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Giovanni Salera Júnior

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Giovanni Salera Júnior

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Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil

Direitos reservados ao autor

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Salera Júnior, Giovanni. Crônicas / Giovanni Salera Júnior. Gurupi (TO). 2010. 64 páginas; 21,5 x 29,5 cm. 1. Crônicas 2. Cotidiano 3. Filosofia I. Titulo.

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Dedico essa obra, que foi feita com muito amor e carinho,

a uma pessoa especial: minha amada Rosangela

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Apresentação

Essa obra reúne uma série de Crônicas que escrevi ao longo dos últimos anos em momentos de muita inspiração e sensibilidade.

As Crônicas podem ser consideradas poesias dos acontecimentos do dia-a-dia, pois trazem muitas verdades e fatos curiosos do nosso cotidiano.

Após observar alguns acontecimentos diários bem pitorescos procurei por meio de um toque próprio passar informações e questionamentos importantes.

As Crônicas aqui reunidas, na maioria dos casos, são textos curtos e narrados em primeira pessoa. Assim, vou “dialogando" com o leitor para passar-lhe algumas impressões pessoais que por meio de um senso crítico aguçado fui captando ao longo de situações corriqueiras.

Elas apresentam linguagem simples, espontânea, situada entre a linguagem oral e a literária, o que contribui para que o leitor se identifique com as situações reais que são descritas.

Uma parte dos textos tem caráter filosófico, tratando de questões profundas e complexas que mexem com a nossa alma, como a origem do universo e a busca de sentido para a vida.

Essa obra se inspira no trabalho de inúmeros cronistas, como por exemplo: Fernando Sabino, Helyda Rezende, Jô Soares, Leon Eliachar, Luis Fernando Veríssimo, Lya Luft, Millôr Fernandes e Zeca Baleiro.

Por meio dessas Crônicas procuro promover um momento gostoso e descontraído para pessoas diversas, sem restrições quanto à idade, gênero ou qualquer outra forma de classificação, pois se trata de um trabalho de fácil leitura e bastante informativo.

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Sumário

Como Surgiu o Universo ???, 6 Todo Brasileiro é Ladrão !!!, 9

O Grande Traidor, 14 Somos Filhos de Adão e Eva ???, 15

Os Números e a Política, 17 Onde Mora a Felicidade ???, 19

Como Surgiu a Dor do Parto ???, 21 O Crente Fantasma, 24

O que é a Amizade ???, 26 Educação Brasileira: de quem é a culpa ???, 28

O Segredo de João, 30 O que é a Beleza ???, 32

Raça e Etnia, 34 Qual o Sentido da Vida ???, 37

Amazônia: realidade ou utopia ???, 41 O que é Cultura ???, 45

Viver Sonhando ou Sonhar Vivendo ???, 47 Ilha de Marajó: sonho ou pesadelo ???, 50

Escalpelamento: uma tragédia na Amazônia, 52 Como é Viver na Amazônia ???, 54

Andanças pela Amazônia, 56 O que é Ser Mulher ???, 63

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Como Surgiu o Universo ???

Responder essa questão de forma que agrade a todos, ou pelo menos

a grande maioria, está, sem dúvida alguma, entre os maiores desafios que alguém ou qualquer instituição possa encontrar.

A origem do Universo é uma das grandes interrogações do homem, e está entre aquelas que mais geram polêmica e desentendimentos.

Existem duas linhas de respostas para essa tão intrigante questão. O primeiro grupo envolve as explicações de cunho mítico/ religioso e o segundo grupo trata das explicações científicas e filosóficas.

Aqui, apresentaremos brevemente cada um desses dois grupos de idéias e teorias.

Os mitos, as lendas e muitos dogmas religiosos apresentam diversas explicações que tratam desde a criação do mundo, o surgimento dos seres vivos, a origem da humanidade e os fenômenos da natureza (chuvas, furações, terremotos, ventos, trovões, relâmpagos, eclipses, arco-íris, etc.). Segundo diversos pesquisadores (antropólogos, filósofos, educadores, teólogos, psicólogos, psicanalistas, historiadores, etc.), tais explicações, embora às vezes aparentemente ingênuas, são importantes por mostrarem valores comunitários nas mais diversas culturas.

Os mitos cosmogônicos se destacam dos demais por tratarem da origem do Cosmos, buscando explicar como todas as coisas (seres vivos, espíritos, deuses, astros, planetas, fenômenos naturais, etc.) estão inter-relacionadas.

A cosmogonia chinesa, por exemplo, atribui a origem de todas as coisas a Pan Gu (entidade mítica), que produziu as duas forças ou princípios universais do “yin” e “yang”. O “yin” e “yang” são duas forças complementares ou os dois princípios contrários que se harmonizam e abrangem todos os aspectos e fenômenos da vida. Conforme acreditam os chineses, com a combinação desses dois princípios contrários foram formados os quatro emblemas e os oito triagramas e, por fim, todos os elementos que compõem o Universo.

Na tradição cristã, o mundo foi criado por um Deus Onipresente, Onisciente e Onipotente, que determinou sob sua própria vontade quando e como surgiriam todas as coisas. De acordo com o Livro de Gênesis, todas as coisas (planetas, cometas, plantas, animais e o primeiro casal, Adão e Eva) foram feitos por Ele em seis dias. E, conforme acreditam a maioria dos cristãos, Deus ainda interfere rotineiramente na sua obra criada.

Esses são só dois exemplos bastante conhecidos, mas, além deles, existem milhares de outras explicações para a origem do Universo. Com raras exceções, cada povo e cada grupo étnico possui sua própria

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explicação acerca desse tema. Só para se ter uma idéia do número de mitos e lendas abordando essa questão vale lembrar que atualmente no Brasil existem mais de 220 povos indígenas, cada um com suas particularidades, tradições e costumes. Sendo que muitos destes povos indígenas possuem explicações únicas e totalmente diferentes daquelas apresentadas pelos chineses e cristãos.

O segundo grupo de teorias apresenta a origem do mundo baseando-se em opiniões filosóficas e estudos científicos. A mais famosa delas é a “teoria do Big Bang” (que significa “grande explosão”), que foi proposta em meados do século XX.

Mas, antes de falar sobre a “teoria moderna do Big Bang”, é preciso apresentar como e quando no mundo ocidental ocorreu a separação entre as teorias míticas/ religiosas e o pensamento filosófico/ científico.

Durante toda a Idade Média, a versão predominante da origem do Universo para o mundo ocidental estava intimamente ligada à “teoria Criacionista” do cristianismo católico. No período do Renascimento, pouco a pouco, as concepções tradicionais do cristianismo sobre a criação foram deixadas de lado pela maioria dos filósofos e cientistas.

O filósofo inglês John Locke (1632-1704) não aceitava a criação como obra “ex-nihilo” (criação a partir do nada). Para John Locke, a origem do Universo só poderia ter ocorrido a partir da elaboração de matéria preexistente. Partindo dessas idéias, diversos filósofos como o holandês Baruch de Spinoza (1632-1677), o escocês David Hume (1711-1776) e os alemães Immanuel Kant (1724-1804), Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), Friedrich W. J. von Schelling (1775-1854), deram enormes contribuições nessa polêmica questão. Essas contribuições culminaram com a concepção de Georg W. Friedrich Hegel (1770-1831), que não conseguia imaginar a idéia de Deus sem a existência do mundo. A criação, para Hegel, é concebida em sentido naturalístico, como evolução, ou em sentido idealístico, como atividade universal do espírito.

Dando seqüência às idéias desses filósofos e com a contribuição de diversos outros pesquisadores, na década de 1920, os russos Alexander Alexandrovich Friedmann (1888-1925) e Abbé Georges Lemaître (1894-1966) apresentaram uma primeira versão sobre a “teoria do Big Bang”. Um pouco depois, na década de 1940, um grupo de pesquisadores chefiado pelo americano George Anthony Gamow (1904-1968) apresentou uma versão modificada dessa teoria e que está em uso até os dias de hoje.

Segundo George Gamow, o universo expandiu-se rapidamente a partir de um estado inicial de alta compressão, o que teve como resultado uma significativa redução de densidade e temperatura. Logo depois, a matéria passou a predominar sobre a antimatéria. Depois de alguns segundos, com a possível presença de alguns tipos de partículas elementares, o universo teria se resfriado o suficiente para surgirem núcleos de gases, tais como: hélio, lítio e hidrogênio. Após isso, formaram-se os primeiros átomos. E, em seguida, houve o preenchimento do universo através de sua expansão.

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Tudo isso, desde os primeiros estágios iniciais do surgimento do Universo, passando pela formação de galáxias e sistemas planetários até chegar aos dias atuais, transcorreu em um período de aproximadamente 15 bilhões de anos.

Vale lembrar que ao longo das últimas décadas, a “teoria do Big Bang” ganhou inúmeras outras contribuições através de diversos estudiosos, como por exemplo, os americanos Arno Allan Penzias (1933-) e Robert Woodrow Wilson (1936-), e o britânico Stephen William Hawking (1942-). E, na mesma proporção que a “teoria do Big Bang” ganhou adeptos, inúmeros também foram aqueles que se aglomeraram em torno da tentativa de difamá-la e combatê-la.

Mas, independente de cremos ou não em qualquer uma dessas teorias, o mais importante que cada um de nós pode fazer é pensar no presente e no futuro que queremos deixar para as próximas gerações. Pequenas atitudes individuais e coletivas, tais como respeito ao próximo, maior tolerância às diferenças, luta contras as desigualdades sociais, interesse na preservação do meio ambiente, entre tantas outras, podem ser fundamentais para garantirmos um futuro promissor para nossos descendentes.

É nisso que temos que nos concentrar, pois certamente que essas polêmicas acerca da origem do Universo ainda vão continuar por um longo tempo. E se ficarmos envolvidos unicamente nessas polêmicas acerca do passado, nós corremos o risco de esquecer nosso presente e o futuro que queremos.

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Todo Brasileiro é Ladrão !!!

Outro dia, como de costume, fui à banca de jornal para ler uma revista.

E, poucos instantes após começar a folheá-la, eu fui surpreendido com uma conversa acalorada de duas pessoas que entraram ali.

Um deles, um senhor muito bem vestido, que trajava um terno finíssimo e sapatos perfeitamente engraxados, esbravejava, em alta voz, uma frase que chamou minha atenção e também surpreendeu as demais pessoas que estavam naquele local.

“Todo brasileiro é ladrão”, dizia ele. Naquele momento, era impossível deixar de prestar atenção no diálogo

que se seguiria. Esse senhor, a partir de então, começou a apresentar uma série de

argumentos para justificar a sua opinião acerca da afirmação dita: “todo brasileiro é ladrão”.

Aqui, procuro de modo breve apresentar as principais idéias e narrativas ouvidas naquele dia.

Logo após repetir que “todo brasileiro é ladrão”, ele passou a fazer comparações do nosso povo com pessoas de outras nações: “os franceses são pessoas finas e educadas, os ingleses são arrogantes e frios, os suíços são liberais, os japoneses são inteligentes, os portugueses são burros e os brasileiros são ladrões”.

Ele disse também: “o brasileiro nasce, cresce, trabalha, reproduz e, tudo isso, com um só objetivo, que é roubar, roubar e roubar”. E dizia mais: “não importa a raça, a cor, a idade, o sexo ou a religião, todos são iguais. Todos brasileiros têm a mesma essência, que é roubar, roubar e roubar”.

Nesse momento da conversa, eu pensei que se tratava de uma pessoa estressada ou de um cidadão desapontado com um fato cotidiano qualquer, que estava simplesmente desabafando em um local público. Naquele instante, eu achei que só ouviria as mesmas reclamações de sempre ou a repetição de velhos preconceitos. Pois, todos nós sabemos que muitas pessoas quando estão nervosas e querem justificar um determinado problema acabam usando idéias preconceituosas, como por exemplo, a de que a mistura das três raças (branco português, negro africano e índio) é a razão primordial para todos os nossos males. Mas, ao invés disso, a longa conversa que se seguiu tomou outro rumo.

E, enquanto eu pensava em retornar à leitura da minha revista semanal, ele novamente repetiu: “todo brasileiro é ladrão”. E, gesticulando rapidamente os braços, prosseguiu dizendo: “aquele que nega isso, além de ser ladrão é também um grande mentiroso”.

Nesse momento, ele foi interrompido pela outra pessoa, que passou a

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questioná-lo sobre o embasamento de tais idéias. O outro senhor, que tinha os cabelos e barbas grisalhas e também estava muito bem trajado, parecia interessado no esclarecimento daquelas colocações. E, não só ele, mas, com certeza, todos os demais ouvintes que estavam ali.

Então, o narrador passou a apresentar uma série de explanações pormenorizadas.

Aquele senhor elegante detalhou uma série de teorias usando exemplos que iam desde Sigmund Freud (o pai da psicanálise), passando por textos sagrados da Bíblia e do Alcorão (principal livro do Islamismo), chegando até ao cinema americano, citando, como por exemplo, a série de filmes “Guerra nas Estrelas”, do diretor Steven Spielberg.

Para ele, cada sociedade apresenta determinado número de particularidades que acabam diferenciando uma das outras. Entre tais características ele citou: a língua, os traços físicos (cor da pele, estatura etc.) e os costumes e valores. Mas, além disso, ele afirmou também que alguns defeitos de caráter estão mais presentes em determinados grupos. E que o roubo seria algo natural aos brasileiros.

Conforme ele pensa, toda a sociedade brasileira está alicerçada na prática do roubo. Para justificar isso, ele citou diversos exemplos pessoais, que mostravam sua considerável experiência de vida e seu amplo conhecimento de várias instituições públicas e privadas. Vale ressaltar que essa conversa foi bastante longa e que vários nomes, sobrenomes, datas e locais foram exaustivamente citados e repetidos.

De modo geral, independente da vertente que ele usava (a psicanálise, a religião ou a ficção científica), todas as explicações deixavam claro que o brasileiro tem uma “qualidade nata principal”, que é roubar, roubar e roubar.

Conforme afirmou, toda a sociedade brasileira está alicerçada na prática do roubo. Para ele, uma pessoa só terá ascensão social e econômica se tiver essa “característica” bem desenvolvida. Se uma pessoa não desenvolvê-la, ela jamais será bem sucedida, ou seja, terá uma vida de frustrações e desgraças. Mas, conforme explicou bem detalhadamente, nem todos os brasileiros desenvolvem essa “característica”, o que é raríssimo e extremamente atípico. Tais pessoas são “defeituosas” ou “anormais” e acabam sendo “eliminadas” ou “descartadas” pelo nosso sistema social.

A “força da seleção natural” conduz a pessoa “anormal” (ou seja, a pessoa “não-ladra”) ao fracasso social, disse ele.

Todo brasileiro, como qualquer pessoa, tem desejos e vontades. Mas, o que “leva” ou “conduz” um brasileiro a casar, desejar um emprego, praticar um esporte ou buscar uma religião, trata-se de uma única coisa: “querer roubar, roubar e roubar”.

Muitos brasileiros inconscientemente não sabem disso, mas, ao longo dos anos e nas condições adequadas, essa “característica” vai acabar dominando totalmente sua vida.

Para ele, quando uma pessoa não tem consciência que “todo brasileiro é ladrão”, essa pessoa trata-se de uma “anormal”, ou seja, ela não entende

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como se processam as relações dentro de nossa sociedade. E ele fez um desafio ao ouvinte: “veja as pessoas à sua volta e

comprove isso!!!”. Muitas pessoas não são, a princípio, dominadas pelo desejo

incontrolável de roubar, roubar e roubar. Mas, à medida que elas estão num ambiente propício a essa prática, o desenvolvimento dessa “característica” de querer roubar, roubar e roubar se manifesta rapidamente. Muito rapidamente!!!

Pode parecer estranho, mas, quando o narrador se referia a “característica especial de todo brasileiro”, ele sempre citava três vezes: “roubar, roubar e roubar”.

E, novamente, o narrador foi interrompido pelo ouvinte, que questionou acerca do papel da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário nessa questão.

Nesse instante, o narrador parou, tomou um refrigerante e, após uma longa pausa, prosseguiu mais calmo, gesticulando menos e falando bem mais baixo.

“Eu atuo no Judiciário e, lá, já presenciei inúmeras coisas”, disse ele. E prosseguiu dizendo: “quando uma pessoa ‘anormal’ (ou seja, uma

pessoa que não desenvolveu a “característica” de querer roubar, roubar e roubar) procura uma Delegacia e relata um determinado crime; nada acontece. Ou se essa mesma pessoa vai ao Ministério Público e faz uma queixa; nada acontece novamente. E, quando este problema chega ao Judiciário é da mesma forma, nada acontece”. Sabe por quê? Indagou o narrador.

O funcionário público que está ali ouve tudo, registra a queixa e passa orientações. Tudo isso é feito de forma que a pessoa “anormal”, muitas vezes, pensa que o problema será resolvido. Mas, na verdade, o que acontece é que o funcionário público (digo o “brasileiro ladrão”) simplesmente passa a ficar mais informado acerca das pessoas que tem as “características” bem desenvolvidas, ou seja, ele (“o funcionário público ladrão”) fica conhecendo melhor seu aliado (o outro “brasileiro ladrão” que foi alvo da denúncia). E, passa então a defendê-lo. No nosso país existe uma rede gigantesca de ladrões defendendo outros ladrões. É por isso que ninguém que ocupa cargo público e comete inúmeros crimes vai preso. Nessas situações, o que ocorre é que a pessoa “anormal” não sabe que ela está “entregando o ouro ao bandido”.

Como assim? Perguntou o ouvinte. A partir desse momento, o narrador passou a dar inúmeros exemplos

de pessoas muito conhecidas em nossa cidade. Você se lembra do “Fulano”, aquele contador de renome? Todo mundo

sabe que ele é o mais bem sucedido contador da nossa cidade. E, quando um grande empresário tem um problema na Receita, ele resolve rapidinho.

Você se lembra daquele Gerente do Banco “Tal”? Quando alguém quer ter um financiamento alto, basta dar uma comissão que tudo se resolve.

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Você se lembra do “Beltrano” da Secretaria de Agricultura? Se um produtor rural tem problemas, ele resolve com muita facilidade.

Após alguns exemplos, o ouvinte interrompeu o narrador para fazer uma colocação, e disse: “todos esses exemplos que você acabou de citar envolvem valores financeiros”.

Mas, daí em diante, o narrador passou a apresentar outros exemplos. Você se lembra daquele caso de abuso sexual na Igreja “Tal”? Sabe

por que não deu em nada? O médico “Tal”, aquele que fez a perícia, tem uma clínica famosa na cidade. E, na clínica dele, qualquer um que pagar bem pode fazer um aborto. E o Delegado “Sicrano”, responsável pelo caso, era freqüentador da mesma Igreja.

Você lembra quando a Prefeitura fraudou aquele concurso? Sabe por que não deu em nada? Um dos Promotores era primo do Secretário “Tal” e o outro é padrinho de casamento do Vereador “Tal”.

Você lembra quando aquele jovem bêbado atropelou aquelas pessoas que estavam paradas no ponto de ônibus? Sabe por que não deu em nada? O tio dele era amigo do Comandante de Polícia “Tal”. Eles freqüentam a Loja Maçônica “Tal”.

“Um cidadão “anormal” (aquele que não desenvolveu a “característica” de roubar, roubar e roubar) não entende essa “rede de relações” que existe entre as mais diversas pessoas e instituições”, disse o narrador.

Nesse momento ele pediu que o ouvinte fizesse uma pequena reflexão, dizendo: “observe a sua volta!!!” “Veja quem são as pessoas que estão ocupando os cargos importantes !!!” E completou: “só é promovido em uma instituição pública ou empresa privada quem entende isso e quem procura desenvolver essa característica especial”.

“E, o pior de tudo, é que o cidadão “anormal” não sabe que ele é uma peça fundamental nessas relações”, enfatizou o narrador.

Como assim? Questionou o ouvinte. Quando o cidadão “anormal” procura uma Delegacia, o Procon, o

Ministério Público ou faz uma confissão na Igreja. Ele, na verdade, está alimentando a rede de relações, ou seja, o cidadão “anormal” está repassando a informação ao “brasileiro ladrão”, que rapidamente sairá em auxílio de seu aliado (o outro “brasileiro ladrão”). É dessa forma que todo o cidadão “normal” (ou seja, o “brasileiro ladrão”) se dá bem e o cidadão “anormal” (ou seja, a “pessoa não-ladra”) é frustrado e excluído.

E, quando o cidadão “anormal” percebe esse “sistema” ou essa “rede de relações”, ele logo se interessa e começa a fazer parte dele. Basta para isso que somente desenvolva sua “característica natural” (roubar, roubar e roubar!!!).

Entendeu agora por que “todo brasileiro é ladrão”? Indagou o narrador. E, desafiou o ouvinte novamente, dizendo: “quem não faz parte dessa

rede”? E, completou afirmando que quem não faz parte dessa “rede de

relações” trata-se de alguém “anormal” e “defeituoso”, que certamente

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sofrerá muito por isso. E, para minha surpresa, o ouvinte, ao final de tudo, concordou com o

narrador, falando: “eh, você tem razão mesmo”. “Todo brasileiro é ladrão !!!”. Após isso, eles pagaram a conta e foram embora num carrão de luxo

que estava estacionado na frente da banca. Eu ainda fiquei ali pensando naquela conversa e lembrando-me de

inúmeros casos e situações que pareciam concordar com aquelas colocações.

Uma das coisas que mais me surpreendeu é que estava certo que se tratava de pessoas cultas e de bom poder aquisitivo. E isso é algo, no mínimo, impressionante, pois, quando se pensa na origem de uma idéia como essa (“todo brasileiro é ladrão!!!”), logo se imagina que isso está partindo de uma pessoa iletrada, esfomeada ou louca. Mas, para surpresa de todos que estavam ali, ficava claro que não se tratava de ninguém com desequilíbrio mental ou problemas financeiros. Todos sabiam também que eles não eram estrangeiros etnocêntricos, pois o sotaque e o Português fluente mostravam claramente que eram autênticos tupiniquins.

E o pior de tudo é que ele realmente parecia acreditar profundamente naquilo que dizia.

Nós temos visto um número tão grande de problemas envolvendo inúmeros crimes, nas mais diferentes áreas de nossa sociedade, que, muitas vezes, perdemos as esperanças e passamos a acreditar que os destinos do cidadão de bem e da nossa nação são os piores possíveis.

E, ainda hoje, quando me lembro desse dia, eu me pergunto: “todo brasileiro é ladrão”?

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O Grande Traidor

Ao longo de nossa vida, cada um de nós acaba conhecendo inúmeras

pessoas diferentes. Em nosso dia-a-dia conhecemos muitos Josés, Marias, Adrianos, Fernandas e Andrés, entre tantos outros. Mas provavelmente nenhum de nós, por mais longa vida que tenha, vai conhecer uma pessoa chamada Judas.

Todas as pessoas conhecem o nome Judas, mas nenhum pai ou mãe em sã consciência é capaz de colocar esse nome em seu filho.

Para constatar essa realidade, basta apenas fazer um esforço de memória e tentar lembrar quantas pessoas você conhece que se chamam Judas. Para confirmar isso de outra maneira, você pode checar a lista telefônica ou ir a um cartório de sua cidade e buscar nos registros. Provavelmente você não encontrará nenhum com esse nome. E isso tudo graças ao conhecidíssimo Judas Iscariotes – um dos doze discípulos de Jesus.

Há cerca de 2000 anos atrás, o Filho de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo esteve entre nós pregando, ensinando, multiplicando pães e peixes, curando enfermos e abençoando vidas – só fazendo o bem às pessoas.

Todo esse tempo Ele esteve acompanhado de seus discípulos e, segundo vários clérigos e teólogos, Judas Iscariotes estava ali, lado-a-lado, recebendo toda atenção, carinho, confiança e amor do Mestre. Mas como todos nós sabemos, em retribuição, Judas Iscariotes traiu seu Senhor – entrando para a História como o maior traidor de todos os tempos.

O pior de tudo é que essa História triste ainda se repete em nossos dias, pois, aqui bem perto de nós, aqui mesmo em nosso Estado, existem muitos “Judas Iscariotes” nos traindo diariamente, quer seja em nossos relacionamentos afetivos, quer seja em nossos círculos de amizade e, principalmente, na Política.

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Somos Filhos de Adão e Eva ???

No último sábado eu resolvi fazer uma visita a um amigo. Nesse

objetivo, eu fui até o ponto de ônibus mais próximo de minha casa para pegar uma lotação, mas, não sabia que, naquele lugar, presenciaria um acontecimento bastante marcante.

Alguns instantes após a minha chegada ali, um casal se aproximou e sentou ao meu lado. E, em seguida, eles iniciaram uma conversa longa que tratava de um tema bastante polêmico: “a origem da vida e a criação do Homem”.

O primeiro a iniciar sua argumentação foi o rapaz. Ele era loiro, bastante alto, estava trajado em estilo social e tinha nas mãos alguns livros e uma Bíblia. Durante toda a primeira parte do diálogo, a moça que o acompanhava esteve atenta e participativa. Ela tinha um biótipo bastante diferente em relação ao rapaz. Sua estatura era mediana, tinha pele cor de jambo, cabelos cacheados e um sotaque característico da região Nordeste do Brasil. Além disso, suas roupas tinham um estilo mais despojado, com cores e formas atraentes.

Como pude perceber logo, aquele casal não tinha apenas personalidades e gostos diferentes, pois, além dessas diferenças, cada um deles apresentava uma idéia totalmente diversa acerca do tema abordado.

O rapaz iniciou sua argumentação apresentando a mais popular teoria cristã acerca da origem do universo e da humanidade. Conforme suas próprias palavras, ele é adepto da “Teoria do Criacionismo”, que versa acerca da origem da vida como sendo fruto da ação divina.

Para ele, o universo foi criado em seis dias e todos nós somos filhos de Adão e Eva, que após terem sido expulsos do Jardim do Éden, deram origem à humanidade como a conhecemos. O Jardim do Éden estava situado na região do Oriente Médio, onde atualmente estão o Estado de Israel e diversos países árabes, como por exemplo, Irã, Iraque e Arábia Saudita. A partir dessa região, os descendentes de Adão e Eva saíram para povoar o mundo todo, o que nos torna, portanto, irmãos e irmãs, todos filhos de um mesmo casal.

Nesse instante, eu já não estava mais preocupado com o atraso do ônibus. Na verdade, estava desejando que ele demorasse mais um pouco, pois estava curioso para saber qual seria a opinião dela.

Após ouvi-lo atentamente, ela então começou a apresentar suas idéias. Para ela, o mundo e todos nós tivemos uma origem totalmente diversa daquela narrada anteriormente. Para justificar tal idéia, aquela moça apresentou uma série de argumentos recheados de termos técnicos e expressões, para mim, desconhecidas e um pouco estranhas. Mas, de modo

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geral, ela disse que a origem do universo remete a um passado distante, passando por diferentes fases, cheias de eventos complexos. E, enfatizou ainda que, durante todo esse transcurso, desde seu início até o surgimento do Homem, não houve interferência de nenhuma força sobrenatural, ou seja, nada disso foi fruto da ação divina.

Aqui, estou apresentando apenas alguns poucos detalhes dessa conversa, pois, conforme meus cálculos, todas as colocações e argumentações demoraram cerca de 40 minutos.

Mas, ao final de tudo, eu saí dali com uma grande lição que quero carregar por toda a vida. O que mais me marcou naquela conversa não se trata de nenhuma das justificativas apresentadas, mas do comportamento que eles apresentaram frente a um tema tão complexo como esse.

Eu já havia presenciado inúmeras situações de amigos e conhecidos debatendo acerca de temas complexos e polêmicos como esse. Já vi inúmeras pessoas tratando de assuntos ligados à religião, política, futebol, sexualidade, aborto, pena de morte, eutanásia, e o que recordo é que, na grande maioria das vezes, as pessoas perdem as estribeiras, partindo para xingamentos e ofensas verbais, e em alguns casos, até para agressões físicas.

Mas, naquele dia, tudo foi bastante diferente. Ambos apresentaram suas idéias com clareza, convicção e, o mais importante de tudo, com educação e respeito, demonstrando que independente das divergências que temos acerca do passado, cada um de nós deve estar consciente que o nosso futuro depende de nós. E, se queremos viver num mundo melhor, nós precisamos buscá-lo agora, começando a respeitar as diferenças e querendo viver em harmonia com nosso próximo.

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Os Números e a Política

Os números estão tão presentes no nosso dia-a-dia que, muitas vezes,

não paramos para perceber que eles estão carregados de simbolismo, ou seja, a cada um deles podem estar relacionados inúmeros valores e diversificadas associações.

Recentemente, ouvi um relato bastante curioso sobre como uma pessoa ocupando um cargo de decisão determinou uma ação em nosso Estado, seguindo princípios da numerologia (ciência que estuda o simbolismo dos números).

Segundo o que me foi narrado, a escolha da localização dos 6 (seis) primeiros Postos da Polícia Rodoviária Federal (PRF) situados no trecho da BR 153 (Belém- Brasília) que corta o Estado do Tocantins foi baseada na kilometragem associada ao número “6”.

Vejam só!!! O primeiro Posto da PRF, localizado próximo à divisa do Tocantins com o Maranhão, situa-se no município de Palmeiras e está nas proximidades do kilômetro “6”.

O segundo Posto, localizado no município de Araguaína, está no kilômetro 132. Basta você somar 1+3+2 e você terá o número “6”.

O terceiro Posto, localizado em Guaraí está no kilômetro 330. E somando: 3+3+0 = “6”.

O sexto Posto, localizado em Alvorada está no kilômetro 762. E somando: 7+6+2 = 15. E somando novamente: 1+5 = “6”.

O quinto Posto, localizado em Gurupi está situado nas proximidades do kilômetro 666. Vejam só, três números “6” juntos!!!

Eu fiquei realmente surpreso!!! Mas, assim como você, eu também questionei sobre o quarto Posto, localizado em Paraíso. Ele informou-me que a construção do Posto da PRF em Paraíso estava planejada para ocorrer no kilômetro 492, que somando 4+9+2=15; E somando novamente: 1+5 = “6”. Mas como o responsável pela obra, que era uma pessoa muito religiosa, não queria que isso acontecesse, desobedeceu às ordens superiores e construiu o Posto no kilômetro 496, o que conforme sabemos não permite uma associação precisa ao número 6, pois 4+9+6 = 19. E disse-me ainda que, o funcionário religioso e desobediente foi severamente punido por isso.

Em uma viagem recente, eu pude conferir as kilometragens de alguns Postos da PRF, e de outros, eu confirmei por telefone através do número 191. E fiquei boquiaberto, pois as kilometragens citadas realmente coincidem!!!.

Com certeza, cada um de nós possui inúmeros relatos e testemunhos semelhantes ao narrado aqui.

Eu não estou aqui querendo verificar a veracidade da narrativa

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apresentada, nem muito menos quero discutir os possíveis valores e representações associadas ao número “6”. O que eu quero é dizer que, muitas vezes, pessoas ocupando cargos de decisão, tais como políticos (presidentes, governadores, prefeitos etc.), e também outras autoridades (juízes, promotores, fiscais, delegados etc.), utilizam interesses e valores pessoais nas suas decisões e escolhas.

Nós sabemos que pessoas inescrupulosas e corruptas, ao tomarem suas decisões, não usam princípios lógicos e fundamentação técnica, nem muito menos se preocupam com o bem estar da sociedade, pois tais pessoas só pensam em si mesmas e em seus interesses particulares.

Agora que nós estamos passando pelo período eleitoral, quero dizer que é hora de refletirmos e pensarmos naqueles políticos e representantes que queremos eleger!!!

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Onde Mora a Felicidade ???

Muitas pessoas desejam tanto encontrar a felicidade, mas nunca

acertam o endereço, o que torna suas vidas frustrante e triste. Ainda jovem iniciei uma jornada para encontrar esse sentimento tão

especial. Assim, fui percorrendo inúmeros caminhos, vivendo situações bem diversas, com tantas pessoas diferentes que é impossível enumerar todas elas.

E, após trilhar estradas tortuosas e atalhos duvidosos, nos quais experimentei tantas coisas inusitadas, exóticas e até inimagináveis para muitas pessoas, fui entendendo onde mora a felicidade. Agora, sei plenamente o que devemos fazer para encontrar sempre a felicidade, o que me faz querer partilhar isso com todos.

A felicidade é bem parecida com os povos nômades, como os ciganos, os artistas circenses e alguns de índios da Amazônia. Como sabemos, esses grupos nômades não têm um endereço exato, pois estão em constante mudança, sempre buscando novos lugares para trabalhar e viver. Esses povos nômades se mudam constantemente, o que torna difícil precisar o próximo lugar onde eles fixarão nova parada. Da mesma forma ocorre com a felicidade, pois ela é um sentimento itinerante, sem endereço fixo, que para ser encontrada nos leva a empreender uma busca constante.

A felicidade é passageira, e quando menos esperamos, ela se vai para bem longe. Inesperadamente ela some de nossa vida. Às vezes ficamos de bobeira, entretidos com tantas coisas e, quando caímos em si, a felicidade se mudou silenciosamente e sem dizer para onde foi.

Acho que todo mundo lembra-se de ter passado momentos incríveis de alegria e satisfação. Alguns desses momentos são tão felizes que às vezes chegamos a pensar que a felicidade nunca mais nos deixará. São momentos nos quais acreditamos que a felicidade estará atada a nós para sempre, por toda vida. Mas, essa idéia é um simples equívoco, pois pensar que a felicidade vai se fixar permanentemente num só lugar não passa de um ledo engano. Ela tem uma característica irrequieta, o que a leva mudar-se continuamente e repentinamente, sempre.

É verdade que algumas vezes a felicidade se fixa mais demoradamente num lugar, por certo período, mas invariavelmente sua estada é curta, bem mais curta do que gostaríamos. Assim, ela vai mudando constantemente de um lugar a outro. É desse jeito continuamente, por toda vida, o que nos exige assumir uma postura ativa, de busca constante desse sentimento maravilhoso.

Sábio é aquele que não se deixa prender a nada sem importância e larga tudo de menor valor para sair diariamente em busca dela. Não

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podemos nos acomodar com as situações, pois é preciso estar com o espírito pronto para ouvir a voz suave de nosso coração para perceber o caminho que devemos trilhar para encontrá-la.

Ao longo de minha vida fui aprendendo isso, e hoje posso dizer que encontrei a fórmula para ser feliz, pois aprendi que só encontra a felicidade quem acorda todo dia disposto a seguir em sua direção.

Todos nós devemos viver cada instante de nossa vida, caminhando com leveza de espírito e muito despojamento, sempre buscando firmemente tal sentimento. Pois, só é realmente feliz quem luta para alcançar esse objetivo fantástico. Só é verdadeiramente feliz quem não fica parado, de bobeira, perdendo tempo valioso com coisas passageiras.

Se você quer ser realmente feliz, mude sua vida tornando-se uma pessoa ativa, lute com unhas e dentes, e corra todo tempo com muito esforço para alcançá-la !!!

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Como Surgiu a Dor do Parto ???

Ter uma enxaqueca, cortar um dedo ao descascar uma laranja,

queimar o braço no fogo do fogão, ser picado por uma aranha e quebrar um osso da perna são algumas situações dolorosas que cada um de nós está sujeito a passar. Mas, sem dúvida alguma, nenhuma dessas situações desagradáveis pode ser comparada à dor sofrida por uma mulher durante o trabalho de parto.

Para confirmar o que estou dizendo, basta perguntar às mães que já deram à luz em um parto natural. A grande maioria das mulheres reconhece que a dor do parto está entre aquelas mais fortes e temidas. E, certamente, poucas são as situações em que uma pessoa passa por uma dor tão intensa.

Assim, apresentaremos duas explicações para a origem dessa dor. A mais conhecida explicação para a origem da dor do parto está

presente na Bíblia Sagrada. No livro de Gênesis, vemos que o primeiro casal, Adão e Eva, ao comer o fruto proibido da árvore do conhecimento do bem e do mal, passou a enxergar o mundo de forma diferente. E, como punição por terem transgredido uma ordem do Criador, eles receberam diversas punições. Desde então, a mulher começou a encarar a gravidez com sofrimentos, dando à luz com muitas dores (Gênesis 3: 1-24).

Além dessa explicação bastante popular, existe uma outra teoria vinculada à biologia e antropologia que trata da origem da dor do parto. Mas antes de enfocar diretamente tal explicação é preciso apresentar brevemente as principais etapas e eventos da história evolutiva do homem.

Segundo acreditam os evolucionistas, algumas das primeiras linhagens de primatas surgiram há cerca de 70 milhões de anos nas densas florestas do continente africano. Por volta de 4-5 milhões de anos, os nossos antepassados simiescos começaram a mudar seus hábitos. Nessa época, eles foram deixando as copas das árvores e começaram a passar mais tempo no chão.

Ao deixar as copas das árvores, o homem-primitivo foi adquirindo uma postura ereta, em contraposição à postura quadrúpede dos símios. Adotar essa nova postura foi algo extremamente radical em termos evolutivos, pois ao ficarmos de pé, sobre duas pernas, diversas alterações começaram a ocorrer na estrutura de nosso corpo. Houve um grande número de mudanças tais como: (a) nossos pés se alongaram e ficaram mais chatos, para dar maior sustentação ao corpo; (b) a bacia pélvica mudou seu formato para se adequar à nova postura bípede; e (c) os ossos das pernas se alongaram, nos proporcionando passadas mais longas. Todas essas mudanças na estrutura óssea foram acompanhadas de alterações nos músculos correlatos.

Vale destacar que a postura bípede proporcionou ao homem-primitivo

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uma melhor visão do horizonte, pois, de pé, ele podia perceber e evitar o perigo mais facilmente.

É importante salientar que no passado as mãos do homem-primitivo eram bem semelhantes às dos grandes macacos (chimpanzés, gorilas, gibões e orangotangos). Todos eles quando caminhavam se apoiavam nos quatro membros, por isso eles têm mãos grossas e firmes. Mas à medida que nossos ancestrais passaram a apoiar todo o peso do corpo nos pés, deixando as mãos livres para fazer outras coisas, ocorreu um outro passo na nossa escala evolutiva.

A postura bípede desencadeou uma mudança radical na estrutura de nossas mãos. Elas adquiriram um movimento delicado, principalmente entre o dedo indicador e o polegar. Dessa forma, nossas mãos se tornaram instrumentos precisos, que podem ser usados de maneiras extraordinariamente variadas. Hoje, nossos polegares são mais longos e flexíveis que os polegares dos chimpanzés e demais macacos.

Especula-se também que uma vez que as mãos estavam livres, o homem-primitivo podia manipular alimentos altamente seletivos, adquirindo assim uma vantagem na sobrevivência dos filhotes, pois os adultos e jovens podiam juntar e trazer grandes quantidades de alimento para as mães e sua prole. Mas, deve estar claro para todos que nossos ancestrais não ganharam essas vantagens anatômicas do dia para a noite. Tudo isso transcorreu num intervalo de tempo imenso.

Quase sempre, as mudanças na forma, estrutura e funcionamento do corpo dos seres vivos ocorrem como fruto de alterações ambientais. E com nossos antepassados foi assim também, pois algumas alterações no clima contribuíram significativamente em nosso processo evolutivo. Logo que o homem-primitivo deixou a copa das árvores, o clima se tornou cada vez mais seco e isso transformou a paisagem das florestas em savanas. Dessa forma, o homem passou a ocupar as grandes clareiras que surgiram entre as florestas africanas. Vale destacar que a ocupação desse novo ambiente foi um marco significativo que nos separou definitivamente dos outros macacos.

Por volta de 2,5 milhões de anos, o homem-primitivo estava usando intensamente suas mãos, produzindo ferramentas rudimentares de pedra lascada, para cortar alimentos e para defesa contra seus inimigos naturais, especialmente os grandes felinos.

A vida em grupo forçava o uso mais intenso do cérebro. E, à medida que o tempo passava, os relacionamentos nos grupos tornavam-se mais complexos. Nessa nova situação, surgiram a hierarquia, as disputas intraespecíficas por parceiras e por alimento, e a divisão de tarefas. Tudo isso contribuiu para o crescimento do cérebro e, conseqüentemente, para o aumento da caixa craniana.

Por volta de 750 mil anos, o homem-primitivo dominou o fogo. Com o uso do fogo, os hominídeos cozinhavam seu alimento, aumentado assim sua digestibilidade e valor nutritivo e preservavam a carne por períodos mais longos que a fresco. Além disso, com o fogo podiam se aquecer, afastar

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predadores, trabalhar e conversar no escuro. Há cerca de 300 mil anos, as ferramentas se diversificaram,

aparecendo um grande número de lâminas e machados feitos de madeira, ossos e pedras.

Por volta de 200 mil anos, os hominídeos passaram a apresentar uma linguagem falada, a partir de modificações da laringe. E, ao longo de tudo isso, nosso cérebro só ia crescendo em tamanho e capacidade de armazenamento e processamento das informações.

Os ritos funerários e primeiros indícios de religião surgiram há aproximadamente 100 mil anos. Nessa época, eles já enterravam seus mortos, freqüentemente em posição de dormir, juntamente com alimento, ferramentas e artefatos decorados.

Há cerca de 70 mil anos, os primeiros registros de impressões em rochas e cavernas indicam o nascimento da arte.

40 mil anos atrás, o homem-primitivo começou a construir suas próprias habitações, deixando, dessa forma, as cavernas e grutas.

E aproximadamente 30 mil anos atrás, o “HOMEM” já estava pronto, pois já tinha um cérebro tão grande quanto o nosso. A partir daí, nossos ancestrais ampliaram seus conhecimentos e domínio sobre a natureza, construindo a grande civilização humana.

Mas, após isso tudo, você pode estar se perguntando o que tem a ver a dor do parto com toda a história evolutiva do homem.

Diante disso, eu lhe afirmo que não há como separar uma coisa da outra, pois ao termos evoluído para uma forma de vida superior, nós acabamos pagando um grande preço por isso.

Vou tentar ser mais claro. Os quadrúpedes (bois, cavalos, búfalos, zebras, gnus, etc.) por andarem apoiados nas quatro patas podem ter quadris proporcionalmente mais largos do que os nossos. Na medida em que adotamos uma postura bípede, toda a estrutura da bacia pélvica mudou. Compare a silhueta das mulheres com a das fêmeas de outros macacos. Proporcionalmente, as mulheres atuais têm quadris mais estreitos do que as mulheres-primitivas do passado. Para andarmos eretos, sob dois pés, nosso corpo tornou-se mais esbelto com quadris estreitos. Isso é um grande obstáculo na hora do parto.

Vale destacar ainda que as dores horríveis do parto não são só fruto do estreitamento do quadril. Ao longo desses últimos 4-5 milhões de anos, os bebês humanos passaram a ter crânios avantajados, bem grandes em relação aos seus corpinhos diminutos. Proporcionalmente, nossos bebês têm crânios muito maiores do que a grande maioria dos animais. E, todos nós sabemos que um crânio grande dificulta em muito o nascimento da criança.

Dessa forma, fica claro que há um ponto em comum entre a explicação bíblica e a opinião dos evolucionistas, pois, salvo algumas poucas divergências, ambos concordam que o preço que pagamos por termos nos tornado “seres pensantes”, com grande capacidade de discernimento e imaginação, nos conduziu à temível dor do parto.

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O Crente Fantasma

Logo após o Natal, eu fui convidado a participar de um culto religioso,

que ocorreria exatamente na virada no ano, no Réveillon. Entusiasmado com a idéia cheguei bem adiantado na igreja e,

enquanto esperava o início do culto, comecei a ler algumas passagens da Bíblia, mais especificamente nos Evangelhos do Novo Testamento.

No meio de tantas narrativas interessantes, eu li uma que chamou minha atenção e me fez meditar. Nela está escrito que os discípulos, ao verem o Senhor Jesus andando sobre as águas do mar da Galiléia, ficaram aterrorizados e exclamaram: é um fantasma! E, tomados de medo, gritaram. (Mateus 14:26).

Para a maioria das pessoas verem um fantasma, certamente, não é algo nada corriqueiro, nem muito menos pode ser considerado como agradável.

Quando os discípulos gritaram, eles estavam demonstrando todo o temor e desconforto que se pode ter com a visão de um fantasma. Mas, o que mais me surpreende é que, nos dias de hoje, muitas igrejas estão repletas de fantasmas e praticamente ninguém parece estar incomodado com isso. Na verdade, na maioria das igrejas que conheço, elas têm sido freqüentadas apenas por fantasmas; e nada mais que isso.

Talvez, nesse momento, você esteja pensando que quando eu digo que as igrejas estão cheias de fantasmas, eu esteja tratando de seres sobrenaturais, espíritos, encostos, almas penadas, anjos caídos, demônios ou outros entes espirituais. Não se trata disso, pois eu estou me referindo às pessoas, de carne e osso, que por diversos motivos se comportam como fantasmas. Vou tentar ser mais claro, para isso vou relembrá-lo sobre uma personagem muito freqüente no serviço público.

Como todos nós sabemos, no serviço público existem os “funcionários fantasmas”, ou seja, aquelas pessoas que não comparecem para prestar nenhum tipo de serviço no seu departamento ou setor de trabalho. O único vínculo que essas pessoas possuem com as instituições nas quais estão lotados trata-se do salário que recebem. Os “funcionários fantasmas” não se importam com nada mais a não ser com o salário que recebem.

Da mesma forma tem ocorrido nas igrejas, onde existe um grande número de fantasmas, que só aparecem nos finais de semana, nos feriados (Semana Santa, Páscoa, Natal etc.) ou em datas especiais (casamentos, batizados, santa ceia, consagrações etc.).

Essas pessoas só querem as benesses e dádivas divinas. Elas se esquecem que a Igreja é um "Corpo", e que cada pessoa é um “membro” desse “Corpo”. Todas as partes de um corpo devem estar juntas, em

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sincronia, para que funcionem adequadamente. Da mesma forma que é ilegal e imoral que uma pessoa no serviço

público se comporte como um “funcionário fantasma”, na Igreja do Senhor, cada um deve cumprir o seu papel, exercendo suas funções e participando de forma presencial.

E, vale mencionar também que, além do fantasma na Igreja, existe outro tipo de pessoa bastante comum. Trata-se daquele que gosta de ficar apontando o dedo, fazendo acusações e condenando os outros. Para tais pessoas, eu relembro que até os apóstolos se enganaram, apresentando uma opinião equivocada acerca do Senhor Jesus, pois eles pensaram que se tratava de um fantasma.

Viver a vida em Cristo implica em estar comprometido com outras pessoas e com Sua Igreja. E, para ser plenamente digno das bênçãos de Deus, cada um de nós precisa estar disposto a renunciar em prol de todo o “Corpo”.

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O que é a Amizade ??? Se pensarmos friamente, podemos dizer que a amizade é uma simples

relação afetiva entre duas pessoas que manifestam seus sentimentos sem características românticas ou interesses sexuais.

Mas, acredito que amizade vai bem além, pois ela envolve um relacionamento que contém o conhecimento mútuo e a afeição, além de contar obrigatoriamente com a presença da lealdade e do altruísmo.

É certo que a amizade não está presente somente nas relações de pessoas apaixonadas, pois ela pode ser vista no convívio entre pais e filhos, entre irmãos, entre os demais familiares, entre animais de estimação e seus donos, no dia-a-dia com colegas de trabalho, vizinhos, e até mesmo entre pessoas que nunca se encontraram pessoalmente, mas que convivem a distancia, por exemplo, pela internet.

Às vezes existem pessoas queridas que chamamos de “amigos do peito”, que são aqueles que creditamos ser mais próximos a nós do que muitos familiares e cônjuges. Essas pessoas que consideramos tanto funcionam como nossos confidentes e são a quem recorremos em momentos especiais para abrir nossos corações, contando-lhes segredos íntimos. É certo que poucas pessoas adquirem esse status de “amigos do peito”, pois para isso é preciso atingir um patamar de amizade onde existe muita confiança e fidelidade.

Geralmente, as melhores amizades se formam quando duas ou mais pessoas têm interesses parecidos e demonstram um senso de cooperação conjunto. Mas, às vezes isso ocorre ao contrário, pois nem sempre somos amigos de pessoas parecidas. Pare para lembrar e você verá que tem e já teve muitos amigos que são totalmente diferentes de você. É até engraçado, mas em alguns casos temos amigos que se interessam por coisas extremamente diferentes daquilo que nós consideramos importantes, contudo em geral estabelecemos com essas pessoas uma amizade saudável porque gostamos de partilhar momentos juntos, pela companhia e amizade do outro, mesmo que a atividade não seja a de nossa preferência. É aí que entra a reflexão de que a amizade "é a aceitação de cada um como realmente ele é".

Os amigos são aquelas pessoas com quem adoramos partilhar nossas alegrias e não nos envergonhamos de dividir nossas tristezas e desilusões.

Os amigos evitam ser sufocantes, pois eles sabem respeitar nossos direitos e limitações. O amigo sábio é aquele que evita sufocar a relação com exigências excessivas e interesses meramente pessoais, pois uma amizade deve ser construída na doação e entrega diária.

Uma amizade saudável não se constrói com cobranças exageradas, nem deixa que a exacerbação dos defeitos sufoque os bons sentimentos. É

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preciso dividir os bons e maus momentos, sem deixar que a alegria e a satisfação se apaguem nunca.

Os amigos se sentem atraídos pelos outros pela forma que eles são e não pelo que eles possuem. A amizade não tem preço, por isso não pode ser comprada ou vendida. Não se pode comprar um amigo, pois não há dinheiro, nem ouro e prata suficientes para adquirir um espaço no coração de ninguém. A amizade é um adorno do peito, e esse enfeite da alma não tem preço. Para ter amigos é preciso encarar desafios e querer conquistar a confiança diariamente.

Amizade é como a ação de um bom instrumento musical. Com ela, as pessoas ficam unidas de uma forma única, como notas musicais que se completam harmonicamente formando uma bela melodia. O instrumento só pode produzir belas notas musicais se estiver bem afinado. Assim ocorre entre as pessoas, pois só há amizade verdadeira quando duas pessoas estão em sintonia.

É certo que a pessoa que possui mais amigos é também a mais feliz. Aquela que ao longo da vida coleciona amizades vive momentos de maior satisfação e sua vida é mais plena de sentido.

Acredito que a vida deve ser celebrada com muito entusiasmo. Assim, viver deve ser uma jornada na qual nos empenhamos em somar amigos, experiências e conquistas.

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Educação Brasileira: de quem é a culpa ???

Recentemente fui atuar como "Amigo" de uma Escola pública e

confesso a vocês que tive um choque ao ver que o ambiente escolar dos dias atuais não mudou muito em relação ao meu tempo de estudante, e na verdade até me parece que houve um retrocesso. A impressão que tive é que a Escola parou no tempo, não tendo se atualizado.

Para entender o sentido de minhas palavras apresentarei uma história que presenciei ao longo dos últimos dias durante o trabalho voluntário ajudando professores em aulas de Ciências no Ensino Fundamental.

Num certo dia, a professora chegou entusiasmada para tratar do tema “Saúde e Doenças”. Assim, no decorrer da aula, ela foi apresentando algumas doenças e suas causas.

A primeira doença a ser apresentada tinha um nome estranho: o escorbuto.

Vocês sabem como essa doença surge ??? perguntou a professora. E, foi explicando que se tratava de uma hipovitaminose, ou seja, uma doença causada pela deficiência de vitamina C.

Todos os alunos se mostraram apáticos, com exceção de um deles, aqui denominado de Joãozinho, que irrequieto questionou: professora, quantos alunos de nossa escola já tiveram essa doença ???

A professora, sem titubear, explicou: nenhum !!! E, completou, dizendo: essa doença não ocorre mais aqui em nossa região, pois nos dias de hoje muitos alimentos são enriquecidos com vitaminas, e além do mais a merenda escolar, que vocês tanto gostam, é bem variada e supre boa parte das necessidades alimentares diárias de todos vocês. Em seguida, foi tratar de outra doença: o bócio.

Vocês sabem como essa doença surge ??? perguntou novamente a professora. Essa doença surge pela falta de iodo na alimentação, respondeu ela.

Após algumas explicações adicionais, mais uma vez, Joãozinho questionou: professora, quantas crianças de nosso bairro já tiveram essa doença ???

A professora, demonstrando ares de impaciência, respondeu: nenhum !!! E, prosseguindo, esclareceu: essa doença não ocorre mais nos dias de hoje em nosso bairro. Ela é uma doença do passado.

Adiante, a professora fez outra pergunta: vocês sabem como surge a doença conhecida como cegueira noturna ???

Essa doença surge pela falta de vitamina A, respondeu a mestra. Mais uma vez, Joãozinho indagou: professora, quantas pessoas em

nossa cidade já tiveram essa doença ???

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A professora, com certo nervosismo, retrucou: Joãozinho, essa pergunta de novo ??? E, externou: você já está me incomodando com essa pergunta repetidas vezes !!! Essa doença é como as demais, não ocorre com freqüência nos dias de hoje em nossa cidade. É um problema do passado, e bem provavelmente ninguém de nossa cidade tem esse mal !!!

Aproximando-se o final da aula, a professora informou aos alunos que todos deveriam estudar aquele conteúdo, por que no dia seguinte haveria uma avaliação oral do aprendizado sobre “Saúde e Doenças”.

No dia seguinte, logo ao começo da aula, iniciaram as avaliações orais com cada aluno respondendo individualmente uma pergunta.

Quando chegou a vez do Joãozinho responder a professora fez o mesmo procedimento adotado para os outros alunos. Mas, tristemente, Joãozinho não soube responder nenhuma pergunta.

Irritada com a apatia do menino, ela bravejou: você não quer nada com a vida, passa a aula toda me fazendo a mesma pergunta e na hora da avaliação não sabe nada. Você é uma vergonha; um mau exemplo para sua classe !!!

E, revoltada, indagou-lhe: como você quer ter uma vida melhor ??? como você quer ter saúde, se não estuda nada ???

Confesso que aquilo tudo me deixou um pouco transtornado, o que me fez procurar o garoto para saber o que havia se passado.

Após uma aproximação, fiquei surpreso em saber o motivo que levou Joãozinho a não ter estudado aquela aula de “Saúde e Doenças”.

Joãozinho, de cabeça baixa, respondeu-me: eu vivo sozinho com minha mãe e meus dois irmãos mais novos. Meu pai morreu no ano passado por causa de uma doença horrível que ele contraiu de um cachorro nosso. Até hoje o nome daquela doença maldita não me sai da cabeça: Calazar.

Ontem, quando cheguei em casa, li um recado de minha mãe, dizendo que ela tinha ido para o hospital se internar por causa da dengue. E, para piorar tudo, minha irmãzinha estava com diarréia, o que me obrigou a passar a noite toda cuidando dela com soro caseiro. Assim, não tive tempo de estudar aquelas doenças todas, de nomes estranhos, que a professora passou.

Ao final do desabafo de Joãozinho, meus olhos se encheram de lágrimas, e varias perguntas começaram a me incomodar: de quem é a culpa ??? do professor, mal assalariado e sobrecarregado ??? do material didático, ultrapassado ??? dos governantes, que não investem na Educação ??? da mãe do Joãozinho, que não tem dinheiro para pagar uma babá e um professor particular ??? ou do garoto, que não cumpriu a tarefa de casa ???

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O Segredo de João

Nos quase 20 anos de existência do Estado do Tocantins, nunca havia

sido registrada uma perda que comovesse tantas pessoas e de forma tão intensa como foi o falecimento do prefeito de Gurupi, João Lisboa da Cruz.

Pessoas de todos os cantos estiveram presentes para prestar as últimas homenagens e toda a imprensa estadual cobriu detalhadamente esses momentos.

Ao acompanhar de perto toda a movimentação, comecei a me questionar o motivo que algumas pessoas marcam tanto a vida de nossa comunidade, enquanto que muitas outras passam de forma despercebida. Por que o prefeito João Cruz significa tanto para toda essa gente ??? Por que tanta comoção ??? O que ele tinha e o que ele fez que marcou a vida dessas pessoas ???

Na tentativa de responder essas questões empreendi uma jornada coletando relatos curiosos e carregados de intimidade de pessoas que viveram próximas a ele.

“João sempre foi ligado a Deus. Antes mesmo de nascer, quando ainda estava na barriga da mãe, seus pais o apresentaram ao Santíssimo. Seu nome foi assim escolhido, em homenagem ao apóstolo João, que era o mais novo de todos os doze apóstolos e era o mais querido pelo nosso Senhor Jesus Cristo”, relatou um parente próximo. E, completou, dizendo: “o apóstolo João foi o único apóstolo que esteve com Jesus antes dele falecer pregado na cruz. É daí que vem o nome João Cruz”.

Mais tarde, ouvi diversos relatos carregados de religiosidade, relacionando a pessoa do prefeito João Cruz ao sagrado, mas uma segunda versão narrada por um amigo da família sobre o significado do nome dele me chamou bastante a atenção.

“Eu acredito no poder das palavras e sei que quando os pais de uma criança fazem a escolha do nome eles estão marcando a vida daquela pessoa para sempre. O nome João vem de uma língua antiga e significa ‘simplicidade’. É por isso que João Cruz era tão simples com as pessoas”, relatou o amigo de João. E, instigou-me, dizendo: “pergunte a qualquer um que você verá o que eu estou dizendo”. Curiosamente, sem questionar o valor etimológico do nome, tive que concordar que de certa forma aquele senhor de cabelos grisalhos e fala mansa estava certo, pois o nome João é um dos nomes mais populares em nosso país e, ao lado de outros nomes, como por exemplo, Maria, José, Pedro, Ana, Joana, Paulo e Antônio, sempre é associado à humildade, simplicidade e modéstia. E, de longe, o adjetivo mais mencionado como sendo uma qualidade da pessoa do prefeito João Cruz é “simples”. Todas as pessoas que conhecem João Cruz sabem que ele

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era uma pessoa simples. Isso fica ainda mais claro quando ouvimos pessoas que conviveram intimamente como ele.

“João não se preocupava com luxo, nem era ganancioso. João era uma pessoa simples, alegre e de bem com a vida. Usava boné e andava de botina como qualquer trabalhador. Não fazia a barba. Andava de carro, sem ar condicionado, com a janela aberta para poder cumprimentar a todos por onde passava”, declarou um funcionário da Prefeitura.

“João vai fazer muita falta para mim e pra todo mundo. Todos esses anos eu andava com ele, íamos ao bar do Mineiro, ao bar do Chico da Velha, ficávamos sentados, conversando por horas, contando piadas, relembrando histórias da juventude. João não se importava em dividir o mesmo copo com os amigos. Comia junto da gente. João Cruz ia onde o povo estava. Esse era o nosso João. O João do povo”, relatou um amigo do peito, com os olhos cheios de lágrimas.

“João não era político de gabinete. Ele andava pelas ruas e praças, distribuindo sorrisos e ouvindo as pessoas. Qualquer pessoa podia encontrar e conversar com o João pelas esquinas ou sentado no banco da calçada do SAMU. João nunca mudou. Enquanto muitos políticos só são vistos se misturando com o povo no período das eleições, João Cruz era diferente, por que ele nunca se afastou do povo”, declarou um de seus companheiros de toda hora.

“Eu acho que o que mais chocou todo mundo foi ele ter partido de forma tão prematura”, afirmou uma pessoa ligada à família. E, justificou, relatando: “ninguém espera perder um amigo ou parente tão novo. João só tinha 58 anos. Geralmente quando uma pessoa tem mais de 80 anos é mais fácil aceitar a perda. É por isso que a dor nossa é tão grande. Ninguém aceita a perda do João. A morte de João foi prematura. Uma fatalidade, pois João ainda tinha desejo de prosseguir na política”. E, para reforçar tal justificativa, apresentou argumentos da entrevista que o prefeito João Cruz deu ao Jornal Atitude, que está aqui transcrita: “Qual a pretensão política do Sr. (João) depois de deixar a Prefeitura? ... em 2010 estou pensando em ser candidato... Porque eu fui seminarista e quando eu fui seminarista eu sonhava ser Papa e eu não queira terminar minha carreira só como Padre. Da mesma forma estamos aí na política ... Nós vamos galgar um outro posto que ainda não sabemos o que é. Se o partido e o povo quiserem, seja para Deputado Estadual, para Governador ou para Senador” (Jornal Atitude edição nº 17, pág. 02, de 14/03/2008).

São essas coisas e muitas outras que tornaram a vida de João Cruz tão marcante. Mesmo que alguém não goste dele, nem concorde com as idéias que ele tinha, ainda assim precisa admitir que a partida de João Cruz foi a mais comovente da história de nosso Estado, o que justifica nos determos nos bons exemplos que ele deixou.

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O que é a Beleza ???

Qualquer um com um simples olhar pode dizer se alguém ou alguma

coisa é belo ou feio, mas são poucos os que param para pensar por que isso acontece.

Sem que se perceba, todos nós ficamos o tempo todo olhando para as pessoas e objetos à nossa volta atribuindo-lhes valores de beleza e feiúra.

Desde o início da humanidade a beleza é algo que fascina a todos nós, mexendo com as crianças e jovens, passando pelos adultos, até chegar aos velhos. Na verdade, ninguém está livre dos encantos da beleza.

É possível ver que, independente da localidade onde se vive ou da língua que se fale, todas as culturas e povos possuem um vocabulário rico para descrever aquilo que cada grupo considera belo e atraente.

Parece algo instintivo, pois desde a mais tenra idade todos nós aprendemos a perceber a qualidade daquilo que é bonito aos nossos olhos. Quem já teve um filho sabe que os bebês logo nos primeiros meses de vida gostam de fixar seu olhar em coisas agradáveis, brilhantes e coloridas.

Essa característica de definir o que é belo e o que é feio está intrínseca ao ser humano, o que nos faz admirar formas perfeitas e proporções harmônicas nas pessoas e em tudo que está ao nosso derredor.

Assim, à medida que crescemos vamos aprendendo a atribuir adjetivos de beleza às pessoas, aos objetos, aos seres vivos, aos ambientes construídos pelo homem e às obras e maravilhas da natureza.

É certo que os conceitos de beleza variam bastante de acordo com a cultura e com o passar do tempo. Mas, de modo geral, a beleza pode ser descrita como aquilo que salta aos olhos, toca o nosso coração e nos faz sentir bem.

No nosso dia-a-dia, a beleza pode ser vista na pessoa elegante, que possui as marcas da harmonia e da leveza das formas e linhas. Freqüentemente ela é associada à combinação de proporções do corpo e dos traços do rosto.

Além disso, podemos dizer que a beleza está vinculada à desenvoltura da pessoa, que a expressa por meio da graciosidade dos movimentos, da leveza de espírito, e através de gestos suaves e palavras especiais que demonstram o desembaraço, a jovialidade e a vivacidade da alma.

Mas, vale lembrar que a beleza extrapola a aparência física, pois ela não está associada unicamente aos traços do rosto e aos contornos do corpo.

A beleza verdadeira não está presa apenas às coisas passageiras, como a cor dos cabelos, ao brilho da pele ou o tônus muscular próprio da juventude.

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A beleza transcende a matéria, ou seja, ela não está presa ao corpo físico, à carne, pele e cabelos, pois vai muito além disso.

É certo que tudo aquilo que é genuinamente belo cativa não somente ao olhar, por que pode ser percebido pelos outros sentidos, indo fundo na alma de quem ama.

A beleza é algo que depende do olhar de quem vê, dos valores e significados que se formam em nossa mente. Ela está firmemente apoiada no estado de espírito da pessoa, em um determinado momento.

A beleza está naquilo que nos faz sentir bem, de alto astral, nos fazendo ver o mundo com o toque do coração.

A beleza está em tudo o que nos traz alegria e paz, pois ela ilumina o mundo à nossa volta, nos fazendo viver melhor.

A beleza contagia nosso espírito como uma onda maravilhosa de sensações boas, trazendo fervor e felicidade para nosso interior.

Acho que é impossível ver a beleza verdadeira que há em cada pessoa e objeto que existe nesse mundo sem deixar que o amor direcione nosso ser. Acredito que beleza e o amor andam juntos, de mãos dadas, sempre. Assim, penso que a beleza se completa quando nós deixamos que ela se manifeste por meio desse sentimento tão especial.

Ame e você passará a ver o mundo com outros olhos. Ame e você verá que a beleza está perto de você !!!

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Raça e Etnia

Esses dois termos, “raça e etnia”, estão bem presentes no nosso

cotidiano, em conversas, nos jornais e revistas que lemos e em inúmeros programas veiculados na televisão, mas, ainda assim, a grande maioria das pessoas não sabe exatamente quais são as diferenças existentes entre os conceitos de “raça” e “etnia”.

Quando perguntamos a um grupo de pessoas se elas sabem qual é a diferença que existe entre esses dois termos, alguns coçam a cabeça em sinal de dúvida e, após uns instantes de hesitação, assumem que não sabem ao certo.

Na verdade, o que acontece no caso da falta de conhecimento acerca dos conceitos de “raça” e “etnia” é comum há muitos outros termos e expressões do nosso dia-a-dia. Nós já nos acostumamos a usá-los tão frequentemente que não paramos para pensar se eles são iguais ou se há alguma diferença entre eles. Essa falta de análise dos conceitos de termos e expressões que usamos rotineiramente é fruto, em parte, da nossa correria diária que nos impede de refletirmos sobre o que ouvimos, lemos e falamos.

Aqui nesse texto eu procuro apresentar quais são as diferenças entre os conceitos de “raça” e “etnia”, segundo alguns ramos do conhecimento científico.

O conceito de “raça” foi utilizado (especialmente no passado, com princípios pseudocientíficos), para justificar diferenças entre grupos humanos e baseava-se na idéia equivocada de que existiriam “raças superiores” e “raças inferiores”. Atualmente, sabe-se que a humanidade possui uma “única raça”, formada apenas por exemplares da espécie “Homo sapiens”. Mas, ainda assim, tal conceito encontra muito presente no nosso dia-a-dia.

A primeira classificação da espécie humana em “raças” foi feita pelo francês François Bernier (1620-1688 dC.), através da publicação da obra "Nova divisão da Terra pelas diferentes espécies ou raças que a habitam”, em 1684.

Essa obra pioneira deu espaço para que nos séculos seguintes, especialmente no séc. XIX, vários outros naturalistas publicassem estudos sobre as supostas “raças humanas”. Entre tais pesquisadores podemos citar: o alemão Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840), o barão francês Georges Cuvier (1769-1832), o inglês James Cowles Pritchard (1786-1848), o americano Charles Pickering (1805-1878) e o suíço Jean Louis Rodolphe Agassiz (1807-1873).

Nesses trabalhos, as “raças humanas” distinguiam-se pela cor da pele, tipo facial (principalmente a forma dos lábios, olhos e nariz), perfil craniano, cor do cabelo (preto, castanho, loiro, ruivo) e textura dos pêlos (liso,

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ondulado, crespo, grosso, fino etc.). De modo geral, esses pesquisadores agrupavam os seres humanos em quatro grupos: brancos, negros, amarelos e índios (chamados de pele-vermelha). Mas tal classificação não se limitava apenas à aspectos físicos, pois eles consideravam também que essas diferenças físicas refletiam diferenças no conceito de moral e na inteligência. Ou seja, os brancos estariam situados no “topo da pirâmide”, enquanto que os demais grupos estariam em posições inferiores.

Naquela época o estudo dos tipos morfológicos humanos, extrapolou a área da biologia, chegando até a área do direito criminal, da psicologia e da psiquiatria. Um personagem que se destacou nesse ramo controverso trata-se do psiquiatra e criminalista italiano Cesare Lambroso (1835-1909), que apresentou uma série de teorias, hoje totalmente desacreditadas, que deram origem à antropologia criminal. Esse ramo do conhecimento está atualmente extinto, mas foi seguido naquela época por um grande número de pesquisadores e instituições.

Cesare Lambroso dizia que diversas anomalias hereditárias, neurológicas ou psíquicas desempenhavam papel preponderante na formação da personalidade do delinqüente. Baseando-se nessas idéias, ele formulou a teoria do "criminoso nato", segundo a qual os criminosos poderiam ser identificados por determinados traços físicos (tamanho do crânio, tipo de orelha, formato do nariz, largura da testa, grossura dos lábios etc.). Todas essas idéias levaram anos para serem derrubadas e acabaram reforçando a idéia de “raças e culturas superiores”, em contraposição àquelas consideradas “inferiores e desprezíveis”.

Vale lembrar que ao longo de todos esses séculos, desde a primeira obra do francês François Bernier, muitos países (Espanha, Portugal, Alemanha, Itália etc.) utilizaram tais princípios para justificar sistemas escravocratas e de dominação. E até mesmo nas duas grandes guerras mundiais esses princípios raciais foram utilizados para justificar atos contra grupos e povos, especialmente contra judeus, negros e ciganos.

Franz Boas (1858-1942), considerado um dos pais da antropologia cultural, foi um dos primeiros pesquisadores a questionar os conceitos de “raça superior” e “raça inferior”. Ele dizia que “cada cultura constitui unidade formada por um conjunto de elementos inter-relacionados e só através do estudo de cada um desses elementos pode-se compreender o todo”. Dessa forma, ele concluía que não existem “culturas superiores” ou “culturas inferiores”, pois todas constituem fenômenos específicos e originais.

E Franz Boas foi seguido por vários outros pesquisadores que combateram as idéias equivocadas que dividiam a humanidade em raças e culturas, ditas, “superiores e inferiores”, entre os quais: o inglês Ashley Montagu (1905-) e os americanos Richard C. Lewontin (1941-) e Stephen Jay Gould (1941-).

Nessa questão, vale destacar ainda o papel do francês Claude Lévi Strauss (1908-), que com o método estruturalista na análise de diferentes culturas deu valiosa contribuição à antropologia social. Os estudos de Lévi

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Strauss causaram grande repercussão, pois lançavam por terra o mito segundo o qual todas as sociedades seriam etapas de um processo de evolução único que culminaria na atual sociedade ocidental. Ele, em seus estudos sobre índios brasileiros, mostrou que cada cultura é única e por isso mesmo deve ser reconhecida e valorizada.

Mas, ao final de tudo isso, após essa longa apresentação acerca da polêmica e de todos os males trazidos até nós desde a criação do conceito de “raças humanas”, é preciso agora conceituar o termo “etnia”.

Atualmente, o termo “etnia”, recomendado por biólogos e antropólogos, está associado às características de cada grupo humano. Entre as diversas características usadas para definir um grupo étnico, três dessas são mais comumente utilizadas: (1) aspectos morfológicos do corpo, advindos de herança genética (estatura, cor da pele, cor dos olhos, cor e tipo de cabelo, formato do crânio, quantidade de pêlo no corpo etc.), (2) Diferenças entre as línguas (Português, Espanhol, Inglês, Russo, Mandarim etc.) e os regionalismos lingüísticos (sotaque, diferenças entre palavras e expressões etc.) e (3) aspectos culturais (religião, costumes, tipo de roupa, culinária etc.).

O Brasil é considerado uma nação extremamente diversa em etnias. Aqui em nosso território podemos encontrar mais de 220 povos indígenas e um grande número de comunidades tradicionais (quilombolas, ribeirinhos amazônicos, seringueiros, castanheiros, pantaneiros, caiçaras, pescadores artesanais do São Francisco, jangadeiros do Nordeste, etc.), todas consideradas minorias étnicas, culturalmente distintas da nossa “sociedade nacional”, conhecida como sociedade urbana-industrial.

Ao final, quero lembrar que os erros do passado devem ser evitados, e cada um de nós deve usar essas informações para que juntos possamos construir um mundo sem divisões, quer sejam étnicas, de gênero, de nacionalidade, ou de qualquer outro tipo.

Quero lembrar ainda que, independente de aceitarmos ou não, cada pessoa possui direitos inalienáveis, ou seja, direitos que são imutáveis e não podem ser tirados, negados ou transferidos a qualquer outra pessoa. Tais direitos, como o direito à vida, liberdade de expressão e de escolha religiosa, liberdade pela opção sexual, entre tantos outros, não podem ser cerceados, pois eles não estão vinculados a nenhuma característica física ou cultural, mas estão sim ligados à nossa essência humana – que é uma só para todos.

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Qual o Sentido da Vida ??? Existe um monte de situações inesperadas que fazem nossa vida

tomar um rumo totalmente diferente da noite para o dia. Assim, sem nenhuma previsão um fato inesperado acontece e, de repente, nosso destino muda.

Todo tempo vemos situações que chegam de forma abrupta e acabam transformando a vida das pessoas para sempre. Dessa maneira, uns dias atrás fui levado a fazer essa reflexão profunda para descobrir o sentido pleno de nossa existência e, agora, quero partilhar com outras pessoas a resposta que encontrei.

Destaco inicialmente que o fato que me levou a fazer tal reflexão não surgiu por meio de um evento ruim, nem catastrófico, pois, ao contrário disso, nasceu inocentemente através de um ato corriqueiro de meu filho caçula que, num determinando dia, aproximou-se de mim e, puxando a minha calça, perguntou: papai, por que vivemos ??? E, eu, sem entender bem o que ele queria, indaguei-lhe: como assim, meu filho ??? Em seguida, ele me mostrou um pequeno papel que a professora lhe entregara como dever de casa para ser feito com a ajuda dos pais. Nesse papel havia uma pergunta: qual o sentido da vida ???

Acredito que qualquer pai ou mãe já foi pego numa situação assim, quando um filho faz uma pergunta estranha e nos deixa de “saia justa”. Confesso que essa não foi a primeira vez que meu filho me perguntou algo que eu não sabia bem o que responder, mas diferentemente das outras situações essa última pergunta mexeu comigo de uma forma profunda.

Após aquele questionamento passei o restante do dia meditando para apresentar uma resposta a meu filho. Mas, não me empenhei somente com a obrigação de ajudá-lo no cumprimento de uma tarefa escolar, pois, fui bem além, buscando fazer uma reflexão sobre minha própria vida.

Sei que no corre-corre diário ninguém tem tempo para ficar filosofando, nem para fazer uma pesquisa detalhada sobre um tema tão complexo, mas, contrariando minha rotina de correrias e estresse, reservei um bom tempo para me debruçar sobre essa questão instigadora.

Assim, passei a entender “Qual o Sentido da Vida”, que trago logo a seguir em breves palavras.

A primeira coisa que percebi é que o “Sentido” que damos à nossa vida está diretamente ligado à nossa “Filosofia de Vida”, ou seja, ao modo como encaramos nossas relações com nossa própria pessoa, com nossa família, com as instituições, com os grupos sociais e com todo o resto à nossa volta. E, isso tudo está intimamente ligado à nossa cultura, pois dependendo dos usos e costumes cada pessoa acaba apresentando um “Modo de Vida” diferente.

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A segunda coisa que observei é que o mundo está se tornando cada vez mais complexo e, assim também, está mudando o sentido que nós, seres humanos, damos à nossa existência.

Vale lembrar que, em tempos remotos, nas primeiras comunidades humanas o sentido da vida tinha um valor comunitário, ou seja, todo o grupo vivia para atender necessidades básicas da coletividade. Os interesses do indivíduo ficavam sempre em segundo plano em relação aos interesses do grupo. É bom lembrar que ainda hoje em muitas comunidades tradicionais e povos indígenas esse “Modo de Vida” está preservado. Esse é o que eu denomino de “Modo de Vida Comunitário”.

À medida que a civilização humana foi se desenvolvendo surgiram as cidades e os países e, com eles, apareceram outros sentidos para a vida.

A idéia de pertencimento a uma cidade, região ou nação cria laços identitários fortes que unem as pessoas entorno de ideais e objetivos comuns. Pare um pouco para pensar quantas vezes você já disse ser “paulista”, “mineiro” ou “gaúcho”. Além disso, vale lembrar também que muitos brasileiros gostam de dizer: eu sou descendente de “italianos” ou de “alemães” ou de “espanhóis”. E, com isso, lutam para preservar as tradições associadas aos seus ascendentes. Esse é o que eu denomino de “Modo de Vida Gentílico”, pois ‘gentílico’ é o termo que designa a nossa origem.

Outro fator que está relacionado ao “gentílico” e que também identifica as pessoas num “Modo de Vida” particular é o sobrenome. Assim, muitas pessoas dedicam sua trajetória nesse mundo para alimentar seus laços familiares e sanguíneos. É válido mencionar que no mundo moderno das grandes cidades esse “Modo de Vida Familiar” perdeu muito sua força, por que nas últimas décadas as pessoas saíram da zona rural e das pequenas cidades e, hoje, vivem em metrópoles residindo em apartamentos apertados com pouco contato com parentes e familiares de outras cidades. Entretanto, em pequenas cidades do interior do Brasil o “Modo de Vida Familiar” e o “Modo de Vida Gentílico” ainda são fortes.

A história humana está recheada de exemplos de povos inteiros que dedicaram sua vida entorno da construção de uma nação ou reino. Basta lembrar que nos grandes impérios do passado grande parte das pessoas vivia exclusivamente para construir palácios, templos e obras magníficas para exaltar o nome daquela civilização. Mas, se engana quem pensa que esse modo de vida pertence exclusivamente ao passado longínquo, pois poucas décadas atrás o governo militar brasileiro promoveu amplamente os ideais entorno da imagem do que é “ser brasileiro”. Um exemplo clássico disso era o jargão da década de 70 - “Brasil: Ame ou deixe-o !!!”. Essa estratégia de unir a população em um “Modo de Vida Nacionalista” esteve presente me todos os governos totalitaristas, como ocorreu na Alemanha Nazista de Adolph Hitler. Todos sabem que os alemães se uniram loucamente por uma causa nacionalista, promovendo a Segunda Guerra Mundial. Felizmente no mundo globalizado da atualidade esse “Modo de Vida Nacionalista” que unem as pessoas ao redor de um ideal de nação está

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em baixa. Boa parte de nosso dia se passa no ambiente de trabalho, o que leva

muita gente a dedicar sua vida quase que exclusivamente ao labor. Pare para pensar um pouco e lembre quantos profissionais (advogados, professores, militares etc.) que só convivem e têm amizades com pessoas da mesma profissão ou que sejam ligadas ao seu trabalho. Muitas dessas pessoas que vivem somente para trabalhar nem conseguem ficar em casa aos finais de semana, como também não conseguem tirar férias. Há ainda aqueles que quando se aposentam acabam entrando em depressão, pois sua vida toda foi construída entorno do trabalho. Não têm uma vida social, não freqüentam igrejas, nem tem tempo para família, parentes ou amigos de infância. Esse é o denominado “Modo de Vida do Trabalho”.

Além desses exemplos que unem as pessoas em diferentes “Filosofias de Vida”, desde sempre existem a “Religião” e a “Política” que são fatores que levam milhões de pessoas a apresentarem um comportamento diferente.

Em todos os grupos sociais existem aquelas pessoas que almejam ocupar cargos de liderança, e muitos passam toda a vida seguindo carreira política. Tais pessoas dedicam sua trajetória para participar de reuniões, mobilizações, festas e todo tipo de eventos, sempre cumprimentando pessoas e discursando muito. Tudo isso é feito com a alegação de estarem lutando pelo bem comum. Assim, tais pessoas abdicam de seu tempo com a família, com os amigos e com o lazer, por exemplo, para estarem em ações e trabalhos para representar sua comunidade e seus eleitores. A meu ver é o desejo de “Poder” que leva as pessoas a quererem esse “Modo de Vida Político”.

Há também o “Modo de Vida Religioso” que reúne uma parcela significativa de nossa sociedade que dedica sua vida para servir a Deus. Assim, as pessoas religiosas buscam pautar tudo aquilo que fazem em preceitos espirituais. Com quem vão se casar, o que vão comer, os livros que vão ler, os lugares que vão freqüentar, entre tantas outras coisas, são definidos pelos princípios religiosos que a pessoa professa.

De um século para cá, um “Modo de Vida” se fortaleceu muito. Bem parecido com os heróis gregos das olimpíadas do passado, hoje a mídia e o cinema são responsáveis pela criação de ícones em nossa sociedade. Dessa forma, surgem inúmeras celebridades todo tempo, tais como: cantores, atores, esportistas etc. E, alguns chegam mesmo a dizer que fazem tudo por um minuto de destaque nos telejornais. Especialmente na última década, a sede por glamour e fama tem levado uma multidão de pessoas comuns a participar de inúmeros “reality shows” com intuito de se tornarem conhecidos nacionalmente e, em alguns casos, internacionalmente. Tais pessoas não se importam nenhum pouco em expor suas intimidades em sites, blogs, comunidades virtuais, youtube etc. Esse é o que eu chamo de “Modo de Vida Midiático”.

Ultimamente tem crescido também o “Modo de Vida Hedonista”, que é aquele no qual o cidadão busca viver “o aqui e agora”, sem se preocupar

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muito com o futuro, ou com as tradições da família ou das religiões. As pessoas adeptas da filosofia hedonista buscam realizar seus prazeres, das mais variadas formas, sem se preocuparem com o que as pessoas vão pensar. Esse é um jeito de se viver que tem crescido muito, especialmente, em países da Europa, onde as pessoas se preocupam mais consigo mesmas do que com outras questões.

Todos nós sabemos que o mundo de hoje está globalizado, o que fez surgir o “cidadão global”. Esse é aquele que está conectado a tudo que se passa no planeta e foca seu comportamento pensando na proteção do meio ambiente e em causas humanitárias. Esse “Modo de Vida Global” ou “Modo de Vida Ecológico” tem se fortalecido recentemente com pessoas cada vez mais preocupadas com suas ações locais, sabendo que as mesmas têm implicações na vida de milhões de pessoas por todo o mundo. Assim, tais pessoas buscam atuar no seu dia-a-dia para garantir que pessoas pobres e as futuras gerações tenham as mesmas chances de usufruírem dos bens e serviços que nós temos acesso hoje.

Conforme se percebe os “Modos de Vida” foram mudando ao longo da história da humanidade, sendo que à medida que evoluímos surgiram diferentes formas de encarar a vida.

Podemos ver que atualmente todas essas “Filosofias de Vida” encontram-se presentes, uma ao lado da outra. É até verdade que muitas pessoas possuem uma mistura dessas perspectivas de nossa existência, pois às vezes manifestam enfoque em mais de uma área ao mesmo tempo, como por exemplo, Família e Deus ou Emprego e Mídia. E, invariavelmente, esse direcionamento que damos a nossa vida muda ao longo de nossa trajetória.

Estou certo que cada pessoa deve pensar profundamente “Qual é o Sentido da Vida” que ele quer levar, por que sabemos que é impossível voltar atrás para corrigir os erros do passado. Assim, precisamos pautar nosso dia-a-dia em um comportamento sadio e responsável com foco em nossos múltiplos objetivos, sem, contudo, deixar de proporcionar o máximo de alento para aqueles que estão à nossa volta.

O ser humano é um “ser social”, o que nos leva a crer que a vida só tem sentido se for vivida de forma que estejamos unidos a outras pessoas por meio de coisas boas, como por exemplo: amor, compaixão, fé, solidariedade, companheirismo, entre tantas outras.

Não podemos viver egoisticamente, pensando somente em coisas individualistas ou meramente passageiras. Certamente que a vida que levamos só terá sentido se for preenchida de significado, e somente encontraremos tal significado quando vivemos para buscar a realização de nosso semelhante.

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Amazônia: realidade ou utopia ??? Desde o início do movimento ambientalista no Brasil surgiu um forte

ativismo em torno da proteção da Floresta Amazônica. Então, a preservação da Amazônia ganhou bastante espaço na mídia

nacional, tornando-se bandeira de várias ONG’s Ecológicas e passando a fazer parte do discurso político de muitos partidos. Assim, salvar a Amazônia adquiriu um caráter romântico, sonhador, quase utópico.

Volta e meia são realizados shows e eventos envolvendo artistas e desportistas com a finalidade de arrecadar verba para proteger indígenas ou seringueiros da Amazônia, como por exemplo, os debates promovidos pelo Cantor Sting, nos anos 80, e pelo Diretor e Cineastra James Cameron, em 2010.

Não há dúvida que a preocupação com a conservação da Amazônia é uma meta que precisa ser valorizada, mas por outro lado isso fez surgirem algumas idéias equivocadas, que infelizmente interferem negativamente nas políticas públicas voltadas para essa região.

No senso comum é possível ver uma preocupação enorme com leis ambientais mais rígidas para impedir a suposta ocupação irresponsável da região Norte.

Assim, há um consenso da população urbana do Sul e Sudeste que deseja ver maior rigor da fiscalização por parte dos órgãos ambientais, maior pressão às empresas e fazendeiros da região etc. Em tudo isso há um lado bom, mas é preciso olhar além, pois por trás dessa aparente generosidade e disposição para ajudar o meio ambiente é perceptível que existe uma visão equivocada acerca do Norte do Brasil.

Em alguns casos pode-se ver que pesquisadores e ambientalistas de ONG’s Ecológicas, geralmente sediadas em capitais das regiões Sul e Sudeste, fazem cobranças excessivas, até mesmo chegando ao ponto de usar argumentos distorcidos, irracionais e fanáticos acerca da necessidade de proteção dessa parte do país.

Pouca gente para pra pensar, mas nós, brasileiros, valorizamos excessivamente a cidade, especialmente as capitais, como os locais para se viver. Isso pode ser percebido claramente nos números que mostram a migração do campo para as cidades ao longo das últimas décadas.

No início do século passado apenas uma pequena parcela da população brasileira residia em centros urbanos. Assim, estima-se que naquela época cerca de 90 % da população vivia na zona rural, dedicando-se às atividades agrárias, como agricultura de subsistência, pecuária, caça, pesca e extrativismo vegetal.

O Brasil permaneceu como um país rural até a década de 60, pois só nesse período é que a população urbana ultrapassou a rural.

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À medida que as atividades urbanas expandiram-se e geraram mais empregos do que na zona rural, a população do país foi transferindo-se para as cidades.

Nesse processo de migração, milhões de brasileiros saíram da zona rural e foram morar nas cidades, passando a viver quase sempre em residências caóticas, sem conforto e longe da rotina tranqüila e pacata do interior.

Coincidentemente, foi nesse mesmo período que as questões ambientais começaram a ser trabalhadas em nosso país por meio de órgãos públicos e pela mídia.

Então, a proteção da Amazônia adquiriu crescentemente uma aura especial, como se com isso pudéssemos resgatar o paraíso perdido por Adão e Eva no início de tudo. Dessa forma, a salvação da Amazônia adquiriu um caráter romântico e sonhador. Tornou-se uma visão idealista de um mundo primitivo e sagrado que se busca preservar.

À medida que a população se concentrou nas metrópoles, foi-se formando uma imagem negativa do interior, do campo e especialmente das regiões mais distantes como a Norte e a Nordeste.

Hoje, mais de 80 % dos brasileiros vive nas cidades, longe dos ambientes naturais, o que contribui para que a zona rural seja vista como algo distante. São poucos os que lembram que é do campo que saem os alimentos que abastecem nossa mesa diariamente.

A maioria dos brasileiros desconhece o dia-a-dia do homem do campo. Praticamente ninguém tem idéia das dificuldades que os agricultores e pecuaristas enfrentam para colocar o Brasil no patamar de um dos maiores produtores de alimentos do mundo.

Diferentemente do que ocorre em muitos países europeus (por exemplo, na Alemanha e França), o brasileiro valoriza com exagero a vida nas grandes cidades em detrimento de outros lugares. Entretanto, destaco que essa opinião tem mudado um pouco em locais onde a violência e o caos urbano servem de estímulo para busca por cidades menores e com melhores condições para se viver.

Poucas pessoas sabem que atualmente a população da Amazônia Legal gira em torno de 25 milhões de pessoas, e que aproximadamente 70% desse total vive em cidades. Essa imagem de que nos estados do Norte do país só existem índios e matas; que as cobras, onças e jacarés estão por todo lado trata-se de uma idéia totalmente distorcida que interfere nas políticas públicas, invariavelmente pensadas por pessoas que desconhecem a realidade local.

Pode parecer um absurdo para muita gente, mas a totalidade da população nortista é favorável ao asfaltamento das rodovias, deseja ter energia elétrica de qualidade, almeja ver a inclusão digital chegar a sua comunidade, quer ter acesso ao celular e a todos os demais benefícios que estão mais acessíveis às populações do Sul e Sudeste do Brasil.

Outra queixa recorrente entre as pessoas que vivem na Amazônia é

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que essa parte do país deve ser pensada, planejada e usada não para servir unicamente aos interesses das pessoas que vivem nas cidades do Sul e Sudeste, mas ao invés disso deve ser vista com os olhos de quem vive aqui.

Infelizmente o que se nota é que desde o início da história brasileira a Amazônia continua sendo percebida como um baú do tesouro, um reservatório de recursos naturais, como algo a ser preservado e guardado para bem da nação ou, até mesmo, do planeta. Isso tudo pode parecer muito bonito e romântico, mas em muitos casos dificulta a vida das pessoas que vivem aqui e querem ver as políticas públicas chegarem a região.

Ao mesmo tempo em que alguns programas e documentários ajudam a fortalecer a imagem da Amazônia como um lugar selvagem e belo, outra parte da mídia nacional recorrentemente mostra a região Norte como um lugar violento, cheio de conflitos por causa da ocupação da terra e pelo uso da floresta. É certo que grande parte das agressões a natureza, na região Norte ou em qualquer outra parte do país, surgem como resultado das desigualdades sociais e da grave injustiça que existem entre os grupos dominantes e dominados. Em geral, a maior parte dos conflitos sociais e ambientais surge das relações díspares entre ricos e pobres.

O que se pode esperar de um morador pobre que vive no meio da floresta e recebe a proposta de ganhar um pouco de renda com a venda de árvores seculares ou com o comércio de animais em extinção ??? É fácil repudiar essa idéia quando se vive num apartamento de luxo ou quando temos poder aquisitivo para ir ao shopping comprar produtos caros e de marcas famosas, mas são poucos os que entendem que a desigualdade social leva milhões de pessoas por todo mundo a optar pela predação imediata dos recursos naturais que estão bem próximos de sua casa, ao invés de pensarem em usá-los racionalmente num futuro adiante, pois em primeiro lugar eles precisam sobreviver para depois poderem pensar na conservação da natureza.

Esse é só um dos diversos exemplos que mostram que o grau de pobreza de uma cidade ou região está diretamente relacionado à quantidade e qualidade dos problemas ambientais que ocorrem ali.

Só é possível pensar em meio ambiente equilibrado se os problemas sociais forem tratados conscientemente pelas ações de valorização do ser humano. Não se pode pensar em proteger a natureza sem investimentos em educação, segurança, saúde, moradia e tantos outros direitos essenciais a sadia qualidade de vida de um povo.

Não podemos limitar nossa visão de que os problemas ambientais a serem solucionados estão distantes (como na Amazônia, por exemplo), por que na verdade eles estão bem perto de nós, muito mais perto do que podemos imaginar. Basta ver o problema do lixo, a poluição do ar, a falta de água tratada, os rios e córregos poluídos, o comércio ilegal de animais silvestres, entre tantas outras questões ruins que fazem parte do dia-a-dia de qualquer cidade brasileira.

É certo pensar na proteção da Amazônia, mas não podemos deixar que

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os milhões de brasileiros que vivem nessa imensa parte do país sofram como “bodes expiatórios” dos problemas ambientais de nossa nação.

A preocupação com a conservação da Amazônia é algo que precisa ser valorizado, mas é certo que não podemos ter uma visão reduzida de que a solução para as questões ambientais está associada unicamente a proteção das florestas.

Não se pode pensar que a Amazônia deve ficar intacta, pois as pessoas que vivem nela querem que as diversas políticas públicas cheguem a essa região, e não somente o trabalho de fiscalização e repreensão por parte dos órgãos ambientais como querem muitos ambientalistas radicais.

Precisamos pensar um desenvolvimento para a Amazônia que seja realmente proveitoso para todos, o que só será possível se ocorrer de forma responsável, sem visões distorcidas, nem com fanatismo ecológico.

O desenvolvimento sustentável da Amazônia é uma necessidade, e deve caminhar de modo que as políticas públicas dos governos federal, estadual e municipais sejam integradas.

Portanto, é preciso reduzir as desigualdades sociais, econômicas e culturais que distanciam a vida dos brasileiros que vivem nas regiões Sul e Sudeste das demais partes do país. Sem dúvida, esse é o caminho mais curto para se construir um mundo onde o meio ambiente seja respeitado e o futuro da Amazônia seja realmente garantido.

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O que é Cultura ??? A Cultura é algo que faz parte de todo ser humano. Na verdade, é

impossível falar na essência humana sem mencionar o valor da Cultura, pois, de todos os seres vivos conhecidos, a única espécie que possui Cultura é a nossa – Homo sapiens.

É a Cultura que dá sentido ao mundo em que vivemos. É ela que cria a identidade de um grupo humano, em um território e num determinado período de tempo. A Cultura estabelece laços entre as pessoas, de modo que cria união e fortalece sentimentos e idéias que nos fazem pertencer a um grupo social específico. É a Cultura que dá base para o surgimento de uma ligação forte com nossos vizinhos, amigos, familiares e com nossa terra natal.

Esse termo “Cultura” vem do Latim, e significa “cultivar a terra”, “cuidar”.

O conceito de “Cultura” foi desenvolvido inicialmente pelo antropólogo inglês Edward Burnett Tylor (1832-1917) que durante muitos anos realizou diversos estudos inspirados na teoria evolucionária do naturalista Charles Robert Darwin (1809-1882). Assim, estudando a vida de inúmeros povos de diversas partes do mundo Edward Tylor acabou estruturando uma série de idéias defendendo que a Cultura é um fenômeno universal, presente em todas as comunidades e grupos de pessoas; é a base funcional que possibilita a espécie humana o desenvolvimento de nossa complexa sociedade, tendo como alicerce principal a religião.

Desde tal época, a definição de Cultura adquiriu um caráter bem amplo, pois reúne aspectos muitos variados, como por exemplo: artes, ciências, costumes, sistemas, instituições, leis, religião, crenças, esportes, mitos, valores morais e éticos, comportamento, preferências, invenções e todas as maneiras de ser (sentir, pensar e agir). Mas, em poucas palavras, podemos dizer que a Cultura reúne todas as práticas e ações sociais que seguem um padrão determinado no espaço de vida da comunidade ou de um grupo específico de pessoas.

Olhe a sua volta por um instante e você verá que são infinitos os elementos culturais a sua volta. Na verdade, não existe nenhum espaço ocupado pelo homem no planeta Terra que não esteja repleto de elementos culturais. Ela se manifesta em tudo que fazemos, no nosso modo de agir com nosso próprio corpo, com nossos semelhantes e com o meio ambiente.

Em qualquer lugar é possível ver a manifestação da presença de pessoas, e quem possibilita isso é a nossa capacidade de produzir Cultura.

A Cultura é sempre dinâmica, pois está em constante construção. Como ela está em freqüente mudança, muitos traços se perdem, enquanto que outros se adicionam. Essas transformações ocorrem em velocidades

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distintas nas diferentes sociedades. Alguns povos e grupos sociais adquirem mudanças mais rápidas que outros. Por exemplo, em muitos países mulçumanos e em regimes ditatoriais, como, Cuba, China e Coréia do Norte, as mudanças ocorrem mais lentamente, pois são, em parte, controladas pelo governo dessas nações.

Vale lembrar também que os veículos de comunicação e a internet têm tido papel fundamental nas mudanças culturais por todo globo.

No passado surgiram idéias equivocadas dizendo existir “culturas superiores” e “culturas inferiores”, que tristemente produziram situações de exploração e preconceito.

Sempre que lidamos com novos valores e costumes é natural haver um choque cultural, mas não podemos nunca deixar que o estranhamento nos leve a assumir uma postura arrogante e preconceituosa.

Não podemos olhar para pessoas de outras culturas com foco nas diferenças, pois mesmo que aparentemente elas existam não podemos esquecer que em essência somos todos iguais !!!

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Viver Sonhando ou Sonhar Vivendo ??? Tenho plena convicção de que muita gente já se deparou com essa

questão tão intrigante: “viver sonhando ou sonhar vivendo ???”. Todo mundo pára alguns instantes para refletir sobre o sentido da vida

e, assim, acaba queimando neurônios na tentativa de responder essa pergunta.

Faz parte de todo ser humano ficar sonhando e idealizando acerca de sua própria história.

Sonhar é algo que faz parte da vida de todos nós, independente da raça, credo ou cultura.

Sonhar é algo que ganha um peso enorme na adolescência e que nos segue por toda a vida, em diferentes intensidades. Assim, de acordo com as diversificadas experiências que vamos tendo ao longo de nossa existência nossos ideais e nossas expectativas vão mudando.

Cada pessoa tem um olhar diferenciado que nos leva constantemente a captar sensações e formular conceitos e desejos. Assim, interagindo com o mundo ao nosso redor vamos adquirindo muitas referências que servem para emoldurar nossas vidas e os nossos sonhos.

Paulatinamente, essas referências acumuladas servem para estruturar nossas idéias e sentidos. Tais referências se formam com o tempo e são alicerçadas em parte no exemplo de pessoas com quem convivemos bem de perto. Assim, crescemos e formamos nossos gostos e nossas crenças por meio da convivência com familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, e até mesmo focando em pessoas distantes, como artistas, políticos, desportistas, entre tantos outros.

Dessa forma, rotineiramente “vivemos sonhando”, ou seja, almejamos uma “vida idealizada”, querendo ter uma aparência física diferente, conquistar outro emprego, conhecer novos amigos, morar em outra casa, conviver com uma família um pouco diferente, fazer coisas radicais etc. E desejamos, também, amar pessoas diferentes daquelas que estão à nossa volta.

Já tenho vivência suficiente para entender que nossa vida segue caminhos que quase nunca queremos trilhar. Pesquise um pouco e você verá que em todas as culturas, por todo o globo, há uma admiração enorme pela previsão do futuro. É grande o desejo que as pessoas têm por conhecer o seu destino. O ser humano por natureza é fascinado por previsões, pois todos nós vivemos sonhando, em busca do amanhã. Isso pode ser visto no apreço que muita gente tem pelo trabalho de profetas, videntes, ciganas, cartomantes, tarólogos, conselheiros sentimentais, analistas políticos, sociólogos etc.

É realmente bom pensar no futuro, desejando antever nossos dias

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vindouros. Muita gente faz isso através da paixão e da poesia, e há aqueles que buscam prever um cenário longínquo por meio da ciência e da razão.

Não há dúvidas que buscar o futuro é estar sujeito ao erro. Certamente que sonhar é correr riscos. Por isso mesmo, muita gente prefere ficar acomodado, com receio de sonhar e sofrer.

Quando deixamos nossa mente viajar livremente, sonhando com o futuro que queremos alcançar, corremos o risco de nos perder e, inesperadamente, podemos nos ver em meio a um imenso deserto ou isolados numa floresta fria e sombria.

Não tenho dúvidas que sonhar é ariscado, mas é muito pior ficar parado, sem fazer nada, pelo temor de sofrer buscando a realização de seus próprios sonhos.

Certamente que a vida é cheia de desencontros e tropeços. E, em muitas situações ruins, essas inúmeras dificuldades acabam endurecendo nosso coração, tornando nossa rotina apagada, como um filme em preto e branco.

É bem verdade que todos, sem exceção, às vezes se sentem frustrados e entediados com as suas próprias vidas. Mas, não podemos nos abater, deixando que a melancolia prevaleça. Lembre-se: são justamente os sonhos que nos leva a lutar para mudar a nossa sorte. São eles que nos levam a modificar nosso destino.

São os sonhos que nos levam a superar as limitações. São eles que nos fazem transpor os obstáculos do dia a dia, para assim construirmos uma bela história, daquele tipo que vemos no cinema, com um final feliz.

É certo que sonhar é um presente celeste que recebemos para viver melhor. Essa dádiva maravilhosa que só nós, seres humanos, possuímos precisa ser cultivada todos os dias, sem que com isso deixemos de aceitar e reconhecer o mundo real no qual estamos inseridos.

Os sonhos são ferramentas extraordinárias que nos habilitam a transformar nosso microcosmo. São os sonhos que nos fazem ariscar. São eles que nos levam a ir adiante, cheios de esperança e fé.

É preciso sonhar sempre, curtindo cada momento, sem perder o foco naquilo que realmente mais importa para cada um de nós.

É necessário ver a vida com a liberdade do amor, usando muito a imaginação, sem, contudo, perder a direção certa.

É importante deixar a paixão invadir nossa mente e encantar nosso espírito.

É preciso deixar o coração tomar a direção de nosso caminhar, ditando sempre as regras, para assim vermos o futuro de nossa vida e do mundo à nossa volta se enriquecer com cores e muito brilho.

Sonhar é imprescindível para quem quer se sentir realizado. É fundamental viver sonhando, aproveitando o momento presente. Não

se esqueça jamais que é imprescindível se desprender dos preconceitos e da dúvida para poder sonhar intensamente.

Sonhar é buscar sempre a felicidade, com todas as forças.

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Sonhar é querer ser feliz, curtindo a simplicidade de cada momento de forma plena, sentindo satisfação com aquilo que você é, sem deixar de valorizar aquilo que há de bom nas pessoas a sua volta !!!

Viver é sonhar intensamente, e com certeza só quem sonha muito vive melhor !!!

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Ilha de Marajó: sonho ou pesadelo ??? Todos nós adoramos ver documentários e reportagens mostrando

lugares belos e encantadores. Desde criança ficamos fascinados com cenas de animais selvagens, cachoeiras, oceanos e paisagens distantes.

Quando se fala em natureza brasileira alguns nomes logo vêm à nossa mente. Talvez o mais lembrado seja a Amazônia, seguido de perto pelo Pantanal, a Mata Atlântica, a Ilha de Fernando de Noronha e a Ilha de Marajó.

Certamente a Ilha de Marajó é um dos locais mais visitados por jornalistas e repórteres que querem mostrar curiosidades e grandes belezas de nosso país-continente.

Assim, quando se fala no Marajó todo mundo tem uma opinião bem formada, sempre associando a Ilha aos búfalos, aos guarás (aves vermelhas belíssimas), a coleta do caranguejo e ao hábito exótico de comer “turu” - que é um molusco que tem a aparência de uma “minhoca” e vive nas árvores podres do mangue. No Brasil são poucos os lugares em que se vê alguém comendo algo tão esquisito, o que chama muito a atenção do público.

Entretanto, pouca gente sabe que a Ilha de Marajó faz parte de um arquipélago (um conjunto com centenas de ilhas), que abrange uma área gigantesca, que, em seu todo, constitui a maior ilha fluvio-marítima do mundo, com 49.606 Km². Nessa imensidão existem 16 cidades, o que engloba uma população de aproximadamente 450 mil habitantes.

Só para ter uma idéia: a área do arquipélago do Marajó é maior que a área de alguns estados brasileiros, como, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Sergipe e Alagoas. Por isso, é possível dizer que a população marajoara vive isolada do resto do Brasil, sem os benefícios e confortos de outros lugares.

Tristemente, os dados mostram que a qualidade de vida da população marajoara fica muito abaixo da média brasileira. Falta de escolas, atendimento de saúde deficiente, mortalidade infantil, violência contra a mulher, crianças trabalhando, desmatamentos e outros crimes ambientais são problemas comuns nessa região.

Esse fato pode soar estranho para muita gente, pois o romantismo presente nos documentários ecológicos deixa uma imagem distorcida, como se nessa parte do país não existissem graves problemas sociais.

Vejo que é unânime a falta de conhecimento por parte da maioria dos brasileiros acerca da verdadeira realidade do Marajó. Acredito que a mídia tem um papel fundamental na produção de informação, o que deve ser feito não somente para entreter e formar opiniões simplistas, pois deve contribuir para reivindicar melhorias nas políticas públicas para reduzir as extremas desigualdades sociais de nossa nação.

Todo brasileiro tem orgulho de viver num país tropical, pacífico, cheio

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de povos e costumes diferentes. Faz parte de nosso cotidiano destacar as riquezas naturais e os valores culturais de nossa nação como algo bastante positivo, mas em muitos casos é triste ver que muitos símbolos nacionais não são valorizados como deveriam.

É certo que o Arquipélago do Marajó constitui-se numa das mais ricas regiões do país em termos de recursos hídricos, biológicos e culturais, o que justifica a necessidade de melhor valorização desse magnífico patrimônio.

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Escalpelamento: uma tragédia na Amazônia Muita gente quando ouve falar em “escalpelamento” pensa que isso é

algo do passado ou uma coisa que só existe no Cinema, pois logo se lembram de alguns filmes famosos do Velho Oeste Americano, como “Dança com Lobos” do ator Kevin Costner e “O Último dos Moicanos” com Daniel Day-Lewis.

Entretanto, quase ninguém sabe que esse tipo de tragédia ainda se faz bem presente em diversas localidades remotas da Amazônia brasileira, vitimando dezenas de mulheres e crianças. Infelizmente é justamente no arquipélago do Marajó, reconhecido internacionalmente pela suas grandes belezas naturais, é que se encontram atualmente os maiores registros de ocorrências de escalpelamento.

Na Amazônia quase não existem estradas e carros. Na maior floresta tropical do planeta, os rios são as estradas e os barcos fazem o papel dos carros. Tudo se transporta por meio dos barcos, que raramente atendem as condições de segurança.

Desde a década de 60, milhares de pequenas embarcações deixaram de ser movidas pela força do braço através das remadas, para serem conduzidas pela força mecânica de um tipo de motor pequeno colocado no centro da embarcação.

A introdução dessa nova tecnologia de baixo custo trouxe facilidades, mas fez surgir um enorme risco, pois nessas embarcações as pessoas, os animais, o combustível, as mercadorias e tudo o mais vai junto num mesmo espaço, o que causa um risco enorme de acidentes.

Assim, é nesse cenário que mulheres e crianças em algum momento de descuido deixam seus cabelos em contato com o eixo do motor que gira em alta rotação, ocorrendo o escalpelamento de forma abrupta e traumática.

Em alguns casos a perda dos cabelos é total. Além do couro cabeludo ocorre perda de sobrancelhas, pálpebras, orelhas e danos nos músculos da face e pescoço. As lesões às vezes são tão graves que podem provocar a morte por hemorragia, não dando chance sequer para o atendimento médico.

O tratamento das vítimas de escalpelamento é longo e penoso. Ele inclui uma dura jornada de cirurgias reparadoras com enxertos e tratamento psicológico. As vítimas precisam ficar internadas durante meses e até mais de um ano, o que desestabiliza totalmente a vida delas e de suas famílias.

Todos sabem que o cabelo ocupa um lugar importante na feminilidade da mulher, especialmente nas regiões ribeirinhas onde os cabelos longos são uma herança das tradições indígenas.

Quem conhece as belezas e encantos da Ilha de Marajó sabe que nada é mais triste do que ver a cena de uma bela mulher que juntamente com seus cabelos acabou perdendo o brilho nos olhos e o desejo de viver.

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Eu que tanto admiro essa região maravilhosa almejo profundamente ver o engajamento de governantes e de todos os demais segmentos de nossa sociedade, para que juntos possamos banir de vez esse mal dos escalpelamentos, de modo que ele se torne realmente um evento do passado.

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Como é viver na Amazônia ??? Essa é a pergunta que tenho ouvido bastante nos últimos tempos,

desde que vim morar na Amazônia. Todo mundo tem uma imagem formada acerca da Região Norte do

Brasil. Pra muita gente esse é um lugar distante, inóspito e selvagem; um lugar aonde o progresso ainda não chegou; uma região que mantém suas características naturais, reunindo beleza e encanto.

No geral, os moradores dos grandes centros urbanos do Sul e Sudeste enxergam essa parte do país como um grande tesouro, um lugar cheio de riquezas que precisa ser preservado e usado a favor de toda nação.

É esse tipo de idéia que vejo num monte de pessoas que aportam aqui nessa imensidão verde. Todos chegam um pouco assustados, deslumbrados e, às vezes, um tanto sonhadores.

Tais pessoas chegam querendo trazer mudanças, fazer revoluções, mudar conceitos, ensinar novos costumes, tudo um pouco parecido com o que faziam os antigos colonizadores europeus.

Observo muitos colegas perplexos com o que eles vêem e ouvem. “Pra nós da cidade grande o que acontece aqui na Amazônia é tudo muito estranho e bem esquisito”, eles dizem sempre.

Sei que é realmente difícil entender esse modo de ver a vida e fazer as coisas, principalmente para aqueles que têm uma visão baseada apenas nos filmes românticos e nos documentários ecológicos que a mídia mostra.

É certo que na Amazônia não há nada parecido para quem nasceu em ambientes urbanos bem desenvolvidos. Mas, pra quem chama essa parte do país de “Terra Natal” isso tudo é simples e normal.

Para os moradores locais acostumados com o ritmo lento e tranqüilo da floresta não há atropelos e sobressaltos.

“Aqui é assim, às vezes a maré vai prum lado e depois vai pro outro. De vez em quando tem uma ventania, o rio se agita, chegam as marolas mais fortes, mas logo tudo se acalma, tudo volta ao normal”, narra tranquilamente um morador local.

Quem nasce aqui já está bem acostumado com o ritmo lento e um pouco atrapalhado da Amazônia.

Contudo, pra quem é de fora, praqueles que vêm da cidade grande tudo isso é bem diferente, tudo é novidade !!!

É por isso que aqueles que vêm de fora acabam estressando mais do que deveriam. Quem chega quer ver o progresso, as mudanças acontecendo a todo vapor, se possível no ritmo acelerado do Twitter e do Facebook (coisas que vale lembrar: ainda não fazem parte da vida dos moradores da floresta !!!).

Mas, no final de tudo eu fico me perguntando: pra que estressar ???

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Será que precisamos correr tanto, perder o sono, ou criar cabelo branco ???

Essa vontade de ver mudanças, esse desejo de progresso, até que ponto é saudável ???

Tem horas que fico meditando, olhando pro acontecimento das coisas, vendo o comportamento das pessoas à minha volta. Nessas horas, fico pensando um pouco, questionando nossas atitudes e desejos.

Vale a pena a busca de resultados, se a paz do nosso coração vai embora ???

Vale a pena realizar muitos feitos, se nesse propósito endurecemos nosso semblante ???

É difícil saber ao certo qual o ponto de equilíbrio, qual o intervalo ideal que possa unir desejos e possibilidades.

Pelo tempo que já tenho aqui sei que é preciso ter muita sabedoria para ponderar nossas ações. Na Amazônia não se pode ter preconceitos, nem buscar extremos.

Acredito que o segredo do sucesso nessa região passa por uma adaptação, uma reavaliação de valores, conceitos e metas.

Viver em harmonia com a Amazônia é um caminhar que deve unir a busca de resultados e a satisfação do espírito.

Quem quer ser feliz nessa vastidão verde precisa labutar com afinco, sem deixar de valorizar o lado humano, os sentimentos e os sonhos.

Depois de tudo, o que vai realmente contar são as boas lembranças que vamos carregar.

Ao final de nossa jornada o que importa realmente é ter a alma leve e a consciência tranqüila, e o que verdadeiramente nos proporcionará isso não são os resultados e as metas alcançadas.

Acredito que o que realmente vai importar lá na frente são as boas lembranças.

A doçura da saudade, as risadas dos amigos, as aventuras apimentadas, as situações engraçadas, o aprendizado com a simplicidade e humildade dos moradores locais, o amor vivido, a solidariedade compartilhada ... são essas coisas que vão importar realmente !!!

Para se viver bem na Amazônia certamente só será possível se essas coisas permanecerem acessas na nossa alma por muitos anos !!!

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Andanças pela Amazônia Eu quase nunca escrevo sobre mim, mas na última semana passei por

uma situação bastante diferente, o que me levou a querer partilhar com outras pessoas.

Tudo começou cerca de 20 dias atrás quando recebi um telefonema de um Prefeito me convidando para dar uma palestra num evento que seria realizado em sua cidade. Assim, na data do compromisso me dirigi bem cedo para o porto aonde deveria encontrar o piloto da lancha que me levaria até a cidade do evento.

Aqui na Amazônia é assim, quase não existem estradas e são os barcos e lanchas que fazem o papel dos carros. Os rios são o caminho mais comum de ligação das cidades e vilas no interior da maior floresta tropical do mundo.

Fazer uma viagem de barco tem muitos atrativos. Em geral são viagens calmas e a beleza da paisagem oferece uma ótima oportunidade para relaxar e bater lindas fotos. Contudo, em algumas situações acontecem imprevistos também.

Num determinado trecho do caminho a lancha se chocou com algum objeto que estava submerso, causando um barulho forte e um grande solavanco. Com a batida a velocidade da lancha reduziu drasticamente e um ruído estranho demonstrava que a hélice tinha se danificado na colisão.

A tranquilidade da viagem deixou lugar a um clima tenso, pois fui informado pelo piloto que ele iria mudar o percurso para procurar um local aonde pudesse providenciar o conserto da embarcação. Assim, saímos do rio maior e seguimos por um rio mais estreito e sinuoso. A lancha estava andando muito lentamente e o ruído do motor era bem alto. Foi nesse momento que o piloto conduziu a lancha para a casa de um morador das margens daquele rio e pediu-me para descer e aguardar ali enquanto ele se dirigia ao local aonde providenciaria o conserto da lancha.

Eu lhe indaguei: “Mas você conhece essas pessoas ??? É seguro chegar assim na casa de alguém ??? Quanto tempo você vai demorar ???”

“Não se preocupe, as pessoas aqui estão acostumadas a receber visitas. O povo é tranquilo. Fica aí que eu volto logo pra te buscar”, respondeu o piloto, fazendo gestos rápidos indicando que eu deveria descer logo da lancha.

De um momento pro outro, aquela viagem deixou de ser um passeio gostoso para se transformar numa situação tensa.

Na Amazônia as casas são construídas perto da margem dos rios e ficam suspensas alguns metros acima do solo, com objetivo de evitar as enchentes constantes que acontecem durante o ano. Por causa dessa variação do nível da agua do rio quase todas as casas tem na frente uma

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longa passarela de madeira que serve para acesso de embarcações. Curiosamente, logo que desci na passarela em frente dessa casa fui

recebido por uma criança, um menino bem falante, que se aproximou, estendeu a mão para me cumprimentar e logo questionou meu nome e de onde eu vinha. Assim que lhe respondi essas duas perguntas, na mesma velocidade que havia aparecido ele saiu correndo para dentro de casa.

Eu fiquei ali ainda atônito, aguardando algum sinal e poucos instantes depois ele retornou me convidando a entrar na casa. Eu fui me aproximando devagar e ao entrar na casa me deparei com um homem deitado numa rede, balançando lentamente de um lado pro outro.

Eu me apresentei a ele, disse quem eu era, de onde vinha e que estava ali por causa do imprevisto da viagem, e que precisava aguardar o retorno do piloto da lancha. Enquanto eu falava o morador não expressava nenhuma reação, só ficava deitado tranquilamente na rede, balançando lentamente de um lado pro outro. Eu entrei na casa, me apresentei, e da mesma forma que o homem estava ele continuou. Somente após alguns instantes ele fez um gesto com a cabeça acenando para que eu sentasse numa cadeira no canto da sala.

Mal acabei de sentar na cadeira e levei um susto grande com um grito que o homem deu: “Minha filha, traz um café pra visita !!!” E sem ter tempo de me recuperar do susto já tinha a minha frente uma simpática garotinha com um copo de café na mão.

O olhar cativante daquela garotinha mostrava-me certa receptividade. Eu peguei o copo de café que estava esfumaçando e tomei um rápido gole. Ela sorriu e foi novamente para a cozinha da casa. À medida que o líquido quente descia até o estômago comecei a sentir uma sensação boa, e depois de mais um gole de café me senti a vontade para iniciar uma conversa. “A vida aqui é tranquila, não é ???”, eu questionei ao homem na rede. E ele só respondeu com um simples “sim”.

E eu prossegui, perguntando: “Quanto tempo você mora aqui ???” “Tem pouco tempo”, respondeu ele. E continuou, dizendo: “Essa casa é

bem nova. Eu moro aqui tem uns três meses. Antes eu morava ali perto. Essa casa eu ganhei do Governo. Foi o INCRA que me deu essa casa, sem precisar pagar nada.”

“Puxa, que bom !!! Ganhar uma casa nova é algo muito bom”, exclamei de surpresa.

“É verdade”, completou o morador. E fazendo um gesto com a cabeça, acenou para que eu olhasse para um motor no canto da sala. “Olha aí esse motor novo que eu ganhei. É um gerador de energia, pra gente acender a luz, pra fazer a geladeira funcionar, usar a bomba d'água. Olha também esse rádio aqui. É um rádio de primeira”. E mostrou orgulhoso um aparelho que estava com ele na rede. “Essas coisas e mais algumas outras que estão lá dentro eu ganhei. Tudo isso eu ganhei com o Crédito Apoio. O Governo criou esse Crédito Apoio para melhorar a nossa vida.”

“De um tempo pra cá as coisas melhoraram muito. Depois que o

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governo passou ajudar nóis a vida da gente melhorou muito”, disse com um grande sorriso no rosto.

“O senhor faz o que ??? Qual a sua profissão ???”, indaguei. “Eu sou pescador. Eu faço parte da Colônia de Pesca”, ele respondeu.

E já foi logo completando: “Eu tô aqui agora em casa por causa do defeso. Essa época do ano é a piracema, o período da reprodução dos peixes. Nesses meses eu não pesco. O Governo paga pra gente o Seguro Defeso pra gente não ter que pescá os peixes, pra os peixe podê desová. O Governo paga um dinheiro bom pra gente. É quase 3 mil reais”.

“Eh, realmente um dinheiro bom !!!”, exclamei novamente. E já fui fazendo outra pergunta: “O senhor caça também ???”

“Não !!!”, respondeu-me rapidamente e já foi explicando: “Antes eu caçava muito. Eu saía de madrugada pra caçar, pegava muitos bichos, tatu, paca, catitu ... hoje eu não caço mais. Agora o Governo dá pra gente o Bolsa Verde.”

“Bolsa Verde ???”, perguntei com supressa. “O que é isso ???” E ele respondeu com aquele olhar cheio de alegria. “O Bolsa Verde é

uma ajuda que o Governo dá pra gente. É uma ajuda de 300 Reais, pra gente não caçá, não desmatá, pra gente não prejudicá a floresta.”

Nessa altura a conversa estava num clima descontraído. O morador sorrindo falava de como a vida dele estava mudando, como o progresso estava mudando a rotina do local. Eu já estava menos tenso, já havia esquecido o sufoco passado com o acidente da lancha, e quando menos esperava levei mais um susto, pois de repente ele solta mais um grito: “Menino, vem cá !!!” A criança chegou rapidamente e o pai foi falando: “Você não ouviu o barulho ??? Tem alguém chegando. Vai lá ver quem é !!!”. O menino foi e um pouco depois voltou acompanhado de uma senhora. “É a parteira, pai.” E a senhora foi entrando calmamente pela casa, cumprimentou o pai e me cumprimentou também. “Vai lá e chama sua mãe”, ordenou o pai ao filho.

Enquanto a mãe não chegava a parteira nos mostrou orgulhosa o kit de materiais que ela estava portando. “Olha aqui o material que eu recebi do Governo. Esse aqui é o kit da Rede Cegonha, é o material que o Governo dá pras parteiras fazerem o seu trabalho”, falava com um grande sorriso no rosto.

Logo a mãe chegou. Ela estava grávida, de aproximadamente uns sete meses de gravidez. Ela me cumprimentou e depois foi com a parteira para o fundo da casa.

Eu continuei a conversa com o morador, perguntando algumas coisas sobre os animais e peixes da região. Mas, logo fiquei incomodado com os gemidos que viam do fundo da casa. Parecia que a mulher dele estava em trabalho de parto. Sem conseguir conter a curiosidade, perguntei: “O que é que está acontecendo ??? O que elas estão fazendo lá dentro ???”

O pai calmamente foi me falando: “A parteira está fazendo a puxação”. “Puxação ??? O que é isso ???”, indaguei cheio de surpresa.

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“É a massagem que a parteira faz. Ela faz isso pra ajeitá o bebê. Ela vai ajeitando, mexendo no bebê pra ele ficá na posição certa, no jeito certo pra nascê”, relatou o morador.

Enquanto o pai falava, os gemidos pareciam ficam mais fortes. Algumas vezes a mulher gritava de dor, como se a criança estivesse para nascer.

“Mas, a sua mulher está gemendo muito de dor. Não é perigoso uma massagem tão forte assim”, questionei.

“Tem gente que não gosta do jeito que essa parteira trabalha. O povo fala que ela faz a massagem muito forte. Eles falam que ela aperta muito a grávida. A minha mulher já tá chegando nos oitos meses de gravidez e se a parteira fizer a massagem forte o bebê pode nascer logo”, descreveu o pai com ares de naturalidade.

Aquela explicação me deixou bastante confuso. “Mas, se a parteira apertar demais a barriga da mãe não é arriscado a criança nascer prematura ??? Desse jeito não é perigoso a criança nascer antes do tempo ???”, perguntei.

“Antes eu não gostava desse tipo de parteira, mas agora eu vejo que é uma vantagem”, explicou o pai.

A aparente contradição nas afirmações do pai e o crescente barulho dos fortes gemidos que viam do interior da casa me deixaram ainda mais incomodado. “Mas se sua mulher está gemendo tanto e esse tipo de massagem pode fazer a criança nascer antes do tempo, qual a vantagem disso ???”, perguntei atônito.

“Eh, hômi. Eu tô vendo que você não entende nada da nossa região”, falou o pai com certo ar de desprezo pelas minhas dúvidas.

“Antes quando uma criança nascia de sete meses ou oito meses, isso era algo que preocupava a gente. Mas, agora não preocupa mais. Eu já tenho três filhos com a minha mulher. Esse menino que te recebeu lá fora, a menina que te serviu o café e um bebê de um ano e meio que tá lá dentro. Agora a minha mulher tá grávida de novo. Toda criança que nasce a gente ganha do Governo o “Auxílio Maternidade”. Cada criança que nasce a gente ganha uma ajuda de mais de 2 mil Reais. Por causa disso, se o bebê sai logo a mulher já fica livre pra engravidá de novo. Se ela dessocupá rápido a barriga, ela pode engravidá de novo”, explicou o pai.

“Auxílio Maternidade ?!?”, disse num misto de exclamação e espanto. “É isso mesmo !!! O Auxílio Maternidade é uma boa ajuda do Governo”,

disse o morador. E completou: “Olha que não é só isso não. Agora tem também o “Brasil Carinhoso”, que é outra ajuda do Governo. Hoje toda criança pequena de 0 a 6 anos ganha um valor de 100 Reais por mês.”

Eu fiquei por um momento calado meditando naquelas coisas. Um pouco depois a parteira passou pela sala, se despediu de nós e foi embora.

Após a saída da parteira a sala ficou em silêncio, pois eu fiquei sem assunto. Mas, de repente, um novo susto. O morador deitado na rede mais uma vez gritou: “Menino, vem cá !!!” A criança chegou rapidamente e o pai foi

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falando: “Você não ouviu o barulho do barco ??? Vai colher o açaí que o barco tá chegando !!!”. E na mesma velocidade que o menino chegou já saiu correndo para cumprir a tarefa.

Quando o menino saiu eu perguntei sobre o barco que se aproximava. “É um barco de um comerciante, um “regatão” como a gente chama aqui. Ele passa todo dia nesse horário trazendo mercadorias pra trocá pela nossa produção”, esclareceu o morador.

Nesse momento chegou a mulher dele, com uma expressão bem nervosa, e começou a brigar com o marido: “O menino tá estudando. Ele tem aula hoje a tarde. Ele tem que fazer o dever de casa. Tem que ir bem na escola senão a gente perde o Bolsa Família.”

“Ah, mulher !!! O menino tem que aprendê a trabalhá também. O barco tá chegando e ele vai trocar o açaí pelo nosso almoço.” A mulher ouviu isso, e deu as costas para o marido, retornando para o fundo da casa.

Um pouco depois chegou o menino com um cesto de palha cheio de frutinhos negros. “Olha pai o açaí que eu colhi”. E ouviu outra ordem do pai: “Vai lá, menino. Troca esse açaí por frango pra gente almoçá ... e troca também por mais alguma coisa.”

Alguns minutos depois, o menino retornou com um frango congelado, uma lata de óleo de cozinha e um pacote de açúcar. “Olha pai. Olha o que eu trouxe”.

“Tá bom !!! Agora vai levá pra sua mãe. Leva pra ela preparar o nosso almoço. E vai estudar, por que a gente não pode perder o Bolsa Família”.

Um pouco depois surge outro barulho na frente da casa e o pai grita de novo: “Menino, vai ver quem é !!!” E, antes que a criança pudesse chegar a tempo, uma pessoa se aproxima da porta e vai logo se apresentando: “Sou eu, o Agente Comunitário de Saúde. Vim trazer o produto pra tratar a água”, e foi se achegando pra dentro da casa. Ele era um homem baixo, de cabelos cacheados e vestia uma camisa branca. Ele cumprimentou o morador que nem fez questão de se levantar da rede, e depois me cumprimentou também. Nessa hora, o menino já estava ali do nosso lado para ouvir do pai outra ordenança: “Pega o frasco de hipoclorito e leva pra sua mãe.” Logo que a criança pegou o produto o Agente de Saúde se despediu e foi embora.

Não demorou muito e logo outra pessoa chegou. Dessa vez era um senhor de cabelo grisalho, vestido com roupas e sapatos sociais, com um grande embrulho nas mãos. Observando suas vestes e o jeito que falava vi que era uma pessoa religiosa. Ele se aproximou para entregar o embrulho cheio de roupas ao morador, que aparentemente nem fez conta do presente. “Coloca ali no canto que depois eu olho”, ordenou o morador. O religioso também tirou do bolso um saquinho plástico cheio de remédios, o que levou o pai a repetir o grito: “Menino, vem cá pegar o presente do Pastor pra sua mãe !!!” A criança chegou, pegou o saquinho de remédios, pegou também o embrulho de roupas e voltou pra dentro da casa. Após isso, o religioso se despediu e foi embora.

Com a saída do religioso, nós dois iniciamos uma nova conversa.

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“Existem muitas igrejas por aqui ???”, perguntei. “Sim. Tem igrejas demais. Antes a gente só conhecia a igreja Católica,

mas hoje tem todo tipo de igreja. Uns tempos atráis eu nem queria ouvir falar nessas igrejas dos crentes. Mas agora eu já gosto deles. Eles vêm aqui, fazem orações, visitam a gente quando estamos doente, eles traz remédios, roupas, calçados ... as vezes eles traiz presentes pras crianças ... Vê aí, esse pastor veio aqui trazer aquele embrulho de roupas e trouxe os remédios pra minha mulher”, explicou o morador.

“Quais as igrejas que tem nessa região ???”, questionei. “Tem igreja demais. Tem Assembleia, Quadrangular, Batista,

Presbiteriana, Deus é Amor ... tem também a Igreja do Véu, tem os Jeová. Uns ajudam mais, outras igreja ajudam menos. É dessa maneira”, explicou o morador.

“E a igreja Católica ???”, perguntei. “Os padres é difícil deles vir pro interior. Eles só vem uma vez por ano,

quando tem alguma coisa importante, um festejo ou coisa parecida. Quem tá por todo lado são essas igrejas dos crentes. Eles é que tão aqui todo dia pra ajudá nóis. Mas, de vez em quando a Pastoral da Criança também aparece pra ajudá”, detalhou o morador.

E enquanto ele me narrava das ajudas que a família dele já recebe das diversas entidades religiosas que atuam na região um novo visitante chegou a casa.

Como das outras vezes o pai gritou: “Menino, vai ver quem tá chegando !!!”. E mais uma vez o ritual se repetiu, o menino passou correndo pela sala e foi ver quem era. No rastro da criança chegou a mãe brigando. “Você não se mexe dessa rede. Só fica aí deitado gritando o menino. Ele tem que estudar. A gente não pode perder o Bolsa Família”, bravejava a mãe.

Nessa hora chega um senhor bem gordo, que carregava em suas mãos uma grande caixa. Nesse instante a mulher parou de brigar. O visitante chegou, cumprimentou a todos e foi logo transmitindo uma boa notícia para a mulher. Ele estava trazendo a entrega de uma máquina de costura e um kit de cabelo. E explicou que aquilo era parte do benefício do Governo que veio do PRONAF Mulher. É um recurso de 3 mil e 200 Reais, e a gente tem 20 anos pra pagar o valor de volta pro Governo.

A mãe que a poucos minutos estava raivosa mudou seu semblante e recebeu alegremente a entrega. O senhor, que era representante da Associação de Moradores, puxou uma dúzia de papéis e um mata-borrão de sua pasta e foi pegando a marca da digital do polegar direito da mãe para comprovar a entrega dos bens. Logo em seguida foi embora.

A mãe alegre chamou a filha para guardar os bens recebidos e se retirou para o interior da casa. Nisso o pai, admoestou o filho: “Menino, você já ajudou muito. Agora vai estudar que a sua mãe tem razão. A gente não pode perder o Bolsa Família. Vai estudar que você tem que ir pra aula hoje de tarde.”

Logo que o menino saiu, eu fiz uma reflexão em voz alta: “Puxa vida !!!

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Você e sua família já ganharam tanta coisa. Você já ganhou a Casa do INCRA, o Crédito Apoio ... Você recebe o Seguro Defeso, recebe também o Bolsa Verde. A sua mulher tem o Auxílio Maternidade, tem o Bolsa Família, o Brasil Carinhoso, recebeu ainda o PRONAF Mulher. A parteira ganhou o kit da Rede Cegonha. Tem a ajuda do Agente Comunitário de Saúde. Vocês contam ainda com as ajudas das Igrejas. Eh !!! E eu nem tinha ideia de tudo isso. Pelo jeito o Governo aqui tá fazendo muita coisa, né mesmo ?!?”

Ele nem teve tempo de falar nada e ouvimos outro barulho na frente da casa. Dessa vez eu não esperei pelo grito do morador chamando pelo filho e fui eu mesmo ver o que era. Para minha surpresa era o piloto da lancha que havia retornado para me buscar.

Eu voltei ao interior da casa e disse que o piloto já havia consertado a lancha.

O morador insistiu para que eu ficasse e almoçasse o frango que sua mulher estava preparando. No entanto, eu agradeci a acolhida e justifiquei minha partida por causa do compromisso. Eu agradeci o café, a conversa amigável e me despedi do morador que continuou do mesmo jeito, deitado na rede, balançando tranquilamente de um lado pro outro.

Por fim, segui em direção ao meu compromisso carregando comigo algumas reflexões sobre essa experiência curiosa que me mostrou um Brasil tão diversificado, instigante e que poucos conhecem.

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O que é Ser Mulher ??? Na última noite sonhei que um Ser Extraterrestre, vindo de um mundo

totalmente diferente do nosso, apareceu para me fazer essa pergunta intrigante.

Sem dúvidas que levei um grande susto por estar cara a cara com um Ser de outro planeta. Mas, o que mais me intrigou mesmo foi ouvir dele essa pergunta tão mirabolante. Antes que eu tentasse responder essa pergunta o ET me disse que em seu planeta não existem fêmeas e machos – todos lá são como bactérias, com reprodução assexuada, ou seja, sem a necessidade de outro individuo para viver e perpetuar a espécie.

Depois de superar o susto inicial, eu comecei a falar-lhe das diferenças físicas que existem entre a Mulher e o homem.

“— O corpo da Mulher tem mais curvas. A beleza dela é maior, especialmente por causa dessas curvas e volumes atraentes. Existem também na parte interna do corpo da Mulher muitas diferenças, pois ela tem útero, trompas, ovários, entre outras coisas. A força física dela, em geral, é bem menor do que a do homem. É fácil perceber isso quando se compara o tamanho das mãos e pés que ela tem. Dá pra ver facilmente que o corpo da Mulher é mais delicado, menos apto para o trabalho braçal”, respondi, acreditando satisfazer a curiosidade dele.

“— É só isso ??? São só aspectos físicos e biológicos que diferenciam vocês ???”, questionou o ET.

“— Não, certamente que não !!! A Mulher cuida de um jeito diferente de seu corpo. Ela dedica mais tempo para realçar sua beleza, seus atrativos naturais. A Mulher gosta de andar sempre bem vestida, perfumada, cheia de enfeites brilhantes e coloridos. Ela dedica diariamente uma atenção especial para o rosto, para o cabelo e a pele. O tipo e a qualidade das roupas e calçados são superiores aos usados pelo homem.”

“—É notório o cuidado que a Mulher tem consigo mesma, com esses detalhes externos e também com o funcionamento do corpo, que nós chamamos aqui na Terra de cuidados com a saúde. A Mulher cuida mais da alimentação. Ela faz mais atividades físicas e sempre vai com mais frequência ao médico”, expliquei.

“—Entendi. A Mulher tem uma constituição corporal diferente do homem, e por isso ela precisa tratar desse corpo de maneira diferente. É isso mesmo ???”, indagou o ET.

Eu fiquei um pouco confuso, sem saber bem o que falar, e disse: “—É ... e não é !?!”, e prossegui, tentando dar mais explicações: “—A Mulher também tem um jeito diferente de cuidar das coisas que estão a sua volta. Ela gosta de tudo em ordem, ela é organizada, administra bem o tempo, zela com carinho pelos bens e faz tudo bem feito. Ela também cuida melhor das

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outras pessoas, de ambos os sexos. Ela sabe cuidar melhor de nós, os homens. Ela é muito mais excelente para cuidar das crianças, dos idosos, dos enfermos, enfim de todos nós.”

“—Pelas informações que você está me passando eu acredito que todos os homens da Terra devem reconhecer facilmente o valor e importância da Mulher”, comentou o ET, completando com nova pergunta: “—Então isso é o que é ser Mulher ??? Um ser humano diferente do homem, que tem mais beleza, que cuida mais do seu corpo, que se preocupa mais com a saúde e que dispensa mais atenção para os bens e pessoas a sua volta ???”

“—Não !!! Na verdade tem mais coisas”, respondi. Nesse instante eu parei um pouco, fiquei meditando, tentando achar as

palavras certas. “Puxa vida !!! Nunca isso havia acontecido. Eu nunca tinha parado para pensar nisso !!!”, questionei-me silenciosamente. E prossegui mais uma vez:

“—Eu te falei ET das coisas mais fáceis, das características mais simples de se descrever. É fácil falar das diferenças físicas do corpo dela. É fácil falar do que a Mulher tem em seu corpo biológico, pois qualquer homem vê isso. Também é fácil falar das diferenças no jeito que a Mulher tem de fazer as coisas. Ela tem um fazer diferente consigo mesma, um fazer diferente com as coisas e pessoas à sua volta. Falar do que a Mulher tem e do que a Mulher faz é fácil. Difícil mesmo é falar do que é ser Mulher,” destaquei.

“—Para falar do que a Mulher tem em seu corpo é só recorrer à Biologia. Para falar do que a Mulher faz é só recorrer à Sociologia e Psicologia. No entanto, falar do que a Mulher é em sua essência é sem dúvida um grande desafio. Eu acredito que falar do que é “ser Mulher” só é realmente possível através da Poesia.”

“—Eu não sou um bom poeta, mas eu posso dizer para você que “Ser Mulher” é ser merecedora de respeito, carinho, admiração e amor !!!”, respondi.

Depois disso o ET foi embora, triste e cabisbaixo por saber que no seu planeta ele não tem alguém tão especial para partilhar sua vida como nós temos a Mulher aqui na Terra.

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O autor é natural de Itaúna, município do Centro-Oeste Mineiro, e

reside atualmente no Estado do Tocantins. É graduado em Matemática e Biologia, Mestre em Ciências do Ambiente e Especialista em Direito Ambiental. Tem ampla experiência profissional na área de Ciências Ambientais, com ênfase em Conservação das Espécies Animais e Etnoconhecimento, atuando principalmente nos seguintes temas: ecologia, tartarugas, jacarés, educação ambiental, índios Karajá/Javaé, índios Krahô-Kanela, terras indígenas, unidades de conservação, direito ambiental e políticas públicas de meio ambiente. Já publicou inúmeros artigos científicos e dezenas de textos com temática ambiental em diversos jornais, revistas e sites dos Estados do Tocantins, Goiás e Pará.