desenvolver qualidades sociais e morais (esprito colaborativo, esprito competitivo, capacidade de assimilar derrotas e vitrias, respeito s regras etc.).

    3. Ensinar os esportes nas aulas de Educao Fsica vai permitir massificar a prtica do esporte em nosso pas.

    4. A massificao do esporte vai propiciar o aparecimento e a descoberta de muitos talentos esportivos que podero ser lapidados e ento participar das selees regionais e nacionais nas diferentes modalidades.

    5. Aprender um esporte pode significar, para alguns alunos, uma ocupao profissional futura.

    10 Captulo 1: Por que ensinar esporte na escola e na disciplina Educao Fsica?

  • 6. Aprender e praticar esportes pode oferecer aos alunos uma ocupao saudvel do seu tempo livre e com isso evitar que eles se envolvam em atividades socialmente desaprovadas, como o uso de drogas (alunos em situao de risco social).

    7. Ensinar o esporte nas aulas de Educao Fsica tem o objetivo de identificar talentos que possam participar dos campeonatos escolares representando a escola e, quem sabe, o municpio ou mesmo o Estado.

    8. Aprender a praticar esportes pode significar incorporar essa prtica no seu estilo de vida e, portanto, garantir uma vida mais saudvel e de melhor qualidade.

    9. O esporte faz parte da nossa cultura e participa de forma bastante intensa da vida de muitas pessoas, assim, conhec-lo significa poder participar mais plenamente da vida social.

    10. Aprender a praticar esportes permitir que o aluno no futuro opte por realizar essa prtica em seu lazer.

    Talvez voc mesmo pudesse, a partir de suas experincias, ampliar essa lista. Mas, para nossos propsitos aqui, podemos ficar com esses dez argumentos. Gostaramos de chamar a ateno para o fato de que essas justificativas podem ser combinadas de vrias maneiras. Por exemplo, as justificativas 1, 2, 3, 4, 5 e 7 no se excluem mutuamente e podem ajudar a orientar a escolha do mtodo de ensino. Mas tambm podemos identificar justificativas que no se combinam facilmente e podem mesmo se contradizer ou contrapor, por exemplo, as justificativas 7 e 8 ou as justificativas 7 e 10. Ou seja, provvel que, nesse caso, a opo metodolgica a partir da justificativa 7 no seja a melhor, se considerarmos a justificativa 8 ou 10.

    Agora, vamos ver como a justificativa que dou para o ensino do esporte nas aulas de Educao Fsica pode estar relacionada com a escolha do que ensino (contedos) e com a forma (mtodo) de ensino.

    Se, em minha viso, a justificativa central e mais importante para o ensino do esporte nas aulas de Educao Fsica aquela relacionada com o desenvolvimento da aptido fsica, no momento de ensinar um esporte, vou escolher as modalidades que mais demandem o organismo e organizar as aulas de maneira a garantir que os alunos se movimentem (praticando esse esporte) de forma a desenvolver as qualidades fsicas, como a capacidade aerbica, a fora, a agilidade, a flexibilidade etc. Ou seja, o esporte vai ser encarado primeiramente como uma atividade fsica. Essa perspectiva normalmente vem associada (combinada com) quela que entende que o objetivo do ensino do esporte est vinculado ideia de levar os alunos a dominar uma modalidade e portanto ser necessrio centrar o ensino (de forma quase exclusiva) nas tcnicas e nas tticas esportivas para participar das competies escolares, num primeiro momento, e, quem sabe, no futuro participar de competies do esporte de alto nvel? Isso significa que, na escolha do contedo e do mtodo de ensino, vou privilegiar como critrio os aspectos da aptido fsica e da aprendizagem das tcnicas e

    11Captulo 1: Por que ensinar esporte na escola e na disciplina Educao Fsica?

  • tticas esportivas. Tambm a organizao do contedo das aulas vai seguir esses critrios. normal ento dividirmos as aulas a partir dos diferentes fundamentos dos esportes (2 aulas para apresentar e ensinar a manchete; 3 aulas para apresentar e ensinar o toque e o saque etc.). As aulas apresentam normalmente a seguinte estrutura: um aquecimento, uma parte principal com o ensino e o treinamento de um ou dois fundamentos tcnicos e, no final, um pequeno jogo. O objetivo, no final do bimestre, trimestre ou semestre (ou mesmo do ano), que os alunos dominem as tcnicas e consigam realizar o jogo esportivo. Os melhores ou os que se destacam so normalmente convidados a participar da equipe que representa a escola (o time da escola) e talvez o prprio municpio nos jogos escolares intermunicipais. Os que a se destacam tm chance de participar do esporte federado e assim por diante.

    Vamos agora observar outra possibilidade. Considere que entendamos que as justificativas do ensino dos esportes nas aulas de Educao Fsica sejam fundamentalmente as de nmero 8, 9 e 10. Nesse caso, o entendimento que os esportes fazem parte de nossa cultura (corporal de movimento) e que dever da escola e, portanto, da Educao Fsica garantir que os alunos tenham acesso a eles no sentido de que no apenas aprendam a praticar, mas que tambm os conheam, ou seja, tenham acesso aos conhecimentos sobre essa prtica. Uma das consequncias dessa viso que se ampliam os conhecimentos (a prtica um tipo de conhecimento, mas no o nico) que devem ser transmitidos e tematizados pelos professores. Ou seja, nesse caso o professor est interessado em que o aluno conhea o esporte para praticar, mas tambm conhea o esporte para compreender o que ele significa em sua vida e na sociedade. Aqui, portanto, se compararmos com a viso discutida no pargrafo anterior, podemos dizer que, alm da aprendizagem da prtica esportiva, estamos tambm preocupados com a aprendizagem de conhecimentos sobre essa prtica esportiva, bem como preocupados com os valores ticos e sociais que estamos veiculando na prtica esportiva.

    Os esportes (coletivos) so uma parte de nossa cultura corporal de movimento (assim como a ginstica, as danas, os jogos, as lutas etc.). Essa dimenso da cultura que configura que a responsabilidade de legar s novas geraes esse conhecimento da Educao Fsica; isso que justifica a presena da Educao Fsica no currculo escolar. O conhecimento de que trata a Educao Fsica , portanto, parte da cultura humana. Entende-se que, para que as pessoas possam exercer a cidadania plenamente, elas devem ter acesso tambm a essa parcela da cultura. Mas no um acesso apenas no sentido de aprender a praticar, no caso, os esportes, mas tambm de compreend-los profundamente.

    Isso significa, como no exemplo anterior, que a opo de ensinar o esporte nessa perspectiva condicionar a escolha dos contedos e a forma, ou mtodo, de ensino desenvolvido nas aulas. Nessa linha, se importante tanto saber praticar como conhecer sobre o esporte, deveremos escolher contedos que deem conta desses propsitos. Da mesma

    12 Captulo 1: Por que ensinar esporte na escola e na disciplina Educao Fsica?

  • forma, se entendemos que no apenas importante saber fazer, mas tambm saber ser, ser fundamental utilizar formas de trabalho em que determinados tipos de valores sejam demandados e comportamentos inadequados sejam inibidos.

    No item seguinte, vamos discutir mais detalhadamente o que ensinar a partir dessa justificativa do ensino dos esportes coletivos na escola.

    13Captulo 1: Por que ensinar esporte na escola e na disciplina Educao Fsica?

  • O QUEENSINAR

    CAPTULO 2:

  • O QUE ENSINAR

    Quando nos perguntamos sobre o que ensinar, questionamo-nos pelos contedos do ensino.

    Para tomar decises sobre isso, necessrio pelo menos dois movimentos de anlise: primeiro, perguntar pelas caractersticas (natureza) do que vou ensinar; segundo, perguntar que conhecimento desse fenmeno vai ser convertido em tema de aula.

    Quando falamos em ensinar esporte nas aulas de Educao Fsica, normalmente pensamos que se trata de ensinar a praticar os diferentes esportes, ou seja, ensinar aos alunos os gestos tcnicos e as tticas das diferentes modalidades. Isso est certo, mas muito pouco, se considerarmos que a Educao Fsica deve levar o aluno a conhecer o esporte. E conhecer o esporte no apenas saber praticar uma ou mais modalidades esportivas, da mesma forma que um clube ou escolinha esportiva o faz. Mas, ento, o que mais seria? Para comear a responder a essa pergunta, vamos colocar uma outra: o que esse fenmeno social chamado esporte?

    Se utilizarmos uma viso macrossocial, podemos identificar vrios aspectos e caracters-ticas desse fenmeno:

    a) seguramente um fenmeno muito presente nos meios de comunicao de massa (TV, rdio, jornal, internet etc.) que mobiliza (apaixonadamente) milhes de pessoas em todo o mundo. Podemos dizer que bilhes de pessoas se envolvem diariamente com o esporte de alguma forma: praticando, assistindo ao vivo ou na TV, consumindo notcias, algum produto ou subproduto esportivo etc.

    b) Os megaeventos esportivos, alm de atrair a ateno de milhes ou bilhes de pessoas ou mesmo em funo dessa capacidade, tambm atraem a ateno de governos (pases, estados, municpios) e de grandes empresas.

    c) O prprio esporte configura-se hoje como um segmento importante das economias nacionais, e no s o esporte espetculo, mas tambm fenmenos esportivos, por exemplo, as corridas de rua em torno das quais se constituiu toda uma indstria de produtos e subprodutos esportivos, incluindo a o turismo.

    d) Os resultados esportivos nas grandes competies internacionais influenciam a construo da identidade de povos e naes e so entendidos pelo imaginrio social como indicadores do seu desenvolvimento. Um exemplo o fato de que o Brasil conhecido mundialmente como o pas do futebol.e) A esportividade tornou-se um valor importante de nossa sociedade, ou seja, ser esportivo passa a fazer parte constitutiva das nossas identidades como cidados e

    16 Captulo 2: O que ensinar

  • valorizado inclusive no mbito do mundo do trabalho (ser esportivo um indicador de uma pessoa dinmica, empreendedora, competitiva e que gosta de desafios, caractersticas valorizadas pelo mundo do trabalho).

    f) O esporte est organizado internacionalmente. um fenmeno global e suas organizaes internacionais so econmica e politicamente muito poderosas. A Federao Internacional de Futebol (FIFA) possui mais pases filiados do que a ONU!

    g) O envolvimento do indivduo com o esporte desde a infncia (diz-se que o menino j nasce chutando bola!) faz com que ele participe da construo identitria de muitas pessoas. Isso significa no s que uma srie de valores sociais so incorporados a partir da prtica do esporte, mas tambm que as pessoas se identificam, por exemplo, como torcedores do Flamengo, do Corinthians ou, ento, como praticantes de ciclismo, natao ou de outro esporte ( claro, as pessoas tambm se identificam a partir da profisso, como advogado, pedreiro, mdico, agricultor, professor etc. ou a partir da sua religio, como evanglico, protestante, catlico etc.).

    h) O esporte um fenmeno que muitas vezes leva a um engajamento to apaixonado das pessoas que pode ser palco e motivo do exerccio da violncia dentro e fora dos espaos propriamente esportivos (por exemplo, torcidas organizadas que se enfrentam, os hooligans etc.).

    Isso o esporte, mas, claro, no s isso! Se olharmos agora mais para dentro do esporte, tambm podemos identificar vrios aspectos e diversas caractersticas:

    a) Ele um tipo de prtica corporal que vem sendo construda a partir mais ou menos do sculo XVIII (originalmente na Inglaterra) e que se caracteriza por ser uma prtica competitiva regrada, cujo resultado (que determina a vitria ou a derrota) definido objetivamente por performances corporais.

    b) O esporte convive com outras manifestaes da nossa cultura corporal de movimento, como as danas, as ginsticas, as lutas, os jogos populares, embora, pela sua importncia econmica e poltica, tenda a pressionar essas outras manifestaes para que elas se esportivizem, ou seja, assumam as caractersticas do esporte, como foi o caso, por exemplo, de algumas ginsticas (Ginstica Artstica e Ginstica Rtmica) ou de algumas prticas corporais, como o surfe ou a capoeira.

    c) Existe um nmero muito grande de modalidades esportivas. Umas de alcance ou difuso mundial (como o futebol), outras que se apresentam em apenas um ou em poucos pases e, outras, ainda, que se circunscrevem a apenas um pas ou mesmo a uma regio.

    17Captulo 2: O que ensinar

  • O detalhe que existe uma grande dinmica de criao, desenvolvimento de novas modalidades esportivas, mas tambm o desaparecimento de outras.

    d) Muitos esportes esto organizados internacionalmente com uma capilaridade nacional, regional e local (Confederaes, Federaes e Ligas).

    e) Muitos esportes so profissionais (isso indica que seus praticantes so remunerados) e outros amadores (seus praticantes no so remunerados). At bem pouco tempo, s podiam participar dos Jogos Olmpicos os atletas considerados amadores.

    f) Existem diferentes formas de classificar o esporte. Como j adiantado, uma possibilidade a classificao em profissionais e amadores, mas, a partir de outros critrios, podem surgir classificaes como: esportes coletivos e individuais; esportes de ambos os sexos e exclusivamente masculinos ou femininos; esportes de competio e esportes de participao; de alta performance e de lazer; esportes de quadra e de campo etc.

    g) Se considerarmos apenas os esportes coletivos, eles tambm podem ser classificados, por exemplo, em esportes de invaso (handebol) e esportes de rede divisria (voleibol).

    h) Podemos analisar as modalidades esportivas num plano ainda mais particular (ou interno). Quanto s regras, distinguem-se as constitutivas (que configuram uma modalidade especfica: por exemplo, no futebol a bola no pode ser tocada com a mo e o brao, com exceo do goleiro; a regra do impedimento etc.) e as regras regulativas (aquelas que norteiam o comportamento dos jogadores). Com relao s tcnicas ou destrezas esportivas necessrias para sua realizao (chamadas de fundamentos tcnicos): se tomarmos o futebol, destacam-se o chute (que tambm possui vrias formas), o drible, o passe e o cabeceio. Se tomarmos o handebol, destacam-se o passe, o drible e o arremesso. Quanto aos sistemas tticos, se tomarmos o basquetebol, destacam-se os sistemas de defesa (por zona ou individual) e os de ataque (com um ou dois pivots etc.). Com referncia s qualidades fsicas exigidas para sua prtica: se tomarmos as provas da maratona e da corrida de 10 mil metros do atletismo, destaca-se a chamada capacidade aerbica. Se tomarmos o voleibol, destaca-se a fora de impulso vertical, e assim por diante.

    Nos itens acima, possvel identificar pelo menos duas dimenses na descrio do esporte, o que o pesquisador francs Parlebas (2001) denominou de lgica interna e lgica externa. A lgica interna definida como [...] o sistema de caractersticas prprias de uma situao motora e das consequncias que esta situao demanda para a realizao de uma ao motora correspondente (PARLEBAS, 2001, p. 302). Trata-se dos aspectos peculiares de uma modalidade que exigem aos jogadores atuarem de um jeito especfico (desde o ponto de vista do movimento realizado) durante sua prtica. E a lgica externa, por sua vez, refere-se s

    18 Captulo 2: O que ensinar

  • caractersticas e/ou significados sociais que uma prtica esportiva apresenta ou adquire num determinado contexto histrico e cultural.

    Para analisar o esporte a partir da lgica interna, importante comear fazendo as seguintes perguntas: que demandas ou exigncias motoras as regras de uma determinada modalidade impem aos participantes? H ou no interferncia direta do adversrio durante a execuo de uma ao? H ou no colaborao entre companheiros? Quais as funes dos participantes no desenvolvimento do jogo? Uma anlise centrada na lgica externa demanda outro tipo de pergunta: como o esporte se tornou um elemento to forte na cultura contempornea? Por que alguns esportes so considerados socialmente pertencentes ao universo masculino e outros ao feminino? Por que uma modalidade e no outra se torna a preferida num pas?

    Utilizando essa perspectiva de anlise, podemos dizer que o futebol, independentemente do lugar onde se joga, tem caractersticas que no mudam. Por exemplo, ele sempre um esporte coletivo (jogamos em equipes), os jogadores de um time sempre podem se intrometer na jogada do adversrio para roubar a bola e avanar em direo ao gol. Essas caractersticas fazem parte da lgica interna do esporte e permanecem estveis, independentemente de quem jogue e onde se jogue.

    Mas algumas caractersticas mudam quando o futebol praticado em outras partes do mundo. Nos Estados Unidos da Amrica (EUA), o futebol, que eles chamam de soccer para diferenciar do futebol americano, considerado um esporte feminino e no muito popular, bem diferente do que ocorre aqui, no Brasil, onde a prtica do futebol pelas mulheres recente e foi at mesmo proibida tempos atrs. Tais caractersticas pertencem lgica externa do esporte.

    Ambas as formas de analisar o esporte so importantes porque nos ajudam a entender melhor as caractersticas do fenmeno que devemos ensinar nas aulas de Educao Fsica. Consequentemente, tambm nos permitem escolher de modo mais informado o que ser ou no contedo de nossas aulas (GONZLEZ, 2006a). Mas, vamos por partes. A seguir, apresentaremos uma anlise do esporte com base na lgica interna.

    2.1 Lgica interna dos esportes

    O conhecimento da lgica interna permite aos professores fazerem a leitura das caractersticas de diversas modalidades esportivas existentes com base nos desafios motores impostos aos participantes. Para isso se utilizam de diferentes propostas de classificao das modalidades esportivas. O sistema de classificao a ser estudado nesta disciplina rene um conjunto de categorias muito utilizado por diversos pesquisadores da rea (PARLEBAS, 1988; RIERA; 1989; WERNER; ALMOND, 1990; FAMOSE, 1992; RUIZ, 1994; CASTEJN, 1995; HERNNDEZ, 1994, 1995, 2000; HERNNDEZ et al., 1999; RITZDORF, 2000; SCHMIND;

    19Captulo 2: O que ensinar

  • WRISBERG, 2001), porm arranjadas de um modo bem particular que permite uma leitura consistente da lgica interna dos esportes (GONZLEZ, 2004, 2006b; GONZLEZ; FRAGA, 2009a, 2009b).

    2.1.1 Relaes de colaborao

    Os esportes podem ser divididos entre aqueles em que necessrio formar equipes para as disputas (esportes coletivos) e aqueles em que o atleta no pode contar com a colaborao de companheiros durante uma partida ou prova (esportes individuais). O primeiro grupo composto por esportes como futsal, ginstica rtmica por equipes, vlei, nado sincronizado, cujo desempenho dos participantes em uma partida ou prova depende da colaborao de todos os membros da equipe. Algum at pode se destacar mais do que os outros em uma equipe, mas no consegue fazer isso sem contar com a ajuda dos companheiros. J nos esportes reunidos no segundo grupo (por exemplo, saltos ornamentais, jud, taekwondo, boliche), o atleta tem que se virar sozinho para se desempenhar bem durante uma partida ou prova. Mas ateno! Existem esportes que possuem algumas provas (ou modalidades) coletivas e outras individuais. No atletismo, por exemplo, existe a corrida dos 4x100 metros (coletiva) e a prova dos 800 metros rasos (individual). O tnis tem a modalidade de duplas (coletiva) e simples (individual). A maioria das provas do remo coletiva (em duplas, quartetos e tem a prova oito com timoneiro que, alm dos oito remadores, tem mais um que s fica ajudando a orientar o barco), apenas uma das provas do remo individual (sigle skiff). Alm desses, h outros tantos casos parecidos no mundo dos esportes. Por isso, quando analisamos as caractersticas de um esporte, preciso estar sempre atento s diferentes formas de competir.

    Neste ponto importante compreender que os esportes coletivos no so apenas aqueles que tm interao entre adversrios (basquetebol, handebol, futsal etc.), um equvoco bastante comum. As provas atlticas de revezamento, o nado sincronizado e a ginstica rtmica em grupo, por exemplo, so tambm esportes coletivos, pois a colaborao entre companheiros de equipe fundamental para que as referidas modalidades aconteam.

    O futebol e o nado sincronizado, por exemplo, tm caractersticas bem distintas entre si, mas no se pode dizer que um coletivo e o outro individual, pois a dinmica de ambos exige a colaborao entre companheiros de uma mesma equipe para que uma partida ou prova se realize, portanto, so bem coletivos. A diferena bsica no est centrada na presena ou ausncia de colaborao entre os companheiros, e sim no tipo de relao que uma e outra modalidade esportiva estabelece entre adversrios, o que ser detalhado a seguir.

    20 Captulo 2: O que ensinar

  • 2.1.2 Relaes de oposio

    Avaliar as modalidades esportivas com base no modo como os adversrios se enfrentam (relaes de oposio) no muito simples, mas, se voc tiver em mente que uma atividade s esporte quando h disputa entre adversrios, j comea a ficar mais fcil de entender. Se no houver adversrio, no h como comparar desempenhos entre atletas ou equipes numa prova ou numa partida. E, se no houver prova ou partida, no d para saber quem ganhou. Portanto, uma das principais caractersticas do esporte a existncia de adversrios.

    Entretanto, o modo como os adversrios se enfrentam muda de acordo com o tipo de interao permitida entre eles durante uma prova ou partida. Em alguns esportes, os adversrios podem interferir diretamente na ao uns dos outros o tempo todo. Quem participa dessas modalidades precisa estar sempre adaptando o jeito de agir, tanto para atacar quanto para defender, de acordo com as aes do adversrio. O futsal, voleibol, tnis simples e de dupla, jud, taekwondo, por exemplo, fazem parte desse conjunto, que vamos chamar de esportes COM interao entre adversrios. J em esportes como o boliche, ginstica rtmica por equipe, nado sincronizado, remo, entre outros, no permitido, de forma nenhuma, qualquer tipo de interferncia na movimentao corporal dos adversrios.

    Essa lgica se aplica s modalidades em que os competidores realizam a prova separadamente e tambm quelas em que os concorrentes realizam as provas ao mesmo tempo. Na prova dos 100 metros rasos do atletismo, por exemplo, os atletas correm um do lado do outro, mas nenhum deles pode invadir a raia do adversrio para atrapalh-lo. por isso que essas modalidades fazem parte do conjunto chamado esportes SEM interao entre adversrios. Outro detalhe bem importante que no precisa existir contato fsico para haver interao entre adversrios. Numa partida de tnis, cada jogador s pode atuar no seu lado da quadra, no pode invadir o lado do adversrio nem tocar nele, mas a sequncia de aes de um interfere diretamente nas aes do outro. Por exemplo, para responder bem a qualquer ataque adversrio, um tenista precisa adaptar sua movimentao corporal de acordo com a direo e a velocidade da bola; precisa se deslocar a tempo de alcan-la e rebat-la para o outro lado da quadra de um modo que dificulte a devoluo do seu oponente, e assim por diante, at que algum faa um ponto. No h contato fsico entre tenistas adversrios, mas h interao entre eles porque as jogadas de um afetam as jogadas do outro.

    2.1.3 Tipos de esportes

    Agora que voc j sabe identificar os esportes com e sem interao, vamos avanar um pouco mais. Iremos aprender a diferenciar os tipos de esporte dentro de cada um desses dois conjuntos. Para dar conta dessa tarefa, voc vai precisar entender, no caso dos esportes sem interao, o que est sendo avaliado quando atletas ou equipes adversrias se enfrentam numa

    21Captulo 2: O que ensinar

  • prova. Por exemplo, em uma prova em que se compara o salto entre os participantes, uma pergunta que deveramos fazer : quando um competidor ganha: quando salta mais longe ou quando salta com mais estilo? J no caso dos esportes com interao, para poder diferenciar um tipo do outro, voc vai precisar se ligar naquilo que um nico atleta (nos esportes individuais) ou um atleta juntamente com seus companheiros de equipe (nos esportes coletivos) precisam fazer para conseguir superar os adversrios. Por exemplo, tem que pr a bola na meta adversria (gol ou cesta) ou percorrer o maior nmero de bases?

    Assim, quando prestamos ateno s caractersticas que permitem a comparao entre adversrios numa prova ou partida, podemos agrupar os esportes em sete tipos diferentes (trs dentro do conjunto sem interao e quatro dentro do conjunto com interao).

    Tipos de esportes dentro do conjunto SEM interao entre adversrios

    Neste conjunto de esportes, d para identificar trs tipos de modalidades quando prestamos ateno ao aspecto do movimento que se compara para ver quem ganhou uma prova. Vamos tomar como exemplo o salto em distncia no atletismo e o salto sobre a mesa na ginstica artstica. Tanto numa quanto noutra modalidade, o desempenho no salto o que define o ganhador, mas o aspecto do movimento avaliado em cada uma das provas bem diferente. Na prova do salto em distncia do atletismo se compara quem saltou mais longe (marca alcanada), enquanto no salto sobre a mesa na ginstica artstica se avalia o estilo do salto (grau de dificuldade das acrobacias e beleza do movimento). Ambas pertencem ao conjunto dos esportes sem interao, pois os adversrios no podem interferir na ao uns dos outros, mas no so do mesmo tipo porque avaliam aspectos diferentes do movimento de saltar.

    Quando levamos em conta o aspecto do movimento a ser avaliado, podemos classificar os esportes sem interao em trs tipos:

    Esportes de marca aqueles baseados na comparao dos registros dos ndices alcanados em segundos, metros ou quilos. Exemplos: todas as provas do atletismo, como tambm patinao de velocidade, remo, ciclismo, levantamento de peso etc. Nessas provas os adversrios medem foras para saber quem foi mais rpido (menor tempo em horas, segundos, milsimos de segundo), quem foi mais longe ou mais alto (em metros e centmetros), quem levantou mais peso (em quantidade de quilos). Uma das caractersticas mais destacadas nos esportes de marca a quebra de recordes. Muitas vezes a superao de uma marca anteriormente registrada ganha mais importncia do que uma medalha olmpica. O atleta se torna famoso mais pelo feito do que pelo ttulo. Como foi o caso

    22 Captulo 2: O que ensinar

  • do jamaicano Usain Bolt, que quebrou o recorde mundial dos 100 metros masculinos durante os Jogos Olmpicos de Pequim, na China, com a marca de 9,69 segundos.

    Esportes tcnico-combinatrios aqueles em que a comparao do desempenho est centrada na beleza plstica (dimenso esttica) e no grau de dificuldade (dimenso acrobtica) do movimento, sempre respeitando certos padres, cdigos ou critrios estabelecidos nas regras. Exemplos: todas as modalidades de ginstica: acrobtica, aerbica esportiva, artstica, rtmica, de trampolim; bem como as provas da patinao artstica, nado sincronizado, saltos ornamentais. Em todas essas modalidades, os rbitros responsveis do notas ao desempenho realizado pelos atletas com base em tabelas que estabelecem o grau de dificuldade dos movimentos realizados e a forma como eles devem ser executados. Nos esportes tcnico-combinatrios, como j foi dito, o vencedor da prova no aquele que consegue ir mais longe ou ser mais rpido, o que se compara aqui quem consegue executar com mais estilo movimentos bem difceis.

    Esportes de preciso aqueles cujo objetivo principal arremessar/bater/lanar um objeto (bocha, bola, bolo, flecha, projtil) procurando acertar um alvo especfico fixo ou em movimento. Para ver quem ganhou uma prova nas modalidades desse tipo, leva-se em considerao o nmero de vezes que um atleta tentou acertar o alvo (leva vantagem na pontuao quem conseguir acertar o alvo no menor nmero de tentativas), ou ento se compara a proximidade do objeto arremessado em relao ao alvo (mais perto/longe do que o adversrio). Exemplos: bocha, croquet, curling, golfe, sinuca, tiro com arco, tiro esportivo etc. Entre outras caractersticas comuns nesses esportes, destaca-se a importncia do controle do movimento do atleta no manejo preciso do objeto. Nesses esportes muito mais importante ter boa pontaria do que velocidade, fora, resistncia fsica, que so capacidades motoras muito importantes em outros tipos de esporte. provavelmente por isso que a mdia de idade dos atletas dessas modalidades mais alta do que nos demais tipos de esporte

    Tipos de esportes dentro do conjunto COM interao entre adversrios

    Para os esportes com interao, o critrio de classificao est vinculado aos princpios tticos da ao, ou seja, est baseado naquilo que um nico atleta (esportes individuais) ou um atleta juntamente com seus companheiros de equipe (esportes coletivos) devem fazer para

    23Captulo 2: O que ensinar

  • atingir a meta estabelecida. Para se dar bem em modalidades deste tipo, no basta s saber chutar a gol, jogar a bola para o outro lado da quadra, correr de uma base outra ou aplicar um golpe. claro que essas aes so fundamentais para fazer um gol numa partida de futebol ou marcar pontos no tnis, beisebol ou jud, mas preciso se dar conta de que, nos esportes com interao, os adversrios estaro, ao mesmo tempo, tentando fazer a mesma coisa. por isso que a maior preocupao de um atleta e da equipe durante uma partida ou prova nessas modalidades escolher/decidir em cada lance um jeito de agir (uma ttica) que esteja sempre ligado s aes de ataque e defesa do adversrio. Quando levamos em considerao esse critrio, possvel perceber que existem traos comuns na forma de atacar e defender em modalidades que parecem ser bem diferentes umas das outras. O polo aqutico e o futebol, por exemplo, tm o mesmo princpio de organizao ttica, apesar de o primeiro ser praticado dentro de uma piscina e o segundo num campo gramado. Tanto num quanto noutro a defesa de uma equipe s funciona quando todos os jogadores adversrios estiverem marcados e quando, ao mesmo tempo, cada defensor estiver de costas para o seu prprio gol e de frente para o jogador marcado, tentando lhe tirar o espao para o arremesso ou o chute a gol. Nesses esportes preciso estar o tempo todo com um olho na bola e o outro no adversrio.

    Ento, de acordo com os princpios tticos do jogo, o conjunto de esportes com interao pode ser subdividido, pelo menos, em quatro tipos:

    2.1.4 O mapa dos esportes

    Esportes de combate caracterizados como disputas nas quais uns tentam vencer os outros por meio de toques, desequilbrios, imobilizao, excluso de um determinado espao e, dependendo da modalidade, por contuses, combinando aes de ataque e defesa (por exemplo: boxe, esgrima, jiu-jtsu, jud, karat, luta, sum, taekwondo etc.). importante destacar que, para se dar bem nesses esportes, preciso atingir o corpo do adversrio ou conseguir algum grau de controle sobre ele. Mas, ateno! Apesar de o futebol americano e o rgbi permitirem que um ou vrios atletas se atirem sobre o corpo do adversrio tentando imobiliz-lo, no d para consider-los esportes de combate, pois essa ao apenas um recurso do jogo usado para recuperar ou manter a posse da bola, e no o objetivo central dessas duas modalidades. Lembre-se de que os esportes de combate so sempre individuais (deveramos, no entanto, discutir se o kabbadi, esporte tradicional e popular em vrios pases de sia, no pode ser considerado um esporte de combate coletivo, mas deixamos essa questo para outra oportunidade).

    24 Captulo 2: O que ensinar

  • Esportes de campo e taco so aquelas modalidades que tm como objetivo rebater a bola o mais longe possvel para tentar percorrer o maior nmero de vezes as bases (ou a maior distncia entre as bases) e, assim, somar pontos. No Brasil, em geral, esses esportes so pouco conhecidos, entretanto tem um jogo muito popular derivado de um deles: o best, tacobol, ou simplesmente jogo de taco, que nos ajuda a entender como essas modalidades funcionam. Nesse tipo de esporte, as equipes atacam e defendem alternadamente, ou seja, cada equipe tem a sua vez de atacar e defender. Um ataque sempre comea quando um rebatedor consegue bater com um taco (ou outro instrumento) na bola arremessada pelo jogador adversrio, tentando mand-la o mais longe possvel dentro do campo de jogo para atrasar a devoluo da bola por parte da defesa e, ento, percorrer a distncia necessria para marcar pontos. Em vrias dessas modalidades (no o caso do crquete), se o rebatedor no conseguir completar o percurso na mesma jogada, ele para em lugares intermedirios (bases) e um novo rebatedor entra na partida. O rebatedor anterior se transforma num corredor e segue tentando completar o percurso entre todas as bases. Uma das diferenas dos esportes de campo e taco para os outros tipos de esportes que a equipe de defesa sempre comea a partida com a posse da bola. Antes de comear, os defensores se distribuem no campo de jogo tentando cobrir os espaos onde a bola pode cair depois de ser rebatida pelo adversrio. Quando a bola est em jogo, os defensores tentam, por meio de passes, demorar o menor tempo possvel para levar a bola at setores do campo que impedem os adversrios de marcar ou continuar marcando pontos (ou em setores que levem eliminao dos corredores). Entre outras modalidades deste tipo de esportes, podemos destacar o beisebol, brnnboll, crquete, lapta, pesapallo, rounders, softbol.

    Esportes com rede divisria ou parede de rebote so aquelas modalidades nas quais se arremessa, lana ou se bate na bola ou peteca em direo quadra adversria (sobre a rede ou contra uma parede) de tal forma que o rival no consiga devolv-la, ou a devolva fora de nosso campo ou pelo menos tenha dificuldades para devolv-la. Podemos citar como exemplos de esportes com rede divisria o voleibol, vlei de praia, tnis, badminton, pdel, peteca, sepaktakraw, ringo, ringtennis. E como exemplos de esportes com parede de rebote, entre outros, a pelota basca, raquetebol, squash. Uma caracterstica comum desses esportes que sempre se joga interceptando (defesa) a trajetria da bola ou da peteca ao mesmo tempo em que se tenta jog-la para o lado do adversrio (ataque). No caso do

    25Captulo 2: O que ensinar

  • tnis, badminton, peteca, pelota basca, raquetebol, o vaivm da bola ou da peteca direto (alternado direto). J no voleibol, punhobol, vlei de praia e sepaktakraw tanto d para devolver a bola direto quanto d para fazer passes entre os companheiros de uma mesma equipe antes de mandar a bola para o outro lado de quadra (alternado indireto). Na defesa, a ideia ocupar os espaos da melhor forma possvel para receber bem a bola ou a peteca e devolv-la de um jeito que dificulte a ao dos adversrios.

    Esportes de invaso so aquelas modalidades em que as equipes tentam ocupar o setor da quadra/campo defendido pelo adversrio para marcar pontos (gol, cesta, touchdown), ao mesmo tempo em que tm que proteger a prpria meta. Por exemplo, basquetebol, corfebol, floorball, frisbee, futebol, futsal, futebol americano, handebol, hquei na grama, lacrosse, polo aqutico, rgbi etc. Nesses esportes possvel perceber, entre outras semelhanas, que as equipes jogam em quadras ou campos retangulares. Em uma das linhas de fundo (ou num dos setores ao fundo), fica a meta a ser atacada, e na outra linha de fundo a que deve ser defendida. Para atacar a meta do adversrio, uma equipe precisa, necessariamente, ter a posse de bola (ou objeto usado como bola) para avanar sobre o campo do adversrio (geralmente fazendo passes) e criar condies para fazer os gols, cestas ou touchdown. S d para chegar l conduzindo, lanando ou batendo (com um chute, um arremesso, uma tacada) na bola, ou no objeto usado como bola, em direo meta. Nesse tipo de esporte, ao mesmo tempo em que uma equipe tenta avanar a outra tenta impedir os avanos. E para evitar que uma chegue meta defendida pela outra, preciso reduzir os espaos de atuao do adversrio de forma organizada e, sempre que possvel, tentar recuperar a posse de bola para da partir para o ataque. O curioso que tudo isso pode ocorrer ao mesmo tempo. Num piscar de olhos, uma equipe que estava atacando passa a ter que se defender, basta perder a posse de bola e pronto, tudo muda.

    Os princpios de classificao permitem observar que, do ponto de vista do desempenho comparado, determinados esportes aquticos e terrestres (como o exemplo j citado do nado sincronizado e da ginstica artstica por equipes) esto pautados por uma mesma lgica de funcionamento, ainda que sejam praticados em ambientes bem diferentes.

    Esses princpios tambm ajudam a perceber que os esportes jogados com a mo ou com o p, como o caso do basquetebol e do futsal, so mais parecidos do que poderamos supor antes da observao dos princpios tticos do jogo (comportamento ttico individual, grupal

    26 Captulo 2: O que ensinar

  • e coletivo). Ou ainda que os esportes que utilizam instrumentos para bater na bola, como o caso do golfe (tacos) e o hquei (stick), no so nada parecidos quando nos pautamos na lgica interna. Ao observarmos o funcionamento dos esportes levando em considerao o modo como os jogadores se comportam para alcanar o objetivo previsto pela modalidade, percebemos que o golfe, em termos das decises que devem ser tomadas, da mesma famlia da bocha, e o hquei da mesma famlia do futebol.

    Compreender as caractersticas dos tipos de esportes permite localizar a maioria das modalidades num Sistema de Classificao, que funciona como se fosse um mapa dos esportes (tal como mostra o Grfico 1). Com esse mapa possvel reconhecer os elementos comuns entre as diversas prticas, compreender de forma global como se define quem ganha ou quem perde uma prova ou partida, alm de ajudar a entender o que devem fazer os jogadores para poder participar de diferentes modalidades.

    Esportes

    Relao de oposio

    Com interao entre adiversrios

    Podem ser classicados de acordo com o

    Podem ser classicados de acordo com a

    Podem ser classicados de acordo com o tipo de

    Princpio ttico do jogo

    Invaso

    Campo e TacoCombate

    so

    so

    soCol.

    Col.

    Ind.

    Col.

    Ind.Col.Ind.

    Col.

    Ind.

    Col.

    Ind.

    podem ser

    podem ser

    podem ser

    podem ser

    Preciso

    Tcnico-combinatrio

    Marca

    em

    Rede divisria ouparede de rebote

    Desempenhocomparado

    Sem interao entre adversrios

    Grfico 1 O mapa dos esportes

    27Captulo 2: O que ensinar

  • Essa classificao abre caminho para o prximo passo de nosso estudo! Pense: a exigncia colocada para o praticante a mesma nos esportes sem interao entre adversrios que a dos esportes com interao entre adversrios? Parece que no... Mas, antes de avanar nisso, vamos explicar alguns aspectos bsicos de como acontece a regulao da ao motora.

    2.2 Regulao da ao motora e prticas esportivas

    Um observador desatento pode deixar de perceber que a realizao de uma prtica corporal envolve um processo complexo de regulao quando um sujeito realiza um movimento dentro de um determinado contexto, o qual lhe d sentido. O aspecto motor de uma ao, isto , a parte visvel da ao corporal, [...] o resultado dos processos fisiolgicos e psquicos da percepo e do pensamento, ao mesmo tempo em que o resultado das condies internas da personalidade (MAHLO, 1981, p. 100). Em outras palavras, no existe movimento humano que seja originado s por ossos e msculos, isso significa que sempre que estamos em frente a uma ao esportiva, estamos assistindo expresso de um sujeito que move.

    Na inteno de explicar os processos que participam na regulao das aes, alguns autores tm desenvolvido modelos explicativos. Assim, podemos afirmar que so diversas as teorias que se propem a explicar os processos de programao, execuo e controle da ao motora, denominados, no campo do estudo do comportamento motor, de processamento da informao.

    Nas diferentes abordagens tericas sobre o processamento da informao ou a programao, execuo e controle motor, [...] comum falar-se de mecanismos para explicar que existe um conjunto de elementos envolvidos no tratamento das informaes sobre a ao (RUIZ, 1994, p. 153). Esses mecanismos seriam os encarregados de um conjunto de funes que tem a responsabilidade de captar e interpretar a informao recebida (procurada), antecipar as aes prprias e trajetrias futuras dos objetos e as intenes das pessoas (companheiros e adversrios) que integram o cenrio da atividade, programar a ao, efetuar ou agir sobre o ambiente e retroalimentar-se com os estmulos (proprioceptivos) e informaes originadas das prprias respostas.

    Nessa linha, mecanismo pode ser conceituado como uma [...] estrutura, ou local, real ou hipottico, que parece estar ativo no sujeito, de maneira sequencial ou paralela, para o tratamento das informaes que permitam a realizao de uma ao motriz (RUIZ, 1994 p.154). Isso significa que existiria um espao no Sistema Nervoso Central, no qual aconteceria a transformao da informao que permite ao sujeito interagir de forma ativa com o ambiente.

    Genericamente, as propostas tericas que tratam desse tema descrevem, no mnimo, trs mecanismos. Cada um deles apresenta funes particulares no tratamento da informao e pode ser denominado de, como originalmente prope o processamento de informao, mecanismo perceptivo, mecanismo de tomada de deciso e mecanismo de execuo (Figura 1).

    28 Captulo 2: O que ensinar

  • Figura 1 - Modelo de processamento da informao

    Ambiente RespostaMotriz

    Conhecimento e execuo

    Conhecimento e resultado

    Mecanismo de Percepo

    Mecanismo de Deciso

    Mecanismo de Execuo

    Figura 1 - Modelo de processamento da informao (Marteniuk, 1976).

    Os receptores do analisador tctil esto localizados na pele e so uma importante fonte de

    informao naqueles movimentos que se efetuam em contato direto com o meio ambiente, a natao,

    por exemplo (MEINEL; SCHNABEL, 1988). Costumeiramente, so colocados dentro da percepo interna

    porque no podem ser diferenciados to facilmente das informaes cinestsicas.

    Fonte: Marteniuk (1976)

    2.2.1 Mecanismo perceptivo

    O incio de qualquer ao motora est precedido da recepo/busca e anlise da informao ambiental e proprioceptiva que a rodeia. O mecanismo perceptivo, tambm denominado sensoperceptivo, o responsvel em [...] organizar, classificar e passar ao mecanismo de deciso, uma srie de respostas perceptuais (MARTENIUK, 1976, p. 19). A funo da percepo est em filtrar as informaes que chegam ao indivduo e decodific-las, de tal forma que se possa reconhecer a natureza e a composio do meio ambiente (GRECO, 1998). Da mesma maneira, parte da informao tratada no mecanismo perceptual no somente usada para tomar decises com respeito conduo imediata da ao, mas tambm utilizada para armazen-la na memria, com o objetivo de utilizar na predio de situaes posteriores.

    Classicamente, divide-se a percepo em externa e interna. A percepo externa consiste na recepo e busca dos elementos relevantes do ambiente em relao ao objetivo, por parte dos sentidos ou analisadores externos, principalmente a viso e, em menor grau, a audio e sensao tctil. Sua responsabilidade consiste em perceber o espao, a forma, o tamanho, a distncia e a direo das aes, como tambm a percepo do movimento dos objetos e as pessoas. A percepo interna abrange a recepo da informao do prprio corpo, principalmente pelos analisadores cinestsicos e vestibulares (analisador esttico-dinmico). Consiste em perceber a posio do corpo e as relaes entre suas pores, e tambm captar tanto a tenso muscular quanto o estiramento. O contedo da informao nesse processo no se limita comunicao do movimento desde dentro, mas abrange a informao transmitida, que tambm pode se

    29Captulo 2: O que ensinar

  • estender ao meio ambiente, aos companheiros ou adversrios e, especialmente, resistncia que eles exercem contra os movimentos (MEINEL; SCHNABEL, 1988).

    2.2.2 Mecanismo de tomada de deciso

    Esta estrutura cognitiva, interveniente no processamento de informao, tem a tarefa de escolher o que fazer em funo dos objetivos da ao e das alternativas disponveis, selecionando um plano apropriado que atenda s necessidades especficas da situao. Isso significa que a ao de um jogador no deve ser entendida como um aspecto determinado externamente e sim como produto de uma forma de compreender a situao e a forma como ela resolvida pelo sujeito, com base em seu conhecimento e experincia. O denominado plano de ao nada mais do que a predio de uma alterao nas condies ambientais, projetadas por meio de decises conscientes sobre as aes motoras mais convenientes para conseguir o objetivo proposto.

    A interveno do mecanismo de tomada de deciso, entretanto, marcadamente diferente quando se consideram esportes com e sem interao entre adversrios. Nos esportes em que o adversrio no pode interferir na ao, as decises so tomadas antes de iniciar a prova.

    Por exemplo, na ginstica rtmica, as atletas no vo mudar a coreografia durante a execuo da prova. Contrariamente, elas tentaro seguir da forma mais precisa possvel o que foi praticado durante os treinos. Muito diferente com esportes nos quais a interferncia do adversrio faz parte da sua lgica interna. Nesse caso, nenhuma deciso sobre como comportar-se em frente ao do adversrio pode ser tomada antes de a situao se colocar para o jogador. Cada um dos participantes deve decidir na hora o que mais conveniente fazer.

    Precisamente essa classificao que ajuda a compreender que so esportes (e tambm os jogos motores, claro!) com interao direta entre adversrios, que comprometem ou solicitam particularmente o mecanismo de tomada de deciso e, por consequncia, o maior nmero de elementos cognitivos. Como afirma Greco (1998, p. 53), nos esportes com interao entre adversrios, a regulao psquica um dos componentes de maior relevncia no resultado da ao.

    Assim, preciso lembrar que, nos esportes com interao entre adversrios, sempre exigida dos sujeitos uma anlise situacional, e isso demanda uma srie de operaes mentais de comparao e reconhecimento da situao, sobre as quais os jogadores vo paralelamente elaborando expectativas e comparando-as com a memria, para facilitar sua orientao na

    O ambiente fsico em que se realiza a prova permanece estvel.

    30 Captulo 2: O que ensinar

  • ao, sua percepo e sua tomada de deciso. Essa anlise situacional envolve, sem dvida, complexas operaes cognitivas que devem ser levadas em conta quando se pensa o ensino dessas modalidades.

    2.2.3 Mecanismo de execuo

    Corresponde ao mecanismo de execuo levar adiante a tarefa projetada conforme os objetivos da ao e a informao ambiental recebida pelo sujeito; dele dependem os atos de movimento para alcanar o propsito estabelecido para a tarefa motora. Esse mecanismo encontra-se relacionado com dois aspectos que o afetam diretamente: por um lado, com a coordenao, definida como a [...] harmonizao de todos os processos parciais do ato motor, com vistas ao objetivo que deve ser alcanado atravs do movimento (MEINEL; SCHNABEL, 1988, p. 57); e, por outro, com as capacidades mistas (coordenativas-condicionais) como a velocidade e a flexibilidade dinmica; e as capacidades condicionais, como a fora e a resistncia. Sobre o primeiro aspecto, fica claro que quanto maior for o grau de dificuldade de uma tarefa, mais complexa resultar a sua execuo. As variveis que definem esse grau de dificuldade, no que se refere coordenao, so: a) o nmero de grupos musculares implicados; b) a estrutura do movimento; c) a velocidade de execuo requerida; e d) a preciso requerida na execuo. Com relao ao segundo aspecto capacidades condicionais a execuo regulada pela exigncia orgnica que a tarefa demanda. mais complicada quando os esforos demandados so mais prximos do mximo da(s) capacidade(s) fsica(s) demandadas pela ao.

    2.2.4 Em sntese... Podemos concluir, com base na anlise dos mecanismos de processamento da informao

    em relao aos esportes, que aqueles nos quais no h interao direta entre adversrios se caracterizam por demandar essencialmente o mecanismo de execuo, no momento em que sua lgica interna passa basicamente pela reproduo do movimento e no pela adaptao da ao corporal diante da atuao dos adversrios. Nesses esportes, o nvel perceptivo muito baixo e a informao a atender pouca; o nvel decisrio tambm baixo (poderamos dizer inexistente, no momento em que no h alternativas entre as quais optar); a resposta motora a executar deve ser nica (mais ou menos complexa) e, em alguns casos, no existe exigncia de tempo para execut-la, ou se executa ante um estmulo concreto e conhecido. Isso supe que a execuo o principal objetivo a alcanar. J os esportes individuais e coletivos com interao entre adversrios, pelas caractersticas prprias da atividade, tm a maior demanda sobre o mecanismo de tomada de deciso, j que exigem dos participantes anteciparem as aes do(s) adversrio(s) - e dos colega(s) se a modalidade for coletiva - para organizar suas prprias aes orientadas a alcanar o(s) objetivo(s) da ao. Os esportes com interao entre adversrios apresentam sua singularidade precisamente no processo de tomada de deciso que precede os aspectos de execuo (Figura 2).

    31Captulo 2: O que ensinar

  • Isso permite afirmar que os esportes com interao entre adversrios requerem diretamente o desenvolvimento do pensamento ttico, o qual necessita de uma antecipao contnua e extremamente diversificada. Essas atividades exigem, durante seu desenvolvimento, a avaliao permanente dos projetos de ao formulados, a programao das aes mais convenientes para conseguir o objetivo proposto e a antecipao sobre as aes que o adversrio pode ou no realizar, ou seja, delinear estratgias para atingir um objetivo envolve substancialmente o mecanismo de tomada de deciso, no qual se v inserida a estrutura de operaes cognitivas.

    Quando o professor no compreende a relao entre as caractersticas do esporte com interao entre adversrios e as demandas dos mecanismos de processamento da informao dos praticantes, com frequncia centra o ensino sobre o movimento/gestos (os chamados fundamentos), a parte visvel do movimento, e no sobre os processos que regulam a ao. Em outras palavras, ensinam os esportes com interao entre adversrios, como se fossem sem interao.

    Por exemplo, comum que, nas etapas iniciais de aprendizagem dos esportes de invaso (futsal, futebol, basquete, handebol, hquei etc.), os principiantes, aps passarem a bola, fiquem parados observando os acontecimentos do jogo ou, contrariamente, corram para ficar perto da

    Figura 2 Tipos de esporte e demandas dos mecanismos de processamento de informao

    Ambiente RespostaMotora

    Conhecimento de execuo

    Conhecimento de resultado

    Mecanismo de Percepo

    Mecanismo de Deciso

    Mecanismo de Execuo

    32 Captulo 2: O que ensinar

  • meta e, desde l, pedir, desesperadamente, a bola aos gritos. Bem, em frente a essa situao, um professor atento e bem intencionado, mas mal informado em relao aos mecanismos de processamento da informao, pensa assim: Meus alunos. aps passarem a bola, no se movimentam... Tenho que propor um exerccio em que o passar a bola seja seguido de um deslocamento. Na sequncia, prope a tarefa descrita a seguir.

    Aps boa parte da aula ter sido dedicada a essa tarefa e suas variaes (com mais jogadores trocando passes, indo no sentido contrrio da bola, trocando os tipos de passes etc.), os alunos voltam a jogar. Para surpresa do professor, o comportamento dos alunos no mudou muito, alis, no mudou quase nada. O que ser que aconteceu? Durante a realizao do exerccio, os alunos no apresentavam grandes problemas, passavam e se deslocavam.

    Analisemos: na lgica do professor, o exerccio seria correto j que os alunos fazem nessa atividade aquilo que no jogo no fazem. Mas, ser que esse raciocnio est certo? Quando analisamos a situao levando em conta os mecanismos de processamento da informao, a resposta questo : no. Por qu? No jogo, os alunos, antes de se deslocar, devem fazer duas coisas: primeiro, ler o que est acontecendo (perceber), reconhecer os possveis espaos no campo de jogo onde eles poderiam deslocar-se para dar continuidade ao jogo; segundo, escolher a melhor alternativa entre as opes que conseguiram reconhecer na situao. Agora analisemos a tarefa proposta pelo professor: os alunos tm que ler a situao, procurar onde seria conveniente deslocar-se, ou j est predefinido? J est definido. Por conseguinte, o aluno tem que escolher entre alternativas? No h o que escolher, s seguir a ordem.

    Assim, comea a ficar claro o porqu de a tarefa proposta no ter ajudado muito aos alunos jogar melhor. Eles no tiveram a oportunidade de exercitar o que efetivamente faz diferena na hora de deslocar-se dentro do jogo: ler a situao e fazer escolhas adequadas em funo das circunstncias (exercitar os mecanismos da percepo e deciso). A tarefa proposta pelo professor apenas ajudou os alunos a aprimorar a execuo da ao, o que, inicialmente, no o problema que dificulta o bom desempenho dos alunos; o problema dos alunos decidir para quem e quando passar a bola e para onde e quando se deslocar. Aspecto sobre o qual o exerccio proposto no ajuda em nada. At podemos pensar que prejudica, j que busca automatizar um comportamento que no precedido por uma leitura da situao, o que pode dificultar mais ainda que o aluno aprenda a observar antes de agir.

    Em trios, os alunos, posicionados conforme a figura, devem passar e seguir seu passe, trocando de lugar com o recebedor.

    33Captulo 2: O que ensinar

  • Os elementos do desempenho esportivo

    O campo de estudos sobre o esporte diversificado e bastante complexo, assim como o prprio mundo dos esportes. H uma extensa produo terica que procura analisar caractersticas especficas e as possveis conexes entre as modalidades dessa significativa manifestao da cultura corporal de movimento.

    Em relao ao estudo do desempenho em jogos esportivos coletivos, especificamente, pode-se afirmar que, nas ltimas cinco dcadas, aumentou significativamente o nmero de pesquisas que buscam entender, de maneira mais detalhada, o tipo de relao que se estabelece entre os diversos elementos condicionantes da atuao esportiva dos jogadores e das equipes e de que modo tal relao se modifica a partir de processos de ensino e treinamento. Produzir conceitos sobre os vrios processos e procedimentos que os jogadores (individual e coletivamente) executam durante uma partida, bem como sobre a equipe tcnica (treinador, auxiliar etc.) tem sido uma das maiores preocupaes do grupo de estudiosos que tem se esforado para entender o fenmeno da ao esportiva. Contudo, tm-se usado diferentes conceitos para descrever as distintas dimenses desse fenmeno, o que seguidamente acaba atravancando o dilogo didtico-pedaggico sobre o ensino dos esportes.

    Neste fascculo, foram utilizados sete conceitos para descrever os elementos de desempenho esportivo. Quatro so de carter individual: tcnica, ttica individual, capacidade fsica e capacidade volitiva; dois coletivos: ttica de grupo (combinaes tticas) e ttica coletiva (sistemas de jogo); e um que pode ser individual e coletivo simultaneamente (a estratgia de jogo). O Quadro 5, a seguir, apresenta uma verso resumida de tais conceitos e orientaes bsicas para sua observao em jogo.

    Ainda h um quinto elemento envolvido: as caractersticas antropomtricas do sujeito. Todavia,

    por no poder ser influenciado positivamente pelo processo de ensino e treinamento, no tratado de

    forma especfica.

    34 Captulo 2: O que ensinar

  • Quadro 1 Conceitos e orientaes para observao de um jogo (continua)

    Definio Observar durante o jogo Tipo de conhecimento do aluno

    Inte

    ne

    s t

    tica

    s in

    divi

    duai

    s

    Normas bsicas do conhecimento ttico do jogo, que definem as condies e os ele-mentos a serem con-siderados para que a ao seja eficaz

    Atacante com posse de bola (ACPB) Ele observa antes de agir (drible, passe, lanamento)? Passa sempre para o jogador sem marcao? Quando recebe a bola, fica de frente para a meta (gol, trave, cesta) antes de passar? Finaliza sempre quando as condies so favorveis? Quando finaliza, procura um lugar vazio (entre os marca-dores) ou o faz sobre o defensor?

    Atacante sem posse de bola (ASPB) Procura permanentemente desmarcar-se para receber a bola? Aproxima-se muito do ACPB? Afasta-se muito do ACPB? Solicita a bola em deslocamento na direo ao gol ou pa-rado? Progride com a equipe quando partem para o contra-ata-que?

    Defensor do ACPB Marca o seu atacante direto? Est sempre entre seu atacante direto e o gol? Pressiona seu atacante direto para evitar o passe e/ou a finalizao?

    Defensor do ASPB Responsabiliza-se por seu atacante direto ou vai atrs da bola? Est sempre entre seu atacante direto e o gol? Est sempre agindo com o objetivo de dissuadir o ACPB? Quando marca, cuida apenas do ASPB, apenas do ACPB ou dos dois?

    Ttica individualDiscernimento para adaptar-se de forma consciente diante de situaes nas quais os sujeitos tm que escolher entre as di-ferentes alternativas, em funo de seus ad-versrios

    Tcn

    ica

    espo

    rtiv

    a in

    divi

    dual

    Representao sim-plificada e abstrata da forma mais ade-quada de solucionar um problema motor demandado por um esporte

    Com posse de bola Tem facilidade ou dificuldade para passar a bola com pre-ciso (velocidade, direo)? Tem facilidade ou dificuldade para progredir com a bola? Finaliza/passa colocando a perna contrria frente do brao de arremesso (no caso do handebol)? Consegue encadear as habilidades de correr, saltar e arremessar? Consegue segurar firme quando recebe a bola?

    Sem posse de bola Consegue fazer mudanas de direo e velocidade com facilidade? Como sua postura na defesa?

    Habilidade motora/tcnicaCompetncia mo-tora para resolver um problema esportivo especfico de forma eficiente e econmica, com a finalidade de alcanar um objetivo preciso

    35Captulo 2: O que ensinar

  • Definio Observar durante o jogo Tipo de conhecimento do aluno

    Capa

    cida

    des

    fsic

    as

    Demandas orgnicas geradas pela prtica esportiva (resistncia e fora, velocidade, flexibilidade etc.)

    Depois de muitos minutos de jogo, pode-se perceber que est cansado? Por qu? Consegue acompanhar seu adversrio? Por qu? Consegue fazer o vaivm na quadra, acompanhando a su-bida e a descida da sua equipe? Suas finalizaes so potentes? Conseguem ser precisas durante todo o jogo? Quando realiza um contra-ataque, demonstra possuir velocidade? Quando h contatos corporais, leva vantagem ou no?

    Aptido fsicaDisposio funcional do indivduo no de-sempenho da tarefa motora (confronto esportivo)

    Capa

    cida

    des

    volit

    ivas

    O conjunto dos tra-os psicolgicos particulares deman-dados a um indivduo ou grupo para atuar de forma adequada durante um jogo

    Como voc descreveria a atitude do colega em relao ao envolvimento com o jogo?

    Ele est motivado para jogar? Ele consegue jogar tranquilo ou se afoba? Pode-se dizer que est com medo? Disputa de forma leal todas as bolas divididas? Aparenta estar tranquilo ou ansioso? possvel afirmar que se mantm concentrado ou em al-guns momentos se distrai?

    AtitudeEntendida como a re-ao ou maneira de ser em relao a de-terminadas situaes colocadas pelo con-fronto esportivo

    Com

    bina

    es

    tt

    icas

    Coordenao de aes individuais entre dois ou mais jogadores para con-seguir os objeti-vos do ataque e da defesa

    Como voc descreveria o entrosamento do jogador com outro companheiro de equipe?

    Consegue combinar os movimentos com outro compa-nheiro de equipe para tirar vantagem no ataque? Exemplos: passar a bola para um colega ou deslocar-se rapidamente para receber o passe do mesmo colega para finalizar. Ajuda na defesa do atacante direto de um companheiro, quando este est em dificuldades?

    Ttica de grupoNoo das possibili-dades de atuao co-ordenada com um ou dois colegas para dar continuidade a uma ao ofensiva ou de-fensiva

    Sist

    emas

    de

    jogo

    Estrutura que orga-niza a coordenao de todos os jogado-res de uma equipe, que tem como mis-so manter uma estrutura de jogo em ataque, em defesa ou em transio (con-tra-ataque/retorno defensivo)

    Quando se observa o conjunto da equipe: Pode-se perceber se o espao no ataque ocupado de forma equilibrada? Pode-se perceber se o espao na defesa ocupado de forma equilibrada? A tendncia que os jogadores ocupem o mesmo espao na quadra ou no? Os jogadores sabem onde tm de ficar em cada momento do jogo?

    Ttica coletivaRegras de organizao do jogo, relacionadas com a lgica da ativi-dade, especificamente associada s dimen-ses da rea de jogo, distribuio dos joga-dores no campo, com designao de papis e alguns dos preceitos simples de organizao

    Estr

    atg

    ia

    Programa de prin-cpios planejados ou concepes de desenvolvimento de jogo que precedem o confronto desportivo contra o oponente

    Voc observou algum tipo de organizao antes de iniciar o jogo? Ser que combinaram jogar de uma determinada forma antes do jogo? A forma como utilizam/distribuem os jogadores a mais adequada? Qual seria sua sugesto para melhorar o nvel de jogo da equipe?

    Orientaes estrat-gicas, diretrizes que indicam o modo como o jogo ser conduzido pela equipe e a ade-quao da atuao in-dividual aos princpios de jogo.

    Quadro 1 Conceitos e orientaes para observao de um jogo (concluso)

    36 Captulo 2: O que ensinar

  • Aps se estabelecer uma concordncia mnima sobre os elementos do desempenho esportivo, possvel perceber a ligao existente entre estes e os diferentes tipos de esportes analisados no tpico sobre classificao. Ser que todos os elementos do desempenho esportivo so exigidos por todas as categorias de esportes? Assinale uma cruz nas clulas em que os elementos do desempenho esportivo so demandados pelo tipo de esporte (Quadro 2).

    Quadro 2 Demandas de desempenho esportivo

    Esportes individuais sem interao entre adversrios

    Esportes coletivos sem in-terao entre adversrios

    Esportes individuais com interao entre adversrios

    Esportes coletivos com in-terao entre adversrios

    Exemplos de modalidades

    Ginstica artstica, 100 metros livres, salto em distncia, golfe

    Ginstica rtmica em equipe, remo, revezamento 4x100, bochas em dupla

    Badminton, jud. peteca. taekwondo. tnis (sin-gles). raquetebol

    Handebol. beisebol. futebol. futsal. volei-bol, vlei de praia, se-paktakraw

    Intenes tticas

    Tcnicas esportivas

    Capacidades fsicas

    Capacidades volitivas

    Combinaestticas

    Sistemas de jogo

    Estratgia

    O quadro possibilita visualizar que nem todos os elementos de desempenho esportivo so requeridos por todos os tipos de esporte. Dos sete elementos de desempenho esportivos identificados, somente quatro fazem parte do conjunto dos esportes: tcnicas esportivas, capacidades fsicas, capacidades volitivas e estratgia. Tambm se viu que apenas os esportes com interao dependem das intenes tticas individuais e que, exclusivamente, os esportes coletivos com interao entre adversrios demandam todos os elementos do desempenho esportivo.

    Surgem constataes importantes se analisarmos do ponto de vista do ensino. Por exemplo, a lgica interna dos esportes demanda determinados elementos de desempenho esportivo e, portanto, o que deve ser ensinado/trabalhado numa modalidade. Percebe-se que os esportes com

    37Captulo 2: O que ensinar

  • interao possuem um componente que est ausente nos esportes sem interao: as intenes tticas individuais. Consequentemente, no se pode apenas enfocar os aspectos tcnicos quando se trabalha com tais esportes. Finalmente, identificou-se que os esportes coletivos com interao so os mais complexos, porque demandam todos os elementos de desempenho esportivo; consequentemente, isso deve ser considerado quando se decide pelo ensino dessas modalidades.

    No prximo tpico, examinaremos o conhecimento sobre dois elementos de desempenho esportivo fundamentais nas etapas iniciais de ensino dos jogos esportivos coletivos. So duas dimenses claramente relacionadas, mas precisam ser diferenciadas quando se tomam decises sobre o que e como ensinar.

    Aprofundando alguns conceitos

    Antes de argumentar sobre questes tcnicas (tcnica esportiva e habilidade tcnica) e o elemento ttico individual (inteno ttica ou regra de ao e ttica individual), deve-se recuperar o conceito de ao ttica: compreender a atuao esportiva individual (mesmo num esporte coletivo) em toda sua amplitude.

    Como se descreveu previamente, toda ao realizada no mbito de um esporte com interao direta entre adversrios precisa ser interpretada como resultante de um complexo processo de assimilao de informaes fornecidas pela situao de jogo. Portanto a ao ttica no pode ser reduzida dimenso externa da ao motora, ou seja, realizao de certas habilidades motoras. relevante recordar que os esportes com interao direta entre adversrios se tornam singulares precisamente em funo do processo de tomada de deciso que precede os momentos de execuo. Esse tipo de esporte, diferentemente dos esportes sem interao direta entre adversrios, exige permanente desenvolvimento do pensamento ttico de cada jogador, obrigando-o a uma antecipao contnua e extremamente diversificada de cada jogada. Tais atividades, para serem realizadas, exigem a avaliao contnua dos projetos de ao formulados, o planejamento das aes mais convenientes para conseguir o objetivo proposto e a visualizao prvia das aes que o adversrio pode ou no realizar (GONZLEZ, 1999).

    Assim, o conjunto de aes executadas dentro de um jogo esportivo, em que h interao com o adversrio, ttico, pois todas elas se realizam em um contexto bastante varivel, imprevisvel e aleatrio, exigindo dos jogadores permanente atitude de adequao fsico-cognitiva situao. Pode-se, ento, definir ao ttica como a atuao consciente e orientada para a soluo de problemas surgidos a partir de situaes de jogo, dentro das regras de jogo, que resulta de um processo de percepo e anlise da situao, deciso e soluo motora (MAHLO, 1981).

    38 Captulo 2: O que ensinar

  • O elemento tcnico

    O elemento tcnico est vinculado dimenso da execuo do movimento. Para sua anlise, pode ser dividido em tcnica esportiva e habilidade tcnica.

    Tcnica esportiva

    Inegavelmente, a tcnica um dos conceitos mais citados na esfera esportiva. Estamos acostumados a ouvir comentaristas esportivos falarem sobre a tcnica de jogo ou mesmo em jogadores que possuem uma tcnica invejvel.

    Os trabalhos que tratam de esportes esto repletos de descries tcnicas e gestos motores que seriam os mais adequados a fim de decidir momentos especficos das diferentes modalidades. Assim, a noo de tcnica est vinculada ao modo como um atleta realiza o movimento, dentro das peculiaridades impostas por um determinado esporte.

    Entre as diversas definies existentes, optamos por conceituar tcnica, neste texto, como: modelo ideal de um movimento que serve para resolver um problema motor especfico (LASIERRA; PONZ; ANDRS, 1993). No voleibol, por exemplo, a tcnica, postura fundamental de expectativa da bola, descrita da seguinte forma: [...] pernas afastadas (aproximadamente a distncia entre os ombros), um p ligeiramente frente, tronco semiflexionado e braos (quase unidos) frente, ligeiramente semiflexionados (ARAJO, 1994, p. 18). No basquetebol, o arremesso com uma das mos exposto assim (no caso da mo direita):

    Ps paralelos (p direito ligeiramente frente) e afastados naturalmente um

    do outro; o atacante dever segurar a bola com a mo direita apoiada atrs

    e embaixo e com o brao e antebrao de arremesso formando um ngulo

    de 90 graus. O brao dever estar paralelo ao solo e o cotovelo apontado

    para a cesta. O movimento de arremesso inicia-se com uma semiflexo das

    pernas e, a seguir, quase simultaneamente, faz-se a extenso delas e do

    brao direito (para frente e para cima). Com a extenso das pernas e do brao

    de arremesso, a bola lanada cesta com uma trajetria parablica e uma

    rotao contrria sua direo. A rotao da bola possvel com a flexo

    do punho ao final do movimento. Como consequncia dessas aes, o final

    do arremesso poder ser acompanhado por um salto (FERREIRA; DE ROSE,

    1987, p. 28).

    39Captulo 2: O que ensinar

  • Habilidade tcnica (motora)

    A habilidade motora especfica ou habilidade tcnica pode ser definida como a realizao bem-sucedida de uma ao para solucionar um problema motor, dentro de um esporte. Desse modo, mais simples entender por que muitas vezes, quando o atleta utiliza uma ao motora em uma determinada situao de jogo, e esta no se aproxima do modelo tido como o mais adequado para resolver a situao, diz-se que faltou habilidade tcnica. A soluo motora encontrada pelo aluno no vai ao encontro (pelo menos naquele instante) da forma que a tradio da modalidade esportiva em questo considera mais eficaz para a mesma situao.

    Ento, a habilidade tcnica pode ser definida, com base no conceito de habilidade motora de Ruiz (1994), como a competncia de execuo conquistada por um sujeito para cumprir uma tarefa concreta. Trata-se da possibilidade de resolver um problema motor especfico para responder eficiente e economicamente, com a finalidade de alcanar um objetivo preciso. o resultado de uma aprendizagem, geralmente prolongada, que depende de uma srie de recursos de que o indivduo dispe, isto , sua aptido em transformar seu repertrio de respostas.

    Relao entre tcnica esportiva e habilidade tcnica

    Em suma, as tcnicas esportivas fazem parte de diferentes esportes, e as habilidades tcnicas so prprias dos praticantes dos esportes. Assim, a tcnica do arremesso de gancho pertence ao basquetebol, e a competncia desenvolvida por uma pessoa para realizar tal arremesso especfico sua habilidade tcnica.

    A Figura 3 indica a relao entre tcnica esportiva e habilidade tcnica. A partir dela, permitido realizar uma comparao entre o modelo tcnico da bandeja em basquetebol e a habilidade tcnica de dois alunos em momentos distintos do processo de aprendizagem do gesto. A comparao possibilita determinar semelhanas e diferenas entre a forma ideal, mostrada historicamente como mais eficiente para realizar essa ao, e a forma que o aluno encontra/conhece para solucionar esse problema motor numa certa situao. Mediante esse paralelo, realiza-se um diagnstico sobre o desempenho do aluno, podendo-se intervir pedagogicamente com a inteno de proporcionar condies didticas, de maneira que ele consiga visualizar a tcnica esportiva requerida pela modalidade e o nvel da habilidade tcnica no qual ele se encontra.

    40 Captulo 2: O que ensinar

  • Figura 3 Relao entre a tcnica esportiva e a habilidade tcnica

    O elemento ttico

    O elemento ttico individual est relacionado com as escolhas feitas pelo jogador durante o jogo, podendo ser dividido em inteno ttica (BAYER, 1994; MARIOT, 2005) ou regras de ao (GRHAIGNE, 2001) e ttica individual.

    Inteno ttica ou regras de ao

    Existe alguma regularidade nas situaes de jogo com as quais os jogadores interagem. Estas so originadas nas dinmicas internas das prprias demandas da prtica. So esperadas, de certa maneira. Por outro lado, essa relativa previsibilidade no significa que seja possvel prenunciar o momento em que ocorrero e como se daro as situaes de jogo. A noo sobre o que pode vir a acontecer em um jogo est relacionada com a lgica interna das atividades, um conjunto de regras que balizam as diversas possibilidades de atuao. Essas diferentes formas de atuar tm se mostrado, a partir da observao da prtica esportiva, mais ou menos adequadas resoluo da situao originada em momentos particulares de uma partida. H certas frequncias de atuao que, em frente a ocasies similares, so mais oportunas que outras; logo, h intenes de comportamento mais convenientes para resolver adequadamente situaes similares em diferentes esportes. Assim, inteno ttica ou regras de ao podem ser entendidas como as normas bsicas para o desempenho ttico individual nos jogos, as quais pontuam condies e elementos que devem ser levados em conta para que a ao seja eficaz (BAYER, 1994; GRHAIGNE, 2001).

    Tcnica esportiva (Bosc, 1996, p. 34) Habilidade tcnica

    41Captulo 2: O que ensinar

  • Entre os esportes de invaso, por exemplo, podem ser vislumbradas diferentes situaes nas quais o jogador, pela sua percepo sobre o que est acontecendo, precisa decidir o que fazer a fim de atingir os objetivos parciais do jogo. Tais objetivos so elaborados com base em princpios operacionais da atividade e podem ser esquematizados, segundo Bayer (1994), conforme o exposto na Figura 4 que segue.

    Defesa Ataque

    Conservao de bola

    Progredir para a balizaadeversria

    Impedir a progressodo adversrio

    Proteger sua baliza

    Recuperao de bola

    Marcar pontos

    Figura 4 Princpios operacionais dos esportes de invasoDentro dos princpios operacionais do ataque e da defesa, possvel distinguir situaes

    em que os atletas precisam se desdobrar durante o jogo. Esse desdobramento ocorre mediante os denominados subpapis: atacante com posse de bola e atacante sem posse de bola, bem como defensor do atacante com posse de bola e defensor do atacante sem posse de bola.

    Mariot (2005) d um exemplo de como possvel examinar esses conceitos de regras de ao mais bsicas, que deveriam orientar a ao ttica de um aluno recm-iniciado na aprendizagem de handebol (Quadro 3).

    Quadro 3 Intenes tticas bsicas da primeira fase do ensino do handebol (continua)Atacante Defensor direto do jogador atacante

    Sem posse de bola

    (Jogador criador)

    Desmarcar-se, afastar-se da bola, para receber la-teralmente

    Orientar-se, ser capaz de se colocar de um modo que favorea uma viso ampla do campo de jogo, percebendo seu companheiro com bola e os espaos possveis para poder utiliz-los em profundidade ou para se desmarcar

    Localizar e seguir o atacante em seus movi-mentos, sem perder o contato visual com o adversrio com posse de bola

    Colocar-se entre o adversrio e o gol com o pro-psito de levar adiante as seguintes aes:

    - ajudar o companheiro que tenha sido ultra-passado pelo atacante- no deixar que seu oponente direto seja uma op-o de passe para o atacante com posse de bola- interceptar a bola

    Fonte: Bayer (1994 p. 145).

    42 Captulo 2: O que ensinar

  • Atacante Defensor direto do jogador atacante

    Com posse de bola

    (Jogador com capa-cidade de deciso)

    Conservar ou manter a bola

    Progredir para a frente com o companheiro (co-operar)

    Desmarcar com posse de bola por meio do drible

    Orientar-se no espao

    Finalizar em condies favorveis.

    Colocar-se entre o jogador com posse de bola e o gol a defender

    Acossar o jogador que conduz a bola, com in-teno de roub-la

    Perseguir com a inteno de dificultar a ao ofensiva adotada pelo atacante

    Evitar a infiltrao, utilizando progressiva-mente mais o corpo do que os braos

    Controlar o adversrio do lado do corpo do brao de arremesso

    Fonte: Adaptado de Mariot (1995).

    recomendvel entender o exemplo acima da seguinte forma: durante o jogo, quando o aluno estiver na condio/subpapel de defensor do atacante sem posse de bola, suas primeiras intenes tticas deveriam ser: a) localizar e seguir o atacante em seus deslocamentos, sem perder o contato visual com o adversrio com posse de bola; b) colocar-se sobre a linha imaginria que se encontra entre o atacante e a meta a ser defendida, pois, dessa forma, ter muito mais possibilidades de ter uma atuao favorvel para a sua equipe nessa situao de jogo.

    Esse exemplo permite refletir que, entre as muitas decises de ttica individual que o jogador deve tomar durante o jogo, algumas so mais convenientes do que outras, conforme a situao concreta de jogo, e sua performance depende disso. Como j foi argumentado, comum encontrar a seguinte atuao ttica entre os iniciantes: em vez de o jogador se preocupar com seu atacante direto4 quando este est sem posse de bola, sai caa da bola (junto com todos os outros colegas da equipe); ou ento fica marcando s a bola, perde a localizao de seu adversrio direto e assim prejudica sua atuao na defesa.

    Ttica individual

    De modo geral, ttica a [...] contribuio ativa do fator conscincia (TEODORESCU, 1984, p. 31) nas aes motoras. So os processos cognitivos que orientam a ao em momentos nos quais necessrio decidir o que fazer, no sendo possvel antecipar a maneira de atuar. As aes motoras que demandam a dimenso ttica de forma acentuada so chamadas de jogos motores com interao direta entre adversrios, caracterizados como [...] atividades ludomotoras que exigem dos sujeitos participantes antecipar as aes do/s adversrio/s (e colega/s se a atividade for em grupo) para organizar suas prprias aes orientadas a alcanar o/s objetivo/s das atividades ldicas (GONZLEZ, 1999, p. 4).

    4O atacante sobre o qual o defensor, em uma marcao individual, tem responsabilidade.

    Quadro 3 Intenes tticas bsicas da primeira fase do ensino do handebol (concluso)

    43Captulo 2: O que ensinar

  • Os esportes com interao requerem dos participantes a permanente tomada de decises sobre como se comportar diante da situao que a dinmica de jogo cria a cada instante, modificando as condies para atingir os o