gestão das escolas

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Público, 8 de Janeiro de 2008 (p. 43) Por que muda a gestão das escolas? Porque sim! Santana Castilho O único critério, o critério oculto, é domar o que resta, depois de vexar os professores com um estatuto indigno O que Sócrates disse no último debate parlamentar de 2007 não me surpreendeu. Fazia sentido esse fechar de ciclo de genuflexão dos professores. Para analisar o diploma agora posto à discussão pública, vou socorrer-me de dois excertos do discurso com que Sócrates fez o anúncio ao país. "Chegou agora o momento de avançar com a alteração da lei de autonomia, gestão e administração escolar." Mas Sócrates não explicou porquê. Para suprir a lacuna fui ler o novo diploma, compará-lo com o anterior, e tirei estas conclusões: 1. Os dois diplomas apregoam autonomia mas castram toda e qualquer livre iniciativa das escolas. Nada muda. Apenas se refina o cinismo, na medida em que muito do anteriormente facultativo (o pouco que não estava regulamentado) passa agora a obrigatório. Não há uma só coisa que seja importante na vida da escola que o órgão de gestão possa, autonomamente, decidir. Um e outro são uma ode ao centralismo asfixiante. 2. O novo diploma diminui o peso dos professores da escola nos órgãos de gestão dessa escola. Esclareço a aparente redundância trazida pela insistência no vocábulo "escola" na construção deste parágrafo. É que o novo diploma torna possível que um professor de qualquer escola, mesmo que seja privada, concorra a director de qualquer outra, pública, mediante "um projecto de intervenção na escola". Que estranho conceito de escola daqui emana! Como pode alguém que não viveu numa escola, que não se envolveu com os colegas e com os alunos dessa escola, que não sofreu os seus problemas nem respirou o seu clima, conceber "um projecto de intervenção na escola"? Não é de intervenção que eles falam. É de subjugação! É a filosofia ASAE transposta para as escolas. Não faltarão os comissários, os "boys" e os "laranjas" deste "centralão" imenso em que a oligarquia partidária transformou o país, a apresentar projectos de intervenção "eficazes", puros, esterilizadores de maus hábitos e más memórias. E este é o único critério, o critério oculto que Sócrates não explicitou: domar o que resta, depois de vexar os professores com um estatuto indigno, de os funcionalizar com uma avaliação de desempenho própria de amanuenses, de os empobrecer com cotas e congelamentos, de os dividir em castas de vergonha. Tinha razão o homem: "Chegou agora o momento de avançar com a alteração da lei de autonomia, gestão e administração escolar." "A nossa visão para a gestão das escolas assenta em três objectivos principais. O primeiro é abrir a escola, reforçando a participação das famílias e comunidades na sua direcção estratégica. O segundo objectivo

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Documento sobre a melhor forma de gestão escolar.

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Pblico, 8 de Janeiro de 2008 (p. 43)Por que muda a gesto das escolas? Porque sim!

Santana CastilhoO nico critrio, o critrio oculto, domar o que resta, depois de vexar os professores com um estatuto indigno

O que Scrates disse no ltimo debate parlamentar de 2007 no me surpreendeu. Fazia sentido esse fechar de ciclo de genuflexo dos professores. Para analisar o diploma agora posto discusso pblica, vou socorrer-me de dois excertos do discurso com que Scrates fez o anncio ao pas.

"Chegou agora o momento de avanar com a alterao da lei de autonomia, gesto e administrao escolar." Mas Scrates no explicou porqu. Para suprir a lacuna fui ler o novo diploma, compar-lo com o anterior, e tirei estas concluses:

1. Os dois diplomas apregoam autonomia mas castram toda e qualquer livre iniciativa das escolas. Nada muda. Apenas se refina o cinismo, na medida em que muito do anteriormente facultativo (o pouco que no estava regulamentado) passa agora a obrigatrio. No h uma s coisa que seja importante na vida da escola que o rgo de gesto possa, autonomamente, decidir. Um e outro so uma ode ao centralismo asfixiante.

2. O novo diploma diminui o peso dos professores da escola nos rgos de gesto dessa escola. Esclareo a aparente redundncia trazida pela insistncia no vocbulo "escola" na construo deste pargrafo. que o novo diploma torna possvel que um professor de qualquer escola, mesmo que seja privada, concorra a director de qualquer outra, pblica, mediante "um projecto de interveno na escola". Que estranho conceito de escola daqui emana! Como pode algum que no viveu numa escola, que no se envolveu com os colegas e com os alunos dessa escola, que no sofreu os seus problemas nem respirou o seu clima, conceber "um projecto de interveno na escola"? No de interveno que eles falam. de subjugao! a filosofia ASAE transposta para as escolas. No faltaro os comissrios, os "boys" e os "laranjas" deste "centralo" imenso em que a oligarquia partidria transformou o pas, a apresentar projectos de interveno "eficazes", puros, esterilizadores de maus hbitos e ms memrias. E este o nico critrio, o critrio oculto que Scrates no explicitou: domar o que resta, depois de vexar os professores com um estatuto indigno, de os funcionalizar com uma avaliao de desempenho prpria de amanuenses, de os empobrecer com cotas e congelamentos, de os dividir em castas de vergonha. Tinha razo o homem: "Chegou agora o momento de avanar com a alterao da lei de autonomia, gesto e administrao escolar."

"A nossa viso para a gesto das escolas assenta em trs objectivos principais. O primeiro abrir a escola, reforando a participao das famlias e comunidades na sua direco estratgica. O segundo objectivo favorecer a constituio de lideranas fortes nas escolas. O terceiro reforar a autonomia das escolas", disse Scrates na Assembleia da Repblica.

Mas que est por baixo do celofane? A "abertura" uma falcia. O Conselho Geral, com a participao da comunidade, j existe, com outro nome. Chama-se Assembleia. Porm, os casos em que esta participao teve relevncia so raros. E quem est nas escolas sabe que no minto. Ora no por mudar o nome que mudam os resultados. A participao da comunidade no se decreta. Promove-se. Se as pessoas acreditarem que podem mudar algo, comeam a interessar-se. Mas o despotismo insacivel que este Governo trouxe s escolas no favorece qualquer tipo de participao. Para que as pessoas possam participar, h dcadas que Maslow deu o tom: tm que ter necessidades bsicas resolvidas. Aqui, as necessidades bsicas so no terem fome, terem tempo e terem uma cultura mnima.

Ora, senhor primeiro-ministro, o senhor que empobreceu os portugueses (tem dois milhes de pobres e outros dois milhes de assistidos), que tem meio milho no desemprego, est espera que acorram sua "abertura"? Sabe quem vai acorrer? Os ricos que o senhor tem inchado? No! Esses esto-se borrifando para a Escola Pblica. So os oportunistas e os caciques, para quem a sua "abertura" de facto uma nova oportunidade.

O senhor, que tem promovido uma poltica de escola-asilo, porque as pessoas no tm tempo para estar com os filhos, acredita que as famlias portuguesas, as mais miserveis da Europa, tm disponibilidade para a sua abertura? No! Conte com os pais interessados de uma classe mdia que o senhor tem vindo a destruir e so, por isso, cada vez em menor nmero, e com os autarcas empenhados a quem o senhor d cada vez menos dinheiro. De novo, repito, ter os arrivistas. Julga que com os diplomas de avirio das novas oportunidades que d competncia comunidade para participar na gesto das escolas? No! Os que conseguiram isso comearam h um sculo a investir no conhecimento da comunidade e escolheram outros mtodos. Porque, ao contrrio do senhor, sabem que gerir uma escola diferente de gerir um negcio ou uma rede de influncias partidrias.

A sua viso de escola ficou para mim caracterizada quando o ouvi dizer que tinha escolhido a veneranda Universidade Independente por uma razo geogrfica e me foi dada a ler a sua prova de Ingls Tcnico, prestada por fax. O que politicamente invocou a propsito deste diploma, que agora nos impe, est muito longe de limpar essa pssima imagem que me deixou. A mim e a muitos portugueses, pese embora serem poucos os que tm a oportunidade ou a independncia para o dizer em pblico. Disse impe, e disse bem. Porque a discusso pblica outra farsa. O senhor quer que algum acredite nisto? Depois de ver o conceito que o seu governo tem do que negociar e os processos que a sua ministra da Educao tem usado para lidar com os professores? Em plenas frias escolares (mais uma vez) lana a discusso de um diploma deste cariz e d para tal um ms? Acha isso srio? Se o senhor estivesse de facto interessado em discutir, era o primeiro a promover e a dinamizar esse debate, atravs do Ministrio da Educao. Mas o que o senhor tem feito tem sido cercear todas as hipteses de participao dos professores em qualquer coisa que valha a pena: retirando-lhe todas as vias anteriormente institudas e afogando-os em papis ridculos e inteis.

Dizem, ou disse o senhor, v l a gente saber, que cursou um MBA. No lhe ensinaram l que as mudanas organizacionais srias estabelecem com clareza as razes para mudar? Cuidam de expor aos implicados essas razes e dar-lhes a oportunidade para as questionar? Devem assentar numa avaliao criteriosa do que existia e se quer substituir? Quando podem originar convulses antecipveis, devem ser precedidas de ensaios e simulaes prudentes? J reparou que ter que constituir mais de 10 mil assembleias a 20 elementos cada? Que tal como a lei est, so escassos os que podem ser adjuntos do director? Que fecha a porta a que novos professores participem nas tarefas de gesto? Que exclui, paradoxalmente, um considervel nmero de professores titulares? Que, goste dela ou no, existe uma Lei de Bases que torna o que prope inconstitucional e como tal j foi chumbado pelo Tribunal Constitucional?

Lideranas fortes? Deixe-me rir enquanto no probe o riso. O senhor que s quer uma liderana forte, a sua, que at o seu partido secou e silenciou, quer lideranas fortes na escolas? falso o que digo? Prove-o! Surpreenda uma vez e permita que professores independentes discutam publicamente o deserto em que est a transformar a Escola Pblica e para que este diploma o elo que faltava./

Desidrio Murcho

A actual ministra da educao tem prestado um servio ao pas inacreditavelmente mau. No me lembro de um ministro da educao to mau, nem mesmo Roberto Carneiro, que responsvel pelo comeo das reformas que transformaram a escola gradualmente num videogame para iludir os pobres e mostrar ao mundo nmeros felizes de sucesso escolar inventado. Pelo menos, Roberto Carneiro fez as reformas sem atropelos, dentro de prazos legtimos e sem a actual trapalhada. A sua pior herana foi ter enchido o ministrio de especialistas em eduqus que continuaram a sua obra muito depois de ele se ter ido embora, e muitas vezes contra a vontade dos prprios ministros, impotentes para lidar com os pedagogos da casa.

Com esta ministra j ningum sabe de nada; ora h exames ora no h, ora h manuais para seis anos ora no h, ora h novos programas ora no h, ora temos estas e aquelas disciplinas ora aqueloutras. Inventou mil burocracias para pr os professores nas escolas a fingir que trabalham, quando deviam estar a estudar e a preparar aulas. Apregoa a formao de professores, mas cortou fundos e impediu a realizao das mesmas excepto, pasme-se, em bibliotecas, que como se sabe ter um impacto evidente na qualidade do ensino da fsica, por exemplo.

a total incompetncia, numa rea em que a tranquilidade e as medidas atempadas e cuidadosamente preparadas deviam imperar. Pelo contrrio, at parece que algum est pressa a legislar para fazer currculo e depois ir vida que a morte certa, depois de o sistema de ensino do pas estar totalmente em cacos. E muitas vezes o que parece .

.../.../