galeno lacerda - remedios processuais da adm e contra a adm

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  • 7/26/2019 Galeno Lacerda - Remedios Processuais Da Adm e Contra a Adm

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    REMDIOSPRO ESSU ISD DMINISTR O

    E ONTR DMINISTR O

    Galeno Lacerda

    Professor Catedrtico da Faculdade de

    Direito de Prto Alegre da Universidade

    do Rio Grande do Sul

    H muito de verdade na errnea afirmao de BINDER

    1)de que a actio um prius em relao ao direito subjetivo.

    Para le, tda sentena, mesmo meramente declaratria, tem

    funo constitutiva, visto ser sempre hipottico o direito ale-

    gado pelas partes. O objeto do processo no se constituiria,

    assim, de uma relao material pr-existente, seno que, to

    s, de uma simples afirmao jurdica. Por isto, o direito

    subjetivo seria um

    posterius

    Esta teoria da prioridade lgica da actio com tanta razo

    criticada por PUGLIESE 2),no , contudo, de todo despre-

    zvel.

    o processo , sem dvida, um meio de aferio de juzos

    de valor. Podemos afirmar que atravs dle se cria tambm

    o direito, no sentido, prprio de nossa contingncia, de des-

    coberta da norma adequada aos fatos controvertidos. Da an-

    lise valor ativa da prova, a inteligncia induz, pQr abstrao,

    a norma jurdica, descobre o dever - ser imposto pelos va-

    lores em conflito.

    Isto explica a razo pela qual a

    actio

    romana, como o

    commonlaw

    anglo-americano, constituem fontes inesgotveis

    1) - Prozess und Recht , 1927, pg. 49, e System der Rechtsphilosophie , 1937,

    pg. 355.

    2) - Actio e diritto subiettivo , 1939,pgs. 42 e segs.

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    GAtENO LACERDA

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    de elaborao do direito. que a variedade infinita dos li-

    tgios e a complexidade cada vez maior dos intersses obrigam

    o juiz como o cientista que pesquisa o real a conhecer e des-cobrir o direito.

    A monumental construo do direito romano resulta

    sem dvida do repositrio de frmulas coligidas dura~te s-

    culos. E que era a frmula seno a norma jurdica abstrata

    implicitamente anunciada e descoberta pelo pretor em face

    da valorizao por le elaborada dos fatos trazidos a seu co-

    nhecimento pela

    litiscontestatio?

    A

    actio

    no um

    prius

    do direito subjetivo como pensa

    BINDER. Mas foi sem dvida e continua a ser um dos meios

    mais eficazes de a razo humana encontrar-se COlno direito

    objetivo :ste pr-existe ao processo est nsito nos valores

    em litgio como causa do direito subjetivo de qualquer das

    partes que afinal venha a ser declarado pelo juiz.

    A

    actib

    no na verdade

    prius

    nem lgico nem ontol-

    gico - apenas o instrumento que faz desabrochar o jus

    Natural que a descoberta das normas jurdicas se reali-

    zasse primeiro nos domnios da justia comutativa nos hori-

    zontes do direito privado.

    Informes ainda os lineamentos do Estado o encontro da

    razo humana com o direito haveria de brotar dos conflitos

    individuais de intersses. E nisto os romanos no se fize-

    ram de rogados. Legaram-nos uma construo milenar qua-

    se perfeita do direito privado.

    A justia porm no s individual igualitria ou co-

    mutativa.

    Ela s se integra na verdade se os aspectos sociais e p-

    blicos da justia legal e da distributiva se fizerem presentes.

    Ora o direito pb~co s poderia afirmar-se a partir da

    . anlise e conhecimento de um dos trmos da relao - a so-

    ciedade organizada ou o Estado.

    E essa racionalizao do Estado como sujeito ativo e pas-

    sivo de direitos em face do indivduo s haveria de realizar-

    se medida em que as necessidades sociais fssem impondo

    inteligncia humana por bem ou por mal por meios pacfi-

    cos ou pela revoluo a considerao daqueles valores indis-

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    REMDIOS PROCESSUAIS...

    pensveis configurao das normas de direito pblico cor-

    respondentes.

    O lento processo histrico de sujeio do Estado ao direi-

    to resulta, portanto, da laboriosa descoberta, pela razo, das

    normas jurdicas, materiais e instrumentais, que convm ao

    direito pblico, isto , queles setores pertinentes justia le-

    gal e justia distributiva.

    Nesta tarefa estupenda de conquista da justia, em cujo

    limiar sempre nos encontraremos, continua a caber ao proces-

    so, mesmo em tais domnios do direito pblico material, um

    papel de extrema relevncia.

    O Estado de direito nasce medida em que a adminis-

    trao, nas suas relaes com os administrados, comea a su-

    jeitar-se ao processo jurisdicional.

    Aqui tambm a

    actio

    um elemento preponderante para

    a descoberta do jus no mais privat llm seno publicum.

    As primeiras manifestaes de sujeio jurisdicional, va-

    mos encontr-Ias naquelas relaes entre Estado e cidado

    que, pela forma e pelo contedo patrimonial, mais de perto se

    assemelham s relaes dos particulares entre si (3).

    Defrontamo-nos, assim, no direito romano republicano

    com a fico de substituir-se o Estado devedor por um cida-

    do qualquer, para os fins de sujeit-Io como ru jurisdio.

    E, de igual modo, surge a pessoa jurdica do Fisco, como

    sujeito ativo das causae jiscales. Interessante , contudo, ob-

    servar, com WINDSCHEID (4),que o direito romano, conside-

    rando embora o fisco como pessoa jurdica, no personificava,

    atravs dle, o complexo dos indivduos reunidos em Estado,

    mas simplesmente a caixa, ou o patrimnio do Estado, do

    mesmo modo como se atribui s fundaes a personalidade

    jurdica. Pois que por fundao se entende s o patrimnio

    destinado a um determinado fim. Se ste se encarna num

    instituto - coisa que no necessria - com a personifica-

    o do patrimnio concorre a personificao do instituto .

    (3) -

    CAMMEO, Comentaria delle leggi sulla giust1z1a amministrativa , I, pg. 31.

    (4)

    -

    Dlritto delle Pandette , trad. FADDA e BENSA, I. 1925. pg. 173.

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    GALENO LACERDA

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    Isto explica a afirmao de SAVIGNY de que o fisco era

    o prprio Estado, considerado como sujeito de relaes de

    direito privado (5).

    Se, entretanto, permaneciam confusas e indistintas as

    relaes de direito pblico e a afirmao dos direitos subjeti-

    vos pblicos do indivduo, conheceu, em compensao, o di-

    reito romano uma form altamente evoluda de direito pol-

    tico-processual. Referimo-nos s aes populares, concedidas

    cuivis de populo,

    como proteo no do intersse particular;

    mas do prprio intersse da comunidade, em variadssimos

    casos. Algumas visavam a conservar a integridade ou o

    livre uso de coisas pblicas, ou de coisas ao abrigo da prote-

    o dos interditos actio de albo corrupto, actio de sepulchro

    violato,

    etc.); outras, a afastar perigos integridade comum

    actio depositis et suspensis, actio de bestiis ;

    outras, ainda,

    a conservar a integridade das classes de homens livres e de

    escravos assertio in liberta tem, interdito de homine libero

    exhibendo, actio de collusione detegenda ;

    outras mais a tu-

    telar princpios fundamentais de ordem privada e familiar

    actio de tabulis apertis, actio suspecti tutoris ,

    ou a garantir

    a observncia de preceitos acrca do ordenamento dos encar-

    gos pblicos e da assistncia pblica (aes concedidas pelas

    leis coloniais e municipais) ; outras, por fim, a suprir a inr-

    cia dos funcionrios pblicos em reivindicar um direito priva-

    do da comunidade (ao para o legado ad pias causas (6).

    Mas, o direito pblico subjetivo do particular, o direito do

    administrado contra a administrao, uti singulis e no uti

    civis,

    permaneceu confuso e indeterminado no direito romano.

    Devemos, sem dvida, aos povos germnicos o reconheci-

    mento mais consciente do direito pblico subjetivo e de sua

    garantia jurisdicional . Ao contrrio da irresponsabilidade

    funcional dos agentes pblicos, que o direito romano admitia

    como regra, o conceito germnico submetia os rgos do Es-

    tado, mesmo o mais elevado, o rei, ao direito nacional, lex

    terrae. O indivduo lesado, pelo rei ou por outro rgo, em

    pretenso subjetiva tutelada pela lex terrae, podia postular

    os seus direitos, primeiro perante a assemblia do povo, depois

    (5)

    -

    Sistema , II, trad. SCIALOJA, pg. 248.

    (6) - CAMMEO,

    op cit pg 259

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    o Estado-polcia posterior eliminou o salutar poder revo-

    lucionrio dos tribunais em matria de direito pblico

    -

    e

    disto um dos exemplos mais frisantes o clebre edito de

    Saint Germain, de fevereiro de 1641, ao que parece do pr-

    prio punho de RICHELIEU, no qual se repele a pretenso do

    Parlamento de Paris de censurar a administrao e pedir

    contas do manejo dos negcios pblicos, e se convida os ma-

    gistrados a se contentarem com o poder que os torna juzes

    da vida do homem e dos bens dos sditos, e se os proibe de

    ocuparem-se das coisas do govrno, que no pertence seno

    ao prncipe 10 .

    A revoluo francesa, com o dogma absoluto da indepen-

    dncia dos poderes, como defesa contra os abusos dos Parla-

    mentos, manteve o absolutismo da administrao, e reduziu

    o juiz a um orculo inerte da vontade do legislador.

    o moderno Estado de direito, contudo, se, de um lado,

    veio submeter a administrao legalidade e, portanto, ju-

    risdio - de outro, procurou resguardar em favor da admi-

    nistrao a esfera de liberdade indispensvel consecuo de

    seus fins, radicados no intersse pblico, e impor tambm for-

    mas processuais definidas e especficas para a composio dos

    conflitos entre ela e o particular.

    A disciplina a que o princpio de legalidade sujeitou a re-

    lao jurdica Estado-indivduo, constitui, essencialmente, no

    reconhecimento de uma ao discricionria administrativa

    imune jurisdio, e na imposio do due process 01 l w

    concebido como garantia de defesa e como limite, tambm, ao

    arbtrio do judicirio.

    Tem-se acentuado, na doutrina, uma tendncia moderna

    a limitar, pelas vias de contrle, a ao administrativa, mes-

    mo quando discricionria 11 .

    Essa orientao no nos parece defensvel. Sem grave

    ofensa justia legal, no pode o legislador recusar admi-

    nistrao o poder de guiar-se segundo critrios no-jurdicos,

    de convenincia e oportunidade, para a satisfao dos fins que

    10

    -

    LENTINI, La giustiziaamministrativa , pg. 9, citando LAFERRIERE, De

    Ia juridiction administrative , pg. 157.

    11)-

    SEABRA FAGUNDES, O contrledos atos administrativospelo poder JU-

    dicirio ,.a ed., pg. 119.

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    REMDIOS PROCESSUAIS...

    lhe so prprios, isto , para a satisfao das necessidades co-

    letivas, em constante devir , que lhe cumpre ocorrer~

    Da QUEIR definir a discricionaridade como a facul-

    dade de escolha, concedida pelo legislador administrao,

    dentre uma srie limitada de bens jurdicos adequados sa-

    tisfao de uma certa necessidade pblica 12). Isto no sig-

    nifica que os agentes pblicos no sejam obrigados a proce-

    der a uma ponderao honesta do intersse ou do valor de ca-

    da medida . Mas, a obrigao legislativa s a de procede-

    rem os agentes melhor apreciao; qual seja, contudo, a

    melhor apreciao, coisa que j no depende do legislador,

    do livre juzo da Administrao 13).

    Ou, no dizer de QUEIR, o agente tem,

    subjetivamente

    de determinar-se pelo

    fim

    da satisfao tima da necessidade

    tutelada 14).

    A consecuo de tal fim e dever ser, contudo, insuscet-

    vel de jurisdio, se o agente se manteve no reto exerccio do

    poder - dever que lhe incumbe. sse limite jurisdio ,

    a nosso ver, indispensvel p:;tra assegurar-se o devido respeito

    justia legal, no que concerne posio instrumental. do

    Estado, aos direitos - deveres inerentes sua funo admi-

    nistrativa.

    Os vcios do ato administrativo podem concernir mani-

    festao da vontade, ao motivo, ao objeto, finalidade e for-

    ma 15).

    O ato administrativo vinculado est, evidentemente, sob

    todos os aspectos, sujeito jurisdio.

    O ato discricionrio a ela, contudo, tambm se subordina

    naqueles de seus aspectos regulados taxativamente pelo le-

    gislador, isto , quanto manifestao de vontade. do agente

    vcios de incompetncia e de excesso de poder) e quanto

    forma vcio de nulidade).

    12) - O poder discricionrio da administrao , Coimbra, 1948, pg. 245.

    13) - QUEIR, op. cit., pg. 268.

    14) - Op. cit., pg. 277.

    15) - SEABRA FAGUNDES, op. cit., pg. 76.

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    Sendo, em regra, atravs da funo administrativa que

    o Estado se pe em contacto com o indivduo, a prop6sito de

    seu exerccio que podero surgir conflitos de intersses nas

    relaes entre Estado e particular 16).

    A lide ser o choque de pretenses antagnicas do admi-

    nistrado e da administrao, cuja composio mediante a des-

    coberta e declarao da norma jurdica concreta, conveniente

    aos intersses desavindos, constituir o escopo da funo ju-

    risdicional, a ser solicitada atravs do remdio processual ade-

    quado.

    Em regra, os remdios processuais comuns so de livre

    utilizao por qualquer das partes.

    Na prtica, contudo, a administrao raras vzes assume

    a iniciativa de propor a demanda.

    A razo consiste em que, embora o ato administrativo no

    seja em si mesmo e por natureza executrio, costuma le, en-

    tretanto, muitas vzes, receber da lei a outorga de executo-

    riedade direta. E considerando-se que cabe administrao

    promover o bem comum e, portanto, agir no conflito com os

    particulares, como diria CARNELUTTI, curial que a

    re o

    a stes caiba, quando entenderem que a ao administrativa

    se ressente de quaisquer dos vcios acima apontados.

    O princpio, entretanto, ste: quando a lei no confe-

    rir executoriedade prpria ao ato administrativo, na hiptese

    de resistncia do par ticular, o fim visado pelo Poder Pblico

    e a sua execuo s podero lograr-se mediante ao judicial,

    em que a administrao surja como autora.

    Da o afirmar-se que quaisquer remdios processuais po-

    dero ser utilizados pelas partes em conflito, podendo a ao

    respectiva assumir, indiferentemente, a natureza declarat-

    ria, constitutiva ou conde,natria, conforme o tipo de preten-

    so manifestado.

    Esta regra geral, entretanto, no esgota o problema da

    forma processual para ste tipo de litgio. que a relao

    jurdica de direito pblico, pela complexidade dos valores em

    16) - SEABRA FAGUNDES, op. cit., pg. 112.

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    REMDIOS PROCESSUAIS...

    conflito e pelos fins diversos e antinmicos - individuais e

    sociais - a que tendem os sujeitos em lide, deve postular ne-

    cessriamente remdio processuais especficos para a pronta

    soluo da controvrsia, estranhos queles em que comumente

    se resolvem as lides privadas.

    A hierarquia maior dos valores de direito pblico a serem

    tutelados, pertinentes administrao ou ao administrado,

    exige formas processuais mais expeditas, impondo-se aqui,

    mais do que nunca, o respeito ao princpio de economia, pela

    necessidade pblica fundamental, de um lado, de obter-se a

    certeza da legalidade da ao administrativa; de outro, de

    permitir-se que esta logre alcanar os fins legtimos, acaso em-

    baraados pelo indivduo, no mais breve tempo possvel.

    Sem prejuzo, portanto, dos remdios processuais comuns,

    deve a ordem jurdica proporcionar remdios especficos para

    a soluo de tais contendas.

    No direito brasileiro, podemos apontar como remdios

    processuais especficos da administrao o processo judicial

    de desapropriao e o executivo fiscal.

    So, por sua vez, especficos contra a administrao o

    habeas corpus o mandado de segurana e a ao popular.

    A desapropriao de bens de particulares lograda, em

    regra, mediante simples ato administrativo, vedado ao Poder

    Judicirio o exame do mrito da declarao de utilidade p-

    blica art. 11 do decreto-lei 3.365, de 21/6/41 .

    Nestas condies, na ao de desapropriao, a soluo

    do litgio entre administrao e administrado se limita ao ar--

    bitramento judicial do valor da coisa expropriada.

    Apesar disto, a ao de natureza constitutiva, porque a

    sentena que fixar o preo da indenizao possui um duplo

    efeito: substitui a propriedade do particular pelo sucedneo

    do valor arbitrado, e subroga no preo os eventuais nus ou

    direitos que recaam sbre o bem expropriado art. 31 do de-

    creto-lei 3.365 .

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    GALENO LACERDA

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    A ao executiva fiscal representa o reflexo processual

    da presuno de legalidade dos assentamentos do errio. Es-

    sa presuno inverte o nus da prova. Ao invs de o credor

    -

    no caso, o fisco

    -

    provar a legitimidade do crdito, cabe

    ao ru, executado, a prova da ilegalidade da pretenso de

    cobrana.

    A inscrio da dvida na repartio fiscal opera como t-

    tulo executrio lquido e certo, equivalente sentena, para

    os fins do procedimento executivo de coero sbre o patri-

    mnio do devedor arts. 2. e 6. do decreto-lei 960, de

    ...

    17/11/38) .

    Considerando que a lei, ultimamente, tem facultado

    administrao meios de coero indiretos sbre o patrimnio

    do devedor, mais eficazes que a ao executiva proibio de

    venda de estampilhas, de viagem ao exterior, etc.), do mesmo

    modo que permite a execuo forada do contribuinte quando

    funcionrio, por via administrativa, mediante desconto em

    folha de pagamento

    - SEABRA FAGUNDES registra, com

    acrto, a modificao operada no sentido da ao executiva

    fiscal, que, de privilgio do errio, passa a constituir-se em

    legtima tutela dos intersses do executado, pela ampla defe-

    sa de mrito que lhe permite produzir no processo 17).

    Embora no se trate de remdios processuais especficos

    da administrao, cumpre mencionar, pelo destaque que lhes

    empresta o Cdigo de Processo Civil, a ao cominatria e as

    aes de nulidade de patente de inveno e de marca de in-

    dstria e de comrcio.

    A primeira cabe administrao para coibir o indivduo

    ao cumprimento das diversas obrigaes pblicas, que con-

    sistam em prestaes de suportar, fazer e no fazer 18).Cla-

    ro est que a discriminao de aes cominatrias prprias

    da Unio, Estados e Municpios, constante dos incisos X e XI,

    do art. 302 do C.P.C., meramente exemplificativa. Sempre

    que o Poder Pblico quiser executar tais tipos de obrigao,

    sem para tanto possuir o necessrio poder legal, dever recor-

    rer ao cominatria, como remdio comum de proteo.

    Quanto s aes de nulidade de patente e marca de in-

    17) -

    Op. cit., pg. 354.

    18) - SEABRA FAGUNDES,

    op cit pg 433

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    REMDIOS PROCESSUAIS...

    dstria,. os dispositivos do C.P.C., repetidos pelo Cdigo de

    Propriedade Industrial, no impem nenhum procedimento

    especfico, limitando-se a consagrar-lhes o rito ordinrio. Po

    dem ser elas propostas tanto pela administrao, quanto pelo

    particular.

    .

    No primeiro caso, justifica-se a ao judicial ao invs da

    simples cassao administrativa do privilgio, tendo-se em

    vista o efeito erga omnes do registro anterior, e o conseqente

    intersse moral da administrao de ver declarada a ilegali-

    da~e de seu prprio ato pelo poder jurisdicional.

    o direito brasileiro seguiu com no menor brilho a lumi-

    nosa trajetria do qireito anglo-americano, no que concerne

    proteo pronta e eficaz dos direitos subjetivos pblicos do

    particular.

    Esta proteo haveria de lograr-se: primeiro, mediante

    a descoberta de normas instrumentais, de construo jurdi-

    co-processual expedita; segundo, mediante a elevao de tais

    formas e remdios processuais natureza de garantia exig-

    vel

    per se ipsa

    como direito constitucional (19).

    Para atingir tal objetivo, notvel tem sido no direito bra-

    sileiro o trabalho integrador da doutrina e da jurisprudncia.

    Do

    habeas corpus

    nascido no Imprio, sob inspirao do

    direito ingls, no art. 340 do Cdigo de Processo Criminal,. e

    erigido em garantia constitucional pelo art. 72, 22, da Cons-

    tituio de 91, haveria de nascer, graas genial pregao de

    RUY, acolhida em memorabilssimo trabalho construtivo pe-

    la jurisprudncia (20),a notvel extenso do instituto pro-

    teo ampla dos direitos subjetivos pblicos, semelhana

    dos

    writs

    norte-americanos - latitude esta que, em pas al-

    gum, jamais se lhe reconhecera (21).

    Falha, na prtica, a ao especial para a invalidao dos

    atos da administrao lesivos de direitos individuais, criada

    pela lei n.O 221, de 1894, o mesmo gnio de RUY BARBOSA

    (19)

    - PONTES DE MIRANDA, Histria e Prtica do Habeas-Corpus , 52, pg.

    173.

    (20) - SEABRAFAGUNDES,op. cit., pg. 286.

    (21) - SEABRAFAGUNDES1Op. cit., pg. 286.

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    GALENO LACERDA

    lanou mo, para tal fim, dos interditos possessrios, em parte

    acolhidos, neste sentido, pelo Supremo Tribunal e pelo Poder

    Legislativo, ste, decidindo-se a ampliar o interdito proibit-

    rio e a manuteno de posse defesa dos contribuintes con-

    tra a cobrana de alguns impostos ilegais lei n.o 3.185, de

    1904) 2~).

    Segundo a pregao de RUY, o habeas corpus se destina-

    ria proteo das pessoas ,os interditos proteo dos bens.

    Confinada a extenso do habeas corpus pela reforma

    constitucional de 26, s suas linhas tradicionais de remfio

    de proteo ao direito de locomoo e liberdade fsica do in-

    divduo - sazonada se encontrava a seara para o nascimen-

    to de nosso mandado de segurana, cuja origem e finalidade

    so de todos conhecidas.

    o que cumpre, contudo, assinalar nesta notabilssima

    evoluo, o anseio pela busca da forma processual adequa-

    da, anseio a cujo clamor no se fizeran1 surdos os tribunais

    brasileiros. Ao contrrio, pela conivncia manifesta em des-

    viar de seus fins remdios processuais apenas em parte ade-

    quados s novas exigncias, foraram o legislador pesquisa

    da forma processual pertinente eficaz proteo do direito

    subjetivo pblico do indivduo.

    E, dste modo, a tarefa de descoberta do direito que, no

    incio dste trabalho, indicramos como prpria da atividade

    do juiz, no se circunscreveu, entre ns, ao direito material

    -

    antes, pelo contrrio, chegou ao ponto de influir decisiva-

    mente para a racionalizao da norma instrumental, no sen-;-

    tido da descoberta de uma forma processual tima para ocor-

    rer s necessidades

    processuais

    de proteo dos direitos do in-

    divduo, em face do Estado.

    Esta notvel afinao do instrumento, realizada pela ju-

    risprudncia brasileira, em matria de direito pblico, como

    misso pr-Iegislativa e desbravadora de formas processuais

    ideais, est longe de dar-se por encerrada.

    Muito pelo contrrio, em tema de mandado de seguran-

    22) - ALCANTARA MACHADO,

    apu

    CASTRO NUNES, Do mandado de segu-

    rana , 2.a ed., pg. 17.

  • 7/26/2019 Galeno Lacerda - Remedios Processuais Da Adm e Contra a Adm

    13/14

    REMDIOS PROCESSUAIS. . .

    a a est a construo normativo jurisprudencial do recur

    so ordinrio at hoje no regulado pelo legislador; a atri

    buio de eficcia suspensiva ao agravo contra deciso dene

    gatria para o fim de manter se a liminar jurisprudncia

    revolucionria dos cnones processuais mais acatados pois

    que importa em quebra do princpio da igualdade processual

    das partes em favor do particular j que o agravo da admi

    nistrao contra a deciso concessiva do mandado no possui

    efeito suspensivo. E esta desigualdade processual de eficcia

    para o mesmo recurso conforme utilizado pelo administrado

    o~ pela administrao consagrada como compensao da

    desigualdade que se presume existir fora do processo entre o

    indivduo e o poder do Estado.

    Notvel ainda a construo jurisprudencial no que con

    cerne s conseqncias da sujeio do ato judicial ao manda

    do de segurana especialmente no que respeita posio

    processual no mandado da parte adversria no processo em

    que se manifesta o ato impugnado. Os novos rumos desta

    extenso do remdio esto a abalar certa ou erradamente

    limitanlO nos a registrar o fato tda a teoria dos recursos

    no processo civil e a estabelecer maior confus.o nas idias j

    de si confusas que circulam na doutrina a respeito de litis

    consrcio e da interven~o de terceiros no processo.

    Mas onde a criao descoberta da normatividade proces

    sual maior esfro est demandando da inteligncia de nos

    sos juzes no que se refere ao popular ltimo e mais

    recente dos meios processuais especficos contra a adminis

    trao acolhidos pelo direito constitucional brasileiro. Ain

    da aqui a jurisprudncia se tem mostrado bandeirante da

    legislao ordinria at agora ausente na regulamentao do

    novo instituto processual.

    No cabe nos limites destas linhas qualquer informao

    sbre o histrico e natureza da ao popular de resto assaz

    conhecidos. Importa apenas lembrar que atravs dela o de

    que se cuida proteger no um direito pblico do indivduo

    seno que um direito da prpria coletividade de que o autor

    se faz substituto processual. O direito de exerccio da ao

    popular enquadra se assim entre os direitos cvicos funda

    mentais e esta caracterstica cvico poltica que faz com

    que o institu to se estenda tambm ao prprio direito eleitoral.

  • 7/26/2019 Galeno Lacerda - Remedios Processuais Da Adm e Contra a Adm

    14/14

    GALENO LACERDA

    113

    Pois bem esplndida sob todos os aspectos como prova

    de aguda sensibilidade necessidade poltica de um remdio

    processual eficaz aos fins da ao popular a forte corrente

    que pulsa em nossos tribunais no sentido de adaptar se tal

    ao ao rito sumarssimo dO mandado de segurana quando

    presentes tambm os pressupostos constitucionais dste re

    lativos certeza e liquidez do direito controvertido; no caso

    o direito do ente pblico lesado pelo ato da autoridade.

    ~stes simples traos evidenciam como o direito processual

    constitucional para usarmos a expresso de JOS FREDERI

    CO MARQUES se elabora no Brasil e se trata neste do

    mnio para honra nossa de elaborao de vanguarda no di

    reito universal se elabora sob o impulso decisivo do Poder

    Judicirio o qual no mais se compraz em descobrir o timo

    jurdico adequado conduta material das partes mas se afa

    .

    na em encontrar tambm o tin10 processual indispensvel

    proteo dos intersses pblicos e polticos do indivduo e do

    cidado.

    At onde iremos nesta nsia pioneira e pr Iegislativa de

    busca da norma instrumental ideal s necessidades da lide

    entre o Prncipe e o sdito na ponderao exata dos valores

    em conflito?

    Sem dvida marchamos em demanda de novos horizon

    tes de maior glria para o direito pblico brasileiro.