gestÃo democratica nas escolas: realidade ou utopia · a importância da democracia como um...

22

Upload: habao

Post on 30-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,
Page 2: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia

Autor: Osvaldo Belo Braga1

Orientadora: Carmen Célia Barradas Correia Bastos2

Resumo

A participação popular nas decisões de interesse coletivo vem da Grécia Antiga, onde as pessoas, com algumas restrições, tinham o direito à liberdade de expressão e manifestação de suas opiniões. Nasce aí o que conhecemos hoje como democracia, palavra originada do grego demo=povo e kracia=governo. A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém, a forma de participação é objeto de muita discussão, vez que o ambiente social diferentemente da polis grega é hoje muito mais amplo, complexo, desigual e diverso. Predominantemente institucionalizada, a prática democrática na tomada de decisões atualmente está longe ser incorporada à nossa realidade, principalmente pela condição histórica e cultural imposta à classe trabalhadora da não participação. A despeito da incipiente participação do sujeito nas decisões de interesse coletivo, as democracias mundo afora tenta suprir esta lacuna dentro de seus sistemas estabelecendo através de normas legais, canais de participação indireta mediante a criação e instituição de órgãos coletivos. Seguindo esta tendência, a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 introduziu como principio constitucional, a gestão democrática do ensino público nacional, porém, o que se nota é que de fato, os colegiados raramente participam da gestão efetiva da gestão escolar. Assim, as razões da não incorporação da gestão democrática à prática social, foram objeto de acaloradas discussões em todo o desenvolvimento do presente trabalho, especialmente durante a fase de implementaçao nas escolas, onde restou demonstrado que o exercício da democracia na escola deve ocorrer tanto nas ações cotidianas, quanto na construção dos documentos que norteiam a prática pedagógica, uma vez que quando há participação há envolvimento, e do mesmo modo quando se oportuniza refletir e decidir sobre as práticas desenvolvidas na escola haverá um compromisso maior de todos os envolvidos.

Palavras-chave: Gestão Democrática; Escola; Participação.

GESTÃO DEMOCRÁTICA NAS ESCOLAS: Realidade ou Utopia?

A Constituição Federal promulgada em 1988 define preambularmente a

instituição no Brasil “um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o

exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade

fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundamentada na harmonia social e

comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das

controvérsias”.

1 Professor da Rede Estadual, licenciado em letras, Núcleo Regional de Educação de Assis Chateaubriand,

Paraná. 2 Docente da Unioeste, Campus de Cascavel.

Page 3: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

Para Alexandre de Morais (2002, p.51), Estado Democrático de Direito

significa “a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres,

periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e

garantias fundamentais”.

É aquele estruturado de forma a dar suporte à efetivação dos direitos

fundamentais, passando da sua condição originária de estado meramente formal, a

um Estado de Direito e de Justiça social, que nas palavras de Miguel Reale (2005,

p.2), é o “Estado instaurado concretamente com base nos valores fundantes da

comunidade”.

Nesta ordem de idéias, os valores, os fundamentos do Estado Democrático

de Direito e os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil

estabelecidos no art. 3º. da Constituição Federal de 1988, passam necessariamente

constituir o ponto de partida e o norte de todo conteúdo político da educação

nacional, os quais devem ser balizadores de qualquer análise, comentário ou

interpretação que se faça da legislação secundária, pois foram eles que inspiraram

os próprios princípios constitucionais. (Elias de Oliveira Mota, 1997, p.156).

Assim, definido o perfil do Estado Brasileiro, cuidou o constituinte de

sintetizar os demais princípios de cada área dentre as quais a área da educação,

consagrando a educação como um dos direitos sociais e seus fundamentos

constitucionais.

A CF/88 em seu art. 205 reconhece a “educação como um direito de todos e

dever do Estado e da família” a ser “promovida e incentivada com a colaboração da

sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, estabelecendo como

princípios a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; a

liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; entre outros a gestão

democrática do ensino público, na forma da lei.

Principio de maior enlevo, a gestão democrática do ensino público garantido

constitucionalmente exclusivamente para as escolas públicas nos termos da lei,

significa dizer que cada sistema de ensino poderá instituir os mecanismos próprios

de gestão inspirados nos princípios do estado democrático de direito.

Remetendo ao princípio constitucional para gestão do ensino, fica evidente

que a gestão democrática enquanto valor já consagrado no Brasil e no mundo ainda

Page 4: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

não está totalmente compreendida e incorporada à prática social, embora esteja

institucionalizada, criada pelos poderes normativos em perfeita sincronia com o

poder judicante.

Assim, entendendo que os Conselhos Escolares, as Associacções de Pais

Mestres e Funcionários (APMFs), os Gremios Estudantis entre outros insturmentos

de gestão existente nas escolas existem apenas formalmente, a falta de atuação

destes orgãos de representação preocupa, pois podem revelar a falta de equilíbio

entre as duas grandes forças, de um lado a imposição da lei e de outro a inercia da

comunidade escolar, professores, pedagogos, funcionários e alunos.

O Estado Democrático de Direito é o ponto de convergência entre o Estado

de Direito e a Democracia, assim a implementação de gestão escolar em

consonância com o princípio constitucional da gestão democrática do ensino nas

escolas, implica buscar de forma harmônica o equilíbrio dessas duas grandes forças,

que se consideradas separadamente resultam em forças antagônicas, e por

conseguinte negam-se mutuamente, posto que o modelo democrático de gestão

construídos em bases legais só se torna efetivo se realizado com a participação dos

membros da comunidade escolar na tomada das decisões de interesse do coletivo.

As discussões sobre a esta matéria estiveram em pauta desde os primórdios

da civilização, especialmente no que concerne o grau de participação dos sujeitos

nas decisões de interesse coletivo e de cunho social.

Historicamente, a participação do povo nas decisões de estado nasce na

Grécia, especificamente em Atenas, com o surgimento deste tipo de organização

política, onde o povo em praça pública era chamado a participar das decisões da

polis em favor do bem comum.

Vertente de uma idéia de governo do povo como fundamento da democracia

grega, este modelo fazia distinção entre os membros da sociedade onde uns poucos

participavam das decisões enquanto outros eram alijados do processo, valores que

na verdade pertencem apenas uma classe fossem considerados universais.

A partir da idade moderna, inicia-se a formação do estado como instituição

que através de um conjunto de regras sociais legitimadas pelo poder legal passa a

garantir a integridade física dos indivíduos, a propriedade privada e a liberdade

política.

Com o aparecimento do Estado moderno criam-se meios políticos e de

gestão para operacionalizar as funções e conservar as estruturas daquela nova

Page 5: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

ordem que ansiava em se estabelecer e, sobretudo com o consentimento

incontestável das massas populares. Surgem, então as teorias administrativas no

século XIX, impulsionadas a partir das transformações socioeconômicas, na medida

em que surgem as necessidades a produção.

Neste período as instituições escolares assumem os modelos de

gerenciamento adotados nas empresas, posto que as instituições de ensino

produzem a subjetividade que interessa à doutrina econômica do capital formando

indivíduos para o trabalho abstrato. A formação acadêmica não se resumia tão

somente na formação do indivíduo para as funções técnicas, mas também como

disseminadores das idéias da classe dominante.

Surge, então, o que se denominou, “gestão democrática”, como um novo

modelo de gerenciamento descentralizando a figura do gestor, tirando deste as

características de chefe e transformando em líder, aquele capaz de transformar

subordinados em parceiros. Neste modelo de gestão todos participam e se

responsabilizam pelo resultado.

Este modelo de gestão para as escolas brasileiras foi consagrado como

princípio de gestão na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, (LDBN, LEI

nº. 9394/96, art. 3º. Inciso VIII), ratificando desta forma o disposto na Constituição

Federal de 1988 sobre a matéria.

O termo “gestão democrática” contido no art. do artigo 206, inciso VI da

CF/1988 ao instituir a “gestão democrática do ensino público”, significa, em outras

palavras, que as decisões na gestão do ensino público devem ser tomadas com a

participação de todos os interessados, de forma direta ou indiretamente.

O poder de decisão dentro do processo democrático fundamenta-se na

liberdade de opinião daquele que direta ou indiretamente detém o direito de livre

manifestação no processo decisório.

Noutro giro, segundo Joevchelovith,

[...] a vida pública existe precisamente para enfrentar questões de interesse coletivo que não podem ser resolvidas através de caminhos que contem apenas verdades singulares, radicadas em interesses privados. Ela envolve e constrói mecanismos que devem dar conta da diversidade nela expressa. Daí a importância no “nós”, enquanto sujeito da ação coletiva e produtor de poder, entendido aqui como um recurso gerado pela habilidade dos membros de uma comunidade de estabelecerem uma discussão e concordarem sobe qual o caminho a seguir. Esta é a base do dito “potestas in populo”, isto é, o poder vem de baixo, e não de cima. Sem o debate público de um grupo, mediado pelo discurso e pela ação, não há poder e é

Page 6: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

exatamente por isso que, no pensamento antigo, o poder não está relacionado nem à violência, nem ao despotismo. O uso da força e a solidão de um líder isolado que governa de cima, jamais podem gerar poder”. (JOECHELOVITH, 2000, p. 49)

Neste ponto, o direito à livre manifestação do pensamento previsto no art. 5º,

inciso IV da Constituição Federal de 1988, constitui um dos direitos fundamentais

que assegura a todo cidadão o direito de manifestar livremente suas idéias,

compartilhado com seus pares, configurando-se, assim, como instrumento eficaz

para manifestação de sua opinião. Frise-se, ainda que o pensamento quando

exteriorizado, reflete o modo de pensar e ser das pessoas e neste momento, no

mundo dos fatos, deve refletir a vontade coletiva na tomada de decisões.

Para Gregório Badeni, o direito à liberdade de opinião está adstrito à

liberdade de pensamento e a sua manifestação, onde este, o pensamento,

Consiste na atividade intelectual, por meio da qual exerce o homem uma faculdade de espírito, que lhe permite conceber, raciocinar ou inferir com objeto eventual, exteriorizando suas conclusões mediante uma ação. Portanto, mente é um local de atuação permanente, sendo impossível o acesso a esse local íntimo de cada homem. (BETTINI, p. 204)

Deste modo, o pensamento não pode ser controlado enquanto não

manifesto, exteriorizado, inalcançado por conseguinte pela normatização.

Neste contexto, as normas de gestão democrática do ensino público são

definidas pelos sistemas de ensino adotados de acordo com as suas peculiaridades,

obedecendo aos princípios da participação de profissionais da educação na

elaboração do projeto pedagógico da escola, da comunidade escolar e local em

conselhos escolares ou equivalentes, seguindo, as instituições escolares, um

modelo institucional de gestão criado por lei que se legitimará na sua execução

conforme preconiza a lei, com a participação da comunidade escolar e local.

Trata-se de um modelo que atribui à comunidade escolar a qualidade de

gestor na medida da liberdade da participação de todos nas decisões coletivas de

interesse da escola, conforme esposado no art. 12, inciso I, da Lei de Diretrizes e

Page 7: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

Bases da Educação (LDBN, LEI 9394/96), a incumbência da escola de elaborar e

executar sua proposta pedagógica, com a participação do corpo docente.

A democratizaçao da gestão escolar tende romper com o modelo tradicional

de gestão baseado nos princípios da administraçao científica em cuja base situam-

se todas as atividades de planejamento, organização, direção, coordenação e

controle.

Indubitavelmente o processo administrativo envolve necessariamente tais

atividades, mas “em suas formas mais radicais, parece ir além, incorporando,

também certa dose de filosofia e política, que, no entender de Querino Ribeiro

(2004, p. 216), vem antes e acima da Administração”,

A administração sempre esteve voltada para a eficiência e a qualidade, ou

seja como obter o máximo em resultados com o menor esforço e dispêndio de

energia, sem perder de foco a qualidade dos produtos e serviços prestados.

As principais teorias da administração, especialmente os pioneiros no estudo

da administração, Taylor e Fayol, sustentavam como princípios fundamentais da

administração, a relação de subordinação entre dirigente e subordinado.

Segundo tais teorias o subordinado não tinha o direito de manifestar-se,

opinar, participar. A ele cabia apenas a obrigação de obedecer em discutir as

determinações de seus superiores numa manifesta relação de submissão do

operário nas relações de poder, “o operário não deve ter iniciativa, mas realizar o

trabalho da maneira indicada pelos chefes”. (DIAS, 2004, p. 217)

As teorias que defenderam o princípio da autoridade, cujo pressuposto

básico foi a relação de subordinação entre chefes e operários, passaram a sofrer

críticas ao longo do tempo, especialmente por questões ideológicas. É este o início

de um longo processo que levou os teóricos a discutir a flexibilização do princípio de

autoridade, abrindo espaço para o surgimento de outras formas de administração,

entre as quais cita-se a Co-gestão e a Autogestão.

A co-gestão como forma de administração mantém a figura do

administrador, porém com limitação de sua autoridade já que não é o único

responsável pelas decisões. Neste modelo as decisões devem se legitimadas pelo

colaboração dos demais membros sob o seu comando, ou seja, o administrador tem

que repartir seu poder de decisão com os demais participantes.

Na autogestão, nota-se a aparente anarquia no sentido de ausência de uma

relação de autoridade, o que não significa ausência de ordem. O que se nota é a

Page 8: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

inexistência de hierarquia entre os participantes.

As dificuldades apontadas para a implementação do modelo em comento é

que as pessoas “agem não por obediência a alguma autoridade, que não

reconhecem, mas por convicção”. (DIAS, 2004, p. 218)

A expressão “administração”, não deve ser tomada como sinônimo de

“gestão”, vez que aquela constitui uma das formas desta. Gestão é, pois, expressão

mais ampla que administração e consiste “na condução dos destinos de um

empreendimento, levando-o a alcançar seus objetivos”. (DIAS, op. cit., p 217)

Cabe à gestão a otimização e o funcionamento das instituições através da

tomada de decisões de interesse do grupo. Decisões estas pautadas nos

regulamentos e normais institucionais, quais sejam leis ou regulamentos próprios.

Com efeito, em algumas formas de gestão, a atuação do líder é considerada

a principal responsável pelo êxito do grupo de sujeitos sob seu comando. Nota-se,

então, o gradativo enfraquecimento da figura do administrador, especialmente nos

tipos de gestão em que as decisões são tomadas por um colegiado, as decisões são

grupais, de consenso. Destaque-se a “gestão democrática”, como modelo de gestão

pautada na participação coletiva na tomada de decisões de interesse de todos os

membros do grupo.

Ao falar de gestão democrática, necessariamente deve-se levar em conta o

substantivo e o adjetivo, posto que os atos de gestão envolvem diretamente os

processos decisórios.

Os processos decisórios realizados na forma democrática, evocam

obrigatoriamente a participar da tomada de decisão, todos os membros do grupo

social, sejam estes, empresas, escolas clubes, associações ou qualquer outro grupo

social. Assim ao falar em gestão democrática, está necessariamente implícita a

participação daqueles cujo resultado interesse.

A efetiva democratização do ensino público, apesar de ganhar corpo nas

últimas décadas, não é uma novidade histórica.

Segundo Marília Pontes Spósito (2002, p. 47), as teses reformistas

educacionais no Brasil das décadas de 20 e 30 defenderam a abertura da escola

para a participação de seus usuários, assim entendidos como pais, famílias e a

comunidade.

Tais propostas estiveram sempre voltadas para a sistema elementar da

educação voltada para as massas, uma vez que o ensino das elites não precisava

Page 9: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

criar canais para difusão das práticas educativas pois estas estavam ligadas ao

conteúdo da ação pedagógica e os setores que a ela tinham acesso.

Orientada para atender as massas as práticas educativas estavam voltadas

para a melhoria das condições de saúde da população orientada na necessidade da

“melhoria das condições de saúde e higiene dessas populações e de educação

moral e cívica – despertar os pais para a necessidade de moralização dos costumes

e hábitos de seus filhos,” (SPOSITO, 2002)

A participação dos pais, das famílias e a comunidade continuaram a fazer

parte das discussões e propostas de aproximação da escola com a comunidade.

Ressalte-se aqui a regulamentação e a obrigatoriedade de alguns canais de

participação como as Associações de Pais e Mestres, criadas compulsoriamente a

partir da década de 1970.

O conceito de participação inicialmente apontados, não é o mesmo

atualmente defendido. Defende-se hoje a participação de pais, alunos, professores,

funcionários e comunidade, mediante processo decisório baseado nos princípios

democráticos do estado de direito.

Assim, todo procedimento democrático deve fundar-se no princípio de que

toda decisão deve ser tomada com base nos fundamentos da legislação vigente.

Apontando neste sentido, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 6º

trata a educação como um dos direitos sociais, dedicando a ela um capítulo inteiro,

conforme dispõe em seus artigos nos. 205 a 217.

A atual Lei de Diretrizes e Base da Educação dispõe de um vasto conjunto

de determinações sobre a gestão democrática da educação. Ressalte-se para efeito

do presente estudo os dispositivos do art. 3º da lei em comento.

Institucionalizando a democratização da gestão das unidades escolares,

incontinentemente atendendo o mandamento constitucional ínsito no inciso VI do

art. 206 da CF/88, a Lei 9394/96 torna obrigatória a adoção do sistema democrático

de gestão do ensino publico. (LDB/96, art. 3º.)

O artigo 14, incisos I e II do citado diploma legal cuida dos princípios

norteadores da gestão democrática do ensino público, quais sejam:

Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino

público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades e conforme os

seguintes princípios:

Page 10: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto

político pedagógico da escola;

II – participação das comunidades escolar e local em Conselhos de Escola

ou equivalentes.

Analisando os fundamentos da gestão democrática das escolas com base

nos dispositivos anteriormente citados, o intérprete é levado a concluir que a LDB

regulamenta o dispositivo constitucional que institui a gestão democrática do ensino

público, excluindo, portanto, o ensino particular.

Em sede desta questão, fica imanente que a regulamentação da matéria

“gestão democrática” esgota-se em âmbito nacional nos termos do inciso VIII do art.

3º da atual LDB. Pretensão exagerada do legislador ou não, a confirmação da

interpretação literal do art. 14 ao estabelecer os princípios norteadores das “normas

da gestão democrática do ensino público na educação básica”.

Ao discorrer sobre este princípio no âmbito da LDB, Vítor Henrique Paro, fez

questão de defender a gestão democrática como princípio gestão não só para as

escolas públicas, afirmando que:

Numa sociedade que se quer democrática, é possível, a pretexto de se garantir a liberdade de ensino à iniciativa privada, pensar-se que a educação – própria atividade de atualização histórica do homem, pela apreensão do saber – possa fazer-se sem levar em conta os princípios democráticos.(PARO, 2001, p. 55)

Da mesma forma, considera absurda a pretensão aparente do legislador em

encerrar nos termos do princípio de que a gestão democrática se dará na forma da

LDB e da “legislação dos sistemas de ensino”, fazendo supor o esgotamento do

assunto em termos de legislação federal.

No lastro dos ensinamentos de PARO,

Quando os grupos organizados da sociedade civil, em especial os trabalhadores em educação, pressionaram os constituintes de 1988 para inscreverem na Carta Magna o princípio da gestão democrática do ensino, eles estavam legitimamente preocupados com a necessidade de uma escola fundada sob a égide dos preceitos democráticos. que desmanchasse a atual estrutura hierarquizante e autoritária que inibe o exercício de

Page 11: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

relações verdadeiramente pedagógicas, intrinsecamente opostas às relações de mando que são admitidas, hoje, nas escolas.(ibid p. 55)

Na visão do insigne Mestre, o legislador pátrio pecou na

regulamentação mais preciosa do princípio constitucional da “gestão democrática”

do ensino quando a contrario sensu, além de furtar-se a avançar na adequação de

importantes aspectos da gestão escolar, especialmente no tocante a restruturação

do poder e da autoridade no interior da escola, deixa também ao livre arbítrio dos

governos estaduais e municipais a instituição do modelo de gestão de suas escolas.

No Brasil a instituição de formas de representação social no âmbito da

escola, datam de 1958 com o surgimento dos conselhos de classe como instância

coletiva de avaliação de desempenho dos alunos em grau de recurso.

Trazidos da França, país pioneiro na implantação deste instrumento coletivo,

por um grupo de educadores brasileiros, o conselho de classe veio sobrepor a

autonomia do professor, entendida e praticada como verdadeira soberania no

processo de verificação da aprendizagem. (ROMÃO, 2004, p.29)

Ainda que um procedimento de avaliação da aprendizagem não expresso na

Lei de Diretrizes e Bases do ensino de 1° e 2° Graus – Lei 5692/71 – os conselhos

de classe passaram a integrar a legislação educacional e formalmente instituírem-se

em quase todas as escolas brasileiras com a implantação do Programa de

Expansão e Melhoria do Ensino, regulamentado pelo decreto n° 63.914/68.

Para José Eustáquio Romão,

A instituição de coletivos nas escolas apresenta-se dialeticamente, como uma instância mediadora que é, ao mesmo tempo, um mecanismo de absorção de conflitos de interesses e um instrumento potencial de inovação e transformação, na medida em que abre espaço para a explicitação daquelas tensões e conflitos represados, camuflados ou inibidos.(ibid)

Outro canal de participação, talvez um dos mais conhecidos nas escolas

brasileiras é a Associação de Pais, Mestres e Funcionários, como visto

anteriormente, criadas na década de 1970, estão presente nas escolas brasileiras.

Page 12: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

As associações se definem como um fim em si mesma, na medida que são

instituições regidas por estatutos formalizados com base na lei civil, podendo

revestir-se de forma privada.

A denominação social, a finalidade e a sede da associação; requisitos para admissão, demissão e exclusão dos associados; direitos e deveres dos associados; fontes de recursos para sua manutenção; modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos e administrativos e condições para alteração de disposições estatutárias e para sua dissolução.(DINIZ, 2002, p. 70-71)

Neste tipo de associação o órgão máximo conforme se observa na maioria

dos estatutos é a Assembléia Geral, órgãos consultivos e deliberativos cujo poder é

exercido pela participação coletiva de seus membros.

As deliberações das assembléias gerais, realizadas na forma do estatuto,

são decisões legítimas, porém podem não representar a vontade coletiva dos

membros da entidade. É o que se abstrai da análise das normas de convocação e

realização de tais assembléias.

As convocações e realização das assembléias ou reuniões, sujeitam-se às

regras do estatuto que invariavelmente dispõe de meios para as mesmas aconteçam

indiferentemente do número de participantes, ou seja, é realizada em “segunda

convocação com qualquer número de presentes”.

De se notar assim que uma assembléia realizada com qualquer número de

presentes pode legitimar decisão que não represente a vontade da maioria dos

membros da entidade.

As decisões tomadas em deliberações das assembléias, têm efeito ex nunc3,

sejam constitutivas de direitos ou assunção de obrigações que passam a ser de

todos os associados desde a data da decisão.

Embora extensa, destaque-se as considerações de Pedro Demo sobre o

modo de criação e concepção dos estatutos das associações:

3 EX NUNC – expressão de origem latina que significa "desde agora". Assim, no meio jurídico,

quando se diz que algo tem efeito "ex nunc", significa que seus efeitos não retroagem, valendo somente a partir da data da decisão tomada.

Page 13: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

No plano de uma associação a legitimidade se forja através de 'estatutos', que, neste sentido, seriam uma obra-prima dos membros. Lá se coloca, de comum acordo, como alguém se torna membro da associação, como se desliga, como se fazem chefes e se os impugnam, quais direitos e deveres são de todos, como funciona no dia-a-dia, como se praticam reuniões, como se legisla e se julga, e assim por diante. Não cabe dúvida que se trata de algo essencial, no sentido de que se condensa a proposta de definição do grupo, seu projeto de vida, o que imagina ser capaz de realizar. No entanto, a formulação dos estatutos geralmente segue linhas formais caricatas, a começar pelo simples fato de que a maioria se copia. Chama-se um advogado, ou alguém que já fez estatutos, e entrega-se a tarefa a um processo de mera formalização legal, quase sempre sem passar por uma discussão profunda entre os membros, pelo menos para gerar um nível mais denso de compromisso político(DEMO, 1999, p. 119)

Ao afirmar que a legitimidade se forja através de 'estatutos', Pedro Demo

mostra a fragilidade do sistema representativo. Os estatutos legitimam o processo

de decisão, desde que concebidos e alicerçados na legislação vigente.

Significa, portanto que os membros eleitos para o exercício das funções

previstas nos quadros associativos, revestem-se do direito de participar das

decisões da associação como legítimos representantes de seus membros.

Os estatutos elaborados de acordo com as normas legais, se da sua

elaboração não participarem os membros da entidade, não o pode ser este,

instrumento de participação nas escolas que pregam o princípio da gestão

democrática.

Pelos resultados das decisões tomadas por um colegiado, não pode

responder sozinho o diretor da escola, mesmo que seja este, a exemplo do que

estabelece o estatuto do Conselho Escolar das escolas do Paraná, “membro nato

(...) eleito para o cargo, em conformidade com a legislação pertinente, constituindo-

se no Presidente do referido Conselho” (ESTATUTO do Conselho Escolar / Paraná,

Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Coordenação

de Apoio a Direção e Equipe Pedagógica; Curitiba, SEED/Pr., art. 15,).

Democratização se faz na prática, (PARO, 2004, p. 18), assim o fato de não

termos um povo organizado capaz de se manifestar, de gerar seus delegados, em

razão da tradição autoritária ainda vicejante no sistema social no qual também todo

indivíduo é parte, resulta na incipiente participação comunitária nas decisões das

quais, no resultado é parte interessada.

Page 14: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

Ancorado nesta linha de pensamento, Moacir Gadotti ensina que a

autonomia e a gestão democrática da escola fazem parte da própria natureza do ato

pedagógico, exige em primeiro lugar, uma mudança de mentalidade de todos os

membros da comunidade escolar. Mudança implica deixar de lado o velho

pensamento de que a escola pública é apenas um aparelho do Estado e não uma

conquista da comunidade. A gestão democrática da escola implica que a

comunidade, os usuários da escola, sejam os seus dirigentes e gestores, não

apenas os seus fiscalizadores, ou, menos ainda, meros receptores dos serviços

educacionais. (GADOTTI, 2004, p. 35)

O processo decisório nas ações administrativas exige do dirigente escolar,

além da capacidade técnica para administrar a instituição que dirige, deve assumir a

principal função do administrador escolar que é exercer uma liderança política,

cultural e pedagógica. Assim diretor e escola sem descumprir a legislação vigente,

contam com “possibilidades de (...) usar sua criatividade, em cumprimento com a

legislação que os rege, usar sua criatividade e colocar o processo administrativo a

serviço do pedagógico”. (HORA, Dinair Leal da, 2007, p. 53)

Romper com a estrutura formal da organização escolar requer uma revisão

das ações administrativas específicas e gerais, onde as relações hierárquicas de

mando e submissão devem ser substituídas por uma estrutura administrativa que

corresponda a realidade da escola, moldada nos princípios democráticos de gestão.

Isto requer a revisão das atribuições específicas da administração escolar com

ênfase na distribuição de poder e do processo de decisão.

Nas palavras de Marques:

A participação ampla assegura a transparência das decisões, fortalece as pessoas para que sejam elas legítimas, garante o controle sobre os acordos estabelecidos e, sobretudo, contribui para que sejam contempladas questões que de outra forma não estariam em cogitação. (MARQUES, 1995, p. 18)

Neste sentido, é fácil concluir que embora a autonomia da escola seja

relativa, por ser ela uma instituição de bases legais bem definidas, cabe ao gestor a

Page 15: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

tarefa de dotar a escola de mecanismos que estimulem a participação de todos no

processo de decisão.

Vistos separadamente, per si, nenhum dos órgãos de participação coletiva

agindo isoladamente logram êxito quanto a implantação de um sistema de gestão

democrática na escola, uma vez que esta é apenas espécie daquele, que é gênero.

Assim, a democratização do ensino público constitui um meio prático para a

formação do sujeito para o exercício da cidadania plena. Formação essa que só se

adquire mediante a sua participação no processo de tomada de decisões como parte

do processo educativo, do qual o conselho escolar é apenas uma parte. Mas, eles

[os conselhos], alerta Gadotti, “fracassam quando instituídos como uma medida

isolada e burocrática (...) só são eficazes num conjunto de medidas políticas, num

plano estratégico de participação que vise a democratização. (GADOTTI, 2004, p.

47)

Com efeito, na prática, segundo Ivanise, professora pedagoga do Colégio

Estadual Chateaubriandense, a implementação de uma gestão efetivamente

democrática escola passa pela construção de uma cultura de participação da

comunidade nas tomadas de decisões e esta ocorre através do fortalecimento das

instâncias colegiadas.

Para tanto, é preciso ações de capacitação de todos os profissionais da

escola bem como dos pais e comunidade em geral que estejam dispostos a

entender um pouco mais sobre o trabalho de uma escola pública que busque a

qualidade de sua função pedagógica e social.

Nesta mesma vertente, sábias são as palavras da professora Brandeli,

pedagoga da mesma instituiçao escolar, que ao debrussar sobre o tema deixa claro

que,

Não bastam intenções em nível político educacional para que aconteçam mudanças na prática escolar. As múltiplas determinações as quais está submetida a escola é que definem o seu modo de ser. Neste aspecto é importante ressaltar um maior envolvimento dos membros da comunidade escolar para a materialização dos princípios democráticos nos processos decisórios. Exercitar a democracia na escola deve ocorrer tanto nas ações cotidianas, quanto na construção dos documentos que norteiam a prática pedagógica uma vez que quando há participação há envolvimento, e do mesmo modo quando se oportuniza refletir e decidir sobre as práticas desenvolvidas na escola haverá um compromisso maior de todos os envolvidos. Às vezes a escola pensa que apenas professores e equipe pedagógica tem conhecimento para tomar decisões sobre as questões pedagógicas perdendo a chance de ouvir os maiores interessados no processo: alunos e pais, que quando são chamados a participar tem

Page 16: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

contribuições relevantes a fazer. Não se pode esquecer que a escola tem um grande problema para efetivar a participação, pois além da cultura histórica imposta à classe trabalhadora da não participação ainda tem a questão do tempo escolar, pois para garantir às oitocentas horas e os duzentos dias de efetivo trabalho escolar quase não há espaço para as “paradas pedagógicas” que sempre são feitas no turno contrário e principalmente aos sábados o que acarreta um desgaste físico de todos.

Por outro lado ainda que presentes nas escolas os órgãos de representação

coletiva faltam-lhes efetividade. Quando se discutem a criação dos conselhos,

grêmios, associações e outros órgãos de representação na escola, preocupam-se

com a legalidade, deixando de lado uma variável de exponencial valor, a

legitimidade dos representantes.

Tem-se desta forma, nas escolas, o que se pode denominar de gestão

democrática de direito muito distante de uma gestão democrática de fato nas

escolas, especialmente porque os procedimentos dentro do processo de

composição dos órgãos de representação são eivados de vícios desde sua

constituição.

Primeiro porque o diretor é membro nato do Conselho Escolar como

representante legitimando pelo voto direto da comunidade escolar. Segundo porque

embora representante legítimo da comunidade escolar, exerce a função como

preposto do ente estatal, o que leva crer que é pouco provável que volte suas

posições à defesa do interesse coletivo quando em jogo estiver os interesses do

preponente.

Essa instância colegiada, instalou-se, em algumas escolas, como mero

objeto do aparelho burocrático visando tão somente preencher exigências legais,

visando receber recursos financeiros e materiais, chocando frontalmente com os fins

para os quais os conselhos de escola são criados.

O Conselho Escolar tem, de modo particular, o direito e o dever de zelar pela educação de qualidade socialmente referenciada. Para tanto, o Conselho Escolar, entendido como um órgão coletivo de decisões colegiadas, deve ser uma instância atenta e preocupada, um espaço de reflexão/estudo e um órgão coletivo investigativo e propositivo. Ele tem como finalidade acompanhar a gestão e o trabalho educativo escolar; buscar alternativas para enfrentar

Page 17: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

problemas e dificuldades e para implantar e implementar inovações. Progama Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, MEC/SEC, 2006, p.14.

Nota-se, deste modo, que o gargalo do processo democrático de

gestão das escolas está na ausência quase total de participação dos membros da

comunidade escolar e isto tornou-se trincheira de defesa daqueles que pensam que

a educação precisa de um gerente e não de um gestor.

O exercício da democracia no processo de gestão escolar sintetiza o ideal

de autonomia e liberdade, forjado no consciente daqueles que vêem na educação o

único instrumento de formação do sujeito para o exercício pleno da cidadania.

A ação democrática dentro do processo de gestão, deve repelir qualquer

prática autoritária em homenagem aos princípios da liberdade e autonomia do

sujeito nas decisões do grupo social do qual faz parte.

Democracia enquanto oposição a qualquer governo autocrático, pode ser

definida como um conjunto de regras que são estabelecidas por quem está

autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos. Assim o sistema

democrático caracteriza-se pela adoção livre do resultado das decisões tomadas

coletivamente por maioria, respeitando os direitos das minorias, vez que estas

devem fazer parte do processo autorizativo daquele legitimado a decidir.

Esgrimindo este conceito, Wachowicz, 1992, o considera de duplo sentido,

ou seja, aponta em duas direções, sendo estas, uma filosófica e outra

procedimental. Por analogia, sâo estes, dois elementos fundamentais de uma

gestão democrática: Filosófico enquanto garantia da liberdade de todos e a

igualdade como condição para a escolha das decisões e, procedimental, enquanto

ações subordinadas a um sistema de normas e procedimentos.

O primeiro remete diretamente ao princípio de que todo sujeito, dentro do

seu grupo social ou entidade da qual é membro, tem o direito de participar do

processo decisório das questões de interesse do grupo.

O princípio da igualdade é definido na Constituição Federal de 1988 como a

igualdade de todos perante a lei. Igualdade nos termos apresentados não pode ser

Page 18: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

interpretada apenas como a liberdade de todos e a igualdade como condição para a

escolha das decisões, mas como garantia da igualdade de oportunidades.

O respeito às normas procedimentais e os direitos das minorias convergem

para o estado de direito, neste, o poder de quem governa decorre da lei, que deve

ser legitimado pelo respeito e a igualdade de direitos de todos. Neste raciocínio, a

gestão escolar para ser considerada democrática deve ser desenvolvida com base

no respeito às normas e procedimentos e a garantia do direito de participação de

todos nas decisões de interesses da escola.

O fundamento filosófico de democracia enquanto liberdade como condição

para a escolha das decisões parece ser contraditório na medida em que o exercício

desta liberdade está condicionado à normas e procedimentos previamente

estabelecidos. Tal fato pode ser explicado pela dificuldade de se garantir a

participação direta do indivíduo em todas decisões de interesse coletivo em

ambiente social complexo, desigual e diverso, diferentemente daquele que foi a polis

grega, berço da democracia.

As dificuldades de se submeter as decisões à apreciação de todos os

membros da comunidade, levaram o grupo social a aceitar as decisões coletivas

tomadas por indivíduos deste grupo. Originando daí o conceito de democracia

representativa, onde o grupo social elege seu representante ao qual é atribuído o

poder de agir com certa liberdade em nome e por conta dos representados, na

medida em que, que gozando da confiança deles, pode interpretar com

discernimento próprio os seus interesses.

A representação coletiva apresenta-se como ponto de convergência de dois

princípios no conceito “gestão democrática”, significando na prática escolar por

exemplo, que as decisões administrativas de caráter, político, pedagógico e

financeiro inerentes ao processo de gestão devem ser tomadas com a participação

de todos os interessados, ou seja democraticamente. Podendo ser com a

participação direta de todos os membros e comunidade interessada ou por

representação.

As decisões tomadas por um grupo social tende a vincular todos os seus

membros. Embora as decisões do grupo sejam tomadas pelo grupo, são decisões

tomadas por indivíduos, porque o grupo por si não decide.

Page 19: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

Neste raciocínio para que uma decisão tomada por representação possa ser

aceita por todo o grupo é necessário que a mesma seja tomada com base em regras

que estabeleçam quais são os indivíduos legitimados a tomar tais decisões. Em

outras palavras, a legitimidade do representante depende tanto das regras que

estabeleçam quais os indivíduos legitimados, quanto da obediência aos

procedimentos de sua escolha.

As regras podem ser baseadas em normas escritas ou consuetudinárias.

Quando escritas, devem observar a formalidades legais de instituição e de

regulamentação para não padecer por vício formal. Ao contrário se forem

estabelecidas sem observação ao princípio da isonomia - a liberdade de todos e a

igualdade como condição para a escolha das decisões - não podem ser considerada

legítimas do ponto de vista de um procedimento democrático.

No sistema democrático as normas devem atender essencialmente às

exigências de legalidade, sendo, portanto legítimas aquelas criadas conformidade

com o direito e atuante na forma do direito, deve ter origem e finalidade de acordo

com o direito manifestado livre e originariamente pelo próprio povo.

Retomando o tema “gestão democrática do ensino público”, é difícil não

concordar com a constatação de que a gestão democrática nas escolas, é hoje, um

valor já consagrado no Brasil. Ressalte-se aqui a institucionalização da gestão

democrática, ou seja, criada na forma do direito, ancorada na Constituição Federal.

Neste contexto, cite-se ainda a LDB que repete o mandamento

constitucional remetendo para o legislador estadual e municipal a normatização da

gestão democrática dentro do seu próprio sistema. Notadamente quanto aos

procedimentos adotados para criação e a implantação dos de representação

coletiva.

Considerações Finais

Forçoso concluir pela existência da gestão democrática do ensino publico,

no sentido lato da lei, sem ser repetitivo, instituído de conformidade com o direito e

Page 20: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

atuante na forma do direito, deve ter origem e finalidade de acordo com o direito

manifestado livre e originariamente pelo próprio povo.

Quanto a existência de uma gestão democrática de fato implantada nas

escolas brasileiras, certamente a conclusão não pode ser a mesma, vez que a

gestão democrática nas escolas embora seja hoje um valor consagrado pela Carta

Magna brasileira, não está totalmente compreendido e incorporado nas práticas

social e educacional brasileira.

Exaustivas discussões sobre o tema apontam sempre no sentido da

existência de uma grande lacuna entre gestão democrática de direito e de fato. Se

de um lado as escolas contam com seus conselhos, associações, grêmios

estudantis e outros órgãos de representação coletiva, de outro invariavelmente é

incipiente a participação dos indivíduos junto a tais órgãos.

A falta de participação do coletivo da escola esbarra por vezes da cultura de

uma gestão autocrática onde as relações de poder se estabelecem na ordem direta

de subordinação. São quase inexistente nas escolas dentro da sua estrutura

administrativa uma relação horizontal.

O diretor da escola é ainda a figura que ocupa o posto maior na hierarquia

da escola, que pelas responsabilidades que assume frente ao cargo que ocupa, as

vezes se torna refratário às decisões coletivas, o melhor, prefere suas decisões às

coletivas, numa relação que o coloca como preposto do mantenedor do sistema

educacional.

Não basta existir na escola órgãos de representação constituídos de forma

autocrática, simplesmente para atender os dispositivos de lei, e sim órgãos de

participação coletiva. Vitor Paro deixa claro que não basta eleição para dirigentes

escolares desvinculados de outras medidas que transformem radicalmente a

estrutura administrativa da Escola. O que valem os conselhos escolares instituídos

com a participação dos professores, funcionários, alunos, pai de alunos e

comunidade local como prevê a lei, se a função política desses colegiados ficam

dependentes da vontade do diretor para funcionar adequadamente.

Os conselhos escolares passam servir como veículo de democratização da

escola, são prejudicados pela circunstância de que o diretor pelo compromisso de

Page 21: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

prestar contas por tudo que acontece dentro da escola, concentra em suas mãos

todas as decisões, justificando pela lógica: quem responde decide.

Outra questão relevante é que o diretor premido pelas circunstâncias

inerente ao seu cargo, fazendo uso de sua autoridade como responsável último pela

unidade escolar ao ser pressionado pelos demais setores da comunidade escolar

acaba por “montar” ele próprio um conselho apenas formal e inoperante que só

decide questões marginais e sem importância significativa para os destinos da

escola, ficando o diretor sozinho para tomar as decisões, já que sabe ser ele que

arcará com as responsabilidades.

Referências

AFONSO, José da Silva, apud, GADOTTI, MOACIR et all; Autonomia da Escola : princípios e propostas, 6. ed., São Paulo : Cortez Instituto Paulo Freire. BETTINI, Lúcia Helena Polleti, Revista do Direito Constitucional e Internacional n. 47. BOBBIO, Norberto: O futuro da Democracia,Tradução Alberto Nogueira – São Paulo; Terra e Paz, 2000 CANOTILHO, J.J. Gomes, MOREIRA, Vital. apud MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 10ª ed., São Paulo, 2002, p. RIBEIRO BASTOS, Celso; Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Celso Ribeiro Bastos Editora, 2002. CAHALI, Yussef Said. Constituição da República Federativa do Brasil de 05.10.1988, 7. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005. CAHALI, Yussef Said. Código Civil Brasileiro – LEI 10.406 de 10 de janeiro de 2002, 7. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005. DEMO, Pedro, Participação é conquista: noções de política social participativa, São Paulo, Cortez, 1999. DIAS, José Augusto, Educação Básica, políticas, legislação e gestão, leituras, São Paulo; Pioneira Thompson Learing, 2004. DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, 8. ed. , São Paulo, Saraiva 2002, p. 70-71 DINAURA Godinho Pimentel Gomes, Revista de Direito Constitucional e Internacional, n° 45. ESTATUTO do Conselho Escolar / Paraná, Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Coordenação de Apoio a Direção e Equipe Pedagógica; Curitiba, SEED/Pr., 2005, p FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Miniaurélio Século XXI: O mini dicionário da língua portuguesa, ed. 5ª, RJ : Nova Fronteira, 2001 FERREIRA, Naura Syria Carapeto , Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); professora da Universidade Tuiuti do Paraná, onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Educação,

Page 22: GESTÃO DEMOCRATICA NAS ESCOLAS: realidade ou utopia · A importância da democracia como um recurso de participação humana e de formação da cidadania é indiscutível, porém,

http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1104/1004, (acessado em 04/05/2011, 14h31min). GADOTTI, Macir, Projeto Político-Pedagógico da Escola: fundamentos para sua realização, In:, GADOTTI, Moacir e José E. Romão (orgs), Autononia da Escola: princípios e propostas, 6. ed, São Paulo, Cortez, Instituto Paulo Freire, 2004. HORA, Dinair Leal da,. Gestão Democrática na Escola: artes e ofícios da participação coletiva. Campinas, Papirus, 1994. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico). ICPG, Revista de divulgação técnico-científica do, PROJETO Político-Pedagógico Uma construção coletiva, I, v.3, n. 9, jul-dez.2006. JOVCHEOVITH, Sandra, Representações sociais na esfera pública : a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil, Petrópolis, RJ, 2000. LEI DE DIRETRIZES E BASE DA EDUCAÇÃO – LDB/96 - LEI 9394/96. MARQUES, M. O., Pedagogia: a ciência do educador, Ijuí, Unijuí, 1990, apud Ilma Passos Alencastro Veiga (org). - Campinas, SP: Papirus, 1995. MARTINEZ Dal Col , Helder, Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 39. MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, 11ª ed., São Paulo, Atlas, 2002. MOSCOVICI, Serge; Representações sociais : investigações em psicologia social, editado em inglês por Gerard Duveen; traduzido do inglês por Pedrinho A Guarechi, Petrópolis, RJ; Vozes, 2003. FERREIRA, Naura Syria Carapeto , Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); professora da Universidade Tuiuti do Paraná, onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Educação. PARO, Vitor Henrique, Gestão democrática na escola pública, 3. ed., São Paulo, Ática, 2004. PARO, Vítor Henrique, O princípio da gestão escolar democrática no contexto da LDB. In PARO, V. H. Escritos sobre educação. São Paulo: Xamã, 2001. REALE, Miguel, O Estado Democrático e o Conflito das Ideologias, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005. RIBEIRO BASTOS, Celso; Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Celso Ribeiro Bastos Editora, 2002. ROMÃO, José Eustáquio, Gestão Democrática do Ensino Público: Condição da reforma educacional brasileira, In Gadotti Moacir e José E. Romão (orgs), Autonomia da Escola: princípios e propostas, 6. ed. São Paulo, cortez, Instituto PauloFreire, 2004. SPÓSITO, Marília Pontes. Educação, gestão democrática e participação popular. In BASTOS João Baptista (Org), Gestão Democrática, 3. ed. , Rio de Janeiro, DP&A, 2002. VASCONCELOS, Celso do Santos, Coordenação do trabalho metodológico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula, São Paulo, Liberdad, 2004. VEIGA, Ilma Passos, Projeto político-pedagógico da Escola: Uma construção possível, Campinas, SP, Papirus, 1995. WACHOWICZ, Anna, A democracia na escola, São Paulo, Revista ANDE, Ano 11, n. 18, Cortez, 1992.