gÊnero e familia: a organizaÇÃo familiar e os reflexos na...

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GÊNERO E FAMILIA: A ORGANIZAÇÃO FAMILIAR E OS REFLEXOS NA TRAJETÓRIA ESCOLAR Ulderica Balestrin Sganzerla 1 Ana Baggio Maria Inês Dupont Luciane Marini Ferrari Scheila Bavaresco Jamiele Flamia, Jacinta Maria Cristófoli Priscila Serpa Ribas Nilda Stecanela - Orientadora 2 Letícia Borges Poletto – Co-orientadora 3 Resumo Este artigo tem por objetivo fazer uma análise e promover discussões e reflexões sobre questões de gênero e família enfatizando as novas reconfigurações familiares vigentes e suas implicações no comportamento de crianças e jovens no meio escolar. Acrescenta ainda o desafio de investigar o papel das instituições sociais envolvidas no contexto possibilitando a análise da capacidade de suas funções diante desta nova realidade. É decorrência de projeto de pesquisa desenvolvido durante o Curso de extensão “Educando para a Diversidade: questões de gênero no cotidiano escolar”. A metodologia adotada considerou a pesquisa de opinião, onde os instrumentos foram construídos com questões abertas e fechadas, numa abordagem aleatória, respeitando equilíbrio entre os sexos. Os resultados da pesquisa possibilitaram uma reflexão, análise e desconstrução acerca de muitos conceitos pré-concebidos sobre o assunto. Diante deste novo contexto de que participamos, percebe-se a necessidade uma mudança visível nas instituições sociais que acompanham os processos educativos de nossas crianças, uma vez que as mudanças nas estruturas familiares são iminentes. Palavras-chave: Gênero; reconfiguração familiar; escola; comportamentos sociais. INTRODUÇÃO Para um bom desenvolvimento e crescimento pessoal o ser humano deve conhecer o mundo no qual participa, assim poderá ser um cidadão atuante e consciente de si e do meio em que vive. Obter um conhecimento de nós mesmos é tão importante quanto 1 Professora na Rede Municipal de Ensino; Professora na Rede Particular de Ensino; Professora na Rede Particular de Ensino; Professora na Rede Municipal de Ensino; Professora na Rede Municipal de Ensino; Professora na Rede Municipal de Ensino; Professora na Rede Municipal de Ensino; Auxiliar de Educação Infantil na Rede Municipal de Ensino; 2 Doutora e Mestre em Educação. Diretora do Centro de Filosofia e Educação. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (PPGEDU/UCS). Professora na Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul. Coordenadora do Observatório de Educação e do Programa Nossa Escola Pesquisa Sua Opinião no Polo Rio Grande do Sul. 3 Psicóloga. Pesquisadora do corpo discente do Observatório de Educação da Universidade de Caxias do Sul. Mestranda em Educação na Universidade de Caxias do Sul (PPGEDU/UCS).

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GÊNERO E FAMILIA: A ORGANIZAÇÃO FAMILIAR E OS REFLEXOS NA

TRAJETÓRIA ESCOLAR

Ulderica Balestrin Sganzerla1

Ana Baggio Maria Inês Dupont

Luciane Marini Ferrari Scheila Bavaresco

Jamiele Flamia, Jacinta Maria Cristófoli

Priscila Serpa Ribas

Nilda Stecanela - Orientadora2 Letícia Borges Poletto – Co-orientadora3

Resumo Este artigo tem por objetivo fazer uma análise e promover discussões e reflexões sobre questões de gênero e família enfatizando as novas reconfigurações familiares vigentes e suas implicações no comportamento de crianças e jovens no meio escolar. Acrescenta ainda o desafio de investigar o papel das instituições sociais envolvidas no contexto possibilitando a análise da capacidade de suas funções diante desta nova realidade. É decorrência de projeto de pesquisa desenvolvido durante o Curso de extensão “Educando para a Diversidade: questões de gênero no cotidiano escolar”. A metodologia adotada considerou a pesquisa de opinião, onde os instrumentos foram construídos com questões abertas e fechadas, numa abordagem aleatória, respeitando equilíbrio entre os sexos. Os resultados da pesquisa possibilitaram uma reflexão, análise e desconstrução acerca de muitos conceitos pré-concebidos sobre o assunto. Diante deste novo contexto de que participamos, percebe-se a necessidade uma mudança visível nas instituições sociais que acompanham os processos educativos de nossas crianças, uma vez que as mudanças nas estruturas familiares são iminentes. Palavras-chave: Gênero; reconfiguração familiar; escola; comportamentos sociais. INTRODUÇÃO

Para um bom desenvolvimento e crescimento pessoal o ser humano deve conhecer

o mundo no qual participa, assim poderá ser um cidadão atuante e consciente de si e do

meio em que vive. Obter um conhecimento de nós mesmos é tão importante quanto

1 Professora na Rede Municipal de Ensino; Professora na Rede Particular de Ensino; Professora na Rede Particular de Ensino; Professora na Rede Municipal de Ensino; Professora na Rede Municipal de Ensino; Professora na Rede Municipal de Ensino; Professora na Rede Municipal de Ensino; Auxiliar de Educação Infantil na Rede Municipal de Ensino; 2 Doutora e Mestre em Educação. Diretora do Centro de Filosofia e Educação. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (PPGEDU/UCS). Professora na Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul. Coordenadora do Observatório de Educação e do Programa Nossa Escola Pesquisa Sua Opinião no Polo Rio Grande do Sul. 3Psicóloga. Pesquisadora do corpo discente do Observatório de Educação da Universidade de Caxias do Sul. Mestranda em Educação na Universidade de Caxias do Sul (PPGEDU/UCS).

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conhecermos os meios, as maneiras e as evoluções em que vivemos. Assim, a descoberta

da identidade e a socialização de conhecimentos vêm a ser um dos primeiros passos para

uma boa integração social e a integração de um mundo mais justo e melhor. Segundo Lev

Vygotsky (revista nova escola edição especial, 2008-complemento com o livro:

Vygotsky, Uma síntese - 2011):

O indivíduo não nasce pronto, sua evolução intelectual se dá através de uma interação constante e ininterrupta entre processos internos e influencias do mundo social, o que ele chama de sociointeracionismo.

Com a diversidade das novas reconfigurações familiares estas geram mudanças

nas relações de gênero e família, onde refletem na sociedade, na comunidade e também

no grupo escolar. Hoje as famílias estão embutidas em novas ideias, novos patamares. Na

questão de gênero, nos indagamos de que maneiras as famílias absorvem as mudanças e

como agem no processo de adaptação, na educação, nas relações comportamentais, no

contexto social, nas tarefas domésticas e na religião.

Para um bom desenvolvimento e crescimento pessoal o ser humano deve conhecer

o mundo no qual participa, assim poderá ser um cidadão atuante e consciente de si e do

meio em que vive. Obter um conhecimento de nós mesmos é tão importante quanto

conhecermos os meios, as maneiras e as evoluções em que vivemos. Assim, a descoberta

da identidade e a socialização de conhecimentos vem a ser um dos primeiros passos para

uma boa integração social e a integração de um mundo mais justo e melhor. Segundo Lev

Vygotsky, o indivíduo não nasce pronto, sua evolução intelectual se dá através de uma

interação constante e ininterrupta entre processos internos e influencias do mundo social,

o que ele chama de sociointeracionismo.

Com a diversidade das novas reconfigurações familiares estas geram mudanças na

questão de gênero e família, onde refletem na sociedade, na comunidade e também no

grupo escolar. Hoje as famílias estão embutidas em novas ideias, novos patamares. Na

questão de gênero de que maneiras as famílias as absorve e agem e como isso interfere na

adaptação, na educação, nas relações comportamentais, no contexto social, nas tarefas

domésticas e na religião.

Quando falamos em Família, logo nos vem em mente à imagem de uma família

tradicional, com pai, mãe, filhos, casa, um carro, um cachorro. Mas, atualmente,

vivenciamos novas configurações familiares que afetam os percursos das crianças e se

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manifestam no ambiente escolar. Observa-se que as datas comemorativas também

passaram por reconfigurações com o intuito de não discriminar crianças oriundas de

famílias não nucleares.

Diante destas reconfigurações familiares emergentes, enfatizamos

a importância do afeto para com estas crianças principalmente as oriundas destas

famílias, não podendo esquecer que somos todos seres humanos e a importância de

mostrar para a sociedade que impõem padrões de beleza, de consumo bem como de

padrões familiares, que esta prática vigente deve ser revista, porque é

extremamente excludente. Temos este trabalho como desafio, o de mostrar através da

pesquisa realizada como nossa sociedade e a escola observam em relação ao tema, e o

que elas propõem, para as nossas políticas públicas.

A família pode favorecer a autonomia das suas crianças, desde que os pais

percebam que seus filhos mostrem maturidade e responsabilidade para tal, pois a

autonomia começa desde os primeiros anos de vida, não fazendo por ela aquilo que ela é

capaz de fazer sozinha. Assim as crianças crescerão compreendendo que para qualquer

ação resultará uma reação e muitos desafios. Isso significa abrir mão da própria

onipotência, reconhecer que não podemos controlar tudo e que os riscos sempre estarão

por perto.

O afeto entre aqueles que se ama, seja cada qual dentro de seus

contextos familiares, ele é responsável para dar o significado para o que vivemos, mas

nem sempre sabemos entendê-lo, nem valorizá-lo como merece. É também através da

afetividade que o ser humano vai unindo-se mais fortemente a algo, ou alguém e dispensa

para com estes uma relação de cuidado e isso se dá tanto no ambiente familiar, nas

relações interpessoais, no local de trabalho, bem como, no ambiente escolar.

Torna-se, válido acentuar que através desta expressão de amor, traduzida no afeto

ela é capaz de romper com as dificuldades e diferenças existentes nestas novas

reconfigurações familiares e, consequentemente, as crianças passarão a sentir-se mais

amadas, acolhidas, queridas, interagindo com o meio, a pessoa tende a uma resposta mais

positiva e de maior valor. Assim o afeto em todos os espaços, mas especialmente na

família, será sempre considerado âncora para o crescimento integral do ser humano e

ponte que interliga as pessoas no processo de comunicação.

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A partir dele sonhamos com uma sociedade mais renovadora e receptiva onde os

filhos, educados e toda a pessoa sinta e experiência verdadeiramente do amor e revigore a

qualidade da relação que estabelecem com seus contatos e relações.

Nós educadoras e mediadoras buscamos novas ideias, pois acreditamos que

conhecendo as questões de gênero e família estaremos conscientes de como trabalhar

com essa nova realidade a qual estamos envolvidas em nossas salas de aula.

É através da pesquisa que o grupo irá procurar novos meios de conhecimentos e

que estes gerem um entendimento aprimorado sobre o assunto em questão.

As hipóteses que levantamos nos levaram a um novo conceito de gênero e família.

Vários aspectos implicam no problema, tais como: estrutura familiar, religião, relações

sociais, trabalho, renda, lazer, moradia, identidade e outros.

As atividades desenvolvidas na escola são relacionadas em um conjunto de

atitudes dentro dos recursos oferecidos pela mesma, com a finalidade de oferecer sempre

o melhor, enquanto como será a relação do conhecimento na convivência familiar.

Mediante as respostas da pesquisa pretendemos utilizá-la no dia a dia e procurar

compreender e trabalhar com a diversidade através da pesquisa para que tenhamos acesso

a novas concepções de gênero. Em síntese, gênero e família estão interligados, e as mudanças em um estão ligadas às mudanças na outra, sendo ambos os sujeitos à forca das mudanças sociais. (NIPHUIS-NELL 1978 MASON e JENSEN 1995).

A diversidade atual faz com que haja mudanças em todo o contexto social e cabe a

nós educadores pesquisar sobre diferentes assuntos nas questões que envolvem a relação

gênero e família.

O projeto de pesquisa que originou este texto teve o objetivo investigar a

influência das novas configurações familiares nos comportamentos e trajetória escolar de

crianças e jovens, bem como fazer uma análise e promover discussões e reflexões sobre

questões de gênero e família. Acrescentou ainda o objetivo de investigar o papel das

instituições sociais envolvidas no contexto possibilitando a análise da capacidade de suas

funções diante desta nova realidade.

Para o desenvolvimento do projeto, primeiramente foi desenvolvida uma pesquisa

de opinião, método que faz o levantamento das representações associadas às imagens que

os entrevistados constroem e/ou emite sobre o fenômeno analisado, ou seja, sobre a

relação entre gênero e família-organização familiar reflexos na trajetória escolar.

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Os instrumentos de entrevista foram constituídos por questões abertas e fechadas,

considerando: o perfil do entrevistado; as representações dos entrevistados sobre o tema

do projeto; as indicações sobre os possíveis caminhos para enfrentamento do trabalho

com as questões de diferentes famílias, por consequência, se isso reflete na aprendizagem

e comportamento dos alunos. Numa abordagem aleatória procurou-se entrevistados

respeitando o equilíbrio entre os sexos, atingindo uma população de pais e professores da

rede pública e particular de ensino de Bento Gonçalves.

Os dados foram organizados em tabelas e/ou gráficos, descritos, analisados e

interpretados com base nos referenciais indicados no projeto do curso, além de outros,

como por exemplo: análises e sínteses realizadas em grupo (micro e macro); revisitação

dos princípios teóricos e metodológicos trabalhados nos diferentes encontros do curso;

análise e interpretação das experiências vividas no cotidiano da atuação profissional dos

componentes do grupo, envolvendo aspectos relacionados às questões de gênero e

família- organização familiar reflexos na trajetória escolar.

1 Ressignificando conceitos

Compreender o papel da família e as influências (ou não) das novas formas de

organização familiar nas trajetórias escolares das crianças, requer dos professores e da

escola a necessidade de compreender também o próprio conceito de gênero, muitas vezes

entendido como a diferença entre os sexos, portanto, minimizado ao aspecto biológico.

Para Scott (1990, apud Kronbauer; Meneghel, 2006), “[...] Gênero pode ser considerado o

conjunto de arranjos pelos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em

produtos da atividade humana e no qual estas necessidades sexuais transformadas são

satisfeitas”.

Strey e Winck (2006), reforçam que gênero não é sinônimo de sexo (e vice-versa).

Afirmam que: Enquanto o sexo remete à dimensão biológica, o gênero é compreendido a partir da interseção de quatro elementos inter-relacionados: os símbolos culturais, os conceitos normativos que significam estes símbolos, as organizações e instituições sociais e, por fim, a identidade social subjetiva, relacionada às forças históricas e culturais”. (STREY; WINCK, 2006).

As representações sobre as desigualdades de gênero que coloca a mulher num

lugar inferior e de submissão à dominação masculina são, portanto, socialmente

construídas. Entretanto, um processo, embora ainda muito lento, de desconstrução dessas

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representações pode ser percebido na configuração de muitas famílias contemporâneas. A

família perfeita já não é mais tida como exclusivamente a família nuclear com pai, mãe e

filhos morando na mesma casa. Um número cada vez maior de crianças oriundas do que

antigamente denominávamos de famílias “desestruturadas”, têm chegado a escola com o

mito de que a situação familiar poderia afetar sus trajetórias escolares, as quais, ganham o

rótulo de crianças problemas.

Em vez disso, precisamos observar cada situação como única e não generalizar

preconceitos, muitas vezes, presentes no próprio professor que segrega crianças nessas

condições.

As questões de gênero e diversidade, portanto, afetam as práticas pedagógicas,

pois já não se podem reproduzir os calendários escolares com as atividades

comemorativas em torno, por exemplo, do dia dos pais e/ou das mães, mas sim, da

família, ajudando no processo de inclusão da diferença e de respeito à diversidade

cultural que acompanha a trajetória de cada criança. Mas, para isso acontecer, o professor

tem que vencer seu próprio preconceito e observar a diversidade presente em sua sala de

aula, organizando seu ensino de modo a respeitar a diferença e a fortalecer a criança em

seu processo de estruturação identitária, fugindo à etiqueta: criança de origem de “família

desestruturada”. Ao contrário, aceitando que as famílias apresentam outras configurações

que não mais aquelas da tradição e da cultura e classe social do professor.

É preciso considerar que a união que associa amor, sexualidade e casamento é

uma invenção da era burguesa. Desde então, a instituição casamento, moldada, pelas

determinções econômicas, sociais, culturais, de classe e gênero tem assumido inúmeras

formas. Desde a antiguidade até a Idade Média, por exemplo, os pais eram quem

cuidavam do casamento dos filhos, pois era visto como um negócio de família, a

sexualidade canalizada para a reprodução era parte da aliança firmada, o principal papel

do casamento era servir de base a alianças cuja importância se sobrepunha ao amor e à

sexualidade. Por sua vez, nas sociedades arcaicas, o contrato era estabelecido entre

homens e a mulher e o objeto de troca feita por eles, havendo a proibição do incesto e a

permissão da exogamia. Já, na Modernidade, iniciam-se as grandes mudanças no

casamento com a valorização do amor individual, presente na ideologia burguesa,

estabelecendo o casamento por amor, amor-paixão, com predomínio do erotismo na

relação conjugal. É nesse período histórico que, a partir do séc. XVIII, o amor romântico

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se torna o ideal de casamento, o erotismo expulsa a reserva tradicional, mas introduz um

outro aspecto importante, colocando à prova a duração do casamento. Surge o divórcio

como sanção normal de um sentimento que não pode e nem deve durar e que deve dar

lugar ao seguinte.

O casamento moderno, portanto, desafia os casais modernos a redefinir as

expectativas e as idealizações sobre o casamento. Tem como uma das características, o

aumento do amor paixão, ao invés do amor conjugal, tornando as relações mais voláteis.

Novos aranjos familiares se fazem presentes nas trajetórias de pessoas da várias classes

sociais. A exemplo do que vinha ocorrendo na década de 1970, às décadas de 1980 e

1990 foram marcadas pela reprodução relativa do modelo tradicional de família nuclear

(constituída por marido, esposa e filhos) e pelo aumento proporcional do número de

famílias chefiadas por mulheres e por unidades domésticas unipessoais. A evolução dos

diferentes tipos de unidades domésticas mostra a significativa redução do tamanho das

famílias, com número médio menor de pessoas e filhos (IBGE, 2001).

A teoria neoclássica de Becker (1981) afirma que o aumento da escolaridade

feminina e a resultante abertura de melhores oportunidades de emprego para as mulheres

tornaram-nas consideravelmente menos dependentes das formas tradicionais de formação

doméstica para sua segurança econômica e aumentaram em muito os custos das

oportunidades associadas às tarefas domésticas e à geração e cuidado dos filhos.

A transformação da família ocorre em conjunto com as mudanças de gênero: o

nível de escolaridade aumentou e as mulheres obtêm melhores resultados acadêmicos, de

maneira que as diferenças de gênero neste campo diminuíram e, em muitos casos, se

inverteram; o investimento em educação levou as jovens ao mercado de trabalho e o

crescimento do setor terciário facilitou sua integração. A formação da família também foi

adiada por estas mudanças. Quando as mulheres casam mais tarde, são escolarizadas e

têm um emprego remunerado, é mais provável que as diferenças de gênero sejam mais

limitadas, quando não invertidas: mulheres mais velhas, mais escolarizadas e com

ocupações de maior prestígio nem sempre encontram no mercado matrimonial um

homem mais velho, com maior escolaridade e um emprego melhor que o delas. Os casais

igualitários, ou aqueles em que as diferenças de gênero estão invertidas, tornam-se mais

frequentes.

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2 Questões de Gênero e Família: uma nova realidade

Procuramos compreender se as mudanças nas relações de gênero se fazem

presentes nas famílias de nossos alunos e/ou próximas a elas. Entrevistamos várias

pessoas e de diferentes idades, conforme evidencia o gráfico a seguir:

Nosso maior público de entrevistados foram as mulheres situadas entre os 30 e os 39

anos de idade, conforme mostra o gráfico a seguir:

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A maioria de nossos entrevistados possui curso superior completo, com 39% do

total, acrescidos de 15% com pós-graduação.

Em 61 % dos casos, ambos, mulher e marido, sustentam a casa. Em 21%

dso entrevistados, ainda é o marido que sustenta a casa, 15% fica sob

responsabilidade da mulher e apenas 3% delas são dependentes do cônjuge. Isso

demonstra que a participação das mulheres no mercado de trabalho vem

crescendo e que elas estão ganhando mais espaço no mundo social. Com a

autonomia financeira, o crescimento do nível de escolaridade e outros fatores,

ocorre um aumento de participação da mulher no orçamento familiar. Quanto á

situação conjugal, 68% de nossos entrevistados são casados e 19% estavam

separados e/ou vivendo com companheiros, seguidos de 10% de solteiros e 3%

em viuvez.

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Para os entrevistados, uma das razões das separações conjugais é que parte das

mulheres que trabalham fora de casa passam a ter convívio com outros homens fato que

proporciona mais oportunidades à mulher. Outro aspecto mencionado é que, com o

auxilio da internet, fica favorecido o acesso a novas relações e extraconjugais, pois as

pessoas passam a se expor mais e de forma artificial. Segundo eles, quando as relações

pessoais não vão bem, busca-se outras relações artificiais. Segundo mae´ria veiculada no

Jornal Zero Hora,

A infidelidade conjugal é considerada pelos terapeutas um dos assuntos mais dificeis de se tratar, devido o alto nível de emoções, raiva, hostilidade, frustação se alteram, e o casal costuma fazer uma série de coisas um contra o outro. Por dados e pesquisas sabemos que 20% dos homens tem relação extraconjugal, enquanto de 10 % a 12% das mulheres fazem o mesmo. (BAUCOM, Donald- Psicólogo, jornal Zero Hora – datado de 28.10.2012)

Quanto à influência da religião 87% predomina ainda a Católica, o restante se

divide entre a filosofia espiritual 7% e as demais somam 6%. Com esses dados

pesquisados podemos constatar que os entrevistados são na maioria mulheres, que na

sociedade brasileira a religião é uma característica mais feminina do que masculina.

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A renda familiar dos nossos entrevistados juntamente com o número de filhos

deverá ser considerada relevante pois as pessoas hoje buscam ter menos filhos pois vão

além de um relacionamento, e muitas vezes tem que auxiliar com o sustento de filhos de

outra relação conjugal sua ou de seus/suas companheiros/as.

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Neste gráfico podemos observar que os casais hoje têm as famílias formadas com 1

filho na sua grande maioria e a opção de se ter mais filhos hoje é de 27% com somente 2

filhos. Essas escolhas vem modificando gradativamente as situações das famílias neste

novo século.

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Podemos perceber que os envolvimentos são de curtos prazos, as pessoas

estão permanecendo pouco tempo em um mesmo relacionamento gerando com isso

novas configurações familiares e a possibilidade de terem novos filhos ou auxiliarem na

educação de filhos de seus companheiros.

Na opinião dos entrevistados, 63% considera que as reconfigurações da família

interferem nas dificuldades de relacionamento e de aprendizagem das crianças na escola,

demonstrando que um pensamento conservador e discriminatório se faz presente em suas

representações sociais de gênero. Talvez, possa estar interferindo nesse perfil a p´ropria

religião, o fato de a maioria fazer parte de uma família tradicional e não conhecer como é

o cotidiano de uma família reconfigurada ou, ainda, a própria religião dos entrevistados,

seguidores do catolicismo, defensor do casamento convencional.

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Conforme nosso levantamento, percebemos que 72% dos entrevistados acham que

as escolas não estão preparadas para enfrentar as novas reconfigurações familiares. As

opiniões divergem, indicando que é urgente a escola começar a se preocupar com a

situação, pensando novas formas de organizar o currículo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme a pesquisa que realizamos, nas opiniões dos nossos entrevistados

referente aos questionamos feitos sobre a organização familiar e a aprendizagem escolar,

tendo o recorte gênero e família como ponto de observação, pudemos observar os

preconceitos de gênero presentes num número significativo de respostas, indicando que a

reconfiguração familiar seria um elemento importante nas dificuldades de aprendizagem

e de relacionamento das crianças na escola. Isso pode ser devido ao fato de a maioria dos

entrevistados pertencerem a famílias com organização tradicional.

As opiniões se divergem de acordo com as experiências dos entrevistados e em

outras percebemos que as pessoas a qual não tem certa convivência com essa realidade

imaginam as possibilidades de que tudo se resolve fácil. Já outras pessoas enfatizam que

as novas reconfigurações familiares atuam de maneiras diversas e que elas regem novos

hábitos, costumes e mudam conforme as suas necessidades e que muitas pessoas possuem

uma ideia errônea de que as crianças que têm esse tipo de vivência familiar são

agressivas, possuem mau comportamento ou graus de dificuldades no aprendizado

escolar.

A maioria das pessoas têm opiniões divergentes em aceitar as mudanças dentro da

família de ontem para a de hoje e mesmo com muitas provas de que se a criança é tratada

com amor, carinho e oportunidades de crescer sendo estimulada não são as novas

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reconfigurações familiares que vão originar a violência em sala de aula, pois ela está

presente em todo um convivo de uma sociedade.

Percebemos que os entrevistados possuem uma imagem e uma opinião formada

de que as divergências familiares, muitas vezes, são fatores que estimulam uma

agressividade nos jovens e nas crianças, sem questionar se a falta de amor, os insultos, a

falta de oportunidades dentro de uma sociedade puramente comercial não estão gerando

toda essa revolta, e não a diversidade familiar.

Alguns dizem que as violências verbais dentro de uma separação geram muitos

conflitos e interiormente interferem no pensamento do ser humano e, em se tratando de

crianças e jovens, onde inicia seu processo da construção da personalidade, isso poderá

acarretar em graves transtornos, sendo visivelmente percebido em sala de aula e em suas

relações sociais.

Em se tratando das instituições, percebemos que a opinião dos entrevistados é que

a grande tendência dos pais em direcionar toda a educação dos filhos para a escola,

muitas vezes, desconhecedora do que se passa no interior da família e da casa.

Com isso nossa base de estudos nos leva a questionar: Agir de que maneira?

Oportunizar encontros nas comunidades escolares onde as famílias possam ter um espaço

para esclarecer suas dúvidas, as quais enfrentam atualmente. É necessário também

disponibilizar a estas famílias a ajuda de profissionais em diferentes áreas sociais.

Como escola, como ajudar essa criança ou esse jovem? Mudanças no currículo

escolar servem como um auxílio perante a nova reconfiguração familiar onde possa ser

possível propor atividades e ações que contemplem as novas realidades familiares

vigentes e a capacitação dos profissionais da área da educação. Com isso vemos que

temos muito a fazer dentro da nossa sociedade e que todos podemos de alguma forma

ajudar.

Referências

ALVES, Januária. Nossa escola pesquisa sua opinião: diário de pesquisa. São Paulo: Global, 2004. BECKER, Fernando. Ensino e pesquisa: qual a relação? In: BECKER, Fernando; MARQUES, Tânia Beatriz Iwasko (Org.). Ser professor é ser pesquisador. Porto Alegre: Mediação, 2007.

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BAUCOM, Donald. Cresce o número de mulheres que traem, diz especialista. In. Jornal Zero Hora, 28 de outubro de 2012. VYGOTSKI, Lev. O teórico do ensino como processo social. In. Revista Nova Escola – Ed. Especial, julho de 2008 PINELLI, Antonella. Gênero e Família nos países desenvolvidos. In, DEMOGRAPHICAS Volume 2, 2004. Disponível em: www.abep.org.br VAN DER VEER, Rene e VALSINER, Jaan. Vygotsky- uma síntese. São Paulo: Loyola, 1996.