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GLOSA GLOSARUM

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GLOSAGLOSARUM

Transcrito para WinWord por:Alberto Fernando Monteiro do Nascimento

[email protected]

CELSO DA SILVEIRA

GLOSAGLOSARUM

3.ª EDIÇÃO

CLIMA – NATAL – 1983

COLEÇÃO EDIÇÕES CLIMA - VOL. 10

Livros do Autor:

26 POEMAS DO MENINO GRANDE – poesiaTipografia Vilar -1952

IMAGEM VIRTUAL – poesiaColeção Jorge FernandesImprensa Oficial – 1961(Parceria c/ Myriam Coeli)

GLOSA GLOSARUM – FesceninosEditora Clima – 1979 1.ª Edição

2.a Edição 1981

GLOSA GLOSARUM – FesceninosEditora Clima -1983

3.a Edição

Editoria: Carlos LimaComposição/Diagramação: JanuárioRevisão: Celso da SilveiraCapa: Vicente Vitoriano

Direitos desta edição reservados àCLIMA - Artes Gráficas e Publicidade Ltda.Rua Dr. Barata, 216 - Fone: 222-2203NATAL-RN. - CEP 59.000

AMyriam, Cristiana e Eliagradeço a animaçãocom que estimulam meu trabalho e compreendema minha gordura e alegria.

ABerilo WanderleyEmílio Salem FilhoAldemar de Sá LeitãoHélio Neves de OliveiraAugusto César de Sá LeitãoExpedito Dantas da Silveirae aos outros que nãoaceitam as grades da vida,porque sabem auto-determinarmomentos de fuga,dedico este livro.

"Se não fosse ousadia, vaidade e até apelo persuasivo para vendê-lo, diria que este livro não tem pé nem cabeça e, por isso, não pôde ter orelhas e, não tendo pé, espero que ande de mão em mão dos que o comprarem. Mas, para suprir essas deficiências físicas, procurou-se nele abrir uma janela, onde Luís Carlos Guimarães aponta, com a cabeça, algumas generosidade a meu respeito, e de onde se pode avistar o meu universo deste tamainho".

"No latim esbarrei logo nas declinações. Na terminação da primeira delas, Rosa/Rosae, fui buscar o título deste livro. Mas, na incerteza dos gêneros: nominativo, dativo, genitivo, depois de longos anos, tive de procurar um latinista, ou, antes, um padre (que dos padres era o meu latim familiar) e consultei essas pessoas. Uma delas me disse: Glosa, nominativo singular - o sujeito. Glosarum, genitivo plural. Em suma: a glosa das glosas. Fui nessa. E descobri o título do meu livro: Glosa Glosarum".

"É pesquisa. Desde os 15 anos, em férias na Fazenda Camelo, coleciono glosas. As primeiras delas, furtadas a uma burra (vocês sabem o que era burra?) – um velho cofre de madeira, com gavetas de segredo na tranca, com chaves feitas pelos melhores artífices ferreiros do lugar. A burra era do meu cunhado, meu compadre Domício, que me confiava as chaves. Pois foi nessa burra que descobri um tesouro – um calhamaço de glosas, manuscritas em tiras de papel pautado, de autoria de Sesyom. Todas elas foram surrupiadas por mim, para leitura às escondidas, atrás do curral de gado leiteiro, à beira do riacho Piquiri, longe dos olhos policiais dos maiores".Citações do autor em reportagem de Vicente Serejo - Diário de Natal - 31.08.79

MOTE*

Eu vi Celso aperreadoO seu livro autografando

GLOSA

Cercado por todo ladode gente pedindo autógrafo,junto a um monte de fotógrafoeu vi Celso aperreado.Quase morre asfixiadosentado a um birô, suando,sem nenhuma estar tomando,isso é o que ele dizcontudo estava felizo seu livro autografando.

* Improviso de Luiz Xavier, no dia do lançamentoda 1.ª edição deste livro, a 20.08.79, na LivrariaClima, à rua dr. Barata, n.º 216, às 18 horas.

NOTA - Não há obscenidade nem indecência nessa poesia burlesca popular. Era cantada em Portugal desde o século XIII, oriunda da Fescênia, na Etrúria, e por isso chamada de fescenina; depois introduzida em Roma. Era a composição dramática, grosseira, cantando o burlesco, o licencioso, o obsceno, mas de um modo moleque, vivenciado e humorístico, jamais sensual.

BREVE HISTÓRIA

Todo livro tem sua história, também vou contar a minha. Em 1958 editou-se em Natal, sob os auspícios da Secretaria de Estado da Educação e Cultura, a revista periódica CACTUS. Às folhas 58/62, lá está o meu trabalho que primeiro registra criticamente a existência do glosador Moysés Sesyom, caicoense de nascimento e açuense por adoção. Nesse trabalho apresento o poeta como cronista de "um quarto de século da cidade do Açu", em que esse admirável glosador nos dá notícia da evolução da cidade, assinalando o aparecimento do vapor, da usina elétrica e do jornal, a crise financeira, as pendências judiciais, o receituário de cascas e raízes, o artesanato utilitário de couro, arreios e apetrechos do ciclo do gado.

Por trás desse poeta sério, havia um outro Sesyom, glosador de situações ridículas, perfeito rimador da décima de sete sílabas – a glosa, na forma ABBAACCDDC, em que recaem as rimas de suas produções.

Depois, em 1961, Francisco Amorim, contemporâneo do poeta, reuniu num livro – Eu Conheci Sesyom – os escritos de salão e juntou alguma documentação biográfica recolhida aos cartórios, e uma Acta Diurna que Luís da Câmara Cascudo publicara em "A República", em 11.04.42, em que há uma notícia do poeta e um apelo para que alguém preserve essa poesia, em livro fora do comércio.

Osvaldo Lamartine de Faria, em 1970, num belo trabalho gráfico da coleção Erotika Lexikon, Editora Artenova, Rio de Janeiro, publicou "Uns Fesceninos" quase uma antologia do que ele classifica de "poesia moleque e de uma literatura mais próxima do picaresco", onde dá destaque às glosas de Sesyom.

Quando Sanderson Negreiros, na presidência da Fundação José Augusto, em 1974 convocou-me para uma assessoria literária daquela entidade, tive oportunidade de conhecer Osvaldo Lamartine. Resultaram desse encontro, recitativos de algumas glosas de Sesyom e de outros poetas do Açu que não constavam de sua coletânea. Daí surgiu o convite para que eu continuasse, pesquisando e anotando esse material. Não parei desde então, e supondo haver armazenado as melhores glosas de autores ainda pouco conhecidos.

Dois ou três anos depois, Tarcísio Gurgel assume a Assessoria Cultural da Fundação. Depois anda por outros caminhos e se torna autor conhecido, como contista. De alguns tempos para cá vem ele insistindo para que eu escreva sobre glosadores para o suplemento literário que dirigia em "A República". Depois deixa o jornal e se muda para a TV-Universitãria e me convida várias vezes a prestar depoimento em um programa que trata de novidades literárias. A nada cedo, até então, e só agora, animado por diversos amigos, entre eles o crítico Berilo Wanderley, saio da promessa e procuro o editor Carlos Lima.

Estou certo de que reuno, nesta coleção, o melhor elenco de glosadores do meu Estado, entre eles, além dos da minha cidade do Açu, Edson Peres, José de Souza, Luiz Xavier, Laélio Ferreira, Felício Guedes, todos discípulos de Sesyom. E, às glosas e temas licenciosos, junto as outras, formosos momentos líricos dos poetas que passam a moradores deste livro.

O AUTOR

A GLOSA

Composição poética que desenvolve o pensamento de um mote, recaindo o primeiro e o segundo verso do mote, no quarto e décimo verso da glosa respectiva. A glosa mais comum, no Rio Grande do Norte, principalmente Açu, é aquela em que as rimas recaem na forma ABBAACCDDC. Raramente há composição de autor norteriograndense com um só verso no mote. Mais raramente ainda, há glosas no estilo clássico do mote de três versos. A glosa é um gênero essencialmente popular e um instrumento de sátira social.

Murilo Araujo (A Arte do Poeta, Livraria São José,1956, pág. 51) considera a glosa um "gênero de pequenos poemas, muito usado no século XVIII e que consistia em compor a peça lírica sujeito à obrigatoriedade de encerrar as estrofes com os versos do mote, fornecido por outra pessoa. A glosa, continua ele, é um exercício fútil de verbalismo; e dificilmente resultará em verdadeira poesia".

A glosa e a décima são essencialmente diferentes. Enquanto a primeira é rigorosamente uma composição setissilábica, a outra varia até o decassílabo, embora ambas sejam poemas de dez versos. Mas, em que elas mais diferenciam é na obrigatoriedade das rimas se repetirem sempre em .formas consagradas. "Na Espanha, usada entre outros por Cervantes, a fórmula das décimas era ABABACCDDC. Em Portugal, era ABBAECCDDE. No Brasil sertanejo é ABBAACCDDC" (Vaqueiros e Cantadores, Luís da Câmara Cascudo, Edições de Ouro,1970, pág.18 e 19).

No Maranhão, Josué Montello (Uma Palavra Depois da Outra, Rio,1969, INL, pág.144/145), recolhe uma glosa satírica de Trajano Galvão de Carvalho, em que a forma para a rima é

outra que não corresponde à forma clássica nem à popular açuence. A décima maranhense obedece a rimas alternativas, na primeira quadra, a dois versos consonantes, um alternativo, dois outros consonantes e o último alternativo, rimando com o sétimo verso: ABABCCDEED.

Já José Marques da Cruz (Português Prático, Ed. Melhoramentos, 22.ª edição, 1964, pág. 365) afirma que "glosa é poesia que começa por um ou mais versos, que constituem o mote; depois seguem-se as estrofes que terminarão por cada verso do mote".

Esta forma, entretanto, não é a consagrada por nenhum dos poetas enfocados nesta coletânea; nem sequer corresponde à maioria das glosas de Manoel Maria Barbosa du Bocagem (1765/1805) e de Gregório de Matos (1633/l696), para citar apenas dois clássicos do gênero, na literatura portuguesa e brasileira, respectivamente.

A nossa glosa possui características próprias, locais. Elas retratam, quase sempre uma situação social fragmentária, sem unidade cronológica nem intenções de consertar as coisas. Elas anunciam, apenas; nada denunciam. "A ausência do verso obsceno é no sertão um índice de pureza. A sátira é visível em todos os versos, de todos os ciclos, mas a intenção pornográfica não existe". (Luís da Câmara Cascudo, idem, ibidem, pág. 17) E assim o é. Na nossa glosa prepondera o jocoso, a verve saborosa, risonha, despreocupada, espontânea, gaiata, de certa ingenuidade. É a poesia dos "casos", das fofocas, da irreverência, da crítica mordaz, da censura social, da gozação, do ridículo, do puxasaquismo, da adulação. A poesia da polêmica política entre glosadores de partidos contrários, arma de esgrima de injúria, difamação, calúnia. Ou simples animação lúdica das mesas dos bares. Uma poesia para todos os usos. Outras vezes, apenas um jogo de palavras. Um exercício de brilhantismo. Uma piada de amigo. Uma demonstração de talento.

Muito importante na coleta dessa poesia marota, risonha e lúdica, seria localizar de quem partiu o hábito de cultivá-la no

Açu, e, por extensão, em várias cidades do Rio Grande do Norte. Cascudo diz que "esses poetas constituem exceção. Um ou dois em cada cidade .Noutros lugares não há notícia" e cita que "o poeta Sesyom, do Açu, nada devia a Manoel Maria Barbosa du Bocage. Era um poeta tremendo..." (obra citada, pág. 17). Este livro desaprova essa singularidade. No Açu há mais de um cento de glosadores.

A rigor, a glosa é de estilo "rápido, direto e simples", e poderia estar aqui classificada dentro do realismo homérico, que aduzia mais um elemento – o "nobre". Como as três primeiras qualidades já definem realismo, só o quarto elemento distingue Homero de todo o outro realismo sesyoniano. Então, estaria no cerne da origem de toda a poesia – a poesia grega – a glosa açuense. Isso, remotamente, sem dúvida alguma. Ou mera suposição.

Mas, quem poderia assegurar que a glosa, em nosso Estado, começou com Sesyom, um homem só de primeiras letras?

Nem toda produção coletada leva a esta dedução. O gênio de Bocage chegava ao sertão potiguar pelo anedotário confuso do Camonge – uma corrutela dos poetas Camões e Bocage – Não parece, portanto, que naqueles tempos o picaresco bocagiano viesse a influenciar um poeta sem erudição. Mas, isso‚ apenas hipótese difícil de comprovar. Um fato sobressai para deixar dúvida: a clareza de que todos os outros autores de glosas seguem a escola do Sesyom, imitando a sua linguagem pessoal, inconfundível. Mas, só imitando-a, por que cada um deles tem o seu acento próprio, individual, distinguidor cronológico do seu tempo histórico e circunstancial.

Antes de Sesyom, pesquisas em jornais do Açu, do século passado, revelaram algumas glosas de qualidade, quando nem sequer o poeta era nascido. Mas não se pode negar o destaque que ele deu, com engenho e arte, ao gênero que o consagrou no Estado, e só por ele chegou à importância que lhe é atribuída.

Na glosa de Sesyom a representatividade enfatizada é a coletividade; nos outros, é a individualidade. Sesyom divulga a

luz, o jornal, o artesanato utilitário de couro e o receituário de raízes medicinais – temas coletivos que revelam um contexto social que é de toda uma comunidade. Os outros se ligam nos motes particulares, nos exercícios de inteligência, ou no individualismo filosófico identificado consigo mesmo ou com quem dá o mote. Um, rima a ordem do universo citadino. Os outros rimam os motes, mas o fazem muito bem, por sinal.

Essa característica da glosa de Sesyom não tem continuidade no material coletado e inserto neste livro, pois se observa uma tendência, cada vez maior, à privaticidade dos temas, algumas vezes até mesmo individualizados a tal ponto que se tornam herméticos.

Celso da Silveira

ANTIAPRESENTAÇÃO

Celso da Silveira nasceu na cidade do Açu numa rua que dava para a praça principal. Ali, seus curiosos olhos meninos, debruçados da varanda de ferro trabaIhada por artesãos portugueses, flagraram a movimentação das ruas próximas ou viajaram sonhadores à ensolarada paisagem do vale e do rio, que circunda a cidade, no inicial aprendizado da vida.

A convencional referência à data de nascimento é dispensável, pois nascido sob o signo da alegria não tem idade definida. Para os que não o conhecem, esclareço que sua idade varia entre 20 e 50 anos; mais acertadamente está no meio dessas duas idades, salvo em raríssimos momentos de eclipse na alma ou nos inevitáveis nevoeiros no seu claro espírito, que a vida tem horas sombrias e ninguém pode evitá-las.

Quem encontra Celso sai ganhando o dízimo permanente da bondade, a dádiva generosa da amizade. Esta a razão porque venho investindo na sua amizade em encontros sucessivos como ondas há quase trinta anos. Se alguém, sozinho, se considera mal acompanhado, como disse Rubem Braga sobre ele próprio numa crônica, em sua companhia está salvo nos horizontes de sua alegria, na sua inquietação em viver todos os minutos como se a vida fosse lhe escapar de repente das mãos. Num instigante transbordamento de ser, num nervoso arrebatamento contagiante.

Não é um gordo em luta constante contra a obesidade. Não será a sua alma que não cabe no seu corpo de noventa quilos? Bom copo, melhor garfo ainda, numa mesa de bar, em qualquer lugar e a qualquer hora, à luz do dia ou à sombra da noite, os gestos pródigos das mãos a desenhar no ar seus personagens, com a sua redonda voz sonora envolve de magia a palavra que

narra fantásticas estórias que se dispersam no espaço humano da cidade, muito antes que Gabriel Garcia Márquez ofertasse ao mundo a saga dos "Cem Anos de Solidão". A sua risada retumbante é um látego a dar vida aos seus "casos". A estentória voz modulada individualiza os tipos populares conhecidos, ainda na infância, no vale verde do Açu. Suas estórias, mesmo repetidas, têm o dom da surpresa, o impacto da descoberta, temperadas com o sal da picardia, da ironia, do sarcasmo, fesceninas, trocistas, marotas, picarescas, projetando o lado ameno desta vida bandida, cujo maior exemplo são as glosas de poetas açuenses, reunidas por Celso neste "Glosa Glosarum", numa edição da CLIMA.

Celso não escapou à legenda de poesia que estigmatiza os que nasceram no Açu: poeta, publicou os "26 Poemas do Menino Grande" e "Imagem Virtual", com sua mulher Myriam Coeli. No mais, também em plenitude, jornalista, cronista e, mais do que tudo, o contador de estórias. O oral realismo mágico de Celso da Silveira segue os caminhos do vento. Os invisíveis caminhos do vento, mas precisa aparecer em livro: as estórias do Açu, seu chão nativo. De Natal, que adotou com a íntima e renovada ternura de amante. E as melhores dele mesmo, do seu poético e onírico universo pessoal.

Luís Carlos Guimarães

Glosa Glosarum - Fesceninos

RENATO CALDASServentuário da Justiça aposentadoaçuense - 08.10.1902

MOTE*

Levando dedo no fundoPara poder melhorar.

GLOSA

Vejam a desgraça do mundo!Depois de velho e cansadovou recordar o passadolevando dedo no fundo.O doutor Pedro Segundoé quem vai aproveitar.Eu terei de suportaresse enfadonho suplício:por o fundo em sacrifíciopara poder melhorar.* Apud "Uns Fesceninos", Osvaldo

Lamartine de Faria – Artenova,pág. 99/80

MOTE*

Eu tenho um olho escondido,é cego e também não vê.

GLOSA

João Machado distraído,para ilustrar comentários,disse entre assuntos vários:Eu tenho um olho escondido.Fez bem não ter exibido,Machado, sabe por quê?vou avisar a você,tenha cuidado com eleque o bicho que gosta deleé cego e também não vê.* Idem

MOTE

Sim, depois de aposentadoTenho que estender a mão

GLOSA

Velho, doente, cansado,Além de doente, cego,mais sofrimentos carrego,sim, depois de aposentado.Vivo até mal humoradobuscando uma solução,tenho que ganhar o pãoe zelar pelo meu nome;para não morrer de fometenho que estender a mão.

MOTE

Não se cospe para cimaQue pode cair na cara

GLOSA

Para provar minha estimanão devo o caso falar,mas quero lhe avisarnão se cospe para cima.Um pobre outro pobre anima,o bastão nasce da vara,a vaidade é ignara,ouça o grande ensinamento– ninguém cospe contra o ventoque pode cair na cara.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Catulo nasceu brilhandoComo o Luar do Sertão

GLOSA

Oito de outubro foi quandoàs seis horas, mais ou menos,qual a flamejante VênusCatulo nasceu brilhando.Sua luz foi se espalhandopelo céu da inspiração,correu como a Zelação,iluminando o Universo– jamais alguém fez um versocomo o Luar do Sertão.

MOTE

A gente leva da vidaA vida que a gente leva

GLOSA

Na estrada longa e compridapara a viagem do Além,somente os atos do bema gente leva da vida.Nessa hora decididaem que o espírito se eleva,fica a matéria na trevaporém deixa de sofrer,porque ninguém vai sabera vida que a gente leva.

MOTE

Ressaca não é duençaTome uma qui mióra

GLOSA

Metionina é imensapra tomá depois do porrede cachaça ninguém morre,ressaca não é duença.Num aí dotô qui me convençaqui se morre ante da hora,se a ressaca Ihe apavorae a vontade Ihe domina,num consurte a medicinatome uma qui mióra.

MOTE

Por causa de uma mulherNovos tormentos juntei

GLOSA

A minha idade requersaudade e recordação,vivendo na solidãopor causa de uma mulher.Nem sonhando ela me quer...por causa disso chorei,bebendo raciocinei:é astúcia do demônioe ao meu triste patrimônionovos tormentos juntei.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MARIANO COELHOMédico - açuense - 09.05.1899

MOTE

Na vida um segundo a maisÉ mais um segundo a menos.

GLOSA

Por ser breve, ser fugaz,o segundo é desdenhado,nem merece computadona vida um segundo a mais.Loucos que desperdiçaisos vossos dias serenosEm misteres de somenosolhai o tempo perdido:cada segundo vividoé mais um segundo a menos.

MOTE

Ninguém se vinga tão bemComo quem perdoa e esquece

GLOSA

Colhe frutos de um-cemquem cristãmente perdoae praticando ação boaninguém se vinga tão bem.Quem guarda mágoa de alguémseu próprio martírio tece,se é cristão, não parece,nem acreditá-lo posso,não rezará um Pai-Nossocomo quem perdoa e esquece.

MOTE

Assim vive quem não viveComo quem deseja viver.

GLOSA

Felicidade que tivea morte me arrebatou,e, se vivendo inda estou,assim vive quem não vive.Mas, se minh'alma revivetal é o destino do ser,não deve a esp'rança perderde numa vida futuraviver, junto à criaturacom quem deseja viver.

MOTE

A mulher de certa idadeNão tem nunca idade certa

GLOSA

Eu respeito a castidadeinda mesmo presumidaque mantém pra toda vidaa mulher de certa idade.Mas, afirmo, sem maldade,que, na vida, errada, incerta,muita coisa se consertaque parece nova e boa:mulher que vira "coroa"não tem nunca idade certa.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

No sítio Volta do FioSaiu um peido do chão

GLOSA

Não foi um mero assobiode lugar mal assombrado;um grande peido foi dadono sítio Volta do Fio.Ronco igual, em pleno estio,não podia ser trovão– lá não existe vulcão –mas, se um cu foi perfurado,está o fato explicado:saiu um peido do chão.

JOÃO CELSO FILHOAdvogado provisionadoaçuense - 05.09.86/14.11.43

MOTE

Puxe o pau, minha senhora.Seu Eloi, demore um pouco.

GLOSA

Era já quase uma horaquando Eloi disse à roceiraque veio abrir a porteira:– Puxe o pau, minha senhora.– Puxe-o todo para fora,faça força, dê-lhe um soco,agora arrede esse toco;tá duro? empurre que vai.Não, tá mole, agora sai;Seu Eloi, demore um pouco.

MOTE

Todo o dinheiro que ganhoÉ para pão e cerveja

GLOSA

Só porque não sou tacanhopara comer e beber,jogo fora, sem saber,todo o dinheiro que ganho.Na cabeça sempre apanhoE é mesmo bom que assim seja,que em aperturas me veja;trabalho, corro, me intrigo,e o dinheiro que consigoé para pão e cerveja.

MOTE

Se não fosse o caniveteNinguém comia do bode.

GLOSA

Na véspera de vinte e setejá estavam todos com fomemas, quase que ninguém comese não fosse o canivete.Vem-Vem nos deu um banqueteque duvidar ninguém pode,um verdadeiro pagodequebrar ossos com os molares,se não fosse Alcides Soaresninguém comia do bode.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

AMÉRICO SOARES DE MACEDOProfessor primárioaçuense - 29.12.77/02.01.48.

MOTE

A mulher dizendo não,Tem nele um sim escondido

GLOSA

Ainda tendo paixãopor um homem de quem gostamente às vezes na respostaa mulher dizendo não.Forçando seu coraçãoo sim não é proferido,num capricho indefinidodiz não em lugar de sim,e a gente vê que no fimtem nele um sim escondido.

MOTE

Gosto dela porque gostoporque meu gosto é gostar.

GLOSA

Quando à hora do sol postoeu vou passear na ruacontemplando a imagem suagosto dela porque gosto.Nisso não tenho preposto,digo de boca pr'o ar,ninguém poderá gozaresse amor que em mim palpita,gosto de moça bonitaporque meu gosto é gostar.

MOTE

Assim vive quem não viveCom quem deseja viver.

GLOSA

Do amor ninguém se privepois adoça o coração,mas em vindo a ingratidãoassim vive quem não vive.Uma paixão forte eu tiveque me fez enlouquecer,pensei até em morrerdesse mal que a vida juncaa gente não acha nuncacom quem deseja viver.

MOTE

Já fui consolo dos tristesHoje os tristes me consolam.

GLOSA

Tu, alegria, se existes,visita minha morada,que da vida, na jornada,já fui consolo dos tristes.Coração, tu não resistes,as esperanças se evolam,nos desenganos elas rolam;já muito consolo dei,ontem tristes consolei,hoje os tristes me consolam.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

JOAO MARCOLINO DEVASCONCELOSAçuense - LOU – Advogadoprovisionado

MOTE

Um copo seco na mesa

GLOSA

Não vejo nisto beleza,Nada tem de apreciável;Até mesmo é deplorável,Um copo seco na mesaCausa dor, causa tristezaA quem gosta de beber,É mesmo que a gente verUm jardim sem uma flor;Ao bêbado causa pavorUm copo seco na mesa.

MOTE

Fez do chão o travesseiroPara curtir a ressaca

GLOSA

Depois de grande "aguaceiro"Fonseca, sem companhia,sem sentir que lhe doíafez do chão o travesseiro.Deitado de corpo inteirocomo se fosse uma estaca,mais parecendo uma pacasem novidade e ação,fez do cimento um colchãopara curtir a ressaca.

JOAO DE OLIVEIRA FONSECAAçuense - Contabilista - 19.07.17

MOTE

Encontraram Mané SenaCom a cueca na mão

GLOSA

Ontem soube e tive penado vexame que o tal sofreu,pois, nu, tal e qual nasceu,encontraram Mané Sena.Repetiu-se, então, a cenados velhos tempos de Adão,e batendo o coraçãopela rua, em disparada,no ombro a calça cagadacom a cueca na mão.

MOTE

Peixoto banca o banqueiroPara servir a um colega.

GLOSA

Por tragédia de dinheiroqualquer sujeito arrazadoPode ficar descansado:Peixoto banca o banqueiro.Queima vaca, estoura oveiro,até pau cagado pega,empenha o cu na bodegae faz todo benefício,vai até ao sacrifíciopara servir a um colega.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Eu só boto pela frente,Eu só quero por detrás.

GLOSA

Alguém que estava presentequando o caso se passou,ouviu quando alguém faloueu só boto pela frente.Quem quiser que agüente,pela frente é que se faz,pelo fundo dou atrás*,resolvam estou vexado**e nisto grita um tarado:eu só quero por detrás.* Dar atrás, é o mesmo que voltar

atrás, não cumprir a palavra** Vexado: apressado

]OSE SOARES DE MACEDOAçuense.

MOTE

Uma seca no sertãoTudo de mal acarreta

GLOSA

Emagrece a criaçãomorre à falta de alimento,é verdadeiro tormentouma seca no sertão.Se desconhece o irmão,a miséria toca a metaE mesmo ao rico afetavendo fugir-lhe a fazenda:a honra se expõe à vendaTudo de mal acarreta.

ALBERTINO MACEDOAçuense - ajudante de caminhão.

MOTE

O Sadoque faz a linhaDe Macau a Mossoró

GLOSA

Diariamente caminhacom cuidados incessantese com olhos vigilanteso Sadoque faz a linha.E se dele se avizinhaperigos de fazer dó,na direção está sócom perícia e agilidade;trabalha com atividadede Macau a Mossoró.

BOANERGES WANDERLEYAçuense - Agrimensor

MOTE

Sinto saudades da vidaEm lembrar que vou morrer

GLOSA

Serei um'alma esquecida,Ninguém vai lembrar de mim.E por isso, antes do fim,Sinto saudades da vida.Minha filha, a mais queridaa quem lhe dei o viver,Na certa vai esquecerDo pai que a morte levou,por isso tristonho estouEm lembrar que vou morrer.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

ARNALDO MACEDOAçuense.

MOTE

Já te dei meu coraçãoE não posso te esquecer.

GLOSA

Nesta vida de ilusãoe também de sofrimento,te trago no pensamentojá te dei meu coração.Pela tua ingratidãoterei muito que sofrer,enquanto eu não morrerserá minha vida assim,tu esquecida de mime não posso te esquecer.

JOÃO E. SOARES DE MACEDOAçuense - 22.02.1891 - João dePapai - Falecido

MOTE

Pra botar fogo em caieiraPrecisa muita cachaça.

GLOSA

Não é só pela poeira,muito mais pela quentura,precisa natureza durapra botar fogo em caieira.Só se ouve a estaladeirae o canudo da fumaça,não causa riso nem graça,só parece um furacão,pra agüentar o rojãoprecisa muita cachaça.

MOTE

Também se queima caieirasem precisar de cachaça.

GLOSA

Trabalha-se a noite inteira,sem vexame, sem fadiga,comendo, enchendo a barriga,também se queima caieira.Se enfrenta toda poeiracomo também a fumaça,se leva tudo na graça,a boca é que faz o jogo,se corre em cima do fogosem precisar de cachaça.

JOÃO NATANAEL SOARESDE MACEDOProprietário – açuense –1886/1949

MOTE

Entre-Rios* não se podedividir em quatro partes.

GLOSA

Era uma graça, um pagode,o que chegamos a ouvir:em quatro quinhões partirEntre-Rios não se pode,Puxava o Freire o bigode,fiado em seus baluartes,entre os pedros malazartes**ouvindo João Cru*** dizer,Entre-Rios quero ver,dividido em quatro partes.* Entre-Rios era propriedade das famílias

Soares de Macedo e Freire.** pedros malazartes - chefes políticos

dr. Pedro Amorim e Pedro Neto.*** João Cru - um dos patriarcas da

família Soares de Macedo.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

ADOLFO SOARES DEMACEDOProprietário - açuense.

MOTE

Acha-se o mundo compostode homens degenerados.

GLOSA

Vê-se corpo, vê-se rostomas não se vê coração,de miséria e podridãoacha-se o mundo composto.Disso só tenho desgosto,precisar dos desgraçados,tipos lordes, malfadados,tem de toda qualidade,está cheia a sociedadede homens degenerados.

MANOEL PITOMBA DEMACEDOBoêmio, açuense - 1924/1957.Por alcunha Manoel de Bobagem.

MOTE

Nem tudo que tomba cai.

GLOSA

Nem todo homem tem brio,nem toda moça se casa,nem todo fogo tem brasanem toda lã dá pavio.Nem todo inverno faz frio,nem todo filho tem pai,nem tudo que entra sai,nem toda fera é valente,nem todo lorde é decente,nem tudo que tomba cai.

MOTE

Esse carro de Olinto*Pra mim não pode prestar

GLOSA

Nesta glosa eu não mintovou dizer minhas verdadestem sessenta qualidadesesse carro de Olinto.De GMC tem um cinto,de Chevrolet um mancar,de Opel tem o olhar,de Ford ele tem cabina,de Dodge tem a bobina,pra mim não pode prestar.* Olinto Fonseca, um dos primeiros

motoristas do Açu.

MOTE

De um cachorro não passaQuem joga e bebe aguardente

GLOSA

O seu moral descompassaleva a vida em precipíciopossuindo esses dois víciosde um cachorro não passa.Logo, de Deus, perde a graça,Satanaz fica contentee o nome desse entetoma nota em seu caderno;vai direitinho ao infernoquem joga e bebe aguardente.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Se o nosso Hermance* sairAçu fica sem valor

GLOSA

A doença vai progredirno corpo da humanidadetorna-se uma infelicidadese o nosso Hermance sair.Deixará de existiresse riquíssimo fulgor,transforma-se o riso em dorfica tudo diferentesem esse homem excelenteAçu fica sem valor.* Médico Hermance Paiva.

MOTE

Para tratar de doenteSó Hermance e mais ninguém

GLOSA

Eu dele já fui clientee achei especialÉ bom sem ter outro igualpara tratar de doente.Faz o exame contentee receita muito bempois para aqui jamais vemoutro doutor diferentepara tratar de doentesó Hermance e mais ninguém.

MOTE

Essa aguardente infelizEu sei que vai me matar.

GLOSA

Se o destino assim quisvou cumprir a minha sorteporém vai ser minha morteessa aguardente infeliz.Censurando o povo dizque eu não posso prestar,mas se eu vivo a farrearno vício da embriagueza aguardente desta vezeu sei que vai me matar.

MOTE

O homem não vale nadaSó Deus é que tem valor

GLOSA

Escrevo nesta ,jornadapara quem compreendersó Deus é que tem podero homem não vale nada.Na sua lida pesadaele é um sofredor,seja rico como for,mas também passa amargura,segundo diz a Escriturasó Deus é que tem valor

29

Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Vou deixar a minha casaOnde morei vinte anos

GLOSA

Meu coração vai em brasade sofrer, amargurado,por ser desaventuradovou deixar a minha casa.A desgraça já me atrasasó me chegam desenganos,deixo os meus paroquianos,levarei saudade eternadeixando a casa maternaonde morei vinte anos.

MOTE

Muito sofro por quem amoQuem me ama sofre mais

GLOSA

O nome dela eu declamodentro do meu coraçãopela força da paixãomuito sofro por quem amo.Sonhando por ela eu chamoentre suspiros e aistenho sofrido de maisé grande a minha tristezamas tenho toda certezaquem me ama sofre mais.

MOTE

Seu Né com a sua pastaÉ metido a viajante

GLOSA

Me disse ele que gastacinqüenta mil réis diário,faz um grande comentárioSeu Né com a sua pasta.Consigo mesmo ele arrastao andar de passeante,é orgulhoso e pedante,vive com pabulação,com sua pasta na mãoé metido a viajante.

MOTE

Vou fazer o meu transporteDa vida material

GLOSA

De mim se aproxima amorte preciso fazer viagem,com saudades de Bobagem*vou fazer o meu transporte.Vou procurar boa sorteno reino celestial,Jesus por ser divinalse compadeça de mimque breve será meu fimda vida material.* Bobagem - mãe do poeta, de quem

pegou a alcunha de Manoel de Bobagem.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

DURVAL SOARES DEMACEDO*Vendedor ambulante, açuense.* Suas glosas obedecem à forma

ABBAACCACA; que é totalmenteestranha à décima setissilábica açuense.

MOTE

Dou-lhe um conselho maduroNão queira quem não lhe quer.

GLOSA

Pode ser homem ou mulher,não dê este cabimento,diga no mesmo momento:vá procurar Lucifer.Se ela um dia vier,tire a carta de seguro,não sou fogo de monturonem remo contra a maré,dou-lhe um conselho maduronão queira quem não lhe quer.

MOTE

Sigo minha opiniãoTudo isso o couro dá.

GLOSA

Dá mala, dá caçoá,dá silha, dá rabichola,chapéu de couro e virola,dá cela pra se andar,arreios pra se pegar,dá peia e dá cinturão,dá sapato e dá gibão,ninguém pode duvidar;siga minha opiniãotudo isso o couro dá.

MOTE

O couro do boi dá solaE o pau que curte é angico.

GLOSA** Notar, aqui, uma nova formulação

de rimas: ABBAABBABA

Muito mais contente eu ficobatendo nesta viola,o jogo manobra a bola,a garça manobra o bico,portanto me justifico,pois o homem é quem controla,votar nessa curriola,me disse Theodorico**o couro de boi dá solae o pau que curte é angico.** Theodorico Bezerra, deputado estadual,

ex-deputado Federal, "majó" fazendeiro.

SOLON WANDERLEYComerciante - açuense - 13.01.1903

MOTE

De qualquer futilidadeFaz-se um mote e haja glosa.

GLOSA

No tempo da antiguidadeo Açu era falado,mas hoje vive o coitadode qualquer futilidade.Vejam, pois, a mocidadeinteligente e jocosa,por distração ansiosa,de tudo faz arreliae a toda hora do diafaz-se um mote e haja glosa.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE** Esta glosa figura na 1ª. edição como

sendo de Moysés Sezyom;posteriormente foi apurado queé de autoria de Solon Wanderley

Tanto poeta chamei-oQue poeta ficou sendo.

GLOSA

Ficaste afinal no meiodos poetas consagrados,c'os teus motes aleijados,tanto poeta chamei-o.Porém deves ter receioda tosa que estão fazendo,desde já fica sabendo:Manoel Maria Barbosanão foi por causa de glosaque poeta ficou sendo.

PEDRO AMARANTINOSANTIAGOAçuense.

MOTE

Eu estou necessitadoQuero a vossa proteção.

GLOSA

É horrível o meu estadoé grande a minha aflição,Ihe digo de antemão:eu estou necessitado.Porém estando ao seu ladofica alegre o coração,sei que o senhor tem ação,tem honra e dignidade;a título de caridadequero a vossa proteção.

ANTÔNIO DE OLIVEIRASOUTOFuncionário público - açuense.06.07.1937

MOTE

Debaixo do teu umbigoTem a flor que eu beijaria.

GLOSA

Faço segredo e não digopra ninguém, se tu deixarespor um dia os meus olharesdebaixo do teu umbigo.Sabes que sou bom amigo,a ti jamais trairia,pois a ninguém pediriacom tanta insistência assim,sendo o teu corpo um jardim:tem a flor que eu beijaria.

MOTE

Quero carne de priquitoNão me fale em feijoada!

GLOSA

Não sou de criar conflitopor isso sem mais favorna festa do servidorquero carne de priquito.Sem ter esse requisitoque é a carne mijadasó vou lá fazer zuadae tomar minha Pitu;aceito carne de cu,não me fale em feijoada.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

A cabeça quando pintaA pinta baixa a cabeça.

GLOSA

Um dia a velha JacintaMe disse com segurançaO homem perde a pujança,A cabeça quando pinta.Nos cabelos usa tintaPra que mais moço pareçaMas é bom que não se esqueçaA ninguém pode enganarNa hora que vai treparA pinta baixa a cabeça.

MOTE

É de fácil esquecimentoA mulher qu'eu tanto quis.

GLOSA

Sem nenhum constrangimentoPara quem quiser saberQuem não julgava esquecerÉ de fácil esquecimento.Amei-a sem fingimentoE juro que fui felizPois a verdade se dizPor isto é que falo assimFoi quem rnais zombou de mimA mulher qu'eu tanto quis.

MOTE

Se um dia eu for à LuaVou no carro de Botelho

GLOSA

Tô na minha e não na tuaTe manca meu camaradaVai ser longa a caminhadaSe um dia eu for à Lua.Num carango que flutuaNovinho que nem espelhoPintadinho de vermelhoVou fazer meu piquiniqueNão quero nenhum buíqueVou no carro de Botelho.

MOTE

Vou trabalhar de garçomNo cabaré de Luiz.

GLOSA

Repito alto e bom somAté que a voz fique roucaPois arranjei uma "boca"Vou trabalhar de garçom.Acho isto muito bomAté me faz bem felizPois arranjei o que quisO resto é tocar pra frenteQuero comer muita genteNo cabaré de Luiz.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Feijão verde é muito bomMulher madura é melhor.

GLOSA

Quase sem perder o tomeu falei pra minha negapara comer com manteigafeijão verde é muito bom.Foi dito por um garçonnum hotel do Mossoró:"com carne do Seridóaumenta mais o sabor!"Mas pra comer com amorMulher madura é melhor.

MOTE

Não vale mijar mais cedoNem cagar fora de hora!

GLOSA

Comigo não tem segredovou dizer com segurançase agüentem na poupançanão vale mijar mais cedo.Do pau não se tira o sebopois se tirar não melhoraquem não gostar vá emboraque falta não vai fazernão se sai nem pra fodernem cagar fora de hora!

LUIZ XAVIERBancário, Santana do Matos18.08.35.Açuense adotivo, onde iniciou-seem glosas.

MOTE

Nessas festanças de galaA gala dá na canela.

GLOSA

Existe mesmo o namoro,está certo quem propala,quase que não há decoronessas festanças de gala.Começa dentro da salaa troca de uma olhadela,logo após apagam a vela,fazem do claro, o escuroe se a festa é de pau duroa gala dá na canela.

MOTE

Fresco talvez que não sejaMas trejeitos ele tem

GLOSA

Em qualquer canto que estejaquer sentado, quer de pé,parece mais que é mulher,fresco talvez que não seja.Toda mão que aperta beija,chama todos de meu bem,casar, não quer com ninguéme só fala afeminado,pode não ser, mesmo, veado,mas, trejeitos ele tem.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Eu quero arrotar coalhadaDe mamar no peito seu

GLOSA

Me deixe a boca molhadadesse seu leite de moça,por favor, meu bem, me ouça,eu quero arrotar coalhada.Quero dar uma apojadaque nenhum bezerro deu,com todo jeitinho meusei que vai me dar tonturame vendo de pomba durade mamar no peito seu.

MOTE

Prefiro tocar punhetaA foder com mulher frouxa.

GLOSA

Certo tipo de bucetaque até jumento se atolaeu sabendo não dou bolaprefiro tocar punheta.Boto cuspe na cacetae apertando em cheio a trouxa,a gala escorre na coxa,mela a calça e mela o chão,prefiro sujar a mãoa foder com mulher frouxa.

MOTE

Na próxima geraçãoEu prefiro ser mulher.

GLOSA

Quero mais depravação,ser livre de pensamento,dar figa pra casamentona próxima geração.Vou viver de amigação,ser dono de cabaré,vou foder como eu quiser,eis a minha pretensão:não quero ser fresco, não,eu prefiro ser mulher.

MOTE

Armando e querendo bem,Levando chifre e roendo.

GLOSA

Tenho pena de quem temum amor descontrolado,vivendo sem ser amado,amando e querendo bem.E existe mais um porém:o jeito é viver bebendo;quem assim vive sofrendo,vivendo só de transtorno,já cansado de ser cornolevando chifre e roendo.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Não sei quem diabo inventouMulher, cachorro e menino.

GLOSA

Menstruação e cocô,veado e carachué,soldado e bicho de pé,não sei quem diabo inventou.Mas isto só não bastou,tem macho falando fino,muito cabra cabotinocolecionando porqueira,juntando na prateleiramulher, cachorro e menino.

MOTE

Vou mijar no seu caixão,Com saudade de você.

GLOSA

De joelho preso ao chão,mesmo de pranto incontido,pra atender ao seu pedido,vou mijar no seu caixão.Não vou ter consolação,sei que não vou me conter,devo, de fato, morrer,talvez em noite de frio,num triste quarto vaziocom saudade de você.

MOTE

Não tem jeito que dê jeito,Eu mesmo não fodo mais.

GLOSA

A bicha está com defeito,sem ter mais apelação,só vive olhando pro chão,não tem jeito que dê jeito.Daí me nasce um despeito,de não ser mais eficaz,passando mesmo pra trás,pedindo a Deus pra morrer,porque se o bom é fodereu rnesmo não fodo mais.

MOTE

A COFAN* já recebeuum preventivo pra broca**.

GLOSA

Se seu chifre adoeceu,não desespere, procure,pois bom remédio que cureA COFAN já recebeu.Se sua mulher fodeucom outro, fazendo troca,não corte, amigo, a minhoca,tenha em tudo mais cuidado,compre depressa, vexado,um preventivo pra broca.* Distribuidora de produtos agrícolas.** Moléstia da parte interior dos

chifres dos bovinos.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Vou montar um cabaréNo Mar da Tranqüilidade.

GLOSA

Conforme, se Deus quiser,e que tudo corra franco,eu deixarei mesmo o Banco,vou montar um cabaré;pois meu negócio é mulherque o resto é futilidade,crendo então na realidadeeu vou botar pra valer,pois já podemos foderno Mar da Tranqüilidade.

MOTE

Não é só casa e comidaque faz a mulher feliz.

GLOSA

Disse Núbia* que na vidada mulher, quando casada,para não lhe faltar nada,não é só casa e comida.Tem que ser compreendidae eu entendo o que ela diz;ela quer pau pro verniz,porque gosta de verdura,com certeza é pomba duraque faz a mulher feliz.* Núbia Lafayete, cantora, também

açuense.

MOTE

Teve raiva do maridoTocou fogo no seu pau

GLOSA

Mais um caso acontecido:mulher bota pra valer,desta feita, só porqueteve raiva do marido.Sacaneando escondidopromovendo bacanal,foi flagrado o seu Vitalpela esposa, que ofendidase vingou por toda vida:tocou fogo no seu pau.

MOTE

Tendo perna e tendo couroSó respeito tamborete.

GLOSA

Boto assando como touroque não tem pena da vaca,como burra, como paca,tendo perna e tendo couro.Pode ter cara de choro,ser doente pra cacete,mas se gostar do macete,cega ou doida, tudo eu furo,pois eu estando de pau durosó respeito tamborete.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Repito: manda quem pode,atende quem tem juízo.

GLOSA

Dessa maneira se fodequem comigo discordar,se eu nasci pra governarrepito: manda quem pode.Ninguém de mim faz pagode,todos sabem, sob aviso,só falo quando preciso,no meu taco faço aposta,mas se eu mandar comer bosta,atende quem tem juízo.

MOTE

Quero morrer vendo o cãoNo punho da minha rede.

GLOSA

Se eu não tenho salvação,só porque não me confesso,a Jesus mesmo é que peço:quero morrer vendo o cão.Não quero vela na mão,nem ver santo na parede,quero ter fome, ter sede,só não me falte a Pitu,quero Satã todo nuno punho da minha rede.

MOTE

Dou minh'alma ao SatanazPra tirar na loteria.

GLOSA

Já disse e nã volto atrás,sustento mesmo o que eu digo,pra deixar de ser mendigodou minh'alma ao Satanaz.Eu já fiz prece a São Braz,São Pedro e Santa Luzia,a Jesus, Santa Maria,não valeu minha intenção,agora apelo pro cãopra tirar na loteria.

MOTE

Resolvi me confessar,Jesus Cristo me perdôe.

GLOSA

Nunca mais vou blasfemar,nem fazer mais sacrilégio,numa igreja, num colégio,resolvi me confessar.Todo mês vou comungar,herege, agora, é um boi,ninguém pergunte o que foique eu fiz aqui no chão;se agradei, de fato, ao CãoJesus Cristo me perdôe.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Eu já cansei de viverMas a morte não me quer.

GLOSA

Deixei de sentir prazer,diz Renato* a doutor Meira**se a vida nos dá canseiraeu já cansei de viver.Quem hoje velho me vêsem violão, sem mulher,sem mais o bicho de pé,lamenta meu fim de sorte,querendo abraçar a morte,mas a morte não me quer.* Renato ‚ poeta e boêmio. Autor do livro

"Fulô do Mato".** Doutor Meira, João Meira Lirna,

ex-Juiz em Açu.

JOAO LINS CALDASServ. Púb. aposentadoGoianinha - 1888 - 1967

MOTE

Se Ana morrer queimadaNão me paga o que me deve.

GLOSA

ISerá grande a gargalhadae bem completa a alegria;que prazer, quanta harmonia,se Ana morrer queimada.Festa só, festa e mais nada,prazer que ninguém descreve.Quem, pois, a chorar se atreveante um bem que se dilata?Mesmo morta, aquela ingrata,não me paga o que me deve.

II

A luz há se ver manchadade negro fumo e terrores,secarão frutos e flores,se Ana morrer queimada.Ao vê-la em cinza tornada,na dor que ninguém descreve,direi, em soluço breve:embora a terra dê tudo,já que tem seu lábio mudonão me paga o que me deve.

JOSÉ DE SOUZAJornalista – paraibano,13.08.1940

MOTE

Buceta, cu e caralho:Três instrumentos de foda.

GLOSA

Mesmo dentro do borralhouma foda dá prazer;pra ser boa tem que ter:buceta, cu e caralho.Um cu ao molho, e com alho,quem come não se incomoda,e eu que estou fora de modae não pretendo mais foder,estou querendo vendertrês instrumentos de foda.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Saltou o mourão da bunda,Quebrou-se a mola do cu.

GLOSA

Uma rapariga imundaque certo dia eu peguei,de uma pombada que deisaltou o mourão da bunda.Chama-se ela Raimunda,mulata do couro cru,e eu que já estava nue com a rola escalada,dei-lhe mais outra pombada:quebrou-se a mola do cu.

MOTE

O caralho de vocêsÉ diferente do meu.

GLOSA

De liso, grosso e pedrez,há caralho muito estranhoque difere de tamanho: o caralho de vocês.Há o que tira a honradezQue a natureza Ihe deu,e, por exemplo, esse seu,sem domínio, sem controle,vive toda vida mole:é diferente do meu.

MOTE

Chico cuzão inda éDemolidor de mulheres.

GLOSA

Um cara muito chué,sacana e borocoxô,cafetão e gigolô,Chico cuzão inda é.Quando vai ao cabaré,do mulheril é o alferes,deixa vícios e misterese sua lábia não mingua;é pela tesão na línguademolidor de mulheres.

MOTE

Potência de velho acabaOnde a do moço começa.

GLOSA

Quando uma tesão desabapor problema de idade,faltou a virilidade,Potência de velho acaba.Se a ninguém mais enrabajá no moço ele tropeçanão adianta ter pressase a tesão subiu pra língua;a tesão do velho minguaonde a do moço começa.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Dar o cu não é pecadoQuando ele dá por amor.

GLOSA

Fico logo aporrinhadocom frescura de crendice,quem foi o fresco que disse"dar o cu não é pecado".Quando se pega um veadocom o cu abrasador,um cacete rasgadoresfola até a bexiga,se lasca todo e não ligaquando ele dá por amor.

MOTE

Se você nasceu de frutaÉ semente ou é caroco?

GLOSA

Com essa cara de putaporque não quer entender,deve ser bom de comerse você nasceu de fruta.Uma idéia absolutame faz inchar o pescoço,não gosto de fruto insossoinda mais sendo inchado,o seu caso é de veado:é semente ou é caroço?

MOTE

Um chato tá me mordendono centro do ôi do cu.

GLOSA

Me coçando e me espremendonuma agonia profunda,meto a mão, esfrego a bunda;um chato tá me mordendo.Um no bigode me enchendo,eu arranquei ele cruah! se eu pegasse um bambugrosso e de grande formatopra não deixar esse chatono centro do ôi do cu.

MOTE

Aparentemente, sim,Até certo ponto, não.

GLOSA

Não ter certeza é o fimdo que te falam isolado,perguntam-me se és veadoaparentemente, sim.Aí perguntaram assim:e a mãe do sacanãoinda está na perdição?Perguntaram se eu comi,e eu então respondi:até certo ponto, não.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Encontrei hoje chorandoQuem riu de mim no passado.

GLOSA

Saí na rua sonhandocom uma antiga comida;a quem mais fodi na vidaencontrei hoje chorando.Ontem, viveu me gozandoporque eu tinha brochado;hoje, de pau levantadoela de mim vem atrás,mas eu não vou comer maisquem riu de mim no passado.

MOTE

Caguei um negócio aliQue eu nunca comi na vida.

GLOSA

Não pensei no que comi,danou-se, deu a bexiga,me deu um nó na barrigacaguei um negócio ali.Aí, perguntaram aqui:qual terá sido a comida?Eu que estava sem saídative que dar a resposta:o que ali caguei foi bosta,que eu nunca comi na vida.

MOTE

Não tive amores, sonhei-os,Mas possuí-los não pude.

GLOSA

Eram tantos meus anseiosde amar, de querer bem,que pra não sofrer tambémnão tive amores, sonhei-os.Tentei por todos os meiosnão tomar tal atitudemas senti que era rude,e só procedendo assimtive-os diante de mimmas possuí-los não pude.

MOTE

Sonhou cagando pra dentro,Acordou, tava enrabado.

GLOSA

Foi tomar cana no centroda cidade, com amigos,dormiu, passou por perigos,sonhou cagando pra dentro.Sentiu ardor de coentroao ver o pau atolado,adormeceu num sobradono mais completo abandono– cu de bebo não tem dono –acordou, tava enrabado.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Das grandes fodas que deiSó guardo recordação.

GLOSA

Depois que ultrapasseio Cabo Boa Esperançaresta apenas a lembrançadas grandes fodas que dei.Fiquei velho, me lasquei,brochei, perdi a tesão,nem balançando com a mãoa rola levanta mais– dos bons tempos de rapazsó guardo recordação.

LAÉLIO FERREIRA DE MELOFuncionário público - natalense.

MOTE

O centerfor do "Angicos"Só tinha um olho, e jogava.

GLOSA

Inimigo dos fuxicosda sua terra escabrosa,mania tinha, sebosa,o centerfor do "Angicos"Comia muitos furicos,muita bundinha papava;no treinador se encostavadurante a concentração;ganhava, assim, posiçãosó tinha um olho, e jogava.

MOTE

Otávio perdeu dinheiroE Aparecida não deu.

GLOSA

Garanhão e putanheiro– dizendo ser bom poetapensando em foda completaOtávio perdeu dinheiro.De madrugada, lampreiro,na buate amanheceu,simplesmente se fodeu,prometeu mundos e fundos,seus colhões ficaram imundose Aparecida não deu.

MOTE

Caio* fez uma conferênciasobre os veados de Tebas.

GLOSA

Impando de onisciência,supino, professoral,erudito e genialCaio fez urna conferência.Derramou toda a ciênciafalou de lutas, refregas,deu notícia até das pregasde muito puto de outrora,recitou mais de uma horasobre os veados de Tebas.* Caio Pereira, magistrado aposentado,

boêmio em Natal.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Natal é cidade boa,Ninguém pode esquecer dela.

GLOSA

Cana, caju, glosa,loa, bate-papo na calçada,caju, umbu, panelada,– Natal é cidade boa.Pescaria de gamboa,no Potengi uma vela,na mulher, graça singela,violão, pranto, saudade,se tudo isto é verdade,ninguém pode esquecer dela.

MOTE

Filosofando, o Neguinho*Entende de Nada, Tudo

GLOSA

Cachola rara, – é um ninhode toda a ciência exata,de qualquer doutrina tratafilosofando, o Negrinho:A Vida, a Morte e o Vinho,o Tempo, o Nada e o Tudo,a Regra, a Rima e o Contudo,a Reta e a Circunferência;– é de mais essa potência:entende de Nada, Tudo.* Zé Neguinho, antigo linotipista de Natal

que, nos bares, "conhecia todo assunto".

EDISON TORRES PIRESFuncionário público – Angicos,27.09.31

MOTE

Por você eu lasco gente,Lasco você e me lasco.

GLOSA

Pra mim só vale o presente;o passado é merda pura,nossa amizade é segura,por você eu lasco gente.Porém aquele que mentepor ódio ou mesmo por asco,eu mando tomar no frasco,ir pra puta que o pariu,e fazendo isso, viu,lasco você e me lasco.

MOTE

Merda nágua não afundaMas nunca vai pr'onde quer.

GLOSA

Nem a ciência profundavem desmentir o que eu digo:seja de rico ou mendigomerda nágua não afunda.Saindo de qualquer bunda,mesmo de homem ou mulher,e num riacho qualquervocê a depositandovai ver que ela sai boiando,mas nunca vai pr'onde quer.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Eu vi o seio da Lua,Amamentando uma estrela.

GLOSA

De meio despida à nua,irradiando beleza,ontem, pra mim com surpresa,Eu vi o seio da Lua.Estava deserta a rua,e eu, abismado ao vê-la,pedi a Deus para tê-la,porém, Deus não consentindo,a Lua partiu sorrindo,amamentando uma estrela.

MOTE

Eu vi a bunda da Lua,Na passarela do mar.

GLOSA

A mentira nem flutua,tendo de frente a verdade,falo com sinceridade,eu vi a bunda da Lua.Passeava eu pela rua,frajola a cantarolar,quando num lance de olhar,pasmado vi com surpresa,a Deusa da Natureza,na passarela do mar.

MOTE

De manhã, se bem vestida;De noite, só quero nua.

GLOSA

A coisa melhor da vida,me censure quem quiseré ter bonita mulher,de manhã, se bem vestida.Se meiga, darei guarida,cantigas à luz da Lua,cacete do tipo pua;funcionando a contento,na cama ou mesmo ao relento,de noite, só quero nua.

WALTER CANUTOMossoroense - 24. 02. 24

MOTE

Joca quebrou o cabrestoNo cabaço de Rosinha

GLOSA

Casar foi o seu pretextopara foder um pinguelosabendo que era donzeloJoca quebrou o cabresto.Com medo de um incesto,pois Rosa era sobrinha,teve uma sorte mesquinhapobre coitado do Jócateve que usar uma brocano cabaço de Rosinha.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Carne beiçuda e mijadaVelho não pode comer

GLOSA

Mais forte que paneladamais quente que alcatrãopode dar indigestãocarne beiçuda e mijada.Tendo uma vida cansadacagando até sem querermesmo que venha a saberque a carne não é nojentase não tem mais "ferramenta"velho não pode comer.

MOTE

Vou montar um cabaréNo Mar da Tranquilidade

GLOSA

O "ramo" é bom e dá pé,pois eu conheço a "gazua"quando eu chegar na luavou montar um cabaré.O local já sei qual écom muita propriedadee digo a bem da verdadeque não existe outro igualvou abrir uma “filial”no Mar da Tranqüilidade.

MOTE

Na terra manda quem podeSó doido desobedece

GLOSA

Só o Bom Deus nos acodenesta triste contingência,diz a voz da experiência:na terra manda quem pode.O cidadão se sacodemas num instante se esquece,a mágoa desaparecee logo, logo se animaordem que vem lá de cimasó doido desobedece.

MOTE

É de fácil esquecimentoA mulher qu'eu tanto quis

GLOSA

A mulher do meu tormentotoda meiguice e trejeitotem porém um só defeito:é de fácil esquecimento.Esquece a todo momentoque já me fez bem feliztudo quanto ela dizmais da metade é mentiravou tirar da minha liraa mulher qu'eu tanto quis

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Sabendo que ela tem donoSó em vê-la sou feliz

GLOSA

Muitas vezes perco o sononoite após noite acordadosofro assim resignadosabendo que ela tem dono.Vai assim meu abandonopagando os males que fizela sabe e o povo dizdo amor que por ela sintojuro a verdade, não minto,só em vê-la sou feliz.

MOTE

"Dá-me o calor do teu seio!Dá-me o fulgor dos teus olhos!"*

GLOSA

Perdido na noite em meiosem um teto, sem abrigo,deixa-me ficar contigo,"dá-me o calor do teu seio!”Dá-me, enfim, que ainda creio,numa vida sem escolhos,em rnares livres de abrolhos,no eterno amor, no carinho,ilumina o meu caminho"dá-me o fulgor dos teus olhos!"* Versos de Ferreira Itajubá, um dos mais

importantes da poesia norteriograndense.

JOSÉ LUCAS DE BARROSBancário - Serra Negra, 12-03-34

MOTE

Cabra safado não morre,Só se matar de cacete.

GLOSA

Não há veneno nem porrepra levar o traste ruim.Quem é bom logo tem fim,cabra safado não morre.O diabo sempre o socorrepor debaixo do colete;toma coice de ginete,de cobra leva mordida,mas não desgruda da vida,só se matar de cacete.

MOTE

Não posso vencer a morte,Mas irei de má vontade.

GLOSA

Mesmo que eu pareça fortecomo touro premiado,serei um dia enterrado,não posso vencer a morte.Do Rio Grande do Nortelevarei muita saudadepromessas de eternidademe fazem crer noutra luz,eu sei que é pra ver Jesus,mas irei de má vontade.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Xavier quer ver o cãoNo punho de sua rede.

GLOSA

Aspirando à salvação,nós a Deus pedimos sorte,porém, na hora da morte,Xavier quer vem o cão;nós queremos água e pão,ele quer ter fome e sede;enquanto, em nossa parede,nós queremos ver Jesus,ele quer ver diabos nusno punho de sua rede.

MOTE

Esse pecado que eu fizSó Deus pode perdoar.

GLOSA

Até ficarei felizse o padre, por caridade,perdoar pela metadeesse pecado que eu fiz.Pecar não foi o que eu quis,vou dizer aos pés do altar,quando for me confessarao capuchinho barbudo,porém pecado rabudosó Deus pode perdoar.

MOTE

Se os homens maus têm mais sorte,O diabo protege os seus.

GLOSA

A gente tem que ser forteante as seduções do mal...vale ser bom, afinal,se os homens maus têm mais sorte?Veja-se a grande coortede Judas e fariseus,mostrando que, enquanto Deusnos concede amparo eterno,nos interesses do infernoo diabo protege os seus.

MOTE

Quero morrer vendo a luaBrilhando em minha janela.

GLOSA

Quando da morte a voz cruadisser que chegou meu dia,num adeus à poesiaquero morrer vendo a lua.Quero cantigas na rua,ao som de viola singela,que Deus me dê morte bela,sem contorção, sem lamentocom a luz do firmamentobrilhando em minha janela.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

JOSÉ ANTÔNIO AREIA FILHOZé Areia – 1901 - 31.01.72Nascido em Natal - RN

MOTE*

Na venda bebo cachaçaMe lembrando de você

GLOSA

IDiante da sua graçafiquei logo apaixonado,hoje tristonho e magoadona venda bebo cachaça.Muito embora mal me façae razão ninguém me dê,eu vou bebendo porquemeu destino foi traçado:é viver embriagadome lembrando de você.

IINão suportando a desgraçade viver sem teu carinho,eu toda noite sozinhona venda bebo cachaça.Minha tristeza não passa,sabes muito bem porque,quem olha pra mim já vêo que procuro ocultarcomeço logo a chorarme lembrando de você.

IIISendo triste, faço graça,banco o palhaço na vida.Pra curar minha feridana venda bebo cachaça.Não sabe mais o que façaquem desgraçado se vê,eu quizera um dia que

o meu coração cansassee nunca mais eu chorasseme lembrando de você.* Apud "Sátiras e Epigramas de Zé Areia",

de Veríssimo de Melo.

MOTE

Raimundo* foi à EuropaE voltou falando inglês.

GLOSA

Nunca deu o ás de copa,não conhecia o prazer,pra dar sem ninguém saberRaimundo foi à Europa.Dinheiro ele não poupaquando chega a sua vez,porisso, com sensatez,fez tudo que pretendia,conheceu o que queriae voltou falando inglês.* Raimundo Barros, Tabelião Público.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

JOSÉ LEIROSZeca Galo, por pseudônimoFunc. aposentado do INPSNascido em Macaiba-RN.

MOTE

Carro velho e sutiãSó compra quem é peitudo.

GLOSA

Se existe coisa vã,tão falsa quanto aparente,é‚ sem dúvida, minha gente, carro velho e sutiã.Digo hoje e amanhã,direi também, e não mudo,usar o bom senso é tudo;lógico é o que digo:essas duas coisas, amigo,só compra quem é peitudo.

MOTE

Na mulher, sua belezaNão está sempre na cara.

GLOSA

Se quiser ter a certezado que diz o Saturnino*estude com todo tinona mulher, sua beleza.Veja só quanta grandezareúne a perfeição rara,quando a vista se deparasurpreendendo o escondido,vê-se que o preferidonão está sempre na cara.* Prof. José Saturnino de Paiva,

28.11.1901 - 02.03.80

MOTE

O berro que Arouca* deu,Abalou o Castelão.

GLOSA

Todo mundo estremeceu,da moça caiu a tanga,foi um Grito do Ipirangao berro que Arouca deu.A arquibancada fendeucom semelhante ovação,sem encontrar expressão,diz Petronilo** – esse bradohá quatro anos guardadoabalou o Castelão.* Arouca, func. do INPS

torcedor do América Futebol Clube.** José Petronilo Fernandes,

Conselheiro do Tribunal de Cortas,Abecedista "doente".

MOYSÉS LOPES SESYOM

Comerciário - nascido em Caicó,mas feito poeta em Açu,28.07.1883 - 09.03.1932

MOTE

Um infeliz como eu.

IA morte mata o sultão,arcebispo e cardeal,presidente, marechal,ministro, conde e barão;em tempos matou Roldão,como na história deu;o próprio Jesus morreu;mata tudo ó morte ingrata,só não sei porquê não mataum infeliz como eu.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

IIEla mata todo mundo,branco, preto, rico e pobre,mata o potentado, o nobre,mata o triste e o vagabundo;matou Dom Pedro Segundo,matou quem o sucedeu;capitalista e plebeu,mata tudo, não tem jeito,mas não mata, por despeito,um infeliz como eu.

IIINão reserva o cientista,mata sem dó o profeta,tirana, mata o poeta,mata o maior estadista;mata também o artista,o cego, o mudo, o sandeu,mata o crente e o ateu,diplomata e titular,mas poupa, não quer matarum infeliz como eu.

IVEla mata no Senado,como matou Rui Barbosa,entra no Congresso airosaaí mata um deputado;matou Pinheiro Machado,dele não se condoeu,ela jamais atendeu,mata gente, mata bicho,mas não mata, por caprichoum infeliz como eu.

MOTE

Toda obra o couro dá

GLOSA

IDá bola, manta, silhão,dá carona e dá perneira,dá chapéu, dá bandoleira,dá sapato e dá gibão.Pra se fazer matulãoo couro é como não há,serve até pra cassuá,dá peia e dá rabichola,se prendendo a couro e solatoda obra o couro dá.

IIDá manta, silha, silhão,dá chapéu, dá bandoleira,dá sapato, dá perneira,dá corona e dá gibão.Pra se fazer matulãoo couro é como não há,serve até pra caçuá;dá peia e dá rabichola,se prendendo a couro e solatoda obra o couro dá.

MOTE

Todo cacete é cambão.

GLOSA

Tudo que é alto é comprido,tudo que é baixo é pequeno,todo caboclo é moreno,todo negro é presumido.Todo orgulho é abatido,todo inverno tem verão,todo velho é ancião,toda obra tem bitola,todo poeta é pachola,todo cacete é cambão.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Sua mãe é feme minha*

GLOSA

A sua raça é safadadesde a quinta geração:seu avô foi um cabrão,sua avó, puta de estrada,sua filha amasiada,prostituta sua netinha,uma irmã que você tinha,essa pariu de um soldado,seu pai é corno chapado,sua mãe é feme minha.* Há uma variante do mote: "Sua mãe

foi fêmea minha".

MOTE

Numa receita de Joca*

GLOSA

ITinha raspa de juá,raiz de urtiga, cardeiro,cipó de sapo, pereiro,ovo, milona e jucá,jurubeba, manacá,tinha suco de taboca,crueira de mandioca,fedegoso e vassourinha;tudo isso se continhanuma receita de Joca.

IITinha maIva e agrião,joão mole, bredo, facheiro,pau de leite, marmeleiro,erva babosa e pinhão,canapum verde e limão,

tinha até borra de moça,pra fazer a tramamocajuntou alhos com fartura;tinha toda essa misturanuma receita de Joca.* João Guabiraba, sogro do poeta.

MOTE

Acredito piamenteQue Jesus Cristo existiu.

GLOSA

Sendo Ele um pai clementee autor da Criação,na Sua Morte e Paixãoacredito piamente.Classifico de imprudentequem da crença desistiu,alguém jamais conseguiunegar o Final juízo;eu juro, se for preciso,que jesus Cristo existiu.

MOTE

Deus apesar de ofendidoNão se vinga de ninguém

GLOSA

Ele é compadecido,amparo dos desgraçados,perdoa os nossos pecados,Deus, apesar de ofendido.Meu pensar mal entendidonão me pode causar bem,eu estou nisto, porémconfio no Deus bondoso;por ser Ele um pai piedosonão se vinga de ninguém.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Escorei Nossa SenhoraCom um bacamarte na mão

GLOSA

Sem esperar, muito emborafolheando um breviário,vi tombar um santuário:escorei Nossa Senhora.Contra ela, nessa hora,travou-se forte questão,transformei-me num leão;ao lado do padre curadefendi a Virgem puracom um bacamarte na mão.

MOTE

O povo gosta de lerAs glosas de Sesyom

GLOSA

Com franqueza pode crer,se for o mote bem dado,ele depois de glosadoo povo gosta de ler.Quem quer que procure vertem de comigo achar bom,quando a coisa vem por dom,a sorte não descompassa;são lidas com muita graçaas glosas de Sesyom

MOTE

João Celso* me dando o moteGaranto a glosa ser boa

GLOSA

Acredito que é um dote– ninguém pense que é vaidade –,gloso com facilidadeJoão Celso me dando o mote.Quando eu era rapazotelevava tudo na proa,fosse quem fosse a pessoa– eu falo sem presunção –o mote sendo de João,garanto a glosa ser boa.* João Celso Filho, advogado, amigo do poeta

MOTE

Bebo, fumo, jogo e danço,Sou perdido por mulher

GLOSA

Vida longa não alcançona orgia e no prazer,mas, enquanto eu não morrer,bebo, fumo, jogo e danço.Brinco, farreio e não canso,me censure quem quiser,enquanto eu vida tiver*cumprindo esta sina venhoe além dos vícios que tenho,sou perdido por mulher* Há um variante deste verso: "não falho um

dia sequer".

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Eu só como camarãoCom muito sal e pimenta

GLOSA

Quando faço a refeiçãopasso a vista sobre a mesa,se até tiver com franqueza,eu só cunio camarão.Com cerveja fria e pãofaz um paladar setenta,satisfaz e alimenta,um prato apetitoso,mas só fica saborosocom muito sal e pimenta.

MOTE

Quem desejar se apresenteNão passe do fim do mês

GLOSA

Eu já estou impaciente,não posso mais suportar,como preciso casar,quem desejar se apresentedando um sinal sorridente,isto por mais de uma veznão venha com sisudez,banque alegria no caso,resolva dentro do prazo,não passe do fim do mês.

MOTE

Se não fosse o caniveteNinguém comia do bode

GLOSA

Na festa eu pintei o sete,muita gente fez assim,triste de alguém e de mimse não fosse o canivete.Para imitar um grumetemandei raspar meu bigode,meti-me nesse pagode,Alcides mexeu também,mas se não fosse Vem-Vem*ninguém comia do bode* Vem-Vem, fazendeiro, por nome

Fernando Tavares.

MOTE

Em Baixa-Verde eu tomeiAguardente fria e boa

GLOSA

Quando do trem eu saltei,pra beber dei um passeio,um copo acima de meioem Baixa-Verde eu tomei.Bem expansivo fiqueimas não disse coisa à toa,levei tudo pela proa,lembrei-me da mocidade,bebendo alí à vontadeaguardente fria e boa.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Aguardente em TaipuÉ alva, fria e gostosa

GLOSA

Tem giribita em Açu,por ser cara eu tomo pouco,bebi, tem gosto de côco,aguardente em Taipu.Fiz parede de caju,já vi coisa apetitosa,estou descrevendo em glosamas ninguém tome por graça,em Taipu a cachaçaÉ alva, fria e gostosa.

MOTE

A cachaça em Pedra PretaÈ fria, boa e barata

GLOSA

Acreditetn, não é peta,eu tomei, posso afirmar:dá muito bom paladara cachaça em Pedra Preta.Quando tocaram a sineta*ajeitei minha gravata,me dizendo uma mulataem três palavras somente:em Pedra Preta aguardenteé fria, boa e barata.* Era sinal de partida dos trens da

Great-Western, no interior do RN.

MOTE

Tomei conhaque geladoPorque seu Pedro me deu

GLOSA

Tornei-me um pouco atiradoimitando um mequetrefe,mesmo em presença do chefetomei conhaque gelado.Me conservando alinhadocomo é costume meu,nessa festa quem bebeuteve bancar desordeiro;bebi sem gastar dinheiroporque seu Pedro me deu.

MOTE

Meti-me na cervejadaMas não gastei um vintém

GLOSA

Uma bela patuscadadeu-se ontem no bilhar,de passagem, sem esperar,meti-me na cervejada.Até não faltava nada,pois no Ponto* tudo tempor instãncia de Vem-VemSolon** meteu-se na dançabebi que quase encho a pançamas não gastei um vintém.* Refere-se ao bar Ponto Chic, no Açu.** Solon Wanderley, também glosador,

dono da Padaria Santa Cruz, a maior dacidade do Açu, na época.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Tomei cerveja de novoPorque Seabra* me deu

GLOSA

O major agrada o povo,vejam que o homem é aquele,ontem, por instãncia dele,tomei cerveja de novo.No Ponto eu não me demoro,fiz dali um ateneu,Antônio foi quem encheutrês copos numa bandeja,tomei toda essa cervejaporque Seabra me deu.* Coletor estadual

MOTE

Seabra me deu cervejaAlternada em guaraná

GLOSA

Se eu escolher na bandejaprefiro o conhaque bom,lá no bilhar de Solon,Seabra me deu cerveja.Daria a quem quer que seja,assim estivesse lá,viu quem olhava de cá;eu alí, sem cerimônia,tomei foi muita "teutônia"alternada em guaraná.

MOTE

Tomei cerveja ge!adamas foi Santos* quem pagou

GLOSA

Tive de graça a entradanessa festa graciosa,à custa de muita prosatomei cerveja gelada.Achei boa a patuscadaque na festa se passou,no Colégio** se juntoua nata desta cidade;tomei cerveja à vontademas foi Santos quem pagou.* Francisco Belo de Oliveira, Tabelião do 2º

Cartório, conhecido na cidade por Santos.** Colégio Nossa Senhora das Vitórias, das

Irmãs do Amor Divino, onde se realizavamas festas da sociedade.

MOTE

Tomei cerveja no poçoDada pelo capitão

GLOSA

A festa foi um colosso,dou minha opinião franca,sentado ao pé de uma bancatomei cerveja no Poço.Apesar do alvoroçodeixou-me boa impressão,eu digo aqui sem paixãofoi uma festa topada;tomei cerveja geladadada pelo Capitão.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Travasso deu um esporroLá na loja de Zequinha*

GLOSA

Com f ranqueza, quase corroreceiando uma desgraça,devido a muita cachaçaTravasso deu um esporro.Ele ali feito cachorroladrando a quem ia e vinha,nem mais paletó tinha,não sei quem saIvá-lo foi,quase se dá um cu de boilá na loja de Zequinha.* José Pinheiro Filho, Zequinha, dono da

maior casa de negócios da cidade.

MOTEA muda de Costeleta*Foi Tarquínio quem pediu

GLOSA

Talvez devido ao Capetadaqui eu devo dizer,pediram, sem se saber,a muda de Costeleta.Ele fazendo caretado comando desistiu;eu não, mas alguém ouviuse dizer no Regimentoque a muda desse sargentofoi Tarquínio quem pediu* Costeleta, apelido do sargento delegado

da cidade.Muda está, aqui, com sentidode "transferência".

MOTE

O cabelo a la garçoneAté a doida censura

GLOSA

Dizem que Zezé Leone,a rainha da beleza,não usava, com certeza,o cabelo a la garçone.Sendo assim, disse Giovane*com muita calma e brandura,a moça que tem alturae pela honra tem zelo,de cortar o seu cabeloaté a doida censura.* Giovane Wanderley de Sá Leitão.

MOTE

No tempo do CarnavalO povo perde a cachola

GLOSA

Uma quadra sem rivalao escândalo se oferece,a humanidade obedeceno tempo do Carnaval.Creio que não há igual:tudo metido a pacholacomo quem deixa a gaiolae alcança a liberdade,dentro da civilidadeo povo perde a cachola.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Eu gosto de João de Zeca*Porque me dá meladinha**

GLOSA

Fui jogar uma suecaescolhi três companheiros,disse a um dos parceiros:eu gosto de João de Zeca.Quando visto minha becavou à casa da vizinha,e se ela estiver sozinha?findo aqui, nada mais digo,João de Zeca é meu amigoporque me dá meladinha.* Influente varão da família Soares de

Macedo.** Bebida preparada com cachaça e mel de

abelha, mexida com pequeno ganchode madeira.

MOTE

O doutor Pedro Amorim*É bom chefe e bom amigo

GLOSA

Falo somente por mime ninguém diz o contrário,entre nós é necessárioo doutor Pedro Amorim.O seu prestígio é sem fim,todo mundo diz comigo,não persegue o inimigoa todos faz caridade,este doutor, na verdade,é bom chefe e bom amigo.* Médico, Pedro Soares de Amorim, chefe

político de grande prestígio.

MOTE

Nosso Juiz de DireitoÉ orador e poeta

GLOSA

Goza aqui de bom conceitode todo povo em geral,é quase excepcionalnosso Juiz de Direito.É magistrado perfeito,sua justiça é correta,executa o que projeta,é muito criterioso,além de ser talentosoé orador e poeta.

MOTE

Uma crise como estaNo Açu nunca se viu

GLOSA

Tudo é ruim, nada presta,sofre assim quem quer que seja,Deus me livre que ainda vejauma crise como esta.Quem é pobre desembesta,um que já correu, caiu,o dinheiro se sumiu,nunca vi maior tristeza,tanto aperto, com franqueza,no Açu nunca se viu

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MOTE

Os flagelados da sorteTodos são atropelados

GLOSA

O pobre gira sem norte,vive balatando em vão,nunca acham proteçãoos flagelados da sorte.lnda tendo um passaportepor ninguém serão ligados,são um bando de aleijadossem posição social,hoje, na quadra atual,todos são atropelados.

MOTE

Vivo triste, acabrunhado,porque não vejo Edinor

GLOSA

Ele parece isolado,vê sem par a descabida,com as torturas da vidavivo triste, acabrunhado.Por ninguém sou confortado,minha vida é um pavor,só Jesus, o Redentor,me tira desta enrascada,não acho mais graça em nadaporque não vejo Edinor.

MOTE

Júlio, Rodolfo e Macrino*São necessários na farra

GLOSA

Quando a tarde toca o sinochamando para a novena,aparecem logo em cenaJúlio, Rodolfo e Macrino.Não sei dos três o mais finono cavaquinho ou guitarra,digo, mas não é fanfarra,contando até réis por réis,sou franco, os três menestréissão necessários na farra.* Três conhecidos músicos amadores,

boêmios.

MOTE

Em Minas apareceuUm galo de quatro pernas

GLOSA

Contou-me Otávio* que leua notícia num jornal:um caso fenomenalem Minas apareceu.O fato que lá se deuse comenta nas tabernas,até mesmo nas cavernasouviu-se um grito dizer:só faltava aparecerum galo de quatro pernas.* Otávio Amorim, jornalista. Editou vários

jornais no Açu. Era ele mesmo otipógrafo, chapista e impressor.

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MOTE

Nosso Luiz BoavistaÉ perito em coração

GLOSA

Chegou aquí um artistaem palestra admirado,disse que tinha encontradonosso Luiz Boavista.Com seu colete de listae uma bengala na mão,feito cavalo do cãose fazendo namorado,embora muito amarradoé perito em coração.

MOTE

Perico* furtou MariaXico furtou João Miguel**

GLOSA

Há muito que alguém diziao que eu vou aqui narrar,depois de muito amolar,Perico furtou Maria.Dizendo que não fugiamostrou quanto era fiel,calado, sem aranzel,levava tudo na troça,pra maior surpresa nossaXico furtou João Miguel.* Chico Perico, antigo motorista de

caminhão.** João Miguel, dono de bar. A propósito, há

uma glosa de João de Papai: "João Miguelno Piató/Deixa Joana em confusão".

MOTE

Preciso de Zé Augusto*Não posso atacar Omar**

GLOSA

Não acho que seja justoescrever no seu jornal,mas, muito breve, em Natal,preciso de Zé Augusto.O motivo é muito justopois me queira desculparnão poder colaborarem versos fazendo crítica,tenho medo da políticanão posso atacar Omar.* José Augusto Bezerra de Medeiros.

Dep. Federal - Governador do Estado,falecido.

** Omar O'Grady, engenheiro, prefeito de Natal de I934 a 1930.

MOTE

Palmério* gasta dinheiroPorém mantém um jornal

GLOSA

Além de mim, diz Pinheiro,fala Edinor, do Jiqui,pra termos imprensa aquiPalmério gasta dinheiro.Como jornalista ordeiroé quase excepcional,sente-se bem, afinal,João Celso colaborando,ele trabalha gastandoporém mantém um jornal.* Palmério Filho, mantenedor do jornal A

CIDADE durante 25 anos. Jornalista epoeta, além de grande orador cívico,falecido.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

A CIDADE hoje completaAs suas bodas de prata*

GLOSA

Sob a direção correta,Alí, com ordens severas,vinte e cinco primaverasA CIDADE hoje completase mantendo em linha reta,numa linguagem pacata,tendo à frente um diplomataque vai se entusiasmarvendo A CIDADE inteiraras suas bodas de prata.* A glosa está datada de 25.04.27.

MOTE

Eu felicito PalmérioNesta auspiciosa data

GLOSA

Pelo seu grande critériode há muito já comprovado,embora mesmo acanhadoeu felicito Palmério.A esse jornalista sériode linguagem democratajuntaram-se a plebe e a natae foram felicitá-lo,até eu fui abraçá-lonesta auspiciosa data.

MOTE

No Açu de tradiçãoSurgiu mais outro jornal*

GLOSA

Negar a verdade? Não!Nem mesmo por um decreto,tem um chefe ordeiro e retono Açu de tradição.Ele tem bom coraçãocomo amigo ele é leal,com seu prestígio cabalesforçou-se com vontade,por isto, nesta cidade,surgiu mais outro jornal.* Refere-se ao JORNAL DO SERTAO, que

surgiu em 1928, fundado pelo doutorPedro Amorim.

MOTE

A bodega do JordãoVende em grosso e a retalho

GLOSA

Vende farinha e feijão,rapadura, açúcar e sal,mantém grande capitala bodega do Jordão.O dono dela é furão,vende tudo, até chocalho,tem grande estoque de alho,de lenha encheu um canteiro,este artigo, o bodegueirovende em grosso e a retalho.

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MOTE

Severiano* falouMas o povo não ouviu

GLOSA

Quando a corrida** findouna rua se ouviu um brado,da varanda de um sobradoSeveriano falou.Todo o povo estacionouquando a janela se abriu,gente que de lá saiume disse, o doutor é osso,fez um discurso colossomas o povo não ouviu.* Dr. Severiano Pinto, médico, então

formado no Rio de Janeiro,quando queria exibir sua oratória.

** Corrida, mesmo que vaquejada.

MOTE

O roubo em Sacramento*Aumenta de dia a dia

GLOSA

Ninguém respeita o sargento,levam na troça o fiscal,vai em progresso, afinal,o roubo em Sacramento.É de momento a momento,já fazem por picardia,porém não há garantia,contou-me Nestor Vieira,que o roubo, naquela feira,aumenta de dia a dia.* Vila, hoje Ipanguassu, município

desmembrado de Santana do Matos.

MOTE

São dezenove quesitosDepondo contra Macedo*

GLOSA

IHouve palmas, houve gritos,todo mundo se alegrouquando João Celso bradou:são dezenove quesitos.Uns rapazes expeditosforam contar mesmo a dedo,e um deles, saindo azedo,disse para os outros:figa! tem gente como formigadepondo contra Macedo.

IISaiu soldado aos gritos,todos os sinos tocarame os meninos propalaram:são dezenove quesitos.Oh! que diabos malditos,parece não há segredo,mas que a todos mete medo,pois viram na Intendênciamuita gente na audiênciadepondo contra Macedo.

IIICacá** propalou aos gritos,conforme a lei do País,João Celso disse ao Juiz:são dezenove quesitos.Assim disseram os peritose não pediram segredo,de cima de um arvoredoum molecote gritou:eu aqui também estoudepondo contra Macedo.* Macedo, fazendeiro em Açu.** Cacá, Manoel Marcolino de Vasconcelos,

Oficial de Justiça, muito estimadona Comarca.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Foi chegada a minha horaMeus filhos ficam sem pai

GLOSA

Valha-me Nossa Senhora,Jesus Cristo Redentor,pelo que vejo, Senhor,foi chegada a minha hora.Eu me vou de barra a foracomo todo mundo vai,dou por despedida um ai,diante desse fracassose Deus não meter o braçomeus filhos ficam sem pai.

MOTE*

Zé Leão** quase se cagaQuarta-feira na novena.

GLOSA

Quase faz do cu bisnagaapertado em plena rua,ontem ao clarão da luaZé Leão quase se caga.Porém encontrando vagapôde fazer quarentena,com franqueza tive penapor vê-lo tão apertado,foi feliz não ter cagadoquarta-feira na novena.* Apud "Eu Conheci Sesyom", de

Francisco Amorim.** José Leão era "imaginário" amador,

que deixou nome como santeiro.

MOTE

Rodolfo* dançando nuCagou em pé como boi.

GLOSA

Caso raro no Açu,querem saber o que é?foi visto no cabaréRodolfo dançando nu.Quando ele mostrou o cuas putas gritaram ôi!e um sacana que lá foime disse: pintou o sete,tocou bronha, fez minete,cagou em pé como boi.* Rodolfo, alfaiate e músico.

MOTE

A casca de guabirabaelevou-se a trinta graus.

GLOSA

Pra curar a tosse braba,segundo informa um freguês,basta usar uma só veza casca de guabiraba.É um suco de mangabaadquirido dos paus,cura os bons e cura os mausessa casca tão falada,quando foi examinadaelevou-se a trinta graus.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Vi Joca na procissãode gravata e fato novo

GLOSA

Chegou-se à religiãoembora muito recente,com traços de penitentevi Joca na procissão.Sua humilde contriçãochamou atenção do povo,seu modo de agir eu louvojoca com fé e coragemcurvou-se aos pés da imagemde gravata e fato novo

MOTE

Guabiraba é quase o cão,Já deu até pra dentista.

GLOSA

Joca no sítio Jordãoreceita e arranca dente,segundo diz o ClementeGuabiraba é quase o cão.Apesar de charlatãoé também espiritistanum certo ponto de vistaJoca engana o Satanaz,além das curas que fazjá deu até pra dentista.

MOTE

Joca viu o Ano NovoDe capacete e gravata.

GLOSA

São coisas que diz o povo,pode até causar suspeita,escrevendo uma receitaJoca viu o Ano Novo.Sobre uma mesa recovodiscutia sobre a data,deleitando uma mulataeu vi no mercado assim:Joca feito um manequimde capacete e gravata.

MOTE

Guabiraba vai comprarUm caminhão Chevrolet

GLOSA

Ontem ouvi comentáriono café de João Ribeiro,que muito breve a PinheiroGuabiraba vai comprarum carro pra transportargente para o Canindé,– ele deve usar boné –Joca nesta influênciavai comprar na nova agênciaum caminhão Chevrolet.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Joca extraiu um poldrinhoPra ganhar vinte mil réis.

GLOSA

No lugar Sacramentinhono seu descanço primeiropra mostrar que é parteiroJoca extraiu um poldrinho.A mãe desse animalzinhopresa pelas mãos e pés,rinchos deu talvez uns dez:Joca de lutar já farto,salvou a égua do partopra ganhar vinte mil réis.

MOTE

João de Souza* é um sacanaSó faltava ser cabrão

GLOSA

Dança fobó, bebe cana,em tudo mete o bedelho,toca bronha, chupa grelho,João de Souza é um sacana.Se mete na carraspanadentro da repartição;é mentiroso, é ladrão,é de uma fama corruta,é‚ corno, filho da puta,só faltava ser cabrão.* João de Souza era o APT dos Correios,

e negara o favor de um "aviso" ao poeta.

MOTE

A luz que Joca instalouCustou cinqüenta mil réis

GLOSA

Foi Joaquim quem propaloueu não sabendo de nada,mas hoje vi, é topadaa luz que Joca instalou.Seu Luiz adiantoucontando tudo a Moysés,Joca paga mais de dezfora da instalaçãoa luz do sítio Jordãocustou cinqüenta mil réis.

MOTE

Seu Joca tomou a frenteDo Partido Democrata.

GLOSA

Se julgando competente,servindo embora de crítica,da conferência políticaSeu Joca tomou a frente.Se expandindo alegremente,com pose de aristocrata,dando um laço na gravataa João Café* declarou,dizendo eu agorasou do Partido Democrata.* João Café Filho, político norteriograndense

que chegou à Presidência da República.

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Joca quebrou a tigela*Antes de ir ao Mercado.

GLOSA

Me pus de frente à janelaolhando o sítio Jordão,no dia da ConceiçãoJoca quebrou a tigela.Esperando clientela,de avental formalizado,operou um aleijado,despachou mais um freguês,tudo isso Joca fezantes de ir ao Mercado.* Quebrar a tigela é usar roupa nova.

MOTE

Guabiraba instalou luz,vai ser freguês da usina.

GLOSA

Me informei de João da Cruzjulgando não ser exato,mas hoje ví, é um fato,Guabiraba instalou luz.Não sei que efeito produzpara sua medicina,desprezou a lamparina,vamos ver no fim do mês;Guabiraba desta vezvai ser freguês da usina.

MOTE

Guabiraba no apitoManobrando o carrossel.

GLOSA

Me disseram, eu acredito,quem contou foi Zé Casado,que viu, entusiasmado,Guabiraba no apito.Aqui, acolá, um grito,tendo em mão o aranzel,com pose de menestrel,mandando seu empregado,ele à frente, engravatado,manobrando o carrossel.

MOTE

Guabiraba engravatado,Santo Deus, o que será?

GLOSA

Falando com Zé Casado,ele me disse que viu,da casa grande saiuGuabiraba engravatado.Ele muito admiradose dirigia pra lá,eu vou saber o que hácontra aquele nosso amigo,se não é isso um castigo,santo Deus, o que será?

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Glosa Glosarum - Fesceninos

MOTE

Guabiraba engravatado,Santo Deus, o que será?

GLOSA

Um camarada escovado,que gosta de palhaçada,me disse vi n'alvoradaGuabiraba engravatado.Numa cadeira sentadoolhando mesmo pra cá,versou Gregório de lárimando morte com mate,se não é um disparate,santo Deus, o que será?

MOTE

Arranca dente sem dor,Não precisa de injeção

GLOSA

Para mostrar seu valorcomo dentista perito,Joca, pra não ouvir gritoarranca dente sem dor.Faz competência a doutor,sendo, embora, charlatão,do povo chama atençãocom sua palestra franca,o dente que Joca arrancanão precisa de injeção.

MOTE

O dentista do JordãoTrabalha bom e barato.

GLOSA

Temos um cirurgiãoque está na ordem do diavai ter grande freguesiao dentista do Jordão.Trabalha com perfeiçãonão transige um só contratotudo que diz é um fatonão mente nem a caceteJoca no seu gabinetetrabalha bom e barato.

MOTE

O defeito do motorSó Guabiraba dá jeito.

GLOSA

Joaquim não pede favor,é um mecânico exemplar,porém não pôde sonharo defeito do motor,diz aqui um professorque goza de bom conceito;adianta que o defeitocada dia será mais,mesmo que chamem Thomazsó Guabiraba dá jeito.

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MOTE

Joaquim deu com o defeitoSem precisar de Thomaz.

GLOSA

Trabalhou, mas com proveito,depois de uma luta brava,quando ninguém esperava,Joaquim deu com o defeito.Todo artista está sujeito,mesmo que seja capaz,neste motor satanazum defeito apresentou,mas Joaquim desencrencousem precisar de Thomaz.

MOTE

Macário aqui na usinaGarante a luz da cidade

GLOSA

Foi embora na surdinanosso Luiz Camisão*,ficou como charlatãoMacário aqui na usina.Joaquim Paiva desatinavendo qualquer novidadepede até por caridadepra Macário ter cuidadoeste apesar de atrasadogarante a luz da cidade.* Operador-mecãnico do motor de luz, que

chegou ao Açu em 1925, adquirido porFrancisco Martins Fernandes.

MOTE

Macário sem seu LuizDeu a luz sem embaraço.

GLOSA

Sem nenhuma diretrizo movimento passou,não sei como se arrumouMacário sem seu Luiz.Ele apesar de aprendizmexia bem no cangaço,não deu-se nenhum fracassoembora com muito medo,Macário só com Alfredo,deu a luz sem embaraço.

MOTE

O motor tem estado bomNão houve mais novidade.

GLOSA

Quanto à luz, me diz Gelonficar naquilo somente,há dois dias, felizmente,o motor tem estado bom.Perguntando a Sesyom,este me diz, é verdade,mesmo eu ví clara a cidadee que continue, oxalá,de quarta-feira pra cá,náo houve mais novidade.

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MOTE

Joaquim gastou dinheiroPorém tem luz à vontade.

GLOSA

Foi, por ora, o derradeiroa fazer instalação,para ter luz no JordãoJoaquim gastou dinheiro.Pude ver que o sapateironeste ponto tem vaidade,tudo que eu falo é verdadeninguém portanto desminta.Joaquim esperdiçou trinta porém tem luz à vontade.

MOTE

O vapor de BernardinoTrabalha sem combustivo.

GLOSA

Começa ao bater do sino,termina ao cantar dos galos,tem força de dez cavaloso vapor de Bernardino.Trabalha num desatinoque não tem comparativo,eu como sou positivodigo sem nenhum temor,eu ví, de fato, o motortrabalha sem combustivo.

MOTE

Bernardino instalou luz,Vai dar bom lucro à usina

GLOSA

No Jordão fizeram cruz,ninguém pega em lamparina,pra ser freguês da usina,Bernardino instalou luz.Ele breve reproduz,já tenho quase certeza,faz da praça uma belezaassim faz quem tem dinheiro,só a luz do sapateirovai dar bom lucro à usina.

MOTE

O pé de rabo de AnaPor gosto se pode olhar.

GLOSAMeti-me na carraspana,Alexandre* acompanhoue comigo analisouo pé de rabo de Ana.Alguém dirá que é chicana,porém eu possa provar,a puta é de arrebatar,da urtiga, eu tiro aquela,pois o pé de rabo delapor gosto se pode olhar.* Alexandre, fígaro açuense, dado

a conquistas amorosas.

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MOTE

O peido que a doida deuQuase não cabe no cu.

GLOSA*

Eu conto o que sucedeuna sombra da gameleirafoi um tiro de ronqueirao peido que a doida deu.Toda terra estremeceu,abalou todo o Açu,ela mexendo um angu,tira a perna para um ladodá um peido tão danadoQuase não cabe no cu.* Há uma segunda versão:

"Isto ontem aconteceudebaixo da gameleira,foi um tiro de ronqueira,o peido que a doida deu.Toda a terra estremeceuabalou todo o Açuela mexendo um angupuxou a perna de ladodeu um peido tão danadoquase não cabe no cu.

MOTE

Pude iludir uma cega,Dei-lhe uma foda no cu.

GLOSA

Saindo de uma bodegade meio lastro a queimado,com muito jeito e agradopude iludir uma cega.Rolando na beldroega,fazendo vez de muçu,pra furnicar me pus nu,faz tempo mas me recordo:virei a cega de bordodei-lhe uma foda no cu.

MOTE

Eu fiz um saco de meiapra suspender os colhões.

GLOSA

Senti grossa a cordoveia,quando vi, fiquei doente,apressado, incontinenteeu fiz um saco de meia.Depois da bruaca cheiasuspendi por dois cordões,senti doer os tendões;onde a mulher tem tabacoeu não tenho, uso o meu sacopra suspender os colhões.

MOTE

O saco que eu sempre usavaNão cabe mais os colhões

GLOSA

Por esta não esperava,de tristezas estou carpido,hoje vi, está perdidoo saco que eu sempre usava.Foi uma sentença bravapra tirá-la em grilhões,porém alego as razõespara as quais tenho de sobra,o saco deu uma dobranão cabe mais os colhões.

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MOTE

Se Celina me matar,Ninguém tenha dó de mim.

GLOSA

Não posso mais suportar,é‚ grande a minha paixão,perdôo de antemãose Celina me matar.Se dela me aproximarterei um prazer sem fim;se alguém me vir assimchupando o beicinho dela,se eu morrer fodendo nela,ninguém tenha dó de rnim.

MOTE

Celina* cravou MacárioDeixou Bitinha** na mão.

GLOSA

Num pequeno comentáriose dizia, com vantagem,que com enorme fogagemCelina cravou Macário.Quase mata o funcionáriode sarna, chato e bubãoe mais tima purgaçãoque vem deitando a negrada.Essa puta engalicadadeixou Bitinha na mão.* Celina, antiga prostituta de muitas gerações

do Açu.** Bitinha, alcunha de Luizinho Pinheiro.

MOTE

O quartel desta cidadeTransformou-se em hospital.

GLOSA

Por dever de humanidadeo governo decretouem asilo transformouo quartel desta cidade.Causa dó e piedadeneste momento atuala força policialse acha toda doente,nosso quartel, finalmente,transformou-se em hospital.

MOTE

Lampeão faz muito medoPorém Ribeiro* faz mais

GLOSA

Eu digo e peço segredo,cangaceiro não faz graça,por toda parte onde passaLampeão faz muito medo.Vou me meter num degredopra poder viver em paz,pois além de perspicazLampeão é destemido,faz medo por ser bandidoporém Ribeiro faz mais.* José Ribeiro, fiscal do Departamento

da Fazenda do Estado.

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MOTE

Zé Ribeiro em piratagemÉ pior que Lampeão.

GLOSA

Eu digo aqui de passagemnão me chamem de mofino,dá bolo em Pedro SolinoZé Ribeiro em piratagem.No artigo gatunagemé perito o manganão,para ele gaviãoé creatura inocente,Zé Ribeiro, minha genteé pior que Lampeão.

MOTE

Zé Ribeiro em PiratagemÉ pior que Lampeão.

GLOSA

São coisas da reportagemnão afirmo ser exato,só sei que dá bolo em rato,Zé Ribeiro em piratagem.Aqui só numa passagematacou sem exceção,deixou o povo no chão,carregou todo dinheiro,este fiscal desordeiroé pior que Lampeão.

MOTE

O fiscal José RibeiroEnganou José Nogueira.

GLOSA

Se fazendo prazenteiro,de acordo com seu sócio,fez aqui grande negócio,o fiscal José Ribeixo.Multou a José Pinheiro,multou Xicó de Oliveirasomente por uma asneiranem sequer era infração,esse fiscal charlatãoenganou José Nogueira.

MOTE

O fiscal José RibeiroEnganou José Nogueira

GLOSA

Com cara de aventureirodaqui, com negócios feios,conduziu os bolsos cheioso fiscal José Ribeiro.Ele tinha um companheirobesta, pedante e chaleiraRibeiro na dianteiramultou Bilé, mas, sem jeito,depois de tudo isto feitoenganou José Nogueira.

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MOTE

Vinte e três foram multadosPelo fiscal Zé Ribeiro

GLOSA

Muitos estão assombrados,o queixume é em geral,na várzea, pelo fiscal,vinte e três foram multados.Todos, sem jeito, coitados,ficaram sem o dinheiro,fazia pena o berreiro,além da multa a desfeita,esta desgraça foi feitapelo fiscal Zé Ribeiro.

MOTE

Ribeiro em sua excursãoVendeu açúcar e farinha.

GLOSA

Homem de mau coração,é um fiscal de barriga,multou até rapariga,Ribeiro em sua excursão.Quase multa um aleijãoporém este nada tinha,quis tomar-lhe uma galinha,fez pior que cangaceiro,nesta praça Zé Ribeirovendeu açúcar e farinha.

MOTE

Ribeiro em sua excursãoVendeu açúcar e farinha.

GLOSA

É pior que carnicão,por dinheiro ele é danado,multou um pobre aleijado,Ribeiro em sua excursão.Multou mais um anciãoque nem mais a vista tinha,disse em conversa a Zequinha:sou fiscal, não faço graça,Zé Ribeiro nesta praçavendeu açúcar e farinha.

MOTE

Bebeu garapa de graçaMas multou o garapeiro.

GLOSA

Aqui com grande ameaçaeste fiscal infelizna bodega do Raiz*bebeu garapa de graça.Feito um cachorro de raçaquando está em desespero,açambarcando dinheiro,bancando de autoridade,bebeu garapa à vontademas multou o garapeiro.* Chico Raiz, nome dado em função do ramo

de negócio desse cidadão no Mercado, ondevendia plantas medicinais e tinha um caldode cana.

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MOTE

Ribeiro multou Xicó,Xico Martins e Bilé*.

GLOSA

Feito cachorro cotóladrando até com o vento,na feira de SacramentoRibeiro multou XicóMais duro que pedra mó,metido a tamandaré,quase deu-lhe um ponta-pé,logo após, incontinente,multou traiçoeiramente,Xico Martins e Bilé.* Manoel de Xicó, comerciante e político

em Sacramento.Xico Martins, Francisco Martins Fernandes, mais alto comerciante do Açu.Bilé Soares, comerciante, proprietário no município.

MOTE

Foi multado Zé SantanaMas pagou com gasolina.

GLOSA

Lá numa vila serranaque chamam São Rafael,sem haver grande aranzel,foi multado Zé Santana.João Alfredo é quem se danapor não provar desta usina,e diz ao escrivão: é sinadesse fiscal tão malvado,Zé Santana foi multadomas pagou com gasolina.

MOTE

Foi multado Zé SantanaMas pagou com gasolina.

GLOSA

Com cara de ratazanaporém bancando de ordeiro,pelo fiscal Zé Ribeirofoi multado Zé Santana.Com essa ação desumanaJoão Alfredo desatina,mas Ribeiro, na surdina,atacando ao bodegueiro,Santana não deu dinheiro,mas pagou com gasolina.

MOTE

O fiscal José RibeiroLevou um conto de réis.

GLOSA

Vinha pior que um sendeiro,liso mais do que muçu,quase escangalha o Açu,o f iscal José Ribeiro.Aqui arranjou dinheirodeu na miséria com os pés,ele e mais dois menestreis,sendo ele o mais malvado,deste comércio arrazadolevou um conto de réis.

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MOTE

O fiscal José RibeiroLevou um conto de réis.

GLOSA

É pirata e traiçoeiro,homem de coração mau,era bom meter-se em pauo fiscal José Ribeiro.Fez pior que cangaceiro,quis pisar o povo a pés,multas lavrou mais de dez,quase deixa o povo nu,só d'arranjos, do Açulevou um conto de réis.

MOTE

Zé Ribeiro foi embora,O comércio descansou.

GLOSA

Um pobre que ainda chorapor já ter sido multado,dizia em pleno Mercado:Zé Ribeiro foi embora.Esse fiscal caiporaque a muita gente atacou,desta vez ele passoubancando de aristocrata,foi embora esse pirata,o comércio descansou.

MOTE

Zé Ribeiro foi emboraO comércio descansou.

GLOSA

Aqui não teve demoranem siquer de meio dia,junto com Manoel MariaZé Ribeiro foi emborano seu automóvel esporaque, com arranjo, comprou.– Este carro ele pagousobrando ainda dinheiro –foi embora o desordeiroo comércio descansou.

MOTE

Zé‚ Ribeiro apareceuO povo está assombrado.

GLOSA

Um pobre que já sofreume disse e pediu segredo,que ainda fazendo medoZé Ribeiro apareceu.Já sei de um que correupara não ser atacado,os outros tomem cuidado,Zé Ribeiro não faz graça,só por causa de ameaçao povo está assombrado.

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MOTE

Zé Ribeiro apareceuO povo está assombrado.

GLOSA

Eu não digo quem me deuesta not¡cia alarmante:junto com seu ajudanteZé Ribeiro apareceu.Manoel Casado temeu,não veio mais ao Mercado,cedo jogou no veadolevando todo dinheiropor causa de Zé Ribeiroo povo está assombrado.

FELICIO VAZ GUEDESBananeiras/PB – Funcionáriopúblico 15.09.16 - 16.04.76

MOTE

Quanto mais dinheiro ganhoMais na pindaíba fico.

GLOSA

Nunca posso estar risonhopois a vida me consome,meu povo aumenta o que comequanto mais dinheiro ganho.Falo assim, não me acanho,ninguém faz calar meu bico,eu sou pobre, não sou rico,só trabalho pra comer,quanto mais devia termais na pindaíba fico.

MOTE

Redinha, praia formosaDotada de encantos mil.

GLOSA

Muito simpática e charmosaturística por natureza,tens requintes de nobreza,Redinha, praia formosa.Tua costa apetitosa,com o mar da cor de anil,é a maior do Brasil,tudo em ti é colossal,és vedete de Natal,dotada de encantos mil.* Redinha, praia ao Norte da cidade de Natal.

MOTE

Doutor eu não sou poetaSou curioso somente.

GLOSA

Qualquer um que saiba,veta os versos que às vezes faço,pra rimar sinto embaraço,doutor eu não sou poeta.Versejando pego a reta,com medo de muita gente,também não sou descendentede Bilac ou Mariano,pra não entrar pelo canosou curioso somente.

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MOTE

Senhor doutor das finançasSocorra um velho esquecido.

GLOSA

Hoje vivo de esperançae apelo à sua vontade,me faça uma caridadesenhor doutor das finanças.Trago nas minhas lembrançaso que me foi prometido,mas como sou precavidoe não quero aborrecer,enquanto está no podersocorra um velho esquecido.

MOTE

Foi visto um vulto roubandoOs cocos lá da Redinha

GLOSA

Toda a praia comentandoum fato que aconteceu,dizia um conhecido meu:"foi visto um vulto roubando,em um coqueiro trepando,escuro, de manhãzinha",até uma pobre velhinhasabe quem tudo afanou,Geraldo Preto* comprouos cocos lá da Redinha.* Geraldo Preto, vendedor de peixe, marido

de Dalila, a mais famosa quituteira daRedinha.

MOTE

Daqui a pouco não tenhoMerda no cu pra cagar

GLOSA

A minha palavra empenhosem qualquer contradição,dinheiro pra comprar pãodaqui a pouco não tenho.Observando eu venhoaonde se vai parar,se outro aumento chegarde gasolina ou de gásaí não terei jamaismerda no cu pra cagar.

MOTE

Se bosta fosse alimentoA Sunab tabelava

GLOSA

Pra tudo há tabelamento:carne, farinha, feijão;tinha fiscalizaçãose bosta fosse alimento.Sem qualquer constrangimentotoda esta cidade olhavaem cada esquina encontravaem grande letra um listão,merda, bosta, cagalhãoa Sunab tabelava.

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MOTE

Tenha pena de SindolfoNa hora do pau entrar.

GLOSA

Sem sentir cheiro de mofodorme com a bem-amada,na hora de uma pombadatenha pena do Sindolfo.Naquele ambiente fofo,sentindo cheiro de mar,com vontade de trepar,de cacete impaciente,amigo, seja prudentena hora do pau entrar.

MOTE

O espirro que Nero deuPôs a dentadura fora.

GLOSA

Tudo, tudo aconteceuem pleno banho de mar,saiu sem se esperaro espirro que Nero deu.O trapiche estremeceu,um paquete quase arvora,uma velha caiu na hora,menino gritou correndo,Nero com o corpo tremendo,pôs a dentadura fora.

MOTE

O pobre que nada temÉ burro, imbecil e feio.

GLOSA

Cada um dá o que tem,todo liso é desgraçado,vive sempre humilhadoo pobre que nada tem.Tudo que diz, desconvém,quando fala tem receio,só aparece no aperreiose o rico está precisando,o pobre mesmo ajudando,é burro, imbecil e feio.

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BIBLIOGRAFIA

- Uns Fesceninos - Osvaldo Lamartine - Rio - Col. Erótika Lexikon - Ed. Artenova - Rio -1970.

- Cactus (revista) -1958 - Natal - SEEC/RN.- A Arte do Poeta - Murilo Araujo - Liv. S. José - Rio –1956.- Vaqueiros e Cantadores - Luiz da Câmara Cascudo - Ed. de Ouro -1970

– Rio.- Uma Palavra Depois da Outra - Josué Montello - INL - Rio –1969.- Português Prático - José Marques da Cruz - Ed. Melhoramentos –1964.- Lembranças e Tradições do Açu - Maria Eugênia Maceira Montenegro -

FJA -1978 – Natal.- Sátiras e Epigramas de Zé Areia - Veríssimo de Melo - Nordeste Gráfica

-1979 – Natal.- O Cantar do Galo - José Leiros (Zeca Galo) - DAG Ltda. - São Paulo –

1978.- Poesias - Renato Caldas - Editora Universitária -1970 - Natal/RN.- Caderno de Notas, de João de Oliveira Fonseca.- Eu Conheci Sesyom - Francisco Amorim – 2ª. Edição - Natal.- Assu em Revista - Ano I - Out 1980 – Nº 1.- Caderno de Notas de Fernando Vaz Guedes.

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