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CLÉVERSON ISRAEL MINIKOVSKY (AUTOR) MARIANO SOLTYS (AUTOR) PATRICK VICENTE (COLABORADOR) CRÍTICA DA RAZÃO CIBERNÉTICA

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CLÉVERSON ISRAEL MINIKOVSKY (AUTOR)

MARIANO SOLTYS (AUTOR)

PATRICK VICENTE (COLABORADOR)

CRÍTICA DA RAZÃO

CIBERNÉTICA

CRÍTICA DA RAZÃO CIBERNÉTICA

2011Catalogação

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CRÍTICA DA RAZÃO CIBERNÉTICA

Prefácio Cléverson

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CRÍTICA DA RAZÃO CIBERNÉTICA

Prefácio de Mariano Soltys

Eis o futuro da filosofia. Essa obra inaugura um novo tempo, um novo modo de ver o mundo. Comparando o ser humano as tecnologias, em especial a informática, traduz a cosmovisão do nosso tempo e do que ainda está por se desenvolver. Não se volta tanto ao passado como outras obras filosóficas, mas leva o leitor a um novo paradigma que é essa realidade virtual que está cada vez mais presente em sua vida. Novas tecnologias são analisadas e a rede mental agora se faz iniciada, para enfim chegarmos a um paraíso cibernético, onde a dor e a tristeza se verão superados. A obra é única na atualidade, e sua visão de mundo

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sofrerá uma revolução após essa leitura. Parabéns por encontrar-te com esse tesouro em suas mãos.

Sumário

A inteligência humana...................................10Teoria da relatividade e quântica..................13Fatos que inauguram uma outra moral.........16Um extremo moral só pode ser reação a outro..............................................................19Da transição de um governo yang para yin..................................................................22Das assinaturas da moral como símbolos......................................................................23Reflexões Irrefletidas.....................................26Povo...............................................................27Liberté...........................................................28Amor..............................................................30Mudo..............................................................32 Direito e justiça.............................................34 Política..........................................................36 Indivíduo.......................................................37Originalidade.................................................39

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Desvalores.....................................................41Superstições valorativas................................43Máximas que viraram mínimas......................45Modas e paranoias.........................................47Grandes verdades.........................................48O fim da picada.............................................50

4. Opiniões.....................................................514.1. Felicidade...............................................424.2. Insônia....................................................484.3. Cerveja...................................................524.4. Festa tradicional.....................................534.5. O gosto de atriz......................................544.6. Flogs, blogs, sites de relacionamento..............................................544.7. “Se achar”..............................................564.8. Humildade..............................................564.9. Futebol....................................................574.10. Instituição.............................................584.11. Fé na luxúria.........................................604.12. Heroísmo em novelas...........................604.13. Serviço militar.......................................624.14. Sobre o desarmamento........................634.15. Sofrimento............................................634.16. Obrigação.............................................64

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4.17. Coragem...............................................654.18. Idade.....................................................664.19 Fundamentalismo e religiões.................674.20 Loura.....................................................685- Contra o adestramento do humano...........616. Questões constitucionais avançadas.........756.1 Inconstitucionalidade de lei velha e CF nova..........................................................776.2 A Constituição no desenvolvimento do direito.......................................................806.3Direitos fundamentais aplicados para a Administração Pública................................846.4 A geração dos direitos constitucionais...............................................876.5 A memória Constitucional........................916.6 Controle de prognóstico de leis pelo STF.................................................................967. Novas premissas........................................997.1 O complexo das maçãs de Vênus............1007.2 A outra moral em paralelo ao que não prestava..................................................1017.3 Sobre o triplo reflexo dos acontecimentos na vida.................................1027.4 A cultura da imagem...............................1037.5 Triplo equilíbrio........................................104

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7.6 Pararrazão...............................................1057.7 Sobre a atualidade evolutiva do amor......................................................................1077.8 Compensação racial amorosa..................1087.9 Equilíbrio das crenças..............................1097.10 Propaganda de senso comum...............1107.11 Diversidade humana..............................1117.12 Padrão de beleza anoréxico-anabolizado...................................................1127.13 Otimismo independente........................113

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CRÍTICA DA RAZÃO CIBERNÉTICA

Primeira Parte

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Cléverson Israel Minikovsky

A inteligência humana

Como a inteligência é uma nuvem e nela tudo está embaralhado pode-se seguramente dizer que as proposições éticas, estéticas, religiosas, filosóficas e aqueloutras de grande efeito sem verificabilidade alguma brotam da intersecção dos princípios axiomáticos com os dados da experiência imediata. O

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amálgama dos códigos raízes com as informações banais e comuns do cotidiano são a liga e o material de construção com os quais erigimos nossa visão de mundo. Assim as tais proposições das quais nada, segundo Wittgenstein, nada podemos falar, como quase tudo o que é mental participam de dois mundos.

Teoria da relatividade e teoria quântica

É sabido que existe a teoria quântica para explicar a microfísica e a teoria da relatividade para explicar os fenômenos astronômicos, isto é, a macrofísica. E que tais teorias, embora simultaneamente aceitas, são incompatíveis entre si. Diria que não apenas é perda de tempo conciliá-las,

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mas ainda de que não há nada de tão infrutífero e inútil preocupar-se com isso. Perguntado qual é a teoria correta e qual a imprecisa diria que as duas são imprecisas. Nenhuma teoria humana capta a natureza das coisas tais como elas são. E ainda que um gênio crie uma teoria assentada sobre os mesmos princípios que explique as micro e macropropriedades da matéria, ele, no máximo, conseguiria forjar uma ilusão com maior aparência de verdade, algo que demorará mais tempo para ser derribado.

Os a prioris e a mudança

Não é só a conteúdo dos a prioris que muda, mas os próprios a prioris mudam. Não há nada de tão genial que um dia não envelheça e caduque. Quem é

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homem de conhecimento deve saber que seu destino é ser superado. A genialidade consiste em ser vanguardista, em pensar o que não foi pensado, em antecipar no mundo ideal o mundo real. A inteligência não é um castelo de a prioris, é uma nuvem. Piaget foi melhor que Kant, mas ainda errou o alvo.

Pensamento e comportamento

Há uma dialética entre pensamento e comportamento. O sistema decimal é apenas um dos sistemas possíveis. Dentro em breve veremos o desaparecimento dos algarismos arábicos. Aliás, veremos o

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desaparecimento da própria matemática, enquanto não passa de um ramo da lógica. A ciência da computação irá impor ao mundo uma nova lógica. Pensamento traz tecnologia, mas tecnologia também traz pensamento. As novas geometrias sinalizaram só o começo. Refiro-me aos trabalhos de Karl Friedrich Gauss, Janos Bolyai e Nicolai Ivanovich Lobachewskij.

Meta a priori

Há um meta a priori que é mutante. Todos os sub a prioris kantianos podem mudar porque estão submetidos ao meta a priori que não para de editor novas leis para os pensamentos. A inflação legislativa não existe só no mundo jurídico, mas epistemológico também. Daí a razão pela qual o comportamento

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do ser humano sempre muda. O computador logo mais não precisará de programas executáveis, bastará loguin e senha. Nosso loguin é o nosso nome que recebemos na certidão de nascimento e a senha entra automaticamente, basta estarmos em estado de vigília. Mas assim como nossa máquina no escritório pode ser alvo de creches, será que nosso intelecto um dia não correrá semelhante risco?

Antissistema

Nada mais contraditório do que um sistema filosófico, um sistema até pode ser dinâmico, mas não comporta a volatilidade de uma nuvem. É curioso

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que a inteligência sendo algo tão distinta de um sistema elabore sistemas. Nada mais artificioso e desligado da realidade do que a filosofia que até hoje se produziu quando sempre ela quis nos pôr em contato com a verdadeira realidade. A idéia de sistema contraria aquilo que nós somos.

Prazo de validade

As próprias religiões têm um prazo de validade. O cristianismo foi transformado em religião, mas ele é muito mais do que religião. Até, portanto, o cristianismo irá expirar. Só não acabará o cristianismo suprarreligioso. Marx e Engels disseram que “tudo o que sólido desmancha no ar”. De fato, até mesmo o socialismo científico, mas muito mais do que isto, toda ciência, toda filosofia, toda

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arte. O ser humano é aquilo que a todo instante deixa de ser o que é.

Nebulosa

Assim como Kant propõe que o universo teria surgido de uma nebulosa onde todas as leis da física estavam protoimbricada, também o cérebro humano é uma nuvem de inteligência. Na mente humana, assim como está ocorrendo na informática, não há hierarquia entre código raiz e código derivado. No intelecto imiscuem-se os pensamentos de caráter axiomático com os mais banais, corriqueiros e desprezíveis pensamentos.

A linguagem

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A linguagem é uma das supremas manifestações do intelecto. Mas a linguagem é extremamente volátil. Caso a filosofia fosse um sistema somente os filósofos estariam habilitados a manipulá-la. Mas há respingos e estilhaços da linguagem, ela é essencialmente fragmentária e dividida. Em certas circunstâncias ela é atômica e pontual embora este ponto esteja inserido num contexto.

Representação de mundo

Em toda sua nefelibatiquez a inteligência é não só uma ferramenta para resolver os problemas operacionais do cotidiano, mas um laboratório gasoso de fabricar toda sorte de representação de mundo. Nietzsche destacou que o homem fica imbuído do espírito filosófico quando se

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dá conta de que o mundo é representação. A função da representação é organizar a nossa vida e os objetos e as circunstâncias que nos rodeiam e, sobretudo, servir de estímulo à vida. Pouco importa se uma representação é verdadeira ou não, importa que ela sirva à vida, cumpra sua função pragmática. Mas contrariamente a Nietzsche vejo o cristianismo como afirmação da vida. Deus de Israel não é o Deus dos fracos, mas dos fortes. O próprio Cristo foi aristocrata. Porque o que faz um homem ser aristocrata é sua virtude moral e não o fato de ele ser detentor de poder político ou recursos econômicos. O cristianismo do século XXI não é um fardo, mas uma fonte inexaurível de vitalidade, saúde e conquistas de todo gênero, inclusive mundanas. A presente vida torna-se

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extraordinária, pois em sua materialidade torna-se sinal do que há de vir, ou seja, uma vida tão etérea como a própria inteligência na sua pureza. O paraíso existe, ele é liberdade absoluta de representação, em que ela não está sujeita a transitar presa por conexões de neurônios. Não há cadeia que não seja intelectual e não há inferno que não seja intelectual. Mesmo quando o homem está preso aos pés e às mãos por ferrolhos foi o seu pensamento que o conduziu até este estado. Freud vê a educação como repressão dos instintos, pré-condição da civilização. De fato, sem educação não há civilização, mas a educação não é repressora, ela é um instrumento de emancipação. Não é sociedade, o Estado, o patrão, ou nossos pastores que colocam freio em nossa boca, somos escravos de nós mesmos.

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Temos a capacidade ímpar de nos autoafligir com o chicote e é disso que precisamos nos libertar.

Platão, Aristóteles e Kant

Para assegurar a inteligibilidade do mundo real Platão criou um mundo à parte, o mundo das idéias, incorruptível, imutável, lastro-âncora deste nosso mundo empírico no qual vivemos. Aristóteles entronizou o mundo ideal no mundo real dizendo que matéria e forma são ontológicamente inseparáveis e somente através do processo de abstração didaticamente tratamos a essência como solta do ser concreto. Kant disse que não sabemos o que é a coisa em si, apenas enjambrou uma esquematologia de a prioris que seria a estrutura do nosso intelecto responsável

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pela organização os dados da experiência. No fundo estamos vendo que a metafísica apenas muda de lugar. Mas, o que eu defendo é que aquilo que a metafísica resolveu chamar de ser é algo que está a desmantelar-se a todo momento e a inteligência é uma chama que crepita, inexistindo propriedades ou leis universais que fundem o pavimento do objeto ou do sujeito, sendo tanto um quanto outro duas marcas gasosas, ou uma infinidade de massas gasosas a reagirem quimicamente num processo ininteligível ante a multiplicidade de variáveis.

Heráclito

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Quanto mais estudo filosofia mais heraclíteo me torno. Não há leis universais. Postulo isto ainda que epistemologicamente inviabilize o conhecimento dito episteme. A única coisa que existe é doxa. Doxa mais consistente e doxa menos consistente. Entendo por leis universais aquelas constantes independente de espaço e tempo. Ora, até mesmo o espaço e o tempo são relativos. Na verdade o espaço e o tempo não estão nem naquilo que se chama de sujeito e nem naquilo que se chama de extensão, mas na relação entre estes dois pólos. Na relação entre estas duas nuvens. O tempo é algo tão relativo, incompreensível e inapreensível que não tardará mudar o modo como artificiosamente cronometramos o tempo. O tempo é uma farsa, uma

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ilusão. Tudo está em movimento desuniforme. Falar em tempo é pressupor uma uniformidade que em verdade nunca existiu. Não é de se tirar o crédito das Sagradas Escrituras quando nos informa a idade dos patriarcas de acordo com padrões nada plausíveis para a nossa época.

Que tipo de filosofia estamos autorizados a produzir?

O grande mérito da filosofia foi ter descoberto de que não se pode produzir filosofia. A não ser este tipo de filosofia segundo o qual apenas tomamos conhecimento de nossa total incapacidade de formular uma única proposição sequer medianamente passível de crédito. Isto já é um grande conhecimento, pois saber que não se

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pode saber é magna sapiência. Poderíamos ser atingidos pela realidade de infinitas maneiras, mas o somos apenas por cinco maneiras. Dizem, não sei com base em que, os cientistas contemporâneos que a realidade tem onze dimensões. São-nos acessíveis quatro: altura, largura, profundida e tempo. O grande problema é que três destas dimensões dizem respeito a espaço que nós em definitivo não sabemos o que é e a outra diz respeito ao tempo, coisa que nunca existiu, mas inventamos. A era digital, a era da informática tem colocado ao nosso alcance obras que encerram pensamentos de pensadores que viveram, nas mais diferentes épocas, nos mais diferentes lugares. Como, pois, trataremos o espaço e tempo como categorias fundantes de qualquer coisa

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que seja que se diga consistente até se pela nossa parca e débil tecnologia relativizamos estes parâmetros!? O que até hoje foi tratado como parâmetro eu nomino como pseudoparâmetro.

O fim da filosofia

O fim da filosofia é alcançar aquilo que está além da experiência, mas nós estamos trancados dentro do balão de ensaio da experiência. Nada que transcenda o mundo empírico pode ser demonstrado pela força do pensamento. Remanesce apenas uma paixão em nós que nos empurra para o inatingível, o metaempírico. O metaempírico é um insight que brota da intuição. Mas este insight tem alcance mais limitado e mais pontual do que o hic et nunc do cogito ergo sum de René Descartes.

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O faz-de-conta

Evidentemente, não podemos querer superar os problemas de ordem epistemológica para só então nos habilitarmos na exaração de uma teoria de aplicabilidade prática. O que tenho pretendido mostrar é que nunca foi, não é e jamais será possível desfazer os nós que mantém atados aquilo que chamamos de episteme. Mas diante disso a vida não para e temos de fazer um faz-de-conta como se efetivamente alguma coisa estivesse nos autorizando a emitir juízos não estritamente empírico-circunstanciais. A oumperiforalogia parte disso.

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A beleza da incompreensão

O que a oumperiforalogia quer dizer é que não obstante não compreendermos absolutamente nada, nem o eu, nem o não eu, nem uma nuvem e nem outra qualquer, devemos achar esse turbilhão de não sei o que fantasticamente belo. Sim, a beleza daquilo que se convencionou chamar mundo, vida, existência, deve ser nosso combustível. Digo que não apenas não é lamentável não compreendermos as coisas, mas é justamente a nossa incompreensão que torna tudo isso belo.

A ética do discurso

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A ética do discurso nasceu como uma resposta pragmática ao trilema de Hans Albert. Ou para uma premissa se requer outra premissa como fundamento desta e assim por diante ao infinito; ou se interrompe abruptamente o encadeamento da série de premissas; ou se recai num subterfúgio de uma premissa ser fundamento e conclusão de outra reciprocamente num verdadeiro círculo vicioso. Habermas e Appel respondem que quem dialoga aceita as regras do jogo que são a compreensão mútua, a sinceridade, a boa-fé, a lealdade e o anseio de entabular acordos semânticos e construir pontos de vista transpessoais. Na verdade a ética do discurso difere das outras éticas em muitos pontos, mas, sobretudo no sentido de não impor de antemão nenhum teleologismo e mediações

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prontas para se alcançar tais escopos. Não são jogados como dados valores absolutos como se, sem justificação alguma, eles fossem evidentes por si sós num otimismo gnosiológico forçoso e artificial. Vejo a ética do discurso como a aceitação da ética na prática, ou seja, como aceitação da moral. Ela só deixa de ser moral e passa a ser ética, porque elabora um discurso no sentido de transformar a prática prática numa prática ideal e fazer desta prática ideal em conjunto de parâmetros de referência. Vejo a ética do discurso com bons olhos porque tanto Habermas quanto Appel reconhecem que sua ética não tem nada de metafísica – e nisto rompe como kantismo que lhe dá fundamento – não vindo a passar de um sábio e engenhoso artifício no diapasão de Peirce.

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Quase verdade

Estou no meu escritório de advocacia ao telefone e minha esposa me pergunta quando é que vamos comemorar a gravidez em uma pizzaria. Eu lhe respondo: “na próxima terça-feira”. Segundos antes meu sócio me pergunta quando expira o prazo recursal de determinado processo e ouve eu dizer: “na próxima terça-feira”. Quando coloco meu telefone no gancho meu sócio não está mais na sala e toma aquela minha informação como verdadeira. Detalhe: por uma feliz coincidência o prazo recursal daquele processo realmente expirava na terça-feira e ele toma

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aquela informação como verdade e ela lhe serve de senso de orientação e casualmente cumpre uma importante função pragmática. A pergunta que fica é: eu disse a verdade? Se se encarar a verdade como adequação de um enunciado ao mundo externo, sim. Mas como não há verdade inconsciente, não. Pois, quando ele me fizera a pergunta eu não sabia do que estava se tratando. Na verdade, este exemplo apenas serva para mostrar que não existem verdades, apenas quase verdades. Pois às vezes tenho ciência de que sou advogado, de que sou casado, de que meu pai em vida foi um homem zeloso e diligente nas finanças domésticas, mas não consigo ter consciência de tudo isto ao mesmo tempo. A consciência é como flashes de um filme. Já no que diz respeito à adequação do enunciado à realidade o

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problema fica ainda maior, pois duvido muito que uma nuvem em sua volatilidade consiga representar com fidedignidade a volatilidade de outra nuvem. Todavia, este meu discurso está cheio dos universais que tanto combato e para viabilizar meu discurso preciso contar com o artifício de um metaintelecto.

Antinomias pragmáticas

A valorização da experiência gera a desvalorização da experiência. A partir do momento em que valorizo minha experiência faço dela que não passa de uma constatação, uma regra. Via indução formulo universais e com estes universais passo a, aristotelicamente, fazer inferências via mão oposta, a dedução. Assim, a valorização das

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precípuas experiências me deixa relaxado e não capto as singularidades das experiências posteriores. A valorização da emoção gera a desvalorização da emoção. Platão diz que a reflexão filosófica nasce da capacidade que temos de nos admirar com as coisas. Ora, pela emoção fico admirado com a riqueza do que está ao meu redor, torno-me filósofo, elaboro um castelo de ideias que sufoca toda emoção, onde não há espaço senão para juízos abstratos. A filosofia situada é universalizante. Enrique Dussel, leitor de Emmanuel Lévinas, diz que aqui na América Latina precisamos de um pensamento situado, exclusivo para o nosso contexto. Critica a filosofia européia por ser totalizadora, universalizante e onímoda. Ocorre que a filosofia não é nem européia, nem latino-

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americana, nem pobre e nem rica, ela é humana. Quando digo que essa tal filosofia situada é elaborada para a América Latina, estou dizendo o seguinte: minha filosofia é para todo e qualquer homem, desde que seja latino-americano. Isto sem dúvida alguma é universalização. Não posso dizer que o advogado é um supercidadão só porque pode representar a outrem em juízo. Toda e qualquer pessoa pode representar a outrem em juízo desde que seja advogado. Ora, basta prestar vestibular, matricular-se numa faculdade, tornar-se bacharel e ser aprovado no exame de classe que você poderá representar a outrem em juízo. Ninguém vai lhe impedir de fazer isto. Essa tal filosofia situada tem se mostrado um pensamento de segunda classe. Reforça os preconceitos que

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tanto procura combater. Remotamente é refém do pensamento eclesial católico e do marxismo.

Uma mentira dita mil vezes torna-se uma verdade

Joseph Goebbels tinha a noção de que pela repetição se gera a crença. Se na educação de meu filho todo o dia lhe digo que ele é uma criança inteligente assim o será. A palavra cria a realidade. É assim que o hipocondríaco se vê vitimado da enfermidade que tanto temia. Até aqui não disse nenhuma novidade e não trouxe nenhum problema teórico sério. Mas quando a declaração de um enunciado faz o teor

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declarado consubstanciar-se em concreção, estamos diante de uma verdade ou não. Ou será que a mentira afirmada com solenidade tem o condão de tornar-se verdade. Assim é o caso da empresa que maquila sua contabilidade no mercado financeiro, atrai bons investimentos com seus números e, com isto, acaba por equilibrar suas finanças. A verdade ou aquilo que se costuma chamar de verdade é um entendimento majoritário. Por vezes pessoas simples dizem “alguma coisa me diz que não devo fazer isto”. Ou seja, trata-se de uma pessoa intuitiva que não atinge o reino das premissas e dos corolários. Quanto mais formação tem uma pessoa mais o espaço do explícito se destaca e retrai o espaço do presumido. E a recíproca inversa é igualmente verdadeira. O intelecto treinado tem

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facilidade de acessar pastas, subpastas e arquivos com agilidade. Já o intelecto pouco burilado trabalha com uma maior número de pastas, subpastas e arquivos ocultos que continuam cumprindo sua função apesar de não serem visualizáveis. Por vezes o intelecto pouco burilado padece pelo fato de o seu sistema de busca não conseguir localizar os itens ocultos de tal maneira que em circunstâncias pragmáticas dados importantes deixam de ser acessados, redundando em prejuízo para o senso de orientação necessário em tal e tal circunstância. Quando tenho um documento chamado filosofia.doc e logo depois escrevo outro arquivo também denominado filosofia.doc com um conteúdo ligeiramente diferente. O que o computador me pergunta é “deseja substituir o arquivo filosofia.doc por este

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outro?”. O computador pergunta, mas nosso cérebro nem sempre nos pergunta. A substituição se dá aquém da esfera dos explícitos, com ou sem nosso aval. É assim que o espírita vê num segundo filho a reencarnação do filho primogênito falecido e é assim que o viúvo ocupa sua afetividade com a segunda esposa que passa a ser o alter ego da primeira.

A mudança do cérebro com a escrita

A invenção da escrita cria a história. O momento a partir do qual as coisas passam a imortalizar-se num meio material contenedor de conteúdo virtual. Um livro é um protótipo de HD externo, nada mais do que isto. Tornamo-nos viciados em fazer consultas recorrentes. A vantagem da internet é que, ao

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contrário de um livro, que até pode contar com sumário, índice onomástico e analítico, é que a primeira conta com eficientíssimo sistema de busca. Não há informação que esteja fora do nosso alcance. Tanto a escrita quanto a informática, que não passam de métodos de conservação, reprodução e transmissão de informações mudam drasticamente nosso modo de pensar. A inteligência natural engendra a inteligência artificial e hoje se vê alvo do fruto de seu próprio intelecto. Em dizeres menos filosóficos e mais antropológicos, o homem produz cultura e é por ela produzido. Mas a computação e a informática tem algumas peculiaridades: elas são instrumentos complexos que, diferentemente de outras máquinas, não estão sujeitas apenas às leis da química e da física,

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mas do próprio pensamento. O computador é a imagem e semelhança da nuvem de inteligência humana. Assim como em genética as matrizes se reconhecem na prole, o homem se reconhece no computador. Não há melhor método para compreender o modo como opera o cérebro do que desvendando a computação e os sistemas de informação. Outro diferencial entre o livro e o computador é que o livro só tem processador, se alguém ler e instrumentalizar artesanalmente as informações terá, diferente disso não. Em frações de segundos posso multiplicar um arquivo milhões de vezes, realidade bem diferente daquela medieval dos monges copistas em que um único exemplar poderia levar anos e anos para ficar pronto.

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Cérebro e mente

Uma coisa é nosso cérebro e outra a nuvem de inteligência. O cérebro é o hardware. Quando alguém sofre um AVC apenas significa que por melhor que seja o software ele terá perdido sua funcionalidade ante a deteriorização daquele seu suporte que entendemos e anuímos chamar de matéria. Até hoje não inventamos um meio de apreendermos um software que não seja sobre um substrato físico tal como um DVD, um pendrive, etc. Mas como o programa é algo completamente distinto do recipiente que o abriga superior a ele, não descarto esta possibilidade conquanto em matéria de informática ainda estamos na Idade da Pedra em relação àquilo que há de vir.

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A máquina ensinando ao homem

O computador é um professor, pedagogo e educador. Se você lança uma informação errada no sistema ele lhe devolve uma informação errada. Não é isto que ocorre quando passamos algo errado para nosso semelhante. Se você clica no link errado contrai um vírus... alguma conotação sexual?! Vamos reaprender, sim, reaprender, porque desaprendemos, a conviver com nosso semelhante porque as máquinas nos ensinarão. O computador não é cristão, ele não perdoa, sua lei é a lei do talião “olho por olho, dente por dente, dado por dado, comando por comando”.

Processadores potentes não são titanics

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A solução encontrada para multiplicar exponencialmente a capacidade do processador seria cindi-los em núcleos distintos. Cada núcleo desempenhando uma função diferente. Isto me faz lembrar da ideia de Émile Durkheim de Divisão Social do Trabalho. Quatro núcleos independentes e interligados são mais eficientes do que um superprocessador solipsista. A informática é a demonstração teórica e prática de que o melhor sistema é o coletivo desde que cada um de seus componentes dê o melhor de si. Às vezes por causa de um único byte danificado a máquina trava. Somos obrigados a fazer a substituição. O computador não tolera peso morto. Assim uma sociedade deveria ser organizada. Se os quatro núcleos são independentes sem que haja

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necessidade alguma de existir maior instância que os una pode-se dizer que sociedade não precisa de Estado. Dizem que o Estado é o preço que a sociedade paga para ser organizada, pelo contrário, o Estado é o preço que a sociedade para por ser desorganizada. Quando trouxermos os sistemas de informação para a vida real acabará a regalia dos burocratas, justamente eles que, num primeiro momento, tanto se beneficiaram com a informática.

A informática como linguagem

Em informática vemos que a programação não passa de uma linguagem. É pela linguagem que tanto o

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ser humano quanto o computador se programam. Mas enquanto que no computador temos a opção de acessar os arquivos mais recônditos que servem de comandos de execução para aqueles que estão sobre eles sobrepostos, e isto de uma maneira imediata e cirúrgica, no ser humano não é assim. O ser humano é programável pela repetição. O ser humano é um imitador. A chave do fracasso e da vitória é a repetição. No computador o que você pôs uma vez está posto, no ser humano também. Mas no ser humano para um enunciado se tornar num executável ele tem de ser instalado diversas vezes.

A filosofia não conseguiu, mas a informática sim

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A informática conduz ao meta empírico, aqueilo que a filosofia não conseguiu a informática vai conseguir. E a informática nada mais é do que técnica e técnica é ciência aplicada. A história da humanidade é a dilatação do mundo virtual e a contração do mundo material. Quando éramos nômades trogloditas o ideal era um fagulha e o material era o todo. No futuro o virtual será tão gigantesco que o real será apenas um detalhe. Não sei até que ponto as pessoas saberão administrar isto. Poderá ser uma grande emancipação ou, se mal empregado, uma grande alienação.

(In)compatibilidades

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Se por exemplo tenho um arquivo denominado oumperiforalogia.exe em várias pastas isto não gera nenhum conflito. Mas não posso salvar dois arquivos com o mesmo nome dentro da mesma pasta. O nosso cérebro é igual. Isto prova que em nosso cérebro, em várias partes dele, temos a mesma informação. Quando temos a mesma informação dentro da mesma pasta em duplicidade, triplicidade, a isto a psiquiatria denomina esquizofrenia. A esquizofrenia nada mais é do que a quebra da linguagem padrão. Ou no dizer dos neurologistas, conexões neurônicas anômalas.

Causas da evolução da tecnologia

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Talvez as pessoas se perguntem por que a tecnologia da informação evolui tão rapidamente. Não tenho a menor dúvida que ela é efeito e causa do capitalismo globalizado. Mas diferentemente do que falou Marx e Rosa Luxemburgo o capitalismo não caminha para a guerra e autoimplosão. Caminhamos para a paz perpétua kantiana. A tecnologia instaurará a grande democracia em que haverá apenas o governo mundial que tudo gerirá zelando pelo desfazimento das distorções econômicas e sociais de todas as regiões do planeta. A origem da guerra é falta de comunicação, ou seja, é falta daquilo que hoje temos de sobra.

Tecnologia e tecnologia não

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A tecnologia é aquela da roda. A roda que, desde que foi inventada tem tornado o mundo cada vez menor. A roda do automóvel, do trem, do metrô, do avião, da máquina e, por que não dizer, do próprio relógio. Mas a tecnologia tem sido relativizada pela tecnologia não . A tecnologia não é a informática que economiza a locomoção física com sua locomoção virtual. A informação é entregue com o clique do mouse. A roda transporta objetos e pessoas, mas a informação vibra nas ondas eletromagnéticas da atmosfera oriundas de algum satélite. O denominador comum entre a tecnologia e não é que ambas pertencem ao reino da quantidade, sendo metrificáveis. A tecnologia é medida em quilômetros por hora e a tecnologia não é medida pela taxa de

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transferência de bytes por segundo do ponto xis ao épsilon. Trago aqui à baila o conceito de linha nodal segundo a qual o acúmulo progressivo de quantidade engendra uma mudança qualitativa. Já estamos sentindo nitidamente esta mudança de qualidade. Espaço e tempo simultânea e concomitantemente são afetados de uma só e mesma forma.

A palavra de ordem da informática

Vivemos na sociedade da informação. A questão é: que tipo de informação? Informação é linguagem e linguagem é programa de nuvem de inteligência seja ela artificial (computador) ou natural (ser humano). Isto não é novidade alguma, pois um famoso e ilustre profeta conhecido como Jesus Cristo disse: “Dizei a esta montanha arranca-te daqui

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e joga-te no mar e ela obedecerá”. Verbo indica ação e a locução pragmática é “dizei”. Ou seja, ponde a linguagem em prática. Precisamos ser exímios manejadores da palavra sob pena de assim não procedendo colhermos resultados ruins de acordo com a lei do retorno.

Spinoza e Hegel

Spinoza e Hegel nunca foram tão atuais quanto agora. Nossa tecnologia é ao mesmo tempo natura naturans e natura naturata. A rede mundial de computadores é o Eu Absoluto hegeliano. Cada micro é uma manifestação daquele espírito, daquela mente universal que é a rede. Cada personal computer é uma mônada leibniziana a espelhar todas as outras

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mônadas do universo, cada computador é uma homeomeria anaxagoriana a conter em si todas as outras homeomerias. Talvez quando Giordano Bruno falou em diversos universos e diversos deuses tenha se referido ao computador enquanto universo. A rede é consciência. É curioso que justamente a sociedade liberal burguesa tenha servido de preparo para algo tão coletivo quanto a rede, justamente ela que prega a individualidade. Aconteceu a tão profetizada partilha dos meios de produção de Marx: a partilha dos meios de produção de informação. Isto não é pouco. Porque, afinal, informação gera riqueza e não só o trabalho da força humana de trabalho como ele jurassicamente supunha.

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A questão da justiça

A questão da justiça tem sido uma constante na reflexão filosófica. Em Eutífron Sócrates faz seu dialogante se dar conta da impossibilidade de definir “justiça”. Em O que é a Justiça de Hans Kelsen o mesmo demonstra que é inviável tentar definir a justiça. Concordo totalmente com a idéia de que é impossível definir o que é justiça e é por isso que sou um processualista. Com a informatização da justiça a vida dos foragidos vai ficar cada vez mais complicada. Com a virtualização dos processos e a realização de audiências via webcam posso advogar em todo o Brasil de norte a sul numa linha de nada menos do que 4.320 quilômetros sem precisar sair do aconchego do meu escritório com ar condicionado podendo

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dali mesmo protocolar petições em qualquer comarca do país e participar de audiências. Logo mais a figura do oficial de justiça vai ficar rara. Receberemos intimações, citações e notificações via algum meio eletrônico. O advogado cada vez mais tem de entender não só de direito, mas cada vez mais de informática. Nosso patrimônio, nossa liberdade e toda nossa existência não passarão de uma peça morta no sistema.

Absoluto universal e particular relativo

Justiça é um conceito inatingível porque é absoluto e universal sendo que a única coisa que está ao nosso alcance é o particular e o relativo. Mas como a apreciação do mérito de cada ação não pode ser casuístico, criam-se e

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convencionam-se regras processuais para que o processo seja um jogo em que importa não apenas jogar bem, mas ter em mãos boas peças. Evidentemente, de nada adianta ter boas peças e jogar mal. O que se vê é que na maioria das ações, o mérito, dentre tudo o que integra o plexo da ação, é o que há de menos importante. Evidentemente, isto causa um desconforto para o causídico que vê sua ação sendo julgada improcedente e tem de explicar para o cliente o desenrolar do processo, o qual só tem em vista o mérito do processo quando isto é o que menos importa, mas ele reputa como essencial. Ainda que o causídico seja diligente e aja com perícia extra ordinária e o mérito lhe seja favorável, disso não resulta automaticamente o acolhimento das teses articuladas na

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preambular. O processo é um jogo que envolve um número de variáveis tão grande que se torna impossível estimar seu resultado ou o tempo de duração do procedimento.

Questões tecnológico-jurídicas

Quando instalo uma antena gato no telhado de minha casa e capto centenas de canais sem pagar nada por isto porque consigo driblar o código de bloqueio de sinal não estou praticando estelionato de acordo com entendimento jurisprudencial firmado. Mas, eu tenho outro entendimento sobre programas que retiram a proteção anticópia de CD’s e DVD’s, pois ainda que esse tipo de material não tivesse proteção alguma eu não teria o direito de reproduzi-lo. A bem da verdade sou a favor, ao menos nas

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ciências humanas e sociais, totalmente contra o direito autoral enquanto bem econômico e propriedade, mas sempre se deve preservar o direito autoral como bem moral e fonte de referência.

Nanotecnologia

Curioso é que estamos partindo para a nanotecnologia em todos os sentidos. E trata-se de uma nanotecnologia dentro da qual cabe o mega, o giga, o tera e o zeta. Do homo erectus para o homo sapiens sapiens o cérebro quintuplicou. Porque será que o cérebro não ficou do mesmo tamanho aumentando apenas sua capacidade? Mais adiante responderemos a esta questão. Quanto às memórias aritificiais diminuem de dentro para fora, mas crescem de fora para dentro. O disco rígido vem sendo

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substituído pela memória flash. E, diferentemente do disco rígido, a memória flash não precisa movimentar toda a memória para disponibilizar parte dela, a memória flash seleciona o que é útil na memória e o restante fica dormente. A história de nossa tecnologia é e continuará sendo deixar as máquinas cada vez mais parecidas conosco. Assim, quanto mais sofisticadas forem nossas máquinas, mais elas nos servirão de espelho na compreensão de nós mesmos. Entretanto as máquinas têm copiado apenas nosso lado racional, frio e objetivo. A grande revolução será a criação das máquinas sentimentais.

Experiência 3 D

A tecnologia nos afasta do mundo do cotidiano e agora esta mesma tecnologia

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que até então nos alienara está nos colocando em contato com a realidade. Hoje em dia “amamentar o filho é fazer uma experiência 3 D”. Os tímidos que não têm a desenvoltura de intimar a mulher-fêmea olhos nos olhos conseguem quebrar o zelo com MSN ou facebook. Casamentos e separações ocorrem todo dia em função de encontros e desencontros virtuais.

Fonte de energia

Outra questão que merece análise é a fonte de energia das tecnologias. Compro uma filmadora, um celular, ou uma fotográfica, ou um aparelho que reúna em si tudo isto ao mesmo tempo, se seu começar a usar todos os recursos em 20 minutos fico sem bateria. Com o ser humano é diferente. Quanto mais

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exercício físico em fizer, maior será a capacidade do meu organismo de metabolizar o que ingiro e reverter isto a favor de minhas atividades. Tanto é assim que, quem depois de um dia estressante no escritório faz ginástica, estará mais preparado para o dia seguinte, ao contrário daquele que optou refazer-se sedentariamente em frente da televisão. A viabilidade energética da bateria de nossos aparelhos não acompanhou a desenvoltura dos recursos que dependem desta fonte extremamente finita de energia.

O computador, esse alfabetizador

Tive contato com o computador aos 16 anos, comecei a aprender a operar o DOS, depois o FACIL e, finalmente, o Windows, com Word, Excel e internet.

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Hoje a criança tem contato com o computador muito precocemente. Ainda antes de ser alfabetizada. Na verdade, o computador e a internet passaram a ser alfabetizadores. O primeiro tio ou tia da criança é a máquina. A criança num primeiro momento explora a tecnologia como entretenimento, lazer, e, depois disso, o micro e a net serão suas ferramentas de trabalho até o derradeiro dia.

Neologismos

A informática é uma linguagem. É uma fábrica de produzir neologismos. Por exemplo, “trolar” é enganar, sacanear. Como o português rejeita o dígrafo “ll”, escreveram e dicionarizaram “trolar” com um ele só. Como essas tecnologias são em grande parte paridas nos

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Estados Unidos da América, o que vemos é a aglofonização da língua portuguesa e de todas as outros línguas do planeta.

Velocidade da inteligência

Questão interessante é a da velocidade do cérebro e a do computador. Os computadores estão cada vez mais rápidos, mas não sei se um dia ficarão tão velozes quanto o cérebro humano. Há quem diga que o cérebro humano não tem limite de velocidade. Tem sim. Trezentos mil quilômetros por segundo aproximadamente. Ou seja, a velocidade da luz. Outra vantagem do cérebro humano que o torna mais rápido do que as máquinas é que os mesmos componentes (neurônios) que retém memória são as que processam. No

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computador memória e processador são coisas distintas.

Hardware e software

É possível ter hardware sem software e software sem hardware. Posso ter o Windows no meu pendrive e girar o computador sem que este mesmo computador tenha Windows (Windows Portable). Assim também já fiquei sabendo de pessoas que sofreram acidentes automobilístico sérios com perda de massa encefálica e após convalescença não apresentar nenhuma seqüela. Uma coisa é o cérebro e bem outra é a mente.

Zipagem

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Nada mais genial do que a zipagem. Ou seja, você achatar o espaço ocupado pelo arquivo para dar espaço para outros. O nosso cérebro está em constante estado de zipagem. Claro, todos os dias sou bombardeado por milhões de informações e o cérebro não deixa escapar nada. Para caber tanta informação é imprescindível a zipagem das informações pretéritas. Há quem seja condenado (ou brindado?) com pantomnésia, que no fundo é um superprocessamento, é que perdemos a sã seletividade com a qual priorizamos as informações mais relevantes.

Semelhança de memórias

Penso que a memória das pessoas seja muito semelhante. A memória é

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universal. Até podem existir filigranas e firulas que diferenciem uma pessoa da outra. Mas o que mais faz diferença é o processador. Há computadores e pessoas, respectivamente, de 32 bits e 64bits. Não importa apenas o número de informações que você tem em seu cérebro, mas principalmente no que você faz com estas informações.

Livre-arbítrio para as máquinas

Criamos as máquinas pensantes, mas não demos a elas livre arbítrio. Nenhuma máquina até hoje exclamou: “Eureca, penso logo existo”. Ela não tem subjetividade, elas não têm livre-iniciativa, vontade, sentimento ou emoção. Embora em tom de brincadeira os técnicos já digam que já computadores machos e fêmeas, sendo

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estes últimos aqueles que, ao menos uma vez por mês, dão problema. A tecnologia, nossa criatura, sempre será menor do que nós, porque o efeito é sempre menor do que a causa, se é que o leitor me autoriza falar em causalidade.A máquina e a não máquina

As máquinas facilitam o mundo dos juristas, o mundo das finanças e são ferramenta de missionários, mas só o ser humano cria teoria jurídica, teoria econômica, teologia, religião, ritual e tem a capacidade de manipular informações que estão fora do seu alcance. Manipulamos informações fora de nosso alcance quando imaginamos. Ao contrário das máquinas fantasiamos e temos capacidade de representação. O filósofo é um produtor profissional de

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representações. Tudo o que difere o ser humano das máquinas é que temos a capacidade de elaborarmos uma determinada concepção de vida, muito embora, neste ponto, infelizmente, não estamos, a rigor, em muito melhor situação do que as máquinas.Cibernética

Nada mais interessante do que a cibernética. Ela tem trazido grandes avanços não só para a indústria, mas para a medicina também. É assim que um médico em Nova Iorque pode operar um soldado ferido no Oriente Médio dentro de uma ambulância mecatronicamente toda servida de informática e robótica, extraindo um projétil do corpo do mesmo. A milhares de quilômetros o equipamento responde aos comandos do médico cirurgião.

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Neurologia e cibernética

A neurologia tem se aliado e se amalgamado com a cibernética. É assim que um ser humano por suas ondas mentais dá comando a um robô para que execute determinadas tarefas. É assim que máquina e cérebro animal, de um macaco, por exemplo, interagem como se fossem dois seres da mesma natureza. Se nos é mui difícil fazer com que as máquinas pensem como nós, pelo menos podemos fazer da inteligência artificial – via eletrodos – um prolongamento da inteligência natural.

A cibernética enquanto cultura

A cibernética tem se tornado uma cultura. Não só cultura de ponta, de

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elite, de inteligência aplicada na consecução de um determinado escopo útil. Assim como a Música Popular Brasileira, ou com muito mais repercussão do que ela a música Techno, ou seja, eletrônica tem agitado a juventude nas danceterias e outras casas noturnas de diversão. Em suma, o eletrônico perpassa toda nossa vida, estando presente não só no ambiente de estudo e laboral, mas no entretenimento e na descontração também. Os novos hit parades são o reflexo um novo modelo de compor os sons harmoniosamente.

Fonte de riqueza

No futuro teremos de criar fontes de renda que não dependam do trabalho. O trabalho que hoje em grande medida é feito pelas máquinas será feito pelos

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robôs. Com o desaparecimento do trabalho vai sumir também o direito do trabalho. Nas guerras só os países subdesenvolvidos terão exércitos humanos, os exércitos dos países ricos serão feitos por robôs e os caças serão pilotados da torre de comando via controle remoto. A tecnologia que conseguir exaurir a tecnologia do lado oposto obterá a vitória. Aliás, a tecnologia militar é sempre tecnologia de ponta.

NASA

O que até bem pouco tempo atrás era tecnologia exclusiva da NASA hoje é de uso comum e corriqueiro. Há alguns anos atrás a fibra de carbono só existia em ônibus espaciais e hoje em dia há bicicletas feitas desse material. A antena

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parabólica e o GPS são outros dois exemplos do que estou a falar. Os trajes antilabaredas dos bombeiros são outro exemplo. O que vem sendo testado na NASA hoje, só para exemplificar, são óculos de lente líquida e as engrenagens não circulares. Aí fica a pergunta: a era da tecnologia estaria no fim?

Alteridade

O que Lévinas não vislumbrou no seu conceito de alteridade é que o outro não é apenas um não-eu, o outro pode ser ainda um não-humano. O outro pode ser uma supermáquina, um super-robô. A preocupação de Lévinas é mostrar que alteridade é o respeito pela subjetividade alheia. E se o alheio não tem subjetividade? Ou será que um dia vai ter? se a convivência entre humanos

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não é fácil em razão das idiossincrasias de suas subjetividades, o que devemos falar ou esperar do relacionamento do homem com o não homem? Serão as máquinas um dia consideradas uma sub-raça?

Bluetooth

A tecnologia Bluetooth é uma aperfeiçoamento do wireless em que posso criar redes sem fio. E isto sem modem, sem roteador e outros aparatos. Chegará um dia em que o Estado instalará um chip em nós e saberá o que nós estamos pensando. Mais que isto, nós saberemos o que os outros estão pensando como que telepaticamente com a ajuda da tecnologia Bluetooth em

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que o chip captará as nossas ondas cerebrais. Essa tecnologia é o modo eficaz de transmissão de dados via radiação eletromagnética, ou seja, sem fio.

Sistema analógico e digital

O nosso cérebro é analógico, o que vai contra 99% de nossa tecnologia que é digital. A diferença entre a tecnologia digital e a analógica é que esta última é mais fidedigna e fiel. A linguagem digital nada mais é do que a linguagem analógica transformada em números, quantificada. A vantagem da tecnologia digital é que as amostras numerizadas podem ser compactadas e é assim que long play se transforma em compact disc. Além disso, a tecnologia digital é menos degradável. Evidentemente,

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nosso cérebro não transforma toda informação em número e são poucas as pessoas que têm facilidade com a matemática. De toda forma, a cada hora do dia o nosso cérebro está numa freqüência diferente. E sempre essa freqüência pode ser medida em hertz. De uma ou de outra forma é, portanto, quantificável. Eu não duvido de que com a evolução o nosso cérebro se torne digital e passe a interagir com tudo o que é digital. Também não descarto a hipótese de se produzir uma nova tecnologia, que não seja nem analógica, nem digital, mas uma terceira via totalmente nova.

Que flor é esta?

Em O Nome da Rosa Umberto Eco trata da história secular de uma biblioteca de

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um mosteiro medieval que é consumida pelas chamas. Isto não é apenas romance medieval. Hoje no mundo há sete pessoas que têm o poder de resetar a internet. Isto seria um remédio radical no caso de vazão de informações ultrassigilosas para evitar uma nova guerra mundial por exemplo. De toda forma, em havendo tal vazamento, eu não sei da eficácia do remédio amargo uma vez que além da memória artificial nunca morre a memória natural. Além disso, rapidamente posso fazer back up.

Ockham

Guilherme de Ockham disse que não se deve multiplicar os entes sem necessidade. Foi um duro golpe aos escolásticos. Mas o fio da navalha de Ockham não desbasta tão facilmente a

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barba de Platão. O mundo da informática é o da multiplicidade. Mas ela não é utilizada para fugir de aporias e sim para conferir segurança às informações de tal sorte que, corrompida uma base de dados, remanesçam outras tantas com os mesmos dados. A informática é econômica de um lado e pródiga de outro.

Razão pura

A informática é a razão pura. Ela não fica mais experiente embora esteja cada vez mais arrojada e mais aprimorada. Toda a linguagem da informática é composta por dados analíticos. A informática desconhece dados sintéticos, isto é, aqueles a posteriori ou que agreguem

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algum tipo de conteúdo empírico. O conceito de relação não é estranho à informática, sendo de grande valia os chamados juízos kantianos hipotéticos. O computador e outros sistemas são mestre em calcular e concatenar hipóteses apurando, dentre numerosíssimas possibilidades, a hipótese que rende maior probabilidade de efetivar-se. Nisto a linguagem da informática que engendramos nos é superior. Sim, superior, porque se os juízos sintéticos nos dão grande senso de orientação atrapalham cálculos dessa natureza que fluem melhor sem os elementos não propriamente analíticos. Diria que no dia em que uma máquina puder formular um juízo sintético deixaremos de ser a espécie predominante no planeta.

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Enganando um vírus

Por vezes entra em nossa máquina um programa virótico que prejudica tremendamente o desempenho da máquina. Pior que isto: ele vem com uma superproteção no sentido de ser indeletável. Ora, não acontece o mesmo em nossa vida? É claro que sim. Todos nós estamos sujeitos a passar por experiências traumáticas. E aí, o que faz o técnico? Simples: não deleta o programa, mas muda sua extensão para torná-lo inoperante. Ora, assim também nós não conseguimos nos esquecer de certas situações, porém criamos mecanismos para nosso cérebro continue operando apesar dos elementos de bloqueamento operacional.

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Senhas

Quando perdemos a senha de um cadastro podemos pedir para que o tal cadastro remeta uma nova senha para o nosso e-mail. Ora, o nosso e-mail tem senha, mas desta lembramos. Assim, o importante é que quando você perder a chave tenha a chave da gaveta onde está a cópia desta primeira chave. É assim que meu cérebro funciona: quando me esqueço do número do meu vizinho ao menos recordo-me onde deixei um toco de papel com a anotação do respectivo número.

Lógica gramatical

A lógica gramatical é indubitavelmente mais complexa do que a lógica do computador. É assim que construções

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gramaticais em acordo com a norma culta são consideradas errôneas e outras erradas passam despercebidas. Além do mais, o vocabulário do computador é mais que incompleto, é pobre. Não conhece palavras demasiado eruditas ou pouco usuais, bem como neologismos. De toda forma, o corretor ortográfico é e sempre será um grande puxão de orelha para nossas desatenções injustificáveis e tão freqüentes.

Fungibilidade lingüística

Outro fenômeno que acompanha a informática é a fungibilidade lingüística. Posso verter qualquer língua xis para qualquer idioma épsilon. É bem verdade que a tradução não fica um obra de arte. Mas vai bem além do simplesmente

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entendível. A tradução deixou de ser um trabalho artesanal para se tornar em algo imediato e instantâneo. De um lado preciso aprender inglês para quase tudo e de outro posso trasladar qualquer texto em inglês para o idioma que eu quiser.

Nosso cérebro

Nosso cérebro tem 86 bilhões de neurônios e não duvido de que seja teórica e praticamente viável construir um computador com mais de 86 bilhões de bytes. O nosso cérebro é um computador que processa um trilhão de bits por segundo. O computador é rápido e preciso. Nosso cérebro é lento e impreciso. Mas o computador é incapaz de corrigir uma rota incorreta ou desfazer algo para qual não foi

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programado. Também não sabemos se um neurônio armazena uma única informação ou várias. Logo, logo, o computador alcançará nossa memória. Difícil mesmo é que um computador tenha um processador tão eficiente quanto o nosso. Na verdade, nossa memória é uma memória dinâmica. É por isso que o presente redimensiona o passado e hoje que estamos em 2011 já não vemos o ano 2000 tal como o víamos em 2004. A desvantagem disso é que perdemos a objetividade. Se formos falar de qual era nosso pensamento em 2000 falaremos mais do que realmente o conhecimento daquela época permitiria falar.

Tempo e duração

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Para o computador existe tempo. O tempo físico, atômico, quantificável. Para o ser humano o que existe é duração. Claro, essa distinção não é minha, e de Henri Bergson. A diferença é que ele mal sabia trabalhar com uma máquina datilográfica. A duração é psicológica, é subjetiva, completamente avessa a quantificações ou metrificações. O tempo para o computador só fica mais moroso quando esquenta o processador. O ser humano também fica mais lento em altas temperaturas. O ser humano trabalha um terço do dia, outro terço usa para alimentação, higiene, oração e socialização e o último terço é dedicado ao repouso. Com o computador não: se a temperatura estiver adequada ele pode trabalhar 24 horas por dia ininterruptamente só havendo o problema de sobrecarregamento de

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memória, caso em que a máquina necessita reinicializar.

O bug do milênio

Às vésperas do ano 2000 muito papel se gastou, pois as máquinas, não se sabia ao certo, não estariam preparadas para mais de três algarismos. Com o ser humano não ocorre semelhante risco embora sempre existam os quiliastas e escatologistas. Aliás, em informática, bem antes que o problema esteja prestes a concretizar-se estamos prontos com a resolução eficaz e definitiva. Quase todos os problemas da informática são problemas de incompatibilidade de padrões. antes que expire o velho padrão surge outro novo com aceitação inquestionável.Moralidade

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O computador não é nem moral e nem imoral, é amoral. Um verdadeiro menino-livre além do bem e do mal como queria Friedrich Nietzsche. O computador é o fim ético da filosofia nietzscheana. O computador não tem conduta, não tem comportamento. Ele é totalmente instrumental. O reino das premissas e dos corolários lhe é estranho. Mas a máquina pode ser usada para fins ilícitos e imorais. Posso apropriar-me da senha da conta bancária de outrem e consequentemente do numerário que há lá dentro. Posso usar as redes sociais virtuais para fazer fofocas ou trair o cônjuge.Tu deves

É totalmente compreensível que a moral kantiana se resuma a um “tu deves”.

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Claro, ele encarou o intelecto humano como uma grande esquematologia. O computador é esse intransigente cumpridor desse “tu deves”. O computador desconhece o “eu quero” de Nietzsche. Claro, se meu patrão me dá uma ordem imoral posso desobedecê-lo porque acima dele existem princípios. Igualmente, se dou o comando para meu micro deletar o disco C: ele pode não executar o comando porque foi programado para preservar o referido conteúdo.

A maioria eventual

A maioria eventual é sempre inconsciente. Assim como uma corrente

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em que sem querer remeto uma mensagem para todos os meus contatos, o mesmo vindo a acontecer com estes meus contatos. A política autoritária e massificante adota estes mesmos efeitos dominós ou cascata. O indivíduo penso um pouco, a massa não pensa nada. O computador ou uma rede de computadores, ambos não refletem ou meditam coisa alguma. De toda maneira o que quero destacar é que todas as ações de envergadura, envolvendo pessoas ou computadores, são processos inconscientes frutos de manipulação e estratégia de grupos reduzidos.

Ecosofia

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A ecosofia não poderia deixar de lado a discussão acerca da informática e da rede mundial de computadores. Estas duas invenções impactam positivamente a natureza no sentido de que milhões de metros cúbicos a menos vão ao chão em função de o papel ter se tornado despiciendo e muito menos dióxido de carbono é lançado na atmosfera em razão de a mensagem ser entregue por uma tecnologia que não seja a . Há locomoção virtual, mas não física. Além disso, o fácil acesso à informação sempre se traduz em economia de energia, o que em última ratio seria cobrado das forças da natureza.

Juízo sintético

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Já dissemos que no dia em que uma máquina conseguir formular uma proposição sintética significará que ela terá adquirido a faculdade de agregar conhecimento. Em verdade, a máquina nada sabe. Não existe conhecimento inconsciente. Ela não tem noção dos dados que estão contidos no seu interior. Mas embora o computador nada saiba, ele tem uma capacidade incrível de ensinar. Ele cumpre uma função de ensinagem semelhante ao papel do inquiridor na maiêutica socrática. O computador é não só uma formidável base de dados e de pesquisa, mas copiando nossas leis mentais educa o formando a desenvolver o pleno raciocínio lógico-abstrato, enfim, é um excelente preceptor de lógica.

Célestin Freinet

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Célestin Freinet ficaria maravilhado se tivesse conhecido a internet. Hoje qualquer pessoa pode escrever e publicar textos na internet. É comum as pessoas terem blogs. Além do mais há editoras de livre publicação em que a liberdade de imprensa é ilimitada, ressalvando ofensa em face de direito alheio, caso em que o autor responderá pessoalmente pelo suposto evento danoso. Em nenhuma outra época o indivíduo pôde alcançar um número expressivo de leitores e em muitos casos a custo zero. Penso que as escolas deveriam fomentar no aluno a produção de textos virtuais. Escrever só se aprende escrevendo. A prática é tudo. Quem irá praticar só na hora da avaliação terá mau desempenho.

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Anti-Freire

Doravante a pedagogia estará diretamente atrelada aos programas desenvolvidos para que o aluno através destes métodos alcance seu objetivo que é a aprendizagem. No Brasil a pedagogia tem sido vítima de aberrações ideológicas de esquerda. Não precisamos de uma pedagogia da libertação porque em verdade o aluno não está preso a nada e sequer faz sentido falar em pedagogia do oprimido. Não existem alunos oprimidos e outros exaltados. O que existe é aluno servido de informática e outro privado destes mesmos recursos tecnológicos. Temos que perder esta noção medíocre de ver o aluno como vítima. A criança nunca será um cidadão responsável se dela não for cobrada a responsabilidade.

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Autodidatismo

A sã pedagogia é toda ela no sentido de transformar o aluno em um autodidata. O aluno tem de deixar de ser essa figura oprimida e passiva que sempre foi. A escola tem de parar de enviar mão-de-obra para o mercado de trabalho e enviar cabeça de obra. Quem opera o computador sabe que nem tudo aprendemos no curso de informática e que temos que criar familiaridade com os recursos e comandos pela curiosidade e treino reiterados. A informática tem ensinado as crianças e os jovens a se tornarem mais independentes sem tudo ter que lhes passar mastigado. A informática deveria ser matéria obrigatória em toda trajetória escolar do aluno.

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Net via eletricidade

A internet pela corrente elétrica é algo que em brevíssimo tempo irá revolucionar as coisas. Primeiro, quanto ao padrão de medida que será em watts. Segundamente em relação ao custeio cujo ônus financeiro será retraído abruptamente. Finalmente, e talvez o mais importante de tudo, temos de nos referir ao alcance que gerará uma multiplicação exponencial de terminais, uma vez que no mais remoto fundão de nossa pátria encontramos um foco aceso. Aonde até então não chegara a linha telefônica haverá a internet com todos os recursos de comunicação em tempo real. Era o que faltava para a aldeia global ficar ainda mais global e

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para a América Latina e África começarem a interagir com o mundo.

Holografia

O caminho da informática é a holografia. O monitor deixou de ser um tubo de imagem para adotarmos a tecnologia LCD. Dentro em breve o monitor não será mais espesso do que uma folha de papel. E adiante tanto o teclado quanto o monitor serão holográficos, isto é, feixes de laser a compor uma determinada imagem. Isto significa que virtual será não só o conteúdo, mas também o continente. O tamanho físico daquilo que começou como sendo um prédio, depois o PC, o laptop, ficará restrito a algo imperceptível no nosso bolso. Não me refiro somente ao pendrive. Mas aquele aparato de

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componentes que hoje denominamos computador será menor que a chave de um automóvel. Todo o resto será holografia. Na verdade, o laser é algo físico e etéreo ao mesmo tempo. Algo que não é nem sólido, nem líquido, nem gasoso, nem gel, embora se aproxime do estado gasoso. A holografia é uma nuvem, em outras palavras, mais ou menos como nossa inteligência. Essa nova tecnologia exigirá de nós olhos evoluídos, olhos transformados.

TV digital

A TV digital apresenta um leg de três a seis segundos em relação a TV analógica. É o tempo necessário para transformar áudio e vídeo em número e transmitir ao telespectador. Ou seja, mesmo que o jornalista esteja falando ao

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vivo, o que vejo na televisão é pretérito. O mesmo ocorre com o olho que está sujeito não só à velocidade da luz, mas também à conversibilidade dos feixes luminosos em imagens significativas para a área do cérebro responsável pela recepção, memorização e processamento de imagens. O mesmo ocorre com o som que está sujeito à densidade da atmosfera, mais a temperatura e a agilidade cerebral da área responsável pela conversibilidade de estímulo sonoro em algo significativo.

Convertendo uma na outra

A grande sacada será um grande conversor que transforme a inteligência humana analógica em toda outra espécie de tecnologia digital de maneira que eu posso conectar-me com qualquer

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aparelho somente com a força do pensamento. Isto garantirá empregabilidade a pessoas portadoras de dificiência e poderá ser responsável por inclusão de pessoas com autismo. O problema disso é que gerará demasiado sedentarismo e o governo criará lei tornando compulsória a freqüência em academias de ginástica.

O sol

Outra questão digna de abordagem é que nossa estrela mãe, o sol, é como um organismo vivo e sua radiação mude de intensidade como a fogueira que arde em nossa lareira. Uma mudança brusca de radiação poderia mudar a composição de nossa atmosfera e todas as ondas e sinais que transitam nela tornar-se-iam anômicas restando nossos

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satélites e todas as nossas tecnologias absolutamente imprestáveis.

Sucateamento do velho

Fenômeno que vem ocorrendo desde a Revolução Industrial do século XIX e se acelerou exponencialmente com o advento da informática é o sucateamento das velhas tecnologias e a fácil penetrabilidade no mercado das novas. O barateamento da tecnologia é outro fenômeno gemelar instrínseco a aqueles outros retrocitados. O que ocorre com toda naturalidade no mundo tecnológico precisamos aprender a realizá-lo no mundo filosófico. O Brasil é uma caixa de percussão de idéias

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filosóficas européias com um atraso de cem anos. Precisamos admitir que um conceito filosófico que servia ontem hoje já não serve mais. Precisamos nos livrar de ideais jurássicos. Precisamos sucatear as idéias. Algumas, aliás, a maioria das idéias é tão ruim que sequer podemos reciclá-las. Assim como sistematicamente vivemos o novo na dimensão tecnológica precisamos viver o novo na dimensão filosófica. A propósito, é exatamente este o escopo deste livro. Dar ao nosso mundo repleto de tecnologias a filosofia que ele merece. Meu avô andava de carroça, eu ando com um automóvel de câmbio automático, mas nossos valores e nossas concepções de vida ainda se coadunam em muitos pontos. Isto é inadmissível. O pensamento tem que se antecipar em relação àquilo que há de material e não

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persegui-lo com defasagem. Ainda que o intuito de algum defensor de determinada linha doutrinária seja de condão conservador, digo que o modo mais eficaz de conservar algo é promovendo reiteradas reformas naquilo que se pretende deixar intacto. Tudo envelhece, sobretudo as representações filosóficas da realidade. O destino e a função do filósofo é ser superado, é ser o sopedanho para que o transiente possa elevar-se para o degrau superior. O filósofo que não é vanguardista, que não desenvolve um pensamento pioneiro, em verdade é um comentarista, um escoliasta. É chamado de filósofo apenas por lhe faltar denominação melhor. Ser filósofo é recepcionar toda tradição filosófica ocidental e ao mesmo tempo estar permanente rompendo com ela. Não há problema algum em abordar

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velhos temas como ética, epistemologia e lógica. O que precisa mudar é a linha de abordagem. Os velhos problemas necessitam ser recolocados em novos termos. A problemática sempre reside onde menos desconfiamos.

Net em tudo, dinheiro em nada

Em poucos meses veremos os eletroportáteis todos servidos de internet. Se vou fazer um bolo posso consultar a neta em minha batedeira e ver umas receitas. Se mexo no condicionador de ar já me lembro de consultar a previsão do tempo na net que está ali fácil, oferecida e escancarada.A moeda e o cartão de crédito deixarão de existir porque a única coisa que

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haverá será um loguin e a senha a ser operacionalizada via celular. A numismática será uma disciplina do passado, arqueologia a estudar realidades que não participam dos dias atuais.

Linguagens

A linguagem digital é diferente da linguagem humana. A linguagem digital satisfaz o sonho dos logicistas que pretenderam formalizar cem por cento da linguagem esvaziando-a de seu conteúdo semântico, exceto o conteúdo de verdadeiro ou falso, remanescendo apenas os esqueléticos encadeamentos lógico e, ou, se-então, etc. A linguagem

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da informática não participa da reviravolta lingüístico-pragmática ocorrida no tocante à linguagem humana. O computador não tem a capacidade de admirar-se, espantar-se, assustar-se, rir, chorar ou esboçar qualquer tipo de emoção ou tampouco articular partículas destituídas de função lógica voltadas para um interlocutor capaz de retribuir uma mensagem com outra partícula igualmente extradigital. Para o computador todos os dados são sincategoremáticos. Sim, digo isto apesar de o computador se provido de certa faculdade de processamento. Um termo só passa a estar inserido e concatenado com os demais que lhe são próximos e remotos a partir do momento em que a nuvem de inteligência formula uma representação que podemos chamar de contexto. Mas não existe

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contexto para a razão pura. O contexto tem sim uma estrutura racional ou inteligível. Mas o contexto só é apreensível sob a ótica dos paradoxos existenciais, do religioso, do sexual e, para encerrar, sob a ótica do sentido e da emoção. A linguagem da informática é alheia ao pleno de sentido, ou seja, o místico. Mas nem por isso se identifica com a absurdidade do real tal qual fez Sartre. Para a nuvem de inteligência artificial a realidade não é nem recheada de sentido e nem absurda. Sequer a inteligência artificial suspeita que exista uma realidade dentro ou fora dela apesar de ela ter se tornado o reflexo do nosso mundo.

A proposição sétima do Tractatus

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O computador segue à risca a proposição sétima do Tractatus Lógico-Philosophicus, sou seja, ele nada fala acerca daquilo de que não se pode falar, ele é fiel ao primeiro Wittgenstein. Mas nós humanos precisamos e efetivamente falamos daquilo de que não se pode falar. Somos seres imersos no empírico que nos atrevemos a falar do metaempírico. Já o computador participa de uma nuvem de inteligência virtual que não fala e nem sente necessidade de falar do real. O ser humano é social e interage. Dizer que o computador é um autista e dizé um autista e dizer pouco. A indiferença do computador frente ao que lhe rodeia é muito mais radical do que qualquer forma de autismo. A inteligência artificial é a mente conceito, a Inteligência humana escapa a qualquer tentativa realista de definição. Assim,

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como computador é incapaz de compreender a si mesmo, também o ser humano não consegue descobrir quem ele é. Mas o ser humano é extremamente imaginativo e da simples certeza de que não podemos compreender nossa própria complexidade nasce a impressão de que existe uma inteligência muito superior à nossa, assim como a nossa o é em relação à dos computadores.

A Modernidade

A Modernidade é a tentativa de organizar a sociedade a partir da razão. O pensamento de esquerda assinala a insuficiência da perspectiva burguesa, mas, por fim, ambos os modelos

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encontram aporias e o socialismo científico se depara com seríssimos problemas de viabilidade pragmática. Assim, entramos na pós-Modernidade. Ela é a crise dos modelos de racionalidade, é a época da pluriperspectividade. Habermas tenta resolver o problema dizendo que o repositório da razão não deve ser nem o mercado dos liberais e nem o Estado dos socialistas, mas a sociedade civil organizada. Como solução teórica é genial, mas não colou. O que vemos é que a informática vem a ser esta racionalidade. E aí, sim, devemos dar a mão à palmatória a nosso colega Jürgen Habermas quando afirma que a racionalidade com que contamos é puramente instrumental, aquém do reino das premissas e dos corolários. É que a razão da informática é abstrata como a

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razão pura kantiana. Mas quando perfunctoriamente concordo com a visão habermasiana debruço-me exaurientemente sobre a problemática e vislumbro algo diferente desta insípida instrumentalidade. A tecnologia da informação e a cibernética de um modo em geral estão apontando para certos teleologismos. Há a democratização da informação e isto reforça a idéia de Estado Democrático de Direito. Há uma banalização das tecnologias de ponta e isto se traduz em igualdade social. Há superação do binômio espaço-tempo e isto pode ser considerado pluralismo cultural e convivialidade pacífica entre os povos. A economia desconhece as barreiras de antanho graças às novas tecnologias e isto faz do modo capitalista de produção um consenso universal. As tecnologias de ponta falam

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inglês e portanto o mundo se torna cada vez mais anglófono. E, por fim, diante das quase infinitas relações de cada um dos pontos do planeta com todos os outros e diante do apequenamento da aldeia global, sente-se a necessidade cada vez maior de um governo mundial. Assim, estamos prestes a alcançar aquele ideal kantiano da paz perpétua entre todos os povos. Estamos caminhando para uma democracia mundial capitaneada pelo modus vivendi ocidental e o mundo há de ficar completamente ocidentalizado.

Similarizando

O fato é que ficamos parecidos com quem nos relacionamos. Diz o provérbio

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popular “diga-me com quem andas e te direi quem és”. Assim, como a máquina fica o dia inteiro conosco e nós ficamos o dia inteiro com ela, ela ficará sentimental e nós ficaremos com nossa sentimentalidade embotada. A máquina ficará sexuada e nós ficaremos assexuados. Evidentemente, deveremos tomar as precauções para muito mais humanizar a máquina do que maquinizar o homem. A máquina padroniza, o ser humano personaliza. As bicicletas ergométricas são uma prova da personalização das novas tecnologias. A coisa coisifica o homem assim como o homem humaniza a coisa. Mas a relevância de uma coisa reside na intimidade que ela tinha com seu possuidor e o quilate da personalidade possuidora. Outra questão interessante é a do animal. Pois, se de um lado ele não

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é exatamente uma coisa, do outro não é absolutamente um ser humano. Com o império das máquinas o cachorro deixou de ser pastor, guarda, força motriz de tração no caso dos esquimós, e passou a ser um adereço, um brinquedo animado para as crianças, e em casos extremos, mas não raro, um membro da família.

Crises

Assim como a racionalidade burguesa e a racionalidade proletária entraram em crise não pode também a racionalidade da informação entrar em crise? Sim isto não apenas é possível, mas muito provável. Toda racionalidade desprovida de uma metanarrativa histórica ou que vê a História com seus conglomerados de fatos contrariar sua filosofia da história entra em crise. Na verdade a

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tecnologia da informação é algo que faz acontecer, mas não diz em nome de quê. A corrida da informática é como uma corrida de fórmula 1, em que a velocidade é tida como um bem em si mesmo e não como caminho eficaz para alcançar um escopo distinto do próprio quefazer. Pragmaticamente falando a informática resolve nossos problemas profissionais e operacionais. Mas quando a tecnologia evoluir a tal ponto em que a mão de obra tornar-se-á pletórica, nossa jornada de trabalho não passará de duas horas, e aí, o que vamos fazer? Lutamos tanto para nos ver livre do trabalho e agora que estamos sem ele ficamos desnorteados. Como falou De Mais, precisaremos criar um ócio criativo. Pois se antes o tempo não trabalhado dependia do tempo trabalhado, as posições se inverteram, pois se mal

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aproveitarmos o longo ócio adoeceremos e não estaremos em condições de trabalhar.

O olho

O olho humano é um sistema cujo funcionamento é conceituado de complexidade irredutível, ou seja, se faltar um único elemento do todo fica comprometido o funcionamento. O olho humano é um aparelho natural dotado de fotorreceptores que funciona semelhantemente a uma câmara convertendo, no entanto, sinal luminoso em micro descarga elétrica legível pelos nossos neurônios. Não duvido de que um dia chegaremos a criar um olho natural. Mas muito antes disso contaremos com a caneta scanner para deficientes visuais que converterá texto em áudio.

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Assim, não haverá necessidade de materiais diferenciados para deficientes visuais, pois através da mediação de uma caneta scanner o livro convencional automaticamente será vertido para um áudio-livro. Isto assinalará o fim do Braille, ou, ao menos, reduzirá o seu alcance e prestígio com o qual conta no dias de hoje.

Analógico, mas não antidigital

O cérebro é analógico, mas totalmente capaz de funcionar digitalmente tal como os sistemas pressupõem a base binária. Do contrário, seríamos incapazes de realizar operações matemáticas sem o auxílio de calculadoras. A vantagem de contarmos com um cérebro analógico é nossa capacidade de processamento. Para a

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informática o processamento se limita a concatenar os dados conjuntivamente ou disjuntivamente. A informática separa o que está unido e nossa nuvem analógica de pensamento junge o que está separado. Uma das molas mestras de nosso cérebro é a associação. A base de toda memória é a associação. No lugar dos a prioris kantianos organizando os dados empíricos o que existe são associações. Associações, inclusive, absurdas, que são justificáveis sob o único pretexto de não deixarmos aquela informação escapar da nossa memória. No computador, se estamos trabalhando e saímos de um arquivo novo ou de um velho em que fizemos alterações a máquina pergunta se queremos salvar o arquivo ou as alterações, a pergunta que fica é: o mesmo ocorre com nosso cérebro? Sim. Na verdade nada escapa

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ao nosso cérebro. Mas se a informação é irrelevante ela vai para as pastas ocultas ou para os arquivos encerrados. Sendo uma informação importante como o número de telefone de uma pessoa sexualmente interessante ou uma informação que usaremos numa prova ela vai para uma pasta de explícitos cujos caminhos são atalhos e trafegáveis por grande variedade de comandos.

Plataformas

Outra questão interessante é que nas redes virtuais de relacionamento usamos plataformas, seja Orkut, facebook, etc. O ideal é que pudéssemos fazer isto sem estas plataformas. Também entendo que além de podermos de qualquer aparelho acessar a internet precisaríamos ter outras fontes de informação além da

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internet. O nosso cérebro também trabalha com plataformas, mas temos nossas vantagens porque elas são mutáveis e mutantes. É assim que podemos explicar a multiplicidade de inteligências. Existe a plataforma da música, da matemática, da arte, da filosofia, etc. E o que também percebemos é que quando uma pessoa desenvolve demais uma ou duas destas plataformas as outras se retraem. Isto acontece também com inteligência animal. Fizeram experiência com um chimpanzé em que o mesmo contava com a possibilidade de extrair ração à vontade apertando certo botão que liberava o vívere. Detalhe: o botão era de difícil acesso e era alcançável só por um dos dedos do animal. Após três semanas de confinamento foi feita radiografia do cérebro do animal e

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constatou-se que a área do cérebro responsável pela motricidade daquele dedo do macaco havia se expandido para cinqüenta vezes ao que era antes do experimento. O cérebro é filho da estimulação. O treino é tudo. As conexões surgem da prática reiterada da prática. Não é à toa que os romanos diziam “repetitio est mater studiorum”. O cérebro não pára de destruir e construir conexões. O Mal de Alzheimer é a destruição sistemática de conexões. Muito importa o fato de sermos dotados com 86 bilhões de neurônios. Mas tão ou mais importante que isto é o número de conexões. O uso de drogas, mesmo lícitas como o álcool e o tabaco tem o demérito de continuamente separar os neurônios que precisariam estar conectados tirando nosso senso de orientação e criando conexões

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fantasiosas e ilusórias associando informações desencontradas quando elas nada têm a ver entre si. A pessoa que se alimenta bem evitando gorduras e substâncias entorpecentes assegura a incolumidade e intangibilidade do seu hardware propiciando a perfectibilidade da base sólida sobre a qual opera a nuvem humana de inteligência, a mente. Depois que abdiquei de tais substâncias senti um ganho não só psicológico, mas real de acuidade mental.

Comandos

Se eu dou um comando “não-verde” o meu computador irá excluir tudo o que é verde. Mas se eu disser a uma pessoa “não pense na cor verde” ela automaticamente irá pensar na cor verde. O nosso cérebro pode estar no

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limite da evolução. Porque se ele aumentar ainda mais de tamanho teremos um cérebro lerdo como o de um elefante: a informação demora mais para viajar dentro dele. Se, para agilizar a transmissão dos impulsos elétricos as conexões ficarem mais finas esbarrarão em limitações termodinâmicas tais quais aquelas que magoam os transistores de chips de computador que imitem ruídos. Tão importante quanto a dimensão do cérebro é a proporção da massa corpórea para a massa cerebral. Há animais que têm o cérebro maior do que o do homem. Mas o cérebro humano é o maior se se considerar a proporção corpo-cérebro. O computador não tem corpo. É como se fosse apenas um cérebro compacto a independer de pulmão, intestinos, coração, etc... Os transistores diminuíram e continuam

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diminuindo de tal forma que um átomo a mais ou a menos desestabilizaria o transistor e consequentemente todo o sistema numa reação em cadeia. O nosso cérebro comporta um número finito de neurônios, cada neurônio comportando um limitado número de axônios (os “fios” condutores entre os neurônios), e cada axônio comporta um número finito de pulsos elétricos sob pena de desarmar a chave a estourar o fusível. O grande problema, ao menos para a maioria das espécies, é a queima de energia. De tudo o que consumimos 20% vai para o cérebro. O cérebro humano é ao mesmo tempo resultado e condição num feliz círculo da prosperidade de excedentes calóricos. Como a carne tem muita proteína Friedrich Engels não estava errado ao afirmar que a inclusão no cardápio dos

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hominídeos teria ajudado a nos transformar em seres humanos, conforme relata em O Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem. O cérebro humano está no seu limite no que diz respeito à miniaturização das células nervosas. Isto nos dá uma noção de o quanto que o uso de psicotrópicos tem o poder de desestruturar nossa inteligência e toda nossa personalidade. Curioso é que podemos mensurar a capacidade de memória e processamento de um computador com precisão, mas não podemos fazer o mesmo em relação ao ser humano. O máximo que podemos fazer é aplicar-lhe um teste de quociente de inteligência. Mas inteligência sem emoção é uma inteligência dependente e o computador é uma prova disso. Além disso, precisamos não de qualquer

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emoção, mas de uma emoção trabalhada, isto é, de quociente emocional. Quando fazemos um esforço intelectual hercúleo ficamos mais cansados do que se tivéssemos enfrentado uma maratona. Isto significa apenas que o cérebro estava no seu consumo máximo de energia. Faz sentido dizer que o chocolate é bom para concurseiros durante a execução da prova. O chocolate disponibiliza rápida e abundante energia quando mais precisamos dela. Posto isto tudo, pensamos que a pergunta “o conhecimento tem limites?” fica mais do que respondida, vez que o cérebro é uma base fisicamente limitada que condiciona de alguma maneira a atuação da mente, nuvem de inteligência que precisa estar seqüestrada pela massa

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cinzenta para poder interagir com o meio empírico.

Metabolismo

Assim como o computador é dotado de estabilizador para uniformização da corrente voltaica, o corpo equaciona a relação consumo calórico e metabolismo. Mas diferentemente do computador o cérebro tem consumos variados de energia ao longo das 24 horas do dia embora só desligue totalmente com o óbito, mas alterna o funcionamento de certas áreas por outras. A madrugada é especial para aquilo que as pessoas que crêem chamam de oração. A matina é o momento mais próprio para o encontro

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com o metaempírico porque as regiões cerebrais responsáveis pela captação dos dados sensórios estão dormentes e a nuvem de inteligência se vê menos preso ao seu cárcere fosfático e glicóico.

Aumento do cérebro

A questão do aumento do tamanho do cérebro implica alterações evolutivas no corpo inteiro. Porque quando são ingeridas mais calorias exige-se mais dos intestinos, do estômago, do fígado e do organismo inteiro. Ora a desenvoltura destes órgãos exigiria maior dispêndio cerebral para estas funções. Assim, chega-se a uma restrição orgânica do aumento cúbico do cérebro.

Tecnologia na roça

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Certas cidades do sul do Brasil, que são bem interioranas, têm telefonia e internet digital. Através deste recurso as ligações intraurbanas são gratuitas, o que possibilita a comunicação entre os departamentos da administração e entre o povo e o setor público. Além do mais, toda esta estrutura é alimentada por energia eólica e solar. Municípios de 5.000 habitantes têm essa tecnologia. Isto evita o êxodo rural, pois muitas vezes o que motiva o egresso do rurícola para o mundo citadino são essas tecnologias.

GPS

O GPS (Sistema de Posicionamento Global) é muito útil mas, no Brasil, não chega a 100%. Ele avisa lombada, trilho de trem, postos de gasolina, posto

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policial, rios, pardais, mas tem a deficiência de indicar sempre o caminho mais curto ainda que seja cheio de quebras e curvas. O GPS também não faz menção às condições da pista asfáltica.

Sobre Marx

Marx errou grandemente ao dizer que a história da humanidade é a história da lutas de classe. Na verdade, a história da humanidade é a história da técnica, a luta de classes é um fenômeno periférico imbricado no desenvolvimento da tecnologia como um apêndice. Sobre a questão dos meios de produção e seu monopólio Marx foi feliz em quase tudo o que disse. Mas tão importante quanto os meios de produção são os meios de

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manejo. Na informação isto fica patente. Assim como o capitalismo industrial foi assinalado por agudas contradições sociais e tudo isto por causa do desenvolvimento da técnica, a mesma técnica fará a síntese das sínteses soterrando a pré-história humana e inaugurando a autêntica fase da História Humana, a Era Digital.

Computador, o melhor amigo do homem

Assim como se treina a um cão pela repetição os computadores com seus editores de texto terão um protoconsciência. Ao digitar Ex o computador sugerirá celentíssimo e conseguirei digitar o cabeçalho da minha petição com mais agilidade. É mais ou menos como a memória dos meus prediletos na net. Os nerds sabem bem

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do que falo, pois a sugestão do micro é perfeita para acelerar procedimentos de rotina. Meu computador ficará treinado como um mascote. Quase tudo o que eu for fazer ele sugerirá a perfectibilização do comando de modo que me cabe apenas anuir. Marx observa que já em seu tempo a máquina fazia quase tudo sozinha e que o trabalhador vinha a ser um fiscal da máquina. O computador tal como o conhecemos hoje se mostra muito arcaico. No futuro seremos assim como o trabalhador da indústria em relação à cardadeira um fiscal de nosso computador. Mas a sugestionabilidade se aplica a tudo, gráficos, desenhos, etc, e não só à edição de texto. A sugestão pode não ser tão óbvia assim e mudar o raciocínio de quem está se servindo da máquina. A sugestão reiterada da máquina irá inquinar o meu pensamento

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de uma forma muito séria, pois a todo instante serei induzido a escrever o que a princípio não era exatamente a minha intenção. Como ficam os direitos autorais? Sim, faço esta pergunta porque, a rigor, a máquina deveria ter a participação dela. O problema da tecnologia é a sua monopolização. É neste sentido que vejo com bons olhos as rádios comunitárias. O canal das rádios comunitárias no dial é o 200, ou seja, 87,9 megahertz. Embora haja convenção internacional no sentido de que não deve haver nenhuma rádio abaixo da freqüência 88. Teoricamente isto traria a vantagem de evitar interferência de outras freqüências, mas na verdade a sintonia se choca com o VHS. As rádios comunitárias até podem ser megafone do PT, mas cumprem o importante mérito de quebrar a

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monopolização da informação. Como no Brasil a concessão de canais de rádio e televisão serem adquiríveis via maior lance em hasta pública, se não houver a rádio comunitária, haverá uma plutocracia da informação. Do ponto de vista do modo capitalista de produção a rádio comunitária é uma anomalia. Pago um milhão de reais para a outorga de uma rádio comercial e a rádio comunitária tira meus patrocinadores porque cobra um quinto do valor. As rádios comunitárias são uma pedra no sapato das elites. De um lado há vedação de comerciais nas rádios comunitárias e, de outro, elas não podem ser subsidiadas pelo governo em função de sua natureza jurídica. As rádios comunitárias são de direito privado. O problema da legislação brasileira é que ela reconhece uma

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pessoa jurídica como de direito público ou privado. Confundindo, inclusive o público com o estatal. Mas há instituições que são públicas sem serem estatais, elas são públicas comunitárias. Em mesma situação se encontram várias universidades de direito privado, com origem estatal, que, por serem de direito privado, não podem receber subsídios. Evidentemente, criando-se a personalidade jurídica de direito público comunitária, e recebendo estas instituições verbas do governo, a contabilidade das mesmas terá, outrossim, de regulamentar-se pela lei da contabilidade pública. A questão da wattagem é outro problema, pois os atuais 25 watts em uma topografia acidentada é uma coisa e num planalto é outra. A densidade demográfica é outra variável, pois numa metrópole 25 watts

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pode atingir milhões de pessoas. Já numa cidade do Pará com extensão territorial maior do que um país europeu, como Altamira em que sair da periferia e chegar ao centro da cidade pode requerer mais de mil quilômetros, ter uma rádio de 25 watts equivale a quase nada. Necessário seria no mínimo um kilowatts, ou, quiçá, 10 kilos. Nesse lugar a densidade demográfica é inexpressiva, pois se trata de região de floresta.

Seguradoras

As seguradoras de veículos estão cada vez mais arrojadas e não suportam ter que indenizar seus segurados de furtos e outras investidas contra o direito patrimonial. Assim é que um chip permite que o veículo seja rastreado via satélite onde quer que esteja. Até aí

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nenhuma novidade. O que se está prevendo é que o que é feito com os veículos será feito conosco. Hoje já há pessoas que usam chip sob a pele na mão direita. Mas o que é uma excepcionalidade será a regra. Todas as nossas mais importantes informações estarão que nenhum foragido, salvo intervenção cirúrgica, poderá ficar oculto aos olhos da polícia e do Estado como um todo. Isto fere nosso direito à intimidade e à privacidade. O direito de ir, vir e ficar resume-se à locomoção e ou à ausência dela, ou também engloba o sigilo de onde estamos desde que não façamos nada de ilícito.

Contrato Social

O grande Contrato Social que assinamos desde antes do nosso nascimento é o

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pacto com todos os recursos tecnológicos que nos rodeiam. Delegamos nossos problemas à tecnologia que legamos de nossos predecessores e nossa obrigação consiste no manejo consciente e ético destes recursos mais o aperfeiçoamento dos mesmos para que os pósteros entrem no mesmo esquema até com maior afinco. Marx diz que a vida dos vivos é cada vez mais controlada pelos mortos. Isto é verdadeiro. E o único modo de sermos agentes de nossa própria história é revolucionando e aperfeiçoando o que nos foi delegado para escravizarmos o modus vivendi de nossos filhos e netos. A característica da tecnologia é a sua irreversibilidade. Ela só vai para frente e só relativamente pode retroceder.

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Meios e fins

Nicolau Maquiavel, Leon Trotsky e Antonio Gramsci são unânimes em reconhecer que quem almeja os fins não tem o direito de deplorar os meios. É assim que a tecnologia digital é o modo através do qual alcançamos nossos objetivos. Nem mesmo os altos índices de desemprego nos autorizam satanizar a tecnologia. Se, por um lado, a tecnologia desemprega, por outro ela emprega. A mudança de tecnologia sempre exige uma readequação. Execrar a tecnologia é maldizer um remédio amargo sonegando os méritos terápicos seus. Os saudosistas são hipócritas. Quem vive de passado vive de algo que não existe mais.

Só sei que nada sei

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Diante de uma epistemologia ligeiramente melhorada pelo estudo da inteligência artificial facilmente chegamos à mesma conclusão de Sócrates “só sei que nada sei”. Essa proposição precisa ser bem compreendida porque quando Sócrates a enuncia quer dizer que diante da pluralidade de perspectivas apresentadas pelos sofistas não se deixa convencer por nenhuma. Mas o computador, não. Ele não sabe que nada sabe. Ele é inconsciente. Ele não é reflexivo, não tem uma idéia de si. O pensar consciente é sair de si e resgatar-se. O que é uma certa patologia, o que é bem verdade. Mas o computador é normal e saudável demais, é o homem ideal para os psiquiatras.

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Abstração e Google

Já disse que quem usufrui de um recurso não deve ter a dubiedade de lamentar suas conseqüências. Mas como reflexão filosófica nunca é demais observar que a geração Google é uma geração profundamente superficial, incapaz de abstrair. Em certa viagem brinquei com uma moça: “você sabe o que é o eu?”, queria responder-lhe em tom jovial que é o pequeno argentino que mora dentro de nós. Mas não foi possível concluir a brincadeira porque ela não conseguiu em absoluto entender minha pergunta. O Google é precocemente orgásmico. Alcanço meu objetivo de maneira qualquer que seja ele.

A Bíblia

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Nada há de mais sofisticado do que a Bíblia. Ela descreve grandes empreitadas militares. O apogeu de vários povos nela está contido. A ciência da Antiguidade em larga medida é ilustrada na Bíblia. A erudição, a teologia e a história, a gramática e a poesia estão na Bíblia. Na Bíblia a engenharia civil e a engenharia da fundição são retratadas em belíssimas páginas. Encontramos a engenharia naval. A tecnologia nos proporciona a nossa salvação terrena e a Bíblia nossa salvação ultraterrena. A Bíblia é um grande manual de instrução a nos ensinar a manejar as realidades do alto. A Bíblia é muito mais do que a internet. Porque existencialmente falando ela nos situa muito mais do que um relógio ou um GPS. Novas tecnologias estão sujeitas a crises. Ora, a Bíblia, dentre outras coisas, serve

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justamente para a crise. A Bíblia é a tecnologia perene.

Sofisticação e preço

Um fenômeno curioso é o de que a melhor tecnologia muitas vezes tem um custo mais acessível do que a não tão eficaz assim. É desta maneira que nos dias de hoje praticamente ninguém mais tem internet discada. Poucas horas de uso já convém e é vantajoso ter a ADSL. Esta última tecnologia traz a vantagem de não obstruir a linha telefônica, podendo simultaneamente ser usada a internet e a linha telefônica. Além de o sistema de ADSL ser mais barato tem mais velocidade e está mais de acordo com as necessidades atuais que requerem essa tecnologia em tempo integral e ilimitado.

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Som

O tubo de imagem do monitor tinha algo de melhor do que o LCD embora este último não force tanto a vista. O mp3 tem uma capacidade extraordinária de armazenar músicas, mas na qualidade fica aquém do velho e bom disco de vinil. O blu-ray é a tacada de mestre porque é simultaneamente áudio e vídeo, tem altíssima qualidade e memória formidável para abarcar grandes conteúdos. Em matéria de som existe um consenso de que não há muito no que se avançar mais. Talvez o problema não esteja em nossa tecnologia, mas no nosso próprio ouvido que é muito inferior à audição de um animal selvagem, por exemplo. A par disso eu não poderia deixar de falar nos

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aparelhos auditivos que são extremamente eficientes, superam os ruídos dos protótipos, ficaram economicamente muito mais acessíveis, e, de quebra, não prejudicam a estética da pessoa, pois de tão pequenos ficaram imperceptíveis, acomodando-se no fundo do ouvido. Estes aparelhos são dotados basicamente de pilha de relógio, um microfone, um amplificador e um alto-falante. Estes aparelhos ainda têm a inconveniência de que não podem ser expostos à água sob pena de oxidação. Evidentemente, quando a perda da audição é completa o aparelho não surte efeito algum. Mas de certa maneira estamos a fazer, com nossa tecnologia, os surdos ouvirem e os cegos enxergarem, - refiro-me à tecnologia das lentes, - enfim, estamos repetindo através de outros modos o procedimento

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do Mestre dos Mestres. Até mesmo os lunáticos e os endemoninhados que, a meu ver, não passam de vítimas de patologias esquizofreniformes estão sendo medicados através de ministração de compostos químicos, seja o lítio ou tantos outros. Doenças como o câncer continuam sendo um desafio para a medicina, pois o tratamento em numerosos casos se mostra mais agressivo do que a própria doença.

Fibra ótica

A fibra ótica revolucionou a comunicação em função de, basicamente, duas coisas: a fidelidade e qualidade do sinal eletromagnético e a suportabilidade da multiplicidade de sinais. Há cabos de fibra ótica que ligam continentes através dos oceanos. Foi uma grande evolução.

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Mas penso que a grande tecnologia, e a telefonia celular caminha para isto, é aquela que prescindo de cabos e fios. O fio é um problema porque sua rotura compromete a transmissão por inteiro. A internet nasceu para ser uma opção aos cabos, mas ao invés disso a internet via rádio é uma exceção e o que se vê multiplicar é a internet dependente da rede física telefônica.

Fungibilidades

No direito há um princípio em processo que se chama fungibilidade processual. Isto significa que o magistrado pode acolher e acatar uma pretensão ainda que o causídico tenha manejado um instituto equivocado. Isto significa que a instrumentalidade da ação ou do recurso fica sujeito ao mérito da questão. Em

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tecnologia isto é tão ou mais importante. Precisamos de fungibilidade tecnológica. Problema sério é o de incompatibilidade entre tecnologias. A Apple desenvolveu tecnologias a princípio compatível com quase tudo e caso o suporte recipiente esteja carente de um aplicativo o mesmo é instalado automaticamente. Assim como as tecnologias, os padrões, os paradigmas e os softwares necessitam ser fungíveis, conversíveis e compatíveis entre si, nós precisamos, nós seres humanos, precisamos aprender das máquinas esta tolerância mútua. As máquinas não fazem guerra entre si, somos nós que no servimos das máquinas para fazermos guerra entre nós. Nós não precisamos abrir mão de nosso ponto de vista e da nossa concepção de vida, mas nossa visão religiosa e filosófica da realidade, seja

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ela empírica ou metaempírica, deve ter a aptidão e a flexibilidade de funcionar acoplada a metanarrativas completamente distintas da nosa.

Semáforos

Os semáforos do Brasil, em sua grande maioria, são burros. Pois na intersecção de quatro vias ainda que o tráfego esteja completamente livre nas outras pistas o sinal vermelho fica segurando minha direção, pois não tem sensor para identificar a movimentação e responder inteligentemente. A solicitação de passagem nas faixas de pedestre já foi um grande avanço nas cidades do interior que antes não contavam com esta tecnologia. A engenharia de trânsito não se resume às condições das pistas, da sinalização, dos viadutos e túneis, ela

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precisa interagir inteligentemente com pedestres, motociclistas e outros motoristas. A figura do guarda de trânsito se tornou obsoleta.

Capitalismo

Uma das críticas mais mordazes que Marx faz ao capitalismo e ela já se encontra presente nos escritos do jovem Marx é a especialização à qual o trabalhador é submetido no processo de produção. Muitas vezes, como mostrou Chaplin toda a inteligência de um homem se resume em apertar a porca de um parafuso. Marx propunha o homem total. Penso que diante da complexificação da técnica de Marx para cá muito coisa há que se considerar. O técnico de hoje precisa ser um intelectual, um cientista. Precisa

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aprender a pensar sistematicamente. Já não mais vivemos os reducionismos de outrora. Além do mais se tem priorizado o generalismo ao lado da especialização e o curso de Engenharia da Mobilidade em Joinville é uma prova do que estou a falar. Penso que o homem total é aquele que detém conhecimento enciclopédico em mecatrônica e cibernética. Essa é a nossa totalidade hoje. No passado era mais difícil ser homem total e no futuro isto ficará cada vez mais fácil, porque, se a princípio o desenvolvimento da técnica percorreu caminhos centrífugos hoje ela percorre caminhos centrípetos. Na Antiguidade existia uma monociência: a filosofia. No futuro também haverá uma monociência: a cibermecatrônica.

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Divisão Social do Trabalho e organização social

Todos nós estamos fadados a nos debruçar sobre o computador. Hoje ainda há certa divisão intelectual e manual: os que operam as máquinas virtuais e os que operam as máquinas mecânicas. No futuro essa divisão desaparecerá: todas as máquinas mecânicas serão comandadas por computadores e, estes sim, estarão subordinados a seres humanos. Sabe-se que hoje em dia é possível causar um Black out através de investidas via net nos sistemas operacionais das usinas geradoras de energia. Basta transferir a transmissão de umas linhas para outras sobrecarregando o sistema e causando sua pane.

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Valor de uso e valor de troca

Embora Marx tenha feito distinção entre valor de uso e valor de troca dizendo abertamente que no modo capitalista de produção o valor de uso fica embotado, quase apagado, sinto-me no dever de manifestar-me contrariamente a esta tese. Os aparelhos eletrônicos e os demais de informática são valorosos não tanto na medida em que há trabalho morto neles encerrados e incorporada a mais-valia, mas muito mais na multiplicidade de funções de uso que conseguem executar. O determinante num aparelho tecnológico é a qualidade, a fidelidade, capacidade de memória e processamento, variedade de funções pouco importando se a mercadoria demandou muito ou pouco trabalho.

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Fetiche

Quando Marx fala em fetichismo da mercadoria no sentido de que por detrás da mesma estão encobertas fortíssimas contradições sociais não posso discordar dele inteiramente, sobretudo se for se pensar em países latino-americanos tal como o Brasil ou na voracidade ainda maior dos Tigres Asiáticos. Todavia, nos dias atuais o grande fetiche continua sendo a maneira misteriosa de como a mercadoria é feita, mas não somente no tocante às teses e antíteses do processo produtivo que extrapola seus desdobramentos no âmbito extrafabril, porém sobretudo na quantidade de ciência, técnica e intelecção empregadas na produção da peça. O que torna um eletroeletrônico extremamente mágico é

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a sua capacidade de cumprir um variegado leque de tarefas. Se compro uma boneca para uma menina o referido brinquedo chora, ri, fala, faz xixi, tem o peso e aspecto de um bebê de verdade. Se compro um carrinho de controle remoto e dou a um menino o brinquedo tira o fôlego até mesmo de um adulto. Isto sim é fetiche. Mas a criança não quer saber se quem montou aquele brinquedo foi um alemão ou um coreano, se a relação empregatícia foi justa ou injusta do ponto de vista moral, jurídico, econômico e social.

Lucro

Se Marx nos dias de hoje quisesse explicar o processo de conversão de taxa de mais-valia para taxa de lucro por certo se veria louco. Porque as

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tecnologias de ponta agregam tanto valor que faltariam outros ramos de produção para transferir sua margem de lucro para os setores mais beneficiados com a distribuição social da massa global de mais-valia. Diria que até mesmo o conceito de mais-valia é posto em cheque. A mão-de-obra humana sistematicamente tem se tornado cada vez mais insignificante diante daquilo que Marx denomina capital constante (seja ele fixo ou circulante) que atribuir toda a criação de riquezas à força de trabalho chega a parecer um disparate. O fator inteligência é um criador de riqueza e isto não mereceu a devida atenção de Marx. Outra lei econômica universal enunciada por Marx é que o volume de lucro cresce embora a taxa de lucro decresça. Evidentemente, se esta regra for levada a sério a equação

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torna-se um dia insolúvel. Entra século e sai século e as taxas de lucro dos capitalistas não entraram em nenhuma aporese. E isto por uma razão muito simples, da qual Marx prescindiu: as novas tecnologias jogam lá para cima novamente a taxa de lucro e muito antes que chegue o tal estrangulamento surge um novo paradigma tecnológico.

Circulação do capital

No livro 2 de O Capital Marx trata do processo de circulação do capital e no livro 3 trata do sistema financeiro, títulos ações, etc. A abordagem de Marx, para sua época, foi exauriente. Mas Marx não poderia sequer sonhar com os global players que teriam o pode de movimentar um tsunami de capital e poder de fogo para quebrar um país. A

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volatilidade do capital chegou ao extremo. Muitos trilhões de dólares circulam pela face do planeta diariamente. A Nasdaq é a maior bolsa de valores do planeta e os títulos mais negociados dizem respeito à informática, tecnologia de ponta, biotecnologia e similares. A informatização é o que confere volatilização ao capital tanto para transferências quanto para informações em tempo real de qualquer parte do planeta. Mas a informação não é apenas o meio através do qual flui o capital ela é o objeto do próprio investimento. A tecnologia é o caminho e a meta. A tecnologia se tornou uma segunda moeda. De todas as mercadorias, aquela que encerra no seu bojo inteligência e tecnologia de ponta é a mais fungível, no sentido de ser cambiável por dinheiro vivo. O capital

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financeiro deixou de ser um prolongamento do capital produtivo e é o mais importante no mundo de hoje.

Alienação

O conceito de alienação é caro à teologia protestante. Hegel inclui o conceito no seu sistema filosófico no sentido de o singular e o particular ser extrusão do Eu Absoluto. Marx toma o conceito de alienação com estranhamento do trabalhador em relação aos meios de produção que não lhe pertencem e ao produto de suas próprias mãos. Na verdade, na sociedade infomatizada a grande alienação é em relação ao conhecimento que existe fora de nós. Vivemos a época da consciência infeliz. É bem verdade que vivemos a era da

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informação, somos a geração com a cabeça mais cheia de informações da história da humanidade. Porém, por outro lado, somos a geração mais ignorante de todas, pois por mais que estejamos munidos de informações desproporcionalmente se avoluma um incomensurável cabedal de informações fora de nós. O conhecimento se multiplica e nós agregamos valores infinitesimais desse conhecimento. Absolutamente falando estamos mais sábios relativamente falando ficamos cada vez mais ignorantes. Alienação é ausência de consciência. Estamos, paradoxalmente, cada vez mais conscientes e cada vez mais alienados. Como o nosso mundo é o mundo real e logaritimicamente se expande o mundo virtual, a alienação é crescente. Alienação radical no mundo de hoje é

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estar alheio às tecnologias da informação.

Fotocélula

A tecnologia de fotocélula vai se desenvolver muito. Hoje lâmpadas e placas acendem-se e desligam-se automaticamente com o anoitecer e com o amanhecer. E a energia de luz não precisa ser exatamente calor. Calculadoras já funcionam sob o brilho de lâmpadas comerciais e no futuro nossos computadores não precisarão de tomada pois a luz do ambiente lhes proporcionará energia suficiente o bastante. O ser humano é um composto interligado de consciência, vontade,

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emoções, coração, cérebro, mente e memória. A memória do ser humano na máquina corresponde à memória RAM ou memória flash. O nosso cérebro corresponde ao processador. A sugestionabilidade de caminhos prontos com a inicialização simples de comando é um protoindício de consciência. A máquina só está destituída completamente de coração, responsável pelos sentimentos, pela vontade e pelas emoções. Há quem diga que quando o micro sugere a atualização do antivírus é instinto de autopreservação e começo de vontade. A mente do computador é a sua programação. E tão importante quanto a presença de todos estes elementos na máquina e/ou ou ser humano é a harmonia e a simbiose com que o plexo passa a funcionar ordenadamente.

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Família

Friedrich Engels em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado defende a plausível idéia segundo a qual evoluímos de uma família sanguínea, para uma punaluana, para sindiásmica e, finalmente, monogâmica. E que a família monogâmica foi uma criação do direito romano, precede a era cristã e está prestes de encontrar seu termo. A idéia de evolução, independentemente qual assunto se trate, é sempre factível. A tecnologia tem impactado profundamente a família. Ficou mais fácil trair. Refiro-me à traição virtual. Para evitar a traição virtual evite dizer pela rede aquilo que provavelmente você não diria no mundo real. O celular é um instrumento através do qual a esposa

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controla mais facilmente o marido e vice-versa. Já ouvi falar de relacionamentos matrimoniais findos porque o marido havia adquirido um iphone com GPS e deixou habilitada a função “onde estou”. Em resumo, a mulher localizou seu marido no motel. E isto tudo porque o varão não conhecia o suficiente o funcionamento do seu aparelho. Como se vê, quem não sabe manejar tecnologia é sempre infeliz. A longuíssimo prazo não sei se devo profetizar se a família monogâmica vai acabar ou não. O fato é que o reconhecimento da união homoafetiva já foi um golpe na visão tradicional de família que tínhamos. Até mesmo porque alguns destes casais adotam crianças passando para elas sua perspectiva de vida. Penso que, não obstante as medidas fáticas e jurídicas que

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contrariem o modelo tradicional de família, sempre haverá um macho e um fêmea troglodita a amarem-se e procriar dentro daquilo que se considera o convencional.

Medicação psiquiátrica

A medicação psiquiátrica é destruidora de conexões. A princípio ela destrói conexões boas e ruins. Mas as conexões boas são mantidas porque o cérebro reconhece aquela conexão como sendo valorosa. Já as conexões ruins ficam à mercê da medicação sem receber proteção dos tecidos circumvizinhos. No computador os bytes são interligados, mas no cérebro nem todos os neurônios estão ligados. Num primeiro momento estas conexões problemáticas foram alvos de descargas elétricas, o que é

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muito sofrido e antiterapêutico. O choque elétrico, diferentemente da medicação, destrói toda espécie de conexão, pelo fato de o cérebro ficar indefeso e exposto, dilacerado pela agressividade do pseudotratamento. Em geral, os técnicos de informática tratam melhor os computadores do que os psiquiatras a seus pacientes. Deveria ser ao contrário, porque o computador é descartável, o ser humano é único e insubstituível. O único valor de um computador é o valor de uso e o valor de troca. O valor de um ser humano é inestimável, incalculável. O ser humano é sujeito de direitos indisponíveis, é titular de honra e dignidade. Se o computador apresenta um defeito o técnico procura reparar o mesmo e manter o conjunto da máquina em operação. Já os psiquiatras ignoram a

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trajetória e a história de um ser humano em função de uma situação pontual, tiram-lhe toda credibilidade e negam sua dignidade. Um computador pode tornar-se antiquado. As idéias de uma pessoa também podem tornar-se antiquadas. Mas a pessoa é um bem valioso e nunca prescreve independente das circunstâncias.

Morte

A morte da máquina é o momento a partir do qual seu conjunto se torna inútil. Mas posso aproveitar as peças antigas de uma máquina desmontada para agregá-las numa máquina nova. Um pente de memória, por exemplo. Máquina, por definição, é um plexo de instrumentos unidos por mecanismos. O

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ser humano, embora decomponível até certo ponto, haja vista o sucesso de transplante de células-tronco, tecidos e órgãos, é, em absoluto, uma unidade. Unidade esta dicotômica: há a nuvem de inteligência e o hardware fisiológico, ou seja, o soma. As máquinas são criadas com um propósito e sua duração é limitada: tem começo e tem fim. A nuvem humana de inteligência também existe dentro de um propósito, mas nós não somos oriundos de um processo de produção em série ou tampouco o Nous do qual somos oriundos nos reservaria o mesmo desdestino que reservamos à nossa quinquilharia tecnológica. Assim como o escritor tem um enorme apreço pelos seus livros porque eles são produtos da sua intimidade, são as revelações dos seus mais ocultos pensamentos de amor inteligente, assim

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o Nous considera e valoriza a nuvem de inteligência humana, que, apesar de gasosa e volátil, Blaise Pascal a chamaria de “caniço pensante”, traduz a obra-prima dessa Nuvem de Inteligência Noética. As tecnologias de ponta são filhas de mentes apaixonadas e nós somos prova disso.

Biotecnologia

O ser humano é uma tecnologia de ponta. a biotecnologia e a genética são uma prova disso. Somos a prova de que a natureza foi engenhosa e feliz ao engendrar os mamíferos. Que bem estar, aliás, a visão de um seio saudável, para ser mais exato, apetitoso. A natureza levou milhões de anos para desenvolver a base fisiológica ideal para que em nós fosse alojado nós mesmos, ou seja, a

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nuvem de inteligência humana. O Nous dá primeiro a visão e só depois a provisão. A nuvem de inteligência humana esteja arquitetada, mas só muito tempo depois seria construído geneticamente o abrigo que iria lhe dar guarida. Assim ocorre conosco: primeiro pensamos e só depois executamos. Por isso que nosso pensamento deve ser pioneiro, vanguardista e visionário. Tudo o que temos capacidade de pensar temos capacidade de executar e realizar. Os nossos limites são os limites de nosso pensamento. Por isso foi que Einstein disse que a imaginação é mais importante do que o conhecimento: a imaginação nos dá a meta, o conhecimento que serve para nos dar o como é só uma conseqüência inarredável. As empresas de tecnologia estão precisando de jovens imaginativos

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e sonhadores. Se este livro servir para inspirar um nova tecnologia, ou para fazer ver ao técnico as implicações filosóficas de seu trabalho já me darei por satisfeito. Quero enriquecer o filósofo com a técnica, e enriquecer o técnico com a filosofia.

Tudo é eletricidade

Tales de Mileto disse “tudo é água” e eu digo “tudo é eletricidade”. Mas assim como esta substância líquida que tão corriqueiramente conhecemos é uma modalidade daquela água primordial, a eletricidade da tomada é só uma das formas daquela ulterior eletricidade fundante do universo. Mas a água posso mensurá-la em litros, a eletricidade não, só meço a sua transferência, o fluxo da sua corrente. A nuvem de inteligência

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humana é um punhado de eletricidade e, como energia, é inaniquilável. Assim como não podemos ver a energia, mas a sentimos quando tocamos uma linha energizada, também não podemos colocar a nuvem humana de inteligência num tubo de ensaio, mas percebemos seu trânsito. A característica da energia é sua inapreensibilidade, assim é a nuvem de inteligência humana. A vida é eletricidade, mas a vida inteligente tem uma voltagem diferenciada. O nosso soma é o circuito através do qual transita a eletricidade e o cérebro concentra uma grandessíssima carga elétrica, é onde ocorre a usinagem do pensamento. O cadáver é um circuito que perdeu pelo menos 99% de sua energia, o outro 1% é liberado durante a decomposição. O sínolo de energia mais matéria é vida. Mas a matéria nada mais

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é do que energia condensada. Assim a única coisa que existe é energia em diferentes estados. A nossa tecnologia vai mudar muito, uma só coisa não muda: a imprenscindibilidade de energia.

A quarta onda

Alvin Toffler foi um gênio ao escrever A Terceira Onda. De acordo com o ponto de vista do referido pensador a primeira onda foi a Revolução Agrícola, o que proporcionou e exigiu o aparecimento da escrita. Os governos precisaram ter os controles dos armazéns por escrito. A demografia se expandiu exponencialmente com os excedentes. Depois veio a Revolução Industrial. Mas quando já havia indústrias os fisiocratas ainda defendiam a idéia de que somente

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a agricultura era capaz de gerar riquezas. Com a Revolução Industrial tivemos outro baby boom. E depois da Revolução Agrícola e da Revolução Industrial veio a terceira onda: a Revolução da Infomática. Por certo que toda reacomodação traz desconforto. É preciso dizer que ainda continuamos dependentes do setor agrícola, pois a produção do corpo precisa satisfazer a todos, inclusive aos ocupados com a indústria e a informática. A informática globaliza o globo e já é pouco provável que haja riqueza extrema de um lado e pouco próximo dali escassez extrema. A informática é um recurso através do qual se acessa e se angaria toda outra forma de recurso. Contribuirá ainda mais para acelerar o crescimento demográfico que, segundo as projeções, estabilizará na casa dos 10 bilhões. Outra curiosidade é

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que a distância cronológica entre a oscilação de cada onde se torna cada vez menor. Logo, logo, virá a quarta onda.. qual será ela? A quarta onda será a fase da inteligência artificial não binária, não digital, não quantificadora, não matemática. A quarta onde será a criação de uma inteligência muito parecida com a nossa. Na quarta onda neurologia, neurolinguística e cibernética formarão um grande entroncamento. Quando o planeta estiver cada vez mais cheia de mão de obra cada vez menos necessitaremos dela. Primeiro as máquinas começaram substituindo a musculatura humana e foram extremamente felizes neste aspecto. Cada vez mais a inteligência artificial substituirá a inteligência humana pela razão de que cada vez mais parecida ficará com a sua criadora.

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Memória provisória

Se no meu computador dou um control C em um texto previamente selecionado e 12 horas depois dou um control V o comando será executado sem problemas. Também se eu der um control C e vários controls V o texto será reproduzido várias vezes. Já se olho na lista telefônica o número de um cliente e alguém em interrompe provavelmente terei de fazer a consulta novamente para armazenar provisoriamente aquele número em minha memória até discar o número mais uma vez e completar a ligação. Podemos copiar e colar, caso em que haverá a reprodução preservando a fonte matriz apenas duplicando-a, ou podemos recortar e colar, caso em que a informação apenas mudará de pasta. O

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nosso cérebro pode fazer exatamente o mesmo. Ser por exemplo copio e colo um texto de duas mil páginas isto é um piscar de olhos para o computador. Já o nosso cérebro não consegue reproduzir informações em bloco. Para o computador o texto todo é como se fosse uma unidade. Para o nosso cérebro o texto é visto como um complexo. Isto apenas mostra que a memória compreensiva só memoriza o que compreende e a memória bruta nada compreende, mas tem como limite a sua capacidade físicoquantitativa.

Caneta versus computador

Sou muito mais produtivo como escritor com a caneta na mão do que diante do

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teclado do computador. É que o teclado é digital e já a caneta não, ela é analógica, assim como o meu cérebro. A caneta é um prolongamento do meu braço que é um prolongamento do meu cérebro. Já o teclado não: ele cria uma ruptura entre o meu modo de ser e o modo de ser da máquina. Teclado é corte epistêmico, caneta é continuidade. Escreve-se um livro mais rapidamente à caneta trasladando o conteúdo para o Word do que trabalhando diretamente dentro da memória da máquina. A caneta é algo, até mesmo eu diria, bastante emotivo e poético. Ela é manejável em estados de consciência, inclusive, não absolutamente lúcidos.

Ergometria

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E por falar na comodidade da caneta diria que a tecnologia como um todo e inclusive o computador ficarão cada vez mais ergométricos. O teclado poderia ser substituído por uma espécie de luva e o monitor por óculos. Sobretudo para quem fica o dia inteiro em frente à máquina.

Informática e capitalismo

A informática é filha do capitalismo. A informática é algo que funciona – muito embora às vezes esteja sujeita a graves problemas, mas em linhas gerais funciona – e o capitalismo também funciona, no dizer de um presidente norte-americano da época da Guerra Fria. O socialismo é incapaz de desenvolver as forças produtivas. Não há, pois, com exceção da China, quem

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tenha adotado o comunismo e que não tenha caído na miséria. O socialismo, por antonomásia, é algo que não funciona. O catolicismo é outra coisa que não funciona. Trata-se a Igreja Católica Apostólica Romana de uma instituição excludente ao contrário do seu discurso de acolhida. Pude conversar com vários presbíteros que tiveram as ordens suspensas ou foram induzidos a solicitarem a renúncia. O presbítero também pode passar por problemas. E aí ele precisa ser ajudado e não enxotado. Filosofia e Teologia são dois baita cursos como conhecimentos gerais, mas péssimos como fonte de renda. É complicado desligar-se da instituição com uma meia-idade, profissionalmente desqualificado e ter de recomeçar do zero. Eu mesmo fui seminarista e tive surto psicótico, mais precisamente

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esquizofrenia, e só pude contar com a ajuda de minha família. Nunca foi sequer completada uma ligação telefônica para saber se eu estava vivo ou morto. Teologia da Libertação é síntese de catolicismo e socialismo, ou seja, é síntese de duas coisas imprestáveis. Enrique Dussel é herdeiro desta tendência romanizante-socializante e fala que a América Latina precisa de uma filosofia situada. Não meu caro amigo. Não existe filosofia apenas para um contexto. Quanto mais universalizante for nossa filosofia mais latino-americana, concomitantemente, ela será. Aqui na América Latina nós temos um subdesenvolvimento, uma subtecnologia, e condições sociais e políticas subumanas, em última ratio, porque temos um subpensamento. E esse tal de Dussel ao invés de trabalhar

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para elevar nosso padrão de pensamento faz de tudo para mantê-lo no fundo do poço como sempre esteve. Não é admissível que um presbítero de vida reta seja afastado de suas funções por questões ideológicas. A Igreja tem pagado um preço alto pela dita ortodoxia de sua doutrina. Os teólogos da libertação estão errados? Mas foi na vivência igrejeira e pastoralista que eles adquiriram estes valores! Felizmente aqui no Brasil o Boff percebeu que sua linha tornou-se obsoleta e agora ele está mais Nova Era do que outra coisa. Diria que realmente deveríamos ficar livres daqueles que consideramos nossos opressores. Apenas para descobrir que, apesar de tudo dependemos deles, e que, sem eles, nossa situação financeira ficaria ainda pior. No fundo, os males que nos afligem são causados por nossa

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incompetência e total incapacidade. Medíocres sempre damos um jeito de responsabilizar alguém pelo nosso fracasso.

Magistrados

Os nossos magistrados pátrios estão sentenciando cada vez mais semelhantemente a máquinas. Pobre deles! Não sabem o que estão armando para si mesmos. O magistrado perdeu por completo a noção de totalidade. Contexto é uma palavra que inexiste no vocabulário dos juízes. O juiz é absolutamente indiferente ao processo que está diante de seus olhos, pouco importando se o bem jurídico para o qual se requer a tutela é o patrimônio, a saúde, a vida, a liberdade e os direitos mais fundamentais. O coração e o

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intelecto dos magistrados são duros como pedra. Nada lhe comove. O magistrado, tal como o computador, é alheio ao reino das premissas e dos corolários. A racionalidade do magistrado é absolutamente instrumental. E não apenas isto: trata-se de uma instrumentalidade que não se traduz na dinamização de fluxos, porém é eminentemente embargativa e complicadora. Os valores foram divorciados do processo. O juiz está ali apenas para indeferir, dificultar, atrapalhar, atravancar, criar todo azar de óbices fundado em filigranas e firulas que expressam bem a idéia de Paulo de Tarso “a letra mata e o espírito vivifica”. O mérito da ação, o mais importante para o cliente do advogado, é um nada para o juiz. O Judiciário nulifica a razão de ser do processo que é o direito e

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preconiza todos os estratagemas e artimanhas que se prestem para a aniquilação do próprio processo e, com ele, do objeto da ação. O Estado não deveria gastar tanto dinheiro com os magistrados. Qualquer bacharel em direito é capaz de fazer o mesmo ou algo até melhor do que eles fazem. Como o direito é uma coleção de hipóteses nada obsta que se catalogue exaustivamente e exaurientemente todas as hipóteses factíveis, e que a partir disso um software faça o papel do magistrado aplicando a base legal e o respectivo comando para cada situação pontual.

Kinect

Uma tecnologia que não poderia deixar de ser mencionada é a do Kinect. Tecnologia que se presta para aumentar

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a interatividade dos jogadores de vídeo game. A tecnologia dispensa o uso de controle e é uma das melhores traduções daquela tecnologia que estará por vir em que não seremos nós quem faremos a leitura da máquina, mas a máquina fará a leitura de nossa expressão corporal, facial e até de nossos mais íntimos pensamentos difíceis de serem lidos somente pela análise fisionômica do ser pensante.

Manismo

Em A Cidade Antiga de Foustel de Coulanges o autor retrata o manismo dos antigos pagãos, sobretudo dos romanos. A Igreja Católica, sincrética por excelência, continua venerando os mortos com suas missas de sétimo dia. Claro, do ponto de vista da doutrina

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cristã ortodoxa esta prática não se justifica. A sã apologética mostra que admitir tal prática equivale a anular o sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo na cruz. O catolicismo tem oscilado entre banditismo e outras aberrações e, para não gastar mais tinta de caneta com esta desprezível tradição relembrarei leitor de que os países de maioria protestante são mais ricos do que os países de maioria católica. Mas falemos de informática. Se de um lado vestimos manisticamente nossos ancestrais com uma auréola de santidade ainda que padeçam de vícios e vicissitudes de caráter, ao contrário, debochamos as tecnologias de outrora e enaltecemos o que há de novo no mercado tecnológico. Penso que deveríamos construir uma cultura de valorização das velhas tecnologias. Torna-se impossível

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compreender as novas tecnologias sem nos determos naquilo que lhes precedeu. Os cursos de história deveriam sempre reservar uma cadeira à história das tecnologias e outra à história das ciências. Marx e Engels escreveram em A Ideologia Alemã “não conhecemos outra ciência senão a história” mas depois riscaram a frase por considerarem-na muito polêmica.

Arte

Os teóricos da Escola de Frankfurt, sobretudo Adorno e Horkheimer, perceberam que o capitalismo industrial, cujo ícone é o toyotismo, achata o espaço da arte. A arte é artesanal. Redundante? Mas é e precisa ser dito. A arte é o oposto da produção em série. A sociedade industrial até produz arte. Mas

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é um tipo de arte diferente, standardizada e massificadora. Os hit parades e as produções cinematográficas traduzem bem isto. Os computadores e a informática de um modo em geral trabalham com uma linguagem. Trata-se da linguagem matemática, digital, analítica. A linguagem do computador não conhece poesia. Já a linguagem humana engloba o sentido estético da linguagem. Diferentemente das máquinas, usamos a linguagem como ferramenta de construir o belo. O belo não entra só pelos olhos, mas pelo ouvido também. Sentimento ger pensamento que gera comportamento. O bom comportamento é não só o comportamento ético, mas belo. O ético e o estético coincidem. O conhecimento é belo. As máquinas são incapazes de formular um juízo sintético:

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estão aquém do epistêmico e do belo, portanto. Se a informática tem alguma beleza é só na medida em que é trazida para dentro da reflexão filosófica, pois a filosofia é bela. Não há o mundo de um lado e os jogos de linguagem de outro. O mundo é um plexo de jogos de linguagem. O comportamento é resposta a uma pergunta e a dialética pergunta/resposta nada mais é do que um jogo de linguagem.

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Segunda Parte

Por

Mariano Soltys

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Da razão cibernética como mente paralela

De certo modo o que a razão tinha de intuitivo e a priori, agora é algo cibernético. Antes de nascerem as crianças são conhecidas através de exames onde participam computadores. Não precisamos mais pensar, algo pensará por nós, assim apenas temos de contemplar ao máximo essa metafísica do mundo virtual. Acordamos com mil dispositivos eletrônicos anunciando o nosso dia que cada vez mais se vê inflacionado de informação sem importância, onde o valor da mesma se vê cada vez mais sem importância, comparada com a própria rede mundial de computadores. A mente é assim algo que

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não precisará mais ser trabalhado, uma vez que o corpo terá a sua importância na medida da superficialidade e tato, como já vem ocorrendo, com a nossa atual ditadura da beleza e cultura da imagem, onde o ser vale pelo que aparenta, não importando seu caráter, conhecimento e saberes. Importa antes saber pesquisar, ter um bom site nesse sentido. Ademais, o próprio Google será não um site de busca, mas a mente paralela a que acessaremos quando a tecnologia evoluir a ponto de não necessitarmos mais de dispositivos extra-corpo, quando o nosso corpo será a máquina, a antena e rede, e ainda o que for necessário. A mente virtual a que todos teremos acesso será uma espécie de nuvem a que teremos informações, em que encontraremos a satisfação de necessidades, sejam quais forem. Com acesso direto ao nosso cérebro, com nanotecnologia e tudo mais, acredito que o pensar será mais uma forma de reconhecer

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a razão cibernética de modo que envolva a maior evolução da humanidade, onde ela mesmo será a criadora, imagem e semelhança de um novo mundo.

Já a metafísica acreditava em um além mundo, mundo de cabeça para baixo, perfeito, imutável. Acontece que o nosso mundo virtual é de constante mudança, esse rio de Heráclito que nunca é o mesmo, sempre está em contante transformação, informação que trafega no circuito da rede. Assim como a nossa circulação sanguínea, a rede de computadores tem o seu coração, o seu cérebro, o seu rim e assim por diante. A mente paralela nos dirigirá em um governo mundial, onde não mais serão necessárias as prisões com jaula, onde cada um terá a sua segurança garantida, até contra si mesmo. Talvez a realidade que nos rodeia poderá ser selecionada entre várias disponíveis, com mais aventura, com mais inteligência, ou informações que nos agradariam, de acordo com a nossa

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personalidade e tudo mais. Acontece que nessa circulação do mundo virtual não mais serão necessários fios ou redes de rádio, talvez se descobrindo outro meio sutil mais veloz e muito mais útil na natureza, mesmo que invisível ou não acusado por qualquer aparelho. Com a mente paralela se fundará uma nova religião, mais centrada no cibernético. Assim , acima do antigo hermetismo onde Deus é mental e tudo é mental, aqui tudo será virtual e a mente paralela faz a verdadeira imagem e semelhança desse grande poder. O Criador será um Programador, a vontade dependerá de uma energia autossustentável, talvez de origem solar e superando as rotações terrestres. Entes virtuais farão o papel de anjos e demônios, a moral se tornará uma amoralidade, haja vista a influência do games e tudo mais, bem como a especialidade do ser humano de transgredir esse sistema automatizado de controle de tudo e de regulação de sua vida.

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Com a mente paralela, ninguém precisará sair de casa. Tudo se fará por conferência e por imagens holográficas, bem como por seres que se assemelharão a robôs. Desde a companhia até os relacionamentos, tudo será regulado por esse sistema, mesmo por uma condição onde a humanidade será reduzida sobremaneira por catástrofes naturais e aquecimento global, haja vista a consequente inundação das áreas litorâneas por derretimento dos polos. Como os trabalhos pesados serão feitos por máquinas, acabará que o ser humano apenas terá que tomar escolhas e apontar para ícones presentes em sua própria realidade. Quem diria que a interface mais antiga geraria essa dimensão de ícones presentes no dia a dia, como extensão corporal e mental de cada pessoa. Mesmo que a realidade real seja sombria, esse sistema de mente paralela fará com que se possa ser quem se queira, que uma senhora

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de 70 anos se torne novamente uma adolescente e que encontros inusitados e estranhos aconteçam. Toda uma gama de possibilidades se dará no ramo dos esportes, sendo que a violência não gerará qualquer dano corporal aos participantes, tanto pelo não contato com qualquer coisa. Qualquer um poderá ser um lutador sem ter corpo para isso ou qualquer treino, que não o mental e de sua imaginação. A razão cibernética é em grande parte uma coroação da imaginação humana. A verdade será aquela que o sujeito querer que seja a verdade. Se alguém querer viver por exemplo em outro mundo e em companhia de seres extraterrestres, poderá, uma vez que a mente paralela será tão magnificamente programada que a possibilidade irá muito além de qualquer compreensão de mentalidade estreita. Uma vez que o dano não será material, pouco haverá de regras para tal dimensão

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cibernética, extrarrazão de origem cibernética.

A ética na mente paralela será apenas uma opção de cada um, onde cada um é seu Deus e sua lei. Amoralidade e anarquismo serão seus sistemas. O caos será a regra, e não haverá outro discurso, uma vez que o principal modus vivendi será se adaptar a esse mundo virtual, a essa tecnologia camaleão. A mente paralela julgará mesmo assim alguém, talvez por regras mais inerentes a sua conservação, como oposição a vírus do que na preservação do ser humano. Um comunismo virtual se operará. Não haverá outro discurso, que não a força virtual, a manutenção da rede que é alimento espiritual de todas as pessoas, ou de todos os “usuários”. A vontade do sistema será a vontade da maioria, a mente paralela pensará por todos, será o governo universal. Talvez os atos de necessidade básica sejam substitutivos por alimentação de astronautas, a vida será bem diferente. A

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necessidade fará a sociedade virtual. E o pensador ou filósofo será um inventor de ideias, um programador da realidade, descobridor do mundo virtual, a única realidade na felicidade e segurança humana. A verdade será uma verdade que sirva aos sistema da rede, não importando se isso é comprovado ou não, apenas que funcione e divirta. Seres eletrônicos serão criados, um novo modo de pensar será necessário. Não importará mais o trabalho, o estudo, pois a vida terá incorporada tais tarefas em sua realidade, em sua casa, em seu íntimo. O entretenimento será a vida e a maior parte do tempo ocupado.

Por outro lado a ciência estará tão evoluída que sistemas de interação mente-tecnologia serão até uma forma de medicina, de terapia etc. Todas as ciências estarão revistas com a razão cibernética, tudo estará superado. A mente paralela será a segurança de que tudo na vida será conquistado, que a realidade comemora a

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própria existência. Um novo existencialismo está assim fundado na razão cibernética. Criminosos serão aqueles que fugirem desse sistema, invadindo a antiga realidade e ferindo a razão cibernética, tendo a penalidade no mesmo meio em que atuarem, de acordo com as velhas leis. Não será a dor mais possível, a cura total estará disponível. Desse modo, o ser estará forte e próximo a perfeição, sendo tudo o que desejar. Além de observar a notícia em alguma “tela” o ser dentro da razão cibernética poderá estar no local da notícia, acompanhando e sentindo o que ocorreu, estar no papel de vítima, ou onde quiser, de acordo com livre opção. Não haverá mais um mundo exterior no sentido que compreendemos. Nem mesmo preocupações na razão cibernética, haja vista que dormiremos e acordaremos no mesmo impulso, em um contínuo onde as frustrações são poucas, onde a Utopia se vê

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realizada, cidade de Deus e do Sol em uma coisa só.

Razão cibernética e seus antigos símbolos

Apesar de ser uma coisa novíssima, a razão cibernética já tinha seus antigos símbolos, os quais vamos analisar aos poucos. De certo modo os símbolos que mais se encaixam nesse aspecto, são aqueles de seres que faziam a ponte entre o homem e os deuses, ou o homem e Deus, e esses seres serviam de espécie de mensageiros. Alguns desses foram até chamados de deuses, como Mercúrio e mesmo aquele da cultura afro, o polêmico Exu, um orixá. Toda essa situação da comunicação com o além sem ser por um padre cristão fez com que se demonizasse todos os deuses pagão, adaptando-se esses em santos e algo mais em sintonia com a fé comum. O que nos interesse é que até hoje

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ao algum religioso do candomblé ao comentar sobre Exu o coloca logo em relação com a comunicação (a encruzilhada). Não existe melhor analogia para a rede do que a encruzilhada, o encontro de vários caminhos, as portas abertas ou fechadas dominada por alguma razão. Essa é a razão cibernética. E o dito Mercúrio foi mais ainda retratado em símbolos da antiga alquimia, que pouco tem a ver com a química científica, sendo mais um progresso espiritual e vital, uma forma mágica de viver e superar limitações carnais (através da pedra filosofal). Essa divindade mensageira parece ser algo sutil, muito leve e que se comunica através da distância. O que é a nossa ainda primitiva rede mundial de computadores? A rapidez e a mágica nos acompanham mais do que nunca nessa Internet, onde as asas de Mercúrio o levam daqui para lá, de lado para lado, de um ponto ao outro do mundo, como um espírito que fala de um ser a outro.

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O que são esses símbolos senão forças? De todo o modo haverá no futuro toda uma adaptação ao mundo virtual, onde esses seres misteriosos talvez serão as senhas a atalhos dentro da rede universal de mentes. Vestido com uma cartola preta, ou com pés alados, não importa até onde essas forças e sua simbologia vão se adaptando em nosso mundo tecnológico, mas fato é que o subconsciente humano cria a realidade, como dizem certos parapsicólogos. Longe de seres humanos, vemos que cada vez mais o virtual supre o real, e a mente será dentro de seu olhar interno um verdadeiro orgão existencial. Haverá um modo de sermos os projetores da realidade, e não a realidade vir até nós pelos órgãos dos sentidos. Isso será um verdadeiro 4D ou 5D. Atualmente temos apenas a nossa imaginação, que através de um mundo astral e plástico cria os sentimentos, a alegria, tristeza, vida ou morte, de forma meio mágicka. Mais longe

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vai a razão cibernética, uma vez que cria um ser virtual, algo que desafia toda a ontologia do passado, que nem um Agostinho de Hipona ou Aristóteles pensariam, talvez próxima da ideia platônica, mas sem aquela veracidade absoluta do mito da caverna. Seria o mundo virtual apenas uma sombra? Isso pode revelar mais da simbologia.

Podemos na esteira de símbolos e suas analogias, colocar assim como Mercúrio, o Hermes e ainda Prometeu e Lúcifer, esse último o mais demonizado. Todos intermediários e comunicadores entre os homens e o mundo divino, uma espécie de rede, de acesso a Mente Paralela, para enfim encontrar o seu paraíso cibernético. Mesmo sendo espécie de anjos caídos alguns desses símbolos (programadores caídos) faz deles aqueles que estão mais próximos do homem, e únicos que dão acesso a Mente Paralela, o primeiro grande programador de tudo, de qual a tecnologia humana é apenas uma cópia, reprodução de

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imagem e semelhança. Mesmo com seres inter-dimensionais e interplanetários, vemos que apenas seríamos uma reprodução intuitiva desses criadores que certamente teriam já sua alta tecnologia, seu mundo virtual e rede eletrônica. Veja bem, caro leitor ou leitora, pense de onde surgiriam tantas descobertas? Não certamente do primata evoluído, o homem, que se fosse apenas um ser simples ficaria satisfeito com sua caça e alimento. Mas pela complexidade de nós mesmos, projetamos para fora a nossa realidade, que nada mais é que uma herança existencial de nossos pais espirituais, criadores (Elohins), que tiveram em sua Criação tudo menos independência total de atos e descobertas. Uma herança mental acontece. Veja os filósofos, o que descobriram senão todos a mesma coisa com a linguagem de seu tempo? Não nos vemos talvez fora do que somos, apesar de a humanidade apenas no futuro talvez reconhecer a nossa genialidade. Símbolos

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estão por todos os lados, e para o homem primitivo era a forma dele retratar a razão cibernética. A alta tecnologia nos produziu, somos apenas inventores daquilo que está em nós mesmos, em nossa natureza a constituição. Nós pensadores teremos o ofício de sermos programadores de ideias. Os nossos malignos correspondentes entre a verdade e nossa real natureza são inevitáveis. Seríamos permitidos a tal descobertas? Acredito que em cada tempo é permitida uma evolução limitada.

De certo modo a humanidade só foi permitida certa evolução limitada, e fora desse padrão tudo pode ser deletado, e reconstruído à partir de uma uma matriz, de um programa inicial. Seja isso binário em sua linguagem ou trinário, não faz muita diferença, uma vez que muitos mistérios da humanidade nos ficam ainda sem explicação. A construção das pirâmides, ilha de páscoa, efeitos do triângulo das bermudas, mitos e símbolos antigos. Não é

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possível descobrir mais do que certa parcela permitida em cada tempo, dos sete ciclos. Esses sete não parecem ter um tempo fixo, mas algo mais complexo, como uma chave ou selo que se abre em cada descoberta da senha. Essa senha revela a proximidade cada vez maior com a Mente Paralela original, de forma a tornarmos cada vez nós mesmo produtores de nossa realidade, sem aqueles sofrimentos e fatalidades do passado. Basta lembrar nos avanços da medicina, mesmo na odontologia, onde hoje não precisamos sofrer muito para tratar os dentes em comparativo ao passado, onde tudo era feito sem qualquer anestesia. Voltando aos símbolos, podemos pensar na kundalini oriental, que para ser mais inteligível tem grande semelhança a libido humana. Contudo, com o outras forças, é inteligente, tem a sua pró´ria direção e não pode ser manipulada no sentido de criada pelo homem, apenas dirigida. Essa força parece movimentar o intrincado sistema da

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razão cibernética. Não se trata de sexo o seu fim, mas uma geração cada vez mais constante de arquivos a serem arquivados e superação de fases.

A energia que move a razão cibernética como eu já falei nada mais é que um simulacro daquela que é emitida pelo Sol, mantendo a vida desse sistema. Tal energia autossustentável não vem do homem, mas é um misto do que surge do mundo e da nossa grande estrela próxima. Tudo são assim seres, tem inteligência, seus programas e seguem assim um plano piloto. As forças não são apenas consequência e coisas frias e mecânicas. Longe disso, a razão cibernética um dia comprovará que a complexidade de seu sistema está tão bem regulada, que até os átomos em sua complexidade revelarão essa vida, esse mundo virtual como realidade verdadeira. O ideal será real, e o real ideal, concordando com Hegel. Também o pensar será um existir, comprovando Descartes. Toda a

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medicina de acordo com a razão cibernética, será um tratamento mental, na programação mental, pois é desse sistema que surge toda a doença e problema. O nosso mainframe mental terá suas bases reveladas pelas neurociência junto a ciência da computação, mesmo interações serão cada vez mais possíveis, e tudo depende do tempo e da aplicação e efetivação do acesso a essas tecnologias. A filosofia dirá através de seus programadores a realidade possível e melhor, mas a liberdade será tanto uma virtude que todo o homem terá o seu destino na mão, seja esse bom ou ruim, sem qualquer dano maior.

Defesa cibernética como anticorpos

Para muitas áreas da vida é necessária proteção. O nosso corpo tem os anticorpos, e muita defesa para que não sejamos afetados e mesmo soframos uma

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fatalidade. Igualmente deve haver uma proteção para toda a nossa realidade, e ainda germinativa a defesa virtual, após tantos abusos sofridos anteriormente. O próprio exército já conta com defesa cibernética e o governo deve investir pesado pois será o Estado do futuro o mundo virtual. Necessária é mais que uma defesa onde se criam vacinas e tudo mais no mundo cibernético, mas sim uma defesa onde inteligências mesmo sabem o que contra-atacar. Antes de qualquer vírus atacar a rede da nova realidade, deve ele ser combatido já na criação, ou mesmo previsto. Semelhante aos anticorpos do organismo vivo. A causalidade tem de ser compreendida em sua totalidade, para que não esteja envolta de uma fatalidade. A realidade nova da razão cibernética tem essa vantagem, mais segurança e mais paz e tranquilidade para todos, em um mondo onde possa reinar amor e verdadeira ética.

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Mas cada um terá o seu universo particular, e nesse parece que a liberdade estará além da defesa cibernética. Longe do que vemos hoje em dia, em invasões de sites governamentais e de grande notoriedade, não sendo estes tão ingênuos de colocar toda a sua informação na rede, por óbvio. Mas certas alterações causam grande confusão e crakers sempre acham defeitos em nossa presente segurança virtual. Cedo ou tarde são descobertos, por um descuido e pela aventura que é passar riscos em seus atos. Já na razão cibernética a coisa apenas refletira no próprio ser virtual, naquele mundo que ele cria, seu próprio céu ou próprio inferno. Assim a responsabilidade gerará uma grande autonomia da vontade, longe da heteronomia que vemos onde todos culpam sempre ou outros pelos seus erros, mesmo um mal personificado e assim por diante. Isso chegará a reproduzir o que certos ensinamentos ocultos e místicos já retratava

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centenas de anos atrás por seus purgatórios, paraísos, devakans e assim por diante.

A razão cibernética se desenvolverá para reproduzir a complexidade humana, em uma dimensão macrocósmica. Já em meus livros sobre tema esotérico, falei de devakan, numa visão mentalista, um pan-mentalismo a que o budismo esotérico e a teosofia fazem referência. Se trata de que a morte não existe e que ao se entrar em um plano post mortem espiritual, a mente do ser criará o seu mundo de alegria, tudo o que foi sonhado durante a sua vida, a qual quase sempre se reveste de muitas dificuldades e frustrações. Podemos assim dizer que o mundo virtual já foi pensado, em um nível bem desenvolvido e que aos poucos está sendo reproduzido pela nossa tecnologia, esse devir existencial e retratador da lei do mentalismo, algo já hermético e antigo. Tudo é mental, todas as coisas provém da mente do Todo. Estamos

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em um admirável mundo novo, algo quase semelhante a um 1984. As coisas nunca antes pensadas em invenções estão cada vez mais presentes em nossas casas, em nosso cotidiano. A Mente Paralela será a coroação dessa lei hermética do mentalismo, e somos todos criadores de nosso destino. Enquanto a fonte de energia estar bem, nossa mente, tudo pode ser vivido e realizado, os maiores sonhos podem ser trabalhados e usufruídos. Não mais se fará distinção entre sonho e não-sonho.

A defesa se fará por hakers do bem. Mas até onde não somos também o bem para nos mantermos vivos? Quantas vezes evitamos a guerra? Pois cada ato de rebeldia é o princípio da guerra, cada ato de competição exagerada, cada pensamento de destruição, cada palavra de ofensa. Na rede mundial de computadores há quem entenda muito para fazer seus crimes, mas há quem entenda mais ainda para salvar os inocentes, para prevenir danos e tristeza.

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Não fazer chorar sempre será a regra humana maior. Isso é amor, é a linguagem corporal. Mas até onde irá a nossa linguagem no mundo virtual? Mais do que as coisas com significados, blocos com nomes, algo no estilo Witgenstein, a linguagem virtual é mesmo toda a realidade, uma vez que se originou mentalmente. Mas os hakers do bem são os anticorpos da nossa razão cibernética. O detalhe é que eles parecem efetuar uma queda dos anjos ao contrário, sendo em grande parte ex-crakers, passaram de chapéus pretos para chapéus brancos. Sabem o valor ético da regra de ouro, defendido por muitos sábios, desde Confúcio, Jesus, Moisés, Lao Tsé, Krishna, Zoroastro etc, até pensadores mais recentes, onde o fundamento é não fazer mal ao próximo, não invadir o terreno de sua liberdade e vontade. É aquela lei universal de Kant, o que pode se transformar numa lei geral, conduta, palavra ou pensamento, podemos concordar.

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Mas o que será defendido na razão cibernética? Certamente é a não destruição desse sistema de pensamento e a contante mudança, o devir, fogo que nunca se consome, eletricidade, circuito, equipamento ligado. Tal equipamento é a própria mente humana, o supercomputador a que sempre tivemos acesso, e que nunca deciframos por completo as senhas e os segredos. Talvez os anticorpos da Mente Paralela na razão cibernética sejam sistemas que não permitam o desligamento, com a consequente morte dos usuários, nem o acesso a sombra, a uma espécie de bug que traria o total colapso desse sistema. Não se tratará de uma data com mais dígitos, mas mais um falso ser que desestruturará a personalidade, semelhante a uma psicose ou esquizofrenia. Vários eus confundiriam a todos e o ego se dissolveria no caos, pelo sistema ter entrado em caos. Os anticorpos virtuais, hakers do bem então vão sendo procurados por governos e desde agora têm

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grande importância na fundação de um mundo melhor, utopia e cidade do Sol, república da crítica da razão cibernética. Assim como a república de Platão, mas sem as suas idiossincrasias do velho mundo. Velho mundo não é uma porção de terra, mas uma velha realidade humana, o mundo de sofrimento e limitado onde a mente não demonstrava as suas potencialidades. Além da democracia, haverá uma animacracia, governo de alma, mente e felicidade.

Mas quem serão os criminosos do mundo virtual? Os que sempre forma, vírus e seus congêneres. Fabricantes de vírus e decifradores de senhas, aqueles que poderão ter acesso a mente de uma pessoa, manipulando a sua liberdade, vontade e levando até esta a morte. Quando falamos em rede de computadores os danos são pequenos e limitados. Mas na Mente Paralela pode ocorrer de os crakers acessarem não sistemas exteriores, mas o perfil de cada pessoa, sua alma virtual que é

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sua nova vida, sua nova realidade. Isso será a única doença que continua existindo na razão cibernética. Isso pode ser comparado a uma sugestão hipnótica destrutiva, a uma telepatia mais do que eficiente e perigosa. Para prevenir isso, estarão os anticorpos virtuais sempre alertas, protegendo a todos, policiando esses efeitos extra-mundos, além daqueles criados por cada um em seu mundo pessoal, provocando desequilíbrio. Pode ocorrer por exemplo de pensamentos mórbidos invadirem uma pessoa, tendo em vista mensagens tristes enviadas por um craker e o mundo da pessoa estar destruído, sua matriz externa, o corpo que ainda resta pode ficar prejudicado, sua mente principalmente. E mente será tudo, sendo o corpo estimulado por outros mecanismos, como eletrodos e estimuladores musculares.

A doença virtual é a volta para a antiga realidade, o mundo aparente e sem tecnologia, o trabalho da terra, a monotonia de uma não mudança. Nesse velho mundo

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“o ser é, e o não ser não é”, lembrando Parmênides. Essa volta significará uma destruição, uma vez que o mundo novo é constante mudança tecnológica e descoberta, estímulo a que nada seja o mesmo a cada segundo, e que toda a realidade de frustração e falta de conquistas fica para o mundo do passado. Tudo é possível na razão cibernética, cada um pode ter a fama que quiser, a fortuna, a vida no campo, a vida cheia de amor e assim por diante. Sua imaginação e mente serão os limites para tudo isso. E o maior papel do vírus será a volta para essa velha realidade, onde as coisas eram certezas e a informação era mastigada por milênios. Para a razão cibernética, todo o pensamento já foi superado, e nada mais é senão um devir. Limitações são reconhecidas e apenas o novo supera aquilo que já se foi. A invenção será a maior virtude e a criatividade será o sinônimo de ato virtuoso. O a priori será a certeza de tudo, uma vez que tudo será

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fruto de um esquema mental. Mesmo a vida espiritual será transformada, talvez para um Deus Programador, Aquele que tudo vê dentro do mundo virtual, da realidade oculta de cada um.

4. Espiritualidade da razão cibernética

O início de tudo é Deus Programador. Para seu culto surge uma religião tecnológica, na qual os auxiliares que nos fabricaram através de manipulação genética até chegar no estágio presente onde estamos. Tudo caminha para a razão cibernética, para um pan-mentalismo onde a realidade muda. Já a matemática vem de longa data desvendando uma multiplicidade de dimensões, além daquele padrão de geometria de Euclides. A espiritualidade assim se reveste de uma multiplicidade onde não mais se acentua numa prosperidade ou humildade como o foi no

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passado, mas na realização da vontade. Tudo começa na mente de Deus, e seu pensamento é a programação primeira. A espiritualidade é uma forma de venerar a tecnologia, um momento de meditação eletrônica onde a fé se transforma em mera concentração da novidade.

Todos os símbolos das antigas religiões serão compreendidos assim por outro foco. Isso pode parecer para nós que fomos formados e educados em uma teologia específica algo estranho, mas com o decorrer de muitos anos e o domínio da tecnologia e cibernética, se por um lado surge um ateísmo, por outro as religiões se adaptam ao mundo pós-moderno. Assim bestas se transformam em meros símbolos de armas de destruição em massa e máquinas de guerra, a árvore da vida como a chave para retardar o envelhecimento, a perfeição física como resultado da manipulação genética e assim por diante. A tecnologia operará os milagres e tudo se

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fará possível com o desenvolvimento da ciência. A liberdade será ampla pela própria evolução dos seres que restarão nesse mundo a que envolver a razão cibernética, e há quem faça o que tiver vontade. Isso de começo se tornará perigoso, mas com a Mente Paralela as coisas se superam, não havendo perigo a não ser o do suicídio. As relações dentro do hipercubo ou hipérbole de dimensões poderão gerar inter-relações mais profundas entre os seres, mesmo que isso não se gere por corpo carnal. Mas para a mente não fará diferença, uma vez que todas as sensações serão preservadas. Também a fé ficará traduzida na visão a que o mundo cibernético conquistar, e será certamente científica e tecnológica.

A transição da teologia da prosperidade para a teologia da tecnologia se fará aos poucos e jpa se vem efetivando. Não estamos ainda na Mente Paralela, mas aos poucos a nossa rede mundial de computadores, bebê da razão cibernética

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consegue cada vez mais interação e desprendimento dos seres da sua realidade física, e isso desenvolve uma mente muito mais plástica em seus pensamentos e imaginação. As sensações são assim adaptadas por sugestões e a espiritualidade ganha cada vez mais uma nova linguagem, moderna e em sintonia de como as pessoas são. Pensar de outro modo seria cultuar os homens das cavernas, e isso não deseja Deus na sua moral para as suas criaturas. Deste modo, ou o mundo recomeça após uma grande catástrofe, com os sobreviventes de um novo Dilúvio, Juízo Final previsto já em livros sagrados, ou fica preso ao velho tempo. Mas para o novo tempo devem estar adaptados os seres, assim como os da quinta raça se adaptaram após o anterior dilúvio, este comprovado por mais de cem tradições em todo o mundo. As proezas dos personagens das religiões e seus milagres serão explicados por tecnologias superiores, máquinas voadoras,

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luzes dos programadores do passado, alquimia de alteração de arquivos da realidade, senhas para mudanças e bug, este último ao exemplo de Sodoma e Gomorra. Os antigos impérios não terão lugar onde a mente se fará império de si mesma, imagem e semelhança de Deus Programador do Universo. Mas isso ainda envolve seres do céu, o que talvez não sejam extraterrestres, mas seres de dimensão paralela mesmo, mas próximos de nós, nossos manipuladores para a evolução.

Cada ser virtual tem sua religião pessoal e particular. As igrejas e comunidades vão aos poucos sendo reduzidas, pelo individualismo a que o novo mundo proporciona. A religião pessoal de cada um. Não se tratará de não haver sintonia entre muitas pessoas, uma vez que a educação será um meio livre de cada um aprender tudo o que queira sobre o velho mundo e suas crenças, mas sempre haverá a comunidade, mesmo que apenas

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telepática. Pela redução da população haja vista dificuldades planetárias e seu meio ambiente destruído, será mais que comum cada um estar se prevenindo contra a morte e a extinção humana. A vontade de cada um se fará o seu mundo e realização, e a espiritualidade estará mais do que nunca em meio a isso tudo, uma vez que faz parte do próprio ego humano. Fato é que será diferente na razão cibernética, naquela Mente Paralela a que tudo se dissolveu. Um mundo mais do que plano, é um mundo cilíndrico e finito, porém tão caótico e complexo que nunca é o mesmo em dois momentos. Também as antigas fontes serão sempre acessadas, e isso revela toda a história da humanidade, que sempre será reverenciada por revelar a natureza humana em essência.

Também o ser virtual será criador, cooperador em um mundo particular e perfeito, onde sua saúde e felicidade estarão próximas da plenitude. Haverá tanto

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entretenimento e distração que não haverá tempo para pensar em problemas. Mesmo a fé e a espiritualidade poderá ser vivenciada em qualquer tempo histórico e qualquer lugar. Tempo e espaço são conceitos antigos e ultrapassados para a razão cibernética. Assim se poderá estar com Jesus em seu tempo, presenciar seus milagres e dificuldades, compreender as lacunas das Escrituras. Também se poderá estar com Moisés, com Sidharta e outros mestres, de acordo com a natureza de cada ser virtual, sua herança genética e uma dimensão etnopsiquiátrica. Mesmo com a liberdade quase plena a que se conquistou no novo mundo virtual, fato é que ainda as heranças mentais permanecem, e que pensamentos são herdados. A sabedoria ou a ignorância estarão presentes como sempre estiveram na humanidade. Símbolos próprios do mundo cibernético estarão também latentes, como os mensageiros de deuses em mitologias, pois são o que se aproximará

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mais do mundo virtual. Assim Hermes, Toth, Lóki, Exu e outros semelhantes terão um espaço especial no mundo virtual, talvez como chaves para os diversos caminhos a que trilhará o ser virtual.

Também a percepção extrassensorial estará aflorada, com esse uso mental tão exigido. Para tanto, não será impossível a interferência de um mundo de um ser virtual em outro referente a outro ser, de modo que as coisas serão assim desenvolvedoras de uma comunicação à distância. Essas projeções psíquicas estarão traduzindo o que é a razão cibernética, uma rede mental de toda a humanidade, uma unidade espiritual. Não mais haverá segredo e a sinceridade será assim uma regra, a natureza de cada ser será percebida pela sua aura mental, pelo seu mundo paralelo. Pela própria seleção genética se poderá assim encaminhar a evolução, a semelhança do trabalho dos cientistas Elohins na nossa produção. O desenvolvimento tecnológico

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do ser humano assim chegará nos estágios finais, até o sétimo, que fará com que vire enfim um arquivo na mente do Grande Programador do Universo. A religião tecnológica volta a sua origem, no arquivo perfeito do Éden, na “árvore da vida” da autoprogramação, na ausência de dor. Esse deleite espiritual e êxtase do ser virtual o encaminhará para o inverso da “queda”, uma desmaterialização onde a mente assume seu comando, onde o corpo pode ser fabricado não mais com o pó ou o barro da carne, mas com pura energia, pura luz. Assim a espiritualidade da razão cibernética é o fim de todas as espiritualidades. Os sete períodos de desenvolvimento tecnológico serão finalizados e haverá uma gravação no arquivo do Grande Programador, deletando o velho e inferior para se começar tudo novamente, em uma nova queda existencial e para os novos ciclos.

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Artes cibernéticas e uma nova estética

Beleza é harmonia de forma, mas não mais se baseia na natureza, mas sim no mundo virtual. Para tanto, isso teve nascimento com a CG (Computação Gráfica) e anteriormente com o mundo dos games, que parece ter começado pelo ponto que se move na tela, espécie de comprovação da geometria euclidiana em certa dimensão. Mas a estética atual é uma busca de aperfeiçoamento de formas, com a magreza e a musculatura na projeção de um ser saudável. Nada mais é que promover uma imagem perfeita, o que pode ser feito mais facilmente no mundo virtual, ou no novo mundo. Parece que o principal motivo para não se admirar mais a pessoa gorda, além da saúde e facilidade de vivência, é a economia de memória. Uma pessoa que pesa o dobro também ocuparia o dobro de memória em um arquivo. Já em meus escritos eu tratei do tema, onde a mulher

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segue o padrão anoréxico e o homem o anabolizado, e o extremo disso resulta em barbaridades com o tratamento do próprio corpo. Na Mente Paralela isso se torna seguro, uma vez que qualquer corpo pode ser lá habitado, que nenhum mal maior sobrevirá de querer ser exagerado em suas formas.

Os games já vêm de longa data ditando moda e influenciando o mundo. Deste que se utilizaram gráficos tridimensionais (pós 3DO), houve um novo padrão de realidade, que seria a semente de tudo o que até hoje conhecemos em matéria de estética, e parece ter sido Lara Croft a Vênus ou Afrodite dessa dinâmica e musa virtual. A grande novidade é que ao artista cabe mais do que apenas criar uma obra, mas esta obra de arte ganha vida e todo um mundo particular, interativo. Na cultura da imagem que se inciou antes pela TV, havia já um mundo paralelo, mas sem interação. A interação se fazia apenas na imaginação do

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ser, sem uma plena atuação como protagonista, ou ter o controle. Com os gemes tridimensionais, houve um mundo novo, apesar de ainda limitado por controles externos (que não a mente diretamente, como na Mente Paralela), e ainda com muita limitação, um mundo pronto e sem muita possibilidade de modificação. Esses games se revestem de cada vez mais realidade, e cedo ou tarde se terá a impressão de se estar como um diretor de um filme, onde a interatividade será absurda. E nisso tudo nasce uma nova arte, que ganha viva e interage com o artista, em uma dialética onde o artista vira também arte, e a obra vira artista, e ambos fazem nascer um novo devir, um movimento que tem pulsação e supera toda a antiga arte.

As páginas virtuais que encontramos na rede mundial de computadores (WWW) também estão cada vez mais elaboradas. Longe de uma multiplicidade de figuras, links, informações e pesquisas, há cada vez

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mais uma beleza por onde se acessa. Isso parece se desenvolver cada vez mais para imagens em movimento e enfim, um mundo paralelo. Com a mente diretamente conectada nesse mundo, não fará diferença estar na Web ou fora da mesma. Portas e janelas estarão ligando toda a sorte de eventos históricos e poderemos ser o que quisermos. A beleza será não uma forma harmoniosa dentro disso tudo, mas a superação e aperfeiçoamento dos sentidos, mesmo que estes estejam emulados já de forma direta na mente. A razão cibernética chegará ao ponto de criar sua própria beleza, uma forma talvez poligonal de divindade, algo que traduzirá a própria totalidade do humano, sua unidade superior. Essa beleza será mais que visual, será também olfativa ou de tato, uma vez que será possível não somente contemplar o objeto de admiração, mas se tornar o próprio objeto. E as páginas da nova rede serão janelas para momentos e locais

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diferentes, superando o espaço-tempo, e qualquer limitação histórica. Além disso um mundo totalmente artificial pode ser habitado, verdadeira tela pintada a óleo da imaginação, com cores que podem ser apagadas, refeitas e sem cheiro ou possibilidade de borrar, na beleza de uma verdadeira criação.

Voltando aos games, fato é que eles de início imitaram o mundo em que vivemos. Mas as coisas estavam para tanto com maior qualidade, apesar da síntese e redução de detalhes. Reproduzir a realidade em um game com todos os detalhes da realidade é inviável. Mas com a Mente Paralela tudo pode ser feito, tamanha é a evolução e simbiose do humano com as máquinas, talvez pela origem de processadores naturais, com tecidos vivos e coisas que devem surgir. O jogo eletrônico encerra uma beleza particular, por resume a personalidade do jogador, faz parte de um perfil que ele cria. Há sempre maior beleza

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para cada um quando esse reflete para si a sua própria imagem em um conceito de beleza narcisista, um grande espelho, semelhante ao lago onde se via Narciso em seu mito. Mas isso sem o mundo plástico onde se constrói o próprio pensamentos, não com a neblina da imaginação, contudo com algo mais semelhante ao que temos no sonho. Os games devem ser precursores na razão cibernética e também o erotismo virtual, que resolverá muitos problemas emocionais de pessoas não tão atraentes ou mesmo tímidas.

Ainda no antigo mundo real devem surgir ciborgues eróticos, para usos sexuais. Isso parece ser um futuro de uma relação ainda com tato, ainda com algo extra-mente. Pela escassez da população que surge com pandemias, guerras, catástrofes naturais e outros fatores, após a superpopulação e fome, parece que o costume será evitar qualquer contato entre pessoas, em um individualismo que cada

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vez vemos mais acentuado. O autoerotismo é cada vez mais contante e isso encerra em um tipo de estética também narcisista. Um beleza não tão seletiva surge, e igualmente ligada a uma libido, a uma atração Eros. O mundo virtual já nos faz estar cada vez mais próximos da beleza, seja por uma paisagem que vemos na Internet, ou uma mulher bonita que presenciamos em fotos ou vídeos e assim por diante. A interação é novamente possível, ainda não com a criação que poderemos fazer mesmo por imagens holográficas, nanotecnologia e chips mentais, e isso par amar não será uma coisa incomum. Muitas doenças estarão prevenidas e toda a paixão poderá ser realizada. A estética estará palpável, não apenas em uma estátua, quadro ou obra de arte externa, mas fazendo parte da própria essência de cada um. Mas os robôs estão cada vez mais próximos e semelhantes aos seres humanos, com bons projetos

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japoneses, um que até pode ser um sósia da pessoa.

Já vemos também cada vez mais filmes com boa parte de suas cenas feitas em CG, sem percebermos o que é realidade e o que é virtual. Mesmo cenas de batalhas podem ser muito bem reproduzidas, sem contudo qualquer violência ou explosão real, o que garante a segurança e até maior proximidade do que foi a guerra. Mesmo com o filme dos dinossauros, já foi utilizado um mainframe para a produção do efeitos especiais, e isso em um tempo onde esse recurso era ainda embrionário. Mas os filmes atuais fazem o que desejarem, e a imagem digital é muito manipulável, podendo ser tirados ou colocados elementos na sua ambientação. Isso sem falar nas imagens subliminares que ainda se encontram nesses filmes, desvendando os segredos da própria mente de cada espectador. A beleza nisso tudo é que não é mais uma estética fundada no natural, em natureza ou pessoa, mas na

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própria mente que cria o seu sentido maior, diretamente neuronal. Esse sentido maior, supremo êxtase de admiração surge no humano, e a razão cibernética é o caminho para que tudo isso se concretize, não em mundos de matéria, porém em algo que beira a substância, superior aquilo que até hoje conseguimos admirar em graciosidade e contemplação. Tanto os jogos eletrônicos, como a nossa ainda primitiva Internet abrirão caminho para uma estética e mesmo filosofia nova, repensando toda a realidade e superando ideologias, extinguindo antigos modos de conceber o mundo.

Da binária realidade

A realidade é um jogo de duas polaridades, uma dança que foi já prevista pelo Taoismo, pelo I Ching. Fato é que esta dimensão existe principalmente na sexualidade e reprodução das espécies,

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mesmo outras interações. No mundo moderno e tecnológico isso é projetado em muitos equipamentos. O sistema liga-desliga é assim utilizado em larga escala. Também nos lembram os trigramas e hexagramas, para até irmos ao casco da tartaruga e seu 8. Tal padrão dimensional revela uma das realidades, das múltiplas visões que podemos procurar na razão cibernética e que traduzem a nossa física, da probabilidade onde a nossa consciência participa ativamente daquela realidade que é nos apresentada. Os sentidos são mais enganos, e mesmo as crenças são diversas dizendo a mesma coisa. O DNA-RNA e a mente também seguem esse padrão binário, espécie de yin-yang. Nossa mente meta-programada para uma das diversas realidades, revela assim as partículas que deseja descobrir, vê a realidade que se apresenta da forma que ela deseja. A vontade assim se torna fundamental. Não é mais uma vontade de desejar algo separado,

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mas sim a vontade que gera a potencialidade, bem como após o ato. Talvez concomitantemente ato e potência, não importando. Isso vai variar de acordo com cada sujeito, que possui de certa forma seu universo particular, não pela sua psicologia, mas pela sua mente espiritual. Esquemas mentais são numerosos, e revelam um padrão não sistemático que evolui além da simplicidade de efeitos empíricos e relação tempo-espaço-causalidade. Com a sincronicidade sendo o máximo de ordem que podemos compreender com sentidos “comuns”, fato é que as concordâncias em vermos sempre duas coisas que se complementa traduz um padrão ainda não explicado pela ciência e mesmo filosofia. O Eterno Retorno a que fala Nietzsche, teoria grega ressurgida em seu existencialismo, aproxima-se dessa dinâmica de algo que complementa e reflete outro algo, como um espelho. Mundo das ideias? Ou dos bits? Quem é o programador

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disso tudo? O cérebro certamente com seus neurônios revela essa dança entre união e sinapses, novamente reproduzindo yin e yang. Oito períodos de evolução, o casco da tartaruga do taoismo. A meta-programação mental revela em grande parte uma energia sexual, novamente yin e yang. Ou em linguagem binária, de computador, com seu 0 e 1. As pessoas mais diferentes e antitéticas se unem pela sexualidade, e esse jogo não se faria não fosse esse padrão e semi-instinto. Fato é que o binário na realidade comanda muitas coisas, e que pensamos em uma coisa juntamente com seu oposto. Muitos ao pensar no diabo logo tem a ideia de Deus. Outros pensam no belo comparando ao feio. Voltando as categorias, parece que com dimensões extras as categorias ou esquemas mentais também de de ser somados. Kant estaria perplexo com a nossa física moderna e faria um sistema não encima de Copérnico, mas sim em Bohr. A que ciência do conhecimento

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poderíamos fundar uma filosofia então? Certamente as limitações são menores, e ciências como a parapsicologia estão cada vez mais nos aproximando do meta-empírico, de uma realidade que completa a nossa, que é o que antes achávamos o zero (0), quando víamos a nossa realidade material ilusória e passageira como o tudo que existe, o um (1). A interação entre o que concebemos como céu e terra também é um sistema binário, e isso nos levou a questões metafísicas várias, desde Platão até aqueles que se debruçaram em metafísica, o que foi aos poucos abandonado por linguistas e epistemólogos, sua filosofia ceticista e psicologista. Assim o jogo entre mundo fenomênico e das ideias revela-nos as múltiplas realidades, que são projetadas e reinterpretadas pela nossa consciência, em projeções existenciais da nossa mais íntima vontade. Vejo assim que as filosofias não forma opostas ou divergentes, mas todas estavam certas com seus sistemas de

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procurar a causa única de todas as coisas, uns com a água, outros o fogo, outros o Ser, outros o Apeiron, o are assim por diante. Estavam certos todos, pois a realidade para cada um é uma parte de várias realidades, e possivelmente estavam em planos dimensionais variados. A mesma verdade contada de formas diferentes. Hoje podemos colocar essa causa em uma programação mental e energética, em um sistema virtual e quase computadorizado. Fato é que ouve um Grande Programador. A mente paralela parece ser um próximo estágio evolutivo, e não mais necessitará o homem de um mundo exterior, pelo menos um material e corporal. Mesmo que use o seu corpo, estará em uma metarrealidade. Fato é que a programação da vontade é um yang e a realidade um yin. Não é apenas uma forma passiva de desejo que espera, mas uma que produz a possibilidade das coisas acontecerem antes de que venham à tona. A realidade binária demonstra isso a medida

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que vai sendo compreendida dentro de um grande sistema, onde os antigo oráculos apenas traduziam toscamente a sua funcionalidade. Vendo-se o funcionamento e compreendendo, parecia que alguém estivesse prevendo o futuro. Em verdade estava apenas traduzindo essa ordem muito complexa que estava inserida na linguagem da realidade, que é caótica mas que com a mente pode ser telepaticamente guiada. Mas essa ordem mental existe mesmo porque evoluímos por um processo natural, onde nascemos-crescemos-envelhecemos e morremos, restando saber as entrelinhas desse processo em nossas vidas. Um sistema unificado poderia compreender essa complexidade de modo a prever a realidade, ou a metarrealidade. A dimensão das partículas também revela-se em uma interação e inter-relação, de modo que a qualquer distância estas se comunicam, superando as barreiras espaço-temporais a que antes achávamos a limitação, seja pela

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velocidade da luz, seja por leis de gravidade e outras. A chave que é mostrada é que chegamos não a um átomo, mas ao funcionamento de suas duas partes que interagem em polaridade e vibração, numa dança cósmica que revela toda uma natureza binária, a essência daquilo que chamamos matéria, em grande parte projeção de mentes, se não das nossas, de mentes superiores ou mesmo na Mente Divina.

Da rede mental à cibernética

Cada vez mais nos convencemos de que existe mesmo uma rede entre seres humanos, muito antes de existir qualquer meio de comunicação à distância, ou mesmo Internet. Sabe-se que há uma lei de polaridade, onde as pessoas com mesmos

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objetivos, crenças, costumes e pensamentos acabam por se agrupar em tribos, o que ocorre sem planejamento de de forma inconsciente. Isso tudo talvez como resultado de uma interação mente-matéria, a que Heisenberg já tratara. Também pelas sincronicidades, Jung percebeu que as coisas não ocorrem por acaso e que coincidências são mais frequentes que imaginamos. Mesmo a parapsicologia estuda o e de telepatia,e antes o espiritismo tratava da mediunidade.

A rede mundial de computadores em muito materializa e faz através da tecnologia uma cópia desse sistema humano de inter-relação, que também existe entre animais. A comunicação entre os bichos é muito diversificada e pode indicar que foi encontrado alimento, que há perigo, que se aproxima uma mudança climática e assim por diante. Apesar da linguagem ser rudimentar, parece que nós humanos também começamos na Internet com

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linguagens simples, palavras escritas, sinais, smiles e assim por diante. Somente com a maior velocidade da rede que podemos usar de uma webcam e uma forma mais parecida com a realidade em nossas comunicações virtuais. Claro que antes existia o telefone, essa invenção de Bell (que alguns dizem antes ter sido inventada por outro, um alemão..) e que já nos comunicou muito, podendo ainda citar o telégrafo em momento anterior, o que apenas vemos em museus ou filmes de velho oeste. Claro que ainda inventaremos modos mais amplos de comunicação entre mentes à distância, e é nisso que culminará a nossa filosofia da Razão Cibernética, superando categorias mentais kantianas e qualquer espaço-tempo-causalidade. Isso pode claro modificar toda a noção de historicidade, e mesmo superar muitas filosofias que se basearam em compartimentos históricos, fases e ciclos, como materialismo-histórico,

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hegelianismo, Gianbatista Vico e assim por diante.

A rede mental é uma precursora tecnológica natural, produto do Grande Programador, para a união entre os pensamentos, bem como vontades, a realidade, seja ela material e externa ou virtual, e interna ao ser humano. Essa rede mental acaba por sempre se materializar em acontecimentos que carregam uma repetição, coincidência, a que se chamou de sincronicidade, e que revela a grande interação que há entre a mente e os meios por onde ela trafega. Quantas vezes já não notamos números que se repetem, modas de determinadas épocas, cores, pessoas que aparecem sem nunca terem se conhecido, uniões que superam a distância, raças, costumes e crenças. Essa superação espaço-temporal faz com que a consciência do ser humano antes muito presa a ilhas existenciais, fique agora ligada permanentemente em uma rede, onde

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grande número de pessoas influenciam umas as outras a distância, e mesmo inconscientemente. Contatos se fazem assim por telepatia, e a parapscologia já prova de forma séria tais fenômenos. Vemos que certas intuições, ou mesmo “neurônios gêmeos” fazem com que pessoas solucem ao mesmo tempo, que pensem na mesma ideia ao mesmo tempo (exemplo do cálculo infinitesimal, por Newton e Leibniz), que estejam em uma mesma energia intelectual e de descobertas (Einstein e Bohr na escola politécnica que frequentavam). Tal rede também se reflete na filosofia, e quando pensamos ser únicos e isolados em nossos pensamentos, mesmo os mais impossíveis, eis que descobrimos um filme, livro, pensador, cientista que divulga a nossa ideia antes original, e que demoramos para divulgar. A rede mental é assim muito poderosa, e engloba não só a superação da distância, mas também a temporal. futuro está aqui ao mesmo tempo, bem como o

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passado, se levarmos em conta as dimensões paralelas, que forma pensadas já por alguns ousados cientistas e mesmo se pode levar a sério em física teórica. Então, se temos redes mentais com seres que vivem em faixas paralelas de consciência (o que pensaram ou pensamos e não realizamos, potencialidades), sabemos que tudo ocorre ao mesmo tempo e o ato e a potência sempre ocorrem, mesmo que não se manifeste esse primeiro por vezes.

Isso vai se desenvolver até que tenhamos na Mente Paralela, no mundo virtual que será o nosso novo ambiente de vida, uma forma de comunicar inclusive desejos, aspirações, sentimentos, tudo de forma menos maquiada que em nossa realidade corporal e física atual. Hoje escondemos muito do que somos através de simulações que defendemos na sociedade, espécies de máscaras, que se chamou em psicologia de personas. Há quem tenha assim muito de escondido e isso se torna

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perigoso, uma vez que psicopatas, pessoas com taras podem abusar de outras pessoas, manifestando por outro lado uma aparência que revela serem normais. A fisionomia assim ainda é limitada, apesar de em grande parte um especialista poder prever o que a pessoa é, revelar traços de sua personalidade pelo formato do rosto, linhas etc. Mas com a rede mental efetiva e a razão cibernética, nada ficará muito escondido, e sentimentos e outros arquivos pessoas estarão à mostra, trazendo maior segurança a todos os indivíduos, apesar de que os crimes serão antes outros nessa mente paralela, como manipulações hipnóticas e sugestões até a loucura. Na Razão Cibernética todo o equilíbrio para a vida será unicamente mental. O corpo será cuidado apenas para trazer energia a essa mente, e ficará quase que intocado, uma vez que as interações entre os seres se darão mais com a mente, numa rede real e virtual, onde ambos se mesclam. Fato é que

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estar dentro da rede ou fora não fará diferença, e que um novo mundo chega, muito mais amplo que aquele descoberto pelas navegações de Europeus até a América, ou mesmo viagens espaciais.

Contudo, na rede mental permanece a causalidade. Cada pensamento ou vontade gerará o seu efeito de forma bem mais intensa do que conseguimos atualmente. Por isso todo o ser desequilibrado tenderá a ser selecionado e excluído geneticamente, pelo perigo que pode ocasionar a sociedade cibernética. Também a rede mental fará com que todos tenham maior fraternidade, haja vista a proximidade e interação mais profunda, sem os segredos que são mantidos quando das relações ainda envoltas de máscaras ou personas. Dificilmente pessoas que mente muito diferente estarão agrupadas, haja vista o natural repúdio em saber de padrões moral e costumes de cada um, sem compartilhar dos mesmos de alguma forma. Hoje

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pensamos em algo e convivemos com pessoas que pensam o oposto. Na rede mental possivelmente possa até existir relações nessa diversidade, mas uma certa ética profunda, energética e de essência mesmo, mudará de modo substancial as relações, onde a mentira não terá grande oportunidade de se efetivar, apesar da autoimagem de cada um poder ser modificada, numa eterna juventude. A rede mental será não só instantânea e mito rápida, mas uma verdadeira comunicação quântica. Supera então o limite da velocidade da luz imposto por Einstein.

Programas semente

Todas as pessoas e seres têm suas potencialidades. Muitas vezes estes estão na própria genética desses seres, através do DNA, hoje já mapeado. Apesar das regras

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ainda ultrapassadas de bioética, podemos prever que cedo ou tarde grande parte da população será resultado de alguma manipulação genética, se é que já não foi. Sabemos que grande parte do que somos já o fizemos por tendências, temperamentos, algo que herdamos, e que isso em grande parte faz o que somos, o que gostamos e o modo como agimos, ou aquilo que desejamos ser. A nossa mente é assim manipulada em larga escala, seja por programações da mídia, seja por modas, por estarmos inseridos algumas vezes na massa, o que resulta em pensamentos padrões, muitas vezes entretidos com futilidades e vivendo apenas para comer, dormir e reproduzir. O trabalho vem cada vez mais sendo uma ocupação em troca de renda que sustenta uma escravidão consumista, e a maioria dos seres não encontra suas potencialidades e plena manifestação destas, se reduzindo a empregados de empresas ou comércios, em

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troca da sobrevivência e de diversão, sem muito precisar pensar. Mas onde quero chegar. É que a razão cibernética é uma filosofia que tratará da manifestação das potencialidades, e que cada ser seja feliz ao seu modo, sem ser mais uma barreira para os seus talentos e atos.

Vemos já na Internet muitas pessoas fazendo coisas que não fariam se não existisse essa rede de computadores. Cantam, filmam, fazem verdadeiras produções cinematográficas, publicam fotos, são modelos, publicam livros, se tornam públicas e famosas sem sair de casa. As potencialidades já estão mais do que tendo campo para se desenvolverem, e isso desenvolve o que vamos chamar de programas semente. De certo modo desconhecemos em muito o quanto somos maravilhosos, os infinitos talentos que possuímos. Muitos assim admiram ídolos e artistas, quando eles mesmo são artistas provavelmente bloqueados. Têm assim essa

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programação semente que está lá em sua mente, que atrai até o semelhante, o que gostam, e que um dia pode se manifestar, mesmo que em mera imitação. Essa talvez seja também a explicação dos sósias, e vemos alguns que além da aparência que se transforma por vibrarem mentalmente na energia do ídolo, também a voz ou outro talento é construído e manifestado. São potencialidades que se desenvolvem pela vontade. Mas vontade é a manifestação da mudança na natureza, diferente de desejo que seria somente o contato com alguma potencialidade, muitas vezes de forma semi-consciente. Então a rede de computadores faz com que a mente, que muitas vezes não tenha campo para se manifestar em algum ambiente, seja pela timidez do seu dono, seja pela falta de ambiente apropriado, faz desse mundo virtual a forma de manifestar o seu ato perfeito, o seu talento desenvolvido. Na metarrealidade o programa semente tem campo livre para germinar, gerando assim a

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árvore da vida, o jardim de felicidade a que o ser antes apenas aspirava de forma onírica ou mesmo em devaneios e planos.

Mesmo o filósofo, apesar de ser influenciado por outros pensadores, nada mais faz que manifestar algo que já está programado em seu DNA, talvez a sabedoria de todos os seus antepassados, até aqueles que se contataram com anjos ou mesmo até o primeiro homem. Desse progresso até o infinito, fará um a obra de arte que se manifestará em sua filosofia. Sem perceber também acessará o futuro, através de pré-cognições de vários desses “seres” presentes em seu DNA, e que assim contatará este com as dimensões paralelas, outros “navegadores” da mesma realidade, ou as potencialidades que não se realizaram em sua realidade. O filósofo assim é a voz do seu tempo, a trombeta angelical para a humanidade. O seu programa padrão, que talvez seja divino, manifesta-se e é traduzido de forma que seja inteligível, o

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que não ocorre com outras pessoas, a não ser com gênios, grandes cientistas, grandes artistas e assim por diante. A complexidade da mente é tanta, que este notará que o trabalho de tradução será quase infindável, e que a realidade virtual foi uma forma de despertar suas faixar antes dormente de consciência, de comunicação extra dimensionais, antes apenas presentes em videntes. Fato é que o que antes era raro na humanidade, com a razão cibernética se tornará comum, e que a evolução mental, noogênese, assim se efetivará de forma nunca antes vista.

Mas a medida que os programas semente são manifestados e vivenciados, muitos deles servem apenas como uma lição para a mente do ser. Com a vida prolongada em muito, em um quase imortalismo, tanto por progressos da medicina, alimentação, neurociências, ciência genética e assim por diante, fato é que o ser humano viverá muitas vidas e potencialidades em um

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período continuo. Podemos pensar em exemplos como que alguém trabalhe em várias profissões, que pratique esporte, seja artista, seja cientista, seja um pouco de tudo, mesmo com uma única vida. Isso vai em muito antecipar a ressurreição, defendida por religiosos à milênios. Por fim esse ser que passou por muitas experiências se torna um místico ou filósofo, e acaba por compreender que a vida é sempre bela e que toda uma síntese acaba surgindo, resultado dessa pan-experiência. Não raro isso serja com a tecnologia mais fácil, e mesmo com a mente paralela seja ainda muito mais aproveitável, uma vez que o que se pensa, acaba se realizando, algo muito mais duradouro. O tempo será um enfeite que adornará um relógio singular, só isso. Talvez a palavra tempo será algo tão sem importância para esse novo mundo formado pela razão cibernética que um sonho terá mais importância que se contar anos, meses e dias. Como se poderá viver em qualquer

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momento histórico, e assim desenvolver programas semente dos nossos antepassados, mesmo um relógio de sol poderá ser útil. Imagine que podemos viver com um tataravô que conhecia inúmeras ciências de seu tempo, e que agora conhece um jovem com muito talento, certo que terá sucesso em alguma atividade. Imagine que poderemos passear em parques e namorar senhoritas por muito tempo, e que isso poderá sem em qualquer época, com qualquer conceito de amor que se deseje, mesmo até podendo sem viver um grande amor de alguém que antes já teria falecido.

A exploração do universo não se dará mais por foguetes, e mesmo em colônias espaciais, ou estações, ou outros planetas que abitaremos, não serão os meios para essa exploração na sua forma mais plena. Os programas semente nos levarão a lembrança da origem do universo e mesmo de outros universos, e mesmo outros planetas habitados, e tudo o que

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duvidávamos será agora traduzido em alguma descoberta. Tudo será feito de forma mais mental, e além daquele primeiro ponto que era explorar a própria mente. A potencialidade a que a razão cibernética dará ao ser se autoconhecer, fará com que poderes antes latentes se vejam despertados, e o homem seja um homem-deus, ou homem-programador. Nenhuma realidade terá mais barreiras e dificuldades a que cada um queira colocar na sua trajetória. Não devemos esquecer que os programas semente também se dão para as dificuldades, e que também se manifestam cedo ou tarde, revelando que a lei da dualidade ainda permanece, mesmo com os avanços tecnológicos.

O Ser virtual

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Parmênides disse que o Ser é, e o não ser não é. Talvez ele quisesse ter dito que o Ser é no mundo cibernético. Platão falava em um mundo das ideias, onde as coisas se manifestariam depois no mundo material, e que haveria a essência nesse mundo das ideias. Novamente vemos que ele apenas sem saber falava no mundo mental e virtual, que são perfeitos, na medida que refletem a sua própria perfeição. Daí surge a nossa ideia de Ser virtual. Começa não com um batismo de nome, mas com um nick. Não há mais ser sem uma identidade virtual, sem alguma presença na rede mundial de computadores.

Tudo começou com cadastros em sites, endereços de e-mail. O e-mail é uma forma já ultrapassada de comunicação, frente as redes sociais, porém não há de se negar sua influência. Porém a maior segurança e credibilidade está ainda no email, bem como ainda no correio real. Isso certamente evoluirá para uma identidade de

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cartões de crédito, de toda a forma de dinheiro futuro. Isso em nível global poderá romper as barreiras de diferenças culturais, das línguas e raças. O ser assim transcende aqueles compartimentos que antes eram a ele reservados, muitas vezes em certos períodos histórico por castas e classes sociais. Um identificador virtual tem porem uso internacional, longe de qualquer classe ou origem histórica ou nacional. É assim uma forma de se iniciar a cidadania cósmica, para que se viva um dia na mente paralela, verdadeira aldeia global, da qual temos ainda apenas modelo grosseiro na Internet.

O ser virtual constitui verdadeira substância. A essência das coisas estará no mundo virtual, pois o virtual é a base do real. Isso nos leva ao que pensou Hegel e depois falaremos em capítulo específico sobre o tema da metafísica cibernética. Mas alguém poderia se perguntar se essa substância é material. De certo modo isso é

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o que dá credibilidade a que o mundo virtual existe em algum lugar, que não é unicamente um jogo eletrônico de informações numéricas. A mente humana se desenvolverá a tal modo que não haverá mais barreiras, e que semelhante a partículas quânticas, se poderá romper as barreiras espaço temporais e de certa causalidade, mesmo a da antiga lógica.

O ser virtual constitui uma espécie de consciência na mente paralela, que se tornará o novo mundo onde há a possibilidade de viver. Haja vista condições ambientais insalubres por causa do aquecimento global e malefícios solares de contato direto, a invenção de um maio quase robótico de interação entre as pessoas possibilita a continuidade da vida. A razão cibernética antecipa esses acontecimento, essa utopia que funda uma sociedade perfeita, justa e solidária. Com o desenvolvimento tecnológico galopante e instantâneo, cada vez mais a individualidade

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dos seres foi potencializada. O ser nesse mundo virtual adquire assim uma feição mais mental que meramente corporal ou cultural, cada vez mais denunciando a fatalidade daquilo que pode ser uma verdadeira realidade virtual. Isso exige de início uma união entre a imagem fora do ser e o ser, sem telas ou intermediários para a transmissão da informação.

Meios tecnológicos avançados farão com que a informação de certa fonte virtual ou artificial façam parte do interior do ser, acessando-o diretamente na mente, não mais através de equipamentos externos, telas ou hologramas. Cada vez mais ainda as percepções extrassensoriais ficarão mais acentuadas, e normais. Isso revela cada vez o quanto o ser humano é maravilhoso, e o seu poder latente, de imagem e semelhança do Grande Programador, para que ele também interaja em programação de sua vida. Assim o humano se torna cada vez mais senhor do seu destino e também

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possibilitando a sua felicidade. Não mais haverá a limitação genética, de beleza, feiura, falta de saúde ou dinheiro, pois a mente produzirá todas essas coisas.

O primeiro motor de tudo é a programação exercida pela mente do Ser. Sem causa, é a causa de tudo, e pela sua semente todas as coisas se desenvolvem. Aparentes causalidades tomam independência a cada pensamento que une a um ato efetivo, superando as carências de meios do passado. Tudo é mental, nada há que não tenha sido pensado. Por isso da perfeição e ordem de muitas coisas, que mesmo no fim ou no aparente caos voltam a sua origem e representam a vontade do Grande Programador. O ser é assim um aprendiz desse trabalho construtivo das coisas, um artesão que cada vez elabora a obra de arte mais perfeita e complexa. O mesmo ser é assim um construtor de si mesmo, daquele nome que ele traduz como parte de um grande nome, impronunciável.

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Isso é a base daquela rede maior, que une todos os seres em um mesmo propósito evolutivo.

A vantagem do ser virtual é que ele pode mudar de forma de acordo com sua vontade, vestir outras personalidades e traduzir diversificadas formas de consciência. De certo modo é como uma novela da vida, ou filme, onde o roteirista e diretor é o próprio ser, mesmo os personagens e atores. Imagine que pode se ser um galã, um herói, um gênio, o que se quiser ser. Não mais há a fatalidade do ser, ele é livre na sua liberdade e feliz na sua felicidade. Somente a escolha será o seu limite. O ser virtual supera toda a antiga ontologia, renova toda a antiga concepção de ideais e aspirações humanas. O ser virtual reflete mais a alma, a porção interna de cada um.

Amor à primeira tela

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O amor virtual vem sendo cada vez mais uma realidade. Com ele, as novas possibilidades, também uma forma de treinar a imaginação. Não se precisa falar que a aparência tem grande poder de conquista nessas relações virtuais e à distância, o que antes era feito de forma bem mais limitada por cartas. Com as webcams e uma internet cada vez mais rápida, as pessoas ficam cada vez mais ligadas e interativas, isso aumenta o diálogo em muito, o que antes era bem limitado entre casais e namorados, haja vista uma maior abertura e redução de preconceitos. Com a maior tolerância do nosso tempo, o amor virtual ou à primeira tela acaba coroando um tempo que se inicia, apesar de se tornar cada vez mais superficial e rápida o relacionamento.

Vê-se que esse amor pode de muitas formas ser maquiado, que as pessoas

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constroem máscaras ainda mais estranhas para si mesmas, e que quando um dia vem o encontro na realidade, tudo desaba, fica mais para o passado de momentos que forma bons, mesmo em tecladas ou imagens. Por outro lado, laços mais interiores e de alma se veem renovados, e as pessoas conhecem mais entes de terem trocas de carinhos e bioenergéticas. O amor parece que se transforma em algo mais virtual que já era, mais com “olhos vendados”, e desejos são trocados já na imagem. A vantagem é que com as novas fomas de manipulação de imagem, se pode não só em fotografias, mas em vídeos se alterar aparência, cabelo, corpo, etc. Isso para o futuro fará com que se possa ter relação com qualquer pessoa, ou com a imagem dessa pessoa, mesmo que seja uma outra que a “vista”. Uma roupa nova deve surgir, que o vestido virtual, de modo que podemos ter cada um o seu “avatar”, na realidade virtual que será o mesmo da real,

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e o amor aproveitará disso, superando todos os fatores antigos de seleção, como a beleza, a sensualidade e qualquer coisa.

Outra desvantagem é a falta de calor humano, o que aos poucos vai sendo substituído por algum artifício, mesmo o cheiro real pode ser emulado. Isso fará com que o apaixonado não se preocupe muito se viveu ou não com a pessoa que queria, mas que “pareceu” que isso aconteceu. Vai importar o aparentar ser, não o ser. Isso já acontece em nossos amores virtuais, onde as pessoas trocam mensagens e formam um vínculo, respeitando umas as outras, ou não (só os próximos e reais o sabem...), e as coisas vão se mantendo. É como já falei em obras anteriores sobre o tema, é que o amor tem a função de fazer com que amemos melhor, e também a nós mesmos, de modo que as relações e casamentos são formas de aperfeiçoar isso tudo, em diversas dimensões paralelas, experiências. Não importa para a natureza uma única forma

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perfeita de relação, mas a satisfação muitas vezes de instintos e mesmo a busca pelo prazer pode ter a sua importância. O amor virtual fará com que se cresça nesse sentimento, mesmo que o real não corresponda ou que nunca exista o encontro real, fato é que o encontro espiritual sempre acontece.

Espiritualmente casados, alguns espíritos farão de seus aprendizados em comum algo tão intenso quanto trocas de afetos físicos. Talvez isso caminho para uma espécie de “autoamor”, ao gosto de um místico chamado Austin Osman Spare, e uma forma de Kia, liberdade absoluta e novas formas de sexualidade. O individualismo cada vez maior faz isso estar sendo crescente, e as pessoas fazem de tudo para terem independência, comprarem coisas, aproveitar seus prazeres, mesmo que solitários. A cultura da imagem já faz isso de longa data, e muitos têm prazeres até intensificados nessa forma de

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autorrelação. Os contatos virtuais seriam uma forma de temperar com possibilidades essas relações. Em dimensões paralelas as relações sempre estão ocorrendo, mesmo as eróticas. Sem corpo ou com, tudo ocorre na mente. Fato é que cada vez mais se inventam remédios e meios tecnológicos para se encontrar o prazer por meios incomuns, e os entretenimentos diversos já fazem isso de forma parcial. O amor virtual revela também alguma insegurança das pessoas e forma uma espécie de terapia, onde revelam seus conflitos, e formam-se relações mais abertas.

Fato é que com a amplitude da rede de computadores, e depois a mente paralela, todos terão seu par ou pares amorosos, mesmo com algumas formas de desvios sexuais e relações complicadas. Isso possibilitará uniões de pessoas muito raras, e tem seu lado positivo. Não mais importará a aparência real, e alguma forma de sensação poderá ser transmitida de forma

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elétrica, estímulos e tudo mais. Carinhos, toques, beijos, tudo isso poderá ser feito à distância. O amor virtual deve crescer muito em complexidade. O que vemos até hoje, resultado de muitas agências de namoro nada mais é que um começo e que usará dessas sugestões de forma muito clara. Contudo com problemas interiores, psicológicos, as pessoas procuram no exterior a solução de seus problemas, seja no real ou virtual, e isso não muda em muito os seus complexos e angústias.

Fato é que as pessoas que não vivem bem na realidade, procuram algo mágico ou virtual para as compensar, e isso será uma “realidade” cada vez mais comum. O amor também funciona como uma espécie de tempero para a vida, porém trazendo consigo uma série de obrigações e responsabilidades, o que não é revelado em sites de relacionamentos ou mesmo livros sobre o tema. Com relação ao virtual isso vem reduzido, e as relações cada vez mais

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descartáveis e rápidas mesmo na realidade fazem cada vez mais ficar em segundo plano vínculos mais profundos e amores mais românticos. Contudo, com a mente paralela se pode voltar no tempo e curtir as dificuldades de conquista, os cortejos especiais e toda a sorte de amor eterno. A crítica da razão cibernética não podia deixar de fora essa “realidade” cada vez mais presente que a o amor a primeira tela, que cada vez vem unindo mais pessoas e até funcionando de uma forma intensa. Apenas revela a rede antes invisível que já existia energeticamente na natureza. Os computadores e a Internet imitaram uma realidade já presente, magnética e bioenergética, mesmo espiritual. Relações são formas mais amplas de diálogo e trocas se fazem semelhantes a algo binário, mesmo a sexualidade parece ser algo binário. A relação entre máquinas e humanos cada vez vem se ampliando, e não está junto longe de isso chegar a intimidade

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e ao afeto. Mesmo com robôs eróticos e coisas que estão por vir, a realidade de amores cada vez mais artificiais vai tornando-se comum, e a tecnologia preenche as dificuldades das pessoas, mesmo afetivas. Hologramas, e mesmo imagens projetadas direto na mente serão possíveis e o futuro desenvolverá uma séria de novas formas de amor, de sexualidade e um verdadeiro “nem isso, nem aquilo”, na esteira de pensamentos de Osman Spare. Com o desenvolvimento mental as coisas ficarão cada vez mais internas no ser humano, o externo sendo apenas secundário. E mesmo se Platão e Sócrates estivessem no Banquete, tal amor poderia ser agora discutido como uma nova forma de amor, diferente de tudo que já houve.

Epistemologia cibernética

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O homem pode apenas conhecer o virtual. As limitações espaço-temporais não existem, pois constituem em uma ilusão produzida pelo seu velho modo de vida, a que chamava de real. As dimensões paralelas e a sua comprovação por atos que não são verificáveis pela ciência, mas que funcionam de alguma forma por fórmulas antigas e seus saberes, fazem que o conhecimento também tome uma nova forma. As próprias incertezas quânticas são as únicas certezas. O indeterminado assim rege o universo, e o conhecimento humano se dedica a apenas aquilo que sua mente deseja conhecer, aquilo que por linguagem e símbolo é acessível ao seu atual estágio de evolução. O raio do caos guia todas as coisas. Conhecer é perceber através de um sentido interior, nada tem a ver com os sentidos ou o corpo.

Para filósofos antigos a realidade verdadeira não era aquela que os sentidos traduzia. Para Kant o que percebemos nos

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objetos é apenas a sua aparência, possuindo nós esquemas mentais, algo a priori. Para Hegel o ideal é real, e o real é ideal. Aqui propomos que o real é virtual, e o virtual é real. Ademais, a única realidade verdadeira é a virtual. Daí de a nossa atual época ser uma busca constante nessa realidade virtual, pelos seus sistemas de extra-dimensão em aparelhos de imagem e som, que primeiro tentam imitar a realidade tridimensional, como sons com múltiplos canais e imagem 3D, mas que por alguma experiência singular podem transcender essa simples imitação. A realidade se tornará toda a priori, um esquema mental projetado e anterior a falsa experiência, ou melhor, aquela não diretamente através de neurônios. Na antiga realidade o sujeito percebe o objeto distorcido, o que ele não é, cores que não reflete, sem certas frequências de ultra e infra vibrações, mas pelo cérebro diretamente tudo pode ser percebido. Não mais será a realidade apenas

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a aparência de seus objetos, mas os objetos serão o que a mente desejar.

A causalidade será apenas aquela que o sujeito desejar. Não mais as regras de contiguidade serão aplicáveis, nem de causa e efeito. Um mundo totalmente novo poderá ser criado pelo sujeito, com objetos com características extras e revelando sua natureza interior. Por exemplo se poderá travar comunicação com animais, será possível sentir o que outra pessoa sente, ver o que vê, ouvir seus pensamentos. Uma flor poderá ser vista assim como outros seres a veem, com suas cores ultravioletas e assim por diante, mapas de magnetismo, redes entre todos os seres, nada será limitado. Novos seres podem ser criados e a possibilidade de interação talvez supere qualquer moral. A regra moral talvez seja a do indivíduo, uma vez\ que vive e interage em mundo particular, sem poder prejudicar o alheio. O conhecimento será pensamento, o pensamento será conhecimento.

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Do mesmo modo como percebemos uma realidade de Computação Gráfica no cinema (CG), saberemos que nossa realidade será produzida conforme o gosto, o conhecimento se tornará virtual, claro que de forma inconsciente. Não saberá o sujeito que se encontra em um mundo virtual, mas viverá nesse ambiente como se fosse sua vida normal, com todas as características da mesma. Porém, uma vida mais feliz está a ele reservada, e o ruim pode ser sua falta de liberdade total. Mas quando teve o homem liberdade total, frente a condicionamentos de ordem social e biológica? Claro que essas necessidades serão satisfeitas muitas vezes de modo muito mais amplo que na antiga realidade. Quando pode alguém com limitações físicas, doenças e certas diferenças conquistar socialmente? E quem não possui beleza? No mundo virtual como única realidade pode-se ser o que quiser, ter corpo bonito, ser inteligente, qualquer coisa, se pode interagir em relacionamentos que

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antes sequer eram imaginados e que geralmente resultavam em rejeição e frustração. O homem será o diretor e produtor do seu próprio filme, o protagonista do seu próprio filme, que será a sua vida. A escolha entre o sucesso e o fracasso dependem unicamente do homem.

Contudo conhecer o divino e a alma podem ser uma realidade nesse mundo virtual. Não mais a limitação restrita a dons como mediunidade ou profecia, ou outro qualquer, estará presente. Pela sua maior vida interior o ser humano conhecerá sim a alma, como nunca antes imaginou na história. O divino talvez faça parte mundo daquilo que é mesmo o sujeito, guardando em sua “imagem” essa característica, sendo para um negro um Deus negro, para um branco um da sua raça, para um oriental a sua, para um crente em ufologia um extraterrestre e assim por diante. O conhecimento superará a crença. Talvez a crença leve ao conhecimento, que será por

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fim a única forma de busca. Com as coisas se refletindo na realidade como em um quadro que antes era vazio, fará com que o sujeito conheça por fim a si mesmo. O mundo será o espelho do ser, e toda a sua ruína pode advir de não estar em equilíbrio consigo mesmo. Também um Deus pode tomar uma feição ruim na medida que esse sujeito projeta esse na sua realidade e busca, conhecendo por fim a materialização da sua aspiração. Potencialidade será íntima do ato. O fazer será o mesmo que o desejar, e não haverá outra lei a não ser o desejo. O indivíduo é tudo, e tudo está potencialmente nele, agora na sua realidade.

O ser humano possui assim tudo em sua realidade virtual, é pleno de sentido em sua existência. Não mais é o nada, o ser agora é tudo. O virtual é a única coisa que se pode conhecer, se é que se pode chamar de coisa. A mente se torna todo o hardware e a vida é viver conectado em si mesmo, sem nunca estar offline. A limitação será

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apenas a da capacidade intelectual. Uma vez que se conheça a si mesmo, se poderá conhecer todas as coisas, e dominá-las. Há no indivíduo o rei e o governo, e nada mais o poderá corromper com tirania. O limite do conhecimento não mais será algo relativo a ciência ou tecnologia, mas ao pensamento unicamente.

Lixo eletrônico, ouro e filosofia

Certas empresas moem placas de computador para enviar ao exterior, onde com processo especial se consegue extrair ouro. Isso ocorre porque na composição mesmo das placas há esse elemento, contudo de difícil abstração. De forma semelhante é com as boas ideias, que parecendo de início lixo um dia são aproveitadas, extraindo-se delas o ouro. Lembra isso ainda a alquimia antiga, onde

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por um processo demorado e trabalhoso se produzia ouro através de materiais bem simples, alguns até considerados lixo. Entre outros equipamentos eletrônicos que são descartados, vemos que grande parte não mais têm utilidade, e que apenas resta a colecionadores a sua apreciação. A filosofia também tem sua moda, como a tecnologia, e logo após é descartada.

Já vimos passar a moda do positivismo, do marxismo, do iluminismo, do existencialismo, etc, este último ainda resistindo. Com a tecnologia foi semelhante, uma vez que vendo revistas antigas e propagandas, nos assuntamos com o tamanho de celulares em comparação aos que utilizamos atualmente. Os chamados “tijolões” fizeram a sua época, por não terem baterias duráveis, por não funcionarem e ainda por serem apenas telefones, o que distingue dos atuais, que são minicomputadores. É fato notório que muitos dos aparelhos são trocados pelos

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consumidores e que os antigos são descartados, isso ocorrendo de forma cada vez mais rápida, como uma vez ao ano. Imaginemos 50 milhões de pessoas descartando seus celulares a cada ano, será um caos. Isso imita o pensamento e a moral, que a cada tempo são descartados, e os contemporâneos achando que vivem no melhor dos mundos possível, quando na verdade vivem em um pensamento transitório, em uma moral transitória. Assim podemos pensar na moral cristã que noutro tempo foi de grande humildade e desapego, hoje é da prosperidade, com a bênção financeira sendo uma das mais procuradas e reveladas como testemunho.

Um filosofia também tenta superar a outra, ou mesmo o desenvolvimento da ciência acaba por superar certo paradigma. O modelo de Copérnico foi até referencial a Kant, assim como Newton influiu esse pensador. Nietzsche foi influenciado por Shopenhauer e tenta por vezes o criticar.

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Aristóteles vai de encontro a Platão, seu mestre. As tecnologia também superam umas as outras, e o mais simples é a redução do tamanho dos aparelhos e a maior velocidade de seu funcionamento. Claro que a acessibilidade de tecnologias também vem ocorrendo com a redução de preços, com a concorrência chinesa e o baixo valor do dólar, o que facilita a importação. Mas sempre resta o modelo original, que mesmo tendo um tamanho superior e talvez outra placa interna, ainda continua a funcionar com certo paradigma semelhante. Com relação a rádio, os antigos funcionavam com válvulas. Muitos audiófilos dizem que estes têm som mais aveludado, mas pela troca constante e preço elevado dos componentes, fica enviável utilizar esse sistema. Claro que o tamanho das válvulas é maior do que o sistema mais moderno. Acaba por se descartar no lixo algo que tem grande valor, o que não é de nada atraente economicamente. A filosofia também perde

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o seu valor, por qualquer motivo, mas mais por ideais que na sociedade se transformam, e mesmo pelo mundo acadêmico buscar alguma novidade após certo tempo.

A TV também mostrava seus sistemas de tubos, de preta e branca até colorida, e, que foram aos poucos trocados pelos de LCD e LED, mas que logo serão superados por algum outro. O sistema de tudo para muitos ainda teria uma imagem melhor, apesar de cansar a vista, ter mais radiação. Na filosofia também, quando vemos um paradigma social, tipo o absolutismo, logo veio o iluminismo superar e defender uma visão contrária. É uma dialética que se enquadra tanto na filosofia quanto na tecnologia. A razão cibernética vem para coroar esse sistema, em uma quase estatização de algo superior, uma vez que reflete diretamente a mente, não objetos externos ao sujeito. Isso fará com que os próprios esquemas mentais sejam as tecnologia a serem renovadas. No caso das TV's logo veremos talvez

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holográficas, algo que talvez ainda entre dentro do sujeito, não externo ao mesmo. Com relação a filosofia, a nossa Crítica pode contribuir a esse novo paradigma, uma vez que antes de determinada sociedade e modelo, parece que sua utopia foi de algum modo idealizada. Isso percebemos na “República” de Platão, bem como na “Nova Atlântida”, na “Cidade do Sol” e na “Utopia”, de Francis Bacon, Companela e Morus. Antes uma sociedade livre, justa, solidária e democrática, agora para uma sociedade virtual. Superados os limites exteriores, buscaremos assim os interiores, em uma nova criação, agora não tão material, mas mais sutil. O lixo será então os antigos conceitos, antigas ideias que revestiam certas filosofia, que podem até serem “recicladas”, mas que de algum modo precisam antes ser descartadas. O ouro restará assim com certeza encontrado, o valor do ser humano, seu tesouro interno e segredo da felicidade, verdadeiro ouro que

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não pode ser furtado, nem se corrompe com o clima e o tempo.

Essa é a alquimia de nosso tempo, do momento da informação, era cibernética. Do lixo ao ouro, do chumbo ao metal precioso, da velhice a fonte da juventude. O que antes parecia velho e não atraente serve para as novas gerações, os pensamentos e filosofias são renovadas e recicladas, e tudo resta em ouro de perfeição. O antes era descartado por ser grande demais, por não funcionar, por ser lento, por não mais satisfazer noas tarefas de escritório, agora serve de modelo a um novo mundo, ao mundo verdade, que é o virtual. Isso evolui ao que chamei de mente paralela, que substitui a antiga forma de se relacionar com o mundo, agora sendo interno e não mais através dos sentidos corporais. Fato é que o ser humano é o ouro, isso constitui um verdadeiro humanismo, e nunca mais será descartado ou tornado lixo. O ouro que achamos em placas descartadas de computadores é na verdade uma

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representação de nosso ouro interno, de nossa mente.

Tecnologia, games e metafísica

Na minha pré-adolescência eu era viciado em games. De certo modo isso refletiu a obra que estaria por vir em minha vida, superando a mera brincadeira. Um filósofo joga com ideias e sempre sai vitorioso para si mesmo. Mas lembro de várias plataformas de jogos eletrônicos a que conheci, e sua evolução tecnológica de certa forma acompanhou a própria evolução de computadores e até antecipou as tecnologias, sendo o game a Fórmula 1 da tecnologia, em minha opinião. Quanto a posse dessa tecnologia, em grande parte não é apenas dos EUA, mas também se divide entre Japão, que muitas vezes criava os títulos mais criativos e originais, sendo

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que determinado jogo ou plataforma lá em seu lançamento provoca alvoroço e filas para sua aquisição ou consumo. Enquanto o cinema norteamericano é uma identidade cultural naquela país, os games o são no Japão, acompanhando as crianças em seu próprio desenvolvimento. Também a Europa produz alguns títulos famosos, tendo “Tomb Raider” sucesso tanto no cinema quanto no mundo virtual. Mas vou falar de metafísica nos games, uma vez que essa obra é de filosofia, e usarei a opinião de meu colega Minikovsky, que lançou a origem dessa obra, onde a metafísica é algo Euclidiano e onde o ponto ganha certa importância. Nos games ocorreu o mesmo, refleti ao jogar esses dias.

Para Euclides o ponto não existe, e alguns autores relacionaram isso a mônada de Demócrito, mas há de certa forma uma distinção. O ponto participa de superfícies, polígonos e por consequência de toda a realidade. Quando lembramos do desenvolvimento dos video-games, sabemos

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que a sua origem se deu em um ponto que se movimentava de um lado para outro da tela, semelhante a um ping-pong. Isso ainda dentro de um mundo de 2 dimensões, não tendo também algum som maior do que algum efeito muito primário, ou mesmo sem som. Vemos que o ponto que é de certo modo alguma Unidade, parte e união de todas as coisas, reflete algo Divino, e também participa de um Motor Imóvel, que seria a própria plataforma, seu programa e movimento. Vida é movimento, e por isso alguns japoneses atribuem alma a coisas como os robôs, o que nos faz pensar em novos paradigmas em nosso mundo tecnológico. O ponto não existe, logo nada existe na realidade. Mas o mundo virtual, e aqui no caso os games, reproduz e imita essa nossa realidade que inconscientemente nos mostra o que somos e onde estamos, e talvez até o que somos, um reflexo em perfeita identidade com essa Unidade, com

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esse ponto, que tem sim certa alma. Talvez o poto metafísico seja a própria alma.

Com certa evolução dos games, especialmente nas plataformas de 8 bit e 16 bit, percebemos que além desse mundo em duas dimensões, há certo acréscimo de desenhos e de sugestões que nos levam a terceira dimensão, tendo assim muitos desenhos e ainda até jogos com visão ¾ e mesmo em primeira pessoa, apesar da limitação de seus gráficos com figuras ainda pequenas que se movimentam na tela. Tais eram em 8 bit o Nintendo e o Master System (um da empresa de mesmo nome e outro da japonesa SEGA) em 16 bit o Mega Drive da SEGA e o Super Nintendo, eu possuía um da SEGA de 16 bit, e mesmo antes tinha um ATARI, que é conhecido de todos, pela sua simplicidade e eficiência. Lembro com muito afeto que possuía um jogo em que participou brasileiro Ayrton Senna, nosso herói de automobilismo na F1, e se chamava Super Mônaco GP II, de fabricação japonesa

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e que teve apoio e sugestões do piloto, apesar da limitação em duas dimensões. Havia já lá o campeonato e certa dificuldade, apesar de não haver modo de salvar o jogo, mas uma representação da F1 já era bem feita. Também já no ATARI os games simulavam alguns desenhos, de forma muito distorcida e com pouca resolução, mas que fazia a mente do jogador reproduzir a imagem toda. Nos 8 bit isso se ampliou, mas já com sons mais elaborados e algumas músicas quase decifráveis em suas “chip musics”, com poucos canais de som, mas que hoje ainda coleciona alguns fãs na Internet desse tipo de música. Há ainda hoje compositores dessas músicas. Fato é que do ponto se desenvolveu para as superfícies e assim desenhos, onde alguma simulação de ralidade estava traçada, e refletindo a própria formação do mundo, e mesmo numa metafísica.

Mas os polígonos estavam por vir, e a terceira dimensão (3D), assim com as

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plataformas de 32 bit, em especial o 3DO da Panasonic e alguns anos depois com o SEGA Saturno e ainda o famoso Playstation, da SONY, que até hoje é de certa forma uma mania. Engraçado que a propaganda para esses consoles não mostra crianças jogando, mas jovens, e que a sugestão é para a felicidade, para um entretenimento onde há a interação. Essa talvez seja a vantagem em relação ao cinema, onde em filmes apenas se fica passivo, enquanto nos jogos você comanda as coisas. Também vi um programa chamado True Life na TV onde jovens eram viciados em games, tinha compulsão mesmo, e mesmo morando junto a namoradas, ou ainda uma moça viciada em games, provocando isso ainda brigas e limitações sociais, apesar da vida caseira a que proporcionava. Mas os 32 bit lançaram os gráficos poligonais, de início um tanto quanto simples, como no Saturno, mas que ganharam a moda e até hoje são utilizados, com mais polígonos. Assim víamos jogos

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com muita realidade, como o suspense Resident Evil, que hoje também está convertido em cinema, e mesmo outro jogo chamado Silent Hill, esse cujo suspense é maior em jogo que no filme. Esses jogos japoneses nos parecem obedecer uma outra lógica, onde herói pode ser vilão e seres estranhos existirem, como dragões e outros. Fato é que a imagem ganha cada vez mais realidade e que os númenos são traduzidos de seu mundo real e metafísico, ou melhor, virtual, para o mundo ilusório e material, corruptível. Assim os gráficos que começaram em duas dimensões e um simples ponto na tela, se transformaram em imagens complexas e em três dimensões.

Também a tecnologia é sempre antecipada em video-games. Víamos o CD sendo utilizado antigamente em um console chamado Sega CD, o som dolby e emulando o 3D e animação 3D utilizados no 3DO, o DVD utilizado no Playstation 2, o Blue-Ray Disc utilizado no Paystation 3 e assim por

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diante. Mesmo óculos 3D, interatividades com controles especiais e uma série de simuladores foram já antes inventados. Mesmo os games de vídeo interativo dos antigos Sega CD e 3DO foram grande progresso a adentrar na realidade virtual, sem a distinção de polígonos, desenhos ou qualquer criação artificial. Se pensarmos nos processadores dos consoles, falamos em 8, 16 e 32 bit, mas hoje os consoles possuem 360 bit, o que nos faz pensar em nossos computadores de ainda 64 bit. Só recentemente vemos blue ray em PCs e outras tecnologias sempre serão antecipadas em consoles, como no atual XBOX 360, onde não é mais necessário controles e o corpo se torna o joistick.

Provavelmente o primeiro passo a razão pura cibernética se dê pela evolução de games, e a realidade do mundo paralelo, sem necessidade mais de se ter sentidos físicos, em alguma conexão mental direta se dê também em origem nesses meios de

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entretenimento. Para a tecnologia tudo depende de investimento, e como os novos dispositivos acabam surgindo nesse mercado de games, que hoje movimenta mais que o cinema, fica claro que não pode surgir em outro campo. Hoje temos simuladores de navio, avião e outros em realidades praticamente provenientes de jogos eletrônicos, e isso economiza muito contra possíveis acidentes e falhas, pois no mundo virtual se pode errar e repetir. Também com a ausência dos limitadores controles, agora o corpo já pode ser o modo de jogar por movimentos. Futuramente a mente diretamente fará tudo, e isso provocará tamanha revolução que o homem será já um outro ser, diverso de tudo que já foi na história. O ruim disso é a dependência tecnológica e a compulsão, que usa da tecnologia como algum entorpecente ou droga. O prazer contido no cérebro de crianças em games provoca isso em grande escala social, e não sabemos ainda dos

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efeitos colaterais de excesso nesse sentido. Sabemos de afastamento social, violência e dependência, que afastam crianças de estudos e de vantagens que teriam se não estivessem jogando. Mas cabe aos pais selecionar jogos e ter regras de horários, bem como a adultos mesmo se policiarem até onde o mundo virtual está em suas vidas, se colabora ou não com as mesmas. Mas games são a locomotiva da tecnologia.

Compulsões tecnológicas e obesidade

Do mesmo modo que vemos muitas dependências na conduta do ser humano, aquela relacionada a instrumentos tecnológicos e mesmo resultando em sua sedentariedade, faz com que tenhamos uma preocupação ainda maior. Semelhante a dependência por drogas ou por bebida alcoólica, fato é que a Internet e mesmo

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jogos eletrônicos já vem fazendo suas vítimas desde tenra infância. Isso revela um campo próprio para estudos e discussões multidisciplinares, em especial da psicanálise, psiquiatria e mesmo biologia, e mesmo as ciências da mente, ou neurociências. O mecanismo de prazer envolto a toda a essa dinâmica deve nos levar a questionar até onde uma vida de excesso de facilidades, como o controle remoto, as compras pela internet, falta de uma atividade física e uma série de manias não nos vai destruir ou acabar levando ao hospital ou a terapias.

Talvez a primeira das consequências seja a própria obesidade, que vem ganhando cada vez mais possuidores, já passando a metade da população. A mais prejudicada com esse fator talvez seja a infância, a fase de desenvolvimento psicoexistencial de cada ser humano, fazendo com que as potencialidades do ser se vejam bloqueadas, seu desenvolvimento

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afetivo e mesmo social. Falsos “eus” serão assim fabricados nessa dinâmica e a máscara persona terá mais força do que nunca, onde ninguém saberá se do outro lado de alguma rede há mesmo uma pessoa ou um robô fabricado por manipulações e modas, ou uma pessoa que finge não ser o que é. Pode ocorrer de um obeso ou alguém que tenha não boa autoestima fabrique outra pessoa, use fotos ou mesmo vídeos para ser melhor recebida, para ser compartilhada em desejos e aspirações. A tecnologia fará um mundo tão ilusório com os progressos que está por vir que não saberemos se somos obesos ou não, que a vida interna a mental será a dependência química mais usual.

O prazer em comer é acessível a todos, e isso faz com que a compulsão por comida seja uma das mais frequente. Isso resulta em energia não consumida, tendo em vista a contribuição da vida sedentária, e esse exagero ainda ocorrerá pela

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impessoalidade a que estamos abraçando, com nossos mundos virtuais e falta de um simples abraço ou conversar olhando olho a olho. Tal mecanismo psicológico ou mesmo neurológico nos leva a crer que o ser humano tem instintos muito poderosos de sobrevivência que estão aos poucos sendo desregulados, ou desviados para campos que não são os usuais. Para movimentar-se uma criança de duas décadas atrás andava de bicicleta, jogava futebol, ou qualquer jogo que movesse o corpo e exigisse um movimento de seus membros. Hoje no máximo ela tem um joistick que faça algum movimento repetitivo, gerando assim dores e problemas motores, tendinite e assim por diante, uma Lesão por Esforço Repetitivo longe do campo do trabalho. Agora nosso males não vêm mais da indústria, mas da tecnologia. A obesidade norteamericana já vem acusando certos computadores de mão e pequenos “brinquedos” que de tempo em tempo vem sendo mania de consumo.

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Em Roma, no ano de 2000 um homem foi hospitalizado por navegar na Internet 3 dias e 3 noites. Na Suíça existiam 3% de viciados em Internet, hoje sendo um número ainda superior. Imaginemos uma grande parcela da população mundial, o quando significa 3%! Tudo está a mão. Antes saíamos, íamos a uma loja comprar algo, hoje o correio trás o que desejamos. Nossas relações também eram mais táteis, hoje multiplicando-se os relacionamentos e mesmo namoros virtuais. Não é necessário exercício em academia de ginástica para ser saudável, bastando alguns movimentos, 30 minutos de caminhada e mesmo serviço doméstico consome muitas calorias. Hoje para as pessoas o estresse do trabalho e estudo consomem tanto tempo que as atividades ficaram terceirizadas, e a obesidade tem grande campo para se manifestar. O prazer é a questão central, e também o desvio, pois a atividade física, o cuidado com o corpo e a saúde também

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dariam prazer, mas exige mais trabalho. O acesso a guloseimas é muito mais fácil. É de se imaginar o que um homem primitivo, pré-histórico deveria fazer para conseguir seu alimento, como o ato de caçar já gastaria a caloria que este conseguiria com a carne do animal. Mas igualmente seria dificultoso colher algum fruto, talvez exigiria perícia em subir alguma grande árvore e assim algum gasto energético. O homem pós-moderno porém acha tudo a sua mão e as facilidades estão o deixando atrofiado em suas capacidades, tanto físicas quanto intelectuais. A tecnologia está também desumanizando o homem.

O prazer está na mente. O corpo é também um instrumento de prazer, mas cada vez mais esse meio está sendo substituído por uma série de objetos, ocupações ou mesmo pelas facilidades de se evitar vínculos e responsabilidades, como em um relacionamento. Penso que se Freud estivesse vivo ele veria em nossa atual

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realidade um grande campo de neuróticos, e mesmo de pessoas que sublimam a sua libido em uma série de tecnologias, e mesmo essas tecnologia seriam progressões dessa potencialidade libidinosa. A cultura da imagem, através da TV e agora da Internet semeia uma sensualidade de massa, logo isso deve cada vez mais estar presente nos alimentos industrializados, fatores de muitos problemas. Novamente a cultura norteamericana é exemplo negativo, com seus fast-foods e TV a cabo, cinema, jogos eletrônicos outros entretenimentos massificantes. Lembro de uma amiga ser esposa de um médico e esta em sua casa não ter hábito de comer comida industrializada, o que me serviu de lição. Contudo devido a pressa da vida moderna, seus mil e um objetivos financeiros e ocupações de entretenimento, afasta uma vida onde se tenha tempo sequer para descascas uma fruta ou cozinhar algum alimento natural, mesmo o feijão. Aqui no

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Brasil ainda temos uma vida mais saudável, mas aos poucos vamos perdendo isso e imitando a potência do mundo. Mas o excesso de poder se manifestou na linguagem corporal. Cristina Cairo fala de linguagem corporal onde o excesso de gordura é certo ódio que se projeta no corpo simboliza “um casulo no qual a pessoa se esconde dos medos, aborrecimentos, perdas, raivas, mágoas e inseguranças”. Essa linguagem do corpo em grande parte revela o desespero da própria natureza que deseja a cura e a saúde, ou melhor, a harmonia existencial.

Também a obesidade é muito uma consequência de uma ruptura na fase de desenvolvimento, mais especificamente na fase oral do mesmo. Feito um desmame inadequado ou mesmo evitada qualquer amamentação acaba por resultar em uma ausência que de forma inconsciente acaba por buscar

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compensação. O excesso e mesmo os doces e frituras podem talvez ser esse encontro compensatório. Talvez isso tenha se dado por recomendação de alguns médicos a se evitar amamentação, por desculpa de leite “gordo” ou mesmo por falsamente dizer que desfiguraria o seio da mulher, e mesmo por ganharem comissão de certa empresa de leite em pó e “papinhas” artificias. De forma semelhante, hoje temos uma geração de gordos por causa de se evitar a gordura na fase que talvez fosse natural, e mesmo os alimentos industrializados e “papinhas” para adultos, sorvetes, chocolates e toda a sorte de coisas algumas boas e outras desnecessárias. Certo autor falou que os alimentos torrados ajudam na digestão, e que isso faria com que a mastigação elaborasse melhor o bolo alimentar, com

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mais saliva junto ao mesmo. Hoje até para mastigar o ser humano está desmotivado. Daí de tanta indigestão. Isso faz com que seja mal aproveitado em sua essência o alimento e o seja bem na gordura, açucares e mesmo toxinas. Também outras fases de desenvolvimento do ser humano como a anal, fálica e mesmo sexual quando não vivenciadas de forma saudável podem colaborar a essa busca pelo prazer oral do adulto já “desenvolvido”. Para se defecar a criança precisa comer, e não o fazendo e desejando, talvez tenha ficado com essa ausência inconsciente que um dia busca satisfação por um meio indireto. O mesmo se pode dizer da fase fálica e mesmo da sexual, onde alguma disfunção pode pedir compensação. O próprio alcoolismo tem como fator o afastamento, muitas vezes, da vida

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sexual com a esposa, ou esposo. Já a dependência por Internet e games afastam ainda da convivência social, o que é claro fator para não contribuir com a fase sexual do desenvolvimento.

O prazer no cérebro em caso de compulsão se dá muito por neurotransmissores como a Dopamina, Endorfina e a Serotonina. Nesse contexto, se deve lidar com uma tripla abordagem para compreender esse mecanismo neuronal, assim o contexto, o produto e a personalidade do compulsivo. Semelhante ao caso da droga, o dependente procura sempre a novidade, o que é mais doce ou saboroso. A dependência por jogo (ludopatia) é em comparação a obesidade uma forma de jogar existencialmente. Idem a tecnologia com sues jogos eletrônicos. Isso segundo

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alguns autores se deve a alguma ruptura no ambiente familiar, ou conflito no mesmo. A alimentação desenfreada parece que do mesmo modo quer dizer algo, compensar algo que não possui, um certo objeto de desejo ou motivo existencial. Quem joga procura a sensação de escolher o destino, de dominar de certa forma o mundo, de modo mágico ou mesmo divertido. Quem não tem algo procura outro algo que o substitua. Sartre dizia que somos condenados a ser livres, e talvez seja uma forma de liberdade comer quanto quiser e o que quiser. Mas essa mesma “liberdade” condena o ser a ficar dependente e ter de sustentar uma ponte mental como foco de prazer, e isso pelo hábito ganha muita força, sendo difícil a ruptura. Muitos procuram religiões para se afastar de dependência,

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seja qualquer que seja, mas o acompanhamento de multidisciplinas é essencial, principalmente o psicólogo e o psiquiatra, isso sem falar na nutricionista e no profissional de educação física.

O gênio também pode ser obeso, o provam o filósofo Tomás de Aquino, expoente da escolástica, que tinha de ter uma abertura em sua mesa para caber o abdome, e Pontes de Miranda, o nosso grande jurista. Assim os temperamentos também nos veem à tona, não apenas para vermos quem foram os gênios “gordinhos”, mas para entendermos que a natureza mesma tem por genética esse produto. Hoje o intelectual acabará trabalhando em frente a um computador. Isso preocupa uma vez que é um convite para a vida sedentária e mesmo aproxima a obesidade ou falta de saúde. Voltando

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aos temperamentos, é natural que exista o fleumático, isso eu já falei em minha obra Reflexões Gerais, o que não é natural talvez seja que todos os outros temperamentos se convertam em fleumático. Pode porém ter um sanguíneo que gaste energia, evidenciando uma outra forma de viver a mesma natureza. Mas a tipologia humana convida a que tenhamos tolerância com a diversidade, e que convivamos felizes com todas as pessoas, aceitando e introduzindo o gordo a nossa vida social. A alegria do fleumático pode conquistar a todos e afastar um pouco a tecnologia facilita a melhora. Gastar mais energias em jogos físicos pode ser uma opção aos jogos eletrônicos e mesmo a Internet. Filósofos tem de pensar em alternativas sociais menos danosas e denunciar toda

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essa convivência danosa que a tecnologia acaba por resultar. A obesidade é uma dessas resultante de compulsões cada vez mais frequentes por tecnologia e alimentos, mesmo que há um excesso de energia não gasta. Logo vamos ter um índice de mortalidade precoce que fará repensar como vivemos e o que comemos, e as compulsões lotarão os médicos e psicólogos, o que fará o Estado combater consumo de certas substâncias, a exemplo do que já fez com o tabagismo no passado. O ser humano, qualquer um, pode ter problemas com compulsão, TOC e outros, mas precisa ser informado e se tratar, uma vez que isso o humaniza. Doutro modo a infelicidade e apenas a morte será esperada, com virtualidades e ilusões que afastam a vida saudável e o equilíbrio. Deve se satisfazer, mas

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entender que a não satisfação também é necessária, para que por fim haja uma compensação. Hábitos saudáveis devem substituir os ruis, e a felicidade virá por fim prosperar.

Esquizofrenia como efeito de programação de computadores

Conheço dois casos reais de homens que após trabalho de programadores de computador acabaram por desenvolver a esquizofrenia. Um destes é cliente de meu escritório, representado por sua mãe, uma senhora já de idade. Não sei se há alguma pesquisa sobre o efeito da exposição demasiada a produtos eletrônicos pelo corpo e mesmo a mente que pensa muito nessas abstrações. É de relevância com o aumento do número de casos que problemas mentais como a esquizofrenia seja descoberta em

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sua origem cibernética, além das origens genéticas e outras que estão a ela relacionadas.

A esquizofrenia é um parcelamento da personalidade, e muitas vezes vem com sintomas como se ouvir vozes ou ter visões de coisas que não existem. O tratamento em casos tem resultado positivo e em outros nem tanto, e geralmente pelo psiquiatra, logo medicamentoso. Alguns falam de a doença estar já presente de forma dormente no sujeito e esta se desenvolver geralmente após a adolescência, ou mesmo em juventude, e algumas vezes por algum fato traumático. Meu cliente a desenvolveu em uma enchente, uma vez que aqui no sul do Brasil são constantes essas calamidades. Assim a doença parece mais de origem biológica, havendo relatos populares que confessam que na família do esquizofrênico há sempre alguém que não “bate bem”, ou várias pessoas. Uma das consequências da patologia é uma ausência e dificuldade em

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relacionamentos e redução da emotividade, que é comprovada por testes onde os pacientes veem imagens numa tela, com temas emocionantes e não esboçam qualquer reação emotiva. Mas há diversas variações e há quem viva normalmente e seja diagnosticado como esquizofrênico, o que nos faz ter cautela ao julgar.

Fato é que aqui proponho uma tese de que os produtos eletrônicos e mais ainda o ofício da programação de computadores afeta em muito para que o sujeito desenvolva a esquizofrenia. Assim como há os pacientes que citei, devem haver muito pelo mundo e cabe a um sociólogo e a pesquisas mesmo comprovarem o que estou por hora defendendo apenas em hipótese. Contudo, como estudante de ocultismo de alguns anos, vejo que o problemas diagnosticado como esquizofrenia parece uma herança daquelas que tiveram sempre contato com o mundo invisível, como os xamãs, profetas e pajés, ou mesmo hoje o

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que se chama de médiuns. E mesmo o controle daquilo que se possui pode afetar de forma que ninguém perceba qualquer mal, e mesmo isso ão passe de uma espécie de sonho em estado de vigília. As ciências da mente já sabem muito de quais áreas do cérebro são afetadas pelo mal, e geralmente são as relacionadas a audição, e daí do fato de se ouvir vozes. Mas desde que não prejudique o convívio social, um pouco de loucura faz parte da rotina humana. Isso já revelou Erasmo de Rotterdam em sua obra “Elogio da loucura”, e percebo cada vez mais que uma sociedade onde se substitui o real pelo virtual já pode ser julgada possuidora de muita insanidade. Antigamente isso era feito com circos, teatros, cultos estranhos em religiões e assim por diante, e sempre foi tolerada certa fuga da realidade. Há mesmo uma pequena catarse em certa fuga da realidade, sendo necessária.

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Imagino um futuro onde as pessoas vivem 24 horas por dia grudadas em computadores e no que isso resultará. Certamente os casos de esquizofrenia terão um aumento. Voltamos assim a termos de resgatar as relações sociais e reais contra as virtuais. Conversar com as pessoas, abraçar, olhar nos olhos, ter interações físicas e tudo mais, se faz bem necessário. Essa é a natureza humana em milhões de anos. Não seria agora que o homem iria mudar, por si mesmo, e essa alteração acaba por geras as sequelas que vemos pela sociedade. TOC, síndrome do pânico, timidez, depressão e muitos outros males estão sendo ampliados na sociedade em que vivemos. E isso se dá em grande parte pelo avanço da tecnologia e por prejuízo de relações sociais como um simples conversar. O isolamento vem se tornando regra, e isso não gera grande coisa. Os relacionamentos vêm sendo relativizados e tornados descartáveis, como já falei em meus livros “Mistérios Ocultos do

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Amor” e “Reflexões sobre o amor”, revelando essa mudança de paradigma na sociedade pós-moderna. As pessoas não criam mais vínculos, e assim tem relações não satisfatórias, fechando-se em suas complexidades interiores e desenvolvendo um labirinto em seus egos, já muito insatisfeitos pela vida hedonista que não preenche seu ser. Falta a inteligência emocional, apesar de as pessoas colecionarem diplomas e méritos acadêmicos, passarem em concursos públicos e colecionarem bugigangas. A existência com a tecnologia e o individualismo perdeu muito do tempero. Primeiro que relações virtuais não têm calor humano. Não tem energia, é algo sem vida. E nascer em quem trabalha com a criação desse mundo uma esquizofrenia é um modo de a natureza falar que algo não vai bem. A personalidade se particiona e vira uma séria de personagens e suas máscaras, suas personas sem realidade, sombras virtuais

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sem calor, sem cheiro, sem corrente sanguínea, sem beijo ou abraço.

Pelo próprio hábito no mundo virtual somos muitas vezes mais de uma pessoa, exercitamos mais máscaras do que o faríamos na realidade. Tal dinâmica pode pela repetição auxiliar com que a mente não mais saiba se estamos fingindo ou se somos assim mesmo. Esse é o perigo, de perder o controle e deixar a inconsciência tomar conta, não sendo mais o que se é, nem mesmo o ego. Pode-se cair em um eu superior, em um self, mas isso seria bem raro. O que vai ocorrer é de o ser se anular por um ideal de agora uma massa virtual e desenvolver toda a sorte de neurose, uns desvios leves em si mesmo, não mais sendo pessoa, mas um robô que é fabricado por um mundo pós-moderno e que pode ser deletado, sem valor e dignidade, quase sem vida. Torna-se por fim esquizofrênico para gritar em seu organismo que deseja um mundo mais humano, que deseja emoção e

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que robôs podem ser fabricados com metal, não com material vivo e sensível.

Ética cibernética

Não entraremos na regra de Asimov. Antes temos de avaliar até onde nossos robôs e tecnologias têm sua independência e consciência, e até onde possuem dor e compreensão do que é ser humano, uma ética própria para eles seria antes o mais necessário, mas quais serias as colunas de valores desses entes cibernéticos? A medida que tem autonomia da vontade, já podemos falar que são responsáveis. Isso aprendemos em matéria de ciências jurídicas e que o ser é responsável a medida que tem capacidade, o que civilmente ocorre nas pessoas com 18 anos e que criminalmente (por ato infracional) com 12 anos, com tratamentos especiais aos seus desvios de

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conduta e desrespeito a leis. Outra questão é que existem regras entre robôs e tecnologias e entre estas e os seres humanos, o que pode ser bem diverso. E qual é o discurso dos robôs?

Não matar ou não danificar? Não roubar ou não copiar? Invadir o domicílio ou invadir o sistema? E assim por diante, as coisas vão aos poucos mudando e a norma legal tem de se adaptar cada vez mais rapidamente, uma vez que o mundo exige novos padrões éticos adaptados com as tecnologias. Não mudam o caráter e a moral do homem, uma vez que as virtudes são em maioria as mesmas. O que muda é apenas o mundo onde esse homem trafega, e os seres com quais tem interação. Antes talvez fosse a natureza e os animais, mas agora seriam os robôs. Vemos que o que eu falei sobre uma realidade paralela em um mundo virtual que substitui o real é ainda mais complexo em sua ética e que a causalidade nesse talvez seja bem mais relativizada,

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haja vista tudo ocorrer dentro da própria mente do sujeito. Não mais teremos em pouco tempo todas aquelas regras e proibições, uma vez que a tolerância mesma parece cada vez mais ampla.

Vivemos em um tempo de entretenimento e consumismo, e o capitalismo parece ser um imperador eterno. Logo as pessoas nessa lógica hedonista buscarão cada vez mais satisfazer próprios desejos e isso ampliará a manifestação do mecanismo da libido. Foi como falei em outra parte, as limitações serão bem poucas e fantasias não mais serão apenas fantasias. A satisfação estará mais a mão, e a frustração estará quase que de lado. Mas a lei da compensação sempre fará restar um pouco de tristeza para equilibrar excesso de alegria, e a natureza parece funcionar em um equilíbrio. Por isso temos a dor para nos avisar de algo errado e isso foi em grande parte semeando um padrão ético, que se serve para os humanos,

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não poderíamos afirmar que serviria para a inteligência artificial.

Ainda vejo na lei áurea uma grande chave. Não fazer ao outro aquilo que não desejamos que seja feito a nós, ou fazer o que desejamos. Para a inteligência artificial isso parece um pouco mais complicado, porém cabe a mesma regra. Talvez não nos refiramos a vida, mas esta tem sua energia, sua manutenção e programa. Também a proibição de interferência na vida humana terá de em certos níveis ser colocada, uma vez que o ser humano vale mais que o robô ou o computador. Na medida que estes entes também gozam de liberdade, se faz mister que tenha-se com os mesmos a cautela de manter seu funcionamento, a medida que tem importância para os seres humanos. É como o robô do filme IA – Inteligência Artificial, onde menino robô desenvolve sentimentos e serve como um filho adotado, ressurgindo em futuro e descobrindo seu paradeiro, ou toda a gama

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de sadismo humano para destruir suas criações artificiais. Até onde já não destruímos a natureza e a nós mesmos? O que nos garante que ao fabricar essas máquinas inteligente e autossuficientes após 2030 não nos pode levar a nossa própria destruição? Nada garante o ser humano, a não ser alguma consciência superior, logo divina. Para tanto a ética não apenas tem origem na dor e no ser humano, mas em algo metafísico que mantém a humanidade ainda viva, mesmo após as bombas atômicas na Segunda Guerra, lançadas pelos EUA. Japão e EUA, ainda a China, nessas armas mundiais, hoje o mundo virtual.

Vale ressaltar que quando um robô tiver inteligência autônoma ele pode criar sua própria ética. Para tanto, fato é que devemos prevenir isso, a exemplo de alguém possuir um modo de controlá-lo, mesmo após sua evolução ou progresso por si mesmo. As regras assim deve ser

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traçadas em observância a quanto o ser humano que cria essas tecnologia está pronto para interagir com as mesmas, o quanto não vai criar armas de guerra e objetos para satisfazer sua libertinagem. Já máquinas para uso sexual existem, e fora o fetiche de alguns, deve-se saber que no futuro isso deve se ampliar muito mais. O robô para uso amoroso deve substituir o ser humano, e apenas haverá talvez relações para efeitos de reprodução. Se na Grécia antiga e Roma era comum a homossexualidade por se entender a mulher inferior, com robôs cada vez mais parecidos com seres humanos, ou até mesmo meio humanos, haverá ainda mais uma separação, tendo em vista o poder cegar o homem sobre seu objetivo natural e divino, e mesmo por suas próprias fraquezas, como a luxúria.

A ética assim para esse mundo cibernético, mesmo na Internet e nas redes que estão para se desenvolver, talvez

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dentro da mente humana, não mais com dispositivos externos e telas, fará com que seja repensada toda a sociedade e frente a esse novo paradigma, os valores serão novamente transmutados. Se Nietzsche vivesse em nosso tempo falaria contra a tecnologia, não contra a moral cristã. Não há poder hoje maior que a sedução das coisas e novas formas de se viver, com suas interações cada vez mais virtuais, seus meios rápidos de comunicação, guerras que mais parecem jogos eletrônicos e tudo mais. Uma nova forma da moral de rebanho. Além do bem e do mal, é isso que restará na ética cibernética por fim. Como a busca desenfreada de riquezas e os valores tradicionais se reduziram, ficará arriscado viver nesse mundo virtual e depender de suas regras. A crítica da razão cibernética faz ter consciência disso. Mas cada ato virtual gera uma consequência que pode alterar todo o destino do mundo e da pessoa.

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Considerações finais

Vivemos em mundo que cada vez se torna mais virtual. A filosofia ainda não

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acordou para esse fato, apenas restando alguns autores comentando o tema e reconhecendo novos paradigmas e seu impacto no pensamento humano. Nessa obra que acabamos de percorrer, a Crítica da Razão Cibernética, vimos que cada vez mais o que o homem cria na verdade não é mais que uma reprodução de si mesmo, revestido de artificialidade. Porém isso se torna cada vez mais complexo e ao longo do que discutimos, Cléverson, Patrick e eu, percebemos que as coisas se transformam de forma ininterrupta e muito veloz. Sobre a minha visão do tema, demonstrei que a questão vai bem mais longe, mudando o modo de vida inteiro da humanidade e chegando a ser um Mundo Paralelo, onde a vida mesma será usufruída em um mundo totalmente virtual, sem uso de telas, computadores, mas unicamente da mente de cada indivíduo (ou usuário). Isso ainda sem falar na robótica e mesmo no futuro que nos espera, uma vez que a filosofia

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sempre construiu o futuro da humanidade, aqui não seria diferente.

Mariano Soltys

Considerações Finais Cléverson

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