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Conjuntos e Funções Ivan Eugênio da Cunha 18/07/2011

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Conjuntos e Funções

Ivan Eugênio da Cunha

18/07/2011

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Conteúdo Capítulo I – Conjuntos e Relações ......................................................................................... 5

1 – Noções Elementares Sobre Conjuntos ....................................................................... 5

1.1 – Conjunto e elemento ......................................................................................... 5

1.2 – Pertinência ........................................................................................................... 5

1.3 – Representação ..................................................................................................... 5

1.4 – Conjunto unitário e vazio ............................................................................... 6

1.5 – Conjunto universo ............................................................................................. 7

1.6 – Subconjuntos e igualdade entre conjuntos ............................................ 7

1.7 – União e intersecção ........................................................................................... 9

1.8 – Diferença e complementar ........................................................................... 14

1.9 – Conjunto das partes e partição de conjuntos ...................................... 18

1.10 – Diferença simétrica ..................................................................................... 20

1.11 – Generalizações .............................................................................................. 21

Exercícios I – 1 ..................................................................................................................... 24

2 – Pares Ordenados e Produto Cartesiano ......................................................... 26

2.1 – Par ordenado ..................................................................................................... 26

2.2 – Produto cartesiano ............................................................................................... 27

Exercícios I – 2 ..................................................................................................................... 29

3 – Noção de Cardinalidade ........................................................................................ 30

3.1 – Cardinalidade de alguns conjuntos finitos ..................................................... 30

3.2 – Alguns exemplos .................................................................................................. 31

Exercícios I – 3 ..................................................................................................................... 34

4 – Relações ....................................................................................................................... 35

4.1 – Plano cartesiano ............................................................................................... 36

4.2 – Relações binárias ............................................................................................. 37

4.3 – Funções ................................................................................................................ 40

4.4 – Relações de equivalência .............................................................................. 42

4.5 – Relações de ordem total ................................................................................ 45

Exercícios I – 4 ..................................................................................................................... 48

1 – Características Gerais ........................................................................................... 51

1.1 – Definição de função e notações.................................................................. 51

1.2 – Igualdade entre funções................................................................................ 51

1.3 – União de funções .............................................................................................. 53

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1.4 – Imagens e pré-imagens de funções ........................................................... 55

Exercícios II – 1 ................................................................................................................... 60

2 – Funções Injetoras, Sobrejetoras e Bijetoras ................................................ 62

2.1 – Definições ............................................................................................................ 62

2.2 – Imagens e pré-imagens de injeções, sobrejeções e bijeções; função inversa .................................................................................................................. 64

Exercícios II – 2 ................................................................................................................... 66

3 – Conjuntos Indexados e Generalizações .......................................................... 67

3.1 – Conjuntos indexados ...................................................................................... 67

3.2 – Generalizações .................................................................................................. 69

Exercícios II – 3 ................................................................................................................... 73

4 – Produtos Cartesianos: Caso Geral .................................................................... 74

4.1 – O Axioma da Escolha ...................................................................................... 74

4.2 – Generalização do produto cartesiano ..................................................... 75

Exercícios II – 4 ................................................................................................................... 79

5 – Operações Unárias e Binárias; Estruturas Algébricas Básicas ........... 80

5.1 – Operações e Relações ..................................................................................... 80

5.2 – Comutatividade, associatividade e distributividade........................ 80

5.3 – Grupos .................................................................................................................. 82

5.4 – Anéis ...................................................................................................................... 86

5.5 – Corpos ................................................................................................................... 86

Exercícios II – 5 ................................................................................................................... 91

6 – Composição de Funções; Mais Sobre Grupos .............................................. 92

6.1 – Composição de funções ................................................................................. 92

6.2 – Morfismos de grupos ...................................................................................... 97

6.3 – Grupo de permutações................................................................................... 99

6.4 – Grupos diedrais .............................................................................................. 101

Exercícios II – 6 ................................................................................................................. 106

Capítulo III – Conjuntos Numéricos ................................................................................. 108

1 – Conjunto dos Naturais ......................................................................................... 108

1.1 – Axiomas de Peano .......................................................................................... 108

1.2 – Soma e produto de números naturais ................................................... 110

1.3 – Relação de ordem em ℕ ............................................................................... 112

1.4 – Potência de números naturais ................................................................. 116

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1.5 – Somatório e produtório ............................................................................... 117

1.6 – Teorema Binomial de Newton .................................................................. 129

Exercícios III – 1 ............................................................................................................... 133

2 – Conjuntos Finitos e Infinitos; Aritmética de Cardinais ........................ 136

2.1 – Conjuntos finitos ............................................................................................ 136

2.2 – Conjuntos infinitos ........................................................................................ 140

2.3 – Conjuntos enumeráveis ............................................................................... 142

2.4 – Equipotência de conjuntos ........................................................................ 144

2.5 – Números cardinais ........................................................................................ 145

2.6 – Ordenação de números cardinais ........................................................... 146

2.7 – Cardinais finitos ............................................................................................. 151

2.8 – Aritmética de cardinais ............................................................................... 153

2.9 – Generalizações e o Teorema de König .................................................. 159

2.10 – Generalizações de máximos e mínimos; equivalências do Axioma da Escolha; resultados finais ................................................................... 163

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Capítulo I – Conjuntos e Relações

A noção de conjunto é uma das mais fundamentais da matemática, pois (quase) toda a matemática pode ser construída com base no conceito de conjunto e suas propriedades. Nessa parte do texto serão apresentados alguns rudimentos da Teoria “Ingênua” dos Conjuntos e o que se denominam relações binárias, que desempenham papel significativo na matemática (inclusive na construção de diversos conjuntos de interesse).

1 – Noções Elementares Sobre Conjuntos 1.1 – Conjunto e elemento

As noções de conjunto e elemento são primitivas, ou seja, não são definidas, mas temos uma noção intuitiva. Um conjunto, intuitivamente, é um agrupamento de objetos (de qualquer natureza), esses chamados de elementos. Para a representação, se usa comumente letras maiúsculas para indicar conjuntos (por exemplo, conjunto �) e letras minúsculas para indicar elementos (por exemplo, elemento �).

1.2 – Pertinência

Outra noção primitiva é a de pertinência, que faz a relação entre elementos e conjuntos. Para indicar que um elemento pertence a um conjunto, se usa o símbolo “∈”. Por exemplo, dado um conjunto �, para indicar que um elemento � pertence a �, se escreve � ∈ �. Também se pode indicar que um determinado elemento � não pertence a um dado conjunto �. Para isso, usa-se a indicação “∉” e, assim, se escreve � ∉ � para indicar que não pertence. É interessante notar que, como um elemento de um conjunto pode ser qualquer objeto, pode-se ter que um conjunto pertença a outro. Ou seja, podemos ter conjuntos cujos elementos também são conjuntos. Normalmente esses conjuntos, quando explicitado que se trata de conjuntos formados de conjuntos, são chamados de famílias de conjuntos ou coleções de conjuntos.

1.3 – Representação

A representação de um conjunto pode ser feita de diversas maneiras. Uma forma que, em vezes, é conveniente consiste em simplesmente explicitar os elementos do conjunto. Ou seja, sendo � um conjunto e �, � e � seus elementos (por exemplo), escrever:

� = �, �, �� A utilização de chaves ao início e fim da listagem de elementos, além da utilização de vírgula para a separação desses, é uma convenção e será adotada nesse texto.

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Quando o conjunto é infinito, pode-se representar na forma de listagem, mas apresentando alguns elementos que tornem evidente qual conjunto se está tratando e acrescentando reticências no final da listagem. Por exemplo, podemos escrever o conjunto dos naturais como sendo ℕ = 1,2,3,4, ⋯ �. Mas as reticências também podem ser usadas em conjuntos finitos, bastando que, após as reticências, se indique o último elemento. Por exemplo, o conjunto dos quinhentos primeiros números naturais pode ser dado por � = 1,2,3, ⋯ ,500�. Outra forma de representar um conjunto é destacando alguma propriedade que caracterize esse. Ou seja, sendo � um conjunto e � uma propriedade exclusiva dos elementos desse conjunto, representar � por:

� = � | � ��� ����������� �� Lê-se “Conjunto � dos elementos � tal que � possui a propriedade �” (a barra vertical, |, é lida como “tal que”). É interessante ressaltar que a propriedade pode, na verdade, ser uma combinação de propriedades. Por exemplo, podemos dizer que o conjunto � é formado pelos números naturais pares menores que 100 (� =� ∈ ℕ | � é ��� � � < 100�) Uma terceira forma de representar um conjunto � é através do diagrama de Euler-Venn. Essa representação consiste em representar o conjunto como sendo um círculo onde se coloca o elemento dentro do círculo para dizer que ele pertence ao conjunto ou fora, caso o elemento não pertença ao conjunto. No exemplo abaixo, os elementos � e � pertencem ao conjunto � (�, � ∈ �) enquanto o � não pertence (� ∉�):

Uma última observação a ser feita é que a notação �, � ∈ � significa � ∈ � e � ∈ �. 1.4 – Conjunto unitário e vazio

Definição 1.4.1: Um conjunto é dito unitário se possui um único elemento. Ou seja, se � é unitário e �, � ∈ �, então � = �. Exemplo 1.4.1: O conjunto formado pelas soluções da equação 2� + 3 = 0 é unitário. A saber, o conjunto solução, #, é # = $− &'(. Definição 1.4.2: O conjunto vazio é aquele que não possui elementos.

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Mais comumente, o conjunto definido acima é representado pelo símbolo ∅, mas também pode ser representado por �. Esse conjunto pode aparecer quando a propriedade dada ao conjunto é logicamente falsa. Por exemplo, o conjunto dos números reais tais que � ≠ � (� = � ∈ ℝ | � ≠ ��) é o conjunto vazio, pois nenhum número real satisfaz essa condição.

1.5 – Conjunto universo

Em geral, no desenvolver de certos assuntos em matemática, admite-se a existência de um conjunto universo (genericamente representado por -). Tal é o conjunto ao qual pertencem todos os elementos envolvidos no assunto. Por exemplo, se a solução que se procura para um problema é um número real, o conjunto universo adotado é o dos números reais (tal situação será muito comum nesse texto).

1.6 – Subconjuntos e igualdade entre conjuntos

Definição 1.6.1: Um conjunto . é dito ser subconjunto de um conjunto � se todos os elementos de . forem também elementos de �. Ou seja, para todo �, � ∈ . ⟹ � ∈ � (o símbolo ⟹ se lê “implica”). Com mesmo significado também se diz que . está incluído em � ou que . é parte de �. Representamos a implicação dada simplesmente escrevendo . ⊂ �. Também é comum a utilização da notação . ⊆ �, que será esclarecida logo abaixo.

Definição 1.6.2: Se . ⊂ �, mas existe algum � tal que � ∈ � e � ∉ ., a inclusão é própria (podemos reescrever isso como ∃� | � ∈ � � � ∉ ., onde ∃ se lê “existe algum”). Diz-se, então, que . é um subconjunto próprio de � (ou parte própria de �). Uma forma equivalente de apresentar essa definição é dizendo que . ⊂ � é uma inclusão própria quando, para todo �, � ∈ . ⟹ � ∈ �, mas existe algum � tal que � ∈ � ⇏ � ∈ ., onde o símbolo ⇏ significa “não implica”. Ou seja, existe algum � que pertence a �, mas não a .. Definição 1.6.3: O caso oposto, quando se tem . ⊂ � e todos os elementos de � pertencem a ., ou seja, para todo �, � ∈ . ⇔ � ∈ �, é o que define a igualdade entre dois conjuntos (o símbolo ⇔ é uma composição da implicação ⇒ com a ⇐ e pode ser lido como “é equivalente”, “se, e somente se,” ou “é condição necessária e suficiente”). Quando a condição � ∈ . ⇔ � ∈ �, para todo �, é satisfeita, se escreve . = �. Agora se pode entender as duas notações usadas: em alguns textos, se usa a notação . ⊂ � exclusivamente quando . é um subconjunto próprio de � e . ⊆ � quando se admite a possibilidade de . = � (é uma notação análoga ao de � ≤ � nos números reais quando se quer dizer que � é menor ou igual a �). Mas aqui usaremos a notação . ⊂ � mesmo que exista a possibilidade de . = �. Quando . for subconjunto próprio de �, exclusivamente, tal fato será explicitado. Abaixo está a representação diagramática do que foi discutido.

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Observação: Na esquerda, está, na verdade, representada a inclusão própria e na direita a igualdade entre conjuntos. De forma geral, quando . ⊂ �, pode ocorrer uma (e, claro, apenas uma) das duas situações.

Exemplo 1.6.1: Sendo o conjunto � = �, �, �, 1,2,3� e . = 1, �, 3�, temos . ⊂ �, pois cada elemento de . também é elemento de �. Exercício 1.6.1: Dado � = �, �, �� e . = �, �, ��, mostre que � = .. Veja que, de forma geral, a igualdade entre conjuntos não depende da ordem em que são listados os elementos.

Exercício 1.6.2: Se um conjunto � é dado por � = �, �, �� e . é dado por . = �, �, �, �, �, �, ��, podemos dizer que � = .? SUGESTÃO: Use a Definição 1.6.3.

Existem também as relações de negação referentes às definições apresentadas. Dizemos que um conjunto . não é subconjunto do conjunto �, e denotamos isso por . ⊄ �, quando existe algum � ∈ . tal que � ∉ �. Perceba que isso é a negação da afirmação � ∈ . ⟹ � ∈ � para todo �. Não estamos dizendo que nenhum elemento de . pertença a �, mas sim que, para algum �, � ∈ . ⇏ � ∈ �. Ou seja, deve existir algum elemento de . que não pertence a �. Uma observação geral é que, muito comumente, se se tem um símbolo para representar uma afirmação (como o ⟹ para indicar implicação), a negação é dada pelo mesmo símbolo acrescentando um corte (como já ocorreu várias vezes nesse texto e, para completar o exemplo, representamos “não implica” por ⇏).

Para a igualdade, dizer que um conjunto � é diferente de um conjunto . (denotamos � ≠ .) é equivalente a dizer que existe algum elemento de � que não pertence a . ou que existe algum elemento de . que não pertence a �. Aqui temos a situação onde há um ou inclusivo. Isso quer dizer que não necessariamente uma ou

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(exclusivo) outra afirmação deva ser verdadeira. Se ambas as afirmações forem verdadeiras também se diz que � é diferente de . (como é intuitivo). Também é possível ver que isso é a negação da definição de igualdade apresentada. � ≠ . é o mesmo que dizer que, para algum �, � ∈ . ⇎ � ∈ �. Perceba que a dupla implicação é a composição de duas implicações (⇒ e ⇐) e, dessa forma, basta que uma das implicações seja falsa para a dupla implicação ser falsa. Assim, se � ≠ ., uma das seguintes situações acontece:

1) Para algum �, � ∈ . ⇏ � ∈ � e, para todo �, � ∈ . ⇐ � ∈ � (pela definição 1.6.2, essa seria uma inclusão própria de � em .)

2) Para algum �, � ∈ . ⇍ � ∈ � e, para todo �, � ∈ . ⇒ � ∈ � (pela definição 1.6.2, essa seria uma inclusão própria de . em �)

3) Para algum �, � ∈ . ⇏ � ∈ � e, para algum �, � ∈ . ⇍ � ∈ � (nem � nem . são subconjuntos um do outro).

Exemplo 1.6.2: Sendo � = �, �, �, 1� e . = �, �, �, 2�, � ≠ ., pois 1 ∈ �, mas 1 ∉ .. Também se tem que 2 ∈ ., mas 2 ∉ �. Listemos algumas propriedades da inclusão em forma de teoremas. Usaremos conjuntos arbitrários �, . e ;. Teorema 1.6.1: ∅ ⊂ � Demonstração: A demonstração é anti-intuitiva, pois parte de uma propriedade lógica não muito comum. Pela definição, . ⊂ � é equivalente a � ∈ . ⟹ � ∈ � para todo �. Assim, devemos mostrar que essa implicação é verdadeira quando . = ∅. Ou seja, mostrar que, para todo �, � ∈ ∅ ⟹ � ∈ �. De fato a implicação é verdadeira, pois � ∈ ∅ é falso para todo � (afinal, o conjunto vazio não possui elementos), mas � ∈ � pode ser verdadeiro ou falso. Isso fica mais claro quando escrevemos, de forma equivalente, que, para todo �, � ∉ � ⟹ � ∉ ∅ (tal implicação, de forma geral, é intuitiva, pois, se . ⊂ �, um elemento que não pertença a � não pode pertencer a .). Como se pode ver, a implicação é verdadeira. Isso mostra que qualquer conjunto possui como subconjunto o conjunto vazio.

QED

Teorema 1.6.2: � ⊂ � (propriedade reflexiva) Teorema 1.6.3: (. ⊂ � e � ⊂ .) ⇒ A=B (anti-simetria) Teorema 1.6.4: (; ⊂ . e . ⊂ �) ⇒ ; ⊂ � (transitividade) Exercício 1.6.3: Demonstre esses últimos três teoremas.

1.7 – União e intersecção

Para os conjuntos, são, inicialmente, definidas duas operações: união e intersecção.

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Definição 1.7.1: Dado um conjunto universo - e sendo �, . ⊂ - (essa notação indica que � ⊂ - e . ⊂ -), a união entre � e ., denotada por � ∪ ., é definida por:

� ∪ . = � ∈ - | � ∈ � �= � ∈ .� Uma observação que deve ser feita é que o “ou” dessa definição é inclusivo. Isso quer dizer que, se � pertence a � e . simultaneamente, ele ainda pertence à união. Ou seja, não se exclui os casos em que ambas as afirmações são verdadeiras (a de que � ∈ � e a de que � ∈ .).

Definição 1.7.2: Dado um conjunto universo - e sendo �, . ⊂ -, a intersecção entre � e ., denotada por � ∩ ., é definida por:

� ∩ . = � ∈ - | � ∈ � � � ∈ .� Deve-se perceber que, nesse caso, o elemento deve, para ser um elemento da intersecção, pertencer simultaneamente a ambos os conjuntos.

Abaixo são apresentadas as principais propriedades dessas operações. Também são apresentadas algumas representações na forma de diagramas de Euler-Venn, para tornar algumas propriedades mais claras.

Teorema 1.7.1: A união e intersecção são comutativas. Ou seja, � ∪ . = . ∪� e � ∩ . = . ∩ � Demonstração: Tomando a definição:

� ∪ . = � ∈ - | � ∈ � �= � ∈ .� = � ∈ - | � ∈ . �= � ∈ �� = . ∪ � QED

Teorema 1.7.2: A união e a intersecção possuem propriedade associativa. Ou seja, ?� ∪ .) ∪ ; = � ∪ ?. ∪ ;) e ?� ∩ .) ∩ ; = � ∩ ?. ∩ ;) quaisquer que sejam �, ., ; ⊂ -.

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Demonstração: Pela definição:

?� ∪ .) ∪ ; = � ∈ - | � ∈ � ∪ . �= � ∈ ;� = � ∈ - | � ∈ � �= � ∈ . �= � ∈ ;� = � ∈ - | � ∈ � �= � ∈ . ∪ ; � = � ∪ ?. ∪ ;) QED

Teorema 1.7.3: A união e a intersecção são operações fechadas. Ou seja, o conjunto resultante ainda é um subconjunto do conjunto universo. De forma equivalente, �, . ⊂ - ⟹ ?� ∪ . ⊂ - � � ∩ . ⊂ -). Demonstração: O resultado é imediato, pois todos os elementos dos conjuntos usados pertencem ao conjunto universo. Dessa forma, os elementos do conjunto dado pela união ou intersecção de subconjuntos de - ainda serão elementos de -.

QED

Teorema 1.7.4: A união e intersecção são operações idempotentes. Ou seja, � ∪ � = � e � ∩ � = �. Demonstração: Pela definição:

� ∪ � = � ∈ - | � ∈ � �= � ∈ �� = � ∈ - | � ∈ � � = � QED

Teorema 1.7.5: As seguintes equivalências são verdadeiras:

. ⊂ � ⟺ � ∪ . = � ⟺ � ∩ . = . Demonstração: Pela definição de inclusão, para todo � ∈ -, � ∈ . ⟹ � ∈ �. Dessa forma � ∪ . = � ∈ - | � ∈ � �= � ∈ .� = � ∈ - | � ∈ � � = �. Reciprocamente, se � ∪ . = �, suponhamos por absurdo que . não seja subconjunto de �. Assim, existe � pertencente a . tal que � não pertence a �, mas isso leva a um absurdo, pois � ∪ . = � ⇒ � ∈ - | � ∈ � �= � ∈ .� = � ∈ - | � ∈ � �. Ou seja, o � mencionado tem que pertencer a �.

QED

Teorema 1.7.6: Dados � e . quaisquer, as seguintes afirmações são verdadeiras:

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�, . ⊂ � ∪ . � ∩ . ⊂ �, . Demonstração: Basta mostrar que � ⊂ � ∪ ., pois os conjuntos são arbitrários. Pela definição, � ∪ . = � ∈ - | � ∈ � �= � ∈ .�. Dessa forma, para todo � ∈ -, � ∈ � ⇒ � ∈ � ∪ ., que, pela definição de subconjunto, é o mesmo que dizer que � ⊂ � ∪ ..

QED

Teorema 1.7.7: O conjunto vazio é o elemento neutro da união e o elemento “nulo” da intersecção. Ou seja, � ∪ ∅ = � e � ∩ ∅ = ∅. Também se tem que o conjunto universo é o elemento neutro da intersecção, ou, de forma equivalente, � ∩ - = �. Demonstração: Usemos alguns resultados já demonstrados. Qualquer que seja �, ∅ ⊂ � (Teorema 1.6.1) e, pelo Teorema 1.7.5, ∅ ⊂ � ⇔ ∅ ∪ � = �, demonstrando o resultado.

QED

Teorema 1.7.8: A união é distributiva em relação à intersecção e a intersecção é distributiva em relação à união. Isso quer dizer que, quaisquer que sejam �, ., ; ⊂ -, � ∪ ?. ∩ ;) = ?� ∪ .) ∩ ?� ∪ ;) e � ∩ ?. ∪ ;) = ?� ∩ .) ∪ ?� ∩ ;). Demonstração: Pela definição:

� ∪ ?. ∩ ;) = � ∈ - | � ∈ �� ∪ � ∈ - | � ∈ . � � ∈ ;� = � ∈ - | � ∈ � �= ?� ∈ . � � ∈ ;)� = � ∈ - | ?� ∈ � �= � ∈ .) � ?� ∈ � �= � ∈ ;)� = � ∈ - | � ∈ � �= � ∈ .� ∩ � ∈ - | � ∈ � �= � ∈ ;� = ?� ∪ .) ∩ ?� ∪ ;) QED

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Por fim, listemos as propriedades apresentadas:

1) � ∪ . = . ∪ � e � ∩ . = . ∩ � (comutativa) 2) ?� ∪ .) ∪ ; = � ∪ ?. ∪ ;) e ?� ∩ .) ∩ ; = � ∩ ?. ∩ ;) (associativa) 3) �, . ⊂ - ⟹ ?� ∪ . ⊂ - � � ∩ . ⊂ -) (fecho) 4) � ∪ � = � e � ∩ � = � (idempotência) 5) . ⊂ � ⟺ � ∪ . = � ⟺ � ∩ . = . 6) �, . ⊂ � ∪ . e � ∩ . ⊂ �, . 7) � ∪ ∅ = �, � ∩ ∅ = ∅ e � ∩ - = � (elementos neutros e “nulos”). 8) � ∪ ?. ∩ ;) = ?� ∪ .) ∩ ?� ∪ ;) e � ∩ ?. ∪ ;) = ?� ∩ .) ∪ ?� ∩ ;)

(distributiva)

Essas propriedades são básicas e é importante que se tenha familiaridade com elas.

Exercício 1.7.1: Os teoremas acima foram demonstrados apenas para a união. Faça as demonstrações que faltam (referentes à intersecção). Faça também a representação dessas propriedades na forma de diagramas de Euler-Venn quando não for uma propriedade imediata.

Exercício 1.7.2: Demonstre os seguintes corolários dos teoremas

apresentados acima: � ∪ ?� ∩ .) = � e � ∩ ?� ∪ .) = �.

Definição 1.7.3: Se � e . são conjuntos quaisquer e � ∩ . = ∅, � e . são ditos conjuntos disjuntos. Quando isso ocorre, a união � ∪ . é chamada de união disjunta.

No decorrer do texto será dito algumas vezes que certas uniões são disjuntas, mas não se estará, em geral, acrescentando uma propriedade à união e sim ressaltando a propriedade referida acima.

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14

Exercício 1.7.3: Mostre que a definição acima para conjuntos disjuntos é

equivalente a “� e . são disjuntos se, e somente se, para todo �, � ∈ � ⇒ � ∉ .”. Justifique porque não é necessário impor que, para todo �, � ∈ . ⇒ � ∉ �.

1.8 – Diferença e complementar

Definição 1.8.1: Dados �, . ⊂ - (- o conjunto universo), a diferença entre � e ., denotada por � − . (lê-se “� menos .”) ou �\., é o conjunto dado por:

� − . = � ∈ - |� ∈ � � � ∉ .�

Essa definição concorda com a noção intuitiva de diferença, pois se está “subtraindo” de � os elementos que pertencem a .. Mas se deve perceber que os elementos de . que não pertencem a � não interferem na diferença. Por exemplo, se � = 1,2,3,4� e . = 3,4,5,6,7,8�, � − . = 1,2�. Teorema 1.8.1: Dado - um conjunto universo e �, ., ; ⊂ -, tem-se que:

� − ?. ∪ ;) = ?� − .) ∩ ?� − ;) Demonstração: � − ?. ∪ ;) = � ∈ - |� ∈ � � � ∉ . ∪ ;�

= � ∈ - |� ∈ � � � ∉ � ∈ . �= � ∈ ;�� = � ∈ - |� ∈ � � � ∉ . � � ∉ ;� = � ∈ - |� ∈ � � � ∉ .� ∩ � ∈ - |� ∈ � � � ∉ ;� = ?� − .) ∩ ?� − ;) QED

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Corolário: � − ?� ∪ .) = ∅ Teorema 1.8.2: Dado - um conjunto universo e �, ., ; ⊂ -, tem-se que:

� − ?. ∩ ;) = ?� − .) ∪ ?� − ;) Demonstração: � − ?. ∩ ;) = � ∈ - |� ∈ � � � ∉ . ∩ ;�

= � ∈ - |� ∈ � � � ∉ � ∈ . � � ∈ ;�� = � ∈ - |� ∈ � � ?� ∉ . �= � ∉ ;)� = � ∈ - |� ∈ � � � ∉ .� ∪ � ∈ - |� ∈ � � � ∉ ;� = ?� − .) ∪ ?� − ;) QED

A parte que pode ser confusa na demonstração é a passagem da segunda para a terceira linha. Perceba que � não pertencer à intersecção significa que ele não pertence a . e ; simultaneamente. A condição � ∉ . �= � ∉ ; nos diz que, lembrando que se trata de um “ou” inclusivo, ou � pertence a ., mas não a ;, ou � pertence a ;, mas não a ., ou � não pertence nem a ; nem a .. De forma mais sucinta, dado um �, existem as três possibilidades seguintes: � ∈ . � � ∉ ;, � ∉ . � � ∈ ; ou � ∉ . � � ∉ ;. Isso é o mesmo que dizer que o elemento � não pertence à intersecção (que é a única possibilidade que não pode acontecer, a saber, � ∈ . � � ∈ ;). Corolário: � − ?� ∩ .) = � − . Teorema 1.8.3: ?. ∩ ;) − � = ?. − �) ∩ ?; − �), com �, ., ; ⊂ - e - sendo o conjunto universo.

Teorema 1.8.4: ?. ∪ ;) − � = ?. − �) ∪ ?; − �), com �, ., ; ⊂ - e - sendo o conjunto universo.

Exercício 1.8.1: Demonstre esses dois últimos teoremas. Faça também as

representações diagramáticas.

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Exercício 1.8.2: Mostre que � ∩ ?. − ;) = � ∩ . − � ∩ ;.

Definição 1.8.2: Se . ⊂ �, o conjunto � − . é chamado de complemento de . em relação a �. Tal conjunto é denotado por: ∁F. = � − .

A noção de complemento só faz sentido se um conjunto for parte de outro, como se pode ver na condição de que . ⊂ �. Vemos que o complemento é o conjunto de todos os elementos de � que não pertencem a . (diagrama abaixo).

Quando se tem um conjunto universo - e se quer o complementar de um conjunto � ⊂ - em relação a -, a notação usada é:

�G = ∁H� = - − � Algumas propriedades elementares da complementação são apresentadas abaixo tomando ., ; ⊂ � ⊂ -. Existem as propriedades que podem ser generalizadas e isso será feito mais adiante.

Teorema 1.8.5: ?∁F.) ∩ . = ∅ e ?∁F.) ∪ . = � Demonstração: ?∁F.) ∩ . = � ∈ - |� ∈ � � � ∉ .� ∩ � ∈ - |� ∈ .�

= � ∈ - |� ∈ � � � ∉ . � � ∈ . � = ∅ Perceba que a conclusão foi devida ao fato de não poder existir � que pertença a . e, ao mesmo tempo, não pertença a ..

QED

Exercício 1.8.3: Demonstre que ?∁F.) ∪ . = �.

Teorema 1.8.6: ∁F� = ∅ e ∁F∅ = � Demonstração: ∁F� = � ∈ - |� ∈ � � � ∉ �� = ∅

QED

Exercício 1.8.4: Demonstre que ∁F∅ = �. Teorema 1.8.7: ∁F?∁F.) = . Demonstração: ∁F?∁F.) = � ∈ - |� ∈ � � � ∉ ;F.�

= � ∈ - |� ∈ � � � ∉ � ∈ � � � ∉ .�� = � ∈ - |� ∈ � � � ∈ .� = .

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17

QED

O resultado é intuitivo, pois o complemento de . em relação a � ?∁F.) são todos os elementos de � que não pertencem a . e o complemento do complemento de . em relação a � (∁F?∁F.)) são todos os elementos de � que não pertencem ao complemento de .. Isto é, o próprio .. Teorema 1.8.8: ∁F?. ∩ ;) = ?∁F.) ∪ ?∁F;) Demonstração: Por definição, ∁F?. ∩ ;) = � − ?. ∩ ;). Usando o Teorema 1.8.2:

∁F?. ∩ ;) = � − ?. ∩ ;) = ?� − .) ∪ ?� − ;)IJJJJJJJJJJKJJJJJJJJJJLMNOPNQR S.U.' = ?∁F.) ∪ ?∁F;) QED

Teorema 1.8.9: ∁F?. ∪ ;) = ?∁F.) ∩ ?∁F;) Exercício 1.8.5: Demonstre esse teorema e represente em forma de

diagrama. SUGESTÃO: Use o Teorema 1.8.1.

Teorema 1.8.10: Sendo ., ; ⊂ �, ; − . = ; ∩ ∁F. Demonstração: Usando o Exercício 1.8.2, temos que ; ∩ ∁F. = ; ∩?� − .) = ; ∩ � − ; ∩ . = ; − ; ∩ . = ; − ..

QED

Exercício 1.8.6: Mostre que, se . ⊂ �, então essa é uma inclusão própria se, e somente se, ∁F. ≠ ∅.

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Pode-se também apresentar as mesmas propriedades quando o complemento é em relação a um conjunto universo. Como já dito, nesse caso, a notação usada é �G = ∁H� = - − �, com � ⊂ -. Assim, as propriedades tomam a forma:

1) �G ∩ � = ∅ e �G ∪ � = - 2) -G = ∅ e ∅G = - 3) ?�G)G = � 4) ?� ∪ .)G = �G ∩ .G 5) ?� ∩ .)G = �G ∪ .G

As demonstrações já foram realizadas, pois é um caso particular do que já foi tratado (apenas usando o próprio - como subconjunto de -). As propriedades 4 e 5 listadas são chamadas de regras de De Morgan (Augustus De Morgan) e uma generalização delas será feita mais adiante.

1.9 – Conjunto das partes e partição de conjuntos

Definição 1.9.1: Dado um conjunto �, chamamos de conjunto das partes de �, denotado por �?�), o conjunto formado por todos os subconjuntos de �. Ou seja: �?�) = V| V ⊂ ��

Exemplo 1.9.1: Dado � = �, ��, então �?�) = W��, ��, �, ��, ∅X, pois esses são todos os subconjuntos que podem ser extraídos de �. Também se diz que �?�) é a coleção de todos os subconjuntos de �. Antes de passar a definição de partição, é interessante que sejam definidos os “operadores grandes” de união e intersecção.

Definição 1.9.2:

Y �ZS

Z[S = �S

Y �Z\

Z[S = ]Y �Z\^SZ[S _ ∪ �\

Essa definição é uma recorrência. Mas ` �Z\Z[S só está bem definido se ` �Z\^SZ[S está bem definido. Ou seja, para se usar ` �Z\Z[S = a` �Z\^SZ[S b ∪ �\, deve-se saber o que é ` �Z\^SZ[S . No final das contas, essa

definição nos permite escrever a união de � conjuntos de forma mais compacta. Se continuarmos a recorrência até � − ?� − 1) = 1, obteremos o seguinte resultado:

Y �Z\

Z[S = �S ∪ �' ∪ ⋯ ∪ �\

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Uma observação a ser feita é que os conjuntos �S, �', ⋯ , �\ não são necessariamente iguais. Não se usou diferentes letras para distingui-los, mas a distinção foi dada pelos índices 1,2, . . . , �. Exemplo 1.9.2: Seja �S = �, �, ��, �' = �, 1,2� e �& = �, �, c, d, e�. A união desses conjuntos é:

Y �Z&

Z[S = �S ∪ �' ∪ �& = �, �, �, 1,2, c, d, e� Definição 1.9.3:

f �ZS

Z[S = �S

f �Z\

Z[S = ]f �Z\^SZ[S _ ∩ �\

A discussão desse operador é inteiramente análoga a do anterior. Apenas repitamos a seguinte observação:

f �Z\

Z[S = �S ∩ �' ∩ ⋯ ∩ �\ Exemplo 1.9.3: Usando os mesmos conjuntos �S, �' e �& do Exemplo 1.9.2:

f �Z&

Z[S = �S ∩ �' ∩ �& = �� Antes da definição, convencionemos que os elementos do conjunto g, que vamos definir, são chamados de �Z (eventualmente �h) com � (ou i) podendo ser qualquer número natural de 1 até � (sendo � o número de elementos de g). Dessa forma, índices diferentes indicam elementos distintos de g. Observação importante: Será visto no capítulo seguinte que existe a possibilidade de índices distintos corresponderem a um mesmo elemento do conjunto. Então convencionaremos que será admitida a possibilidade de índices distintos referirem a elementos iguais somente quando chamarmos o conjunto de família (família de elementos ou família de conjuntos).

Definição 1.9.4: Uma partição de � é um conjunto g formado de subconjuntos não vazios �Z de � tal que as seguintes propriedades sejam satisfeitas:

a) Se �Z , �h ∈ g e � ≠ i, então �Z ∩ �h = ∅. b) Sendo � o número de subconjuntos de � que existem na partição g, ` �Z\Z[S =�.

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Alguns comentários podem tornar a definição mais clara. A primeira condição diz que, dados dois elementos (subconjuntos de �) quaisquer que pertençam à partição g, se não se trata do mesmo elemento (que é o significado de � ≠ i), então esses elementos são disjuntos. Ou seja, um elemento de g é disjunto de todos os outros elementos de g (diz-se que os elementos são disjuntos aos pares). A segunda condição simplesmente afirma que a união (disjunta) de todos os elementos de g resulta no próprio �. Perceba que uma partição de � “divide” (particiona) � em uma coleção de subconjuntos disjuntos uns dos outros. Observemos também que g ⊂ �?�) e que essa inclusão é própria. Abaixo está apresentado o diagrama de uma possível partição de �.

Exemplo 1.9.4: Dado � = �, �, ��, uma partição possível é g = W�, ��, ��X. Mas também poderia ser g′ = W��, ��, ��X. No entanto nem . = W��, ��X nem ; = W�, ��, �, ��X são partições de �. Exercício 1.9.1 (importante): Se uma coleção de subconjuntos de �, k,

possui a propriedade: para cada � ∈ �, � pertence a um, e somente um, �Z ∈ k, mostre que k é uma partição de �. Mostre também que há recíproca. Ou seja, que, se k é uma partição de � (pela definição 1.9.4), k possui a propriedade apresentada na primeira parte desse exercício. Observação: Cada elemento de k é notado por �Z, com as mesmas convenções prévias adotadas para g.

1.10 – Diferença simétrica

Definição 1.10.1: Dados �, . ⊂ -, a diferença simétrica entre � e ., simbolizada por �∆., é o conjunto dado por:

�∆. = � ∈ - |� ∈ � ∪ . � � ∉ � ∩ .� De forma equivalente: �∆. = � ∪ . − � ∩ ..

Isto é, a união dos conjuntos, mas tirando os elementos da intersecção.

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Exercício 1.10.1: Mostre que �∆. = ?� − .) ∪ ?. − �) é uma definição

equivalente para a diferença simétrica.

Abaixo estão listadas as principais propriedades da diferença simétrica tomando - como conjunto universo e �, . e ; conjuntos arbitrários. As demonstrações delas são deixadas como exercício.

Teorema 1.10.1: �∆. = .∆� (comutatividade) Teorema 1.10.2: ?�∆.)∆; = �∆?.∆;) (associatividade) Teorema 1.10.3: �∆∅ = � (elemento neutro) Teorema 1.10.4: �∆� = ∅ Teorema 1.10.5: � ∩ ?.∆;) = ?� ∩ .)∆?� ∩ ;) (distributividade da intersecção em relação à diferença simétrica)

Teorema 1.10.6: �∆. ⊂ ?�∆;) ∪ ?.∆;) Exercício 1.10.2: Demonstre os teoremas acima. Represente os diagramas correspondentes. SUGESTÃO: Leia a estratégia apresentada na subsecção seguinte para demonstrar igualdades entre conjuntos.

1.11 – Generalizações

Agora generalizaremos alguns teoremas apresentados durante essa secção. A indicação entre parênteses no início de cada teorema será referente ao teorema que se está generalizando.

Teorema 1.11.1 (1.8.1): Seja � um conjunto e ℬ uma família arbitrária (qualquer) de conjuntos .Z, com � podendo tomar valores naturais de 1 até �, ou seja, existem � conjuntos na família ℬ (o índice faz a distinção entre os conjuntos). Então:

� − Y .Z\

Z[S = f?� − .Z)\Z[S

Demonstração: Se � ∈ ?� − ` .Z\Z[S ), então � ∉ ` .Z\Z[S , afinal, � pertence a � tirando os elementos de todos os .Z. Assim, também se conclui que � ∉ .Z para todo � de 1 até � (se não pertence à união dos conjuntos, não pertence a nenhum conjunto da união). Mas � pertence a � e, assim, sempre temos que � ∈ ?� − .Z) para qualquer � de 1 até �. Se isso acontece, � pertence à intersecção de todos os conjuntos ?� − .Z), pois � pertence a cada um desses conjuntos. Concluímos, então, que � ∈ ?n ?� − .Z)\Z[S ). Ou seja, se � ∈ ?� − ` .Z\Z[S ), então � ∈ ?n ?� − .Z)\Z[S ). Mas isso não prova a igualdade, o que acabamos de mostrar é que � − ` .Z\Z[S ⊂n ?� − .Z)\Z[S , como se pode ver pela definição de subconjunto.

Mostremos agora a recíproca. Se � ∈ ?n ?� − .Z)\Z[S ), então � não pertence a nenhum conjunto .Z, pois, se pertencesse existiria � tal que � ∈ .Z e, então, não

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pertenceria a � − .Z para esse � em particular, o que levaria a concluir que � não pertence a intersecção dada. Dessa forma, com � não pertencendo a nenhum .Z, � não pertence à união deles, ou seja, � ∉ ` .Z\Z[S . Assim, � ∈ ?� − ` .Z\Z[S ). Isso mostra que � ∈ ?n ?� − .Z)\Z[S ) implica � ∈ ?� − ` .Z\Z[S ). Pela definição de subconjunto, acabamos de mostrar, nessa parte da demonstração, que n ?� −\Z[S.Z) ⊂ ?� − ` .Z\Z[S ). Ora, mostramos logo acima que � − ` .Z\Z[S ⊂ n ?� − .Z)\Z[S e, então, juntando as duas informações e tendo o Teorema 1.6.3, concluímos que:

� − Y .Z\

Z[S = f?� − .Z)\Z[S

QED

Até agora demonstramos igualdades entre conjuntos de forma direta. Simplesmente partíamos do conjunto inicial e seguíamos por igualdades até o conjunto que se queria demonstrar a igualdade. Essa forma torna a recíproca imediata, pois basta seguir as igualdades no caminho inverso. Mas, de forma geral, provar diretamente igualdades entre conjuntos pode ser muito complicado e a estratégia acima, de provar primeiro que um conjunto é subconjunto do outro e, depois, a recíproca, pode tornar o trabalho mais simples. Fica como sugestão que, ao tentar demonstrar a igualdade entre conjuntos, se use a estratégia apresentada acima.

Corolário (1.8.9): Sendo � um conjunto qualquer e ℬ uma família de subconjuntos .Z de � (com � podendo tomar valores naturais de 1 até �), tem-se que:

∁F ]Y .Z\

Z[S _ = f?∁F.Z)\Z[S

Teorema 1.11.2 (1.8.2): Seja � um conjunto e ℬ uma família arbitrária (qualquer) de conjuntos .Z, com i podendo tomar valores naturais de 1 até �. Então:

� − f .Z\

Z[S = Y?� − .Z)\Z[S

Demonstração: Se � ∈ ?� − n .Z\Z[S ), então � ∉ n .Z\Z[S . Assim, para ao menos um �, � ∉ .Z, pois se pertencesse a todos os .Z, pertenceria à intersecção n .Z\Z[S . Dessa forma se pode concluir que � pertence a ?� − .Z) para algum �. Então � ∈ ` ?� − .Z)\Z[S . Logo, � ∈ ?� − n .Z\Z[S ) implica � ∈ ` ?� − .Z)\Z[S . Como antes, isso ainda não conclui a demonstração, pois o que mostramos, na verdade, é que ?� − n .Z\Z[S ) ⊂ ` ?� − .Z)\Z[S .

A recíproca é um caminho de retorno pelo raciocínio feito acima. Se � ∈` ?� − .Z)\Z[S , � pertence a ?� − .Z) para algum �, pois, se não pertencesse a nenhum ?� − .Z), não pertenceria à união desses conjuntos. Dessa forma, � ∉ .Z para algum

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�. Podemos concluir, então, que � ∉ n .Z\Z[S , pois existe .Z ao qual � não pertence. Assim, sabendo que � pertence a �, � ∈ ?� − n .Z\Z[S ). Ou seja, � ∈ ` ?� − .Z)\Z[S implica � ∈ ?� − n .Z\Z[S ). Logo, ` ?� − .Z)\Z[S ⊂ ?� − n .Z\Z[S ). Chagamos finalmente, tendo demonstrado essa inclusão e a anterior, que:

� − f .Z\

Z[S = Y?� − .Z)\Z[S

QED

Corolário (1.8.8): Sendo � um conjunto qualquer e ℬ uma família de subconjuntos .Z de � (com � podendo tomar valores naturais de 1 até �), tem-se que:

∁F ]f .Z\

Z[S _ = Y?∁F.Z)\Z[S

Exercício 1.11.1: Demonstre os corolários apresentados. SUGESTÃO: use os

teoremas 1.11.1 e 1.11.2.

Quando � é o conjunto universo, usando a notação já apresentada para a complementação em relação ao conjunto universo, os corolários apresentados tomam a forma:

]f .Z\

Z[S _G = Y?.ZG)\Z[S

e

]Y .Z\

Z[S _G = f?.ZG)\Z[S

Teorema 1.11.3 (1.8.3): Seja � um conjunto e ℬ uma família arbitrária de conjuntos .Z, com � podendo tomar valores naturais de 1 até �. Então:

]f .Z\

Z[S _ − � = f?.Z − �)\Z[S

Teorema 1.11.4 (1.8.4): Sendo � um conjunto e ℬ uma família arbitrária de conjuntos .Z, com � podendo tomar valores naturais de 1 até �, tem-se que:

]Y .Z\

Z[S _ − � = Y?.Z − �)\Z[S

Teorema 1.11.4 (1.7.8): Dado o conjunto � e uma família ℬ arbitrária de conjuntos .Z, com � podendo tomar valores naturais de 1 até �, tem-se que:

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� ∪ f .Z\

Z[S = f?� ∪ .Z\

Z[S ) � � ∩ Y .Z\

Z[S = Y?� ∩ .Z)\Z[S

Esse último teorema é a generalização das leis distributivas do Teorema 1.7.8.

Exercício 1.11.2: Demonstre esses últimos três teoremas.

As generalizações apresentadas aqui ainda não são as mais gerais possíveis. As demonstrações dos casos mais gerais são quase idênticas às feitas para esses casos menos gerais, mas não faremos tais generalizações aqui, pois falta a apresentação de conceitos que permitem entendê-las.

Exercícios I – 1 1 – Represente os seguintes conjuntos listando seus elementos.

a) Conjunto dos cinco primeiro números primos. b) Conjunto dos números naturais pares. c) Conjunto das letras da palavra “matemática”.

2 – Indique quais dos conjuntos abaixo são vazios.

a) � = � ∈ ℕ | − 1 − � > 0� b) � = � ∈ ℤ | � ∙ 0 = 1� c) � = � ∈ ℕ | � − 1 > 0� d) � = � ∈ ℕ | � > 3 � � > 4�

3 – Dados � = �, �, 3,4,5�, . = �, 4,6,7,8, �, r� e ; = �, 3,4, �, r�, dê os conjuntos abaixos.

a) � ∪ ; b) . ∩ ; c) . ∪ ?� ∩ ;) d) ?. ∪ �) ∩ ; e) �∆; f) . ∩ ?.∆�)

4 – Seja � = 1,2,3,4,5,6�, . = 2,3,4�, ; = 3,4,5,6� e s = 3,4�. Represente os seguintes conjuntos por uma lista de elementos e por diagramas de Euler-Venn.

a) ∁F. b) ∁ts c) ∁F?. ∪ ;) d) ?∁F.) ∪ ; e) ?∁F.) ∩ ?∁F;) f) ?∁ts) ∪ ?∁us) g) ∁F?.∆;)

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5 – Sendo �S = 1,2,3,4,5,6�, �' = 4,5,6,7,8,9�, �& = 4,9,10� e �w = 1,4,10�, represente os seguintes conjuntos:

a) ` �ZwZ[S b) n �ZwZ[S c) ` ?�Z ∩ �ZxS&Z[S ) d) ` ?�Z∆�ZxS)&Z[S

6 – Dado o conjunto � = �, �, ��, represente o conjunto �?�) (conjunto das partes de �) e dê dois exemplos de partições de �?�). 7 – Dados os conjuntos � = 1,2,3,4,5,6�, . = 2,4,6,8�, ; = 4,6,8,10� e s = 6,8,10�, encontre:

a) ?� − .) ∪ ?� − ;) ∪ ?� − s) b) ?� − .) ∩ ?� − ;) ∩ ?� − s)

SUGESTÃO: Use os teoremas 1.11.1 e 1.11.2.

8 – A Teoria “Ingênua” dos Conjuntos permite que se defina o seguinte conjunto:

� = . | . ∉ .� Mas surge um problema ao se definir esse conjunto, chamado de Paradoxo de Russell. Esse paradoxo mostrou que a formulação original da teoria dos conjuntos, a “ingênua”, (de Cantor e Frege), levava a contradições. No entanto esse problema é evitado na teoria de conjuntos moderna, a Teoria Axiomática dos Conjuntos. Você consegue identificar o paradoxo?

9 – Encontre o conjunto V tal que 1,2,3,4� ∪ V = 1,2,3,4,5�, 3,4� ∪ V =1,3,4,5� e 2.3.4� ∩ V = 3�. 10 – Sejam V e y conjuntos disjuntos e z = �, �, ��. Sabe-se que z ⊂ V ∪ y, ;{∪|z = �, �, }, ~� e V∆z = �, �, }�. Encontre os conjuntos V e y. 11 – Demonstre os seguintes teoremas:

a) � ∪ . = � ∩ . se, e somente se, � = .. b) Se � ⊂ ., então � ∪ ; ⊂ . ∪ ; e � ∩ ; ⊂ . ∩ ; qualquer que seja ;. c) Se � ⊂ ; e . ⊂ s, então � ∪ . ⊂ ; ∪ s. SUGESTÃO: Perceba que, usando o

resultado do exercício anterior, que se pode fazer � ∪ . ⊂ ; ∪ .. d) Se � ⊂ ., então �?�) ⊂ �?.) com �?�) = �?.) se, e somente se, � = ..

SUGESTÃO: O resultado é imediato para � = ., então mostre, supondo que a inclusão � ⊂ . seja própria, que �?�) ⊂ �?.) é uma inclusão própria.

12 – Seja ℬ uma família arbitrária de conjuntos .Z com � podendo tomar valores naturais de 1 até �. Sendo � um conjunto arbitrário, mostre que:

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Y �f?� − .Z)\Z[h �\

h[S = � − f �Y .Z\

Z[h �\h[S

SUGESTÃO: Use os teoremas 1.11.1 e 1.11.2 e, quando for conveniente,

chame ` .Z\Z[h = �h. Tome ` .Z\Z[h = ` .hx?Z^S)?\xS)^hZ[S e n ?� − .Z)\Z[h = n a� −?\xS)^hZ[S.hx?Z^S)) 13 – Sendo ℬ uma família arbitrária de conjuntos .Z com � podendo tomar valores naturais de 1 até � e k outra família arbitrária de conjuntos �h com i podendo tomar valores naturais de 1 até �, mostre que:

Y �Y?�hQ

h[S ∩ .Z)�\Z[S = ]Y .Z

\Z[S _ ∩ �Y �h

Qh[S � = Y �Y?.Z

\Z[S ∩ �Z)�Q

h[S

e

f �f?�hQ

h[S ∪ .Z)�\Z[S = ]f .Z

\Z[S _ ∪ �f �h

Qh[S � = f �f?.Z

\Z[S ∪ �Z)�Q

h[S

Eliminando os colchetes, podemos escrever o teorema como sendo:

Y Ya�h ∩ .Zb = ]Y .Z\

Z[S _ ∩ �Y �hQ

h[S � = Y Ya�h ∩ .Zb\Z[S

Qh[S

Qh[S

\Z[S

e

f fa�h ∪ .Zb = ]f .Z\

Z[S _ ∪ �f �hQ

h[S � = f fa�h ∪ .Zb\Z[S

Qh[S

Qh[S

\Z[S

SUGESTÃO: Use o Teorema 1.11.4 diversas vezes.

2 – Pares Ordenados e Produto Cartesiano 2.1 – Par ordenado

Um par ordenado é uma lista de dois elementos, � e �, denotado por ?�, �) com �, � ∈ V (V um conjunto genérico), onde existe distinção entre ser o primeiro elemento (no caso: �) ou o segundo (no caso: �). Ou seja, ?�, �) não é o mesmo que ?�, �). Em outras palavras, ?�, �) = ?�, �) se, e somente se, � = � e � = �. É comum que se chame o primeiro elemento do par de primeira coordenada e o segundo de segunda coordenada.

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Essa apresentação de par ordenado é intuitiva, mas não é formal. No entanto vamos tomá-la, sem necessidade de uma apresentação formal do conceito de par ordenado, durante o texto.

2.2 – Produto cartesiano

Definição 2.2.1: Dados dois conjuntos, � e ., chamamos de produto cartesiano de � por ., denotado por � × ., o conjunto de todos os pares ordenados ?�, �) tal que � ∈ � e � ∈ .. De forma mais sucinta:

� × . = ?�, �) | � ∈ � � � ∈ .� Uma observação que podemos fazer é que, em geral, � × . ≠ . × �. Isso porque, como visto logo acima, em geral, ?�, �) não é o mesmo que ?�, �), pois a ordem dos elementos é diferente. Dessa forma, em geral, o conjunto formado por todos os pares ?�, �), com � ∈ � e � ∈ ., não é o mesmo que o formado por todos os pares ?�, �), com � ∈ . e � ∈ �. Outra observação é que o produto cartesiano faz sentido quaisquer que sejam os conjuntos � e . (podendo esses até serem produtos cartesianos entre outros conjuntos).

Quando se tem o produto cartesiano entre conjuntos iguais, usa-se mais comumente a seguinte notação:

� × � = �' Se, no produto cartesiano � × ., � ou . forem vazios, o produto cartesiano de � por . é definido como sendo o conjunto vazio. Ou seja:

� × ∅ = ∅, ∅ × . = ∅ � ∅ × ∅ = ∅ Exemplo 2.2.1: Para fixar a idéia de conjunto de pares ordenados, peguemos dois conjuntos, � e ., finitos definidos como � = �, �� e . = 1,2�. O produto cartesiano � × . é dado pelo conjunto:

� × . = ?�, 1), ?�, 2), ?�, 1), ?�, 2)� Exercício 2.2.1: Faça o conjunto . × � tomando � e . definidos como no exemplo acima.

Exemplo 2.2.2: O produto cartesiano ℝ × ℝ = ℝ' (produto cartesiano entre o conjunto dos reais e ele próprio) é o conjunto de todos os pares ordenados ?�, �) onde o primeiro elemento é um número real (� ∈ ℝ) e o segundo também é (� ∈ ℝ). Uma forma de representação desse conjunto é o plano cartesiano, onde os pares ordenados são pares de coordenadas que indicam a posição de um ponto no plano. Percebemos que ainda é válido, de forma geral, que um par ?�, �) não é o mesmo que ?�, �), como pode-se ver na representação abaixo.

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Tendo �, . e ; conjuntos arbitrários, seguem os teoremas abaixo. Teorema 2.2.1: O produto cartesiano é distributivo à esquerda em relação à união e intersecção. Ou seja, � × ?. ∪ ;) = ?� × .) ∪ ?� × ;) e � × ?. ∩ ;) =?� × .) ∩ ?� × ;). Demonstração: Pela definição:

� × ?. ∪ ;) = ?�, �) | � ∈ � � � ∈ . ∪ ;� = ?�, �) | � ∈ � � ?� ∈ . �= � ∈ ;)� = ?�, �) | ?� ∈ � � � ∈ .) �= ?� ∈ � � � ∈ ;)� = ?�, �) | � ∈ � � � ∈ .� ∪ ?�, �) | � ∈ � � � ∈ ;� = ?� × .) ∪ ?� × ;) QED

Teorema 2.2.2: O produto cartesiano é distributivo à direita em relação à união e intersecção. Ou seja, ?. ∪ ;) × � = ?. × �) ∪ ?; × �) e ?. ∩ ;) × � =?. × �) ∩ ?; × �). Demonstração: Pela definição:

?. ∪ ;) × � = ?�, �) | � ∈ . ∪ ; � � ∈ �� = ?�, �) | ?� ∈ . �= � ∈ ;) � � ∈ �� = ?�, �) | ?� ∈ . � � ∈ �) �= ?� ∈ ; � � ∈ �)� = ?�, �) | � ∈ . � � ∈ �� ∪ ?�, �) | � ∈ ; � � ∈ �� = ?. × �) ∪ ?; × �) QED

Exercício 2.2.2: Demonstre a parte referente à intersecção nos dois teoremas

acima.

Teorema 2.2.3: O produto cartesiano é distributivo à esquerda em relação à diferença. Ou seja, dados �, . e ; quaisquer, � × ?. − ;) = � × . − � × ;. Demonstração: Pela definição:

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� × ?. − ;) = ?�, �)| � ∈ � � � ∈ ?. − ;)� = ?�, �)| � ∈ � � � ∈ . � � ∉ ;� = ?�, �)| � ∈ � � � ∈ . � � ∈ � � � ∉ ;� = ?�, �)| � ∈ � � � ∈ .� − ?�, �)| � ∈ � � � ∈ ;� = � × . − � × ; QED

A passagem da terceira para a quarta linha se deu pelo fato de � pertencer a �, mas � não pertencer a ; implica que o par ?�, �) que pertence a � × ?. − ;) não pertence a � × ;. Exercício 2.2.3: Demonstre que há também distributividade pela direita.

Existe a necessidade de se demonstrar a distributividade pela esquerda e pela direita (separadamente) devido ao fato do produto cartesiano não ser comutativo. Mas, mais rigorosamente, devemos ver que chamar essas propriedades de distributividade foi um abuso de linguagem, pois as operações união, intersecção e diferença não tem como resultado conjuntos de pares ordenados entre os conjuntos considerados ao passo que o produto cartesiano tem. Vemos que, no caso dos números reais, onde se tem a distributividade da multiplicação em relação à soma, tanto a multiplicação quanto a adição possuem como resultados números reais.

Teorema 2.2.4: Sendo �, ., ; e s conjuntos, temos ?� × .) ∪ ?; × s) ⊂?� ∪ ;) × ?. ∪ s). Demonstração: Mostremos que � × . ⊂ ?� ∪ ;) × ?. ∪ s). ?�, �) ∈ � × . se, e somente se, � ∈ � e � ∈ .. Mas � ⊂ � ∪ ; qualquer que seja ; e . ⊂ . ∪ s para qualquer s. Ou seja, para todo � ∈ � e � ∈ ., � ∈ � ∪ ; e � ∈ . ∪ s. Dessa forma, ?�, �) ∈ ?� ∪ ;) × ?. ∪ s) pela definição de produto cartesiano. Segue, então, que � × . ⊂ ?� ∪ ;) × ?. ∪ s). De forma inteiramente análoga, se conclui que ; × s ⊂?� ∪ ;) × ?. ∪ s) e, sabendo que a operação de união é fechada, ?� × .) ∪ ?; × s) ⊂?� ∪ ;) × ?. ∪ s) (tome ?� ∪ ;) × ?. ∪ s) como conjunto universo e consulte o Teorema 1.7.3).

QED

Exercícios I – 2 1 – Seja � = �, 2, �� e . = 1, �, � e ; = �, �, 3�, represente os seguintes conjuntos:

a) � × . b) . × � c) ?� × .) ∩ ?; × .) d) ; × . e) ?. × �) × .

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2 – Mostre que ?� × .) ∩ ?. × �) = ?� × �) ∩ ?. × .) = �' ∩ .'. SUGESTÃO: Parta da definição de produto cartesiano.

3 – Mostre que ?� ∩ .)' = �' ∩ .' e conclua que ?� × .) ∩ ?. × �) = ?� ∩ .)'. SUGESTÃO: Use o resultado do exercício anterior.

4 – Sendo � = 1,2,3,4,5� e . = 4,5,6,7,9�, use o resultado do exercício anterior para obter ?� × .) ∩ ?. × �). 5 – Demonstre que, se � ⊂ ., então, para qualquer ;, � × ; ⊂ . × ;. 6 – Mostre que, sendo �, ., ; e s conjuntos, ?� × ;) ∩ ?. × s) = ?� ∩ .) ×?; ∩ s) (veja que o resultado do exercício 3 é um corolário desse caso mais geral). 3 – Noção de Cardinalidade

3.1 – Cardinalidade de alguns conjuntos finitos

Inicialmente vamos nos ater a uma noção intuitiva de cardinalidade, pois, para uma definição mais formal e geral, é necessária a introdução do conceito de função e os números naturais, que não foram apresentados.

Tendo um conjunto finito, é natural que se queira saber quantos elementos ele possui. Ou seja, contar o número de elementos. Quando contamos (número de fotos de um álbum, por exemplo), associamos números naturais sucessivos a cada elemento contado. Ou seja, chamamos o primeiro contado de 1 e prosseguimos na seqüência – 2,3, . . . , � – até chegar no último elemento. O número natural associado ao último objeto contado nos dá o número de elementos do conjunto que se estava contando e chamamos esse número de cardinalidade do conjunto ou número cardinal do conjunto.

Se � é um conjunto finito, denotamos por |�| a cardinalidade de �. Essa é o número natural � (|�| = � ∈ ℕ) que indica a quantidade de elementos do conjunto �. Teorema 3.1.1: Se � e . são conjuntos finitos e . ⊂ �, então |.| ≤ |�| com |.| = |�| se, e somente se, � = .. Esse resultado é intuitivo, pois todos os elementos de . pertencem a � e, assim, o número de elementos de . não pode ultrapassar o de �. Teorema 3.1.2: Se � e . são conjuntos finitos, então:

|� ∪ .| = |�| + |.| − |� ∩ .| Em particular, se � ∩ . = ∅, então |� ∪ .| = |�| + |.| − |∅| = |�| + |.|, pois a cardinalidade do conjunto vazio é 0 (e é o único conjunto com cardinalidade 0). Tal resultado é intuitivo, pois, se não há elementos compartilhados entre os conjuntos,

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a união deles terá um número de elementos igual à soma do número de elementos de cada conjunto.

Teorema 3.1.3: Se � é um conjunto finito com |�| = �, então �?�) (conjunto das partes de �) possui 2\ elementos. Ou seja, |�?�)| = 2\. Teorema 3.1.4: Se � e . são conjuntos finitos e |�| = � e |.| = �, então:

|� × .| = � ∙ � Teorema 3.1.5: Sendo � e . conjuntos finitos, temos |� − .| = |�| − |� ∩ .|. Em particular, se . ⊂ �, então |� − .| = |∁F.| = |�| − |.|. A demonstração desses teoremas será feita no Capítulo III, pois ainda não temos uma definição rigorosa do que significa um conjunto finito possuir � elementos. Mas podemos dar algumas justificativas não rigorosas para esses resultados. No Teorema 3.1.2, pode-se ver que, ao tomar |�| + |.|, nessa soma se está contando duas vezes os elementos da intersecção e, assim, para ter o número correto de elementos da união, deve-se subtrair uma vez a cardinalidade da intersecção. Já no Teorema 3.1.4, pode-se ver que, para cada elemento de �, esse forma um par ordenado com cada um dos � elementos de .. Como existem � elementos em �, o número total de pares ordenados será � + � + ⋯ + �IJJJJKJJJJL\ �N�N� = � ⋅ �. O Teorema 3.1.5 pode ser entendido imediatamente, pois se está simplesmente não contando os elementos que pertencem a � e . simultaneamente. Para o Teorema 3.1.3 não há uma justificativa simples, mas uma demonstração relativamente simples é dada no Capítulo III (Teorema 2.7.3).

3.2 – Alguns exemplos

Exemplo 3.2.1: Sendo � e . conjuntos finitos tais que � ⊂ ., |� ∩ .| = 3 e |� × .| = 27, qual a cardinalidade de � e de .? Resolução: Pelo Teorema 1.7.5, se � ⊂ ., então � ∩ . = �. Assim, |� ∩ .| =|�| = 3. Pelo Teorema 3.1.4, |� × .| = |�| ∙ |.| = 3 ∙ |.| = 27. Ou seja, |.| = 27 3� = 9, completando a resolução.

Exemplo 3.2.2: Numa cidade circulam três jornais diferentes (jornais �, � e �). Ao se entrevistar 2000 moradores, se descobriu que 400 lêem o jornal �, 800 lêem o jornal �, 500 lêem o jornal �, 200 dos que lêem o jornal � também lêem o jornal �, 100 dos que lêem o jornal � lêem também o jornal � e nenhum dos que lêem o jornal � lêem o jornal �. Quantos dos entrevistados não lêem nenhum dos três jornais?

Resolução: Devemos transformar esse problema em um problema de encontrar a cardinalidade do conjunto dos entrevistados que não lêem nenhum dos três jornais. Claramente, o nosso conjunto universo é o dos entrevistados (chamaremos de conjunto .), cuja cardinalidade é |.| = 2000. A cardinalidade do

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conjunto dos entrevistados que lêem o jornal � (chamaremos de conjunto .R) é |.�| = 400, dos que lêem o jornal � (chamaremos de conjunto .�) é |.�| = 800 e dos que lêem o jornal � (chamaremos de conjunto .G) é |.�| = 500. Mas, como não existem pessoas que lêem o jornal � e � simultaneamente, |.� ∩ .�| = 0, pois a intersecção é vazia. Dessa forma, usando o Teorema 3.1.2, a cardinalidade do conjunto .� ∪ .� é |.� ∪ .�| = |.�| + |.�| = 400 + 500 = 900. Queremos saber quantas pessoas lêem algum jornal (para ser possível dizer quantas não lêem nenhum). Então, devemos encontrar a cardinalidade de .R ∪ .� ∪ .G. Usando o Teorema 3.1.2, temos que:

|.R ∪ .� ∪ .G| = |.� ∪ ?.R ∪ .G)| = |.�| + |.R ∪ .G| − |.� ∩ ?.R ∪ .G)| Sabemos a cardinalidade de .� e de .R ∪ .G, mas não sabemos a cardinalidade de .� ∩ ?.R ∪ .G). Usando a distributividade da intersecção em relação à união: .� ∩ ?.R ∪ .G) = ?.� ∩ .R) ∪ ?.� ∩ .G). Assim, a cardinalidade dessa intersecção é:

|?.� ∩ .R) ∪ ?.� ∩ .G)|= |?.� ∩ .R)| + |?.� ∩ .G)| − |?.� ∩ .R) ∩ ?.� ∩ .G)| = |?.� ∩ .R)| + |?.� ∩ .G)| − |.� ∩ .R ∩ .� ∩ .G| = |?.� ∩ .R)| + |?.� ∩ .G)| − |.� ∩ .� ∩ ?.R ∩ .G)| Juntamos a intersecção de .R com .G porque já sabemos que essa é vazia, o que garante que |.� ∩ .� ∩ ?.R ∩ .G)| = |.� ∩ .� ∩ ∅| = |∅| = 0. Já |?.� ∩ .R)| é o número de leitores que lêem tanto o jornal � quanto o �, ou seja, 200 e |?.� ∩ .G)| é o número de leitores que lêem tanto o jornal � quanto o �, que é 100, segue, então, que |.� ∩ ?.R ∪ .G)| = |?.� ∩ .R) ∪ ?.� ∩ .G)| = 200 + 100 = 300. Voltando à união .R ∪ .� ∪ .G, temos agora que a cardinalidade dessa união é:

|.�| + |.R ∪ .G| − |.� ∩ ?.R ∪ .G)| = 800 + 900 − 300 = 1400 Sabendo que a união .R ∪ .� ∪ .G é subconjunto do conjunto universo . e que o complemento dessa união, ?.R ∪ .� ∪ .G)G, é o conjunto dos entrevistados que não lêem nenhum dos jornais, temos que a cardinalidade desse complemento dá o número de pessoas que não lêem nenhum dos jornais. Usando o Teorema 3.1.5, temos:

|?.� ∪ .� ∪ .�)�| = |.| − |.� ∪ .� ∪ .�| = 2000 − 1400 = 600 Ou seja, 600 entrevistados não lêem nenhum dos jornais.

Não é realmente necessário que a resolução seja feita de forma tão cuidadosa (talvez preciosista) como foi feita acima, mas foi feita de tal maneira para mostrar que o resultado foi obtido inteiramente através das propriedades dos conjuntos.

Uma forma mais simples de tratar o problema é usando diagramas de Euler-Venn. Para descobrir a solução, representamos os conjuntos na forma de diagramas e damos valores correspondentes às cardinalidades às partes dos conjuntos. O diagrama abaixo representa o problema anterior.

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Vemos que, para cada área limitada (que não pode ser cortada por nenhuma linha), se atribui um valor (a cardinalidade). O procedimento, nesse caso, é atribuir valores às intersecções e só depois atribuir valores às partes dos conjuntos que não fazem parte das intersecções. Tal procedimento é válido mesmo que não se conheça a cardinalidade de alguma intersecção, pois se pode atribuir alguma incógnita à cardinalidade da intersecção. O exemplo abaixo ilustra isso.

Exemplo 3.2.3: Numa escola, os alunos podem fazer educação física às terças ou quintas. 60% dos alunos fazem às terças e 75% fazem às quintas. Qual a percentagem dos alunos que fazem tanto quinta quanto terça?

Resolução: A percentagem total deve ser claramente 100%. Comecemos a completar o diagrama do problema chamando o conjunto dos que fazem às terças de � e dos que fazem às quintas de � e colocando uma incógnita, �, no lugar da percentagem da intersecção.

A percentagem da parte do conjunto � que não faz parte da intersecção é 60% − � e a da parte de � que não faz parte da intersecção é 75% − �. Coloquemos essas informações no diagrama.

A soma dessas percentagens deve ser 100%. Assim:

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?60% − �) + � + ?75% − �) = 100% 60% + 75% − � = 100%

� = 60% + 75% − 100% = 135% − 100% = 35% Ou seja, 35% dos alunos fazem educação física às terças e quintas.

Não se usou diretamente a cardinalidade dos conjuntos (não sabemos de quantos alunos o problema trata), mas, mesmo assim, é possível trabalhar apenas com a percentagem da cardinalidade associada ao conjunto (lembrando que o total deve dar 100%). Exercícios I – 3 1 – Sejam � e . conjuntos finitos com |� ∪ .| − |� − .| = 4, |� ∪ .| +|� − .| = 10. Quanto são as cardinalidades |� ∪ .| e |� − .|? É possível determinar as cardinalidades de � e . a partir das informações dadas? 2 – Sabendo que |� × .| = 6, . ⊂ � e ?2, −1), ?−1,1)� ⊂ � × ., dê o conjunto � × . listando seus elementos. 3 – Se � e . são finitos e disjuntos com |� ∪ .| = 5, |� × .| = 6 e |�| > |.|, qual a cardinalidade de � e de .? 4 – Sendo � e . conjuntos finitos, mostre que |�∆.| = |� ∪ .| − |� ∩ .| =|�| + |.| − 2|� ∩ .|. 5 – Considere os conjuntos � e . finitos. Sabe-se que |� × ?. − �)| = 15, |�| = 3 e |�∆.| = 8. Qual a cardinalidade de � ∩ . e qual a cardinalidade de .? SUGESTÃO: Use o resultado do exercício anterior.

6 – Sendo � = �, �, �, ��, quantos subconjuntos de � possuem � ou �? 7 – Sendo |�| + |.| = 7 e |� ∩ .| = 2, dê a cardinalidade de �?�∆.) e �a�?�∆.)b. 8 – Sejam � e . conjuntos finitos. Sabendo que |� ∪ .| ≤ 2|.| e |� × .| >|.|', mostre que � e . não são disjuntos. 9 – Sendo �, ., ; e s conjuntos finitos tais que |� ∩ ;| = 5 e |. ∩ s| = 7, qual a cardinalidade de ?� × .) ∩ ?; × s)? SUGESTÃO: Consulte o exercício 6 da secção anterior.

10 – Uma pesquisa de mercado, sobre as marcas de sabão em pó �, . e ;, mostrou os seguintes resultados:

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a) Qual a percentagem de consultados que usam apenas a marca �? b) Quanto vale a percentagem dos que usam apenas a marca ; entre os

consultados? c) Qual a percentagem de usuários consultados que usam as marcas � e ;, mas

não usam a .? d) Qual a percentagem de consultados que não usam nenhuma das três

marcas?

11 – Num clube de natação e tênis, o número de pessoas que praticam natação é o dobro do que praticam tênis e um terço dos que praticam tênis também praticam natação. Sabendo que 30 pessoas praticam tênis, quantas pessoas praticam tanto natação quanto tênis e quantas praticam somente natação?

12 – Numa escola, os alunos podem estudar espanhol, português, inglês e francês. Sabe-se que todos devem estudar português e podem estudar, no máximo, duas línguas além do português. Também se sabe que nenhum dos que estudam francês estuda espanhol. Além disso, apenas metade dos que estudam português estuda alguma das outras línguas e, dessa metade, 2/3 estuda inglês, 1/3 estuda espanhol e 1/3 estuda francês, sendo que o número de pessoas que estudam inglês e espanhol (simultaneamente) é igual ao que estudam inglês e francês (também simultaneamente). Qual fração do total:

a) estuda francês? b) estuda tanto francês quanto inglês? c) estuda apenas espanhol? d) Se o número de alunos que estuda apenas espanhol é 50, quantos alunos a

escola possui?

13 – Observe o diagrama abaixo:

Sabendo que |� ∪ . ∪ ;| = 100, quanto é �? 4 – Relações

Como foi feito até agora, admitiremos conhecidos resultados básicos sobre números reais e naturais. Esses conjuntos numéricos serão tratados com mais cuidado no Capítulo III.

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4.1 – Plano cartesiano

Definição 4.1.1 (Plano Cartesiano): Sendo � e � dois eixos perpendiculares em 0 (figura abaixo), esses determinam o plano c. Sendo � um ponto qualquer de c (� ∈ c), criemos duas retas, �’ e �’, tal que �’ seja paralela ao eixo �, �’ seja paralela ao eixo � e a intersecção ocorra no ponto � (figura). Chamemos a intersecção entre �′ e o eixo � de �� e a intersecção de �’ com o eixo � de ��. Com isso seguem as seguintes definições:

a) A abscissa de � é o (único) número real �� representado por ��. b) A ordenada de � é o (único) número real �� representado por ��. c) As coordenadas de � são indicadas pelo par ?�� , ��) com a abscissa sendo o

primeiro elemento do par. d) O eixo � é dito ser o eixo das abscissas. e) O eixo � é chamado de eixo das ordenadas. f) O sistema formado pelos eixos das abscissas e das ordenadas é o sistema

cartesiano de eixos ortogonais. g) O ponto 0 é chamado de origem do sistema. h) O plano c determinado pelos eixos � e � é o plano cartesiano.

Teorema 4.1.1: Existe uma correspondência biunívoca entre o plano cartesiano e o conjunto ℝ'(= ℝ × ℝ). Demonstração: a demonstração é dada em duas partes. Primeiro vamos demonstrar que para cada ponto � existe um único par de pontos �� e ��. De fato, só existe um, pois, pelas definições apresentadas, a reta �’ intersecta o eixo � em um único ponto e a reta �’ intersecta o eixo � em um único ponto. Sendo assim, existe um único par de pontos �� e �� e, pelas definições (a), (b) e (c), um único par ordenado de coordenadas ?�� , ��) correspondente ao ponto �. Isso mostra que cada P corresponde a um par ?�, �) ∈ ℝ'. Agora vamos demonstrar que cada ?�, �) ∈ ℝ' corresponde a um único ponto � do plano cartesiano. De fato isso ocorre, pois, a cada ?�� , ��), �� é representado por �� e �� representado por ��. Criando uma reta �’ que passa por �� e é paralela

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ao eixo das abscissas e outra, �’, que passa por �� e é paralela ao eixo das ordenadas, essas duas retas se intersectam em um único ponto �. Concluímos, então, que cada par ?�, �) ∈ ℝ' corresponde a um único ponto do plano cartesiano e isso completa a demonstração.

QED

Exemplo 4.1.1: Localizemos no plano cartesiano abaixo os pontos ?1,1), ?3,2), ?2,3), ?−1,2), ?−2, −2) e �S' , 2�.

Também é possível representar subconjuntos de ℝ' no plano cartesiano. O exemplo abaixo ilustra isso.

Exemplo 4.1.2: Representemos o conjunto � = ?1,1), ?2,2), ?3,3), ?3,2)� no plano cartesiano.

4.2 – Relações binárias

Definição 4.2.1: Dados dois conjuntos, � e ., qualquer subconjunto não vazio � do produto cartesiano � × . é chamada de relação de � em .. Ou seja:

� é relação binária de � em . ⟺ � ⊂ � × . e � ≠ ∅.

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O conjunto � é chamado de conjunto de partida da relação � e . é chamado de conjunto de chegada (ou contradomínio) da relação �. Para cada tipo de relação, em geral, se tem um símbolo diferente para representá-la (estamos usando � para representar o caso geral). Em alguns casos, se um par ?�, �) pertence a � (?�, �) ∈ �), é conveniente usar a notação ��� e � � quando ?�, �) ∉ �. Podemos representar relações binárias de forma diagramática. Essa representação consiste em representar os conjuntos como se fez até agora, na forma de diagramas de Euler-Venn, e usar setas para representar a relação entre os elementos do conjunto de saída e de chegada. Por exemplo, se ?�, �) pertence à relação binária, representamos isso com uma seta que parte do elemento �, no conjunto de partida, e vai até o elemento � no conjunto de chegada. Exemplo 4.2.1: Sejam � = �, �, �, �� e . = 1,2,3,4,5,6� e uma relação binária � dada por � = ?�, 2), ?�, 4), ?�, 1), ?�, 5)�. � representação diagramática dessa relação é:

Definição 4.2.2: Dado um conjunto �, uma relação � ⊂ � × � é chamada de relação binária em �. Definição 4.2.3: Sendo � e . conjuntos e � ⊂ � × . uma relação entre eles, chamamos de domínio da relação � (denotamos s��?�)) o conjuntos dos elementos � pertencentes a � tal que ?�, �) ∈ � para algum � pertencente a .. Ou seja:

s��?�) = � ∈ � | ?�, �) ∈ � ���� ��~=� � ∈ .� Definição 4.2.4: Sendo � e . conjuntos e � ⊂ � × . uma relação binária entre eles, chamamos de imagem da relação � (denotamos ��?�)) o conjuntos dos elementos � pertencentes a . tal que ?�, �) ∈ � para algum � pertencente a �. Ou seja:

��?�) = � ∈ . | ?�, �) ∈ � ���� ��~=� � ∈ �� Perceba que, sendo � um subconjunto de � × ., não é de se esperar que todos os pares ordenados ?�, �) ∈ � × . pertençam à relação �. Ou seja, em geral, existem pares ?�, �) ∈ � × . que não pertencem à relação �. O conjunto s��?�) nos dá todos os elementos � ∈ � tais que exista algum � tal que ?�, �) ∈ � e o conjunto ��?�) nos dá todos os elementos � ∈ . tais que exista algum � tal que ?�, �) ∈ �.

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Podemos pensar essas duas últimas definições em termos da representação diagramática dada acima. Sendo � o conjunto de partida, . o conjunto de chegada e � uma relação binária de � em ., o domínio da relação binária é o conjunto de todos os elementos de � de onde parte alguma seta e a imagem da relação binária é o conjunto de todos os elementos de . onde termina alguma seta (elementos que são “flechados”). No entanto vemos que ?�, �) ∉ � não implica necessariamente que � não pertença ao domínio da relação, nem que � não pertença à imagem da relação, mas implica que uma das duas seguintes situações ocorre: � ∉ s��?�) ou � ∉��?�). O exemplo abaixo ilustra isso. ALERTA: embora essas definições possuam relação com os conceitos de domínio e imagem de funções, como será visto logo a seguir, as noções não devem ser identificadas. Função é um tipo particular de relação binária e possui particularidades em relação ao domínio e imagem. Na verdade, o que difere os tipos de relações binárias são as restrições (condições) que impomos sobre o domínio e imagem da relação.

Exemplo 4.2.2: Dados � = 1,2,3,4�, . = 1,2,3,4,5� e uma relação binária � ⊂ � × . dada por � = ?1,2), ?2,2), ?3,2), ?4,2)�, a representação em forma de diagrama dessa relação é:

Vemos que todos os elementos de � pertencem ao domínio da relação, mas pares como ?1,1), ?1,4), ?2,1), etc não pertencem à relação �. Definição 4.2.5: Sendo � e . conjuntos arbitrários não vazios e uma relação binária � ⊂ � × ., chama-se de relação inversa de � o conjunto �^S ⊂ . × � tal que:

�^S = ?�, �) ∈ . × � | ?�, �) ∈ � � Ou seja, ?�, �) ∈ �^S se, e somente se, ?�, �) ∈ �. Assim, para se ter a relação inversa, basta inverter a ordem de � e � em cada par pertencente a �. Alguns resultados imediatos são:

a) s��?�^S) = ��?�) e ��?�^S) = s��?�) b) ?�^S)^S = �

Nem sempre a relação inversa é do tipo da relação original. Ou seja, nem sempre as restrições que impomos na relação original são aplicáveis na relação inversa. Um exemplo disso são as funções, cuja definição é dada mais adiante.

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Exemplo 4.2.3: Tomando os conjuntos do Exemplo 4.2.2, a relação inversa a de � = ?1,2), ?2,2), ?3,2), ?4,2)� é �^S ⊂ . × � dada por �^S = ?2,1), ?2,2), ?2,3), ?2,4)�. Em forma de diagrama:

O efeito sobre o diagrama, ao se tomar a relação inversa, é, então, simplesmente inverter o sentido das setas.

4.3 – Funções

Essa talvez seja a relação mais importante das que serão apresentadas. O conceito de função permeia toda a matemática e acaba recebendo vários nomes dependendo do contexto em que está sendo usado (como, por exemplo, operação, aplicação, produto...).

Antes da definição de função, vejamos primeiro alguns exemplos intuitivos, para servir de motivação para a definição que será dada.

Exemplo 4.3.1: Se um trabalhador recebe um determinado acréscimo no salário a cada hora extra que trabalha, é intuitivo que o total acrescido varia de acordo com quantas horas extras são trabalhadas. Diz-se que o acréscimo (total) está em função da quantidade de horas extras que se trabalha, pois existe uma dependência do ganho extra com as horas extras trabalhadas.

Exemplo 4.3.2: Quando se vai a um posto de gasolina abastecer, o preço (total) pago pela gasolina é tanto maior quanto mais se coloca gasolina no carro. Então, como acima, se diz que o preço pago está em função da quantidade de gasolina colocada no carro.

Uma observação que podemos fazer é que não faz sentido, por exemplo, que se possa colocar alguma quantidade de gasolina no carro, mas não exista nenhum valor correspondente a essa quantidade (nem mesmo zero, pois zero seria um valor). Isso motiva a condição (a) da definição de função que será dada abaixo.

Exemplo 4.3.3: Ao se jogar uma pedra verticalmente para cima, a posição da pedra pode ser dada em função do tempo (vemos que, se ligamos um cronômetro no instante em que se joga a pedra, podemos associar cada instante à posição – altura – em que a pedra se encontra). Percebamos que a pedra irá subir e descer, ou seja, as posições que a pedra vai assumir durante a subida serão repetidas na descida, mas em instantes diferentes dos que estavam associados às mesmas posições durante a subida. Por exemplo, se a pedra vai até uma altura de 10 metros, ela passará pela altura 5 metros durante a subida (em um instante t) e

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passará pela mesma altura 5 metros durante a descida (mas num instante posterior – portanto, diferente – ao t). No entanto não faz sentido associar duas posições diferentes a um mesmo instante. Por exemplo, a pedra não pode estar no chão e na altura 5 metros no mesmo instante.

Definição 4.3.1 (função): Dados dois conjuntos, � e ., e � ⊂ � × . uma relação binária de � em ., o terno ?�, �, .) (trinca ordenada) é dita ser uma função de � em . ou aplicação de � em . quando satisfaz ambas as seguintes condições:

a) s��?�) = � b) ?�, �) ∈ � e ?�, �′) ∈ � implica � = �′.

A primeira condição diz que, para todo � pertencente a �, existe algum � pertencente a . tal que ?�, �) ∈ � (mas não é necessário que ��?�) = .). Já a segunda nos assegura que, dado um �, o elemento correspondente a � na imagem de � é único. Em outras palavras, a função leva cada � do domínio a um único � da imagem (o Exemplo 4.3.3 dá uma motivação para se definir assim). Mas perceba que nada proíbe que existam dois elementos distintos, � e �’, pertencentes ao domínio de � (e, portanto, a �) tais que ?�, �) ∈ � e ?��, �) ∈ � com mesmo � (vemos que, no Exemplo 4.3.3, se pôde associar dois instantes diferentes a uma mesma altura). Por causa da unicidade do elemento �, na imagem, correspondente a um dado � do domínio, é comum usar a notação a�, �?�)b para indicar os elementos da função �. Ou seja, �?�) = �. Atentemos desde já que será comum chamarmos � de função embora a função seja, na verdade, a trinca ordenada ?�, �, .). Exemplo 4.3.4: Dados os conjuntos � = 1,2,3� e . = �, ��, então � =?1, �), ?2, �), ?3, �)� é uma função de � em ., pois o domínio da relação é o próprio � e, para cada elemento de �, esse é associado a apenas um elemento em .. Mas perceba que � = ?1, �), ?2, �), ?2, �)� não é função de � em . porque não satisfaz nenhuma das duas condições necessárias. Abaixo está representado o diagrama da função �.

Vemos, então, que, em termos de diagramas, a condição (a) da definição de função quer dizer que, de cada elemento de �, deve partir alguma seta e a condição (b) quer dizer que só pode partir uma única seta de cada elemento de �. Exemplo 4.3.5: Dados agora � = 1,2,3� e ; = �, �, ��, � = ?1, �), ?2, �), ?3, �)� continua sendo uma função, mas de � em ; (pois continua satisfazendo as condições (a) e (b)) e o diagrama é dado abaixo.

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Exercício 4.3.1: A relação dada no Exemplo 4.2.2 é uma função? E a dada no Exemplo 4.2.1?

Trabalharemos funções de forma mais detalhada no capítulo seguinte, mas perceba que, dadas as restrições (a) e (b), a relação inversa de uma função nem sempre é uma função. Se � ⊂ � × . é uma função e a imagem dessa não é o próprio ., a relação inversa não pode ser uma função, pois o domínio dessa relação inversa não é . e, pela definição, é necessário que o domínio de uma função seja o próprio conjunto de partida.

Mesmo que a relação inversa tenha como domínio ., essa relação inversa ainda tem que levar cada elemento de . a um único elemento de � para ser uma função (condição (b) da definição). Como, em geral, se pode ter ?�, �) ∈ � e ?��, �) ∈ � com mesmo �, a relação inversa não será uma função se isso ocorrer. Afinal, se teria, na relação inversa, um � ∈ . levado a dois (ou mais) � diferentes na imagem. Por fim, só é possível que a relação inversa seja uma função quando a imagem de � ⊂ � × . for o próprio . e não ocorrer de ?�, �) ∈ � e ?��, �) ∈ � com � ≠ �′. Ou seja, usando a notação ?�, �?�)), se �?�) = �, não exista �′ ≠ � tal que �?�′) = �. Quando a relação inversa de uma função é uma função também, dizemos que essa relação inversa é a função inversa.

Exercício 4.3.2: Por que as relações inversas das funções apresentadas nos exemplos 4.3.4 e 4.3.5 não são funções? Dê um exemplo de função cuja relação inversa também é uma função. Note que isso só é possível quando a cardinalidade do conjunto de partida (conseqüentemente, do domínio) é a mesma que a do contradomínio (esse termo é mais comum quando se trata de funções).

4.4 – Relações de equivalência

Além das funções, as relações de equivalência também são presentes em vários campos da matemática. Informalmente podemos dizer que uma relação de equivalência estabelece uma condição que define uma “igualdade” entre elementos de um conjunto.

Definição 4.4.1: Dado o conjunto � e sendo � ⊂ � × � uma relação binária em �, � é uma relação de equivalência em � quando forem satisfeitas as seguintes propriedades:

a) ?�, �) ∈ � para todo � ∈ � (reflexibilidade). b) ?�, �) ∈ � implica ?�, �) ∈ � (simetria).

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c) Se ?�, �) ∈ � e ?�, �) ∈ �, então, ?�, �) ∈ � (transitividade). Normalmente se usa o símbolo ~  para indicar a equivalência pela relação �. Ou seja, quando os elementos �, � ∈ � são equivalentes por �, escrevemos �~ �. Se os elementos �, � ∈ � não são equivalentes por �, se escreve � ≁  �. No caso em que não há perigo de confusão, se escreve simplesmente �~� para indicar que os elementos � e � são equivalentes pela relação de equivalência considerada e � ≁ � caso não sejam equivalentes. Assim, as condições dadas acima podem ser reescritas como sendo:

a’) �~� para todo � ∈ � (reflexibilidade). b’) �~� implica �~� (simetria). c’) Se �~� e �~�, então, �~� (transitividade). Tomamos a relação de equivalência com o conjunto de partida sendo � e o de chegada ele mesmo e isso é necessário. Perceba que as propriedades são tais que não existe possibilidade de existir uma relação de equivalência com o conjunto de partida diferente do de chegada.

Duas relações de equivalência sempre são possíveis de serem feitas num conjunto. Uma é relação identidade (ou diagonal), onde, dado um conjunto �, �, � ∈ � são equivalentes quando � = � (por essa relação de equivalência, os elementos de � só são equivalentes a eles mesmos). A outra é a que os elementos �, � ∈ � são equivalentes quando esses pertencem a � (por essa relação de equivalência, todos os elementos de � são equivalentes a todos os elementos de �). Exemplo 4.4.1: Dado o conjunto � = �, �, �� e uma relação binária em � dada por � = ?�, �), ?�, �), ?�, �), ?�, �), ?�, �)�, essa relação binária é uma relação de equivalência em � (verifique!). Exemplo 4.4.2: Definamos uma relação de equivalência em ℝ da seguinte forma: dizemos que � é equivalente a � quando � − � é racional (?� − �) ∈ ℚ). Ou seja, � ⊂ ℝ × ℝ tal que:

� = ?�, �) ∈ ℝ × ℝ | ?� − �) ∈ ℚ� Mostremos que tal relação é, de fato, uma relação de equivalência:

a) �~�, pois � − � = 0, que é racional (demonstrando a simetria). b) Se � − � é racional, então � − � é racional, pois � − � = −?� − �) e o oposto de

um número racional é racional. Assim, �~� implica �~� (demonstrando a reflexibilidade).

c) Pela propriedade demonstrada anteriormente, y-z racional implica z-y racional. Usemos isso para demonstrar a transitividade. Se � − � é racional e � − � é racional, então ?� − �) − ?� − �) = � − � − � + � = � − � é racional, pois a subtração de racionais (no caso, ?� − �) e ?� − �)) é um número racional. Ou seja, �~� e �~� implica �~� (demonstrando a transitividade).

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Sendo � um conjunto não vazio e � uma relação de equivalência em �, dado um elemento � do conjunto �, é, em geral, interessante ter o conjunto de todos os elementos equivalentes a � (tal conjunto definido abaixo). Definição 4.4.2: Seja � um conjunto e � ⊂ � × � uma relação de equivalência em �. Para cada � ∈ � definimos a classe de equivalência de � (pela relação de equivalência �) pelo conjunto:

£�¤ = � ∈ � | ?�, �) ∈ �� Vemos que, fixado �, o conjunto £�¤ é o de todos os elementos equivalentes a � e que sempre se tem � ∈ £�¤, devido à propriedade (a) da definição de relação de equivalência, ou seja, o conjunto £�¤ nunca é vazio. Abaixo seguem um lema e um teorema referentes a essa definição. O teorema é a razão das relações de equivalências serem tão presentes na matemática e é chamado de Teorema Fundamental das Equivalências.

Lema 4.4.1: Sendo � ⊂ � × � uma relação de equivalência em �, se �, � ∈ � são tais que �~�, então £�¤ = £�¤. Demonstração: Com efeito, se �~�, então � ∈ £�¤ e, se �~�, então � ∈ £�¤. Ora, se �~� e �~�, então �~� (transitividade), que implica � ∈ £�¤. Ou seja, todo elemento que pertence a £�¤ também pertence a £�¤, que é o mesmo que dizer que £�¤ ⊂ £�¤. De forma inteiramente análoga conclui-se que £�¤ ⊂ £�¤. Logo, pelo Teorema 1.6.3, £�¤ = £�¤.

QED

Teorema 4.4.1: Se ℰ é o conjunto de todas as classes de equivalências de � pela relação de equivalência �, ℰ é uma partição de �. Demonstração: Usaremos o resultado que foi pedido para ser demonstrado no Exercício 1.9.1 para demonstrar esse teorema. Pelo enunciado do exercício, para mostrar que ℰ é uma partição de �, devemos mostrar que, para cada � ∈ �, esse deve pertencer a uma, e somente uma, classe de equivalência pertencente a ℰ. De fato, para todo elemento � ∈ �, esse pertence a, ao menos, uma classe de equivalência, pois sempre se tem que � ∈ £�¤, e, se � ∈ £�¤ para algum � ∈ �, �~�, que nos leva a concluir, pelo Lema 4.4.1, £�¤ = £�¤. Ou seja, para todo � ∈ �, � pertence a uma, e somente uma, classe de equivalência pertencente a ℰ, que é o mesmo que dizer que ℰ é uma partição de �.

QED

Esse último teorema nos diz que um conjunto � pode ser dado pela união disjunta de todas as classes de equivalência (distintas) de uma relação de equivalência.

O conjunto ℰ, que pode ser escrito como ℰ = £�¤ | � ∈ ��, é chamado, também, de conjunto quociente de � por � e pode ser representado por ℰ = �/�.

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Vemos que a relação de equivalência � realmente “divide” � com as classes de equivalências.

A recíproca do teorema acima também é verdadeira: toda partição de um conjunto é um conjunto de todas as classes de equivalência de alguma relação de equivalência, mas a demonstração dessa recíproca será omitida.

Exemplo 4.4.3: Usando o conjunto � e a relação de equivalência dada no Exemplo 4.4.1, se vê que a classe de equivalência dos elementos � e � é £�¤ =�, �� = £�¤ (Lema 4.4.1) e a do � é £�¤ = ��. O conjunto das classes de equivalência é, então, ℰ = W�, ��, ��X, que é uma partição de �. Exemplo 4.4.4: Usando a relação de equivalência nos reais apresentada no Exemplo 4.4.2, mostremos que o conjunto dos racionais é uma das classes de equivalência daquela relação.

Evidentemente a subtração de racionais é um racional, ou seja, se � é racional e � é racional, então já se tem que � é equivalente a � pela relação dada. Mas também se tem que nenhum irracional pode ser equivalente a um racional, pois, se fosse, chegaríamos à seguinte contradição: suponha que � é racional e � é irracional, mas � − � é racional. Um racional pode ser escrito como a divisão entre dois números inteiros. Dessa forma, escrevamos � = §

e � − � = § − � = P�, com �,©,� e r números inteiros (com © e r não nulos). Assim, � = § − P� = §�^P¨¨� , que é um

número racional, entrando em contradição com a hipótese de � ser irracional. Concluímos, então, que uma das classes de equivalência de � = ?�, �) ∈ ℝ ×ℝ | ?� − �) ∈ ℚ� é ℚ. Observação: a soma (ou subtração) de um racional com irracional nunca será um racional, mas é possível se ter soma ou subtração de irracionais com

resultado racional (diferente de zero, inclusive). Por exemplo, √2 − a√2 − 1b = 1. √2 é irracional e √2 − 1 também é, mas a subtração dada é um número racional. Foi dito no início dessa subsecção que a relação de equivalência estabelecia uma “igualdade” entre elementos de um conjunto. A igualdade não é, em geral, entre os elementos, mas aparece entre as classes de equivalência, como mostrado pelo Lema 4.4.1. As classes de equivalência são, então, “agrupamentos” dos elementos com mesmas propriedades, de acordo com a relação de equivalência dada.

4.5 – Relações de ordem total

Em alguns conjuntos é natural dizermos que um elemento é maior que outro. Por exemplo, no conjunto dos números inteiros, dizemos que 2 é maior que −1 e representamos isso por 2 > −1. A relação que nos permite dizer isso nos permite ordenar os números inteiros (por exemplo, podemos ordenar de forma crescente os números inteiros). Uma relação de ordem é total quando sempre é possível dizer, dados dois elementos de um conjunto com relação de ordem, se um

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elemento é maior, igual ou menor que outro. Mas as relações de ordem não se restringem a conjuntos numéricos (naturais, inteiros, racionais...). Veremos que, dado um conjunto qualquer, sempre é possível criar uma relação de ordem total no conjunto.

Definição 4.5.1: Sendo � um conjunto e � ⊂ � × � uma relação binária em �, � é uma relação de ordem total em � se forem satisfeitas as seguintes condições: a) Para todo � ∈ �, ?�, �) ∈ � (reflexibilidade). b) Se ?�, �) ∈ � e ?�, �) ∈ �, então ?�, �) ∈ � (transitividade). c) Se ?�, �) ∈ � e ?�, �) ∈ �, então � = � (anti-simetria). d) Para todo �, � ∈ �, ?�, �) ∈ � ou ?�, �) ∈ � (totalidade).

De forma análoga ao que foi feito para relações de equivalência, usamos a notação � ≥¬ � para indicar que ?�, �) ∈ � e � ≱¬ � para indicar que ?�, �) ∉ �. Quando não há perigo de confusão, o índice R é omitido. Usando essa notação, podemos reescrever as condições:

a’) Para todo � ∈ �, � ≥ � (reflexibilidade). b’) Se � ≥ � e � ≥ �, então � ≥ � (transitividade). c’) Se � ≥ � e � ≥ �, então � = � (anti-simetria). d’) Para todo �, � ∈ �, � ≥ � ou � ≥ � (totalidade). O símbolo ≥ é lido como “maior ou igual” e isso logo se justifica. A primeira condição apenas impõem que ?�, �) deve pertencer a relação, pois pela mesma relação, através da propriedade (c), se conclui que � = �, como deve ser. Essas propriedades são bem familiares, pois são as mesmas das relações de ordem dos números naturais, inteiros, racionais e reais (esses servem de exemplos para esse tipo de relação binária).

Um conjunto com uma relação de ordem total � é dito totalmente ordenado ou linearmente ordenado (pela relação �). Existem outras relações de ordem (que não serão tratadas aqui) e por isso se explicita que a relação de ordem é total.

Exercício 4.5.1: Dada uma família arbitrária não vazia de conjuntos, k, criemos uma relação de ordem em k tal que dizemos que, para �, . ∈ k, � ≥ . se . ⊂ �. Por que essa relação não é, em geral, uma relação de ordem total? Qual condição deve ser satisfeita para que a relação dada seja uma relação de ordem total?

Teorema 4.5.1 (Teorema do Bom Ordenamento): Dado um conjunto não vazio �, é sempre possível encontrar uma relação de ordem � tal que � é totalmente ordenado por essa relação.

Não demonstraremos esse teorema, pois, além de outras razões, esse teorema garante, na verdade, que é possível obter uma relação de ordem tal que o conjunto é dito bem ordenado (noção que não foi apresentada) por essa relação de

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ordem. Mas é possível demonstrar que todo conjunto bem ordenado é completamente ordenado pela mesma relação de ordem.

Sabendo da veracidade desse teorema, fica a questão: como ter uma relação de ordem total em conjuntos como o ℕ × ℕ? Podemos obter tal relação usando o fato de ℕ já possuir uma relação de ordem. Tal construção é apresentada abaixo. Chamaremos a relação de ordem de ℕ de � e a de ℕ × ℕ de #. Definamos a relação de ordem total em ℕ × ℕ da seguinte forma: dados ?�, �), ?®, �) ∈ ℕ × ℕ, ?�, �) ≥¯ ?®, �) se � ≥¬ ® ou se � = ®, mas � ≥¬ �. Ou seja, se � >¬ ®, já se tem ?�, �) ≥¯ ?®, �) (independente de � ≥¬ � ou não), mas, se � = ® a relação passa a ser entre a segunda coordenada e se tem ?�, �) ≥¯ ?®, �) quando � ≥¬ �. Por exemplo, ?3,1) > ?2,5) e ?2,1) < ?2,5). Exercício 4.5.2: Mostre que essa relação apresentada é de fato uma relação

de ordem total em ℕ × ℕ.

Exemplo 4.5.1: Peguemos o subconjunto � = ?1,1), ?1,2), ?1,3), ?2,1), ?2,2), ?2,3), ?3,1), ?3,2), ?3,3)� de ℕ × ℕ. Usando a relação de ordem apresentada acima para ℕ × ℕ, temos que ?3,3) > ?3,2) > ?3,1) > ?2,3) >. . . > ?1,1). Abaixo está ilustrada, no plano cartesiano, a relação de ordem desse conjunto, onde o ponto preto é o ?2,2) e os maiores que ?2,2) são vermelhos e os menores verdes.

Perceba que os elementos menores que ?2,2) são os que estão à esquerda ou abaixo desse e os maiores os que estão à direita ou acima.

Essa forma de ordenar totalmente produtos cartesianos de conjuntos que já possuem uma relação de total pode ser generalizada. Se � é um conjunto com uma relação de ordem total �, podemos fazer com que �\ (= � × � × ⋯ × � n vezes) seja totalmente ordenado por uma relação # fazendo ?�S, ⋯ , �\) ≥¯ ?�S, ⋯ , �\) quando, se as i primeiras coordenadas forem iguais, �hxS >¬ �hxS. Ordens desse tipo, onde se usa uma relação de ordem total em � para induzir uma relação de ordem total em �\ da forma como foi feita, são chamadas de ordens lexicográficas por razões que ficarão claras a seguir.

Observação: Ainda não generalizamos a noção de produto cartesiano, mas, como foi feito acima, pode-se fazer o produto cartesiano entre � conjuntos obtendo um conjunto cujos elementos são “pares ordenados” (na verdade, chamados de n-

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uplas) com � elementos ordenados (com cada elemento pertencendo ao conjunto correspondente à posição que se encontra na n-upla). Por exemplo, sendo �, . e ; conjuntos não vazios, � × . × ; é o conjuntos de todas as trincas ordenadas ?�, �, �) onde � ∈ �, � ∈ . e � ∈ ;. Tal forma de ordenação pode parecer estranha a primeira vista, mas um caso desse tipo de ordem é bastante comum e bem familiar a todos. A ordem alfabética (usada para ordenar palavras de um dicionário) é uma ordem desse tipo. Perceba que ordenamos inicialmente o alfabeto (dizemos que � > �, por exemplo) e, ao ordenar palavras, pegamos duas palavras e vamos comparando as letras das palavras (a partir do início dela) até que se encontre uma “coordenada” distinta entre essas palavras. Ou seja, comparamos as primeiras letras e, se as letras forem iguais, passamos a comparar a segunda e assim por diante até que haja diferença. Quando é encontrada a diferença, se usa a ordem já dada para o alfabeto para dizer que uma palavra é “maior” que outra (no sentido de que, dadas as duas letras distintas, uma aparece depois da outra no alfabeto). Por exemplo, comparemos as palavras casa e caso. Vamos primeiro colocar as letras como quadras ordenadas: ?�, �, r, �) e ?�, �, r, �). As três primeiras letras são iguais, mas � > � (no sentido de � aparecer depois de � no alfabeto). Assim, ?�, �, r, �) > ?�, �, r, �), fazendo caso aparecer depois de casa no dicionário. Claro, o exemplo foi simplificado, pois nem todas as palavras possuem quatro letras, de forma que seriam necessárias mais “coordenadas” e algum elemento que preencha as “coordenadas” sem letras, e existem letras com acentos, hífens, etc., que devem ser acrescidos no “alfabeto”.

Exercícios I – 4

1 – No plano cartesiano abaixo, encontre os pontos ?0,0), ?−2, −1), a1 3� , 0b, ?2,3) e �5 3� , 4 3� �.

2 – Sendo � = 1,2,3,4,5,6� e . = �, �, �, �, ��, represente as seguintes relações binárias de � em . em forma de diagramas:

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a) � = ?1, �), ?3, �), ?3, �), ?6, �)� b) � = ?1, �), ?2, �), ?3, �), ?4, �), ?5, �), ?6, �)� c) � = ?1, �), ?3, �), ?4, �), ?5, �), ?6, �)� d) � = ?1, �), ?2, �), ?3, �), ?3, �), ?5, �), ?6, �)� e) � = ?1, �), ?2, �), ?3, �), ?4, �), ?5, �), ?6, �)�

3 – Dê o domínio e a imagem das relações apresentadas no exercício 2 e indique quais relações são funções de � em .. 4 – Escreva as relações inversas das relações binárias apresentadas no exercício 2 e represente-as em forma de diagramas.

5 – A partir dos diagramas de relações binárias apresentados abaixo, represente as relações binárias listando seus elementos e dê o domínio e a imagem de cada relação.

a)

b)

c)

6 – Sendo � = 1,2,3�, indique quais das relações abaixo são relações de equivalência em A. Caso não seja, indique qual(ais) condição(ões) falha(m).

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a) � = ?1,1), ?2,2), ?3,3)� b) � = ?1,1), ?2,2), ?3,3), ?2,1), ?3,2), ?3,1)� c) � = ?1,1), ?2,2), ?3,3), ?1,2), ?2,1)� d) � = ?1,1), ?2,2), ?3,3), ?1,2), ?2,3), ?3,2)� e) � = ?1,1), ?2,2), ?1,2), ?2,3), ?3,2)� f) � = ?1,1), ?2,2), ?3,3), ?1,3), ?3,1), ?2,3), ?3,2)� g) � = ?1,1), ?2,2), ?3,3), ?1,3), ?3,1), ?2,3), ?3,2), ?2,1), ?1,2)�

7 – Escolha, no exercício acima, uma relação que seja de equivalência e uma que não seja e represente-as em forma de diagrama. No caso da relação de equivalência, faça também a representação do conjunto �' no plano cartesiano e destaque (circulando, por exemplo) os pontos que compõem a relação de equivalência.

8 – Represente as classes de equivalências das relações de equivalência existentes no exercício 6 e dê o conjunto quociente � �⁄ em cada caso. SUGESTÃO: Para poupar trabalho, use o Lema 4.4.1.

9 – Mostre que uma relação de equivalência em um conjunto � é uma função de � em � se, e somente se, é a relação identidade. 10 – Alguma relação binária do exercício 6 é uma relação de ordem total? Se sim, indique-a e, representando �' no plano cartesiano, destaque os pontos que compõem a relação.

11 – Defina para ℕ& uma relação binária � tal que ?�, �, �)~ ?�, �, }) (ou seja, a?�, �, �), ?�, �, })b ∈ �) se � + � + � = � + � + }. Mostre que essa relação é uma relação de equivalência.

12 – Defina uma relação análoga a feita no exercício anterior, mas para ℕ'. Dê as classes de equivalência de ?1,1), ?2,2) e ?3,3). Represente essas classes de equivalência no plano cartesiano.

13 – Seja V definido como ℤ × ?ℤ − 0�). Defina uma relação � em V fazendo com que a?�, �), ?�, �)b ∈ � (ou ?�, �)~ ?�, �)) se �� = ��. Mostre que essa relação é uma relação de equivalência.

14 – Usando a ordem lexicográfica definida para ℕ&, escreva, em cada caso abaixo, os pontos na ordem crescente.

a) ?1,1,1), ?1,3,1), ?4,2,6), ?4,2,2) b) ?2,1,3), ?2,3,5), ?3,1,4), ?2,5,5) c) ?1,1,2), ?2,2,3), ?2,1,4), ?1,45,2) d) ?4,6,7), ?3,5,2), ?3,4,8), ?6,3,7), ?6,4,1)

15 – Se |�| = 5, |� �⁄ | = 3 (cardinalidade do conjunto quociente � �⁄ ) e um elemento é equivalente a, no máximo, um elemento distinto, quanto é |�| (cardinalidade da relação de equivalência)?

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Capítulo II – Funções e Estruturas

Nesse capítulo será apresentado um tratamento mais geral de funções. Como já foi dito no capítulo anterior, o conceito de função é presente em toda a matemática e por isso o estudo dele é de particular importância. Também serão apresentadas estruturas algébricas básicas, tais como grupos, anéis e corpos, onde o conceito de função estará sempre presente.

1 – Características Gerais 1.1 – Definição de função e notações

Reapresentemos a definição de função.

Definição 1.1.1 (função): Dados dois conjuntos, � e ., e � ⊂ � × . uma relação binária de � em ., a trinca ordenada ?�, �, .) é dita ser uma função de � em . ou aplicação de � em . quando satisfaz ambas as seguintes condições:

a) s��?�) = � b) ?�, �) ∈ � e ?�, �′) ∈ � implica � = �′.

Algumas novas notações devem ser introduzidas. No lugar de ?�, �, .), passaremos a representar funções por �: � → . (lê-se “função � definida de � em .”). Como já foi introduzido no capítulo anterior, também escrevemos � = �?�), devido à unicidade de � na imagem correspondente a um � no domínio. Também devido a esse fato, é comum indicar que um dado � do domínio corresponde a um determinado � na imagem por � ↦ � (ou � ↦ �?�)). Outra conseqüência dessa unicidade é que, se � = �?�), então � é chamado de imagem de � sob � (com certo abuso de linguagem, é comum omitir o “sob �”). Como o conjunto de partida de uma função é sempre igual ao domínio, chamamos o conjunto de partida simplesmente de domínio da função e o conjunto de chegada é mais comumente referido como o contradomínio da função (lembrando que a imagem da função é um subconjunto do contradomínio). Quando o domínio e o contradomínio são subentendidos, representamos a função simplesmente por �. Atentemos também ao fato de, a partir de agora, usarmos com freqüência letras minúsculas para representar funções. Por exemplo, }: � → ..

1.2 – Igualdade entre funções

Antes de apresentarmos a igualdade entre funções, notemos que, como a imagem de uma função não necessariamente é igual ao contradomínio, é possível alterar o contradomínio de uma função sem alterar outras características dessa. De fato isso acontece, como mostra o teorema seguinte.

Teorema 1.2.1: Seja }: � → . uma função e }: � → ; tal que ��?}) ⊂ ; (a imagem de }: � → . está contida em ;). Então }: � → ; é uma função.

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Demonstração: Se ?�, �) ∈ }, então � ∈ � e � ∈ ��?}). Já que ��?}) ⊂ ;, temos que � ∈ ;. Assim, o par ?�, �) ∈ � × ;, mostrando que } ⊂ � × ;. Concluímos, então, que }: � → ; é uma função, pois, como } satisfaz as condições (a) e (b) da definição de função, elas continuam sendo satisfeitas.

QED

Uma função pode ser definida a partir de uma “regra”. Isso quer dizer que podemos estabelecer um padrão na obtenção do � na imagem a partir do � do domínio. Ou seja, escrevemos }?�) em termos de �. Sabendo a regra que define a função, podemos escrever a função como ´:F→t�↦´?�), onde }?�) é a regra em questão. Exemplo 1.2.1: Seja }: ℕ → ℕ tal que }?�) = 2� (pode-se, também, escrever ´:ℕ→ℕ�↦'� ). As imagens de � = 1, � = 2 e � = 4 são respectivamente }?1) = 2 ⋅ 1 = 2, }?2) = 2 ⋅ 2 = 4 e }?4) = 2 ⋅ 4 = 8. O diagrama abaixo ilustra a função.

A última função também exemplifica o teorema demonstrado logo acima. A imagem da função é composta por todos os números pares positivos. Vemos, então, que se pode reduzir o contradomínio a somente os pares positivos sem alterar os outros aspectos da função. Ou seja, poderíamos fazer }: ℕ → � , onde � é o conjunto dos números pares positivos. Mas também poderíamos tomar um contradomínio maior. Por exemplo, a função poderia ser }: ℕ → ℝ. Um abuso de linguagem que é bastante freqüente (e cometeremos aqui também) é chamar a regra definidora da função, }?�), de função, mas se deve sempre estar atento para não confundir os conceitos.

A função propriamente dita é a trinca ?}, �, .) (embora seja comum chamarmos a relação } de função). Assim, no teorema anterior, se ; é diferente de ., a função }: � → . é diferente de }: � → ;, pois ?}, �, .) ≠ ?}, �, ;). Afinal, ?}, �, .) = ?~, ;, s) se, e só se, } = ~, � = ; e . = s. Perceba, então, que, no exemplo anterior, quando mudamos o contradomínio, mudamos a função. No teorema abaixo, já se está tomando os domínios e os contradomínios iguais, mas apresenta uma forma equivalente de afirmar } = ~.

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Teorema 1.2.2: Sejam }: � → . e ~: � → . funções. Então }: � → . é igual a ~: � → . se, e somente se, para todo � ∈ �, }?�) = ~?�). Demonstração: Se as funções são iguais, então } = ~. Segue que a?�, �) ∈}b ⇔ a?�, �) ∈ ~b. Usando a notação � = }?�), a equivalência é escrita como a?�, }?�)) ∈ }b ⇔ a?�, ~?�)) ∈ ~b, donde segue que }?�) = ~?�), pois o � é único. A recíproca é obtida seguindo a demonstração no sentido contrário.

QED

Exemplo 1.2.2: As funções }: ?ℝ − 1�) → ℝ e ~: ?ℝ − 1�) → ℝ, tais que }?�) = �µ^S�^S e ~?�) = � + 1, são iguais. Para mostrar isso, observemos que os domínios e contradomínios já são iguais. Assim, basta mostrar que }?�) = ~?�) para todo � ∈ ?ℝ − 1�). Vemos que �µ^S�^S = ?�xS)?�^S)�^S e, dessa forma, sabendo que

� ≠ 1, se tem }?�) = �µ^S�^S = ?�xS)?�^S)�^S = � + 1 = ~?�) para todo � ∈ ?ℝ − 1�), mostrando que as funções são iguais.

Exercício 1.2.1: Sejam }: ?ℝ − −1,0�) → ℝ e ~: ?ℝ − −1,0�) → ℝ tais que }?�) = ?�xS)µ^?�µ^S)�µx� e ~?�) = '�. Mostre que essas funções são iguais.

1.3 – União de funções

É comum que a regra definidora de uma função não seja a mesma em todo o domínio. Assim, existirão funções cujas imagens serão definidas por mais de uma regra (cada regra referente a um subconjunto do domínio). Os dois exemplos abaixo ilustram isso.

Exemplo 1.3.1: Seja � um subconjunto de um conjunto não vazio V. Podemos criar uma função ¶F: V → 0,1� de forma que:

¶F?�) = ·1 0 r� � ∈ �r� � ∈ ?V − �) Ou seja, se � pertence a �, a imagem desse � é 1, mas, se não pertence, a imagem é 0. Essa função é chamada de função característica de �. Exemplo 1.3.2: Pode-se ter }: ℝ → ℝ definida por:

}?�) = ·�²� ¸ r� � ≥ 1 r� � ≤ 1 No primeiro exemplo, podemos decompor a função em duas. A primeira }: � → 1� tal que }?�) = 1 e a segunda ~: ?V − �) → 0� tal que ~?�) = 0. Juntando os domínios (� ∪ ?V − �) = V, já que � ⊂ V) e os contradomínios (0� ∪ 1� = 0,1�) dessas duas funções e usando as regras respectivas nas partes do domínio que as competem, conseguimos a função original. Ou seja, ¶F = } ∪ ~. No segundo exemplo, situação semelhante ocorre, mas devemos tomar cuidado, pois, sendo ~: ?−∞, 1¤ → ℝ tal que }?�) = � e ℎ: £1, ∞) → ℝ tal que }?�) = �', a intersecção dos

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domínios não é vazia (é 1�), mas é fácil ver que as regras coincidem nessa intersecção. Como no caso anterior, podemos ver que, ao unir as funções, obtemos a função original ( ~ ∪ ℎ = }). Observação: Definiremos no capítulo seguinte o conceito de intervalo de números reais, mas já adiantemos que ?−∞, 1¤ = � ∈ ℝ|� ≤ 1� e £1, ∞) =� ∈ ℝ|� ≥ 1�. Motivados por esses exemplos, enunciemos o seguinte teorema.

Teorema 1.3.1: Sejam }: � → . e ~: ; → s funções tais que }?�) = ~?�) para todo � ∈ � ∩ ;. Então a união } ∪ ~ define uma função ℎ de � ∪ ; em . ∪ s (função de domínio � ∪ ; e contradomínio . ∪ s). Ou seja:

?ℎ = } ∪ ~): � ∪ ; → . ∪ s tal que:

ℎ?�) = ·}?�)~?�) r� � ∈ �r� � ∈ ; Demonstração: } e ~ são relações binárias. Assim, } ⊂ � × . e ~ ⊂ ; × s. Segue que } ∪ ~ ⊂ � × . ∪ ; × s. Mas � × . ⊂ ?� ∪ ;) × ?. ∪ s), afinal, ao se unir um conjunto ao conjunto � e outro ao conjunto ., não se está tirando elementos que pertençam a � × . (veja o Teorema 2.2.4 do Capítulo I). De forma semelhante ; × s ⊂ ?� ∪ ;) × ?. ∪ s). Assim, ?� × .) ∪ ?; × s) ⊂ ?� ∪ ;) × ?. ∪ s). Concluímos, então, que:

ℎ = } ∪ ~ ⊂ ?� × .) ∪ ?; × s) ⊂ ?� ∪ ;) × ?. ∪ s) Ou seja, ℎ ⊂ ?� ∪ ;) × ?. ∪ s), que é o mesmo que dizer que ℎ é uma relação binária de � ∪ ; em . ∪ s. Já que } e ~ são funções e }?�) = ~?�) para todo � ∈ � ∩ ;, ℎ?�) é definido de forma única em todo o domínio, � ∪ ;, mostrando que é de fato uma função.

QED

Exemplo 1.3.3: Sejam � = 1,2,3�, . = 2,3,5,6�, ; = 1,2, �, �� e s = 2,3,4�. Sejam também }: � → . tal que } = ?1,2), ?2,3), ?3,3)� e ~: ; → s tal que ~ =?1,2), ?2,3), ?�, 3), ?�, 4)�. Então a relação ℎ = } ∪ ~ = ?1,2), ?2,3), ?3,3), ?�, 3), ?�, 4)� define uma função ℎ: � ∪ ; → . ∪ s, cuja representação diagramática é dada abaixo.

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Exercício 1.3.1: Dê o domínio e a imagem das funções }, ~ e ℎ apresentadas no exemplo anterior.

No Teorema 1.3.1, quando . = s e � ⊂ ;, ~: ; → s é dita ser uma extensão de }: � → ..

1.4 – Imagens e pré-imagens de funções

Definição 1.4.1: Seja }: V → y uma função e � ⊂ V. A imagem de � sob }, denotada por }?�), é o conjunto de todas as imagens }?�) tais que � ∈ �. Numa notação mais compacta:

}?�) = }?�)|� ∈ �� Perceba que a imagem de � sob } é um subconjunto da imagem da função }: V → y, isto é, }?�) ⊂ ��?}). Em particular, a imagem de V sob } é a própria imagem da função. Embora a semelhança nas notações }?�) e }?�), deve-se atentar que }?�) é um elemento da imagem enquanto }?�) é um subconjunto da imagem. Exercício 1.4.1: Mostre que }?V) = ��?}). Exercício 1.4.2: Mostre com um contra-exemplo que não é possível afirmar, no caso geral, que “}?�) = ��?}) se, e somente se, � = V”, onde V é o domínio da

função.

Definição 1.4.2: Seja }: V → y uma função e . ⊂ y. A pré-imagem de . sob }, denotada por }^S?.), é o conjunto de todos os elementos do domínio tais que }?�) ∈ .. Em notação mais sucinta: }^S?.) = �|}?�) ∈ .�

A pré-imagem de um subconjunto do contradomínio da função é, então, um subconjunto do domínio da função. Mas nessa nova definição devemos perceber que . pode ser qualquer subconjunto do contradomínio e esse pode possuir elementos que não pertençam à imagem da função. Ou seja, em geral, pode existir � ∈ . tal que � ≠ }?�) para todo � ∈ V.

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Exemplo 1.4.1: Seja }: ℕ → ℕ tal que }?�) = · � r� � é ���� + 1 r� � é �����¸. A imagem de � (conjunto dos pares) sob } é o próprio conjunto dos pares, mas a pré-imagem de � sob } é ℕ. Afinal, se � é ímpar, � + 1 é par, mostrando que }?�) ∈ � para todo � ∈ ℕ. Exemplo 1.4.2: Seja V = 1,2,3,4,5�, y = 6,7,8,9� e }: V → y uma função definida por } = ?1,6), ?2,7), ?3,7), ?4,8), ?5,8)�. Sendo � = 1,2�, a imagem de � sob } é o conjunto }?�) = 6,7�. Já sendo . = 7,8,9�, a pré-imagem de . sob } é }^S?.) = 2,3,4,5�. Segue abaixo a representação diagramática.

Vemos, então, que, em termos de diagramas, a imagem de � sob } é o conjunto dos elementos no contradomínio onde terminam as setas que começam nos elementos de �. Já a pré-imagem de . sob } é o conjunto dos elementos no domínio de onde partem as setas que terminam nos elementos de .. Nesse último exemplo podemos ver que }?�) = 6,7�, mas }^Sa }?�)b =1,2,3�. Ou seja, � ⊂ }^Sa }?�)b. Também se tem que, sendo }^S?.) = 2,3,4,5�, }a}^S?.)b = 7,8�, que implica }a}^S?.)b ⊂ .. Esses resultados são gerais e apresentaremos como um teorema.

Exercício 1.4.3: Faça a representação diagramática do que foi discutido no

parágrafo acima.

Teorema 1.4.1: Sendo }: V → y uma função arbitrária e � ⊂ V e . ⊂ y subconjuntos quaisquer do domínio e contradomínio, respectivamente, valem as inclusões:

� ⊂ }^Sa }?�)b � }a}^S?.)b ⊂ . Demonstração: (� ⊂ }^Sa }?�)b): Se � ∈ �, então }?�) ∈ }?�), donde segue, pela definição, que � ∈ }^Sa }?�)b. Ou seja, � ∈ � ⇒ � ∈ }^Sa }?�)b que, pela definição de subconjunto, quer dizer � ⊂ }^Sa }?�)b. (}a}^S?.)b ⊂ .): Se � ∈ }a}^S?.)b, então existe � ∈ }^S?.) tal que }?�) = �, que nos leva a concluir que � ∈ .. Ou seja, � ∈ }a}^S?.)b ⇒ � ∈ . levando, por fim, a }a}^S?.)b ⊂ ..

QED

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O comentário feito sobre o Exemplo 1.4.2 já mostra que, no caso geral, as inclusões demonstradas não podem ser substituídas por igualdades, afinal, as inclusões apresentadas no comentário são próprias.

Exemplo 1.4.3: Seja }: ℤ → ℤ tal que }?�) = �'. }?1,2�) = 1', 2'� = 1,4� e }^S?−1,1,2�) = −1,1�, pois não existe quadrado de inteiro cujo resultado seja −1 nem quadrado inteiro com resultado 2. No entanto, }^Sa}?1,2�)b = }^S?1,4�) =−2, −1,1,4�, pois ?−2)' = 4 e ?−1)' = 1, e }a}^S?−1,1,2�)b = }?−1,1�) =?−1)', 1'� = 1�, concordando com o teorema. Abaixo a representação da função é feita no plano cartesiano, onde os pontos pretos são os pertencentes a }.

É interessante que, na representação feita acima, se observe os caminhos 1,2� → }?1,2�) → }^Sa}?1,2�)b e −1,1,2� → }^S?−1,1,2�) → }a}^S?−1,1,2�)b. No primeiro caso, o caminho “segue” pelas linhas vermelhas de 1,2� a 1,4� e, depois, “volta” pelas linhas vermelhas até −2, −1,1,2�. Já no segundo caso, o elemento 1 é o único que pode “seguir” pela linha vermelha, e faz o conjunto −1,1,2� “ir” para −1,1�. Depois o conjunto “volta” pelas linhas vermelhas até 1�. Exercício 1.4.4: Se }: ℕ → ℕ é uma função tal que }?�) = � + 1, mostre que,

para todo subconjunto . do contradomínio tal que 1 ∉ ., }a}^S?.)b = ..

Teorema 1.4.2: Sendo }: V → y uma função, valem as afirmações abaixo. a) }?∅) = ∅ b) }?��) = }?�)� c) Se � ⊂ . ⊂ V, então }?�) ⊂ }?.). d) Se ; ⊂ s ⊂ y, então }^S?;) ⊂ }^S?s).

Demonstração: (a): Não existe � ∈ ∅, logo, não existe }?�) ∈ }?∅), de onde se conclui }?∅) = ∅.

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(b): Pela definição }?��) = W}?�)¼� ∈ ��X, como só há um � em �� e o }?�) correspondente é único, }?��) = }?�)�. (c): Se � ∈ }?�), então existe � ∈ � tal que }?�) = �. Mas � ∈ � ⇒ � ∈ . e, disso, se conclui que � ∈ }?.) para todo � ∈ �. Ou seja, }?�) ⊂ }?.). (d): Se � ∈ }^S?;), então }?�) ∈ ;. Como ; ⊂ s, então }?�) ∈ s. Dessa forma, � ∈ }^S?s). Ou seja, � ∈ }^S?;) ⇒ � ∈ }^S?s), que é o mesmo que }^S?;) ⊂ }^S?s).

QED

Exemplo 1.4.4: Sendo }: ℤ → ℤ tal que }?�) = � + 3, tem-se }?2�) = }?2)� =5�. Exercício 1.4.5: Dê um exemplo de função }: ℕ → ℕ tal que, para algum subconjunto . do domínio, exista � ⊂ . de forma que essa inclusão seja própria e }?.) = }?�). Ou seja, um contra-exemplo para a afirmação “se � ⊂ . ⊂ V, com V sendo o domínio, então }?�) = }?.) se, e somente se, � = .”.

Exercício 1.4.6: Encontre contra-exemplos que mostrem que as afirmações “}?�) ⊂ }?.) somente se � ⊂ .” e “}^S?;) ⊂ }^S?s) somente se ; ⊂ s” são falsas. Ou

seja, mostrar que não existe a recíproca das partes (c) e (d) do teorema acima.

Teorema 1.4.3: Seja }: V → y uma função e �, . ⊂ V. Então: a) }?� ∪ .) = }?�) ∪ }?.) b) }?� ∩ .) ⊂ }?�) ∩ }?.)

Demonstração: (a): Se � ∈ }?� ∪ .), então existe � ∈ � ∪ . tal que }?�) = �. Mas � ∈ � ∪ . ⇒ � ∈ � ou � ∈ .. Logo, � ∈ }?�) ou � ∈ }?.), que, pela definição de união, é o mesmo que � ∈ }?�) ∪ }?.). Ou seja, � ∈ }?� ∪ .) ⇒ � ∈ }?�) ∪ }?.), donde segue que }?� ∪ .) ⊂ }?�) ∪ }?.). Reciprocamente, se � ∈ }?�) ∪ }?.), então existe � ∈ � ou � ∈ . tal que � = }?�). Disso se tem que � ∈ � ∪ . e, dessa forma, � ∈ }?� ∪ .). Ou seja, � ∈}?�) ∪ }?.) ⇒ � ∈ }?� ∪ .) e, por seguinte, }?�) ∪ }?.) ⊂ }?� ∪ .). Dessa inclusão e a anterior, finalmente temos que }?� ∪ .) = }?�) ∪ }?.). (b): Se � ∈ }?� ∩ .), então existe � ∈ � ∩ . tal que � = }?�). Ou seja, � ∈ � e � ∈ . e, dessa forma, � ∈ }?�) e � ∈ }?.), donde se tem � ∈ }?�) ∩ }?.). Assim, � ∈ }?� ∩ .) ⇒ � ∈ }?�) ∩ }?.), que é o mesmo que }?� ∩ .) ⊂ }?�) ∩ }?.).

QED

Essas duas propriedades podem ser generalizadas e faremos isso mais adiante.

Na parte (b) do teorema, não é possível obter, em geral, a igualdade e o exemplo seguinte mostra isso.

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Exemplo 1.4.5: Seja � = 1,2�, . = 3� e }: � → . tal que } = ?1,3), ?2,3)�. Sendo �S = 1� e �' = 2�, tem-se �S ∩ �' = ∅ e, portanto, }?�S ∩ �') = }?∅) = ∅. Mas }?�S) = 3� e }?�') = 3� e, assim, }?�S) ∩ }?�') = 3�, que é diferente de }?�S ∩ �'). Abaixo segue a representação diagramática.

Teorema 1.4.4: Seja }: V → y uma função e �, . ⊂ y. Então: a) }^S?� ∪ .) = }^S?�) ∪ }^S?.) b) }^S?� ∩ .) = }^S?�) ∩ }^S?.)

Demonstração: (a): Se � ∈ }^S?� ∪ .), então }?�) ∈ � ∪ ., que é o mesmo que }?�) ∈ � ou }?�) ∈ .. Disso segue que � ∈ }^S?�) ou � ∈ }^S?.), ou seja, � ∈ }^S?�) ∪ }^S?.), mostrando que }^S?� ∪ .) ⊂ }^S?�) ∪ }^S?.), pois � ∈}^S?� ∪ .) ⇒ � ∈ }^S?�) ∪ }^S?.). Reciprocamente, se � ∈ }^S?�) ∪ }^S?.), então � ∈ }^S?�) ou � ∈ }^S?.), donde se tem }?�) ∈ � ou }?�) ∈ ., que implica }?�) ∈ � ∪.. Portanto � ∈ }^S?� ∪ .) e acabamos de mostrar que � ∈ }^S?�) ∪ }^S?.) ⇒ � ∈ }^S?� ∪ .), que, por definição, quer dizer }^S?�) ∪ }^S?.) ⊂ }^S?� ∪ .). Mostrada essa inclusão e a anterior, concluímos que }^S?� ∪ .) = }^S?�) ∪ }^S?.).

QED

Exercício 1.4.7: Demonstre a parte (b) do teorema acima.

Também generalizaremos esse último teorema mais adiante.

Teorema 1.4.5: Seja }: V → y uma função e �, . ⊂ y. Então: }^S?� − .) = }^S?�) − }^S?.)

Demonstração: Se � ∈ }^S?� − .), então }?�) ∈ � − ., que quer dizer }?�) ∈ � e }?�) ∉ .. Assim � ∈ }^S?�) e � ∉ }^S?.) e, portanto, � ∈ }^S?�) − }^S?.). Dessa forma, }^S?� − .) ⊂ }^S?�) − }^S?.). Reciprocamente, se � ∈ }^S?�) −}^S?.), então � ∈ }^S?�) e � ∉ }^S?.). Disso temos }?�) ∈ � e }?�) ∉ ., que é o mesmo que }?�) ∈ � − .. Por seguinte, � ∈ }^S?� − .), donde se conclui }^S?�) −}^S?.) ⊂ }^S?� − .). Demonstradas essa inclusão e a anterior, }^S?� − .) =}^S?�) − }^S?.).

QED

Exercício 1.4.8: Mostre com um contra-exemplo que }?� − .) = }?�) − }?.) não é, em geral, verdadeiro.

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60

Exemplo 1.4.6: Seja }: V → y uma função com V = 1,2,3,4� e y = 5,6,7,8� e } = ?1,5), ?2,5), ?3,7), ?4,8)�. Sendo � ⊂ y tal que � = 5,6,7� e . ⊂ y tal que . =7,8�. }^S?� − .) = }^S?5,6�) = 2�. Por outro lado, }^S?�) − }^S?.) = }^S?5,6,7�) −}^S?7,8�) = 2,3� − 3,4� = 2�, que é o resultado anterior. Exercício 1.4.9: Demonstre o seguinte corolário do Teorema 1.4.5:

}^S?y − .) = V − }^S?.) Exercícios II – 1 1 – Sendo � = 1,2,3� e . = �, �, ��, indique quais relações abaixo são funções de A em B e, nos casos que são, dê a imagem.

a) } = ?1, �), ?1, �), ?1, �)� b) } = ?1, �), ?2, �), ?3, �)� c) } = ?1, �), ?1, �), ?2, �), ?3, �)� d) } = ?1, �), ?2, �), ?3, �)� e) } = ?1, �), ?2, �), ?3, �)�

2 – No exercício anterior, faça a representação diagramática dos casos em que } é uma função de � em .. 3 – Indique quais diagramas abaixo representam funções de � = 1,2,3� em . = �, �, �, ��.

a)

b)

c)

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61

d)

4 – Seja }: ℕ → ℕ uma função definida por: }?�) = ½ � − 1 r� � é ��� �² r� � é ����� �ã� �����1 r� � é �����

Encontre }?2), }?5), }?12), }?9) e }?11). 5 – Mostre que, se }: V → y e ~: V → y são funções e } ⊂ ~, então } = ~. SUGESTÃO: Só falta mostrar que ~ ⊂ }. 6 – Dê a imagem da função ´:S,',w�→ℕ�↦�²x¿ .

7 – Considere os conjuntos � = 1,2,3�, . = 3,4,5�, ; = �, �, �� e s = 1, �, ��. Em cada caso abaixo, onde } e ~ são funções, verifique se a relação ℎ = } ∪ ~ define uma função. Caso defina, represente ℎ listando seus elementos.

a) }: � → . e ~: ; → s tais que } = ?1,3), ?2,3), ?3,4)� e ~ = ?�, 1), ?�, �), ?�, �)�. b) }: � → ; e ~: . → s tais que } = ?1, �), ?2, �), ?3, �)� e ~ = ?3,1), ?4, �), ?5, �)�. c) }: � → s e ~: . → � tais que } = ?1,1), ?2, �), ?3,1)� e ~ = ?3,1), ?4,2), ?5,3)�. d) }: ; → � e ~: s → . tais que } = ?�, 3), ?�, 2), ?�, 1)� e ~ = ?1,4), ?�, 3), ?�, 5)�. e) }: � → � e ~: . → . tais que } = ?1,2), ?2,1), ?3,3)� e ~ = ?3,3), ?4,5), ?5,4)�. f) }: s → � e ~: s → s tais que } = ?1,1), ?�, 2), ?�, 3)� e ~ = ?1, �), ?�, �), ?�, �)�.

SUGESTÃO: O enunciado já afirma que } e ~ são funções. Então, pelo Teorema 1.3.1, basta verificar, para cada � ∈ s��?}) ∩ s��?~), que }?�) = ~?�) para mostrar que h é uma função.

8 – No exercício anterior, represente a relação ℎ = } ∪ ~ por diagramas, quando essa definir uma função, e dê a imagem da função.

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62

9 – No exercício 4, encontre }?1,2,3�), }?4,5,9�) e }^S?5,9,2�). SUGESTÃO: Chame o conjunto dos primos positivos de ℕ§. 10 – Dado }: � → . tal que � = 1,2,3,4�, . = �, �, �, �, �� e } = ?1, �), ?2, �), ?3, �), ?4, �)�, encontre:

a) a imagem da função; b) }?1,2,3�); c) }?1,2,4�); d) }?1,2,3,4�); e) }^Sa}?1,2,4�)b; f) }^S?�, ��); g) }^S?�, �, �, ��); h) }^S?�, �, ��).

11 – Seja }: V → y uma função, � ⊂ V e . ⊂ y. Mostre que: a) }a� ∩ }^S?.)b = }?�) ∩ . b) }a}^S?.)b = }?V) ∩ .

12 – Sejam V e y conjuntos não vazios e considere as funções �{: V × y → V tal que �{?�, �) = � e �|: V × y → y tal que �|?�, �) = �. Sendo � ⊂ V × y (� é uma relação de V em y), mostre que �{?�) = s��?�) e �|?�) = ��?�). A função �{ é chamada de projeção canônica sobre V e �| de projeção canônica sobre y. 2 – Funções Injetoras, Sobrejetoras e Bijetoras

Funções injetoras, sobrejetoras e bijetoras são tipos de funções que possuem uma importância especial em diversos casos. Assim, é importante que se tenha familiaridade com as noções apresentadas nessa secção.

2.1 – Definições

Definição 2.1.1 (função injetora): Seja }: V → y uma função. }: V → y é dita injetora (ou injetiva) quando é satisfeita a condição: se �, �′ ∈ V e }?�) = }?�′), então � = �′. Uma forma equivalente de definir é substituir a condição por: se �, �′ ∈ V e � ≠ �′, então }?�) ≠ }?�′). Exemplo 2.1.1: Seja ´:ℕ→ℕ�↦&� uma função. Essa função é injetora, pois, se � ≠ �′, temos que }?�) = 3� ≠ 3�� = }?��). Exemplo 2.1.2: Seja }: � → . tal que � = 1,2,3�, . = 4,5,6,7� e } =?1,4), ?2,5), ?3,6)�. Essa função é injetora, pois não existem elementos distintos no domínio com a mesma imagem. A representação diagramática segue abaixo.

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63

Perceba que, em termos de diagramas, a condição para que a função seja injetora é que cada elemento na imagem deve ser “flechado” uma única vez.

Exercício 2.1.1: Mostre que a função ´:ℕ→ℕ�↦'�^S é injetora. Definição 2.1.2 (função sobrejetora): Seja }: V → y uma função. }: V → y é dita sobrejetora quando é satisfeita a condição: se � ∈ y então existe � ∈ V tal que � = }?�). De forma equivalente, uma função é sobrejetora quando }?V) = y. Podemos chamar funções sobrejetoras simplesmente de sobrejeções.

Exemplo 2.1.3: Seja X um conjunto não vazio e A um subconjunto não vazio de X tal que � ⊂ V seja uma inclusão própria. Então a função característica de A (consulte o Exemplo 1.3.1) é uma função sobrejetora, pois existem � ∈ � e �� ∈?V − �) e, portanto, x tal que }?�) = 1 e x’ tal que }?��) = 0. Exemplo 2.1.4: Seja }: � → . uma função tal que A={1,2,3,4}, B={5,6,7} e } = ?1,5), ?2,6), ?3,7), ?4,7)�. Essa função é sobrejetora, pois }?�) = .. Abaixo está a representação diagramática.

Podemos ver, então, que, em termos de diagramas, a condição para uma função ser sobrejetora é que todos os elementos do contradomínio devem ser “flechados”.

Definição 2.1.3 (função bijetora): Seja }: V → y uma função. }: V → y é dita bijetora quando é, simultaneamente, injetora e sobrejetora. É comum que se chame as funções bijetoras de bijeções ou correspondências um-para-um.

Exemplo 2.1.5: Sendo A um conjunto, a relação identidade, �F = ?�, �) ∈�'|� = �� define uma função bijetora ÀÁ:F→F�↦� . Para mostrar que essa função é

bijetora, devemos mostrar que é injetora e sobrejetora. Com efeito, pois, se � ≠

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��, �F?�) = � ≠ �� = �F?��) e, se � ∈ � (contradomínio), existe � ∈ � (domínio) tal que �F?�) = �, esse é � = �. Não é necessário escrever ÀÁ:F→F�↦� , pois a notação �F já indica que é a relação identidade e, portanto, basta escrever �F: � → � sem explicitar a regra. Exemplo 2.1.6: Seja }: � → . tal que, A={1,2,3}, B={a,b,c} e } = ?1, �), ?2, �), ?3, �)�. Essa função é injetora, pois não existem elementos distintos no domínio com mesma imagem, e é sobrejetora, pois }?�) = .. Portanto, a função é bijetora. Podemos ver no diagrama abaixo que as condições já apresentadas, em termos de diagramas, para ser injetora e sobrejetora são simultaneamente satisfeitas: todos os elementos da imagem são “flechados” uma única vez (é injetora) e todos os elementos do contradomínio são “flechados” (é sobrejetora).

2.2 – Imagens e pré-imagens de injeções, sobrejeções e bijeções; função inversa

Para esses tipos especiais de funções, muitos teoremas podem ser melhorados. Abaixo, está enunciada uma “extensão” do Teorema 1.4.1 para esses tipos de funções.

Teorema 2.2.1: Seja }: V → y uma função com � ⊂ V e . ⊂ y, então: a) }^Sa}?�)b = � se } é injetora. b) }a}^S?.)b = . se } é sobrejetora. c) }^Sa}?�)b = � e }a}^S?.)b = . se } é bijetora.

Demonstração: (a): Já foi demonstrado para o caso geral que � ⊂}^Sa}?�)b, então devemos mostrar que }^Sa}?�)b ⊂ � quando } é injetora. Se � ∈ }^Sa}?�)b, então }?�) ∈ }?�). Assim, para algum �� ∈ �, }?��) = }?�), mas, sendo } injetora, necessariamente � = �′, donde segue que � ∈ �. Ou seja, � ∈}^Sa}?�)b ⇒ � ∈ �, que é o mesmo que }^Sa}?�)b ⊂ �. Usando esse resultado e o já conhecido, temos }^Sa}?�)b = �. (b): Como anteriormente, usaremos o que já foi demonstrado no Teorema 1.4.1. Sabemos que }a}^S?.)b ⊂ ., então é apenas necessário demonstrar que . ⊂ }a}^S?.)b quando } é sobrejetora. Se � ∈ ., segue de } ser sobrejetora que � = }?�) para algum � ∈ V. Então, � = }?�) ∈ ., que implica � ∈ }^S?.). Assim, }?�) ∈ }a}^S?.)b para todo � = }?�) ∈ .. Ou seja, � ∈ . ⇒ � ∈ }a}^S?.)b, que,

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equivalentemente, nos diz . ⊂ }a}^S?.)b. Logo, tendo esse resultando e o já demonstrado, }a}^S?.)b = .. (c): Se } é bijetora, então é injetora e sobrejetora. Dos resultados anteriores segue que }^Sa}?�)b = � e }a}^S?.)b = ..

QED

No capítulo anterior foi dito que, em geral, a relação inversa de uma função não é uma função, mas que existia a possibilidade da relação inversa ser uma função. Veremos agora, precisamente, qual a condição deve ser satisfeita para a relação inversa ser uma função.

Teorema 2.2.2: Se }: V → y é uma bijeção, então }^S: y → V é uma bijeção. Demonstração: Vamos, inicialmente, mostrar que }^S é uma função. Como } é sobrejetora, }?V) = y = ��?}). Bem se sabe do capítulo anterior que s��?}^S) = ��?}). Assim, o domínio da relação }^S é Y (o próprio conjunto de partida), satisfazendo a condição (a) da definição de função. Se ?�, �), ?�, ��) ∈ }^S então ?�, �), ?�′, �) ∈ }, mas o fato de } ser injetora diz que, se ?�, �), ?��, �) ∈ }, então � = �′. Assim, � ∈ y corresponde a um único � ∈ V, satisfazendo a condição (b) da definição de função e mostrando que }^S é uma função. Agora demonstraremos que }^S é bijetora. Suponhamos que ?�, �), ?�′, �) ∈}^S, então ?�, �), ?�, �′) ∈ }, donde segue � = �� pelo próprio fato de } ser uma função e, portanto, }^S é injetora. Do capítulo anterior, já sabemos que ��?}^S) =s��?}) = V, que nos leva a concluir que }^S é sobrejetora, mostrando, junto ao resultado anterior, que }^S é bijetora.

QED

Observação: Na demonstração de que }^S é bijetora, não foi necessário supor que } é sobrejetora ou injetora. Ambas as características usadas, a de que ?�, �), ?�, �′) ∈ } implica � = �� e que s��?}) = V, advêm simplesmente do fato de } ser uma função. Disso obtemos a recíproca do teorema como um corolário.

Corolário: Se }: V → y e }^S: y → V são funções, então }: V → y é bijetora. Demonstração: Como dito, na segunda parte do teorema não foi necessário supor que } era bijetora, então já demonstramos que }^S é bijetora. Usando o teorema, }^S bijetora implica que ?}^S)^S é bijetora. Mas ?}^S)^S = }, como já se sabe do capítulo anterior (a relação inversa da relação inversa é a própria relação). Então } é bijetora.

QED

Definição 2.2.1: Se }: V → y e }^S: y → V são funções, então }^S: y → V é chamada de função inversa de }: V → y.

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Dizemos que uma função possui inversa quando a relação inversa é uma função. Assim, o teorema e o corolário nos dizem que uma função possui inversa se, e somente se, é bijetora. Devido ao teorema, é comum que se chame uma bijeção }: V → y de correspondência um-para-um entre X e Y. Observação: Deve-se tomar cuidado para não confundir a notação }^S de função inversa com a }^S de pré-imagem. Exemplo 2.2.1: A função ´:ℕ→��↦'� , onde P é o conjunto dos pares positivos, é uma função bijetora e sua inversa é ´ÂÃ:�→ℕ�↦ĵ .

Exemplo 2.2.2: Seja }: � → . tal que, A={1,2,3,4}, B={x,y,z,t} e } =?1, �), ?2, �), ?3, �), ?4, �)�. Essa função é bijetora (verifique!). A relação inversa é }^S = ?�, 1), ?�, 2), ?�, 3), ?�, 4)�, que também é uma bijeção, mas de B em A. Exercícios II – 2 1 – Dados os diagramas de funções abaixo, classifique cada função como injetora, sobrejetora ou bijetora (caso possam ser classificadas como tais).

a)

b)

c)

d)

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2 – No exercício 7, Exercícios II – 1, quando ℎ definir uma função, identifique se a função é injetora, sobrejetora, bijetora ou não pode ser classificada dessa forma.

3 – No exercício anterior, quando ℎ for bijetora, encontre a função inversa e represente essa em forma de diagrama.

4 – Seja }: V → y uma função sobrejetora e �, . ⊂ y. Mostre que, se }^S?�) =}^S?.), então � = .. 5 – Sendo }: V → y uma função injetora e �, . ⊂ V, mostre que }?� − .) =}?�) − }?.). 6 – Considerando as funções �{ e �| como definidas no exercício 12, Exercícios II – 1, mostre que essas funções são sobrejetoras. Em que condições �{ é injetora?

7 – Considere as funções }: � → . e ~: ; → s tais que }?�) = ~?�) para todo � ∈ � ∩ ;. Mostre que: a) se } e ~ são injetoras e . ∩ s = ∅ = � ∩ ;, então ℎ: � ∪ ; → . ∪ s tal que ℎ = } ∪ ~ é injetora. b) se } e ~ são sobrejetoras, então ℎ: � ∪ ; → . ∪ s tal que ℎ = } ∪ ~ é

sobrejetora.

8 – Dê um exemplo de função bijetora entre os naturais e os inteiros (só é necessário conjecturar).

3 – Conjuntos Indexados e Generalizações 3.1 – Conjuntos indexados

Em muitos casos, é bastante útil utilizarmos índices para diferenciar elementos de um conjunto. Isso já foi feito ao longo do texto quando se usou famílias de conjuntos contendo um número finito de conjuntos (por exemplo, conjunto k dos conjuntos �Z com i natural de 1 até n). Apresentaremos agora, formalmente, como indexar elementos de um conjunto.

Definição 3.1.1: Seja A um conjunto não vazio arbitrário. Dizemos que A é indexado pelo conjunto Λ quando existe uma função sobrejetora }: Λ → A. Os elementos de Λ são chamados de índices e a imagem de um Ç ∈ Λ é escrita como �È, onde �È ∈ �.

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Sempre é possível indexar um conjunto, pois podemos tomar Λ = � e } a função identidade.

Exemplo 3.1.1: Seja A um conjunto de 5 elementos. Podemos indexar esse conjunto com o conjunto {1,2,3,4,5}. Para tanto, chamamos }?1) = �S, }?2) =�', ⋯ , }?5) = �¿. Ou seja, � = �S, �', �&, �w, �¿� Observemos que indexação vale para qualquer conjunto de cinco elementos. Assim, podemos tomar conjuntos indexando seus elementos sem a necessidade de explicitar os elementos do conjunto.

Em especial, como foi feito até agora, podemos indexar famílias de conjuntos. Para isso, basta tomar um conjunto Λ de forma que exista }: Λ → k sobrejetora, onde k é a família de conjuntos. A idéia de indexar elementos de um conjunto é, na verdade, simples. Apenas se troca a necessidade de usar símbolos diferentes para diferenciar elementos pela de usar índices diferentes. Mas, como a função não é necessariamente bijetora, pode-se indexar um elemento duas ou mais vezes, de forma que podem existir elementos com mais de um índice. Por exemplo, podemos indexar a família de conjuntos k = ℕ, ℤ, ℝ, ℝ� com o conjunto {1,2,3,4} chamando �S = ℕ, �' = ℤ, �& = ℝ e �w = ℝ, mesmo tendo �& = �w. Esse detalhe será considerado quando generalizarmos a noção de produto cartesiano.

Observação: Lembremos que foi convencionado que só admitiremos a possibilidade de índices distintos se referirem a elementos iguais quando chamarmos o conjunto de família. Ou seja, se o conjunto não for chamado de família (de conjuntos ou elementos), então a função indicada na definição será bijetora.

Às vezes não é importante qual é a função sobrejetora }: Λ → A, mas apenas se ela existe. Por vezes se omitirá o conjunto indexado e associaremos os índices diretamente aos elementos.

Exemplo 3.1.2: Seja k uma família de conjuntos tal que seja indexada pelo conjunto ℕ. Então um elemento qualquer de k é �Z tal que � ∈ ℕ e o conjunto k pode ser representado por k = �S, �', ⋯ , �Z , ⋯ �. Podemos introduzir uma notação para conjuntos indexados pelos n primeiros números naturais (ℕ\ = 1,2, ⋯ , ��) e até mesmo para os indexados por todos os naturais. Podemos escrever o conjunto � = �S, �', ⋯ , �\� simplesmente como sendo � = �Z�Z[S\ (�Z�Z[S\ = �S, �', ⋯ , �\�) e o conjunto . = �S, �', ⋯ � como . = �Z�Z[SÉ (�Z�Z[SÉ = �S, �', ⋯ �). Ou seja, nos exemplos 2.2.1 e 2.2.2 poderíamos escrever � = �Z�Z[S¿ e k = �Z�Z[SÉ respectivamente.

Observação: Passaremos a adotar a notação ℕ\ para representar o conjunto dos n primeiros números naturais (1,2, ⋯ , ��).

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A notação apresentada é particular de conjuntos indexados por naturais, mas podemos ter uma notação mais geral. Seja A um conjunto indexado pelo conjunto Λ, então podemos chamar o conjunto A de � = �È�È∈Ê. Em particular, um conjunto A indexado pelos naturais (Λ = ℕ) pode, também, ser representado por � = �Z�Z∈ℕ. Quando escrevemos �È�È∈Ê já se está informando que o conjunto é indexado e qual conjunto de índices, mostrando que essa notação é concisa.

Observação: Podemos ainda escrever o conjunto � = �È�È∈Ê como � =�È|Ç ∈ Λ�. 3.2 – Generalizações

Em posse da definição de indexação, podemos generalizar alguns resultados e fazer algumas redefinições. No que se segue, a indicação entre parênteses nas definições são referentes à definição que se está redefinindo e nos teoremas ao teorema que está sendo generalizado.

Definição 3.2.1 (1.9.2 – I e 1.9.3 – I): Seja X um conjunto arbitrário não vazio e �È�È∈Ê uma família arbitrária não vazia de subconjuntos de X. A união e intersecção de todos os conjuntos �È são definidas, respectivamente, por:

Y �ÈÈ∈Ê = � ∈ V|� ∈ �È ���� ��~=� Ç ∈ Λ� Ou seja, é o conjunto de todos os elementos de X tais que esses pertençam a algum �È.

f �ÈÈ∈Ê = � ∈ V|� ∈ �È ���� ���� Ç ∈ Λ� Ou seja, o conjunto dos elementos de X que pertençam, simultaneamente, a todos os subconjuntos �È. Para o caso particular de Λ = ℕ\, ainda é conveniente usar a notação apresentada no primeiro capítulo. Quando Λ = ℕ, também é comum serem usadas as notações ` �ZÉZ[S e n �ZÉZ[S .

Exercício 3.2.1: Mostre que:

a) ` ?�È ∪ .È)È∈Ë = ?` �ÈÈ∈Ë ) ∪ ?` .ÈÈ∈Ë ) b) n ?�È ∩ .È)È∈Ë = ?n �ÈÈ∈Ë ) ∩ ?n .ÈÈ∈Ë )

Tente visualizar esses resultados de forma intuitiva. Pelo fato da união ser comutativa e associativa, na (a) podemos imaginar que juntamos todos os �È num “lado” da seqüência de uniões e todos os .È no outro. Por exemplo ` ?�Z ∪ .Z)&Z[S =?�S ∪ .S) ∪ ?�' ∪ .') ∪ ?�& ∪ .&) = ?�S ∪ �' ∪ �&) ∪ ?.S ∪ .' ∪ .&) = a` �Z&Z[S b ∪a` .Z&Z[S b. Exemplo 3.2.1: Considere a seguinte família de conjuntos: k = W1,2�, 1,3�, 1,4� ⋯ X. Podemos indexar os conjuntos com os naturais de forma

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conveniente: sendo �Z = 1, � + 1�. Ou seja, podemos escrever k = �Z�Z∈ℕ =W1, � + 1�XZ∈ℕ. Assim, a união desses conjuntos é dada por: Y �ZZ∈ℕ = Y1, � + 1�Z∈ℕ = ℕ

afinal, contem o número 1 e o sucessor de cada natural.

Já a intersecção dos conjuntos é:

f �ZZ∈ℕ = f1, � + 1�Z∈ℕ = f?1�Z∈ℕ ∪ � + 1�) = 1� ∪ ]f� + 1�Z∈ℕ _ÌÍÍÍÍÍÎÍÍÍÍÍÏÐNhR O MNOPNQR &.'.S = 1�,

pois, sendo � + 1� e �� + 1� com � ≠ �′, então � + 1 ≠ �� + 1, que implica que � + 1� ≠�� + 1�. Vamos redefinir agora a noção de partição de conjuntos.

Definição 3.2.2 (1.9.4 – I): Uma partição de um conjunto A é um conjunto g = �È�È∈Ê tal que cada �È seja subconjunto não vazio de A e as seguintes condições sejam satisfeitas.

a) Se �È, �ÈÑ ∈ g e Ç ≠ Ç�, então �È ∩ �ÈÑ = ∅. b) ` �ÈÈ∈Ê = �

O que foi pedido para ser demonstrado no Exercício 1.9.1 – I permanece válido nesse caso mais geral. Então o Teorema Fundamental das Equivalências continua válido.

Exemplo 3.2.2: Podemos particionar o conjunto ℤ da seguinte forma: Tendo o conjuntos dos inteiros não negativos, ℤx = 0,1,2,3, ⋯ �, podemos indexar o conjunto g = W0�, 1, −1�, 2, −2�, ⋯ X de forma conveniente com ℤx chamando �Z de �Z = �, −��. Assim, g = W0�, 1, −1�, 2, −2�, ⋯ X = �Z�Z∈ℤÒ =W�, −��XZ∈ℤÒ. Demonstremos que esse conjunto é uma partição de ℤ:

a) �, −��, i, −i� ∈ g e � ≠ i, então �, −�� ∩ i, −i� = ∅. Isso porque, se � ≠ i então −� ≠ −i. É bom lembrar que �, i ∈ ℤx e, portanto, não há perigo de � = −i. b) ` �, −��Z∈ℤÒ = ℤ. Isso de fato acontece, pois notemos que ` �, −��Z∈ℤÒ =` ?�� ∪ −��)Z∈ℤÒ = a` ��Z∈ℤÒ b ∪ a` −��Z∈ℤÒ b. Ou seja, todos os inteiros não

negativos pertencem à união e também os inteiros não positivos. Portanto, ` �, −��Z∈ℤÒ = ℤ. Exercício 3.2.2: No capítulo anterior foi afirmado que o teorema fundamental das relações de equivalência possui recíproca. Portanto, a partição apresentada acima está ligada a uma relação de equivalência. Qual é ela?

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71

Agora generalizaremos os teoremas apresentados na subsecção 1.11 do Capítulo I.

Teorema 3.2.1: Seja X um conjunto arbitrário não vazio, .È�È∈Ê uma família arbitrária não vazia de subconjuntos de X e A um conjunto qualquer. Então:

a) (1.11.1 – I) � − ` .ÈÈ∈Ê = n ?� − .È)È∈Ê b) (1.11.2 – I) � − n .ÈÈ∈Ê = ` ?� − .È)È∈Ê c) (1.11.3 – I) ?n .ÈÈ∈Ê ) − � = n ?.È − �)È∈Ê d) (1.11.4 – I) ?` .ÈÈ∈Ê ) − � = ` ?.È − �)È∈Ê e) (1.11.5 – I) � ∪ n .ÈÈ∈Ê = n ?� ∪ .È)È∈Ê � � ∩ ` .ÈÈ∈Ê = ` ?� ∩ .È)È∈Ê .

Demonstração: Demonstraremos apenas a (a) para mostrar a semelhança com a demonstração já feita para o caso menos geral. O restante será deixado como exercício.

Se � ∈ ?� − ` .ÈÈ∈Ê ), então � ∉ ` .ÈÈ∈Ê . Assim, também se conclui que � ∉ .È para todo Ç ∈ Λ, afinal, � ∉ ` .ÈÈ∈Ê significa que x não pertence a nenhum .È. Mas x pertence a A e, assim, sempre temos que � ∈ ?� − .È) para qualquer Ç ∈ Λ.Então, por definição, x pertence à intersecção de todos os conjuntos ?� − .È), ou seja, � ∈ ?n ?� − .È)È∈Ê ). Isto é, se � ∈ ?� − ` .ÈÈ∈Ê ), então � ∈ ?n ?� − .È)È∈Ê ). Assim, acabamos de mostrar que � − ` .ÈÈ∈Ê ⊂ n ?� − .È)È∈Ê

Mostremos, agora, a recíproca. Se � ∈ ?n ?� − .È)È∈Ê ), então, por definição, � ∈ � − .È para todo Ç ∈ Λ, donde se tem que � ∉ .È qualquer que seja Ç ∈ Λ. Dessa forma, com x não pertencendo a nenhum .È, x não pertence à união deles, ou seja, � ∉ ` .ÈÈ∈Ê . Assim, � ∈ ?� − ` .ÈÈ∈Ê ). Isso mostra que � ∈ ?n ?� − .È)È∈Ê ) implica � ∈ ?� − ` .ÈÈ∈Ê ). Assim, temos ?n ?� − .È)È∈Ê ) ⊂ ?� − ` .ÈÈ∈Ê ). Ora, mostramos logo acima que � − ` .ÈÈ∈Ê ⊂ n ?� − .È)È∈Ê , o que nos leva a concluir:

� − Y .ÈÈ∈Ê = f?� − .È)È∈Ê

QED

Corolário: Se .È�È∈Ê é uma família de subconjuntos de A, temos: a) (Corolário – 1.11.1 – I): ∁F ` .ÈÈ∈Ê = n ?∁F.È)È∈Ê e ?` .È)È∈Ê G = n ?.ÈG)È∈Ê . b) (Corolário – 1.11.2 – I): ∁F n .ÈÈ∈Ê = ` ?∁F.È)È∈Ê e ?n .È)È∈Ê G = ` ?.ÈG)È∈Ê .

Em cada parte do corolário, a expressão após o “e” é a notação quando A é o conjunto universo.

Exercício 3.2.2: Demonstre as partes que faltam no teorema acima e o corolário.

Agora generalizaremos os teoremas 1.4.3 e 1.4.4.

Teorema 3.2.2 (1.4.3): Seja }: V → y uma função e �È�È∈Ê uma família arbitrária de subconjuntos de X. Então:

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a) }?` �ÈÈ∈Ê ) = ` }?�È)È∈Ê b) }?n �ÈÈ∈Ê ) ⊂ n }?�È)È∈Ê

Demonstração: (a) Se � ∈ }?` �ÈÈ∈Ê ), então existe � ∈ ` �ÈÈ∈Ê tal que }?�) = �, que é o mesmo que existir � ∈ �È, para algum Ç ∈ Λ, tal que }?�) = �. Assim, � ∈ }?�È) para algum Ç ∈ Λ. Por definição, isso significa que � ∈ ` }?�È)È∈Ê . Mostramos, então, que }?` �ÈÈ∈Ê ) ⊂ ` }?�È)È∈Ê . Reciprocamente, � ∈ ` }?�È)È∈Ê é o mesmo que � ∈ }?�È) para algum Ç ∈ Λ. Assim, existe � ∈ �È, para algum Ç ∈ Λ, tal que }?�) = �, que, por definição, implica � ∈ ` �ÈÈ∈Ê . Por seguinte, temos que � ∈ }?` �ÈÈ∈Ê ), levando-nos a concluir que ` }?�È)È∈Ê ⊂ }?` �ÈÈ∈Ê ). Demonstrada essa inclusão e a anterior, temos, finalmente, }?` �ÈÈ∈Ê ) = ` }?�È)È∈Ê .

(b): Se � ∈ }?n �ÈÈ∈Ê ), então existe � ∈ n �ÈÈ∈Ê tal que }?�) = �, que é equivalente a existir � ∈ �È, para todo Ç ∈ Λ, tal que }?�) = �. Assim, � ∈ }?�È) para todo Ç ∈ Λ, que significa � ∈ n }?�È)È∈Ê . Mostramos, então, que }?n �ÈÈ∈Ê ) ⊂n }?�È)È∈Ê .

QED

Teorema 3.2.3 (1.4.4): Seja }: V → y uma função e .È�È∈Ê uma família arbitrária de subconjuntos de Y. Então:

a) }^S?` .ÈÈ∈Ê ) = ` }^S?.È)È∈Ê b) }^S?n .ÈÈ∈Ê ) = n }^S?.È)È∈Ê

Demonstração: (a): Se � ∈ }^S?` .ÈÈ∈Ê ), então }?�) ∈ ` .ÈÈ∈Ê , que é o mesmo que }?�) ∈ .È para algum Ç ∈ Λ. Dessa forma, � ∈ }^S?.È) para algum Ç ∈ Λ, que é equivalente a � ∈ ` }^S?.È)È∈Ê . Mostramos, então, que }^S?` .ÈÈ∈Ê ) ⊂` }^S?.È)È∈Ê . Reciprocamente, se � ∈ ` }^S?.È)È∈Ê , então � ∈ }^S?.È) para algum Ç ∈ Λ. Assim, }?�) ∈ .È para algum Ç ∈ Λ, que, equivalentemente, significa }?�) ∈` .ÈÈ∈Ê . Logo, ` }^S?.È)È∈Ê ⊂ }^S?` .ÈÈ∈Ê ) e, demonstradas essa inclusão e a anterior, concluímos que }^S?` .ÈÈ∈Ê ) = ` }^S?.È)È∈Ê .

(b): Na demonstração acima, ao trocarmos ` por n e a expressão “para algum” por “para todo”, obtemos a demonstração de (b).

QED

Exercício 3.2.3: Faça as mudanças sugeridas na parte (b) do teorema acima.

A parte (b) do Teorema 3.2.2 pode ser melhorada para funções injetoras, como mostrado no teorema abaixo.

Teorema 3.2.4: Seja }: V → y uma função injetora e �È�È∈Ê uma família arbitrária de subconjuntos de X. Então:

} ]f �ÈÈ∈Ê _ = f }?�È)È∈Ê

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Demonstração: Já foi demonstrado que }?n �ÈÈ∈Ê ) ⊂ n }?�È)È∈Ê para o caso geral, então precisamos mostrar que n }?�È)È∈Ê ⊂ }?n �ÈÈ∈Ê ) quando } é injetora.

Se � ∈ n }?�È)È∈Ê , então � ∈ }?�È) para todo Ç ∈ Λ. Assim, para todo Ç ∈ Λ, existe �È ∈ �È tal que }?�È) = �. Mas, por } ser injetora, temos que todos esses �È devem ser iguais e, portanto, chamemos de �Ó. Como �Ó é único, esse deve pertencer a todos os �È, ou seja, �Ó ∈ �È para todo Ç ∈ Λ, que é o mesmo que �Ó ∈ n �ÈÈ∈Ê . Por seguinte, sabendo que }?�Ó) = �, � ∈ }?n �ÈÈ∈Ê ), demonstrando, então, que n }?�È)È∈Ê ⊂ }?n �ÈÈ∈Ê ), pois � ∈ n }?�È)È∈Ê implica � ∈ }?n �ÈÈ∈Ê ). Concluímos, dessa forma, que }?n �ÈÈ∈Ê ) = n }?�È)È∈Ê .

QED

Exercícios II – 3 1 – Considere o conjunto � = W2,4, ⋯ �, 4,6,8, ⋯ �, 6,8,10, ⋯ �, ⋯ X. Indexe esse conjunto com os naturais de forma que � = �S, �', ⋯ � e mostre que:

a) ` �ZZ∈ℕ = �, onde � = 2,4, ⋯ �. b) n �ZZ∈ℕ = ∅

SUGESTÃO: Faça uma indexação que seja conveniente e represente os conjuntos �Z pela propriedade que os caracterizam. Na (b), mostre que, dado um elemento �Z do conjunto �Z, existe um conjunto �ZÑ ao qual �Z não pertence. 2 – Generalize os resultados do exercício 13, Exercícios I – 1. Ou seja, dadas as famílias de conjuntos não vazias �È�È∈Ê, e .Ô�Ô∈∆, mostre que:

Y Y?�È ∩ .Ô) = ]Y �ÈÈ∈Ê _ ∩ ]Y .ÔÔ∈∆ _ = Y Y?�È ∩ .Ô)È∈ÊÔ∈∆Ô∈∆È∈Ê

e

f f?�È ∪ .Ô) = ]f �ÈÈ∈Ê _ ∪ ]f .ÔÔ∈∆ _ = f f?�È ∪ .Ô)È∈ÊÔ∈∆Ô∈∆È∈Ê

3 – Dada a família de conjuntos não vazia .È�È∈Ê e um conjunto A não vazio, mostre que:

a) � × ?` .ÈÈ∈Ê ) = ` ?� × .È)È∈Ê e ?` .ÈÈ∈Ê ) × � = ` ?.È × �)È∈Ê b) � × ?n .ÈÈ∈Ê ) = n ?� × .È)È∈Ê e ?n .ÈÈ∈Ê ) × � = n ?.È × �)È∈Ê

4 – Sendo �È × .È�È∈Ê uma família de conjuntos, mostre que:

Y?�È × .È)È∈Ê ⊂ ]Y �ÈÈ∈Ê _ × ] Y .ÈÑÈÑ∈Ê _ SUGESTÃO: Use o fato da união ser uma operação fechada.

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5 – Seja }È: �È → .È�È∈Ê uma família não vazia de funções tais que }È?�) =}ÈÑ?�) para todo � ∈ �È ∩ �ÈÑ. Mostre que ℎ: ` �ÈÈ∈Ê → ` .ÈÈ∈Ê , tal que ℎ = ` }ÈÈ∈Ê , é uma função. SUGESTÃO: Use o resultado do exercício anterior e reveja como foi demonstrada a forma menos geral desse teorema.

4 – Produtos Cartesianos: Caso Geral

Até o momento nos atemos a uma noção intuitiva de conjunto sem tocar diretamente em algum ponto da Teoria Axiomática dos Conjuntos. Mas vamos apresentar agora um axioma que garantirá que a definição generalizada de produto cartesiano de fato pode ser feita e que o objeto procurado existe.

4.1 – O Axioma da Escolha

A Teoria Axiomática dos Conjuntos é composta de uma série de axiomas, mas apresentaremos apenas um deles, o Axioma da Escolha, pois é suficiente para discutirmos o caso geral de produtos cartesianos.

Axioma 4.1.1 (Axioma da Escolha): Se �È�È∈Ê é uma família não vazia de conjuntos �È não vazios, então é possível tomar (“escolher”) um, e apenas um, elemento de cada um desses conjuntos e formar um conjunto A com esses elementos. Mais precisamente, o axioma diz que existem funções }: Λ → ` �ÈÈ∈Ê tais que }?Ç) ∈ �È para todo Ç ∈ Λ. Ou seja, funções cuja imagem de um Ç ∈ Λ é um elemento de �È (conjunto correspondente ao índice). Observação: Indiretamente, na forma mais técnica de se enunciar o axioma, a existência da função }: Λ → ` �ÈÈ∈Ê tal que }?Ç) ∈ �È, para todo Ç ∈ Λ, garante a existência do conjunto A ao qual pertence um elemento de cada �È. O conjunto A é a imagem da função.

A função do tipo apresentado no axioma é chamada de função escolha, pois se “escolhe” um elemento de cada conjunto �È e se constrói um conjunto A, chamado de conjunto escolha, com esses elementos.

Exemplo 4.1.1: Sendo �S = �, ��, �' = �, �� e �& = �, ��, uma função escolha possível é }: 1,2,3� → �S ∪ �' ∪ �& tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = �. O conjunto escolha nesse caso é � = �, ��.

Exercício 4.1.1: Encontre mais dois exemplos de funções escolha no exemplo acima, dê os conjuntos escolha e represente a funções diagramaticamente.

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Uma maneira informal de se ver o que o axioma garante é a seguinte: tendo uma quantidade de cestas (talvez infinitas) com, cada uma, tendo pelo menos um objeto, o axioma garante que podemos pegar exatamente um objeto de cada cesta e formar um conjunto com esses objetos. Vendo dessa forma, o axioma parece dizer o obvio, mas não é possível obter o axioma de afirmações mais fundamentais.

Existem casos, mesmo com �È�È∈Ê infinito, em que não é necessário o axioma da escolha para garantir a existência do conjunto escolha, mas nesses casos se pode exibir explicitamente uma função escolha }: Λ → ` �ÈÈ∈Ê tal que }?Ç) ∈ �È para todo Ç ∈ Λ. No caso geral, ou seja, para uma família �È�È∈Ê qualquer não vazia de conjuntos �È não vazios, nem sempre é possível exibir tais funções, mas o axioma da escolha garante que elas existem.

Um exemplo simples de situação onde se usa o axioma da escolha é quando, tendo um conjunto X não vazio, criamos uma relação de equivalência E em X e construímos um conjunto � ⊂ V “escolhendo” um elemento de cada classe de equivalência (sem uso de uma regra para obter esses elementos). Os elementos “escolhidos”, nesse caso, são chamados de representantes das classes de equivalência. O teorema abaixo, que será muito utilizado ao longo do texto, ilustra esse procedimento.

Teorema 4.1.1: Seja }: � → . uma função sobrejetora. Existe ~ ⊂ } tal que ~: V → . é uma bijeção, onde V = s��?~) ⊂ �. Demonstração: Construamos uma relação de equivalência em � da seguinte forma: �, �� ∈ � são equivalentes se }?�) = }?��). De } ser sobrejetora temos que, para cada � ∈ ., existe }^S?��) = £�¤ para algum � ∈ � e esse £�¤ é uma classe de equivalência pela definição de pré-imagem. Usando o axioma da escolha, tenhamos V com um elemento de cada classe de equivalência. Assim, ~: V → . é sobrejetora, pois ~?V) = . por V possuir um elemento de cada classe de equivalência, e é injetora, já que, se �, �� ∈ V, então £�¤ ≠ £��¤ e, portanto, }?�) ≠}?��).

QED

Com um certo abuso de linguagem, podemos chamar ~: V → . de }: V → ., pois apenas se mudou o domínio da função (mas também podemos usar ~ = }{). É possível também restringir o domínio junto ao contradomínio da função em alguns casos, mas deve-se sempre tomar os devidos cuidados com essas “manobras”.

4.2 – Generalização do produto cartesiano

Tendo a idéia de par ordenado e produto cartesiano, definimos o conceito de função. Agora usaremos funções para redefinir a noção de produto cartesiano entre dois conjuntos.

Definição 4.2.1: Dados os conjuntos A e B, chamamos de produto cartesiano entre A e B, denotado por � × ., o conjunto de todas as funções }: 1,2� →

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� ∪ . tais que }?1) ∈ � e }?2) ∈ .. Ou seja, é o conjunto � × . = }: 1,2� → � ∪.|}?1) ∈ � � }?2) ∈ .�. Ainda podemos dizer que o conjunto � × . é o conjunto de todos os pares ordenados ?�, �) com � ∈ � e � ∈ .. Para isso, dizemos que o par ordenado ?�, �) é a função }: 1,2� → � ∪ . em que }?1) = � ∈ � e }?2) = � ∈ .. Ou seja, ?�, �) é uma função em que � é a imagem de 1 (por ser a primeira coordenada) e � a imagem de 2 (por ser a segunda coordenada).

ATENÇÃO: Essa forma de tomar par ordenado e produto cartesiano não é rigorosamente igual a que já foi apresentada anteriormente e, portanto, o par ordenado usado quando definimos conceitos anteriores como, por exemplo, funções não é o mesmo apresentado aqui. Mas, para efeitos práticos, não distinguiremos eles.

Exemplo 4.2.1: Usemos a definição para construir o conjunto � × . em que A={a,b} e B={1,2,3}.

Devemos encontrar todas as funções possíveis de se fazer com 1,2� sendo o domínio, � ∪ . = �, �, 1,2,3� sendo o contradomínio e tendo }?1) ∈ � e }?2) ∈ .. Listemo-las:

a) }: 1,2� → � ∪ . tal que }?1) = � e }?2) = 1 = ?�, 1) b) }: 1,2� → � ∪ . tal que }?1) = � e }?2) = 2 = ?�, 2) c) }: 1,2� → � ∪ . tal que }?1) = � e }?2) = 3 = ?�, 3) d) }: 1,2� → � ∪ . tal que }?1) = � e }?2) = 1 = ?�, 1) e) }: 1,2� → � ∪ . tal que }?1) = � e }?2) = 2 = ?�, 2) f) }: 1,2� → � ∪ . tal que }?1) = � e }?2) = 3 = ?�, 3)

Ou seja, � × . = ?�, 1), ?�, 2), ?�, 3), ?�, 1), ?�, 2), ?�, 3)�, mas com esses pares ordenados definidos como acima.

Exercício 4.2.1: Construa o conjunto � × . tal que A={x,y,z} e B={k,l,m} da

forma como foi feita acima.

Ainda não acrescentamos nada de novo em termos práticos, pois já tínhamos uma definição de produto cartesiano e apenas a substituímos por outra. Mas, usando a mesma idéia, podemos definir o produto cartesiano entre um número finito de conjuntos como segue abaixo.

Definição 4.2.2: Sendo �Z�Z[S\ uma família de conjuntos �Z não vazios, o produto cartesiano entre os conjuntos dessa família, denotado por �S × �' × ⋯ × �\, é o conjunto de todas as funções }: 1,2, ⋯ , �� → ` �Z\Z[S tais que }?�) ∈ �Z para todo � ∈ 1,2, ⋯ , ��. Ou seja:

�S × �' × ⋯ × �\ = ½¸}: 1,2, ⋯ , �� → Y �Z\

Z[S Õ }?�) ∈ �Z ���� ���� � ∈ 1,2, ⋯ , ��Ö

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Nesse caso, as funções são chamadas de n-uplas e denotadas por ?�S, ⋯ , �\), onde �Z = }?�) ∈ �Z. O papel da função }: 1,2, ⋯ , �� → ` �Z\Z[S é, então, dispor os elementos �S, … , �\�, com �Z ∈ �Z, numa ordem: o 1 tem como imagem um elemento de �S e está associado à primeira coordenada, o 2 tem como imagem um elemento de �' e está associado à segunda coordenada e assim por diante até chegar a �\. Exemplo 4.2.2: Sendo A={a,b}, B={b,c} e C={x,y}, encontremos o conjunto � × . × ;. Primeiro notemos que são três conjuntos que compõem o produto cartesiano. Então o conjunto de índices é {1,2,3}. Como antes, devemos encontrar todas as funções com domínio {1,2,3} e contradomínio � ∪ . ∪ ; = �, �, �, �, �� tais que }?1) ∈ �, }?2) ∈ . e }?3) ∈ ;. Façamos a lista delas:

a) }: 1,2,3� → � ∪ . ∪ ; tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) b) }: 1,2,3� → � ∪ . ∪ ; tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) c) }: 1,2,3� → � ∪ . ∪ ; tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) d) }: 1,2,3� → � ∪ . ∪ ; tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) e) }: 1,2,3� → � ∪ . ∪ ; tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) f) }: 1,2,3� → � ∪ . ∪ ; tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) g) }: 1,2,3� → � ∪ . ∪ ; tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) h) }: 1,2,3� → � ∪ . ∪ ; tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �)

Assim, o conjunto procurado é � × . × ; = ?�, �, �), ?�, �, �), ?�, �, �),?�, �, �), ?�, �, �), ?�, �, �), ?�, �, �), ?�, �, �)�, com essas trincas ordenadas definidas como feito acima.

Exercício 4.2.2: Com os conjuntos A e B definidos como acima, construa o

conjunto � × . × �.

É possível generalizar ainda mais o conceito de produto cartesiano. Para isso basta tomar um conjunto não vazio de índices qualquer, Λ. Definição 4.2.3: Seja �È�È∈Ê uma família não vazia de conjuntos não vazios �È. O produto cartesiano entre esses conjuntos, denotado por ∏ �ÈÈ∈Ê é o conjunto de todas as funções }: Λ → ` �ÈÈ∈Ê tais que }?Ç) ∈ �È para todo Ç ∈ Λ. Ou seja:

Ù �ÈÈ∈Ê = Ú¸}: Λ → Y �ÈÑÈÑ∈Ê Õ }?Ç′) ∈ �ÈÑ ���� ���� Ç� ∈ ΛÛ Nas duas primeiras definições, representamos os elementos do produto cartesiano por listas ordenadas, mas geralmente não é possível fazer tal representação. Assim, chamamos os elementos de ∏ �ÈÈ∈Ê de ∏ ?�È)È∈Ê , onde �È ∈�È. No caso particular de Λ = 1,2, ⋯ , ��, ∏ �ZZ∈ℕÜ = �S × �' × ⋯ × �\ e ∏ ?�Z)Z∈ℕÜ =?�S, ⋯ , �\) onde �Z ∈ �Z. Também é possível usar a notação ∏ ?�È)È∈Ê = ?�È)È∈Ê, que é um pouco mais curta. Nesse caso, ∏ ?�Z)Z∈ℕÜ pode ser escrito como ∏ ?�Z)Z∈ℕÜ = ?�Z)Z[S\ . Como se pode

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ver, essa é uma notação semelhante à apresentada na secção anterior para conjuntos indexados. Podemos pensar ?�È)È∈Ê como um “conjunto ordenado” de elementos �È. Se por acaso todos os �È forem iguais, chamamos esses de A (�È = � para todo Ç ∈ Λ) e usamos a notação ∏ �ÈÈ∈Ê = �Ê. Por exemplo, podemos chamar o produto cartesiano ℝ × ℝ de ℝS,'�, mas é mais comum ser escrito como ℝ'. Com as generalizações, podemos ainda ter ℝ& = ℝS,',&�, ℝ\ = ℝS,',⋯,\� e até mesmo ℝℕ = ℝS,',⋯ � (esse último mais comumente representado por ℝÉ). Vemos que �Ê é o conjuntos de todas as funções de Λ em A, afinal, }: Λ → ` �ÈÈ∈Ê = }: Λ → A quando todos os �È são iguais. Em particular, se Λ = A, então }: Λ → A = }: A → A e, assim, �Ý é o conjunto de todas as funções de A em A. Exemplo 4.2.3: Sendo � = �, ��, o conjunto �& é o conjunto de todas as funções }: 1,2,3� → � ∪ � ∪ � = }: 1,2,3� → �

a) }: 1,2,3� → � tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) b) }: 1,2,3� → � tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) c) }: 1,2,3� → � tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) d) }: 1,2,3� → � tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) e) }: 1,2,3� → � tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) f) }: 1,2,3� → � tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) g) }: 1,2,3� → � tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �) h) }: 1,2,3� → � tal que }?1) = �, }?2) = � e }?3) = � = ?�, �, �)

Ou seja, �& = ?�, �, �), ?�, �, �), ?�, �, �), ?�, �, �), ?�, �, �), ?�, �, �), ?�, �, �),?�, �, �)�. Podemos observar que todas as funções usadas nas definições apresentadas são funções escolha. Então o que foi feito nos exemplos 4.2.1, 4.2.2 e 4.2.3 é encontrar todas as funções escolha. Vemos, então, que o Axioma da Escolha garante que o produto cartesiano ∏ �ÈÈ∈Ê é não vazio sempre que Λ é não vazio e nenhum �È é vazio. Incrivelmente, não seria possível, sem o Axioma da Escolha, demonstrar de forma geral que o produto cartesiano entre conjuntos não vazios é não vazio.

Exemplo 4.2.4: Um tipo de função especialmente importante (em especial na Topologia) com domínio sendo um produto cartesiano são as projeções canônicas. Sendo �È�È∈Ê uma família não vazia de conjuntos �È não vazios, a projeção canônica sobre o conjunto �ÈÞ (ÇÓ ∈ Λ é um índice fixo) é a função �ÈÞ: ∏ �ÈÈ∈Ê → �ÈÞ tal que �ÈÞ??�È)È∈Ê) = �ÈÞ. O que a função faz, na verdade, é simples: sabendo que ?�È)È∈Ê é uma função escolha e a imagem possui um elemento �È de cada �È (em especial, um elemento �ÈÞ ∈ �ÈÞ), a projeção canônica “pega”, na imagem de cada ?�È)È∈Ê, o elemento que pertence a �ÈÞ e “devolve” ao conjunto �ÈÞ. Demonstremos que toda projeção canônica é sobrejetora. Com efeito, se �ÈÞ ∈ �ÈÞ, então existe uma função escolha ?}: Λ → ` �È) ∈È∈Ê ∏ �ÈÈ∈Ê tal que

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}?ÇÓ) = �ÈÞ. Ou seja, existe ?}: Λ → ` �È) ∈È∈Ê ∏ �ÈÈ∈Ê tal que �ÈÞ??�È)È∈Ê) = �ÈÞ, mostrando que a função é sobrejetora (lembrando que ?�È)È∈Ê = }: Λ → ` �ÈÈ∈Ê ).

No caso especial de Λ = 1,2, ⋯ , �� = ℕß, a função �ZÞ : ∏ �ZZ∈ℕÜ → �ZÞ tal que �ZÞ?�S, ⋯ , �\) = �ZÞ é a projeção canônica sobre �ZÞ (lembrando que ∏ �ZZ∈ℕÜ = �S ×�' × ⋯ × �\). Pode-se observar que existe uma projeção canônica sobre cada conjunto do produto cartesiano. Ou seja, no caso dado, existem n projeções canônicas. No exercício 12, Exercícios II – 1, as funções �{ e �| lá definidas são projeções canônicas sobre X e Y respectivamente.

Exercício 4.2.3: Mostre que, se �ÈÞ: ∏ �ÈÈ∈Ë → �ÈÞ é injetora para algum ÇÓ ∈ à, então �ÈÞÑ : ∏ �ÈÈ∈Ë → �ÈÞÑ é injetora para todo ÇÓ� ∈ Λ. Ou seja, se uma projeção

canônica é bijetora (já que todas são sobrejetoras), todas as outras são. SUGESTÃO: Suponha que alguma outra não seja injetiva e mostre que isso implica que a �ÈÞ: ∏ �ÈÈ∈Ë → �ÈÞ não é injetiva (contrariando a hipótese). Exercício 4.2.4: No exercício anterior, mostre, no entanto, que, se algum conjunto �ÈÞÑ do produto cartesiano é não unitário, �ÈÞÑ : ∏ �ÈÈ∈Ë → �ÈÞÑ não é injetora. Assim, nenhuma projeção canônica será injetiva se algum conjunto �ÈÞÑ possuir mais

de um elemento. SUGESTÃO: Tome dois elementos distintos ?�È)È∈Ê e ?�È� )È∈Ê com

todo �È = �È� para Ç ≠ ÇÓ� e �ÈÞ ≠ �ÈÞ� .

Definimos o produto cartesiano entre conjuntos não vazios como um conjunto de funções escolha, mas não devemos abandonar a noção intuitiva que já tínhamos de produto cartesiano. Embora seja necessário saber que os elementos do produto cartesiano são funções (funções escolha) em alguns casos, podemos “esquecer” esse detalhe caso o interesse seja apenas no fato dos elementos serem “conjuntos ordenados”. Por exemplo, não é necessário saber que os elementos de ℝ' são funções escolha de {1,2} em ℝ para trabalhar com relações de equivalência em ℝ. Exercícios II – 4 1 – Sejam � e . conjuntos não vazios e � ⊂ � × . uma relação binária de � em .. Use o axioma da escolha para mostrar que existe } ⊂ � tal que } define uma função }: s��?�) → ��?�). Ou seja, mostre que toda relação binária contém uma função com mesmo domínio da relação. SUGESTÃO: Defina uma relação de equivalência na imagem de � de forma que, sendo �, � ∈ ��?�), � ∼ � se existe � ∈ � tal que ?�, �), ?�, �) ∈ �. 2 – Considere a família de conjuntos não vazios ∏ �ÔÈÔ∈â �È∈Ê. Mostre que:

Y ]Ù �ÔÈÔ∈â _È∈Ê ⊂ Ù ]Y �ÔÈÈ∈Ê _Ô∈â

Essa é uma generalização do exercício 4, Exercícios II – 3.

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5 – Operações Unárias e Binárias; Estruturas Algébricas Básicas

5.1 – Operações e Relações

Definição 5.1.1: Uma operação é uma função }: �Ê → �, onde A é não vazio e Λ um conjunto de índices não vazio. O Axioma da Escolha garante que essa função sempre existe, pois garante que o conjunto �Ê é não vazio. Quando o conjunto Λ é finito, a operação é dita finitária e é possível nesse caso, como foi feito na secção anterior, tomar Λ = ℕß sem perda de generalidade. Assim, a operação }: �Ê → � toma a forma }: �ℕÜ → � ou }: �ß → �, que é mais comum e conveniente, e é chamada de operação n-ária. Exemplo 5.1.1: Seja }: ℝß → ℝ definida da seguinte forma: ?�S, … , �\) ↦�Ãx⋯x�ã\ . Essa é uma operação n-ária sobre ℝ. Por exemplo, podemos ter }: ℝ& → ℝ tal que ?�, �, �) ↦ �x�x�& e, nesse caso, }?2,1,3) = 'xSx&& = 2. Em particular, uma operação 2-ária é uma função do tipo }: �' → � e uma operação 1-ária uma função do tipo }: � → �. Mais comumente, esses tipos de operações são referidos por binária e unária, respectivamente, e são os casos de maior relevância.

Exemplo 5.1.2: Um exemplo de operação binária é a soma de números reais. A operação soma é a função +: ℝ' → ℝ tal que +?�, �) = � + �. Exemplo 5.1.3: Nos reais também é possível encontrar um exemplo simples de operação unária. Esse é a operação que leva cada elemento a seu oposto aditivo. Ou seja, }: ℝ → ℝ tal que }?�) = −�. Analogamente, uma relação � ⊂ �Ê é dita ser uma relação finitária quando Λ é finito. Como anteriormente, nos casos em que R é uma relação finitária, podemos tomar Λ = ℕß sem perda de generalidade e, nesse caso, R é dita uma relação n-ária. O tipo mais importante de relação já foi apresentado: é a 2-ária (ou binária, ou seja, � ⊂ �') e exemplos relevantes desse tipo de relação já foram apresentados no capítulo anterior.

Um detalhe adicional, em relação à nomenclatura, é que chamamos de tipo da operação }: �Ê → � a cardinalidade do conjunto Λ. Por exemplo, o tipo de uma função binária é 2. Analogamente, o tipo de uma relação � ⊂ �Ê é a cardinalidade de Λ.

5.2 – Comutatividade, associatividade e distributividade

Inicialmente, devemos introduzir uma notação muito comum para operações binárias, chamada de notação mesofixa. Dada uma operação binária ä: �' → �, temos que ?�, �) ↦ ä?�, �), mas é mais comum que se represente como ?�, �) ↦ �ä�, ou seja, colocando o símbolo da operação entre as duas coordenadas. Um exemplo é

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a operação soma entre números reais, +: ℝ' → ℝ, onde, sendo �, � ∈ ℝ, simbolizamos +?�, �) por � + �. Definição 5.2.1: Uma operação ä: �' → � é dita comutativa quando, para todo �, � ∈ �, ä?�, �) = ä?�, �), ou seja, em notação mesofixa, quando �ä� = �ä�. É comum também que se chamem operações binárias comutativas de abelianas.

Definição 5.2.2: Uma operação ä: �' → � é dita associativa quando, para todo �, �, � ∈ �, äa�, ä?�, �)b = ä?ä?�, �), �), ou seja, em notação mesofixa, quando �ä?�ä�) = ?�ä�)ä�. Nesse caso, não há ambigüidade ao se escrever �ä�ä� (e usaremos esse fato inúmeras vezes).

Exemplo 5.2.1: Exemplos bem familiares de operações que possuem essas duas propriedades são a soma e multiplicação de números reais. De fato se sabe que, sendo +: ℝ' → ℝ e ∙: ℝ' → ℝ as operações soma e multiplicação respectivamente, � + � = � + �, � ∙ � = � ∙ �, � + ?� + �) = ?� + �) + � e � ∙ ?� ⋅ �) =?� ⋅ �) ⋅ �. Exemplo 5.2.2: Tomemos a operação ä: ℝ' → ℝ definida por �ä� = �x�' .

Essa operação é comutativa, mas não é associativa. De fato, �x�' = �x�' pelo próprio

fato da operação soma ser comutativa e, por um lado, �ä?�ä�) = �xåÒæµ' = '�x�x�w ,

mas, por outro lado, ?�ä�)ä� = ÄÒåµ x�' = �x�x'�w , que, em geral, é diferente de '�x�x�w e,

portanto, de �ä?�ä�). Exercício 5.2.1: Dê um exemplo de operação entre números reais que não

seja comutativa.

Observação: Podem-se definir operações nos conjuntos numéricos (tais como os reais, racionais, etc.) e chamá-las de multiplicação ou adição (soma) sem que sejam o que normalmente chamamos de soma ou multiplicação (às vezes, nem mesmo possuem características que normalmente atribuímos a essas operações). Por isso será comum usarmos os termos multiplicação usual e adição usual para nos referirmos as operações multiplicação e adição como normalmente são definidas. Mas, se não for dito o contrário, sempre estaremos nos referindo às soma e multiplicação usuais.

Abaixo está definida outra propriedade importante envolvendo operações binárias, mas, nesse caso, a propriedade é uma relação entre duas operações.

Definição 5.2.3: Sejam ä: �' → � e ç: �' → � duas operações binárias. Dizemos que a operação ä é distributiva à esquerda em relação à ç quando, para todo �, �, � ∈ �, äa�, ç?�, �)b = çaä?�, �), ä?�, �)b, ou seja, em notação mesofixa, �ä?�ç�) = ?�ä�)ç?�ä�). Definição 5.2.3: Sejam ä: �' → � e ç: �' → � duas operações binárias. Dizemos que a operação ä é distributiva à direita em relação à ç quando, para todo

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�, �, � ∈ �, ä?ç?�, �), �) = çaä?�, �), ä?�, �)b, ou seja, em notação mesofixa, ?�ç�)ä� = ?�ä�)ç?�ä�). Quando uma operação ä é distributiva tanto pela esquerda quanto pela direita em relação à ç, dizemos simplesmente que a operação ä é distributiva em relação à ç. Naturalmente, se as operações ä e ç são comutativas, a operação ä é distributiva à esquerda em relação à ç se, e somente se, é distributiva à direita. Na verdade, a comutatividade apenas de ä já garante que, se ä é distributiva à esquerda de ç, também é à direita (e vice-versa). Exercício 5.2.2: Mostre isso.

Exemplo 5.2.3: Novamente temos como exemplo a multiplicação e soma entre reais. Afinal é bem conhecida a distributividade da multiplicação em relação à soma, ou seja, � ∙ ?� + �) = ?� + �) ∙ � = ?� ∙ �) + ?� ∙ �). É esse fato que nos permite, tendo definido 1 + 1 ≔ 2 e sabendo que � = 1 ∙ �, que afirmemos que � + � = 2 ∙ �. De fato, pois � + � = 1 ∙ � + 1 ∙ � = ?1 + 1) ∙ � = 2 ∙ �. Exercício 5.2.3: Por que, no Capítulo I, foi um abuso de linguagem chamar as propriedades demonstradas nos teoremas 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3 de distributividades?

Exemplo 5.2.4: Sendo A um conjunto e P(A) o conjunto das partes de A, já sabemos do capítulo anterior que as operações binárias ∪ e ∩ (união e intersecção), definidas de �?�)' em �?�), são distributivas uma em relação à outra. Essas também são exemplos de operações comutativas e associativas.

5.3 – Grupos

Começaremos a apresentar agora algumas estruturas algébricas, mas, para tanto, devemos saber antes o que é uma estrutura e como a representamos.

Definição 5.3.1: Seja A um conjunto não vazio, ℱ uma coleção de operações (não necessariamente finitárias) sobre A e ℛ uma coleção de relações (não necessariamente finitárias) sobre A. Chama-se estrutura sobre A a tripla ?�, ℱ, ℛ). A notação não é fixa e tanto ℱ quanto ℛ podem ser vazios. Se ℛ = ∅, mas ℱ ≠ ∅, então o par ?�, ℱ) é chamado de estrutura algébrica (foco do que será apresentado). Mas, quando ℱ = ∅ e ℛ ≠ ∅, o par ?�, ℛ) é chamado de estrutura relacional. É comum que, quando a estrutura é subentendida, escrever simplesmente A para indicar a estrutura sobre o conjunto A.

Exemplo 5.3.1: Um exemplo de estrutura algébrica pode ser construído a partir do Exemplo 5.2.4. Tomando um conjunto A e seu conjunto das partes, P(A), podemos criar uma estrutura algébrica sobre P(A) introduzindo as operações união e intersecção entre elementos de P(A). Representamos essa estrutura por ?�?�),∪,∩). Vemos que a notação para estruturas é flexível e é comum explicitar as operações de uma estrutura algébrica. O importante ao se representar uma estrutura é que esteja claro de qual estrutura se está tratando.

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Definição 5.3.2 (grupo): Seja G um conjunto e ∗: �' → � uma operação binária, chamada produto, sobre G. Dizemos que a estrutura ?�,∗) é um grupo quando as seguintes condições forem satisfeitas:

a) Para todo �, �, � ∈ � vale que � ∗ ?� ∗ �) = ?� ∗ �) ∗ � (associatividade). b) Existe um elemento � ∈ � tal que, para todo � ∈ �, � ∗ � = � ∗ � = �

(elemento neutro). c) Para todo � ∈ � existe um elemento � tal que � ∗ � = � ∗ � = �. Comumente

representamos esse elemento b por �^S (elemento inverso). Quando, além de apresentar essas propriedades, o produto ∗ for comutativo, o grupo é chamado de grupo Abeliano.

A definição de grupo é simples, mas, por exigir poucas propriedades, existe uma grande variedade de estruturas que são grupos. A Teoria de Grupos é a parte da matemática que estuda as propriedades dessas estruturas. Infelizmente, na situação pedestre que nos encontramos, não será possível explicitar a importância dos grupos nem suas aplicações, pois essas aparecem em assuntos avançados de Matemática e Física (na Física, ganha destaque uma classe de grupos chamados grupos de Lie).

Algumas propriedades elementares dos grupos são apresentadas abaixo.

Teorema 5.3.1: Seja ?�,∗) um grupo. Então valem as seguintes afirmações: a) O elemento neutro, e, é único. b) Sendo � ∈ �, o elemento inverso de �, �^S, é único. c) ?�^S)^S = � para todo � ∈ �. d) Valem as leis de corte � ∗ � = � ∗ � ⇒ � = � e � ∗ � = � ∗ � ⇒ � = � para todo �, �, � ∈ �. e) Para todo �, � ∈ � as equações � ∗ � = � e � ∗ � = � possuem solução única

em G.

Demonstração: (a): Suponhamos que exista um elemento �� tal que �� ∗ ~ = ~ para todo ~ ∈ �. Então �� = �� ∗ � = �, mostrando a unicidade. (b): Suponhamos que exista �^S�

tal que � ∗ �^S� = �. Então, usando a associatividade, �^S = �^S ∗ � = �^S ∗ a� ∗ �^S�b = ?�^S ∗ �) ∗ �^S� = � ∗ �^S� = �^S�

,

mostrado a unicidade. Naturalmente, o inverso de � é ele próprio, pois � ∗ � = �. (c): Usando a associatividade:

?�^S)^S = ?�^S)^S ∗ � = ?�^S)^S ∗ ?�^S ∗ �) = ??�^S)^S ∗ �^S) ∗ � = � ∗ � = � (d): Se � ∗ � = � ∗ �, então:

?� ∗ �) ∗ �^S = ?� ∗ �) ∗ �^S ⟹ � ∗ ?� ∗ �^S) = � ∗ ?� ∗ �^S) ⟹ � ∗ � = � ∗ � ⟹ � = �

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Analogamente se demonstra a segunda parte da afirmação.

(e): Se � ∗ � = �, então: �^S ∗ ?� ∗ �) = �^S ∗ � ⟹ ?�^S ∗ �) ∗ � = �^S ∗ �

⟹ � ∗ � = �^S ∗ � ⟹ � = �^S ∗ � Analogamente se demonstra a segunda parte da afirmação.

QED

Exercício 5.3.1: Sendo ?�,∗) um grupo, mostre que, para quaisquer �, � ∈ �, ?� ∗ �)^S = �^S ∗ �^S. Observe que, se � é Abeliano, ?� ∗ �)^S = �^S ∗ �^S (mostre que isso só ocorre se � é Abeliano).

Exemplo 5.3.2: A estrutura ?ℤ, +) é um grupo Abeliano, pois a operação soma é associativa e comutativa. Além disso, existe um elemento neutro da soma,

0, e, para cada elemento � ∈ ℤ, existe um elemento chamado – � tal que � + ?−�) =0. Exemplo 5.3.3: Seja A um conjunto e P(A) o conjunto das partes de A. A estrutura ?�?�), ∆), onde ∆: �?�)' → �?�) é a operação diferença simétrica, é um grupo Abeliano. De fato é, pois a operação é associativa, comutativa, o elemento neutro é o conjunto vazio e, para cada � ∈ �?�), tem-se �∆� = ∅, ou seja, A é seu próprio elemento inverso.

Exemplo 5.3.4: Outro exemplo simples de grupo é a estrutura ?ℤw, ⨁) onde ℤw = 0,1,2,3� e a adição entre �, � ∈ ℤw é definida como sendo a �⨁� = ��r�� �� Rx�w .

Mas a notação mais comumente empregada para representar esse resto é ��r�� �� Rx�w = £� + �¤���?4) (lê-se “a mais b módulo quatro”). Por exemplo, 3 ⨁ 2 = £3 + 2¤���?4) = 5 ���?4) = 1, pois 1 é o resto da divisão de 5 por 4. Demonstremos que essa estrutura é um grupo Abeliano.

A operação é associativa e comutativa, pois ?�⨁�)⨁� = £?� + �) +�¤���?4) = £� + ?� + �)¤���?4) = �⨁?�⨁�) e �⨁� = £� + �¤���?4) = £� +�¤���?4) = �⨁�. O elemento neutro da operação é o elemento 0, pois �⨁0 =£� + 0¤���?4) = � ���?4) = �, afinal, lembremos que � ∈ 0,1,2,3�. O elemento inverso de um � ∈ ℤw é o elemento �^S = £4 − �¤���?4). Para mostrar isso, primeiro demonstremos que �^S ∈ ℤw. De fato isso acontece, pois � ∈ ℤw, e, dessa forma, 0 < 4 − � < 4 quando � ≠ 0 e, portanto �^S = £4 − �¤���?4) = 4 − � ∈ ℤw nesse caso. Mas, se � = 0, �^S = 4 ���?4) = 0 (o resto de 4 dividido por 4 é 0). Conclui-se, então, que �^S ∈ ℤw. Agora, demonstremos que esse �^S é realmente o inverso de �. De fato, afinal, �⨁�^S = £� + ?4 − �)¤���?4) = 4 ���?4) = 0. Mostramos, portanto, que ?ℤw, ⨁) é um grupo.

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O que foi feito acima é facilmente generalizado para mostra que ?ℤ\, ⨁) é um grupo, onde n é um natural, ℤ\ = 0,1,2,3, ⋯ , � − 1� e �⨁� = ��r�� �� Rx�\ = £� +�¤���?�): basta substituir 4 por n. Observação: Passaremos a adotar a notação ℤ\ = 0,1,2,3, ⋯ , � − 1�. Grupos podem ser finitos ou infinitos. O grupo apresentado no Exemplo 5.3.2 é infinito, mas, no Exemplo 5.3.4, o grupo é claramente finito. Damos o nome de ordem do grupo à cardinalidade do conjunto do grupo. Embora a maioria dos exemplos que podemos encontrar de grupos sejam infinitos, existem muitos grupos finitos importantes.

Para grupos finitos, é possível construir uma tabela, chamada tabela de Cayley, onde a primeira linha possui o símbolo da operação e um elemento do grupo em cada outro espaço da linha e o mesmo acontece na primeira coluna. O resultado da operação entre dois elementos é escrito no espaço onde se cruzam a linha e a coluna dos elementos em questão. Por exemplo, o resultado de � ∗ � está no cruzamento da linha de � com a coluna de �. Como exemplo, façamos a tabela de ℤw com a operação ⨁ definida acima.

Exemplo 5.3.5: A estrutura ?ℕ,∙) não é um grupo, pois, embora o produto de números naturais seja associativo e possua elemento neutro, 1, apenas o número 1 possui elemento inverso. Quando apenas essas duas características de grupo são satisfeitas, chamamos a estrutura de monóide. Ou seja, a estrutura ?ℕ,∙) é um monóide (mais especificamente, monóide Abeliano, pois a operação também é comutativa).

Ao tomarmos um subconjunto î ⊂ �, onde G é um grupo, é interessante verificar se H é, ele mesmo, um grupo com relação à mesma operação. Naturalmente, como se trata da mesma operação que torna G um grupo, a operação já é associativa, mas seguem na definição abaixo as outras condições que tornam H um grupo.

Definição 5.3.3: Seja ?�,∗) um grupo, onde e é o elemento neutro, e î ⊂ �. Dizemos que H é um subgrupo de G quando:

a) ℎS ∗ ℎ' ∈ î para todo ℎS, ℎ' ∈ î.

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b) � ∈ î c) Se ℎ ∈ î, então ℎ^S ∈ î.

Claro, sempre se tem que �� e G são subgrupos de G. O subgrupo �� é dito trivial.

Exercício 5.3.2: Mostre que a condição (b) da definição acima decorre, na

verdade, das condições (a) e (c).

Exemplo 5.3.6: A estrutura ?�, +), onde � = ⋯ , −4, −2,0,2,4, ⋯ � é o conjunto dos números pares, é um subgrupo de ?ℤ, +). Com efeito, se � e � são números pares, então � + � é um número par (verifique sabendo � = � ∈ ℤ|� =2� ���� ��~=� � ∈ ℤ�), o elemento neutro, 0, pertence ao conjunto P e, se � ∈ �, então – � ∈ �, já que, se � = 2�, para algum n inteiro, então −� = −2� = 2�′, onde �� = −�, que é um número inteiro.

5.4 – Anéis

Definição 5.4.1 (anel): Seja A um conjunto onde estão definidas duas operações binárias, +: �' → � e ∙: �' → �. A estrutura ?�, +,∙) é dita um anel quando são satisfeitas as seguintes condições:

a) Para todo �, � ∈ � � + � = � + � (comutatividade de +). b) Para todo �, �, � ∈ � � + ?� + �) = ?� + �) + � (associatividade de +). c) Existe um elemento 0 tal que � + 0 = 0 + � = � (elemento neutro de +). d) Para todo � ∈ � existe um elemento denominado – � tal que � + ?−�) =?−�) + � = 0 (elemento inverso por +). e) Para todo �, �, � ∈ � � ∙ ?� ∙ �) = ?� ∙ �) ∙ � (associatividade de ∙). f) Para todo �, �, � ∈ � � ∙ ?� + �) = � ∙ � + � ∙ � e ?� + �) ∙ � = � ∙ � + � ∙ �

Observação: Não é exigido um elemento neutro para a multiplicação (operação ∙) nem essa precisa ser comutativa. Como se pode ver, todo anel é um grupo Abeliano em relação à adição (operação +) e, assim, o que já foi demonstrado para grupos continua valendo para a adição no anel. É comum que um anel tenha elemento neutro para a multiplicação, ou seja, um elemento, chamado de 1, tal que � ∙ 1 = 1 ∙ � = � para todo � ∈ � e alguns autores até incluem essa propriedade como exigência na definição de anel, mas aqui chamaremos tais anéis de anéis com unidade.

Anéis são presentes em quase toda a matemática e também possuem uma área destinada ao estudo de suas propriedades, a Teoria de Anéis.

Exemplo 5.4.1: Um exemplo de anel é a estrutura ?ℤ, +,∙). Mais especificamente, esse anel é um anel comutativo com unidade, pois a operação multiplicação é comutativa e existe elemento neutro para essa, o número 1.

5.5 – Corpos

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Definição 5.5.1 (corpo): Seja ï um conjunto onde estão definidas duas operações binárias, +: ï' → ï e ∙: ï' → ï. A estrutura ?ï, +,∙) é dita um corpo quando são satisfeitas as seguintes condições:

1 – Propriedades da adição (+):

a) Para todo �, � ∈ � � + � = � + � (comutatividade de +). b) Para todo �, �, � ∈ ï � + ?� + �) = ?� + �) + � (associatividade de +). c) Existe um elemento 0 ∈ ï, chamado de elemento nulo, tal que � + 0 = 0 +� = � (elemento neutro de +). d) Para todo � ∈ ï existe um elemento denominado – � ∈ ï tal que � + ?−�) =?−�) + � = 0 (elemento inverso por +).

2 – Propriedades da multiplicação ?∙): a) Para todo �, � ∈ ï � ∙ � = � ∙ � (comutatividade de ∙). b) Para todo �, �, � ∈ ï � ∙ ?� ∙ �) = ?� ∙ �) ∙ � (associatividade de ∙). c) Existe um elemento 1 ≠ 0, chamado de unidade tal que � ∙ 1 = 1 ∙ � = �

(elemento neutro de ∙). d) Para todo � ∈ ?ï − 0�) existe um elemento denominado �^S ∈ ï tal que � ∙ �^S = �^S ∙ � = 1 (elemento inverso por ∙).

3 – Distributividade: o produto é distributivo em relação à adição. Ou seja, para todo �, �, � ∈ ï, � ∙ ?� + �) = � ∙ � + � ∙ �. Naturalmente, é distributivo à direita também, já que a multiplicação é comutativa.

A condição 1 ≠ 0 pode parecer estranha (tente não associar quantidades a esses símbolos), mas é necessária para não cair num caso trivial (verifique o que acontece se 1 = 0). Veremos mais adiante que as estruturas ?ℚ, +,∙) e ?ℝ, +,∙) são corpos e, na verdade, não é de se espantar com isso, pois essas estruturas inspiraram a definição posta.

Observação 1: É comum omitir o símbolo da multiplicação ao se fazer a operação e faremos isso com freqüência.

Observação 2: É comum ser usada a notação ï − 0� = ï∗ e a usaremos. Claramente, todo corpo é um grupo Abeliano, em relação à adição, e um anel. Assim, o que foi demonstrado para grupos continua valendo para a adição em um corpo. Um corpo não é um grupo em relação à multiplicação pelo simples fato de 0 não possuir inverso multiplicativo (veja a afirmativa (a) do teorema abaixo). Mas ?ï∗,∙) é um grupo Abeliano e, assim, as propriedades demonstradas para grupos valem na multiplicação quando não consideramos o elemento 0. Algumas outras propriedades gerais de corpos são apresentadas no teorema abaixo.

Teorema 5.5.1: Se ?ï, +,∙) é um corpo, então valem: a) � ∙ 0 = 0 ∀� ∈ ï b) Sendo �, � ∈ ï, � ∙ � = 0 ⇔ � = 0 ou � = 0.

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c) � ∙ ?−�) = ?−�) ∙ � = −?� ∙ �) e ?−�) ∙ ?−�) = � ∙ � (regras dos sinais). d) Definindo � ∙ � ≔ �', se �' = �', então � = ±�.

Lembrando que ∀ significa “para todo” e ⇔ significa “se, e somente se”.

Demonstração: (a): Usando a distributividade, � ∙ 0 + � = � ∙ 0 + � ∙ 1 = � ∙?0 + 1) = � ∙ 1 = �. Ou seja, � ∙ 0 + � = � = � + 0, que, sabendo que vale a lei de corte para a soma, equivale a � ∙ 0 = 0. (b): Como � e � são arbitrários, suponhamos que � ≠ 0. Assim, sendo � ∙ � = 0, temos, ao multiplicar ambos os lados por �^S, que � ∙ � ∙ �^S = 0 ∙ �^S =0 ⇔ � = 0. (c): Usando a distributividade, temos � ∙ ?−�) + � ∙ � = � ∙ ?−� + �) = � ∙ 0 =0, onde usamos o que foi demonstrado em (a). Assim, � ∙ ?−�) + � ∙ � = 0 e, somando – ?� ∙ �) em ambos os lados, temos � ∙ ?−�) + � ∙ � + �– ?� ∙ �)� =– ?� ∙ �) ⇔ � ∙ ?−�) +0 =– ?� ∙ �) ⇔ � ∙ ?−�) = −?� ∙ �). De forma análoga se conclui que ?−�) ∙ � = −?� ∙�). Usando esse fato, temos que ?−�) ∙ ?−�) = −£� ∙ ?−�)¤ = −£−?� ∙ �)¤ = � ∙ �. (d): �' = �' ⇔ �' + ?−�') = 0 ⇔ � ∙ � + £−?� ∙ �)¤ = � ∙ � + � ∙ � + £−?� ∙ �)¤ +£−?� ∙ �)¤ = � ∙ ?� + �) + � ∙ ?−�) + � ∙ ?−�) = � ∙ ?� + �) + ?� + �) ∙ ?−�) = ?� + �) ∙ � + ?� + �) ∙ ?−�) = ?� + �) ∙ a� + ?−�)b = 0. Ou seja, �' + ?−�') = ?� + �) ∙a� + ?−�)b = 0. De (b), sabe-se que ?� + �) ∙ a� + ?−�)b = 0 ⇔ ?� + �) = 0 ou a� + ?−�)b = 0, que ocorre só quando � = −� ou � = �.

QED

Exercício 5.5.1: Na letra (d) do teorema anterior, em cada passo da demonstração, indique qual propriedade (de corpos) ou teorema foi utilizado. SUGESTÃO: Lembre-se da validade do teorema demonstrado para grupos.

Através das propriedades dos corpos, é possível criar mais duas operações úteis (e bastante familiares nos corpos ℝ e ℚ). Para tanto, usaremos as notações � + ?−�) = � − �, essa chamada de diferença, e � ∙ �^S = �/�, chamada de quociente. Claro, nesse último caso, � ≠ 0, pois 0 não possui inverso multiplicativo. Definição 5.5.2: Sendo ?ï, +,∙) um corpo, as operações ^:ïµ→ï?R,�)↦R^� e /:ï×ï∗→ï?R,�)↦R/� são chamadas, respectivamente, de subtração e divisão.

Algumas propriedades (bem familiares) da divisão estão listadas abaixo.

Teorema 5.5.2: Considerando o corpo ?ï, +,∙) e definida a operação divisão, tem-se que:

a) Sendo � ≠ 0 e � ≠ 0, R� + Gò = R�xGò�ò .

b) Sendo � ≠ 0 e � ≠ 0, �R�� �Gò� = RG�ò. c) Sendo � ≠ 0 e � ≠ 0, �R��^S = �R.

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d) Sendo � ≠ 0, � ≠ 0 e � ≠ 0, R� Gò� = Rò�G . Exercício 5.5.3: Demonstre o teorema acima. SUGESTÃO: Lembre-se de que �/� = � ∙ �^S. Exercício 5.5.4: Mostre que – ?� + �) = −� − �. SUGESTÃO: Observe que – ?� + �) = −£1?� + �)¤. Exemplo 5.5.1: Tomemos a estrutura ?ℤ', ⨁, ⨀) onde a soma ⨁ é definida como já foi feito e �⨀� ≔ £� ⋅ �¤���?2), onde ⋅ é a multiplicação usual em ℤ. Montemos a tabela de Cayley para a soma e multiplicação nessa estrutura, que, como será mostrado, é um corpo:

Já sabemos que ?ℤ', ⨁) é um grupo Abeliano, então as propriedades da adição (em corpos) são satisfeitas (e observe o curioso fato de 1⨁1 = 0, mostrando que 1 é seu próprio inverso). Devemos demonstrar, então, as propriedades da multiplicação e a distributividade. Para a multiplicação, vemos na tabela que a operação é comutativa e a unidade é 1. A associatividade existe em geral, pois ?�⨀�)⨀� ≔ £?� ⋅ �) ⋅ �¤���?2) = £� ⋅ ?� ⋅ �)¤���?2) = �⨀?�⨀�). Também se vê que o único elemento diferente de 0 é 1 e o inverso multiplicativo desse é ele mesmo. Distributividade se obtém vendo que �⨀?�⨁�) = £� ⋅ ?� + �)¤���?2) =£� ⋅ � + � ⋅ �¤���?2) = ?�⨀�)⨁?�⨀�). Mostramos, finalmente, que ?ℤ', ⨁, ⨀) é um corpo.

Pela definição de corpo que tomamos (exigindo 1 ≠ 0), o corpo construído no exemplo anterior é o menor corpo que se pode obter. Note que a comutatividade, associatividade, existência da unidade e a distributividade decorrem imediatamente dessas propriedades na soma e produtos usuais em ℤ (verifique!). Isso nos leva a questionar se a estrutura ?ℤ\, ⨁, ⨀) não é um corpo para todo � > 1 natural. Na verdade, nem sempre ?ℤ\, ⨁, ⨀) é um corpo porque nem sempre todos os elementos diferentes de 0 possuem inverso multiplicativo por ⨀. No entanto, é possível demonstrar (embora não façamos aqui) que ?ℤ\, ⨁, ⨀) é um corpo se, e somente se, n é primo.

Exemplo 5.5.2: Outro exemplo “exótico” de corpo é a estrutura aℚa√2b, +,⋅b, onde as operações são as usuais do corpo dos reais e ℚa√2b = W� + �√2 ∈ ℝ ¼ �, � ∈ ℚX, ou seja, conjunto dos números reais da forma � + �√2 com � e � racionais. Durante a demonstração que se segue, usaremos o fato de ?ℚ, +,⋅) ser um corpo e alguns conhecimentos operacionais básicos.

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Primeiro mostremos que aℚa√2b, +b é um subgrupo do grupo Abeliano ?ℝ, +). Com efeito, a� + �√2b + a� + �√2b = ?� + �) + ?� + �)√2 ∈ ℚa√2b, 0 + 0√2 =0 ∈ ℚa√2b e, se � + �√2 ∈ ℚa√2b, então – a� + �√2b = −� + ?−�)√2 ∈ ℚa√2b. Usamos, respectivamente, o fato da soma de racionais ser racional, 0 ser um

número racional e, se � é racional, então – � também é. Para a multiplicação, observemos que a operação ⋅ é comutativa, associativa, possui unidade e é distributiva em relação à + pelo simples fato dessas operações serem as usuais. O que devemos mostrar é que a operação está bem definida, ou

seja, a� + �√2ba� + �√2b ∈ ℚa√2b e que, para todo � ∈ aℚa√2b − 0�b, �^S pertence a ℚa√2b. a) a� + �√2ba� + �√2b = �� + ��√2 ⋅ √2 + ��√2 + ��√2 = ?�� + 2��) +?�� + ��)√2. Isso mostra que a operação está bem definida, ou seja, que a� + �√2ba� + �√2b ∈ ℚa√2b. b) Seja � = a� + �√2b ∈ ℚa√2b com � ≠ 0 ou � ≠ 0 (de forma que � + �√2 ≠ 0).

Nos reais, esse elemento possui inverso multiplicativo e, assim, existe �^S ∈ ℝ tal que ��^S = 1. Dessa forma, a� + �√2b�^S = 1 ⇔ �^S = SaRx�√'b =SaRx�√'b ⋅ aR^�√'baR^�√'b = R^�√'Rµ^'�µ = RRµ^'�µ + ?^�)Rµ^'�µ √2, mostrando que �^S ∈ ℚa√2b.

Observe que só foi possível a manipulação SaRx�√'b ⋅ aR^�√'baR^�√'b pois, se b não é

nulo, �√2 é irracional (a multiplicação de um racional não nulo por um irracional é sempre irracional), fazendo com que a diferença � − �√2 fosse, garantidamente, não nula.

Definição 5.5.3: Um corpo ?ï, +,∙) é dito um corpo ordenado quando existe um subconjunto próprio � ⊂ ï (chamado de conjunto dos números positivos) com as seguintes propriedades:

a) ∀ � ∈ ï, uma, e apenas uma, das seguintes opções é verdadeira: � ∈ � ou – � ∈ � ou � = 0 (tricotomia). b) Se �, � ∈ �, então � + � ∈ � (fecho por adição). c) Se �, � ∈ �, então �� ∈ � (fecho por multiplicação).

Usamos a notação � ≥ � para indicar que � − � = 0 ou ?� − �) ∈ �. Também é bastante comum ser usada a notação � > � para indicar que ?� − �) ∈ �. Um resultado imediato é que, se � ∈ �, então ?� − 0) ∈ � e, portanto, � > 0. Demonstremos que se trata de uma relação de ordem total:

a) ∀ � ∈ ï, evidentemente temos que � ≥ �, pois � − � = 0 (reflexibilidade). b) ∀ �, �, � ∈ ï, temos que, se � ≥ � e � ≥ �, então � ≥ �, afinal, � > � ⇔?� − �) ∈ � e � > � ⇔ ?� − �) ∈ �, donde temos que ?� − �) + ?� − �) =?� − �) ∈ � ⇔ � > � (transitividade).

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c) ∀ �, � ∈ ï, � ≥ � e � ≥ � implica a � = �. De fato, já que não se pode ter ?� − �) ∈ � e ?� − �) ∈ � simultaneamente, concluímos que � − � = 0 (anti-simetria).

d) ∀ �, � ∈ ï ou � ≥ � ou � ≥ �. Isso é evidente pela definição (totalidade). Observação: Se omitiu os casos em que as diferenças são nulas por serem casos triviais.

Teorema 5.5.3: ∀ � ∈ ï, �' ≔ � ⋅ � ≥ 0. Demonstração: Se � ∈ � ou � = 0, nada se tem para demonstrar, mas, se � ∉ � e � ≠ 0, temos que – � ∈ � e, portanto ?−�)?−�) ∈ �, mas se sabe que ?−�)?−�) = � ⋅ �. Assim, � ⋅ � = �' ∈ �.

QED

Uma conseqüência desse teorema é que 1 > 0, pois 1 ≠ 0 e 1 ⋅ 1 = 1 ∈ �. Exemplos de corpos ordenados são os racionais e reais (como veremos no próximo capítulo). Mas nem todo corpo pode ser ordenado. Por exemplo, o corpo ?ℤ', ⨁, ⨀) não é ordenado, pois, sendo ∅, 1�, 0� e 0,1� os subconjuntos de ℤ', a única escolha que poderíamos ter para ser o conjuntos dos positivos é 1�, mas se sabe que, nesse corpo, 1⨁1 = 0, que viola o fecho por adição. Teorema 5.5.4 (monotonicidade da adição): Se � > �, então, para todo � ∈ ï, tem-se � + � > � + �. Demonstração: Se � > �, então ?� − �) ∈ �. Mas se tem que � − � = � + � −� − � = ?� + �) − ?� + �), donde se tem que £?� + �) − ?� + �)¤ ∈ � e, portanto, � + � > � + �.

QED

Teorema 5.5.5 (monotonicidade da multiplicação): Se � > � e � > 0, então, �� > ��. Mas, se � < 0, então �� < ��. Demonstração: Se � > � e � > 0, temos que ?� − �) ∈ �. Como �?� − �) =�� − ��, pelo fecho por multiplicação, temos que ?�� − ��) ∈ � e, assim, �� > ��. Por outro lado, se � < 0, então – � ∈ � e, portanto, −�?� − �) = ?�� − ��) ∈ �, que nos leva a concluir que �� < ��.

QED

Exercícios II – 5 1 – Considere � = �, ~S, … , ~\� com a estrutura ?�,∗) sendo um grupo Abeliano. Sendo � = ~S ∗ … ∗ ~\, mostre que � ∗ � = �. 2 – Considerando o anel com unidade ?�, +,⋅), mostre que o conjunto de todos os elementos que possuem inverso multiplicativo desse anel forma um grupo com a operação de multiplicação.

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3 – Seja ?�,∗) um grupo e îS, î' ⊂ � subgrupos de �. Mostre que: a) îS ∪ î' é subgrupo de �. b) îS ∩ î' é subgrupo de � ⇔ îS ⊂ î' ou î' ⊂ îS.

4 – Mostre que a equação � ∗ � ∗ � = � tem solução num grupo ?�,∗) se, e somente se, � ∗ � = ~ ∗ ~ para algum ~ em �. 5 – Mostre que, sendo ï um corpo ordenado e �, �, ®, � ∈ ï, se � < ® e � < �, então � + � < ® + �. 6 – Sendo ï um corpo ordenado e �, �, ®, � ∈ ï, mostre que, se 0 < � < ® e 0 < � < �, então 0 < �� < ®�. Uma conseqüência disso é que, se 0 < � < 1 e 0 < � < 1, então 0 < �� < 1. 7 – Sendo ï um corpo ordenado e � ∈ ï, mostre que, se 0 < � < 1, então �' < � e, se � > 1, então �' > �. 8 – Considerando o corpo ordenado ï com � ∈ ï, mostre que, se � > 0, então �^S > 0. 9 – Mostre que, num corpo ordenado ï onde �, � ∈ ï, temos que, se 0 < � <�, então 0 < �^S < �^S. 6 – Composição de Funções; Mais Sobre Grupos

6.1 – Composição de funções

Uma forma um tanto pictórica de imaginar uma função é ver ela como uma máquina, onde se insere um dado � e essa máquina nos dá um produto }?�) (Figura 1). Vendo dessa forma, não parece estranho combinarmos máquinas. Ou seja, inserir �, obter }?�), mas, combinando com uma máquina ~, obter ~a}?�)b (Figura 2). Podemos identificar o processo feito pelas duas máquinas como sendo o de uma única máquina, ℎ, de forma que ℎ?�) = ~a}?�)b (Figura 3).

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Para podermos combinar as máquinas } e ~, é necessário que seja possível inserir }?�) em ~. De forma mais precisa, é preciso que ��?}) ⊂ s��?~). Motivados por essa apresentação, definamos a composição de funções.

Definição 6.1.1: Sejam }: V → y e ~: y → z funções. A função composta é a função ~ ∘ }: V → z (lê-se “g bola f”) tal que ?~ ∘ })?�) = ~a}?�)b. Ou seja:

~ ∘ } = ?�, �) ∈ V × z | ���r�� � ∈ y �� }���� ©=� ?�, �) ∈ } � ?�, �) ∈ ~� Pode-se ver que o domínio da função composta é o domínio de }, mas o contradomínio é o contradomínio de ~. Claro, é possível fazer mais de uma composição bastando fazer a composição da função composta ~ ∘ } com outra função.

Exemplo 6.1.1: Seja ´:ℝ→ℝ�↦�x' e ö:ℝ→ℝ�↦�µ funções. A função composta ~ ∘ }: ℝ → ℝ tal que ?~ ∘ })?�) = ~a}?�)b é definida por:

~a}?�)b = ~?� + 2) = ?� + 2)' = �' + 4� + 4 Mas também é possível a composição } ∘ ~: ℝ → ℝ e dessa composição obtemos ?} ∘ ~)?�) = }a~?�)b = }?�') = �' + 2, que é diferente, em geral, de ~a}?�)b. Ou seja, em geral, ~ ∘ } ≠ } ∘ ~. Exemplo 6.1.2: Considere os conjuntos � = 1,2,3�, . = �, �, �, �� e ; =c, d, e� e as funções }: � → . tal que } = ?1, �), ?2, �), ?3, �)� e ~: . → ; tal que ~ = ?�, c), ?�, c), ?�, e), ?�, e)�. Usando a definição, vemos que ~ ∘ } = ?1, c), ?2, c), ?3, e)�.

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Na representação diagramática acima, as setas vermelhas em 1 destacam o “caminho” da função composta. Em 2, o conjunto B, que é intermediário, é omitido (lembremos que, efetivamente, a função composta ~ ∘ } é uma função de A em C). Embora, a composição de funções não seja comutativa, ela é associativa, como mostra o teorema abaixo.

Teorema 6.1.1: A composição de funções é associativa. Ou seja, sendo }: V → y, ~: y → z e ℎ: z → ÷ funções, tem-se que ?ℎ ∘ ~) ∘ } = ℎ ∘ ?~ ∘ }). Demonstração: Devemos perceber que ambas as funções são funções de X em W. Como sabemos pelo Teorema 1.2.2, para mostrarmos que ?ℎ ∘ ~) ∘ } = ℎ ∘?~ ∘ }), devemos mostrar que £?ℎ ∘ ~) ∘ }¤?�) = £ℎ ∘ ?~ ∘ })¤?�). Ora, pela definição, £?ℎ ∘ ~) ∘ }¤?�) = ?ℎ ∘ ~)a}?�)b = ℎ �~a}?�)b� = ℎa?~ ∘ })?�)b = £ℎ ∘ ?~ ∘ })¤?�). Portanto, ?ℎ ∘ ~) ∘ } = ℎ ∘ ?~ ∘ }).

QED

Devido a esse teorema, podemos escrever, sem ambigüidade, ℎ ∘ ~ ∘ }. Exemplo 6.1.3: Considere as funções ´:ℕ→ℕ�↦�xS, ö:ℕ→ℝ�↦ĵ e

ø:ℝ→ℝ�↦�µ . Temos, então que a composição dessas funções é } ∘ ~ ∘ ℎ: ℕ → ℝ tal que:

?ℎ ∘ ~ ∘ })?�) = ℎ �~a}?�)b� = ℎa~?� + 1)b = ℎ ù� + 12 ú = ù� + 12 ú'

Teorema 6.1.2: Sendo }: V → y uma função, valem as afirmações abaixo: a) Se existe uma função ~: y → V tal que ~ ∘ } = �{, então } é injetora. A função ~ é chamada de inversa à esquerda de }.

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b) Se existe uma função ℎ: y → V tal que } ∘ ℎ = �|, então } é sobrejetora. A função ℎ é chamada de inversa à direita de }.

Observação: As funções �{: V → V e �|: y → y são as funções identidades. Demonstração: (a): Suponhamos que ~ ∘ } = �{, ou seja, ?~ ∘ })?�) = �. Assim, se }?�S) = }?�'), temos:

�S = ~a}?�S)b = ~a}?�')b = �' Ou seja, �S = �', mostrando que } é injetora. (b): Supondo que } ∘ ℎ = �|, temos que:

}?�) = }aℎ?�)b = ?} ∘ ℎ)?�) = �|?�) = � Isso demonstra que, para todo � ∈ y, existe � ∈ V tal que � = }?�). Pela definição de função sobrejetora, mostramos que } é sobrejetora.

QED

Exercício 6.1.1 (importante): Considerando a função }: V → y, mostre que �| ∘ } = } = } ∘ �{. Claro, se existem ~: y → V e ℎ: y → V tais que ~ ∘ } = �{ e } ∘ ℎ = �|, então }: V → y é bijetora. Demonstraremos abaixo que, quando isso acontece, ~ = ℎ = }^S, onde }^S: y → V, é a função inversa (lembremos que uma função possui inversa se, e somente se, é bijetora). Mas antes vejamos outros resultados bastante úteis.

Teorema 6.1.3: Sejam }: V → y e ~: y → z funções. Então: a) Se } e ~ são injetoras, então ~ ∘ }: V → z é injetora. b) Se } e ~ são sobrejetoras, então ~ ∘ }: V → z é sobrejetora.

Demonstração: (a): Sejam �S e �' dois elementos quaisquer de X, Supondo que ?~ ∘ })?�S) = ?~ ∘ })?�'), temos que ~a}?�S)b = ~a}?�')b. Por ~ ser injetora, se conclui que }?�S) = }?�'). Mas } também é injetora e, portanto, �S = �'. Logo, ?~ ∘ })?�S) = ?~ ∘ })?�') ⇒ �S = �', mostrando que a composição é injetiva. (b): A função ~ é sobrejetora, portanto, ~?y) = z e, assim, para todo � ∈ z, existe � ∈ y tal que ~?�) = �. Mas, sendo } sobrejetora, }?V) = y e, dessa forma, para todo � ∈ y, existe � ∈ V tal que }?�) = �. Ou seja, podemos escrever qualquer � ∈ y como }?�). Disso temos que, para todo � ∈ z, � = ~?�) = ~a}?�)b = ?~ ∘ })?�) para algum � ∈ V, mostrando que ?~ ∘ })?�) é sobrejetora.

QED

Os resultados, na verdade, são intuitivos (faça alguns exemplos com diagramas para ambos os casos). Uma conseqüência imediata do teorema é que, se } e ~ são bijeções, então ~ ∘ } é uma bijeção.

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Teorema 6.1.4: Sendo }: V → y uma função bijetora e }^S: y → V sua inversa, temos }^S ∘ } = �{ e } ∘ }^S = �|. Demonstração: Por definição, }^S ∘ } é o conjunto dos pares ?�, �′) tais que exista � ∈ y de forma que ?�, �) ∈ } e ?�, �′) ∈ }^S. Ora, }^S é o conjunto dos pares ?�, �) tais que ?�, �) ∈ } e, pelo fato de }^S ser uma função, ?�, �), ?�, ��) ∈ }^S ⇒ � =�′. Segue que }^S ∘ } = ?�, �)|� ∈ V� = �{. A segunda parte do teorema se demonstra analogamente observando que } = ?}^S)^S.

QED

Pode-se ver que a função inversa }^S realmente “inverte” o que a função } faz. } leva um determinado � ∈ V a um � ∈ y e a função inversa leva esse � de volta ao � em questão, fazendo a composição levar � a ele mesmo (função identidade). Corolário 1: Sejam }: V → y e ~: y → z funções bijetoras e ~ ∘ }: V → z a composição dessas funções. Então a função ?~ ∘ })^S: z → V é igual à função }^S ∘ ~^S: z → V. Ou seja, ?~ ∘ })^S = }^S ∘ ~^S. Demonstração: Sendo ?~ ∘ })^S = ?~ ∘ })^S ∘ �û, do teorema temos que ?~ ∘ })^S ∘ �û = ?~ ∘ })^S ∘ ?~ ∘ ~^S). Mas ainda se tem ~ ∘ ~^S = ?~ ∘ �|) ∘ ~^S = ~ ∘?} ∘ }^S) ∘ ~^S, pois, pelo teorema, } ∘ }^S = �|. Dessa forma, ?~ ∘ })^S ∘ ?~ ∘ ~^S) =?~ ∘ })^S ∘ £~ ∘ ?} ∘ }^S) ∘ ~^S¤ = £?~ ∘ })^S ∘ ?~ ∘ })¤ ∘ }^S ∘ ~^S = �{ ∘ }^S ∘ ~^S =}^S ∘ ~^S, onde, novamente, usamos o teorema. Assim, ?~ ∘ })^S = }^S ∘ ~^S.

QED

Corolário 2: Considerando as funções ~: y → ÷, ~�: y → ÷, ℎ: V → ÷, ℎ�: ÷ → y e }: V → y, sendo essa última bijetora, então ~ ∘ } = ~� ∘ } ⇔ ~ = ~� e }^S ∘ ℎ = }^S ∘ ℎ� ⇔ ℎ = ℎ� Demonstração: Basta observar que ~ ∘ } = ~� ∘ } ⇔ ~ ∘ } ∘ }^S = ~� ∘ } ∘}^S ⇔ ~ = ~�, onde usamos o teorema para ter } ∘ }^S = �|. A segunda parte se demonstra analogamente.

QED

Teorema 6.1.5: Se }: V → y é uma função e existem ~: y → V e ℎ: y → V de forma que ~ ∘ } = �{ e } ∘ ℎ = �|, então ~ = ℎ = }^S. Demonstração: Do teorema anterior temos que }^S ∘ } = �{, então ~ ∘ } =}^S ∘ }. Como }^S é definida de Y em X, é possível a composição ?~ ∘ }) ∘ }^S: y → V. Assim, ?~ ∘ }) ∘ }^S = ?}^S ∘ }) ∘ }^S ⇔ ~ ∘ ?} ∘ }^S) = }^S ∘ ?} ∘ }^S) ⇔ ~ ∘ �| =}^S ∘ �| ⇔ ~ = }^S. Analogamente se demonstra que ℎ = }^S. Conclui-se, então, que ~ = ℎ = }^S.

QED

Exercício: 6.1.2: Faça a demonstração de que ℎ = }^S no teorema acima.

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Exemplo 6.1.3: A função }: ℝ → ℝ tal que }?�) = �' + 1 é injetora, pois pode-se ver que, tendo ~: ℝ → ℝ tal que ~?�) = 2� − 2, ?~ ∘ })?�) = ~a}?�)b = ~ ��' + 1� =2 ��' + 1� − 2 = � + 2 − 2 = �. Ou seja, ~ ∘ } = �ℝ. Mas }: ℝ → ℝ também é sobrejetora, pois, com o mesmo ~, temos ?} ∘ ~)?�) = }a~?�)b = }?2� − 2) = '�^'' +1 = � − 1 + 1 = �. Dessa forma, ~: ℝ → ℝ é a função inversa de }: ℝ → ℝ , ou seja, ~ = }^S. Exemplo 6.1.4: Considere a função }: ℝ → ℕ tal que }?�) = · � r� � ∈ ℕ1 r� � ∈ ?ℝ − ℕ). Se considerarmos a função ℎ: ℕ → ℝ tal que ℎ?�) = �, vemos que } ∘ ℎ: ℕ → ℕ é tal que ?} ∘ ℎ)?�) = }aℎ?�)b = }?�) = � = �ℕ, pois ℎ?�) ∈ ℕ. Ou seja, }: ℝ → ℕ é sobrejetora. Teorema 6.1.6: Considerando as funções }: � → . e ~: . → ; e o conjunto s ⊂ �, ~a}?s)b = ?~ ∘ })?s). Demonstração: Com efeito, ~a}?s)b = W� ∈ ;¼� = ~a}?�)b ���� ��~=� � ∈ sX e ?~ ∘ })?s) = � ∈ ;|� = ?~ ∘ })?�) ���� ��~=� � ∈ s�. Como ~a}?�)b = ?~ ∘ })?�), segue o resultado.

QED

6.2 – Morfismos de grupos

Definição 6.2.1: Sejam as estruturas ?�,∗) e ?î,⋆) grupos onde �ý e �þ são os elementos neutros de ?�,∗) e ?î,⋆) respectivamente. Uma função �: � → î é dita ser um morfismo ou homomorfismo de G em H se:

a) �?�ý) = �þ b) �?� ∗ �) = �?�) ⋆ �?�) para todo �, � ∈ �.

Note que, na condição (b), o primeiro produto é o de G e o segundo é o de H. Morfismos de grupos são definidos através dessas propriedades porque elas fazem as propriedades algébricas do grupo G (ao menos as que fazem de G um grupo) serem preservadas através da função �. Com efeito, como veremos abaixo, a imagem de um homomorfismo de G em H é sempre um subgrupo de H.

Exemplo 6.2.1: Considerando os grupos ?ℝ, +) e ?ℝ − 0�,∙), a aplicação �: ℝ → ℝ − 0�, tal que �?�) = 2�, é um homomorfismo de ?ℝ, +) em ?ℝ − 0�,∙). De fato, pois �?0) = 2Ó = 1 e �?� + �) = 2�x� = 2�2� = �?�)�?�). Exercício 6.2.1: Demonstre que a propriedade (b) implica a propriedade (a). Assim, basta demonstrar a propriedade (b) para mostrar que uma aplicação é um homomorfismo. SUGESTÃO: Observe que �?�ý ∗ �ý) = �?�ý) = �?�ý) ⋆ �?�ý). Lema 6.2.1: Sendo �: � → î um homomorfismo de ?�,∗) em ?î,⋆), esse preserva inversa. Ou seja, �?�^S) = �?�)^S.

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Demonstração: Por definição, �?�ý) = �þ, assim, �?� ∗ �^S) = �?�) ⋆�?�^S) = �þ. De forma análoga se tem �?�^S) ⋆ �?�) = �þ. Portanto �?�^S) =�?�)^S. QED

Teorema 6.2.1: Se �: � → î é um homomorfismo de ?�,∗) em ?î,⋆), então ��?�) ⊂ î é um subgrupo de ?î,⋆). Demonstração: (a): A operação é fechada, pois, se �?�),�?�) ∈ ��?�), então �?�) ⋆ �?�) = �?� ∗ �), que pertence a ��?�). (b): Por definição, �?�ý) = �þ ∈ ��?�). (c): Do lema acima temos que �?�^S) = �?�)^S. Portanto, se �?�) ∈ ��?�), então �?�)^S ∈ ��?�).

QED

Exercício 6.2.2: Considere os grupos ?�,∗) e ?î,⋆) e o homomorfismo �: � → î. Mostre que, se ?�,∗) é um grupo Abeliano, então ?��?�),⋆), que é um subgrupo de H, é um grupo Abeliano. Veja que homomorfismos preservam a propriedade Abeliana.

Alguns homomorfismos recebem nomes especiais dependendo de alguma propriedade extra que possuam.

Definição 6.2.2: Sendo ?�,∗) e ?î,⋆) grupos e �: � → î e �: � → � homomorfismos:

a) Se � é injetivo, então esse homomorfismo é dito ser um monomorfismo. b) Se � é sobrejetivo, então esse homomorfismo é dito ser um epimorfismo. c) Se � é uma bijeção, então esse homomorfismo é dito ser um isomorfismo. d) � é chamado de endomorfismo. e) Se � é um isomorfismo, esse é chamado automorfismo.

Dentre as definições acima, a (c), de isomorfismo, merece uma atenção especial. Se existe um isomorfismo de ?�,∗) em ?î,⋆), então existe um isomorfismo de ?î,⋆) em ?�,∗) (isso será mostrado abaixo). Enquanto grupos, a existência de um isomorfismo de ?�,∗) em ?î,⋆) significa que esses são algebricamente idênticos. Isso quer dizer que, para toda propriedade algébrica que o produto ∗ de G tenha, existe uma inteiramente análoga em termos do produto ⋆ de H. Pode-se dizer que, se existe um isomorfismo de ?�,∗) em ?î,⋆), esses grupos são “iguais a menos dos nomes dos elementos”.

Lema 6.2.2: Se ?�,∗) e ?î,⋆) são grupos e �: � → î é um isomorfismo, então �^S: î → � é um isomorfismo. Demonstração: �^S: î → � é uma bijeção porque �: � → î o é. Basta mostrar que �^S: î → � é um homomorfismo. De fato é, pois:

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a) Por definição, �?�ý) = �þ, então �^Sa�?�ý)b = �^S?�þ) ⇔ ?�^S ∘ �)?�ý) =�^S?�þ) ⇔ �ý?�ý) = �^S?�þ) ⇔ �ý = �^S?�þ), onde se usou a definição de função composta e o Teorema 6.1.4.

b) Por definição, �?� ∗ �) = �?�) ⋆ �?�), assim �^Sa�?� ∗ �)b = �^Sa�?�) ⋆�?�)b ⇔ ?�^S ∘ �)?� ∗ �) = �^Sa�?�) ⋆ �?�)b ⇔ �ý?� ∗ �) = �^Sa�?�) ⋆�?�)b ⇔ � ∗ � = �^Sa�?�) ⋆ �?�)b. QED

Por causa desse lema, podemos dizer que, se �: � → î é um isomorfismo, esse é um isomorfismo entre G e H.

Exemplo 6.2.2: A função �:ℤ→ℤ�↦'� é um automorfismo entre o grupo dos inteiros (com operação de soma) e o (sub)grupo dos pares.

Exemplo 6.2.3: Sendo ?�,∗) um grupo e � ∈ �, �R: � → � tal que �R?~) = � ∗~ ∗ �^S é um endomorfismo (verifique!). Definição 6.2.3: Sendo G e H grupos, se existe algum isomorfismo �: � → î, então G e H são ditos isomorfos e simbolizamos isso por � ≅ î. Teorema 6.2.2: A relação de isomorfia é uma relação de equivalência.

Demonstração: (a): Sempre existe um isomorfismo entre o grupo G e ele mesmo, esse é � = �ý. (b): Do lema e da definição acima temos que, se � ≅ î, então î ≅ �. (c): Sendo ?�,∗), ?î,⋆), e ?�,⋄) grupos com � ≅ î e î ≅ �, temos que � ≅ � bastando fazer a composição dos isomorfismos. Com efeito, sendo �: � → î e �: î → � isomorfismos, � ∘ �: � → � é um isomorfismo, pois � ∘ � é uma bijeção pelo fato de � e � o serem e ?� ∘ �)?� ∗ �) = �a�?� ∗ �)b = �a�?�) ⋆ �?�)b = �a�?�)b ⋄�a�?�)b = ?� ∘ �)?�) ⋄ ?� ∘ �)?�).

QED

Na parte (c) da demonstração acima, o fato apresentado, de que a composição de isomorfismos é um isomorfismo, vale, na verdade, para homomorfismos em geral. Ou seja, a composição de homomorfismos é um homomorfismo.

Podemos observar que, se �: � → î é um monomorfismo de ?�,∗) em ?î,⋆), o grupo ?�,∗) é isomorfo a ?��?�),⋆) e podemos interpretar isso como “existe uma “cópia” de ?�,∗) em ?î,⋆)”. Quando isso ocorre dizemos que o grupo G está imerso em H

6.3 – Grupo de permutações

Nas demonstrações dos corolários do Teorema 6.1.4 e do Teorema 6.1.5, podemos observar que manipulamos a composição de funções como se fosse uma

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operação (tal como soma ou multiplicação). De fato podemos pensar a composição de funções como uma operação, mas, como toda operação, devemos definir o conjunto onde ela está definida.

Dado um conjunto não vazio A, uma estrutura importante que pode ser construída de forma que a composição de funções é uma operação é o grupo de permutações de A. Mas, antes de definirmos esse grupo, definamos o que é uma permutação.

Definição 6.3.1: Sendo A um conjunto não vazio, toda função }: � → � bijetora é dita uma permutação em A (ou de A).

Exemplo 6.3.1: Sendo � = 1,2,3�, uma possível permutação em A é a função }: � → � tal que }?1) = 2, }?2) = 3 e }?3) = 1. Vemos, dessa forma, que o nome permutação se justifica, pois uma bijeção de A em A permuta os elementos de A.

Agora, consideremos o conjunto de todas as permutações de A, ou seja, ����?�) = }: � → � | }: � → � é ��i������. A estrutura ?����?�),∘), onde a operação ∘: ����?�)' → ����?�) é a composição de funções, é um grupo. Demonstremos isso. a) Antes de tudo, devemos verificar se a operação ∘: ����?�)' → ����?�)

está bem definida. Ou seja, se ~ ∘ } ∈ ����?�) para quaisquer }, ~ ∈����?�). Com efeito, está bem definida, pois, conforme mostrado na subsecção anterior, a composição de bijeções é uma bijeção.

b) A composição de funções é associativa, como mostrado na subsecção anterior.

c) Como } é definida de A em A, �F ∘ } = } = } ∘ �F, donde temos que �F é o elemento neutro e esse pertence a ����?�), pois funções identidades são sempre bijeções.

d) O fato de }: � → � ser uma bijeção implica que }^S: � → � também é uma bijeção, como bem se sabe, e, assim, }^S ∈ ����?�). Do Teorema 6.1.4, temos que }^S ∘ } = �F = } ∘ }^S. Portanto, }^S é o elemento inverso de }.

Com essas demonstrações concluímos que a estrutura ?����?�),∘) é, de fato, um grupo. O interesse em estudar grupos de permutações reside no fato de que se pode mostrar que todo grupo é um subgrupo de algum grupo de permutações.

Um caso especial de grupo de permutações é quando � = ��Z[S\ = ℕ\. Esse é chamado de grupo de permutações de n elementos e simbolizado por #\. Para simplificar a notação, vamos representar as permutações �: #\ → #\ por matrizes da seguinte forma:

� = ù 1 ⋯ ��?1) ⋯ �?�)ú Na primeira linha estão os números naturais (em ordem crescente) até n e na segunda estão as respectivas imagens dos elementos.

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Exemplo 6.3.2: O grupo #' é o conjunto dado pelas funções (matrizes): �S = �1 21 2� � �' = �1 22 1�

Como se pode ver, �S é a função identidade e �' possui a si próprio como inversa. Para #&, temos as matrizes:

�S = �1 2 31 2 3� = � �' = �1 2 32 1 3� �& = �1 2 33 2 1� �w = �1 2 31 3 2� �¿ = �1 2 32 3 1� �� = �1 2 33 1 2�

Para ver como se realiza a composição dessas funções, vejamos a composição �& ∘ �¿. �& ∘ �¿ = ù1 2 33 2 1ú ∘ ù1 2� 32 3 1ú = ù1 2� 32 1 3ú = �'

Os símbolos sobrescritos destacam o “caminho” da imagem de 2. Vemos que, em �¿, 2 possui imagem 3, mas, em �&, 3 corresponde a 1. Assim, a composição leva 2 a 1.

Exercício 6.3.1: faça as composições �' ∘ �¿, �� ∘ �¿ e �S ∘ �'. Nessa notação, para invertermos uma função, basta inverter as linhas (listas horizontais de números) e reorganizar as colunas (listas verticais de números), como mostrado abaixo:

�� = �1 2 33 1 2� → �� S = �3 1 21 2 3�ÌÍÍÎÍÍÏ�POGR òR� Z\øR�= �1 2 32 3 1�ÌÍÍÎÍÍÏPNOPöR\Z�RçãO

= �¿

Não demonstraremos aqui, mas o grupo de permutações de n elementos possui �?� − 1)?� − 2) ⋯ 1 elementos. Por exemplo, o grupo #& possui 3 ∙ 2 ∙ 1 = 6 elementos, como visto.

6.4 – Grupos diedrais

Grupos diedrais são outros exemplos de estruturas que possuem a composição de funções como operação. Mas, antes de apresentarmos o que são grupos diedrais, faremos uma breve digressão relacionada à definição de distância no plano (que podemos identificar com o plano cartesiano). Isso porque o grupo que será apresentado possui interpretação geométrica.

Considerando os pontos �S = ?�, �) e �' = ?�, �) no plano, a distância entre esses dois pontos é definida por:

�?�S, �') = �?� − �)' + ?� − �)'

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Uma propriedade imediata (e intuitiva) é que, se �S = �', então �?�S, �') = 0 e essa é a única situação em que isso ocorre (em todos os outros casos a distância é positiva). Também se pode ver que �?�S, �') = �?�', �S), que é outra propriedade intuitiva geometricamente.

Temos, ainda, mais uma propriedade (essa não tão evidente), que é: quaisquer que sejam �S, �' e �&, �?�S, �') ≤ �?�S, �&) + �?�', �&). Essa é chamada de desigualdade triangular e, como se pode ver na ilustração abaixo, o nome se justifica. Não a demonstraremos, mas a ilustração dá uma justificativa geométrica.

Observemos que os pontos �S, �' e �& formam um triângulo e bem se sabe que a soma dos comprimentos de dois lados de um triângulo é sempre maior que do terceiro. O caso de igualdade na expressão ocorre quando �S = �& ou �' = �&. Definição 6.4.1: Considerando � ⊂ ℝ', uma aplicação ä: � → � é dita uma simetria de A quando ä é sobrejetora e preserva distâncias. Ou seja, �?�S, �') =�aä?�S), ä?�')b para todo �S, �' ∈ �. Embora não esteja explícito, a função ä é, também, injetora e, portanto, uma bijeção de A em si próprio. Para mostrar isso, suponhamos, por absurdo, que não seja injetora. Para isso ocorrer, devemos ter que exista ä?�S) = ä?�') com �S ≠ �'. Mas se sabe que, se �S ≠ �', então �?�S, �') ≠ 0 e, sendo ä?�S) = ä?�'), �aä?�S), ä?�')b = 0, contrariando a hipótese de que a distância é preservada. O conjunto de todas as simetrias de um conjunto � ⊂ ℝ', chamado de �?�), forma um grupo pela composição de funções. Para efetuarmos a demonstração, observemos que já foi mostrado que o conjunto das bijeções sobre um conjunto é um

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grupo. Então basta mostrar que o conjunto das simetrias é subgrupo do grupo de permutações de A.

a) A função identidade é uma simetria, pois �a�?�S), �?�')b = �?�S, �'). b) Sendo ä uma simetria, a inversa também é, afinal, �?�S, �') =� �äaä^S?�S)b, äaä^S?�')b� = �aä^S?�S), ä^S?�')b. c) Dadas duas simetrias, ä e �, a composição dessas é uma simetria. Com

efeito, �aä ∘ �?�S), ä ∘ �?�')b = � �äa�?�S)b, äa�?�')b� = �a�?�S),�?�')b = �?�S, �'). Observemos que uma simetria é uma transformação (aplicação) que permuta os pontos de uma figura no plano (um subconjunto de ℝ') sem causar “deformações internas” (as distâncias são preservadas). Isso implica que a transformação “transporta” a figura para o caso transformado rigidamente. No caso particular em que � ⊂ ℝ' é um polígono regular de n lados, uma simetria é uma transformação que leva vértices adjacentes em vértices adjacentes. Assim, pode-se tomar o conjunto A como formado apenas pelos vértices do polígono regular, pois o grupo será isomorfo aos grupos em que se tomam todos os pontos dos lados da figura ou incluindo, também, os internos.

Definição 6.4.2: Chamamos de grupo diedral de ordem 2� a estrutura ?�?�),∘) onde A é um polígono regular de n lados. Mais comumente, nesse caso, denotamos �?�) por s\. Exemplo 6.4.1: Consideremos A como sendo um quadrado. Chamemos os vértices de �S, �', �& e �w como na figura abaixo.

Dada uma simetria ä ∈ sw, vamos representá-la por ä = £ä?�S), ä?�'), ä?�&), ä?�w)¤. O conjunto de simetrias é dado, então, por: äS = � = £�S, �', �&, �w¤ ä' = £�', �&, �w, �S¤ ä& = £�&, �w, �S, �'¤ äw = £�w, �S, �', �&¤

ä¿ = £�w, �&, �', �S¤ ä� = £�&, �', �S, �w¤ ä� = £�', �S, �w, �&¤ äU = £�S, �w, �&, �'¤

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Nem todas as permutações são simetrias. Por exemplo, não podemos ter ä = £�w, �', �&, �S¤, pois, ao fazermos isso (inverter o ponto �S com o �w), a distância entre �' e �S muda, afinal, a distância, que era o comprimento do lado, se tornou o comprimento da diagonal. Abaixo estão representadas, geometricamente, três das simetrias.

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Vemos que as simetrias são rotações e reflexões. ä' é uma rotação de �' ��� no sentido anti-horário, ä¿ é uma reflexão em torno do eixo que passa pelos pontos médios dos lados �S�w e �'�& e äU é uma reflexão em torno do eixo que passa pela diagonal �S�&. Poderíamos ter chamados os vértices de 1, 2, 3 e 4 e notado que o grupo apresentado é isomorfo a um subgrupo de #w. De fato é comum tomarmos esse subgrupo como sendo o grupo diedral de ordem oito e dizermos que sw ⊂ #w. Em geral podemos dizer que s\ ⊂ #\. Embora não demonstremos aqui, grupos diedrais possuem 2� elementos (a ordem é dobro do número de vértices) onde � desses são rotações (considerando a identidade como uma rotação de 0 ���) e � são reflexões.

Aqui podemos observar como os grupos se “manifestam”. As transformações feitas sobre o quadrado não mudam ele. O rodam ou refletem, mas sempre mantendo a distância entre os vértices invariante. Grupos estão relacionados a transformações que mantêm algo invariante por essas transformações. Mas, muitas vezes, os grupos não são tão simples quantos os diedrais e nem a invariância está ligada a algo tão visível quanto distância e posição de pontos.

Exercício 6.4.1: Dado um triângulo eqüilátero de vértices �S, �' e �&, construa o grupo diedral de ordem seis. Dê a representação geométrica de cada uma dessas simetrias e monte a tabela de Cayley.

Como exemplo de como a composição dois elementos de sw atuam sobre o quadrado, façamos a composição ä' ∘ ä�:

ä' ∘ ä¿ = £�', �&, �w, �S¤ ∘ £�w, �&, �', �S¤ = £�S, �w, �&, �'¤ = äU O processo é muito semelhante ao feito nos grupos de permutações, mas aqui se omite a primeira linha da matriz. Por exemplo, em ä', �' tem como imagem �& e, em ä¿, �& tem imagem �w, de forma que a composição leva �' a �w. Na ilustração abaixo podemos observar que o quadrado realmente se transformou como refletido e depois rodado.

Exercício 6.4.2: Realize as composições ä� ∘ ä', äw ∘ ä& ∘ ä' e ä¿ ∘ ä& ∘ ä¿. Represente-as geometricamente.

Façamos também a tabela de Cayley do grupo sw.

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Pode-se ver algumas características do grupo a partir dessa tabela. Observemos o subgrupo destacado (quadro em destaque) e comparemos com a tabela do grupo ℤw (feita na subsecção 5.3). Vemos que o subgrupo destacado é isomorfo ao grupo ℤw (basta fazer a correspondência ä\ ↦ ?� − 1)). Ou seja, ℤw está imerso em sw. Em geral se pode ter que ℤ\ está imerso em s\. Além disso, pode-se ver que o subgrupo destacado é o das rotações. Podemos ver ainda que a composição reflexões resulta numa rotação, a composição de uma rotação com uma reflexão (ou vice-versa) é uma reflexão e que reflexões são suas próprias inversas.

Exercícios II – 6 1 – Chama-se monóide a estrutura ?�,∗) com � não vazio tal que a operação binária ∗ seja associativa e possua elemento neutro. Sendo �F o conjunto de todas as funções de � em � (não apenas bijeções), a estrutura ?�F,∘) é um monóide (verifique). Mostre que, se � não é unitário, ∘ não é comutativa. A estrutura ?�F,∘) é chamada de monóide das transformações de �. 2 – Mostre que, sendo }: � → . uma função bijetora, }^S ∘ ~ ∘ }: � → � é injetora se, e somente se, ~: . → . é injetora. Enuncie e demonstre uma afirmação análoga para }^S ∘ ~ ∘ }: � → � sobrejetora. 3 – Seja ?�,∘) de tal forma que ∘ é a composição de funções e � = W}R,� ∈ ℝℝ¼�, � ∈ ℝ ��� � ≠ 0X, onde ´�,�:ℝ→ℝ�↦R�x� . Mostre que ?�,∘) é um grupo. 4 – Sendo ?�,∗) e ?î,⋆) grupos, mostre que a estrutura ?� × î,⋅) tal que ?~, ℎ) ⋅ ?~′, ℎ′) = ?~ ∗ ~′, ℎ ⋆ ℎ′) é um grupo. Essa estrutura, comumente denotada por �⊕ î, é chamada de soma direta ou produto direto dos grupos � e î. 5 – No exercício acima, mostre que �⊕î é isomorfo a î⊕ �. 6 – Pode-se fazer uma generalização da noção de produto direto entre grupos. Tendo uma família não vazia de grupos (com operações não necessariamente iguais) ?�È,∗)�È∈Ê, definimos o produto direto desses grupo pela

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estrutura ?∏ �ÈÈ∈Ê ,⋅) tal que ?~È)È∈Ê ⋅ ?ℎÈ)È∈Ê = ~� ⋅ ℎ = ?~È ∗ ℎÈ)È∈Ê, onde ?~È)È∈Ê, ?ℎÈ)È∈Ê ∈ ∏ �ÈÈ∈Ê e se usou ?~È)È∈Ê = ~� e ?ℎÈ)È∈Ê = ℎ. Mostre que essa estrutura é um grupo.

7 – No exercício acima, mostre que o conjunto de todos os ?~È)È∈Ê tais que apenas um número finito de coordenadas é diferente da identidade forma um subgrupo de ?∏ �ÈÈ∈Ê ,⋅). Esse subgrupo é chamado de soma direta dos grupos ?�È,∗) e é denotado por ⊕È∈Ê �È. Observe que, se existirem finitos grupos no produto cartesiano ∏ �ÈÈ∈Ê , a soma direta coincide com o produto direto. SUGESTÃO: O fecho do produto é obtido observando que, se ?~È)È∈Ê e ?ℎÈ)È∈Ê possuem um número finito de coordenadas diferentes da identidade, ?~È)È∈Ê ⋅ ?ℎÈ)È∈Ê também possuirá um número finito de coordenadas diferentes da identidade (isso deve ser mostrado).

8 – Obtenha a tabela de Cayley do grupo #' ⊕ #'. 9 – Sendo �: � → î um homomorfismo do grupo ?�,∗) em ?î,⋆), mostre que o conjunto �?�) = ~ ∈ �|�?~) = �þ� forma um subgrupo de �. O conjunto �?�) é chamado de núcleo do homomorfismo �. 10 – No exercício anterior, mostre que �?�) = �ý� se, e somente se, � é injetivo (um monomorfismo). Veja que, se �?�) = �ý� e ��?�) = î, então � é um isomorfismo.

11 – Considerando os grupos ?ℤw,⊕) e ℤw ⊕ ℤw, mostre que a função �:ℤ�×ℤ�→ℤ�?�,�)↦?�⊕�) é um homomorfismo e obtenha o núcleo (�?�)) desse. Generalize para ?ℤ\,⊕) e ?ℤ, +). 12 – Mostre que �:ý→ý�↦�Âà é um homomorfismo se, e somente se, ?�,∗) é Abeliano.

13 – Seja #& o grupo de permutação de três elementos. Obtenha as imagens de ��µ: #& → #& tal que ��µ?�) = �' ∘ � ∘ �' S e ���: #& → #& tal que ���?�) = �& ∘ � ∘�& S. 14 – Dado o grupo de permutações #\ e um elemento fixo � ∈ ℕ\, mostre que o conjunto de todas as permutações tais que �?�) = � forma um subgrupo de #\. 15 – Sendo s\ e sQ grupos diedrais com � > � e gQ o conjunto dos vértices do polígono regular referente ao grupo sQ, mostre que demonstrar que s\ está imerso em sQ é equivalente a encontrar um subconjunto de � vértices em gQ que forme um polígono regular.

16 – Sendo s& e s� os grupos diedrais de ordem 6 e 12, demonstre que s& está imerso em s�. Explicite o subgrupo isomorfo a s&. SUGESTÃO: Use a interpretação geométrica das transformações.

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Capítulo III – Conjuntos Numéricos

Começaremos agora o estudo de alguns conjuntos numéricos (dos naturais, inteiros, racionais e reais). Construiremos os conjuntos e exporemos suas propriedades básicas. Também iremos tratar, de forma precisa, das características de conjuntos finitos e infinitos, com uma breve introdução à aritmética de cardinais.

1 – Conjunto dos Naturais

A idéia de números naturais está ligada com a de contar elementos de um conjunto, e essa é uma motivação para defini-los. Mas trataremos dessa relação na secção seguinte. Nessa secção vamos, a partir de axiomas e definições, obter as principais propriedades dos números naturais.

1.1 – Axiomas de Peano

Os axiomas apresentados abaixo, chamados de Axiomas de Peano, são as três propriedades básicas que definem os números naturais.

Axioma 1.1.1: Existe uma função injetiva r: ℕ → ℕ. A imagem r?�) é chamada de sucessor de �. Axioma 1.1.2: Existe um único número natural, 1 ∈ ℕ, tal que r?�) ≠1 ∀ � ∈ ℕ. Axioma 1.1.3: Se um conjunto V ⊂ ℕ é tal que 1 ∈ V e r?V) ⊂ V, ou seja, � ∈ V ⇒ r?�) ∈ V, então V = ℕ. Expliquemos brevemente os axiomas. O primeiro axioma define uma função, mas, além disso, afirma a existência dessa função e, portanto, afirma a existência do conjunto dos naturais (ℕ). Já o segundo diz que existe um (único) número natural que não é sucessor de nenhum outro número natural (intuitivamente, podemos pensar esse número como o primeiro número natural). Esse axioma afirma, claro, que o conjunto dos naturais não é vazio, mas, mais que isso, como veremos mais adiante, garante que o conjunto dos naturais é infinito. O terceiro axioma, chamado de Princípio da Indução, dá a base para um método de demonstração chamado método de indução. Esse método consiste na seguinte afirmativa: “se uma propriedade P vale para o número 1 e, ao supor* que P valha para n, obtemos que P vale para r?�), então a propriedade P vale para todo � ∈ ℕ”. Um exemplo de demonstração por esse método segue no teorema abaixo.

Observação: A suposição referida no destaque feito por * é chamada de hipótese indutiva. Veja que o que se deve mostrar é que a implicação ?� ���� ���� �) ⇒ a� ���� ���� r?�)b é verdadeira e, dessa forma, usar a hipótese “� vale para n” na demonstração da validade para r?�) é lícito.

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Teorema 1.1.1: ∀ � ∈ ℕ tem-se r?�) ≠ �. Demonstração: Pelo Axioma 1.1.2, já temos que a afirmação vale para 1, ou seja, r?1) ≠ 1. Supondo que valha para n, isto é, r?�) ≠ �, temos que rar?�)b ≠r?�), afinal a função é injetiva e, se tivéssemos rar?�)b = r?�), teríamos r?�) = �, contrariando a hipótese indutiva.

QED

Observação 1: Na demonstração acima, sendo mais preciosistas, deveríamos ter definido um subconjunto V ⊂ ℕ tal que V = � ∈ ℕ|r?�) ≠ �� e seguir a demonstração mostrando que 1 ∈ V e que � ∈ V ⇒ r?�) ∈ V, mas esse detalhe foi omitido e muitas vezes se fará isso. No entanto, existem casos em que é útil fazer a demonstração considerando esse detalhe.

Observação 2: Muitos são tentados a se convencerem de alguma suposta propriedade dos números naturais através de exemplos. Ou seja, mostrando a validade para casos particulares. Mas lembremos que os naturais são infinitos e, por mais que mostremos que uma propriedade vale para muitos naturais, sempre existirá uma infinidade deles para os quais não se pode garantir que valha. “Coincidências” podem servir de motivação para conjecturar que alguma propriedade valha para todos os naturais, mas devemos mostrar tal validade e o princípio da indução é o que nos permite, muitas vezes, realizar a demonstração. Um exemplo de porque não devemos ceder à tentação é a função, definida nos naturais, }?�) = �' + � + 41, que, com paciência, podemos verificar que gera números primos até � = 39, mas falha em gerar um número primo para � = 40, pois }?40) = 40' + 40 + 41 = 40?40 + 1) + 41 = 40 ⋅ 41 + 41 = ?40 + 1) ⋅ 41 = 41'. O terceiro axioma (Princípio da Indução) merece explicações extras devido a suas sutilezas. Na hipótese indutiva, � deve ser “livre” no sentido de que não exista alguma condição que o impeça de ser determinados valores naturais (não se pode impor uma condição que obrigue � ≠ 5 por exemplo). Sendo assim, na hipótese indutiva se está supondo para um � em particular, mas, como � pode ser qualquer natural, de certa forma se está supondo para todos os naturais. Isso parece contraditório diante do fato de termos de provar para r?�) logo em seguida, mas a demonstração importante nessa parte do processo é a da implicação (mostrar que ?� ���� ���� �) ⇒ a� ���� ���� r?�)b). Junto à primeira parte do processo, mostrar para � = 1, podemos observar a intuição por trás do axioma. Mostrando para uma propriedade para � = 1 e a implicação da indução, temos que a afirmação vale para r?1), mas r?1) é um número natural e, assim, também temos que vale para rar?1)b e assim por diante percorrendo todos os naturais. Ou seja, em essência, o Princípio da Indução consiste em afirmar que todo número natural pode ser obtido através de diversas aplicações da função sucessor sobre o número 1 (tornando possível percorrer os naturais por sucessões a partir do 1). Isso nos leva a perguntar se o axioma não é dispensável já que os dois primeiros nos garantem que só o número 1 não é sucessor de outro natural e a função é injetora. Não seria estranho conjecturar que qualquer número natural pode ser obtido aplicando a função

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sucessor diversas vezes sobre o número 1 apenas com os dois primeiros axiomas. No entanto, foi necessária a indução para mostrar o Teorema 1.1.1 (veja Exercício 1.1.1), que garante que r?�) ≠ �. Sem esse teorema, nada garante que, em algum momento r?�) = � e, assim, não se conseguiria percorrer todos os naturais por sucessões a partir do 1. Ou seja, o Princípio da Indução não pode ser obtido a partir dos outros dois axiomas.

Exercício 1.1.1: Encontre um conjunto onde valham os dois primeiros

axiomas, mas não valha o Teorema 1.1.1.

Exercício 1.1.2: Encontre um conjunto onde valham os dois primeiros axiomas, o Teorema 1.1.1, mas não valha o Princípio da Indução. SUGESTÃO: Use os naturais mais um “apêndice” consistente com os dois primeiros axiomas e o teorema.

1.2 – Soma e produto de números naturais

Definição 1.2.1: A operação +: ℕ' → ℕ, tal que: a) � + 1 = r?�) b) � + r?�) = r?� + �), sempre que � + � está definida,

é chamada de soma.

Definição 1.2.2: A operação ⋅: ℕ' → ℕ, tal que: a) � ⋅ 1 = � b) � ⋅ r?�) = � ⋅ � + �, sempre que � ⋅ � está definido,

é chamada de produto.

Observação 1: Como definimos acima que r?�) = � + 1, no método de indução a condição “� ∈ V ⇒ r?�) ∈ V” pode ser reescrita como “� ∈ V ⇒ � + 1 ∈ V”. Observação 2: Podemos omitir o símbolo do produto e escrever � ⋅ � = ��. Exercício 1.2.1: Demonstre que � + � ≠ � ∀ �, � ∈ ℕ.

Não demonstraremos aqui, mas essas operações são consistentes com os axiomas e são únicas (isto é, as propriedades apresentadas são suficientes para definir as operações). Como ilustração de como obtemos a soma entre dois números naturais, façamos a soma 2 + 3:

r?1) ≔ 2 2 + 1 = r?2) ≔ 3 2 + 2 = r?2 + 1) = r?3) ≔ 4 2 + 3 = r?2 + 2) = r?4) ≔ 5 Agora demonstraremos algumas propriedades básicas dessas operações. Devemos ficar atentos a quais propriedades já foram demonstradas, pois, muitas vezes, usaremos teoremas já demonstrados sem aviso.

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Teorema 1.2.1 (associatividade da soma): � + ?� + �) = ?� + �) +� ∀ �, �, � ∈ ℕ. Demonstração: Fixemos � e � arbitrários. Vamos mostrar a propriedade por indução sobre �. Para � = 1 é verdade, pois � + ?� + 1) = � + r?�) = r?� + �) = ?� + �) + 1. Supondo que valha para � = �, ou seja, � + ?� + �) = ?� + �) + �, temos que vale para � = � + 1, afinal, � + a� + ?� + 1)b = � + a� + r?�)b = � + ar?� + �)b =ra� + ?� + �)b = ra?� + �) + �b ∗= ?� + �) + r?�) = ?� + �) + ?� + 1).

QED

Observação: Na passagem destacada com *, parece que usamos o que queremos demonstrar para chegar à nossa conclusão, mas veja que o que usamos foi a hipótese indutiva, o que é lícito.

Lema 1.2.1: � + 1 = 1 + � ∀ � ∈ ℕ. Demonstração: Para � = 1 vale claramente, pois 1 + 1 = 1 + 1. Supondo para � = �, ou seja, � + 1 = 1 + �, então vale para � = � + 1, afinal, ?� + 1) + 1 =r?�) + 1 = r?� + 1) = r?1 + �) = 1 + r?�) = 1 + ?� + 1).

QED

Exercício 1.2.2: Mostre que 1 ⋅ � = � ∀ � ∈ ℕ.

Teorema 1.2.2: (comutatividade da soma): � + � = � + � ∀ �, � ∈ ℕ. Demonstração: Fixemos um n arbitrário e façamos a indução sobre m. O teorema é válido para � = 1, pois � + 1 = 1 + � pelo Lema 1.2.1. Supondo para � = �, isto é, � + � = � + �, temos que vale para � = � + 1, já que � + ?� + 1) = � +r?�) = r?� + �) = r?� + �) = � + ?� + 1) = � + ?1 + �) = ?� + 1) + �. Nas últimas duas passagens, usamos o Lema 1.2.1 e a associatividade respectivamente.

QED

Teorema 1.2.3 (associatividade do produto): � ⋅ ?� ⋅ �) = ?� ⋅ �) ⋅� ∀ �, �, � ∈ ℕ. Teorema 1.2.4 (comutatividade do produto): � ⋅ � = � ⋅ � ∀ �, � ∈ ℕ. Exercício 1.2.3: Demonstre os dois últimos teoremas.

Teorema 1.2.5 (distributividade): � ⋅ ?� + �) = � ⋅ � + � ⋅ � ∀ �, �, � ∈ ℕ. Demonstração: Tomemos � e � arbitrários e prossigamos por indução sobre �. A afirmação vale para � = 1, pois � ⋅ ?� + 1) = � ⋅ r?�) = � ⋅ � + � por definição. Supondo para � = �, ou seja, � ⋅ ?� + �) = � ⋅ � + � ⋅ �, obtemos que vale para � = � + 1, pois � ⋅ a� + ?� + 1)b = � ⋅ a� + r?�)b = � ⋅ r?� + �) = � ⋅ ?� + �) +� = ?� ⋅ � + � ⋅ �) + � = � ⋅ � + ?� ⋅ � + �) = � ⋅ � + � ⋅ ?� + 1).

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QED

Teorema 1.2.6 (leis de corte): ∀ �, �, � ∈ ℕ valem que: a) ?� + � = � + �) ⇔ ?� = �) b) ?�� = ��) ⇔ ?� = �)

Demonstração: (a): Considerando � e � fixos e fazendo a indução sobre �, temos que a propriedade vale para � = 1, pois � + 1 = � + 1 ⇔ r?�) = r?�) ⇔ � =�, já que r: ℕ → ℕ é injetora. Supondo que valha para � = �, ou seja, ?� + � = � +�) ⇔ ?� = �), obtemos que vale para � = � + 1, afinal, � + ?� + 1) = � + ?� + 1) ⇔� + r?�) = � + r?�) ⇔ r?� + �) = r?� + �) ⇔ � + � = � + �, que, pela hipótese indutiva, é equivalente a � = �.

QED

Exercício 1.2.4: Faça a demonstração da parte (b) do teorema acima.

Exercício 1.2.5: Caso tenha dúvida em algum teorema demonstrado, identifique as propriedades (definições e teoremas) usadas em cada passo da demonstração.

O que foi feito até agora (e esse é o objetivo desse capítulo) foi uma formalização de propriedades operacionais que nos são comuns desde a infância. Observamos que, do ponto de vista formal, as propriedades não são tão evidentes.

Observação: “Mas e o zero?” Muitos aprendem os naturais com o zero incluído. A opção tomada aqui, de não incluí-lo, foi devida a “gosto” e algumas facilidades em termos de demonstrações e definições. Axiomaticamente, o conjunto ℕ com o zero incluído, ou não, permanece o mesmo, pois a única mudança nos axiomas é a troca do símbolo “1” pelo “0”, que é uma mera questão de notação. A mudança está na estrutura formada sobre ℕ, onde o zero faz o papel de elemento neutro da soma e nulo do produto, ou seja, a soma e produto são definidos de forma diferente.

1.3 – Relação de ordem em ℕ Tendo à disposição as propriedades da adição, podemos definir uma relação de ordem em ℕ através da definição abaixo. Definição 1.3.1: Dizemos que � é menor que � e denotamos por � < � quando existe � ∈ ℕ tal que � + � = �. Dizemos que � é maior que � e denotamos � > � quando � < �. Muitas vezes também é útil termos à disposição as relações � ≤ � (lê-se “n é menor ou igual a m”) e � ≥ � (“n é maior ou igual a m”), que significam, respectivamente, “� < � �= � = �” e “� > � �= � = �”. Teorema 1.3.1: O número 1 é o menor número natural. Ou seja, � = 1 ou � > 1 ∀ � ∈ ℕ.

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Demonstração: A propriedade claramente vale para � = 1, pois 1 = 1. Se � ≠ 1, temos, pelo Axioma 1.1.2 (1 é o único natural que não é sucessor de outro), que existe � ∈ ℕ tal que � = r?�) = � + 1 e, portanto, � > 1.

QED

Teorema 1.3.2 (transitividade da ordem): Se �, �, � ∈ ℕ são tais que � > � e � > �, então � > �. Demonstração: Sabendo que � > � ⇔ � = � + �S e � > � ⇔ � = � + �', temos � = ?� + �S) + �' = � + ?�S + �') = � + �& ⇔ � > �, onde �& = �S + �'.

QED

Teorema 1.3.3 (monotonicidade da ordem): � > � ⇔ � + � > � + � e � > � ⇔ � ⋅ � > � ⋅ �. Exercício 1.3.1: Demonstre o teorema acima.

Exercício 1.3.2: Demonstre que, se � > � e � > ©, então � + � > � + © e � ⋅ � > � ⋅ ©. SUGESTÃO: Use os dois últimos teoremas.

Teorema 1.3.4 (tricotomia): Dados �, � ∈ ℕ quaisquer, vale uma, e apenas uma, das afirmações: � > �, � > � e � = �. Demonstração: Primeiro mostremos que só pode valer uma dessas afirmativas. Ou seja, ao ser uma verdadeira, as restantes não podem ser.

a) ?� > � � � > �): Se � > �, então � = � + �S para algum �S ∈ ℕ. Isso já exclui a possibilidade de � = � (Exercício 1.2.1). Supondo, por absurdo que também vale � > �, temos que � = � + �' e, assim, � = ?� + �S) + �' = � +?�S + �') ⇔ � > �, que é um absurdo. Bastando inverter � e � se consegue a demonstração para � > �.

b) ?� = �): Se � = �, não se pode ter � > � nem � > �, pois implicariam, respectivamente, que � = � + �S e � = � + �'.

Agora mostremos que para todo �, � ∈ ℕ alguma dessas propriedades deve ser satisfeita. Sendo � um natural arbitrário fixo, consideremos o conjunto VQ = � ∈ ℕ|� = � �= � > � �= � > ��. Vamos mostrar, por indução sobre n, que VQ = ℕ. Temos que 1 ∈ VQ pelo Teorema 1.3.1. Supondo que � ∈ VQ, vamos ter que � + 1 ∈ VQ. Mas, para prosseguir a demonstração (provar que � ∈ VQ ⇒ � + 1 ∈VQ), devemos separar nos casos � < �, � > � e � = �.

a) (� < �): Nesse caso, existe � ∈ ℕ de forma que � = � + �. Caso � = 1, � = � + 1 e, assim, � + 1 ∈ VQ. Mas, se � ≠ 1, observemos que existe © ∈ ℕ tal que � = r?©) = © + 1, ou seja, � = � + � = � + ?© + 1) = ?� + 1) + ©, que é o mesmo que � > � + 1. Logo � + 1 ∈ VQ também nesse caso.

b) (� > �): Vemos, nesse caso, que � = � + � para algum � ∈ ℕ. Obtendo o sucessor de ambos os membros, temos � + 1 = ?� + �) + 1 = � + ?� + 1) e, dessa forma, concluímos que � + 1 > �, que implica � + 1 ∈ VQ

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c) (� = �): Basta observar que � + 1 = � + 1. Assim, como se pode ver, � + 1 > �, mostrando que � + 1 ∈ VQ. Mostramos, portanto, que VQ = ℕ.

QED

Observação: Veja que, tomando como relação de ordem a dada por “≥”, a transitividade continua valendo e, junto à tricotomia, faz dessa relação de ordem uma ordem total. Pode-se dizer que ℕ é totalmente ordenado por >, pois, para que se encaixe precisamente na definição que damos para relação de ordem total, basta acrescentar os pares ?�, �) ∈ ℕ' tais que � = �. Para demonstrar o Teorema 1.3.7, que é um dos resultados mais importantes da relação de ordem, vamos usar uma nova formulação da indução, dada abaixo.

Teorema 1.3.5 (Indução Completa): Se V ⊂ ℕ, 1 ∈ V e £?1,2, ⋯ , �� ⊂ V) ⇒?� + 1 ∈ V)¤, então V = ℕ. Demonstração: Seja o conjunto V ⊂ ℕ tal que 1 ∈ V e £?1,2, ⋯ , �� ⊂ V) ⇒?� + 1 ∈ V)¤. Consideremos também o conjunto y ⊂ ℕ definido por y = � ∈ ℕ|1,2, ⋯ , �� ⊂ V�. Observemos que y ⊂ V. Mostraremos que y = ℕ e, portanto, que V = ℕ. 1 ∈ y, pois 1� ⊂ V é equivalente a 1 ∈ V, que é verdade por hipótese. Supondo que � ∈ y, ou seja, 1,2, ⋯ ,�� ⊂ V, temos que � + 1 ∈ y, pois, pela hipótese indutiva e a propriedade do conjunto V, temos que � + 1 ∈ V e, assim, 1,2, ⋯ ,�,� +1� ⊂ V. Logo, y = ℕ e, por seguinte, V = ℕ.

QED

Na demonstração do teorema acima, usamos um fato que ainda não foi demonstrado: não existe número natural entre � e � + 1. A demonstração fica como exercício.

Exercício 1.3.3: Sendo � um natural e � + 1 seu sucessor, mostre que não existe número natural � tal que � < � < � + 1. SUGESTÃO: Não é necessário usar indução.

Pode-se ter, ainda, mais uma generalização da indução, como mostrado abaixo.

Teorema 1.3.6: Se V ⊂ ℕ, �Ó ∈ V e, para todo � > �Ó tal que � ∈ V, se tem � + 1 ∈ V, então V = ℕ − 1, ⋯ , �Ó − 1�. Demonstração: Consideremos o conjunto y = 1 ⋯ , �Ó − 1� ∪ V. Tem-se que 1 ∈ y e, se � ∈ y, então � + 1 ∈ y (seja porque � ∈ ?y − V = 1 ⋯ , �Ó − 1�) ou porque � ∈ V, donde � + 1 ∈ y pela propriedade do conjunto V). Logo, y = ℕ e V = y −1 ⋯ , �Ó − 1� = ℕ − 1 ⋯ , �Ó − 1�.

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QED

Observação: Embora não seja possível definir uma operação de subtração entre naturais, chamaremos � − � o número natural tal que ?� − �) + � = �. Veja que devemos ter � < � para que � − � seja natural. Exemplo 1.3.1: O número de diagonais de um polígono convexo de � vértices é �\ = \?\^&)' . Façamos a demonstração desse teorema da geometria por indução. O resultado é válido para � = 3 (triângulo), pois &?&^&)' = 0 e se sabe que o triângulo não possui diagonais. Supondo que valha para � = �, mostremos que vale para � = � + 1. Tendo um polígono convexo de � vértices, ao acrescentar um novo vértice, todas as diagonais do polígono anterior continuam a ser diagonais do novo e um dos lados se torna uma diagonal (afinal, o novo vértice aparece entre dois já existentes e o seguimento de reta que liga esses dois já existentes se torna uma diagonal). Além disso, se formam mais � − 2 diagonais, que são os seguimentos de reta que ligam o novo vértice a cada vértice não adjacente (isto é, não vizinho). Assim, esse novo polígono possuirá um número de diagonais igual a ��xS = �� + 1 +� − 2 = �?�^&)' + � − 1 = �?�^&)x'�^'' = �µx'�xSIJJKJJL�?�ÒÃ)µ ^&�^&' = ?�xS)µ^&?�xS)' = ?�xS)a?�xS)^&b' ,

mostrando o resultado. Abaixo está ilustrada a passagem de um quadrilátero para um pentágono.

Observação 1: No exemplo acima usamos um pouco de liberdade sem nos prender só ao que temos formalmente estabelecido até o momento.

Observação 2: Chamasse polígono convexo o que, em cada vértice, tem o ângulo interno inferior a � ���. Definição 1.3.2 (mínimo e máximo): Diz-se que � é o elemento mínimo (ou menor elemento) de um conjunto V e denotamos por � = minV, quando � ∈ V e, ∀ � ∈ V, � ≥ � (≥ é uma relação de ordem total). De forma análoga, diz-se que � é o elemento máximo (ou maior elemento) de um conjunto V e denotamos por � =maxV, quando � ∈ V e, ∀ � ∈ V, � ≤ �. Exemplo 1.3.2: Considerando o conjunto 1,3,6,7,9�, temos que min1,3,6,7,9� = 1 e max1,3,6,7,9� = 9. Definição 1.3.3 (boa ordem): Um conjunto V é dito bem ordenado quando todo subconjunto não vazio de V possui menor elemento. Em símbolos, ∀ y ∈?�?V) − ∅�), ∃ � ∈ y|� = miny, onde �?V) é o conjunto das partes de V.

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Observação: As duas últimas definições não se restringem apenas aos naturais.

Pode-se ver que, se um conjunto possui elemento mínimo (máximo), ele é único. Com efeito, se � e � são mínimos (máximos) de um conjunto V, então � ≤ � (� ≥ �), pelo fato de � ser um mínimo (máximo), e � ≤ � (� ≥ �), pelo fato de � ser um mínimo (máximo). Logo � = �. Exercício 1.3.4: Mostre que ℕ não possui elemento máximo.

Lembrando do Teorema 4.5.1 – I (Teorema do Bom Ordenamento), esse, como foi alertado lá, afirma que todo conjunto pode ser bem ordenado por alguma relação de ordem. Embora tenhamos usado esse teorema como motivação para encontrar uma relação de ordem total em ℕ', nem sempre é possível explicitar a relação de ordem que faz do conjunto bem ordenado e tal fato se justifica: o Teorema do Bom Ordenamento é equivalente ao Axioma da Escolha. Bem se viu que o Axioma da Escolha garante a existência de certas funções (funções escolha), mas nem sempre é possível explicitá-las. Então não é espantoso que essa característica, a de garantir a existência embora, muitas vezes, haja a impossibilidade de mostrar explicitamente, se mantenha no Teorema do Bom Ordenamento. Como veremos abaixo, no conjunto dos naturais é possível explicitar a ordem que o faz bem ordenado e essa é a ordem que definimos.

Definição 1.3.4: Dado V ⊂ ℕ, esse é dito limitado se existe � ∈ ℕ de forma que, ∀ � ∈ V, � ≤ �. Teorema 1.3.7 (Princípio da Boa Ordem): ℕ é bem ordenado. Demonstração: Consideremos a existência de um conjunto y ⊂ ℕ que não possui menor elemento. Mostraremos que esse só pode ser o conjunto vazio. Sendo V = ℕ − y, 1 ∈ V, pois é o menor número natural e, assim, não pode pertencer a y. Suponhamos que 1,2, ⋯ , �� ⊂ V, então temos que � + 1 ∈ V, pois, se tivéssemos � + 1 ∈ y, esse seria o menor elemento de y. Pelo Teorema 1.3.5, V = ℕ e, portanto, y = ∅.

QED

Exercício 1.3.5: Considerando V ⊂ ℕ limitado, mostre que esse possui elemento máximo.

1.4 – Potência de números naturais

Com as operações de soma e produto definidas, pode-se definir a potência de números naturais.

Definição 1.4.1: Sendo �, � ∈ ℕ definimos: a) �S = � b) �\xS = �\ ∙ � sempre que �\ está bem definido.

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Exemplo 1.4.1: Como exemplo de como obter potências de naturais, encontremos �&. Através da definição, temos �S = �, �' = �SxS = �S ∙ � = � ∙ � e �& = �'xS = �' ∙ � = � ∙ � ∙ �. Teorema 1.4.1: 1\ = 1 ∀ � ∈ ℕ. Demonstração: Demonstremos por indução sobre n. Para � = 1, 1S = 1 por definição. Supondo que valha para � = �, ou seja, 1� = 1, temos que 1�xS = 1� ∙ 1 =1 ∙ 1 = 1, mostrando que vale para � = � + 1 e, por seguinte, ∀ � ∈ ℕ.

QED

Teorema 1.4.2: ∀ �, �, �, � ∈ ℕ valem: a) �Qx\ = �Q ∙ �\ b) �Q∙\ = ?�Q)\ = ?�\)Q c) ?� ∙ �)\ = �\ ∙ �\

Demonstração: (a): Sendo � um natural arbitrário, demonstraremos a propriedade por indução sobre �. Para � = 1 temos �QxS = �Q ∙ � = �Q ⋅ �S por definição. Supondo para � = �, isto é, �Qx� = �Q ∙ ��, temos que vale para � = � +1, pois �Qx?�xS) = �?Qx�)xS = �Qx� ∙ � = �Q ∙ �� ∙ � = �Q ∙ ��xS, completando a demonstração.

(b): Novamente tomaremos � arbitrários e prosseguiremos por indução sobre �. Para � = 1 temos �Q∙S = �Q = ?�Q)S = ?�S)Q pela definição. Observemos que basta mostrar que �Q\ = ?�Q)\, pois a segunda igualdade é imediata pela comutatividade do produto. Supondo para � = �, ou seja, �Q� = ?�Q)�, temos �Q?�xS) = �Q�xQ = �Q��Q = ?�Q)�?�Q)S = ?�Q)�xS, onde usamos a parte (a) do teorema, demonstrada acima.

(c): ?��)S = �� = �S�S, mostrando que a propriedade vale para � = 1. Supondo que valha para � = �, ou seja, ?��)� = ����, vemos que vale para � = � +1, afinal, ?��)�xS = ?��)�?��)S = ������ = ������ = ��xS��xS. Isso completa a demonstração.

QED

Exemplo 1.4.1: 2\ > 2� + 1 para todo � ≥ 3. Para � = 3 temos 2& = 8 > 7 =2 ⋅ 3 + 1. Supondo para � = �, isto é, 2� > 2� + 1, temos que vale para � = � + 1, afinal, sendo � ≥ 3, 2� > 2� + 1, por hipótese, e 2� > 2, temos 2�xS = 2� ⋅ 2 = 2� +2� > 2� + 1 + 2 = 2?� + 1) + 1 (isso porque, lembrando do Teorema 1.3.3, se � > � e � > ©, então � + � > � + ©). Exercício 1.4.1: Mostre que, para todo � ≥ 4, temos 2\ ≥ �'. SUGESTÃO: Use o resultado do exemplo acima.

Exercício 1.4.2: Demonstre que 2\ > � ∀ � ∈ ℕ.

1.5 – Somatório e produtório

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Para um tratamento mais geral (embora não o mais geral possível) dos operadores que serão apresentados, consideraremos uma estrutura qualquer ?�, +,∙) com as seguintes propriedades:

a) A operação + (soma) é comutativa e associativa. b) A operação ∙ (produto) é comutativa, associativa, distributiva em relação à

soma e possui unidade (elemento, chamado de “1”, tal que 1 ⋅ � = � ∀ � ∈ �). Definição 1.5.1 (somatório): Sendo . ⊂ � uma família de elementos tal que . = �Z�Z[S\ , ou seja, indexado pelos � primeiros números naturais, definimos o operador somatório desses elementos por:

a) ∑ �ZSZ[S = �S b) ∑ �Z\Z[S = ∑ �Z\^SZ[S + �\ sempre que ∑ �Z\^SZ[S está definido.

Como exemplo, obtemos o somatório dos elementos do conjunto . = �Z�Z[S& :

& �ZS

Z[S = �S

& �Z'

Z[S = & �ZS

Z[S + �' = �S + �'

& �Z&

Z[S = & �Z'

Z[S + �& = �S + �' + �& Observação: Pode-se ver que, ao mudarmos o índice "�" por qualquer outro, por exemplo, "i", o somatório não se altera, ou seja, ∑ �Z\Z[S = ∑ �h\h[S . Diz-se que os índices são mudos.

Teorema 1.5.1: ∑ �Z\Z[S = �S + ⋯ + �\ ∀ � ∈ ℕ. Demonstração: Demonstremos por indução sobre n. Para � = 1 é verdade por definição. Supondo que seja verdade para � = �, ou seja, ∑ �Z�Z[S = �S + ⋯ + �� , temos que é verdade para � = � + 1, afinal, ∑ �Z�xSZ[S = ∑ �Z�Z[S + ��xS = �S + ⋯ + �� +��xS.

QED

Corolário: O somatório não depende de uma particular indexação de �Z�Z[S\ .

Demonstração: Sendo ∑ �Z\Z[S = �S + ⋯ + �\ a soma por uma indexação, consideremos outra indexação tal que ∑ �Z�\Z[S = �S� + ⋯ + �\� . Pela associatividade e comutatividade da soma, a soma �S + ⋯ + �\ deve ser igual à �S� + ⋯ + �\� , mostrando que não depende da indexação.

QED

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O teorema apresentado é a motivação para se definir o somatório, e justifica seu nome. Como veremos, a vantagem da notação de somatório vai além de ser uma notação compacta: muitas manipulações complexas de serem realizadas são mais simples através de somatórios.

Abaixo são apresentadas algumas propriedades do somatório.

Teorema 1.5.2: ∑ �\Z[S = �� ∀ ?� ∈ ℕ � �, � ∈ �) Demonstração: Para � = 1 a afirmação é verdadeira já que ∑ �SZ[S = � = � ⋅1. Supondo que seja verdadeira para � = �, isto é, ∑ ��Z[S = ��, será verdadeira para � = � + 1, já que ∑ ��xSZ[S = ∑ ��Z[S + � = �� + � = �?� + 1).

QED

Observação: Estamos chamando de � ∈ � o resultado da soma de n unidades (1 + ⋯ + 1 n vezes), ou seja, � = ∑ 1\Z[S .

Teorema 1.5.3 (homogeneidade): ∑ ��Z\Z[S = �∑ �Z \Z[S ∀ ?� ∈ ℕ, � ∈� � �Z�Z[S\ ⊂ �) Demonstração: Do Teorema 1.5.1 e da distributividade do produto em relação à soma, temos que ∑ ��Z\Z[S = ��S + ⋯ + ��\ = �?�S + ⋯ + �\) = �∑ �Z \Z[S .

QED

Teorema 1.5.4 (propriedade aditiva): ∑ ?�Z + �Z)\Z[S = ∑ �Z\Z[S +∑ �Z\Z[S ∀ ?� ∈ ℕ, �Z�Z[S\ ⊂ � � �Z�Z[S\ ⊂ �). Demonstração: ∑ ?�Z + �Z)\Z[S = ?�S + �S) + ⋯ + ?�\ + �\) = �S + ⋯ + �\ +�S + ⋯ + �\ = ∑ �Z\Z[S + ∑ �Z\Z[S , onde se usou o Teorema 1.5.1 e a associatividade e comutatividade da soma.

QED

Teorema 1.5.5 (propriedade telescópica): Se, além das propriedades já exigidas para a estrutura sobre �, a soma possuir elemento neutro para a soma (esse chamado de 0) e todo elemento de � possuir elemento inverso pela soma, ou seja, ∀ � ∈ � ∃?−�) ∈ �|� + ?−�) = � − � = 0, então ∑ ?�Z − �ZxS)\Z[S = �S −�\xS ∀ a� ∈ ℕ � �Z�Z[S\xS ⊂ �b. Demonstração: ∑ ?�Z − �ZxS)\Z[S = ?�S − �') + ?�' − �&) + ⋯ + ?�\^S − �\) +?�\ − �\xS) = �S + ?−�' + �') + ⋯ + ?−�\ + �\) − �\xS = �S − �\xS, onde foi apenas necessário “deslocar” os parênteses (usando associatividade) de forma que os termos que se anulam fossem somados.

QED

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Exemplo 1.5.1: O somatório (de números reais) ∑ SZ?ZxS)\Z[S pode ser obtido

vendo que SZ?ZxS) = SZ − SZxS (verifique!). De fato, pois, sendo �Z = SZ , �ZxS = SZxS, que, pelo

teorema acima, nos leva a ∑ SZ?ZxS)\Z[S = ∑ �SZ − SZxS�\Z[S = SS − S\xS = 1 − S\xS. Exercício 1.5.1: Mostre que ∑ R^SR(ÒÃ\Z[S = Rã^SRãÒÃ onde � ∈ ℝ. SUGESTÃO: Use a

propriedade telescópica.

Sabe-se que a indexação de �Z�Z[S\ é obtida por uma função sobrejetora }: ℕ\ → ., onde . = �Z�Z[S\ . É natural que possa existir alguma regra que defina essa função e, assim, muitas vezes se pode escrever ∑ �Z\Z[S = ∑ }?�)\Z[S . Como também é possível ter o mesmo conjunto . como a imagem de }: ℕ\ → � (com mesma regra definidora), é mais comum definirmos as funções com contradomínio � e obter . como a imagem. Para algumas “classes” de conjuntos, é possível obter uma fórmula fechada para o operador somatório. O exemplo abaixo, onde encontramos uma fórmula fechada para subconjuntos de ℕ da forma ℕ\ = 1, … , ��, ilustra isso. Exemplo 1.5.2: Considere o subconjunto ℕ\ de ℕ. O somatório desse conjunto é dado por ∑ �\Z[S = \?\xS)' . A demonstração de tal resultado pode ser obtida

por indução. De fato, o resultado é válido para � = 1 e, ao supor que seja válido para � = �, isto é, ∑ ��Z[S = �?�xS)' , temos que o resultado vale para � = � + 1, afinal, ∑ ��xSZ[S = ∑ ��Z[S + ?� + 1) = �?�xS)' + ?� + 1) = �?�xS)' + '?�xS)' = ?�x')?�xS)' =?�xS)a?�xS)xSb' .

Observação: Como ainda não temos os naturais como um subconjunto dos

reais, devemos tomar cuidado com o que estamos simbolizando por � = \\Ñ. Estamos considerando que os três números da expressão são naturais e eles são tais que ��� = � (veja que é necessário que � seja um múltiplo inteiro de �� para que a expressão possua sentido). Ou seja,

\?\xS)' é o número natural � tal que 2� =�?� + 1). No entanto, embora seja necessário salientar tais detalhes para um tratamento mais rigoroso, vezes iremos manipular expressões omitindo essas explicações “preciosistas”.

Em alguns casos, podemos querer a soma dos elementos de �Z�Z[S\ de � = © (1 < © ≤ �) a � = � e não de � = 1 a � = �. Definimos, para esses casos, ∑ �Z§Z[§ = �§ e ∑ �ZZ[§ = ∑ �Z¨^SZ[§ + �¨ sempre que ∑ �Z¨^SZ[§ está definido. Também é possível que se

queira não considerar algum elemento de �Z�Z[S\ e, nesse caso, sendo �� (1 < � ≤ �) o elemento não considerado, definimos ∑ �Z\Z[¨Z)� = ∑ �Z�^SZ[¨ + ∑ �Z\Z[�xS .

Observação 1: Nas definições acima, usamos o sinal de menos, que está, normalmente, associado à soma com o inverso aditivo (� − � = � + ?−�)), mas,

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mesmo que a estrutura sobre A (conjunto do qual �Z�Z[S\ é subconjunto) não admita inverso aditivo para seus elementos, é possível definir uma “subtração” em A da forma como foi feita com os números naturais (veja a observação após o Teorema 1.3.6).

Observação 2: Considerando a expressão ∑ �Z\Z[¨ , chamamos © de limite inferior do somatório e � de limite superior do somatório. Observação 3: Uma definição alternativa, em alguns casos, para ∑ �ZZ[§ é ∑ �ZZ[§ = ∑ �ZZ[S − ∑ �Z§^SZ[S , mas nem sempre é conveniente.

Exercício 1.5.2: Mostre que ∑ ?�Z − �ZxS)\Z[¨ = �¨ − �\xS com � ≥ ©. Exemplo 1.5.3: Usando o que foi mostrado no Exemplo 1.5.2, podemos ver que

& �\Z[¨ = & �\

Z[S −& �¨^SZ[S = �?� + 1)2 − ?© − 1)a?© − 1) + 1b2 = �' + � − ©' + ©2= ?� + ©)?� − ©) + ?� + ©)2 = ?� + ©)a?� − ©) + 1b2 ,

onde © ≤ �. Exercício 1.5.3: Mostre que ∑ ?2� − 1)\Z[S = �' de duas formas: por indução e

usando as propriedades do somatório.

Exercício 1.5.4: Mostre que ∑ �Z\Z[S = ∑ �Z§^SZ[S + ∑ �Z\Z[§ . Essa propriedade é

chamada de abertura e uma manipulação útil que pode ser feita é ∑ �Z\Z[S = ∑ �ZSZ[S +∑ �Z\Z[' = �S + ∑ �Z\Z[' .

Muitas vezes se deseja aplicar o operador somatório mais de uma vez, ou

seja, ter expressões da forma ∑ �∑ �Zh\Ñh[S �\Z[S ,∑ �∑ a∑ �Zh�\ÑÑ�[S b\Ñh[S �\Z[S , etc.. Para o

somatório duplo (expressão da forma ∑ �∑ �Zh\Ñh[S �\Z[S ), pode-se ver que isso é possível

se tivermos o conjunto �Z�Z[S\ de forma que �Z = ∑ �Zh\Ñh[S ∀ � ∈ ℕ\ (o que faz com que ∑ ?�Z)\Z[S = ∑ �∑ �Zh\Ñh[S �\Z[S ). Veja que na expressão �Z = ∑ �Zh\Ñh[S o índice � não está sendo somado e sim pode admitir um valor arbitrário em ℕ\. Um índice que apareça dessa forma é chamado de índice livre. Observamos também que existe uma coerência do índice livre em ambos os membros da expressão, ou seja, o índice livre recebe mesmo “nome” (no caso, �) em ambos os lados da expressão. Pelo Teorema 1.5.1 obtemos que o somatório de um conjunto �Z�Z[S\ tal que �Z = ∑ �Zh\Ñh[S é dado por:

&?�Z)\Z[S = &�&�Zh

h[S �\Z[S = �SS + �S' + ⋯ + �S\Ñ +

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+�'S + �'' + ⋯ + �'\Ñ + ⋮

+�\S + �\' + ⋯ + �\\Ñ

Exemplo 1.5.4: Seja �Z�Z[S& ⊂ ℕ de forma que �Z = ∑ � ⋅ i&h[S . Nesse caso

temos:

�S = &1 ⋅ i = 1 + 2 + 3 = 6&h[S

�' = &2 ⋅ i&h[S = 2& i = 2?1 + 2 + 3) = 12&

h[S

�& = &3 ⋅ i&h[S = 3& i = 3?1 + 2 + 3) = 18&

h[S

& �Z&

Z[S = && � ⋅ i&h[S

&Z[S = 6 + 12 + 18 = 36

Para um somatório múltiplo (duplo, triplo,...), podemos ter uma notação um pouco mais curta, como feito abaixo (com � somatórios):

& & …& �ZÃZµ⋯Z+ = & �ZÃZµ⋯Z+\Ã,\µ,⋯,\+ZÃ,Zµ,⋯,Z+[S

\+Z+[S

Zµ[S\Ã

ZÃ[S

Por exemplo, podemos denotar o somatório duplo ∑ �∑ �Zh\Ñh[S �\Z[S por ∑ �Zh\,\ÑZ,h[S . No caso de todos os limites superiores coincidirem, basta escrevê-lo uma

única vez (por exemplo, ∑ �Zh\,\Z,h[S = ∑ �Zh\Z,h[S ). Também é comum omitir os limites

inferiores e superiores caso sejam subentendidos. Por exemplo, se se está trabalhando sempre com somatórios de 1 até �, se subentende ∑ �ZZ por ∑ �Z\Z[S .

Teorema 1.5.6 (comutatividade do somatório): ∀ ?�, �� ∈ ℕ e �Z�Z[S\ ⊂ � tal que �Z = ∑ �Zh\Ñh[S ) tem-se ∑ �∑ �Zh\Ñh[S �\Z[S = ∑ a∑ �Zh\Z[S b\Ñh[S ou, em notação mais

compacta, ∑ �Zh\,\ÑZ,h[S = ∑ �Zh\Ñ,\h,Z[S = ∑ �hZ\,\ÑZ,h[S (veja que essa última igualdade vem do

fato dos índices serem mudos – apenas se renomeou � por i e vice-versa). Demonstração: Demonstremos por indução sobre �′ tomando um � arbitrário. Para �� = 1, o resultado é verdadeiro, pois ∑ a∑ �ZhSh[S b\Z[S = ∑ �ZS\Z[S =∑ a∑ �Zh\Z[S bSh[S . Supondo que valha para �� = �, ou seja, ∑ a∑ �Zh�h[S b\Z[S = ∑ a∑ �Zh\Z[S b�h[S , temos que vale para �� = � + 1, afinal,

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123

∑ a∑ �Zh�xSh[S b\Z[S = ∑ ,a∑ �Zh�h[S b + �Z?�xS)-\Z[S = ∑ a∑ �Zh�h[S b\Z[S + ∑ �Z?�xS)\Z[S =∑ a∑ �Zh\Z[S b�h[S +∑ �Z?�xS)\Z[S = ∑ a∑ �Zh\Z[S b�xSh[S .

QED

Para visualizar melhor a última passagem, lembre-se que ∑ �Zh\Z[S = �Z e, assim, ∑ �Z?�xS)\Z[S = ��xS. Corolário: ∀ ?�, �� ∈ ℕ e �Z�Z[S\ ⊂ � tal que �Z = ∑ �Zh\Ñh[S ) tem-se 2∑ �Zh\,\ÑZ,h[S =∑ a�Zh + �hZb\,\ÑZ,h[S .

Esse corolário, que é uma conseqüência imediata do teorema, é um resultado muitas vezes útil.

Se admitirmos na estrutura sobre A um elemento neutro para a soma (elemento 0), podemos definir uma função, chamada de Delta de Kronecker, que é muito útil algebricamente.

Definição 1.5.2 (Delta de Kronecker): Se existe em A um elemento, denotado 0, tal que 0 + � = � ∀ � ∈ �, então definimos a função .: ℕ' → � de forma que:

/.?�, i) = .Zh = 1 r� � = i.?�, i) = .Zh = 0 r� � ≠ i¸ A principal propriedade dessa função é ∑ .Zh�Z\Z[S = �h (1 ≤ i ≤ �). Para mostrar essa propriedade, basta vermos que ∑ .Zh�Z\Z[S = �S.Sh + ⋯ + �h.hh + ⋯ +�\.h\ = �h (pois .hh = 1 e todos os outros termos se anulam). Naturalmente, a propriedade também vale caso existam outros índices livres além de i, ou seja, ∑ .Zh�Z�\Z[S = �h� (k e j são índices livres). Em particular, temos ∑ .Zh.Z�\Z[S = .h�. Exercício 1.5.5: Mostre que ∑ ∑ .�h.hZ\h[S .Z \Z[S = .� . SUGESTÃO: Veja que

sempre vale .Zh = .hZ. Exemplo 1.5.5: O somatório ∑ .Zh�Zh\,\ÑZ,h[S é dado por ∑ .Zh�Zh\,\ÑZ,h[S = ∑ �ZZ01ßW\,\ÑXZ[S = �SS + �'' + ⋯ + �01ßW\,\ÑX01ßW\,\ÑX (veja a Definição 1.3.2). De fato, pois ∑ .Zh�Zh\,\ÑZ,h[S = ∑ �∑ .Zh�Zh\Ñh[S �\Z[S = ∑ �ZZ01ßW\,\ÑXZ[S . O min�, ��� é devido ao fato de que, sendo 1 ≤ � ≤ � e 1 ≤ i ≤ �′, .Zh se anula para todo i > � (caso �� > �) ou para todo � > �� (caso � > ��). Exercício 1.5.6: Verifique explicitamente o resultado do exemplo anterior

para ∑ .Zh�Zh',wZ,h[S .

Exercício 1.5.7: Mostre que ∑ .Zh\Z,h[S = �. SUGESTÃO: Observe que .Zh = .Zh.Zh.

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Exemplo 1.5.6: Para adequarmos algumas expressões a determinadas convenções, às vezes é necessário realizar uma fatoração do tipo ∑ .Zh�h\h[S + ��Z =∑ .Zh�h\h[S + �∑ .Zh�h\h[S = ∑ a.Zh�h + �.Zh�hb\h[S = ∑ a.Zh + �.Zhb�h\h[S , onde usamos a

propriedade �Z = ∑ .Zh�h\h[S .

Sendo � = ∑ �Z\Z[S e � = ∑ �Z\Z[S , quanto é � ⋅ �? Num primeiro impulso, poderíamos pensar que � ⋅ � = ?∑ �Z\Z[S ) ⋅ ?∑ �Z\Z[S ) = ∑ ?∑ �Z\Z[S )�Z\Z[S = ∑ ∑ �Z\Z[S �Z\Z[S , onde se usou o Teorema 1.5.3, mas é simples encontrar um contra exemplo que mostre a falsidade dessa expressão. Com efeito, ∑ ∑ �Z'Z[S �Z'Z[S = �S�S + �'�' ao passo que � = ∑ �Z'Z[S = �S + �', � = ∑ �Z'Z[S = �S + �' e � ⋅ � = ?�S + �')?�S + �') = �S�S +�S�' + �'�S + �'�'. Mas o que há de errado na manipulação feita inicialmente? Devemos ver que os índices são independentes (a “variação” de um não influencia na do outro) e, ao fazer o produto posto, devemos renomear ao menos um dos índices para garantir a independência. Ou seja, a expressão correta é � ⋅ � =?∑ �Z\Z[S ) ⋅ a∑ �h\h[S b = ∑ ,?∑ �Z\Z[S )�h-\h[S = ∑ ∑ ?�Z\Z[S �h)\h[S . Aqui podemos ver uma das

vantagens da notação de somatório. O que está “dentro” de um somatório pode ser manipulado da mesma forma como é feito caso não existisse o somatório (na última passagem simplesmente se considerou �h uma constante e, assim, pelo Teorema 1.5.3, pôde “entrar” no somatório de índice �). Exemplo 1.5.7: Considerando a soma ∑ ∑ � ⋅ i\Z[S\Ñh[S , podemos ver que ∑ ∑ � ⋅ i\Z[S\Ñh[S = ∑ ?i∑ �\Z[S )\Ñh[S = ∑ �i \?\xS)' �\Ñh[S = \?\xS)' ∑ i\Ñh[S = \?\xS)' ⋅ \Ña\ÑxSb' =\\Ñ?\xS)a\ÑxSbw , onde se usou o resultado obtido no Exemplo 1.5.2.

Consideremos, para o próximo teorema, que a estrutura sobre � constitui, mais precisamente, um corpo ordenado.

Para que tenhamos o próximo resultado, teremos que considerar um resultado preliminar: quaisquer que sejam �, �, �, � ∈ � com � ≥ � e � ≥ � temos � + � ≥ � + �. Com efeito, pela monotonicidade da soma, � + � ≥ � + � e � + � ≥ � +� e, portanto, � + � ≥ � + �. Teorema 1.5.7: Considerando os conjuntos �Z�Z[S\ ,�Z�Z[S\ ⊂ � com � sendo um corpo e a relação de ordem ≥ a de um corpo ordenado, se, ∀ � ∈ ℕ\, �Z ≥ �Z, então ∑ �Z\Z[S ≥ ∑ �Z\Z[S .

Demonstração: A propriedade vale para � = 1, pois ∑ �ZSZ[S = �S ≥ �S =∑ �ZSZ[S por hipótese. Supondo que valha para � = �, ou seja, ∑ �Z�Z[S ≥ ∑ �Z�Z[S , temos

que vale para � = � + 1, pois temos ∑ �Z =�xSZ[S ∑ �Z�Z[S + ��xS ≥ ∑ �Z�Z[S + ��xS =∑ �Z�xSZ[S , afinal, ��xS ≥ ��xS e ∑ �Z�Z[S ≥ ∑ �Z�Z[S .

QED

Exercício 1.5.8: Mostre que o resultado acima vale para � = ℕ, com a

relação de ordem definida para ℕ (subsecção 1.3). Veja que ℕ não é um corpo.

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125

Exemplo 1.5.8: Considerando }?�) = �Z e ~?�) = �' com }, ~: ℕ → ℕ, temos que ∑ }?�)\Z[S = ∑ �Z\Z[S ≥ ∑ �'\Z[S = ∑ ~?�)\Z[S , pois }?�) = �Z ≥ �' = ~?�) ∀ � ∈ ℕ\ (mostre isso). Veja que, embora não saibamos os resultados explícitos dos somatórios, é possível dizer que um somatório é maior que o outro.

Exercício 1.5.9: Mostre que �QxS ≥ ∑ �Q\Z[S ≥ �Q ∀ �, � ∈ ℕ. SUGESTÃO:

Lembre-se do Teorema 1.5.2.

O teorema seguinte garante uma manipulação bastante útil em várias situações.

Teorema 1.5.8 (mudança de variável): Sendo }: ℕ → �, temos que ∑ }?�)Z[§ = ∑ }?� − �)¨x�Z[§x� = ∑ }?� + �)¨^�Z[§^� , onde �, � e © são tais que as subtrações feitas sejam positivas (num caso mais geral, que não apresentaremos agora, essa restrição pode ser eliminada).

Demonstração: Usemos o Teorema 1.3.6 para realizar a demonstração. O teorema é válido para © = �, pois, por um lado, ∑ }?�)§Z[§ = }?�) e, por outro lado, ∑ }?� − �)§x�Z[§x� = }a?� + �) − �b = }?�). Supondo que valha para © = �, ou seja, ∑ }?�)�Z[§ = ∑ }?� − �)�x�Z[§x� , temos que vale para © = � + 1, afinal, ∑ }?� − �)?�xS)x�Z[§x� =∑ }?� − �)?�x�)xSZ[§x� = ∑ }?� − �)?�x�)Z[§x� + }?£?� + �) + 1¤ − �) = ∑ }?�)�Z[§ + }?� + 1) =∑ }?�)�xSZ[§ . A segunda igualdade se demonstra analogamente.

QED

Exemplo 1.5.9: Embora possa parecer estranha a manipulação apresentada no Teorema 1.5.8, podemos ver o quanto ela é simples por um exemplo. Considere }: ℕ → � de forma que queiramos o somatório de 5 a 8. Ou seja, ∑ }?�)UZ[¿ = }?5) +}?6) + }?7) + }?8). Mas vemos que o somatório não se altera ao somarmos 2 aos limites do somatório e subtrairmos 2 da variável. De fato, pois ∑ }?� − 2)Ux'Z[¿x' =∑ }?� − 2)SÓZ[� = }?7 − 2) + }?8 − 2) + }?9 − 2) + }?10 − 2) = }?5) + }?6) + }?7) +}?8). Podemos definir em um corpo uma potência de expoente “inteiro”, como feito abaixo.

Definição 1.5.3 (potência com expoente inteiro): Sendo ?�, +,⋅) um corpo, �?S) = � ∈ � |� = 0 �= � = ∑ 1\Z[S ���� ��~=� � ∈ ℕ�, � ∈ � e � ∈ �?S), definimos:

a) �Ó = 1 b) �\ = �\^S ⋅ � sempre que �\^S está definido. c) �^\ = SRã se SRã está definido.

Não é difícil verificar que as propriedades demonstradas para a potência de naturais continuam válidas para esse caso. Temos ainda que �S = �Ó ⋅ � = 1 ⋅ � = �.

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126

Pela definição, 0Ó = 1, mas, sendo � ≠ 0, 0\ = 0. Isso parece contraditório, fazendo-nos pensar se é realmente uma definição apropriada, mas o resultado apresentado é conveniente por diversos motivos.

Duas outras propriedades dessa definição de potência são dadas no teorema abaixo.

Teorema 1.5.9: Sendo ?�, +,⋅) um corpo com a potência de expoente inteiro definida como acima, temos que:

a) R2R3 = �¨^§ se � ≠ 0 ou � = 0.

b) �R��\ = Rã�ã se � ≠ 0.

Demonstração: (a): Se � = 0, a expressão só fica definida com � = 0 e, nesse caso, temos

Ó2ÓÞ = 0¨ = 0¨^Ó. No caso de � ≠ 0, qualquer expoente � é válido e, assim, demonstremos o resultado por indução sobre � já observando que o resultado é válido para � = 0, pois R2RÞ = �¨ = �¨^Ó. O resultado vale para � = 1 já que R2Rà = R2R = R⋅R2ÂÃ

R = �¨^S e, ao supormos que valha para � = �, isto é, R2R� = �¨^�, temos que vale para � = � + 1, afinal, R2R�Òà = R2R�⋅R = R2R� ⋅ SR = �¨^� ⋅ SR = �¨^�^S ⋅ RR = �¨^?�xS), mostrando o resultado.

(b): Demonstremos por indução sobre � já vendo que o resultado é válido para � = 0, afinal, �R��Ó = 1 = RÞ

�Þ. O resultado vale para � = 1, já que �R��S = R� = RÃ�Ã, e,

ao supor que valha para � = �, ou seja, �R��� = R���, obtemos que o resultado vale para � = � + 1, pois �R���xS = �R��� ⋅ �R�� = R��� ⋅ R� = R⋅R��⋅�� = R�ÒÃ��Òà e isso completa a

demonstração.

QED

Defninição 1.5.4 (produtório): Sendo . ⊂ � uma família de elementos tal que . = �Z�Z[S\ , definimos o operador produtório desses elementos por:

a) ∏ �ZSZ[S = �S b) ∏ �Z\Z[S = a∏ �Z\^SZ[S b ⋅ �\ sempre que ∏ �Z\^SZ[S está definido.

Essa definição é semelhante à de somatório (apenas se trocou a soma pelo produto). A propriedade demonstrada no Teorema 1.5.1 possui análogo nesse caso (mostre isso), ou seja, ∏ �Z\Z[S = �S ⋅ �' ⋅ … ⋅ �\ e o corolário também continua válido. Como será visto, existem outras mais características do operador produtório que são análogas a alguma do somatório.

Observação: Os índices do produtório também são mudos. Ou seja, o produtório não muda se mudarmos o nome dos índices.

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127

Para simplificar o tratamento do que será visto a seguir, vamos admitir que a estrutura sobre � é um corpo ordenado. Mas algumas das propriedades podem valer para outras estruturas se forem tomados os devidos cuidados.

Muitas demonstrações serão deixadas como exercício devido à semelhança com as já feitas para o somatório.

Teorema 1.5.10: Para o produtório valem as seguintes afirmações:

a) ∏ �\Z[S = �\ ∀ � ∈ � b) ∏ � ⋅ �Z\Z[S = �\ ∏ �Z\Z[S ∀ � ∈ � � �Z�Z[S\ ⊂ � c) ∏ �Z ⋅ �Z\Z[S = ∏ �Z\Z[S ⋅ ∏ �Z\Z[S ∀ �Z�Z[S\ , �Z�Z[S\ ⊂ �

Exercício 1.5.10: Mostre o teorema acima.

Salvo alguns detalhes, podemos ver que essas propriedades são análogas às mostradas nos teoremas 1.5.2, 1.5.3 e 1.5.4.

Lembremos que num corpo é sempre possível definir uma operação /:F×F∗→F?R,�)↦R/�, chamada divisão, onde

R� = � ⋅ �^S. Assim, temos o teorema seguinte. Teorema 1.5.11: Sendo �Z�Z[S\ , �Z�Z[S\ ⊂ � com �Z ≠ 0 ∀ � ∈ ℕ\, temos que vale:

a) ∏ ��(G(�\Z[S = ∏ �(ã(�Ã∏ G(ã(�Ã

b) ∏ ��(ÒÃ�( �\Z[S = �ãÒÃ�à se �Z ≠ 0 ∀ � ∈ ℕ\. Exercício 1.5.11: Mostre o teorema acima.

A propriedade apresentada na parte (a) do teorema acima na verdade é análoga a uma propriedade não apresentada do somatório: ∑ ?�Z − �Z)\Z[S = ∑ �Z\Z[S −∑ �Z\Z[S (mostre isso considerando a operação subtração definida para corpos). Já a apresentada na parte (b) é a propriedade telescópica do produtório.

Exemplo 1.5.10: Sendo }: ℕ → ℝ tal que }?�) = SZ + 1, quanto é ∏ }?�) =\Z[S∏ �SZ + 1�\Z[S ? Podemos resolver tal questão observando que SZ + 1 = ZxSZ . Assim, ∏ �SZ + 1�\Z[S = ∏ �ZxSZ �\Z[S . Ora, sendo �Z = �, temos que esse produtório é telescópico

e, dessa forma, ∏ �SZ + 1�\Z[S = ∏ �ZxSZ �\Z[S = � + 1. Exemplo 1.5.11: Considerando }: ℕ → ℝ tal que }?�) = ZZxS, podemos usar o resultado anterior para encontrar o produtório ∏ }?�) = ∏ ZZxS\Z[S\Z[S . De fato, pois

ZZxS = S(ÒÃ( e, portanto, ∏ ZZxS\Z[S = ∏ S(ÒÃ(\Z[S = ∏ Sã(�Ã∏ �(ÒÃ( �ã(�à = S\xS.

Exercício 1.5.12: Sendo }: ℕ → ℝ tal que }?�) = 1 + 'Z + SZµ, encontre ∏ }?�)\Z[S .

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128

De forma análoga ao somatório, é possível que se queira o produtório de um conjunto �Z�Z[S\ ⊂ � de © (1 ≤ © ≤ �) a � e, para esse caso, definimos ∏ �ZZ[¨ = �¨ e ∏ �Z\Z[¨ = a∏ �Z\^SZ[¨ b ⋅ �§ sempre que ∏ �Z\^SZ[¨ está definido. Também podemos não

querer considerar um determinado elemento de �Z�Z[S\ e, sendo �� o indesejado (1 ≤ � ≤ �), definimos ∏ �Z\Z[SZ)� = a∏ �Z�^SZ[S b ⋅ ?∏ �Z\Z[�xS ). Exercício 1.5.13: Mostre que ∏ ��(ÒÃ�( �\Z[¨ = �ãÒÃ�2 com � ≥ ©. Exercício 1.5.14: Mostre que, sendo }: ℕ → ℝ tal que }?�) = 1 − SZµ = Zµ^SZµ , ∏ Zµ^SZµ\Z[' = \xS'?\^S). Exercício 1.5.15: Mostre que ∏ �Z\Z[S = a∏ �Z§^SZ[S b ⋅ a∏ �Z\Z[§ b. Essa é a

propriedade de abertura para o produtório.

Também não é estranha a idéia de produtório duplo, triplo, etc.. Assim,

podemos ter expressões do tipo ∏ ∏ �Zh\Ñh[S\Z[S . Como o caso é análogo ao do

somatório, podemos adotar todas as notações já introduzidas para somatórios múltiplos.

Teorema 1.5.12 (comutatividade do produtório): ∀ ?�, �� ∈ ℕ e �Z�Z[S\ ⊂� tal que �Z = ∏ �Zh\Ñh[S ) tem-se ∏ �∏ �Zh\Ñh[S �\Z[S = ∏ a∏ �Zh\Z[S b\Ñh[S ou, de forma mais

compacta, ∏ �Zh\,\ÑZ,h[S = ∏ �Zh\Ñ,\h,Z[S = ∏ �hZ\,\ÑZ,h[S (essa última igualdade vem do fato dos

índices serem mudos – apenas se renomeou � por i e vice-versa). Exercício 1.5.16: Mostre o teorema acima.

Corolário: ∀ ?�, �� ∈ ℕ e �Z�Z[S\ ⊂ � tal que �Z = ∏ �Zh\Ñh[S ) tem-se

�∏ �Zh\,\ÑZ,h[S �' = ∏ a�Zh ⋅ �hZb\,\ÑZ,h[S .

Exercício 1.5.17: Demonstre o corolário acima.

Esse corolário é o resultado análogo ao obtido para o somatório.

Exemplo 1.5.12: Considerando }: ℕ' → � tal que }?�, i) = ?ZxS)hZ?hxS), temos que ∏ }?�, i)\Z,h[S = ∏ ?ZxS)hZ?hxS)\Z,h[S = ∏ 4�ZxSZ �\ ∏ � hhxS�\h[S 5\Z[S = ∏ 4�ZxSZ �\ ⋅ S\xS5\Z[S = S?\xS)ã ⋅∏ ?ZxS)ã

Zã\Z[S = ?\xS)ã?\xS)ã = 1, onde se usou o fato de ∏ ?ZxS)ãZã\Z[S ser um produto telescópico

e os resultados dos exemplos 1.5.10 e 1.5.11. Poder-se-ia obter o mesmo resultado

usando o corolário do teorema. De fato, pois �∏ ?ZxS)hZ?hxS)\Z,h[S �' = ∏ ?ZxS)hZ?hxS)\Z,h[S ⋅ ?hxS)Zh?ZxS) =∏ 1 =\Z,h[S 1. Teorema 1.5.13 (mudança de variável): Sendo }: ℕ → �, temos que ∏ }?�)Z[§ = ∏ }?� − �)¨x�Z[§x� = ∏ }?� + �)¨^�Z[§^� , onde �, � e © são tais que as subtrações

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129

feitas sejam positivas (é possível tirar essa restrição num caso mais geral, que não será apresentado agora).

Demonstração: Usemos o Teorema 1.3.6. O teorema é válido para © = �, pois, por um lado, ∏ }?�)§Z[§ = }?�) e, por outro lado, ∏ }?� − �)§x�Z[§x� = }a?� + �) −�b = }?�). Supondo que valha para © = �, isto é, ∏ }?�)�Z[§ = ∏ }?� − �)�x�Z[§x� , temos

que vale para © = � + 1, afinal, ∏ }?� − �)?�xS)x�Z[§x� = ∏ }?� − �)?�x�)xSZ[§x� = �∏ }?� −?�x�)Z[§x��)� ⋅ }?£?� + �) + 1¤ − �) = a∏ }?�)�Z[§ b ⋅ }?� + 1) = ∏ }?�)�xSZ[§ . A segunda igualdade se

demonstra analogamente.

QED

1.6 – Teorema Binomial de Newton

Consideraremos a estrutura ?�, +,⋅) um corpo e, para auxiliar as definições que serão feitas, definiremos �?S) ⊂ � o conjunto tal que �?S) = � ∈ �|� = 0 �= � = ∑ 1\Z[S ���� ��~=� � ∈ ℕ�. O Teorema Binomial de Newton é o teorema que nos permite expandir expressões da forma ?� + �)\ (�, � ∈ � � � ∈ �?S)), chamados de binômios, em um

polinômio (expressão da forma ©S�\ + ©'�\^S + ⋯ + ©\� + ©\xS). Não é difícil ver que a expressão ?� + �)\ dá origem a um polinômio, mas o teorema que será demonstrado nos permite encontrar os coeficientes do polinômio (os ©S, ©', … , ©\xS) facilmente.

Definição 1.6.1 (fatorial): Definimos a função fatorial !: �?S) → � por: a) 0! = 1 b) �! = � ⋅ ?� − 1)! sempre que ?� − 1)! está definido.

De imediato podemos ver que 1! = 1 ⋅ ?1 − 1)! = 1 ⋅ 0! = 0! = 1. Um resultado que podemos ter é que �! = ∏ �\Z[S = 1 ⋅ 2 ⋅ … ⋅ � se � > 0. Demonstremos isso por indução. O resultado vale para � = 1, pois ∏ �SZ[S = 1 = 1! e, ao supor que valha para � = �, ou seja, �! = ∏ ��Z[S , temos que vale para � = � + 1, pois ∏ ��xSZ[S = ∏ ��Z[S ⋅ ?� + 1) = ?� + 1) ⋅ �! = ?� + 1)!. Outro resultado é

?\x§)!\! = ∏ ?� + �) = ?� + 1) ⋅ ?� + 2) ⋅ … ⋅ ?� + �)§Z[S se � > 0 (mostre isso). O fatorial é útil em várias áreas na matemática. Em especial, na Análise Combinatória.

Para a próxima definição, tomemos # = W?�,�) ∈ �?S)' |� ≥ �X. Definição 1.6.2 (coeficiente binomial): O coeficiente binomial é definido pela função ( ):# → � tal que:

�..� ?�,�) = ���� = �!�! ?� − �)!

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Duas propriedades que podemos perceber dessa função são a\Ób = a\\b = 1 e a\xS\ b = � + 1. De fato, pois a\\b = \!\!?\^\)! = \!\!Ó! = 1 = \!Ó!\! = \!Ó!?\^Ó)! = a\Ób e a\xS\ b =?\xS)!\!a?\xS)^\b! = ?\xS)\!\!S! = � + 1.

Exercício 1.6.1: Mostre que �\§� = � \\^§�. Essa definição também é muito freqüente na matemática em diversas áreas. Abaixo segue um teorema que nos será necessário na demonstração do Teorema Binomial de Newton.

Teorema 1.6.1 (relação de Stifel): Sendo �, � ∈ a�?S) − 0�b com � ≥ � temos que:

ù� + 1� ú = ���� + � �� − 1� Demonstração: Sendo � ≥ �, pode-se ver que existe � em �?S) tal que � = � + �. Assim, tomando o lado direito da expressão:

���� + � �� − 1� = ù� + �� ú + ù� + �� − 1ú = ?� + �)!�! a?� + �) − �b!+ ?� + �)!?� − 1)! a?� + �) − ?� − 1)b! = ?� + �)!�!�! + ?� + �)!?� − 1)! ?� + 1)! = ?� + �)!�?� − 1)! �!+ ?� + �)!?� − 1)!�! ?� + 1) = ?� + �)!?� − 1)!�! ù1� + 1� + 1ú = ?� + �)!?� − 1)! �! ù� + 1 + ��?� + 1) ú = ?� + �)! a?� + 1) + �b?� − 1)! � ⋅ �! ?� + 1) = ?� + � + 1)!�! ?� + 1)! = ?� + � + 1)!�! ??� + � + 1) − �)! = ù� + � + 1� ú = ù� + 1� ú

QED

Teorema 1.6.2 (Teorema Binomial de Newton): Para quaisquer � ∈ � e � ∈ �?S), vale que:

?1 + �)\ = & � �� − 1� �\^?�^S)\xS�[S

Demonstração: Demonstraremos por indução sobre � já observando que o resultado é satisfeito para � = 0, pois ∑ aÓ�bS�[S �Ó^?�^S) = aÓSb�Ó^?S^S) = 1 = ?1 + �)Ó. Podemos ver que o resultado vale para � = 1 já que ∑ a S�^Sb'�[S �S^?�^S) =aSÓb�S^?S^S) + aSSb�S^?'^S) = �S + �Ó = � + 1. Ao supor que valha para � = �, isto é, ?1 + �)§ = ∑ a §�^Sb§xS�[S �§^?�^S), temos que vale para � = � + 1. Com efeito:

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?1 + �)§xS = ?1 + �)§?1 + �) = �& � �� − 1�§xS�[S �§^?�^S)� ?1 + �)

= &?� + 1) � �� − 1� �§^?�^S)§xS�[S

= &4� � �� − 1� �§^?�^S) + � �� − 1� �§^?�^S)5§xS�[S

= & � �� − 1� �§xS^?�^S)§xS�[S + & � �� − 1� �§^?�^S)§xS

�[S

= � �1 − 1� �§xS^?S^S) + & � �� − 1� �§xS^?�^S)§xS�[' + & � �� − 1� �§^?�^S)§xS

�[S

= ��0�7[S �§xS + & � �� − 1� �§xS^?�^S)§xS�[' + & � �� − 2� �§^?�^')§x'

�['IJJJJJKJJJJJL89òR\çR òN �RPZá�N

= �§xS +& � �� − 1� �§xS^?�^S)IJJJKJJJL�3Â?�µ)§xS�[' + & � �� − 2� �§^?�^') +§xS

�['+ ù �� + 2 − 2úIJJJKJJJL[S

�§^a?§x')^'bIJJJJKJJJJL�Þ

= �§xS +& � �� − 1� �§^?�^')§xS�[' + & � �� − 2� �§^?�^')§xS

�[' + 1 = �§xS +&4� �� − 1� �§^?�^') + � �� − 2� �§^?�^')5§xS

�[' + 1

= �§xS +&;<=>???@ � �� − 1� + � �� − 2�IJJJJJKJJJJJL[a3ÒÃ�ÂÃb ?¬N RçãO òN ¯�Z´N )

ABBBC �§^?�^')

DEF§xS

�[' + 1

= �§xS +&Gù� + 1� − 1ú �§^?�^')H§xS�[' + 1

= ù� + 11 − 1ú �§^?S^') + &Gù� + 1� − 1ú �§^?�^')H§xS�[' + ù � + 1� + 2 − 1ú �§^?§x'^')

= & ù� + 1� − 1ú �§^?�^')§x'�[S = & ù� + 1� − 1ú �§xS^?�^S)?§xS)xS

�[S

E esse é o resultado procurado.

QED

Mas o que queremos é o resultado para ?� + �)\ em geral, embora o resultado acima já seja realmente útil. Poderíamos ter demonstrado já para o caso

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geral, mas tornaria a demonstração mais complicada. Demonstrado o teorema acima, o resultado geral é um corolário.

Corolário: Para quaisquer �, � ∈ � e � ∈ �?S), vale que:

?� + �)\ = & � �� − 1�\xS�[S �\^?�^S)��^S

Demonstração: Como o resultado é claro para � = 0 (esse é um dos motivos de 0Ó = 1 ser conveniente), vamos demonstrar para � ≠ 0. Nesse caso, temos:

?� + �)\ = �\ ù�� + 1ú\ = �\ & � �� − 1�\xS�[S ù��ú\^?�^S)IJJJJJJKJJJJJJLMOPNQR

= �\ & � �� − 1�\xS�[S �\^?�^S) 1�\^?�^S)

= & � �� − 1�\xS�[S �\^?�^S) �\�\�^?�^S) = & � �� − 1�\xS

�[S �\^?�^S) 1�^?�^S)

= & � �� − 1�\xS�[S �\^?�^S)��^S

QED

Existem generalizações do teorema para � fracionário e negativo, mas esses casos resultam em polinômios de infinitos termos (uma série infinita – foram esses os casos que Newton realmente estudou).

Observação importante: Devido à nossa escolha de não incluir o zero nos naturais, tivemos que enunciar o teorema como feito acima. No entanto pode-se ver que, por uma mudança de variável (por enquanto ilícita), podemos reescrever o teorema como ?� + �)\ = ∑ a\�b\�[Ó �\^���, que é uma expressão visivelmente mais simples. Dentro do que temos, podemos “improvisar” definindo ∑ }?�)\�[Ó = }?0) se � = 0 e ∑ }?�)\�[Ó = }?0) + ∑ }?�)\�[S se � ∈ ℕ, onde }: ℕ ∪ 0� → � com 0 ∈ �. Alguns resultados imediatos do teorema são:

a) 2\ = ∑ a\�b\�[Ó , onde se usou o teorema com � = 1. b) 0 = ∑ ?−1)�a\�b\�[Ó se � > 0, onde se usou o teorema com � = −1.

O Teorema Binomial de Newton transforma expressões da forma ?� + �)\ em uma soma onde, basicamente, se precisa apenas calcular os coeficientes a \�^Sb (ou a\�b se a soma começa de 0). É muito mais simples, em geral, calcular esses coeficientes que a expressão ?� + �)\ por multiplicações sucessivas, mas a relação de Stifel nos traz mais um resultado facilitador. Considerando os binômios ?� + �)\ e ?� + �)\xS, com coeficientes binomiais, respectivamente, da forma a\�b e a\xS� b, a relação a\xS� b = a\�b + a \�^Sb pode ser vista como “o coeficiente � + 1 (lembrando que a soma começa de � = 0) do binômio ?� + �)\xS é igual à soma dos coeficientes � + 1 e � do binômio ?� + �)\”. Essa afirmação só faz sentido caso � não corresponda a uma

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extremidade do binômio (� = 0 ou � = � + 1 no caso de ?� + �)\xS), no entanto se sabe que nas extremidades o coeficiente binomial é 1. Começando pelos binômios ?� + �)Ó = 1, donde se tem que o coeficiente é 1, e ?� + �)S = � + �, que possui coeficientes binomiais 1 e 1, podemos obter os coeficientes dos binômios com � > 1 pela relação de Stifel. Por exemplo, os coeficientes de ?� + �)' são 1, 2 e 1, onde o primeiro e o último são 1 por serem extremidades e o segundo se obtêm por a'Sb = aSxSS b = aSSb + a SS^Sb = 2. Realizando sucessivamente esse processo obtemos os seguintes resultados:

� = 0: 1 � = 1: 1 1 � = 2: 1 2 1 2 = 1 + 1 � = 3: 1 3 3 1 3 = 1 + 2 = 2 + 1 � = 4: 1 4 6 4 1 4 = 1 + 3 = 3 + 1 6 = 3 + 3 ⋮

Como se pode ver, é simples obter essa sucessão (chamada de Triângulo de Pascal).

Mas, além dos coeficientes, temos que ter os expoentes. Não é difícil verificar que, considerando o binômio ?� + �)\ = ∑ a\�b\�[Ó �\^���, o expoente de � decresce de � até 0 ao passo que o de � cresce de 0 até �. Assim, por exemplo, a expressão ?� + �)w pode ser escrita como ?� + �)w = �w + 4�&� + 6�'�' + 4��& + �w, onde usamos o Triângulo de Pascal.

Exercício 1.6.2: Faça a expansão dos binômios ?� + �)�, �� + S��¿ e ��� − ���w

.

Exercícios III – 1 Durante os exercícios, considere que as propriedades operacionais e de ordem são a de um corpo. Considere também que �?S) = � ∈ �|� = 0 �= � =∑ 1\Z[S ���� ��~=� � ∈ ℕ�. Nos exercícios 6, 7 e 8, as demonstrações não precisam ser de todo rigorosas (como feito no Exemplo 1.3.1).

1 – Mostre que o Princípio da Boa Ordem implica o Princípio da Indução (Axioma 1.1.3).

2 – Um número natural � é dito par se existe � ∈ ℕ tal que � = 2� e um número © é dito ímpar se existe � ∈ ℕ tal que © = 2� − 1. Mostre que, dado um � ∈ℕ, � é par ou ímpar e não pode ser ambos. Mais precisamente, sendo � o conjunto dos naturais pares e � o conjunto dos naturais ímpares, mostre que ℕ = � ∪ � e que � ∩ � = ∅. 3 – Dado V ⊂ ℕ não vazio tal que �, � ∈ V ⇔ �, ?� + �) ∈ V, mostre que existe � ∈ ℕ de forma que V = � ∈ ℕ|� = ©� ���� ��~=� © ∈ ℕ� (conjunto dos múltiplos de �).

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4 – Mostre que todo natural par � > 1 pode ser escrito como � = 2\c para algum � ∈ ℕ e c ímpar. 5 – Usando indução, mostre que:

a) 6 ⋅ ∑ �'\Z[S = �?� + 1)?2� + 1) b) 4 ⋅ ∑ �&\Z[S = a�?� + 1)b'

c) ∑ 2Z^S\Z[S = 2\ − 1 d) �! > 2\ ∀ � ≥ 4 e) �§ ≥ �¨ se � ≥ © e � ≥ �.

6 – Torre de Hanói é um conhecido jogo constituído de três hastes (1, 2 e 3) e um conjunto de discos com diâmetros distintos, os quais colocados em ordem crescente de diâmetro na haste 1 (contando de cima para baixo). O objetivo é passar esses discos para a haste 3 com o menor números de movimentos possível (um movimento consiste em passar um disco de uma haste para outra). As regras são as seguintes:

a) Só se pode mover um disco de cada vez. b) Só se pode mover o disco de menor diâmetro numa haste. c) Um disco de diâmetro menor nunca poderá estar embaixo de um disco de

diâmetro maior.

Mostre que o menor número possível de movimentos para uma Torre de Hanói com � discos é 2\ − 1. Compare o resultado com o do item (c) do exercício anterior e interprete-o. SUGESTÃO: Use indução e observe que, para uma torre de � (� > 1) discos, precisamos colocar � − 1 primeiros discos na haste 2 para ser possível passar o último (de diâmetro maior) para a haste 3.

7 – Considere � retas num plano. Mostre que o “mapa” formado por essas retas pode ser colorido com duas cores sem que regiões vizinhas sejam coloridas com a mesma cor (uma região é vizinha de outra se existe um segmento de reta separando-as).

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8 – Considere o grupo diedral s\ e os grupos diedrais s'�\, onde � ∈ ℕ. Mostre que existe um único subgrupo de s'�\ que é isomorfo a s\. SUGESTÃO: Consulte o resultado do exercício 15, Exercícios II – 6. Observe que de um polígono regular de 2�� vértices para um de 2�xS� vértices se dobra o número de vértices. Pode-se imaginar a construção desse polígono com o dobro de vértices acrescentando esses vértices nos lados do polígono anterior, como ilustrado abaixo, onde se passa de um triângulo para um hexágono.

9 – Os seguintes “teoremas”, claramente falsos, possuem falhas em suas “demonstrações”. Encontre essas falhas:

Teorema 1: Uma função }: V → y tal que V possui � elementos (indexado pelos � primeiros números naturais) necessariamente é uma função constante*. Demonstração: Demonstremos por indução. O resultado é válido para � = 1, pois }?��) = }?�)�. Supondo que seja válida para � = �, isto é, }?V) = �� com � ∈ y e V possuindo � elementos, temos que é válida para � = � + 1. De fato, pois, considerando V com � + 1 elementos e tomando dois elementos quaisquer distintos �, � ∈ V, temos que V� = V − �� e V�� = V − �� possuem � elementos e, pela hipótese indutiva, }?V�) = �� e }?V��) = ��, que implica }?V) = }?V� ∪ V��) =}?V�) ∪ }?V��) = ��, mostrando o resultado. *: De forma geral, uma função }: V → y é dita constante quando }?V) = �� para algum � ∈ y, ou seja, quando a imagem de } é um conjunto unitário. Teorema 2: Considerando � ∈ � e � ∈ a�?S) − 0�b, temos �\ = �. Demonstração: Usaremos a indução completa para demonstrar esse teorema. O resultado é válido para � = 1, pois �S = �. Supondo que seja válido para todo � ∈ 1, … ,��, temos que é válido para � = � + 1, afinal ��xS = �'�^?�^S) =R�⋅R�R�Âà = R⋅RR = �. 10 – Sendo }: ℕ → �?S) e � ∈ �, mostre que

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Ù �´?Z)\Z[S = �∑ ´?Z)ã(�Ã

11 – Encontre formulas para as seguintes expressões:

a) ∑ �'\Z[� com � ≤ �. b) ∑ �&\Z[� com � ≤ �. c) ∑ ∏ �1 + Sh�Zµh[S\Z[S

d) ∏ 2Z?ZxS)\Z[S e) ∏ �Zh\Z,h[S

f) ∏ ∑ a Z�bZ�[Ó\Z[S

12 – Mostre que:

a) a§�b �\§� = a\�b �\^�§^�� b) ?−1)'\ = 1 e ?−1)'\^S = −1 com � ∈ �?S) c) ∑ a.ZZÃ.ZIh ∏ .Z+Z+ÒÃQ^S [S b\ZÃ,…,ZI[S = .Zh d) ∏ ∑ a\�b\�[Ó ��^\\Z[S = ?� + 1)\ e) ∑ �a\�b\�[Ó = �2\^S f) ∑ a§x�� b\�[Ó = a§x\xS\ b g) ∑ a§�ba ¨\^�b\�[Ó = a§x¨\ b SUGESTÃO: Aplique o teorema binomial à ?� +1)§?� + 1)¨. h) ∑ a\�b'\�[Ó = a'\\ b i) ∑ ?^S)�aã�b�x'\�[Ó = S?\xS)?\x')

13 – Considere a função }: ℕ' → � de forma que }?�, i) = −}?i, �). Demonstre que ∑ £}?�, i)¤'�^S\Z,h[S = 0, onde � ∈ a�?S) − 0�b. 14 – Seja }Z�Z[S\ uma família de funções }Z: �Z → �ZxS, mostre que ?}\ ∘ … ∘}S)^S = }S S ∘ … ∘ }\ S. 2 – Conjuntos Finitos e Infinitos; Aritmética de Cardinais

Uma das motivações para se ter o conjunto dos naturais é conseguir contar elementos de um conjunto. Nessa secção daremos uma noção rigorosa do que seja contar elementos de um conjunto (finito). Além disso, veremos também que existem infinitos distintos e que o conjunto dos naturais possui a menor cardinalidade infinita.

2.1 – Conjuntos finitos

Definição 2.1.1 (conjunto finito): Dado um conjunto V dizemos que esse é finito se é vazio ou existe � ∈ ℕ tal que }: ℕ\ → V é bijetora.

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Vemos que isso significa que o conjunto V é vazio ou é indexado por ℕ\ e, assim, podemos escrever V = �Z�Z[S\ (quando não é vazio). A bijeção } é chamada de contagem dos elementos de V e � é chamado de números de elementos ou número cardinal de V. É comum denotarmos |V| como o número cardinal de V (notação já introduzida no primeiro capítulo). Para o conjunto vazio, associamos o símbolo 0 para indicar sua cardinalidade, isto é, |∅| = 0. A definição corresponde ao que entendemos intuitivamente por contar elementos de um conjunto, pois se está fazendo uma correspondência um-para-um entre os naturais do conjunto ℕ\ e os elementos de V (1 ↦ }?1) = �S, 2 ↦ }?2) =�', … , � ↦ }?�) = �\). Teorema 2.1.1: Se � ⊂ ℕ\ é uma inclusão própria, então não existe bijeção }: � → ℕ\. De forma equivalente, se � ⊂ ℕ\, então }: � → ℕ\ pode ser bijetora somente se � = ℕ\. Demonstração: Consideremos o conjunto de todos os números naturais para os quais existe uma bijeção }: � → ℕ\ com � ⊂ ℕ\ sendo uma inclusão própria. Segue do Princípio da Boa Ordem (Teorema 1.3.7) que esse conjunto possui menor elemento, chamemos esse de �Ó. Logo se vê que �Ó > 1, pois não existe natural menor que 1. Sendo }: � → ℕ\Þ uma bijeção e � ⊂ ℕ\Þ uma inclusão própria, peguemos � ∈ � tal que }?�) = �Ó. Ora, se redefinirmos } para }: ?� − ��) → aℕ\Þ^Sb, teremos uma bijeção entre � − �� e ℕ\Þ^S, contrariando a hipótese de que �Ó era o menor natural para o qual isso seria possível.

QED

Desse resultado podemos obter como corolários alguns resultados fundamentais sobre conjuntos finitos.

Corolário 1: Sendo }: ℕ\ → ℕQ uma bijeção, então � = �. Demonstração: Se � < �, então } é uma bijeção entre ℕ\ e ℕQ e, se � < �, então }^S é uma bijeção entre ℕQ e ℕ\. Ambas as situações absurdas pelo teorema.

QED

Corolário 2: Se }: ℕ\ → � e ~: ℕQ → � são bijeções, então � = �. Demonstração: Ora, se } e ~ são bijeções, então }^S ∘ ~: ℕQ → ℕ\ é uma bijeção e, pelo corolário acima, isso só pode acontecer se � = �.

QED

Esse corolário mostra que o número cardinal está bem definido. Ou seja, que um conjunto finito só pode ser associado a um único número cardinal.

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Corolário 3: Se � é um conjunto finito, então }: � → � é injetora se, e somente se, é sobrejetora.

Demonstração: Sendo � finito, existe uma bijeção ä: ℕ\ → � para algum � ∈ ℕ. A função }: � → � é injetora ou sobrejetora se, e somente se, ä^S ∘ } ∘ ä: ℕ\ →ℕ\ é injetora ou sobrejetora respectivamente (é uma composição de funções injetoras ou sobrejetoras). Chamemos ä^S ∘ } ∘ ä de ~. Se ~ é injetora, então é sobrejetora, pois, sendo ~?ℕ\) = V, ~: ℕ\ → V é uma bijeção e, pelo teorema, só ocorre se V = ℕ\. Por outro lado, se ~ é sobrejetora, então existe y ⊂ ℕ\ tal que ~: y → ℕ\ é uma bijeção e, usando o teorema, isso só ocorre se y = ℕ\. Portanto ~ também é uma bijeção nesse caso.

QED

Corolário 4: Sendo � um conjunto finito não vazio e . ⊂ � uma inclusão própria, não existe bijeção }: � → .. Demonstração: Suponha que exista uma bijeção }: � → .. Como � é finito e não vazio, existe uma bijeção ~: ℕ\ → � para algum � ∈ ℕ e, assim, } ∘ ~: ℕ\ → . é uma bijeção. Ora, já que a inclusão . ⊂ � é própria, ~^S?.) = V ⊂ ℕ\ deve ser uma inclusão própria. Chamando ~{: V → . a bijeção obtida pela restrição do domínio a V, ~{ S ∘ } ∘ ~: ℕ\ → V é uma bijeção e isso é uma contradição pelo teorema.

QED

Lema 2.1.1: Se � e . são finitos e }: � → . é uma bijeção, então, sendo � ∈ � e � ∈ ., existe uma bijeção ~: � → . tal que ~?�) = �. Demonstração: Sendo }?�) = �� e }?��) = �, definamos ~ tomando ~?�) =�, ~?��) = �� e ~?�) = }?�) quando � ∈ �, mas distinto de � e ��. Facilmente se vê que ~ definida dessa forma é uma bijeção.

QED

Teorema 2.1.2: Um subconjunto de um conjunto finito é também um conjunto finito.

Demonstração: Sendo � um conjunto finito, o teorema é claro para � = ∅. Quando � não é vazio, existe bijeção }: ℕ\ → �. Demonstremos o teorema por indução sobre �. O teorema é evidente para � = 1 e, ao supor que vale para � = �, isto é, sendo }: ℕ� → � uma bijeção, um subconjunto de � é finito, temos que vale para � = � + 1. Mostremos isso. Considerando a bijeção }: ℕ�xS → �� e um subconjunto V ⊂ ��, se V = �� nada se tem para mostrar, mas, se a inclusão é própria, existe �� ∈ �� tal que �� ∉ V. Usando o lema, podemos fazer }?� + 1) = �� e, dessa forma, V ⊂ ?�� − ���) e }: ℕ� → ?�� − ���) é uma bijeção. Disso obtemos que �� − ��� é finito com � elementos que, pela hipótese indutiva, implica que V é finito.

QED

Corolário 1: Sendo � um conjunto finito, temos que:

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a) Se }: � → . é sobrejetora, então . é finito. b) Se }: . → � é injetora, então . é finito.

Demonstração: (a): Como } é sobrejetora, existe V ⊂ � tal que }: V → . é bijetora. Pelo teorema, temos que V é finito e, portanto, existe ~: ℕ\ → V bijetora. Logo, já que } ∘ ~: ℕ\ → . é uma bijeção (composição de bijeções), . é finito. (b): Por }: . → � ser injetora, podemos restringir o contradomínio a ��?}) =V ⊂ � e disso obter }: . → V bijetora. Do teorema temos que V é finito e, assim, existe bijeção ~: ℕ\ → V. Dessa forma, }^S ∘ ~: ℕ\ → . é uma bijeção, mostrando que . é finito.

QED

Corolário 2: Um subconjunto de ℕ é finito se, e somente se, é limitado. Demonstração: Se é finito, então podemos escrever �Z�Z[S\ ⊂ ℕ. Considerando o somatório desses elementos, ∑ �Z\Z[S , temos que �h ≤ ∑ �Z\Z[S

qualquer que seja �h ∈ �Z�Z[S\ , pois ∑ �Z\Z[S = �h + ∑ �Z\(�Ã(JK . Logo, �Z�Z[S\ é limitado.

Reciprocamente, se V ⊂ ℕ é um conjunto limitado, esse possui máximo (veja Exercício 1.3.5) e, sendo esse � ∈ ℕ, logo se vê que V ⊂ ℕ\. Como ℕ\ é finito, pelo teorema concluímos que V é finito.

QED

Corolário 3: Se �È�È∈Ê é uma coleção de conjuntos tais que ao menos um é finito, então n �ÈÈ∈Ê é finito.

Demonstração: Seja �ÈÞ um conjunto finito. Sabendo que n �ÈÈ∈Ê ⊂ �ÈÞ, o resultado segue imediatamente do teorema.

QED

Teorema 2.1.3: Se � e . são conjuntos finitos, então � ∪ . é finito. Demonstração: No caso se algum desses conjuntos ser vazio, o resultado é imediato, então vamos supor que não são vazios. Por esses conjuntos serem finitos não vazios, temos que existem bijeções }: ℕ\ → � e ~: ℕQ → ., mas também podemos ver que ℎ: ℕQ → � + ��Z[SQ tal que ℎ?�) = � + � é uma bijeção. Dessa forma, ~ ∘ ℎ^S: � + ��Z[SQ → . é uma bijeção. Fazendo a união dessa função com a } e vendo que ℕ\ ∪ � + ��Z[SQ = ℕ\xQ, temos a sobrejeção } ∪ ~ ∘ ℎ^S: ℕ\xQ → � ∪ .,donde, pelo Corolário 1 do teorema acima, concluímos que � ∪ . é finito.

QED

Observando bem esses resultados, pode-se ver que todos são “óbvios” pelo que entendemos intuitivamente por conjunto finito.

Observação importante: De forma geral, dada uma estrutura ?�,∗) e um elemento � ∈ �, é comum serem usadas as notações � ∗ . =

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� ∈ �|� = � ∗ � ���� ��~=� � ∈ .� e . ∗ � = � ∈ �|� = � ∗ � ���� ��~=� � ∈ .�, onde . ⊂ �. Por exemplo, poderíamos ter escrito o conjunto � + ��Z[SQ como � + ℕQ =� ∈ ℕ|� = � + i ���� ��~=� i ∈ ℕQ�. Outro exemplo é que podemos escrever o conjunto dos naturais pares como 2 ⋅ ℕ = � ∈ ℕ|� = 2� ���� ��~=� � ∈ ℕ�. Exercício 2.1.1: Sendo � e . conjuntos finitos, mostre que � × . é finito. Generalize para o caso ∏ �Z\Z[S com �Z�Z[S\ sendo uma família de conjuntos finitos.

Exercício 2.1.2: Mostre que, se �Z�Z[S\ é uma família de conjuntos finitos,

então ` �Z\Z[S é finito.

Exercício 2.1.3: Mostre que ` ?�� + ℕ\)QZ[S = � + ℕ∑ \I(�à = � + ℕ\⋅Q.

2.2 – Conjuntos infinitos

Definição 2.2.1 (conjunto infinito): Um conjunto é infinito quando não é finito.

Essa definição parece vazia, mas é equivalente a dizer que um conjunto � é infinito quando não é vazio e não existe bijeção }: ℕ\ → � qualquer que seja � ∈ ℕ. Ou seja, não existe � ∈ ℕ tal que esse seja o número de elementos de um conjunto infinito, o que é intuitivo.

Teorema 2.2.1: ℕ é infinito. Demonstração: A função sucessor, r: ℕ → ℕ tal que r?�) = � + 1, é injetora sem ser sobrejetora. Do Corolário 3 do Teorema 2.1.1, ℕ não é finito e, portanto, é infinito.

QED

Lema 2.2.1: Se � é infinito e . é finito, então � − . é infinito. Demonstração: Sabendo que � − . = � − � ∩ . e que � ∩ . ⊂ �, mostremos que � ∩ . ≠ �. Ora, por � ∩ . ⊂ ., temos que esse é finito e, assim, é evidente que � ∩ . ≠ �.

QED

Teorema 2.2.2: Se � é infinito, então existe função injetora }: ℕ → �. Demonstração: Definamos uma coleção }Z: ℕZ → ��Z∈ℕ de funções injetivas de forma indutiva. }S = ?1, �S)� com �S ∈ � e }' = }S ∪ ?2, �')� onde �' ∈ ?� − �S�). Supondo já conseguidos as � primeiras funções injetivas }Z: ℕZ → ��Z[S\ com }Z = }Z^S ∪ ?�, �Z)� para � > 1, onde �Z ∈ ?� − ��?}Z^S)), podemos fazer }\xS = }\ ∪?� + 1, �\xS)� com �\xS ∈ ?� − ��?}\)), já que � − ��?}\) ≠ ∅ pelo lema. Tomando �: ℕ → � definida por �?�) = }\?�), essa é injetora, pois, sendo � > �, �?�) ∈��?}Q^S) ao passo que �?�) ∈ ?� − ��?}Q^S)), donde temos que �?�) ≠ �?�).

QED

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Corolário: Um conjunto � é infinito se, e somente se, existe bijeção entre esse e alguma parte própria sua.

Demonstração: Pelo teorema, se � é infinito, então existe função injetora }: ℕ → �. Denotemos a imagem dessa função por �Z�Z∈ℕ. Dessa forma, temos as bijeções }: ℕ → �Z�Z∈ℕ e }�: ?ℕ − 1�) → ?�Z�ℕ − �S�). Como a função sucessor definida como r: ℕ → ?ℕ − 1�) é uma função bijetora, a composição }� ∘ r ∘}^S: �Z�Z∈ℕ → ?�Z�ℕ − �S�) é uma bijeção. Por simplicidade, vamos escrever }� ∘ r ∘ }^S = ~. Considerando a função ℎ: ?� − �Z�Z∈ℕ) → ?� − �Z�Z∈ℕ) tal que ℎ?�) = �, ao unirmos essa função com a anterior, obtemos ~ ∪ ℎ: � → ?� − �S�), que é uma função bijetora entre � e sua parte própria � − �S�. Reciprocamente, se existe bijeção entre � e um subconjunto próprio desse, � é infinito em virtude do Corolário 4 do Teorema 2.1.1.

QED

Observação: Observe que, na demonstração do corolário, se demonstrou a recíproca do teorema, pois se mostrou que a existência de uma função injetora }: ℕ → � implica a existência de uma bijeção entre � e alguma parte própria desse conjunto.

O resultado do corolário é contra-intuitivo. Ao vermos que uma bijeção é uma correspondência um-para-um, ou seja, uma relação que toma um elemento de um conjunto e relaciona a um único de outro conjunto, a idéia de que possa existir uma bijeção entre um conjunto e alguma parte própria desse parece absurda. No entanto o corolário acima nos diz que isso não só pode acontecer, mas também que é necessário para considerarmos um conjunto infinito.

Além da função sucessor, pode-se ver que ´:ℕ→�\↦'\ , onde � é o conjunto dos pares naturais, é uma bijeção. Intuitivamente poderíamos pensar que o conjunto dos pares naturais corresponde à metade dos naturais, mas a existência de uma bijeção entre ℕ e � nos diz que “existem tantos pares quanto naturais” ou, de forma equivalente, que “os pares são tão numerosos quanto os naturais”.

Teorema 2.2.3: Se � é infinito e � ⊂ ., então . é infinito. Demonstração: Como � é infinito, existe função injetora }: ℕ → �, bastando estender o contradomínio para ., temos a função injetora }: ℕ → ., mostrando que . é infinito.

QED

Corolário 1: Seja �È�È∈Ê uma coleção de conjuntos de forma que ao menos um seja infinito. Então ` �ÈÈ∈Ê é infinito.

Demonstração: Basta observar que, sendo �ÈÞ ∈ �È�È∈Ê um conjunto infinito, �ÈÞ ⊂ ` �ÈÈ∈Ê , donde o resultado segue imediatamente do teorema.

QED

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Corolário 2: Considerando os conjuntos � e ., temos: a) Se � é infinito e existe }: � → . injetora, então . é infinito. b) Se . é infinito e existe }: � → . sobrejetora, então � é infinito.

Exercício 2.2.1: Demonstre o último corolário.

2.3 – Conjuntos enumeráveis

Definição 2.3.1: Um conjunto � é dito enumerável se é finito ou existe bijeção }: ℕ → �, essa chamada de enumeração dos elementos de �. Como no caso de conjuntos finitos, quando existe bijeção }: ℕ → �, escrevemos }?1) = �S, }?2) = �', … , }?�) = �\, …. Assim, temos � = �Z�Z∈ℕ. Observamos que, sendo � um conjunto infinito, existe função injetora }: ℕ → � e, assim, existe . ⊂ � tal que }: ℕ → . é bijetora. Ora, . é, então, infinito e enumerável, ou seja, poderíamos enunciar o Teorema 2.2.2 como “todo conjunto infinito possui um subconjunto infinito enumerável”. Veremos mais adiante que isso significa que o infinito enumerável é o menor dos infinitos.

Teorema 2.3.1: Todo subconjunto � de ℕ é enumerável. Demonstração: Se � é finito, nada temos o que demonstrar, então seja � infinito. Definamos }: � → ℕ de forma que }?�) = |ℕ\ ∩ �|. Essa função é injetora, pois, sendo � > � (�, � ∈ �), ℕ\ ∩ � ⊂ ℕQ ∩ � é uma inclusão própria, fazendo |ℕ\ ∩ �| ≠ |ℕQ ∩ �|. A demonstração de que é sobrejetora pode ser feita por indução: sendo �S o menor elemento de �, }?�S) = ¼ℕ\à ∩ �¼ = |�S�| = 1 e, supondo já conseguidos, }?�S) = ¼ℕ\� ∩ �¼ = 1, … , }?��) = ¼ℕ\� ∩ �¼ = � com �Z = mina� −ℕ\(ÂÃ) (1 < � ≤ �), tenhamos }?��xS) fazendo ��xS = mina� − ℕ\�b, donde se tem }?��xS) = ¼ℕ\�Òà ∩ �¼ = L�ℕ\� ∪ ��Z[\�xS\�Òà � ∩ �L = Laℕ\� ∩ �b ∪ ���Z[\�xS\�Òà ∩ ��L =¼ℕ\� ∩ �¼ + L��Z[\�xS\�Òà ∩ �L = � + 1, onde foi utilizado o fato não demonstrado ainda de que |� ∪ .| = |�| + |.| − |� ∩ .| (veja o Teorema 2.7.2).

QED

Corolário 1: Se � é enumerável, . ⊂ � é enumerável. Demonstração: Se � ou . é finito, nada temos para demonstrar, então suponhamos que ambos sejam infinitos. De � ser infinito, temos a existência da bijeção }: ℕ → �. Tomando Ω = }^S?� − .), temos a bijeção }: ?ℕ − Ω) → .. Ora, pelo teorema, ℕ − Ω é enumerável e, assim, existe ~: ℕ → ?ℕ − Ω) bijetora e, portanto, temos } ∘ ~: ℕ → . bijetora, completando a demonstração.

QED

Corolário 2: Considerando os conjuntos � e . e uma função }: � → . temos: a) Se } é injetora e . é enumerável, então � é enumerável.

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143

b) Se } é sobrejetora e � é enumerável, então . é enumerável. Demonstração: (a): Basta observar que existe ~: ℕ → . bijetora e, assim, ~^S ∘ }: � → ℕ é injetora. Tomando V ⊂ ℕ tal que ~^S ∘ }: � → V seja bijetora, essa é uma bijeção entre � e um subconjunto de V, o qual enumerável pelo teorema. (b): Tomando V ⊂ � tal que }: V → . é bijetora, do Corolário 1, V é enumerável e, portanto, . é enumerável.

QED

Com a parte (b) do corolário acima, podemos afirmar que um conjunto � é enumerável quando existe função sobrejetora }: ℕ → �. Corolário 3: O produto cartesiano de dois conjuntos enumeráveis é enumerável.

Demonstração: Com efeito, sejam � e . conjuntos enumeráveis. Existem sobrejeções }: ℕ → � e ~: ℕ → . e, dessa forma, ℎ: ℕ' → � × . tal que ℎ?�, �) =a}?�), ~?�)b é uma sobrejeção. Então basta mostrar que ℕ' é enumerável. Pelo Corolário 2, é suficiente ter uma aplicação injetiva ä: ℕ' → ℕ. Tal é obtida definindo ä?�, �) = 2\3Q, pois a decomposição de um natural em primos é única (Teorema Fundamental da Aritmética, que será demonstrado na próxima secção).

QED

Corolário 4: Sendo �Z�Z∈ℕ uma família de conjuntos enumeráveis, � =` �ZZ∈ℕ é enumerável.

Demonstração: De esses conjuntos serem enumeráveis, temos a família de funções sobrejetoras }Z: ℕ → �Z�Z∈ℕ. Definamos a coleção }Z�: ℕ × �� → �Z�Z∈ℕ de forma que }Z�?�, �) = }Z?�). Essas funções também são sobrejetoras. Como os domínios dessas funções são disjuntos, ao tomarmos a união de todas, temos a função sobrejetora ` }Z�Z∈ℕ : ` ℕ × ��Z∈ℕ → ` �ZZ∈ℕ . Observando que ` ℕ × ��Z∈ℕ = ℕ ×` ��Z∈ℕ = ℕ × ℕ e que ` �ZZ∈ℕ = �, temos, finalmente, que ` }Z�Z∈ℕ : ℕ × ℕ → � é uma sobrejeção, demonstrando o teorema. Para o caso da união de um número finito de conjuntos, isto é, ` �Z\Z[S , basta termos a família �Z�Z∈ℕ com �h = �\ para i > �.

QED

Exercício 2.3.1: Mostre que ℕ\ com � natural é enumerável.

Exemplo 2.3.1: Como exemplo de uma união enumerável de conjuntos enumeráveis, vamos decompor ℕ numa coleção infinita enumerável de conjuntos infinitos enumeráveis disjuntos dois a dois. Ou seja, ℕ = ` �ZZ∈ℕ onde cada �Z é infinito e disjunto de todos os outros (veja que se trata de uma partição de ℕ). Definamos a coleção �Z�Z∈ℕ da seguinte forma: �S = 2i − 1�h∈ℕ (conjunto dos ímpares) e �\ = 2\^S?2i − 1)�h∈ℕ para � > 1. Demonstremos que �Z�Z∈ℕ é uma partição de ℕ. Os conjuntos são disjuntos, pois, dado � ∈ ℕ e sendo �\ e �Q com

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� < �, se � ∈ �\, então � ∉ �Q. Com efeito, se �\ = �S, vê-se isso pelo fato de �Q ser um conjunto de pares qualquer que seja � > 1. Para o caso de �\ ≠ �S, seja � = � + � e um elemento � = 2\^Sc ∈ �\ (c ímpar). Se 2\^Sc ∈ �\x§, então 2\^Sc = 2\x§^Sd para algum d ímpar, mas isso leva a um absurdo, pois teríamos c = 2§d, contrariando a hipótese de que c é ímpar. Agora demonstraremos que um natural pertence a algum desses conjuntos. De fato, pois, se � ∈ ℕ é ímpar, então � ∈ �S e, se � é par, existe � natural e c ímpar de forma que � = 2\c. Assim, ℕ = ` �ZZ∈ℕ e �Z ∩ �h = ∅ sempre que � ≠ i. Como veremos, exemplos de conjuntos enumeráveis além dos subconjuntos de ℕ são o conjunto dos inteiros e o dos racionais. Mas já deixamos a entender que existem conjuntos infinitos que não são enumeráveis. De fato existem. O conjunto dos reais não é enumerável, como será mostrado mais adiante. Um exemplo mais simples de conjunto não-enumerável segue abaixo.

Exemplo 2.3.2 (conjunto não-enumerável): Consideremos o conjunto 0,1�ℕ. Vamos mostrar que ele não é enumerável. Para tanto, mostraremos que nenhum subconjunto enumerável de 0,1�ℕ pode ser igual a 0,1�ℕ. Com efeito, o conjunto 0,1�ℕ é o conjunto de todas as seqüência com zeros e uns (seqüências do tipo ?1,0,1,0,0,1,0,1,1, … )). Também podemos pensar 0,1�ℕ como o conjunto de todas as funções r: ℕ → 0,1�. Tomando um subconjunto enumerável rZ�Z∈ℕ ⊂ 0,1�ℕ, seja r\?�) o m-ésimo termo da seqüência �. Construamos a seqüência r com r?�) = 0 se r\?�) = 1 e r?�) = 1 se r\?�) = 0, ou seja, para todo � natural, temos r?�) ≠ r\?�). Dessa forma, r não pertence a rZ�Z∈ℕ, pois r ≠ r\ qualquer que seja � já que r?�) ≠ r\?�). Assim, fica demonstrado que rZ�Z∈ℕ ≠ 0,1�ℕ. Portanto, 0,1�ℕ não é enumerável.

O raciocínio desenvolvido acima para demonstrar que 0,1�ℕ não é enumerável é chamado de método da diagonal e é devido a Georg Cantor. O exemplo ainda mostra que o produto cartesiano de uma coleção enumerável de conjuntos em geral não é enumerável.

2.4 – Equipotência de conjuntos

É natural, para conjuntos finitos, que tenham mesmo número de elementos quando existe bijeção entre esses, mas não se pode falar em números de elementos para conjuntos infinitos como se faz mais costumeiramente. No entanto a existência de bijeção entre conjuntos infinitos continua sendo um critério intuitivo para afirmar que são de mesmo “tamanho”.

Definição 2.4.1 (equipotência): Dados os conjuntos � e . esses são ditos equipotentes quando existe bijeção }: � → .. Nesse caso, escrevemos �~.. Pode-se ver que �~� e, além disso, se �~., então .~� e, se �~. e .~;, então �~; (demonstre essas afirmações). Ou seja, a relação de equipotência possui as propriedades de uma relação de equivalência. No entanto não se trata de uma relação de equivalência porque a definição se estende a todos os conjuntos e não

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existe um conjunto de todos os conjuntos. Entretanto segue que, em toda coleção de conjuntos, a relação de equipotência é uma relação de equivalência.

Observação: Podemos, através da definição, introduzir a seguinte notação para funções bijetoras: }: �~.. Nos teoremas que se seguem, vamos considerar todos os conjuntos em questão não vazios.

Teorema 2.4.1: Se �~; e .~s com � ∩ . = ∅ = ; ∩ s, então existe ℎ: � ∪.~; ∪ s. Demonstração: Seja }: �~; e ~: .~s. Como os domínios e contradomínios são disjuntos, temos ?} ∪ ~ = ℎ): � ∪ .~; ∪ s.

QED

Corolário: Se ?� − .)~?. − �), então �~.. Demonstração: Tomando }: ?� − .)~?. − �) e a função identidade �F∪t^Fât, pode-se ver que ?� − .) ∩ ?� ∪ . − �Δ.) = ∅ = ?. − �) ∩ ?� ∪ . − �Δ.), ?� − .) ∪ ?� ∪ . − �Δ.) = � e ?. − �) ∪ ?� ∪ . − �Δ.) = .. Dessa forma, usando o teorema, temos ?} ∪ �F∪t^Fât): �~..

QED

Exercício 2.4.1: Complete os detalhes na demonstração do corolário acima.

SUGESTÃO: Lembre-se que �O. = ?� − .) ∪ ?. − �) e use diagramas para visualizar o resultado.

Teorema 2.4.2: Se �~; e .~s, então � × .~; × s. Demonstração: Dados }: �~; e ~: .~s, definamos ℎ: � × . → ; × s de forma que ℎ?�, �) = a}?�), ~?�)b. Não é difícil verificar que tal função é uma bijeção e que, portanto, � × .~; × s.

QED

Exercício 2.4.2: Dados os conjuntos � e ., mostre que � × .~. × �.

2.5 – Números cardinais

Para conjuntos finitos, a idéia de número cardinal está ligada à de indicar quantos elementos um conjunto tem. Nessa subsecção, buscaremos não só ligar números cardinais aos conjuntos finitos, mas também aos infinitos. Os números cardinais associados aos conjuntos infinitos indicam quantidade de elementos num sentido mais amplo e não mais restrito à simples contagem. Como já foi percebido, e ficará mais claro ao longo do texto, não nos importa muitas vezes o que sejam os objetos matemáticos em si, mas como podemos manipulá-los. Por exemplo, não é interessante saber o que é um número natural e sim como os manipulamos. De fato introduzimos os naturais através de suas propriedades e a idéia de número natural

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foi tomada como primitiva (não definida). Seguindo essa linha, vamos introduzir os números cardinais de forma axiomática, como os naturais, ditando não o que seja um número cardinal, mas sim suas propriedades.

Axioma 2.5.1: Cada conjunto � está associado a um número cardinal, denotado |�|, e cada número cardinal � está associado a algum conjunto . de forma que |.| = �. Axioma 2.5.2: |�| = 0 ⇔ � = ∅ Axioma 2.5.3: Se �~��Z[S\ para algum � ∈ ℕ, então |�| = �. Axioma 2.5.4: Dados os conjuntos � e ., |�| = |.| ⇔ �~.. Os axiomas 2.5.2 e 2.5.3 se referem aos números cardinais dos conjuntos finitos e afirmam que 0 e cada número natural são números cardinais. Os axiomas 2.5.1 e 2.5.4 podem ser obtidos como resultados no caso de conjuntos finitos, mas lembremos que queremos tratar também dos cardinais associados a conjuntos infinitos e, nesse caso, esses axiomas são necessários, pois afirmam a existência de números cardinais associados a esses conjuntos e como podemos dizer que um número cardinal é igual a outro.

Pode-se, de forma um pouco simplista, pensar um número cardinal como a propriedade que um conjunto compartilha com todos os conjuntos equipotentes a ele. A unicidade do número cardinal é garantida pelo fato de que �~�, pois, pelo Axioma 2.5.4, se |�| = � e |�|� = �, então � = �. Os números cardinais associados a conjuntos finitos são chamados de cardinais finitos e os associados a conjuntos infinitos são chamados de cardinais transfinitos. Exemplos de números cardinais transfinitos são |ℕ| e ¼0,1�ℕ¼.

2.6 – Ordenação de números cardinais

Para cardinais finitos, existe uma ordem (total) herdada da dos números naturais e podemos dizer, por exemplo, que 5 > 2. Mas para cardinais transfinitos os axiomas que tomamos apenas indicam quando são iguais. No entanto é de se esperar que possamos dizer que um cardinal transfinito é maior que outro. Não podemos aplicar a ordem dos naturais aos cardinais transfinitos e também não é satisfatório que tenhamos critérios diferentes para tratar a ordem de cardinais finitos e transfinitos. Assim, o que buscamos é uma definição que reproduza a ordem dos cardinais finitos e seja aplicável aos cardinais transfinitos. A definição abaixo é intuitiva cumpre esse papel.

Definição 2.6.1: Considerando os conjuntos � e ., dizemos que |�| é menor ou igual a |.| e denotamos |�| ≤ |.| quando existe aplicação injetiva }: � → .. Vamos convencionar que, para todo número cardinal �, 0 ≤ �. Exercício 2.6.1: Mostre que, para os cardinais finitos distintos de 0, essa definição reproduz a ordem de números naturais. SUGESTÃO: Basta mostrar que

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para esses cardinais |�| ≤ |.| é equivalente a |�| = |.| ou existe � ∈ ℕ tal que |�| + � = |.|. Como se sabe, se }: � → . é injetora, então existe ; ⊂ . tal que }: � → ; seja bijetora. Ou seja, poderíamos reescrever a definição afirmando que |�| ≤ |.| quando �~; para algum ; ⊂ .. Também é interessante termos a notação |�| < |.| para indicar que �~; para algum ; ⊂ ., mas não existe ; ⊂ . tal que �~; e ; = ., ou seja, que � só é equipotente a subconjuntos próprios de .. Exemplo 2.6.1: |ℕ| < ¼0,1�ℕ¼, como demonstrado no Exemplo 2.3.2. Observação: A partir de agora passaremos a usar a notação |ℕ| = ℵÓ (lê-se “álef-zero”).

Teorema 2.6.1: Para todo cardinal transfinito �, ℵÓ ≤ �. Demonstração: Pelo Axioma 2.5.1, � está associado a algum conjunto (infinito). Seja esse �. Pelo Teorema 2.2.2, existe função injetora }: ℕ → �. Logo, ℵÓ ≤ �.

QED

Como já havia sido mencionado, o enumerável é o menor dos infinitos.

Exercício 2.6.2: Mostre que � < ℵÓ para todo cardinal finito �. Teorema 2.6.2: Se � ⊂ ., então |�| ≤ |.|. Demonstração: Basta tomar ´:F→t�↦� (uma função injetora), donde se conclui o resultado.

QED

Demonstraremos agora que a ordem apresentada possui as propriedades de uma ordem total, já observando que � ≤ � qualquer que seja o número cardinal �. Teorema 2.6.3 (transitividade): Sejam �, � e � números cardinais tais que � ≤ � e � ≤ �, então � ≤ �. Demonstração: Com efeito, esses cardinais estão associados a conjuntos e sejam esses �, . e ; respectivamente. Por definição, existem as funções injetoras }: � → . e ~: . → ;. Bastando fazer a composição, temos a função injetora ~ ∘ }: � →;, donde se conclui que � ≤ �.

QED

Exercício 2.6.3: Mostre que, se � ⊂ . ⊂ ; e �~;, então .~;. As duas propriedades que ainda faltam serem demonstradas para completar as características de ordem total não são resultados triviais. Demonstraremos

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primeiro a anti-simetria (Teorema de Schröder-Bernstein), mas, para isso, demonstraremos um caso particular como lema.

Observação 1: Estamos falando de características de uma relação de ordem total porque não existe um conjunto de todos os números cardinais. Ou seja, não é uma relação (binária) de fato, mas podemos ter conjuntos formados por números cardinais (ℕ é um exemplo) e, assim, pode-se afirmar que todo conjunto formado por números cardinais é totalmente ordenado com a definição de ordem acima.

Observação 2: Na verdade, os números cardinais são bem ordenados (todo conjunto de números cardinais possui menor elemento), mas não demonstraremos isso.

Lema 2.6.1: Se . ⊂ � e existe função injetora }: � → ., então �~.. Demonstração: Devemos mostrar que existe bijeção ~: � → .. Se . = �, basta ~ = �F, então suponhamos que . ⊂ � seja uma inclusão própria. Comecemos definindo ; = ` }Z?� − .)Z∈Ó�∪ℕ onde }Ó = �F, }S = } e }� = }�^S ∘ } para � > 1. Agora seja ~: � → � tal que · ~?�) = }?�) r� � ∈ ;~?�) = � r� � ∈ ?� − ;). Façamos algumas observações. ?� − .) ⊂ ;, pois }Ó?� − .) = �F?� − .) = � − .. Também temos que }?;) ⊂ ;, afinal, }?;) = }a` }Z?� − .)Z∈Ó�∪ℕ b = ` } �}Z?� − .)�Z∈Ó�∪ℕ = ` }ZxS?� − .)Z∈Ó�∪ℕ =` }Z?� − .)Z∈ℕ ⊂ ;. Por último, sendo � > �, }\?� − .) ∩ }Q?� − .) = ∅, pois }\?� − .) = }Qx§?� − .) = }Qa}§?� − .)b e, supondo que existam �, �� ∈ ?� − .) tais que }\?�) = }Q?��), temos }Qa}§?�)b = }Q?��) ⇒ }§?�) = �� ∈ . ∩ ?� − .), que é uma contradição (lembrando que o contradomínio de } é .). Assim:

~?�) = ~?� − ;) ∪ ~?;) = ?� − ;) ∪ }?;) = �� − Y }Z?� − .)Z∈Ó�∪ℕ � ∪ ]Y }Z?� − .)Z∈ℕ _ = Q� − �?� − .) ∪ Y }Z?� − .)Z∈ℕ �R ∪ ]Y }Z?� − .)Z∈ℕ _ = �a� − ?� − .)b ∩ a� − }?;)b� ∪ }?;) = �a� − ?� − .)b ∪ }?;)� ∩ �a� − }?;)b ∪ a}?;)b� = a� − ?� − .)b ∩ � = a� − ?� − .)b = ∁F?∁F.) = .

Onde usamos a� − ?� − .)b ∪ }?;) = a� − ?� − .)b devido ao fato de que }?;) ∩ ?� − .) = ∅. Segue do resultado que ~?�) = ��?~) = .. Como essa função é injetora, ~: � → . é uma bijeção e, portanto, �~..

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149

QED

O esquema abaixo ilustra o raciocínio usado na demonstração acima.

Teorema 2.6.4 (Teorema de Schröder-Bernstein): Dados os conjuntos � e ., se � é equipotente a um subconjunto de . e . é equipotente a um subconjunto de �, então �~.. Demonstração: Sejam �� ⊂ � e .� ⊂ . tais que �~.� e .~�� e consideremos as bijeções }: �~.� e ~: .~��. Restringindo o domínio de ~ a .�, ~': .� → �� é uma função injetora. Assim, ~' ∘ }: � → �� é injetora. Pelo lema, existe ℎ: �~�� e, dessa forma, temos ~^S ∘ ℎ: �~., mostrando o resultado.

QED

Corolário: Sendo � e � números cardinais tais que � ≤ � e � ≤ �, então � = �. Exercício 2.6.4: Demonstre esse corolário.

Exercício 2.6.5: Mostre que |�| ≤ |.| se, e somente se, existe função sobrejetora }: . → �.

Agora será demonstrada a totalidade para essa ordem.

Lema 2.6.2: Sendo � e . conjuntos não vazios, ou existe função injetora de � em . ou existe função injetora de . em �. Demonstraremos esse lema ao final dessa secção porque alguns conceitos devem ser introduzidos.

Teorema 2.6.5: Considerando os conjuntos � e ., |�| ≤ |.| ou |.| ≤ |�|. Demonstração: Supondo falso |.| ≤ |�|, não existe função injetora de . em �, mas, pelo lema, isso implica que existe função injetora }: � → ., donde concluímos que |�| ≤ |.|.

QED

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Até agora, temos apenas os números cardinais ℵÓ e ¼0,1�ℕ¼ como exemplos de cardinais transfinitos. Podemos nos perguntar se existem apenas esses e, mesmo existindo outros, se existe algum que seja maior que todos os outros. O teorema abaixo, devido a Cantor, mostra que existe uma infinidade de outros cardinais transfinitos e, além disso, podemos concluir através dele que não existe um número cardinal maior que todos os outros.

Teorema 2.6.6 (Teorema de Cantor): Sendo � um conjunto, |�| < |�?�)|. Demonstração: É fato que |∅| = 0 < 1 = |�?∅)|, então seja � não vazio. A função }: � → �?�) tal que }?�) = �� é injetora e, assim, está demonstrado que |�| ≤ |�?�)|. Resta-nos mostrar que não se tem �~�?�). Suponhamos que exista ~: �~�?�) e seja . = � ∈ �|� ∉ ~?�)� (conjunto dos elementos de � que não pertencem a suas imagens). Como . ∈ �?�) e ~: �~�?�), segue que existe �Ó tal que ~?�Ó) = .. Isso leva a uma contradição, pois, se �Ó ∈ ., então, pela definição de ., �Ó ∉ ~?�Ó), mas ~?�Ó) = . (contradição) e, se �Ó ∉ ., então ~?�Ó) = . ⇒ �Ó ∉ ~?�Ó) e, pela definição de ., �Ó ∈ . (novamente uma contradição). Segue, portanto, que não existe ~: �~�?�) e, assim, |�| < |�?�)|.

QED

Corolário: Não existe número cardinal maior que todos os outros.

Demonstração: Supondo que exista, seja esse �. Estando esse associado ao conjunto �, tenhamos � = |�?�)|. Do teorema temos que � < �, contrariando a hipótese de que � era o maior de todos.

QED

Observação: Vendo atentamente a demonstração do Teorema de Cantor, pode-se perceber que o argumento usado é o método da diagonal já apresentado no Exemplo 2.3.2.

Uma questão natural que surge com esse teorema é se existe número cardinal � tal que |ℕ| < � < |�?ℕ)|. A afirmação de que não existe é chamada de hipótese do contínuo e foi conjecturada pelo próprio Cantor. No entanto, após mais de meio século depois de ser conjecturada, foi demonstrado que a hipótese do contínuo não pode ser mostrada nem verdadeira nem falsa através dos axiomas da Teoria Axiomática de Conjuntos. O primeiro passo foi dado por Kurt Gödel, que, em 1938, mostrou que a afirmação é consistente com os axiomas da teoria de conjuntos e, em 1963, Paul Cohen finalmente mostrou que a hipótese do contínuo não pode ser demonstrada pelos axiomas da teoria de conjuntos.

Exercício 2.6.6: Considerando os conjuntos � e ., mostre que, se �~., então �?�)~�?.). Exercício 2.6.7: Usando o resultado do exercício anterior, mostre que, se � é infinito e enumerável, então �?�) não é enumerável.

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2.7 – Cardinais finitos

Antes de introduzirmos a aritmética de cardinais de forma geral, demonstremos os teoremas enunciados na Secção 3 do Capítulo I e alguns outros resultados importantes.

Teorema 2.7.1: Se � e . são finitos e . ⊂ �, então |.| ≤ |�| com |.| = |�| se, e somente se, � = .. Demonstração: Já foi demonstrado que |.| ≤ |�| de forma geral, então basta mostrar que |.| = |�| ⇔ � = .. Com efeito, pelo Corolário 4 do Teorema 2.1.1, não existe bijeção }: �~. se . ⊂ � é uma inclusão própria e claramente existe se � = ..

QED

Teorema 2.7.2: Se � e . são finitos, então |� ∪ .| = |�| + |.| − |� ∩ .|. Demonstração: Existem }: ℕ\~� e ~: ℕQ~.. Se � ∩ . = ∅, basta tomarmos ~�: ?� + ℕQ)~. e termos } ∪ ~�: ℕ\xQ~� ∪ ., donde segue que |� ∪ .| = |�| + |.|. Mas se � ∩ . ≠ ∅, esse é finito com � elementos (� ≤ � e � ≤ �). Definindo �: ℕ\~� de forma que �?ℕ�) = � ∩ . (isso é possível pelo Lema 2.1.1) e tendo r: ℕQ^�~?. −� ∩ .), podemos definir r�: ?� + ℕQ^�)~?. − � ∩ .) e ter � ∪ r�: ℕ\xQ^�~a� ∪?. − � ∩ .)b = � ∪ r�: ℕ\xQ^�~a� ∪ ?. − �)b = � ∪ r�: ℕ\xQ^�~?� ∪ .). O resultado segue da última igualdade, pois |�| = �, |.| = � e |� ∩ .| = �.

QED

Teorema 2.7.3: Se � é finito com |�| = �, então �?�) (conjunto das partes de �) possui 2\ elementos. Ou seja, |�?�)| = 2\. Demonstração: Aqui omitiremos detalhes para não tornar a demonstração maçante. Demonstremos por indução já observando que |�?∅)| = 1 e convencionando 2Ó = 1. O resultado vale para � = 1, pois os únicos subconjuntos de � são ∅ e �. Supondo para |�| = �, ou seja, |�?�)| = 2�, tomemos �� = � ∪ �Ó� (�Ó ∉ �). Vemos que |� ∪ �Ó�| = � + 1. A união de subconjuntos de � pertence a �?�), mas, para cada . ∈ �?�), . ∪ �Ó� ∉ �?�). Portanto �?��) possui ao menos 2 ⋅ 2� = 2�xS elementos. Para ver que esses são os únicos elementos, basta observar que o único conjunto formado com �Ó independente de �?�) é �Ó�, mas logo se vê que �Ó� = �Ó� ∪ ∅ e isso completa a demonstração.

QED

Teorema 2.7.4: Se � e . são finitos com |�| = � e |.| = �, então |� × .| =� ⋅ �. Demonstração: Considerando a função }S: ℕ\ × 1� → ℕ\ tal que }S?i, 1) = i e a coleção de funções W}Z: ℕ\ × �� → i�h[?Z^S)\Z\ XZ['Q

tais que }Z?i, �) = ?� − 1)� + i, não é difícil observar que são todas funções bijetoras. Como os domínios são disjuntos

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152

assim como as imagens, obtemos }: ` ℕ\ × ��QZ[S → ℕ\ ∪ ` i�h[?Z^S)\Z\QZ[' bijetora.

Observando que ℕ\ ∪ ` i�h[?Z^S)\Z\QZ[' = ℕ∑ \I(�à = ℕ\⋅Q e que ` ℕ\ × ��QZ[S = ℕ\ ×` ��QZ[S = ℕ\ × ℕQ, podemos escrever }: ℕ\ × ℕQ~ℕ\⋅Q. Sabendo que existem ~S: ℕ\~� e ~': ℕQ~., podemos definir a função ~: ℕ\ × ℕQ → � × . tal que ~?�, i) =a~S?�), ~'?i)b, que, como se pode verificar, é uma bijeção. Ora, a função ~ ∘}^S: ℕ\⋅Q → � × . é, então, bijetora, o que demonstra o resultado. QED

O resultado geral é obtido como um corolário.

Corolário: Se �Z�Z[SQ é uma família de conjuntos finitos com |�Z| = �Z, então |∏ �ZQZ[S | = ∏ �ZQZ[S .

Demonstração: Façamos a demonstração por indução sobre �. O resultado é claro para � = 1 e, supondo para � = �, isto é, ¼∏ �Z�Z[S ¼ = ∏ �Z�Z[S , temos que vale

para � = � + 1. Com efeito, ∏ �Z�xSZ[S ~a∏ �Z�Z[S b × ��xS e, pelo teorema, ¼a∏ �Z�Z[S b ×��xS¼ = ¼∏ �Z�Z[S ¼ ⋅ |��xS| = a∏ �Z�Z[S b ⋅ ��xS = ∏ �Z�xSZ[S , o que completa a

demonstração.

QED

Exercício 2.7.1: Mostre que ∏ �Z�xSZ[S ~a∏ �Z�Z[S b × ��xS. Teorema 2.7.5: Sendo � e . finitos, |� − .| = |�| − |� ∩ .|. Em particular, se . ⊂ �, então |� − .| = |∁F.| = |�| − |.|. Demonstração: Seja |�| = �, |.| = � e |� ∩ .| = � (� < � e � < �). Sendo � − . = � − � ∩ ., consideremos a }: ℕ\~� de forma que }?ℕ�) = � ∩ .. Assim, temos }: ��Z[�xS\ ~?� − � ∩ .) e, como ~: ℕ\^� → ��Z[�xS\ com ~?i) = � + i é uma bijeção, concluímos que |� − .| = |ℕ\^�| = � − � = |�| − |� ∩ .|.

QED

Teorema 2.7.6: Tendo � finito com |�| = �, existem exatamente a\Z b subconjuntos de � com � elementos em �?�) (0 ≤ � ≤ �). Demonstração: Demonstremos por indução, já observando que o resultado vale para � = ∅. Se |�| = 1, então �?�) = ∅, �� e o resultado vale. Supondo para |�| = �, ou seja, que existem a�Z b subconjuntos de � com � elementos em �?�) (0 ≤ � ≤ �), demonstremos que vale para |��| = � + 1. Com efeito, seja �� = � ∪ �Ó� com �Ó ∉ �. Tomando � arbitrário, se � = 0, o resultado vale, pois a�xSÓ b = 1 e se sabe que o único conjunto com 0 elementos é o vazio. Mas, se � ≠ 0, a união de �Ó� com algum . ∈ �?�) com � − 1 elementos será um conjunto com � elementos. Por hipótese, já existem a�Z b subconjuntos de �� com � elementos e a �Z^Sb com � − 1 elementos (esses são subconjuntos de �). Portanto existem ao menos a�Z b + a �Z^Sb =a�xSZ b subconjuntos de �� com � elementos. Para ver que são os únicos, observemos

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que os elementos de �?��) que não pertencem a �?�), são os obtidos por . ∪ �Ó� com . ∈ �?�) e que |. ∪ �Ó�| = � se, e somente se, |.| = � − 1.

QED

Podemos obter o Teorema 2.7.3 como um corolário desse último teorema. Com efeito, ∑ a\Z b\Z[Ó = 2\, como já foi observado na secção anterior. Teorema 2.7.7: Dado � e . finitos com |�| = � e |.| = �, o conjunto .F de todas as funções de � em . possui �Q elementos. Demonstração: Ora, sabendo que .F = ∏ .R∈F , temos que � é um conjunto de índices e, tendo que existe }: ℕQ~�, podemos observar que ∏ .R∈F ~ ∏ .QZ[S . Dessa forma, |∏ .R∈F | = |∏ .QZ[S | = ∏ � = �QQZ[S .

QED

Observação importante: Uma forma mais detalhada de ver que ∏ .R∈F ~ ∏ .QZ[S é observando que, existindo }: ℕQ~�, a função �: ∏ .R∈F → ∏ .QZ[S tal que �?~) = ~ ∘ }?: ℕQ → .) é injetora, pois, sendo ~ ≠ ~�, ~ ∘ } ≠ ~� ∘ } já que } é bijetora, e, de forma análoga, que �: ∏ �QZ[S → ∏ ��∈t tal que �?ℎ) = ℎ ∘ }^S também é injetora. Pelo Teorema de Schröder-Bernstein, conclui-se que ∏ .R∈F ~ ∏ .QZ[S . Observe que, nesse argumento, não foi necessário usar o fato dos conjuntos serem finitos. Dessa forma, fica demonstrado que �t~�u se .~; (sendo esses conjuntos finitos ou infinitos).

2.8 – Aritmética de cardinais

Para cardinais finitos, já temos uma aritmética (soma, produto e potência). No entanto a forma como definimos essas operações para os naturais não podem ser aplicadas a cardinais transfinitos. O que buscamos, então, são novas definições que abranjam os cardinais transfinitos e reproduza a aritmética de cardinais finitos.

Definição 2.8.1 (soma): Sendo � e � números cardinais, a soma desses, denotada por � + �, é dada por � + � = |� ∪ .|, onde � e . são disjuntos, |�| = � e |.| = �. Podemos garantir que existem conjuntos correspondentes a � e � disjuntos observando que �~� × 1� e .~. × 2� quaisquer que sejam � e ., donde se tem a união disjunta � × 1� ∪ . × 2�. Já o fato de que |�� ∪ .�| = |� ∪ .| se �~��, .~.� e �� ∩ .� = ∅ é garantido pelo Teorema 2.4.1. Embora não demonstremos explicitamente, essa definição corresponde à definição de soma que já temos para cardinais finitos. Por exemplo, 2 + 3 =|1,2� ∪ 3,4,5�| = |1,2,3,4,5�| = 5. Teorema 2.8.1: A soma de números cardinais é comutativa e associativa.

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154

Demonstração: Segue imediatamente do fato da união ser comutativa e associativa.

QED

Nem todas as propriedades comuns a cardinais finitos se estendem aos cardinais transfinitos. O exemplo abaixo mostra que é possível � + � = � com � ≠ 0. Exemplo 2.8.1: Tomando o conjunto � dos números naturais pares e � dos naturais ímpares, temos que �~�~ℕ e � ∩ � = ∅. Segue, portanto, que ℵÓ + ℵÓ =|� ∪ �| = |ℕ| = ℵÓ. Teorema 2.8.2: Sendo �, � e � números cardinais com � ≤ �, tem-se � + � ≤ � + �. Corolário: Dados os números cardinais �, �, � e � com � ≤ � e � ≤ �, temos � + � ≤ � + �. Exercício 2.8.1: Mostre o teorema e o corolário acima. Mostre ainda que não

podemos substituir ≤ por < e que ℵÓ + � = ℵÓ qualquer que seja o cardinal finito �. Terorema 2.8.3: Dado um número cardinal transfinito �, temos que � + � = � para qualquer cardinal finito �. Demonstração: Observando a demonstração do corolário do Teorema 2.2.2, demonstramos que existe função bijetora }S: �~?� − �S�) qualquer que seja o conjunto infinito � (o qual estamos tomando com |�| = �). Assim, já temos que ?� − �Z�Z[S\ )~a� − �Z�Z[S\xSb pelo fato de � − �Z�Z[S\ ser infinito (�Z ∈ �). Ora, supondo que �~?� − �Z�Z[S\ ), temos que �~a� − �Z�Z[S\xSb, donde segue o resultado, pois, tendo a bijeção }: �~?� − �Z�Z[S\ ), podemos definir a bijeção ~: � ∪ ℕ\~� tal que ~?�) = ·}?�) r� � ∈ ?� − �Z�Z[S\ )�Z r� � = � , onde admitimos, por simplicidade, que � ∩ ℕ\ = ∅.

QED

Observação: Na demonstração acima usamos indução implicitamente e de forma “invertida”. Primeiro mostramos que ?� − �Z�Z[S\ )~a� − �Z�Z[S\xSb e depois supomos que �~?� − �Z�Z[S\ ) para chegar ao resultado (e o primeiro passo da indução é o resultado �~?� − �S�)). O teorema acima pode ser generalizado (teorema abaixo), mas a demonstração será apresentada só no final dessa secção, pois envolve resultados e conceitos ainda não apresentados.

Teorema 2.8.4: Sendo � um cardinal transfinito e � ≤ �, temos � + � = �. Em particular, � + � = �. Agora definiremos o produto de números cardinais de forma que corresponda ao produto já conhecido para cardinais finitos.

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155

Definição 2.8.2 (produto): O produto entre os cardinais � e �, denotado por ��, é dado por �� = |� × .|, onde |�| = � e |.| = �. Pode-se ver que, para cardinais finitos, essa definição dá resultados coerentes com os do Teorema 2.7.4. O fato de a definição estar bem definida é garantido pelo Teorema 2.4.2.

Teorema 2.8.5: O produto de números cardinais é comutativo, associativo e distributivo em relação à soma.

Exercício 2.8.2: Demonstre o teorema acima.

Duas conseqüências imediatas da definição são que 1 ⋅ � = � e 0 ⋅ � = 0 para qualquer número cardinal, pois 1� × �~� e ∅ × � = ∅ com |�| = �. Exemplo 2.8.2: ℵÓℵÓ = ℵÓ, afinal, se sabe que ℕ × ℕ~ℕ. Teorema 2.8.6: Considerando os números cardinais �, � e � com � ≤ �, tem-se �� ≤ ��. Corolário: Tendo os números cardinais �, �, � e � com � ≤ � e � ≤ �, temos �� ≤ ��. Exercício 2.8.3: Mostre o teorema e o corolário acima.

Teorema 2.8.7: Dados os números cardinais � e � tais que � é transfinito e � ≥ �, temos �� = �. Em particular, � ⋅ � = �. Demonstraremos esse teorema no final dessa secção.

A operação de números cardinais de maior interesse é, no entanto, a exponenciação (ou potência). Essa é definida abaixo através da definição (geral) de produto cartesiano.

Definição 2.8.3 (potência): Considerando os números cardinais � e � tais que � = |�| ≠ 0 e � = |.| ≠ 0, definimos �� = |�t|. Essa definição é consistente com o Teorema 2.7.7, pois, para cardinais finitos � ≠ 0 e � ≠ 0 tais que � = |�| e � = |.|, temos |�t| = �Q. Para o número cardial 0, definimos 0R = 0, �Ó = 1 e 0Ó = 1, onde � ≠ 0. Mas precisamos verificar se essa definição está de fato bem definida. Ou seja, verificar se �~; e .~s implicam |�t| = |;S|. De fato isso ocorre, pois, tendo que �t = ∏ ��∈t e ;S = ∏ ;ò∈S e as bijeções }: �~; e ~: .~s, podemos definir �: �t → ;S de forma que �?ℎ) = } ∘ ℎ ∘ ~^S e �: ;S → �t de forma que �?r) = }^S ∘r ∘ ~. Ambas as funções são injetoras, afinal, tomando ℎ, ℎ� ∈ �t, temos �?ℎ) =�?ℎ�) ⇔ } ∘ ℎ ∘ ~^S = } ∘ ℎ� ∘ ~^S ⇔ } ∘ ℎ ∘ ~^S ∘ ~ = } ∘ ℎ� ∘ ~^S ∘ ~ ⇔ } ∘ ℎ = } ∘ ℎ� ⇔}^S ∘ } ∘ ℎ = }^S ∘ } ∘ ℎ� ⇔ ℎ = ℎ� e, de forma análoga, se conclui que �: ;S → �t é injetora também (verifique!). Assim, pelo Teorema de Schröder-Bernstein, concluímos que �t~;S e, por seguinte, que |�t| = |;S|.

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Observação: Lembre-se que �t é o conjunto de todas as funções de . em �. Para o próximo exemplo, lembremos da definição de função característica (apresentada no Exemplo 1.3.1): sendo . um subconjunto de um conjunto não vazio �, definimos a função característica de . por ¶t: � → 0,1� de forma que ¶t?�) =$1 0 �N �∈t�N �∈?F^t) ¸. Exemplo 2.8.3: Dado � não vazio, tenhamos �?�) e 0,1�F (conjunto das funções de � em 0,1�). Definindo a função }: �?�) → 0,1�F de forma que }?.) = ¶t, onde . ∈ �?�) e ¶t: � → 0,1� é a função característica de ., essa é bijetora. Com efeito, é injetora pelo fato de que, dados ., .� ∈ �?�) distintos, ¶t ≠ ¶tÑ (verifique!) e é sobrejetora já que, tendo } ∈ 0,1�F, podemos tomar na imagem de } o conjunto ; = � ∈ ��?})|}?�) = 1� e isso faz de } a função característica de ; ⊂ � (; ∈ �?�)). Assim, podemos concluir que |�?�)| = |0,1�F| = |0,1�||F| = 2|F|. Esse resultado é consistente com o Teorema 2.7.3.

Exercício 2.8.4: Sendo � um número cardinal, mostre que � ⋅ � = �'. Será demonstrado agora que algumas características da potência de números cardinais finitos se estendem aos cardinais transfinitos. Isto é, valem em geral.

Teorema 2.8.8: Sendo �, � e � números cardinais, ���G = ��xG. Demonstração: Sejam �, . e ; conjuntos tais que |�| = �, |.| = � e |;| = � com . ∩ ; = ∅. Basta-nos mostrar que �t × �u~�t∪u. Ora, definindo a função �: �t × �u → �t∪u através de �?}, ~) = } ∪ ~ (} ∈ �t e ~ ∈ �u), essa é bijetora, pois, } ∪ ~ ≠ } ∪ ℎ se ~ ≠ ℎ ∈ �u (veja que } ∩ ~ = ∅ já que os domínios são disjuntos) e todo r ∈ �t∪u pode ser decomposto como r = } ∪ ~ para algum } ∈ �t e ~ ∈ �u, afinal r: . ∪ ; → �.

QED

Teorema 2.8.9: Dados os números cardinais �, � e �, ��G = a��bG.

Demonstração: Sendo �, . e ; conjuntos tais que |�| = �, |.| = � e |;| = �, precisamos mostrar que �t×u~?�t)u. O conjunto ?�t)u é o conjunto de todas as funções ~: ; → �t, ou seja, temos ~?�) = ℎ ∈ �t. Podemos, então, usar a notação ~?�) = ~G = ℎ. Já o conjunto �t×u é o conjunto de todas as funções }: . × ; → �. Assim, definimos �: �t×u → ?�t)u com �?}) = ~ quando, para cada � ∈ . e � ∈ ;, temos }?�, �) = ~G?�). Antes de continuar, verifiquemos que � é de fato uma função. Com efeito, se �?}) = ~ = ~�, temos que ~G?�) = ~G� ?�). Assim, vendo que ~G?�) =ℎ?�) = ℎ�?�) = ~G� ?�) ∀ � ∈ ., temos que ℎ = ℎ� e, visto ~?�) = ℎ = ~�?�) ∀ � ∈ ;, temos que ~ = ~�. Logo, a função é imediatamente injetora, pois �?}) = �?}�) ⇒}?�, �) = }�?�, �) ⇒ } = }�. Tomando �: ?�t)u → �t×u com �?~) = } quando, para cada � ∈ . e � ∈ ;, temos ~G?�) = }?�, �), pode-se verificar que se trata de uma função injetora e, assim, pelo Teorema de Schröder-Bernstein, chega-se no resultado esperado: �t×u~?�t)u.

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157

QED

Antes de apresentarmos o próximo teorema, nos lembremos da definição de projeção canônica. Considerando a família �È�È∈Ê de conjuntos �È não vazios, a projeção canônica sobre o conjunto �ÈÞ é a função �ÈÞ: ∏ �ÈÈ∈Ê → �ÈÞ tal que �ÈÞ??�È)È∈Ê) = �ÈÞ. Em particular, se a família de conjuntos é �, .�, temos as projeções canônicas são �F: � × . → � tal que �F?�, �) = � e �t: � × . → . tal que �t?�, �) = �. Teorema 2.8.10: Sendo �, � e � números cardinais, temos que �G�G = ?��)G. Demonstração: Considerando �, . e ; conjuntos tais que |�| = �, |.| = � e |;| = �, basta mostrar que �u × .u~?� × .)u. Para tanto, definamos �: ?� × .)u →�u × .u tal que �?}) = ?�F ∘ }, �t ∘ }), onde }: ; → � × .. � é injetora, pois, sendo �?}) = �?}�), temos que ?�F ∘ }, �t ∘ }) = ?�F ∘ }�, �t ∘ }�) ⇔ ?�F ∘ } = �F ∘ }� � �t ∘} = �t ∘ }�), donde se obtém, observando que }?�) = ?�, �) e }�?�) = ?��, ��), que � = �� e � = �� e, finalmente, que } = }�. Para mostrar que é sobrejetora, basta, ao ter ?~, ℎ) ∈ �u × .u , decompor essas funções como ~ = �F ∘ } e ℎ = �t ∘ } com }: ; → � × . definida por }?�) = a~?�), ℎ?�)b.

QED

Teorema 2.8.11: Tendo os números cardinais �, � e �, se � ≥ �, então: a) �� ≥ �� b) �R ≥ �G

Demonstração: (a): Sendo os conjuntos �, . e ; tais que |�| = �, |.| = � e |;| = �, sem perda de generalidade, podemos tomar ; ⊂ �, donde o resultado é obtido, pois ;t ⊂ �t, ou seja, |;t| ≤ |�t|. (b): Nesse caso também podemos tomar ; ⊂ �. Assim, observando que .u é o conjunto de todas as funções }: ; → ., temos que, para todo } ∈ .u, podemos definir }� ∈ .F de forma que }�?�) = · }?�) r� � ∈ ;�Ó ∈ ��?}) r� � ∈ ?� − ;). Bastando definir a função (injetora) �: .u → .F tal que �?}) = }�, obtemos |.u| ≤ |.F|.

QED

Corolário: Considerando os números cardinais �, �, � e � tais que � ≥ � e � ≥ �, temos que �� ≥ �ò. Demonstração: Pelo teorema, temos que �� ≥ �� e �� ≥ �ò, donde concluímos que �� ≥ �ò.

QED

Como dito, as propriedades da potência apresentadas acima são conhecidas para cardinais finitos, mas, como já aconteceu nas outras operações, há resultados

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158

que se aplicam apenas aos cardinais transfinitos e alguns desses são apresentados abaixo.

Teorema 2.8.12: Sendo � um cardinal transfinito e � é um número cardinal tal que 2 ≤ � ≤ 2R, temos que �R = 2R = �R. Demonstração: Usando os teoremas 2.8.11, 2.8.9 e 2.8.7, temos 2R ≤ �R ≤?2R)R = 2R⋅R = 2R, por onde concluímos que �R = 2R. Para ver que 2R = �R, basta observar que 2 ≤ � ≤ 2R

QED

Corolário: Considerando o cardinal transfinito � e um número cardinal �, se 2 ≤ � ≤ �, então �R = 2R. Demonstração: É imediato pelo teorema, pois 2 ≤ � ≤ � ≤ 2R ⇒ �R = 2R.

QED

Teorema 2.8.13: Se � é um cardinal transfinito e � > 0 é um cardinal finito, então �\ = �. Demonstração: O resultado é imediato para � = 1. Supondo para � = �, isto é, �� = �, temos que vale para � = � + 1, pois ��xS = ��� = � ⋅ � = �.

QED

Observação: Veja que as propriedades aritméticas dos cardinais transfinitos são tais que um cardinal transfinito é “resistente” à mudança pelas operações apresentadas, podendo ser “vencido”, quase sempre, apenas por um cardinal transfinito maior.

Exemplo 2.8.4: Pelo Teorema 2.8.12, temos que ℵÓℵÞ = �ℵÞ = 2ℵÞ (� ∈ ℕ), pois ℵÓ < 2ℵÞ (Teorema de Cantor) assim como � < 2ℵÞ. Ou seja, vendo que ℵÓℵÞ = ¼ℕℕ¼ e que 2ℵÞ = |�?ℕ)|, “existem tantas funções de ℕ em ℕ quanto subconjuntos de ℕ”. Mas, explicitamente, 2ℵÞ = ¼1,2�ℕ¼, donde também concluímos que “existem tantas funções de ℕ em 1,2� quanto de ℕ em ℕ”, o que é um resultado contra-intuitivo. Exemplo 2.8.5: |�?ℕ\)| = 2ℵÞã = 2ℵÞ = |�?ℕ)|, onde foi usado o Teorema 2.8.13 para ter ℵÓ\ = ℵÓ. Exemplo 2.8.6: ¼�?ℕ)ℕ¼ = |�?ℕ)|ℵÞ = ?2ℵÞ)ℵÞ = 2ℵÞ⋅ℵÞ = 2ℵÞ = |�?ℕ)|. Exemplo 2.8.7: L�a�?ℕ)b�?ℕ)L = a2|�?ℕ)|b'ℵÞ = a2'ℵÞ b'ℵÞ = 2'ℵÞ'ℵÞ = 2'ℵÞ =¼�a�?ℕ)b¼.

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Exercício 2.8.5: Mostre que, sendo � um conjunto infinito, ¼�\?�)�I?F)¼ =|�\?�)| para todo �, � ∈ ?0� ∪ ℕ) com � < �, onde �\?�) = �a�?… �?�) … )bÌÍÍÍÍÎÍÍÍÍÏ\ �Ñ� e

�Ó?�) = �.

Exemplo 2.8.8: O conjunto dos subconjuntos finitos de um conjunto enumerável é enumerável. Ou seja, se � é enumerável, o conjunto � Z\?�) =. ∈ �?�)| . é }������ é enumerável. Tal fato é evidente se � é finito, então tomemos |�| = ℵÓ. Nesse caso, observemos que � Z\?�) = ` �Z?�)Z∈ℕ , onde �Z?�) = . ∈ �?�)| |.| = � − 1� (� − 1, pois estamos incluindo o conjunto vazio). Como a união enumerável de conjuntos enumeráveis é enumerável, basta mostrar que �Z?�) é enumerável. Para � = 1, isso é claro pelo fato de �S?�) = ∅�. Também obtemos que vale para � = 2, pois �'?�) = . ∈ �?�)| |.| = 1� = W��XR∈F. Supondo para � = �, ou seja, que ��?�) é enumerável, demonstremos que vale para � = � + 1. Para tanto, observemos que todo . ∈ ��xS?�) pode ser escrito como ?. − ��) ∪ �� para todo � ∈ . e que ?. − ��) ∈ ��?�). Ora, assim temos que |��xS?�)| ≤|��?�) × �'?�)| ≤ |ℕ × ℕ| = ℵÓ, pois a função }: ��xS?�) → ��?�) × �'?�) tal que }?.) = a?. − ��), ��b, com � ∈ ., é injetora. Observação: Veja que não se explicita a forma como se escolhe cada � ∈ . na função definida acima. Ou seja, se trata de uma função escolha.

2.9 – Generalizações e o Teorema de König

A soma e o produto de números cardinais foram definidos através da união e do produto cartesiano. Mas temos noções generalizadas dessas operações de conjuntos, o que nos leva a tentar generalizar as noções de soma e produto entre números cardinais.

Definição 2.9.1: Dada uma coleção de conjuntos �È�È∈Ê disjuntos dois a dois com |�È| = �È, definimos a soma entre esses números cardinais por:

& �ÈÈ∈Ê = ÕY �ÈÈ∈Ê Õ Como antes, é necessário verificar que a definição está bem definida. O fato de existir �È�È∈Ê com conjuntos disjuntos dois a dois é garantido de forma análoga ao que já foi feito. Já o fato de que, se �È�È∈Ê e �È� �È∈Ê são tais que |�È| = |�È� |, temos |` �ÈÈ∈Ê | = |` �È�È∈Ê |, é garantido da seguinte forma: para cada Ç ∈ Λ, temos que existe }È: �È~�È� , então basta definir ?} = ` }ÈÈ∈Ê ): ` �ÈÈ∈Ê → ` �È�È∈Ê , que é bijetora, pois os domínios dos }È são disjuntos entre si assim como os contradomínios.

Teorema 2.9.1: Sendo �È�È∈Ê e �È�È∈Ê famílias de números cardinais tais que �È ≤ �È ∀ Ç ∈ Λ, temos:

& �ÈÈ∈Ê ≤ & �ÈÈ∈Ê

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Demonstração: Sendo �È�È∈Ê e .È�È∈Ê tais que |�È| = �È e |.È| = �È, existem funções injetoras }È: �È → .È e, assim, podemos definir ?} = ` }ÈÈ∈Ê ): ` �ÈÈ∈Ê → ` .ÈÈ∈Ê , que é injetora pelo fato dos domínios dos }È serem disjuntos uns dos outros assim como os contradomínios. Logo, |` �ÈÈ∈Ê | ≤ |` .ÈÈ∈Ê |, donde segue o resultado.

QED

Exemplo 2.9.1: Segue do último teorema um resultado esperado: ∑ 1Z∈ℕ =ℵÓ. Isso porque 1 ≤ ℵÓ e ∑ 1Z∈ℕ ≥ ℵÓ (mostre isso). Assim, ℵÓ ≤ ∑ 1Z∈ℕ ≤ ∑ ℵÓZ∈ℕ , donde o resultado é obtido observando que ∑ ℵÓZ∈ℕ = |` �ZZ∈ℕ |, com |�Z| = ℵÓ e ¼�Z ∩ �h¼ = .ZhℵÓ (.Zh é o Delta de Kronecker), e que |` �ZZ∈ℕ | = ℵÓ (` �Z~ℕZ∈ℕ pelo

fato da união enumerável de conjuntos enumeráveis ser enumerável).

Teorema 2.9.2: Dado Λ de forma que |Λ| = � e um número cardinal �, temos que:

& �È∈Ê = �� Demonstração: Sendo ∑ �È∈Ê = |` �ÈÈ∈Ê |, tomemos um �ÈÞ ∈ �È�È∈Ê. Por hipótese, existem as bijeções }È: �ÈÞ~�È. Definindo }: �ÈÞ × Λ → ` �ÈÈ∈Ê tal que }?�, Ç) = }È?�), vê-se que se trata de uma bijeção e, portanto, ` �ÈÈ∈Ê ~�ÈÞ × Λ. Assim, ∑ �È∈Ê = |` �ÈÈ∈Ê | = ¼�ÈÞ × Λ¼ = ¼�ÈÞ¼|Λ| = ��.

QED

Corolário: Sendo � um cardinal transfinito e �È�È∈Ê uma coleção de números cardinais não nulos tal que |Λ| = � e � = max�È�È∈Ê, temos que ∑ �ÈÈ∈Ê =��. Demonstração: Por um lado, �È ≤ � ∀ Ç ∈ Λ e, assim, ∑ �ÈÈ∈Ê ≤ ∑ �È∈Ê = ��, onde usamos o teorema. Por outro lado, � ≤ ∑ �ÈÈ∈Ê e � = ∑ 1È∈Ê ≤ ∑ �ÈÈ∈Ê . Ora, dessa forma temos que �� ≤ �∑ �ÈÈ∈Ê . Mas, sendo � um cardinal transfinito e � ≤ ∑ �ÈÈ∈Ê , temos que �∑ �ÈÈ∈Ê = ∑ �ÈÈ∈Ê (Teorema 2.8.7), donde se conclui que �� ≤ ∑ �ÈÈ∈Ê . Logo, ∑ �ÈÈ∈Ê = �� pelo corolário do Teorema de Schröder-Bernstein.

QED

Observação: Nem todo conjunto de números cardinais admite máximo (por exemplo, ℕ não possui máximo). Assim, o corolário acima vale apenas para conjuntos onde esse máximo exista. No entanto o corolário pode ser generalizado ao acrescentar a noção de supremo de um conjunto (veja o Teorema 2.10.1).

Teorema 2.9.3: Considerando as famílias de números cardinais �È�È∈Ê e �Ô�Ô∈â, temos que: && �È�ÔÔ∈âÈ∈Ê = && �È�ÔÈ∈ÊÔ∈â

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Demonstração: Tomemos as coleções de conjuntos �È�È∈Ê e .È�È∈Ê de forma que |�È| = �È e |.È| = �È. Assim, ∑ ∑ �È�ÔÔ∈âÈ∈Ê = |` ` �ÈÔ∈â × .ÔÈ∈Ê | =|` ` �ÈÈ∈Ê × .ÔÔ∈â | = ∑ ∑ �È�ÔÈ∈ÊÔ∈â .

QED

Exercício 2.9.1: Para completar a demonstração acima, mostre que ` ` �ÈÔ∈â × .ÔÈ∈Ê = ` ` �ÈÈ∈Ê × .ÔÔ∈â . SUGESTÃO: Use o exercício 3, Exercícios II – 3.

Agora generalizaremos a noção de produto entre números cardinais.

Definição 2.9.2: Sendo �È�È∈Ê uma coleção de conjuntos com |�È| = �È, definimos o produto entre esses números cardinais por:

Ù �ÈÈ∈Ê = ÕÙ �ÈÈ∈Ê Õ Esse produto está bem definido, pois, se �È�È∈Ê e �È� �È∈Ê são tais que |�È| = |�È� |, então existem funções }È: �È~�È� e, assim, podemos definir a bijeção �: ∏ �ÈÈ∈Ê → ∏ �È�È∈Ê tal que �?�È)È∈Ê = a}È?�È)bÈ∈Ê, por onde se conclui que |∏ �ÈÈ∈Ê | = |∏ �È�È∈Ê |. Convencionaremos que ∏ �ÈÈ∈Ê = 0 quando �È = 0 para algum Ç ∈ Λ. Algumas características do produto (já válidas em casos menos gerais) continuam válidas nesse caso mais geral, como mostram os teoremas abaixo.

Teorema 2.9.4: Sendo Λ tal que |Λ| = � e considerando o número cardinal �, temos que ∏ �È∈Ê = ��. Demonstração: Tomemos � tal que |�| = �. Assim, ∏ � =È∈Ê |∏ �È∈Ê | =¼�ʼ = |�||Ê| = �� .

QED

Teorema 2.9.5: Dadas as famílias de números cardinais �È�È∈Ê e �È�È∈Ê tais que �È ≤ �È ∀ Ç ∈ Λ, temos:

Ù �ÈÈ∈Ê ≤ Ù �ÈÈ∈Ê

Demonstração: Sendo �È�È∈Ê e .È�È∈Ê coleções de conjuntos tais que |�È| = �È e |.È| = �È para todo Ç ∈ Λ, podemos, sem perda de generalidade, tomar �È ⊂ .È e, assim, temos que |∏ �ÈÈ∈Ê | ≤ |∏ .ÈÈ∈Ê |, pois ∏ �ÈÈ∈Ê ⊂ ∏ .ÈÈ∈Ê .

QED

Teorema 2.9.6: Considerando a família de números cardinais �È�È∈Ê e o número cardinal �, vale que:

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]Ù �ÈÈ∈Ê _� = Ù �È�È∈Ê

Demonstração: Tomemos uma coleção de conjuntos �È�È∈Ê de forma que |�È| = �È e um conjunto . tal que |.| = �. Como ?∏ �ÈÈ∈Ê )� = ?|∏ �ÈÈ∈Ê |)|t| =|?∏ �ÈÈ∈Ê )t|, devemos mostrar que ?∏ �ÈÈ∈Ê )t~ ∏ �ÈtÈ∈Ê . Para tanto, definamos �: ?∏ �ÈÈ∈Ê )t → ∏ �ÈtÈ∈Ê tal que �?}) = ?�È ∘ })È∈Ê, onde ?}: . → ∏ �ÈÈ∈Ê ) ∈?∏ �ÈÈ∈Ê )t e �ÈÞ: ∏ �ÈÈ∈Ê → �ÈÞ é a projeção canônica sobre �ÈÞ. � é injetora, pois, sendo �?}) = �?}�), temos que ?�È ∘ })È∈Ê = ?�È ∘ }�)È∈Ê ⇔ ?�È ∘ } = �È ∘ }� ∀ Ç ∈ Λ ), donde se obtém que } = }� (mostre isso). Para mostrar que é sobrejetora, basta escrever cada ?~È)È∈Ê ∈ ∏ �ÈtÈ∈Ê como ?~È)È∈Ê = ?�È ∘ })È∈Ê com }: . → ?∏ �ÈÈ∈Ê )t definida por }?�) = a~È?�)bÈ∈Ê.

QED

Teorema 2.9.7: Sendo �È�È∈Ê uma família de números cardinais e � um número cardinal, tem-se que:

Ù �RTÈ∈Ê = �∑ RTT∈U

Demonstração: Sendo �È�È∈Ê uma coleção de conjuntos disjuntos dois a dois tais que |�È| = �È e . um conjunto tal |.| = �. Basta-nos mostrar que ∏ .FTÈ∈Ê ~.` FTT∈U . Ora, definindo a função �: ∏ .FTÈ∈Ê → .` FTT∈U através de �?}È)È∈Ê = ` }ÈÈ∈Ê (}È ∈ .FT), essa é bijetora, pois, ` }ÈÈ∈Ê ≠ ` }È�È∈Ê se }È ≠ }È� para algum Ç ∈ Λ (veja que }È ∩ }ÈÑ = ∅ se Ç ≠ Ç�, já que os domínios são disjuntos) e todo r ∈ .` FTT∈U pode ser decomposto como r = ` }ÈÈ∈Ê para algum ?}È)È∈Ê ∈ ∏ .FTÈ∈Ê , afinal r: ` �ÈÈ∈Ê → ..

QED

Observação: Veja as demonstrações dos teoremas 2.8.8 e 2.8.10, que são os casos menos gerais dos dois últimos teoremas.

Exercício 2.9.2: Mostre que r ∈ .` FTT∈V pode ser decomposto como r =` }ÈÈ∈Ë para algum ?}È)È∈Ë ∈ ∏ .FTÈ∈Ë .

Em geral é bastante complexo analisar produtos de números cardinais, mas vejamos alguns exemplos.

Exemplo 2.9.2: ∏ �ℵÞZ∈ℕ = �∑ ℵÞ(∈ℕ = �ℵÞ . Exemplo 2.9.3: ∏ �Z∈ℕ ≥ ∏ 2Z∈ℕ = 2ℵÞ, pois � ≥ 2 ∀ � ≥ 2. Mas também temos que ∏ �Z∈ℕ ≤ ∏ ℵÓZ∈ℕ = ℵÓℵÞ = 2ℵÞ (veja o Exemplo 2.8.4), donde segue que ∏ �Z∈ℕ =2ℵÞ. Exemplo 2.9.4: ∑ 2ℵÞZ∈ℕ = ?2ℵÞ)ℵÞ = 2ℵÞℵÞ = 2ℵÞ e ∏ 2ℵÞZ∈ℕ = 2∑ ℵÞ(∈ℕ = 2ℵÞ, donde segue que ∑ 2ℵÞZ∈ℕ = ∏ 2ℵÞZ∈ℕ = 2ℵÞ, um resultado contra-intuitivo.

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O último exemplo mostra que o próximo teorema não é um resultado trivial.

Teorema 2.9.8 (Teorema de König): Dadas as famílias de números cardinais �È�È∈Ê e �È�È∈Ê tais que �È < �È ∀ Ç ∈ Λ, tem-se que:

& �ÈÈ∈Ê < Ù �ÈÈ∈Ê

Demonstração: Primeiramente, demonstremos que ∑ �ÈÈ∈Ê ≤ ∏ �ÈÈ∈Ê . Para isso, consideremos �È�È∈Ê e .È�È∈Ê tais que |�È| = �È e |.È| = �È. Sem perda de generalidade, podemos tomar �È ⊂ .È. Como as inclusões �È ⊂ .È são próprias, pode-se, usando o Axioma da Escolha, ter um conjunto V com um elemento �È de cada conjunto .È − �È. Tomando �: ` �ÈÈ∈Ê → ∏ .ÈÈ∈Ê de forma que �?�) = ?�È)È∈Ê com �È = ·� r� � ∈ �È�È r� � ∉ �È , essa função é injetora (verifique!), mostrando que ∑ �ÈÈ∈Ê ≤∏ �ÈÈ∈Ê .

Agora suponhamos, por absurdo, que ∑ �ÈÈ∈Ê = ∏ �ÈÈ∈Ê . Sendo .È�È∈Ê tal que |.È| = �È, deve ser possível encontrar uma coleção VÈ�È∈Ê de conjuntos disjuntos dois a dois de forma que |VÈ| = �È, VÈ ⊂ ∏ .ÈÈ∈Ê e ` VÈÈ∈Ê = ∏ .ÈÈ∈Ê (VÈ�È∈Ê é uma partição de ∏ .ÈÈ∈Ê ). Mas, para cada Ç ∈ Λ, tomemos }È: VÈ → .È tal que }È?�ÈÑ)ÈÑ∈Ê = �È?�È ∈ �ÈÑ�ÈÑ∈Ê) e �È = ��?}È) ⊂ .È. Portanto temos que |�È| ≤|VÈ| < |.È| (para ver que |�È| ≤ |VÈ|, basta observar que }È: VÈ → �È é sobrejetora). Assim, �È ⊂ .È é uma inclusão própria e, portanto, existe, para cada Ç ∈ Λ, �È ∈ .È tal que �È ∉ �È. Ora, dessa forma, ?�ÈÑ)ÈÑ∈Ê * não pertence a nenhum VÈ, pois, por definição, se �È ∉ �È, então ?�ÈÑ)ÈÑ∈Ê ∉ VÈ e isso vale para cada Ç ∈ Λ. Assim, ?�ÈÑ)ÈÑ∈Ê ∈ ∏ .ÈÈ∈Ê , mas ?�ÈÑ)ÈÑ∈Ê ∉ ` VÈÈ∈Ê , o que contraria nossa hipótese de que ` VÈÈ∈Ê = ∏ .ÈÈ∈Ê e mostra o absurdo.

QED

Observação: Veja que em * acabamos usando o Axioma da Escolha, pois se tomou um elemento de cada .È − �È sem explicitar nenhum procedimento. A utilização do Axioma da Escolha na demonstração acima foi crucial e, de fato, não poderia ser diferente, pois a afirmação acima é equivalente ao Axioma da Escolha. Podemos mostrar isso observando que o Axioma da Escolha é equivalente a afirmar que ∏ .ÈÈ∈Ê ≠ ∅ se Λ ≠ ∅ e .È ≠ ∅ ∀ Ç ∈ Λ (veja a Definição 4.2.3). O mesmo resultado é obtido através do teorema, pois, sendo Λ ≠ ∅ e |.È| > 0, ∑ 0È∈Ê =0 < ∏ |.È|È∈Ê = |∏ .ÈÈ∈Ê |, donde segue que ∏ .ÈÈ∈Ê ≠ ∅. O Teorema de König pode ser visto como uma generalização do Teorema de Cantor. Com efeito, pode-se ver que, sendo 1 < 2, tem-se |Λ| = ∑ 1È∈Ê < ∏ 2È∈Ê =2|Ê|. Percebe-se, então, que a característica marcante do teorema e o que lhe dá importância é o fato de se garantir a desigualdade com “<” em vez de “≤”.

2.10 – Generalizações de máximos e mínimos; equivalências do Axioma da Escolha; resultados finais

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Nessa subsecção vamos realizar as demonstrações pendentes, mas, antes devemos apresentar alguns conceitos e resultados novos.

Inicialmente, vamos relembrar algumas definições e acrescentar algumas outras que nos serão pertinentes não só aqui, mas ao longo de todo o texto. A primeira definição a ser relembrada é a de ordem total, já apresentada no final do Capítulo I.

Definição 2.10.1 (ordem total): Sendo � um conjunto e � ⊂ � × � uma relação binária em �, temos que � é uma relação de ordem total em � se forem satisfeitas as seguintes condições:

a) Para todo � ∈ �, � ≥ � (reflexibilidade). b) Se � ≥ � e � ≥ �, então � ≥ � (transitividade). c) Se � ≥ � e � ≥ �, então � = � (anti-simetria). d) Para todo �, � ∈ �, � ≥ � ou � ≥ � (totalidade).

Com � ≥ � definido por ?�, �) ∈ �. Mas podemos “enfraquecer” a ordem tirando a última condição (a (d)) e mantendo as outras. Tal ordem é dita parcial e um exemplo natural dessa ocorre quando se tem uma família k de conjuntos e definimos, para �, . ∈ k, que � ≥ . quando . ⊂ �. Observação: Veja que toda ordem total é também uma ordem parcial.

Notemos que é possível que existam subconjuntos de um conjunto parcialmente ordenado que sejam, na verdade, totalmente ordenados pela ordem considerada. Por exemplo, na família k considerada acima, pode existir alguma coleção de conjuntos onde valha a propriedade (d) da definição.

Relembremos agora as noções de mínimo e máximo, mas estendendo para ordens parciais.

Definição 2.10.2 (mínimo e máximo): Diz-se que � é o elemento mínimo (ou menor elemento) de um conjunto V e denotamos por � = minV, quando � ∈ V e, ∀ � ∈ V, � ≥ � (≥ é uma relação de ordem parcial). De forma análoga, diz-se que � é o elemento máximo (ou maior elemento) de um conjunto V e denotamos por � = maxV, quando � ∈ V e, ∀ � ∈ V, � ≤ �. Observação: Uma nomenclatura comum (e adotá-la-emos) é chamar os subconjuntos totalmente ordenados de um conjunto parcialmente ordenado de cadeias.

Exemplo 2.10.1: Considerando o conjunto ℕ', esse pode ser parcialmente ordenado pela relação � ⊂ ?ℕ')' onde ?�, �) ≥¬ ?�, ©) se � = © e � ≥ © (essa última ordem é a usual dos naturais). Pode-se notar que, se � ≠ ©, os elementos ?�, �) e ?�, ©) não são comparáveis (não se pode dizer que um é maior que o outro), mas, para cada � ∈ ℕ, o conjunto �� × ℕ = ?�, ©) ∈ ℕ'|� = �� é uma cadeia de ℕ'.

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Definição 2.10.3 (cadeia maximal): Sendo um conjunto V parcialmente ordenado e sendo � ⊂ V uma cadeia, � é dito uma cadeia maximal quando não existe cadeia . ⊂ V tal que � ⊂ . seja uma inclusão própria. Isto é, � é uma cadeia maximal quando não está incluída propriamente numa outra cadeia.

Segue da definição acima uma forma de generalização das noções de máximo e mínimo.

Definição 2.10.4 (elementos maximais e minimais): Dado um conjunto V parcialmente ordenado, � ∈ V é dito um elemento maximal quando � = max� para alguma cadeia maximal � de V. Analogamente, � ∈ V é dito um elemento minimal quando � = min� para alguma cadeia maximal � de V. De forma equivalente, poder-se-ia definir elemento maximal como � ∈ V tal que � ≥ � ⇒ � = � e elemento minimal por � ∈ V tal que � ≤ � ⇒ � = � (≤ sendo uma ordem parcial), que são definições mais práticas, mas, no entanto, não deixam clara a intenção da definição.

Exercício 2.10.1: Mostre a equivalência entre as definições (citada acima).

Exemplo 2.10.2: Consideremos o conjunto � = 1,2,3� e �?�) = W∅, 1�, 2�, 3�, 1,2�, 1,3�, 2,3�, 1,2,3�X. Observa-se que �?�) é parcialmente ordenado pela relação de inclusão (com . ≤ ; quando ., ; ∈ �?�) e . ⊂ ;). Além disso, por essa relação, W∅, 1�, 1,2�, 1,2,3�X, W∅, 1�, 1,3�, 1,2,3�X, W∅, 2�, 2,1�, 1,2,3�X, W∅, 2�, 2,3�, 1,2,3�X, W∅, 3�, 3,1�, 1,2,3�X e W∅, 3�, 3,2�, 1,2,3�X são todas cadeias maximais. O elemento maximal (e máximo também) desse conjunto é 1,2,3� = � e o minimal (e também mínimo) é ∅. Observação: Nem sempre os elementos maximal e minimal são únicos. Com efeito, basta, no exemplo acima, tomar o conjunto �?�) − ∅, �� com a mesma ordem e observar que os elementos 1�, 2� e 3� serão os elementos minimais e os elementos 1,2�, 1,3� e 2,3� serão maximais. Definição 2.10.5 (cotas superiores e inferiores): Sendo um conjunto V parcialmente ordenado e � ⊂ V, � ∈ V é dito uma cota superior de � se � ≥ � ∀ � ∈ �. De forma semelhante, � ∈ V é dito uma cota inferior de � se � ≤ � ∀ � ∈ �. Observe que, em particular, se � possui máximo, esse é uma cota superior de � e o análogo também ocorre caso � tenha mínimo. É interessante muitas vezes definir o conjunto de todas as cotas superiores ou inferiores de � ⊂ V. Isto é, ter ;#?�) = � ∈ V|� ≥ � ∀ � ∈ �� e ;�?�) = � ∈ V|� ≤ � ∀ � ∈ ��. Observação: Outro nome comum para cota superior é majorante e, para cota inferior, minorante.

Junto com a idéia de conjunto das cotas superiores e inferiores vem mais uma generalização da definição de mínimo e máximo, como segue abaixo.

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Definição 2.10.6 (ínfimo e supremo): Considerando um conjunto V parcialmente ordenado e � ⊂ V, � ∈ V é dito o ínfimo de � e denotamos por inf�, se � = max;�?�), isto é, a maior das cotas inferiores. De forma semelhante, � ∈ V é dito o supremo de �, e denotamos sup�, se � = min;#?�), ou seja, a menor das cotas superiores.

Observemos que tanto o supremo como o ínfimo de � podem ou não pertencer ao conjunto � (dependendo de se � possui ou não máximo ou mínimo). Além disso, não é garantido, em geral, que um conjunto � ⊂ V possua ínfimo ou supremo.

Exercício 2.10.2: Mostre que o supremo e o ínfimo, quando existem, são

únicos.

Exemplo 2.10.3: Dado o conjunto ℕ ∪ ℵÓ� com a ordem definida para cardinais, embora ℕ não possua máximo, ℵÓ ≥ � ∀ � ∈ ℕ e, obviamente, ℵÓ =minℵÓ�, donde se tem que ℵÓ = supℕ. Também se pode ver que 1 = infℕ. Podemos agora generalizar o corolário do Teorema 2.9.2.

Teorema 2.10.1: Sendo � um cardinal transfinito e �È�È∈Ê uma coleção de números cardinais não nulos tal que |Λ| = � e � = sup�È�È∈Ê, temos que ∑ �ÈÈ∈Ê =��. Demonstração: Por um lado, �È ≤ � ∀ Ç ∈ Λ e, assim, ∑ �ÈÈ∈Ê ≤ ∑ �È∈Ê = ��, onde foi usado o Teorema 2.9.2. Por outro lado, �ÈÑ ≤ ∑ �ÈÈ∈Ê ∀ Ç� ∈ Λ e assim, � ≤ ∑ �ÈÈ∈Ê , pois � é a menor das cotas superiores. Além disso, � = ∑ 1È∈Ê ≤ ∑ �ÈÈ∈Ê . Ora, dessa forma temos que �� ≤ �∑ �ÈÈ∈Ê . Mas, sendo � um cardinal transfinito e � ≤ ∑ �ÈÈ∈Ê , temos que �∑ �ÈÈ∈Ê = ∑ �ÈÈ∈Ê (Teorema 2.8.7), donde se conclui que �� ≤ ∑ �ÈÈ∈Ê . Logo, ∑ �ÈÈ∈Ê = �� pelo corolário do Teorema de Schröder-Bernstein.

QED

Vê-se que a demonstração sofreu apenas uma pequena modificação.