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FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE DIVINÓPOLIS – FUNEDI FORMAÇÃO PROFISSIONAL E EMPREGABILIDADE: UM ESTUDO SOBRE O CEFET – BAMBUÍ DIVINÓPOLIS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MINAS GERAIS 2008

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FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE DIVINÓPOLIS – FUNEDI

FORMAÇÃO PROFISSIONAL E EMPREGABILIDADE: UM ESTUDO SOBRE O CEFET – BAMBUÍ

DIVINÓPOLIS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MINAS GERAIS

2008

Adriana Maria da Silva

FORMAÇÃO PROFISSIONAL E EMPREGABILIDADE: UM ESTUDO SOBRE O CEFET – BAMBUÍ

Dissertação apresentada ao curso de mestrado da Universidade do Estado de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Organizações sociais. ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Estudos Contemporâneos ORIENTADOR: Prof. Dr. Leandro Pena Catão

DIVINÓPOLIS 2008

Silva, Adriana Maria da S586f Formação profissional e empregabilidade: um estudo sobre o CEFET- Bambuí [manuscrito] / Adriana Maria da Silva. – 2008. 170 f., enc. il. Orientador : Leandro Pena Catão Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, Fundação Educacional de Divinópolis. Bibliografia : f. 141 - 146

1. Mercado de Trabalho – Contemporaneidade. 2. Mão de Obra – Formação. 3. CEFET – Bambuí. I. Catão, Leandro Pena. II. Universidade do Estado de Minas Gerais. Fundação Educacional de Divinópolis. III. Título. CDD: 331.12

Universidade do Estado de Minas Gerais

Fundação Educacional de Divinópolis

Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Organizações Sociais Dissertação intitulada “Formação Profissional e Empregabilidade: um estudo sobre o

CEFET-Bambuí”, de autoria da mestranda Adriana Maria da Silva, aprovada pela banca

examinadora pelos seguintes professores:

___________________________________________________

Prof. Dr. Leandro Pena Catão – FUNEDI/UEMG – Orientador

___________________________________________________

Prof. Dr. Francis Albert Cotta – FEVALE/UEMG

___________________________________________________

Prof. Dr. Mateus Henrique de Faria Pereira – FUNEDI/UEMG

___________________________________________________

Prof. Dr. Alexandre Simões Ribeiro

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Organizações

Sociais

FUNEDI/UEMG

Divinópolis, março de 2008.

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente, autorizo sua exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da FUNEDI/UEMG. Assinatura:___________________________ Local e data: _________________________

DEDICO: Á memória de minha mãe Ebe Alves, exemplo de educadora e de pessoa íntegra. Ao José Admar, Maria Eugênia e Igor, amores por toda a minha vida.

AGRADEÇO:

Ao meu amigo e orientador Leandro Pena Catão pelo incentivo dado a essa pesquisa; ao prof. José Geraldo Pedrosa pela valiosa contribuição a esse estudo; a D. Elci pelas pesquisas na internet; ao Sr. Altamiro pela disponibilidade em me conduzir pelos caminhos do CEFET-Bambuí; aos colegas de mestrado pelas piadas nas horas difíceis. A todos, o meu agradecimento.

RESUMO

Devido às constantes crises econômicas pelas quais passa o capitalismo, o mercado de trabalho procurou fazer um “novo” reencaixe de homens e mulheres, passando da racionalização das medidas disciplinares para a otimização da produtividade, do aparecimento de novas profissões para uma crescente qualificação da mão-de-obra nos cursos profissionalizantes. Por isso, a política educacional desenvolvida no Brasil e em Minas Gerais, especialmente após a segunda metade da década de 1960, buscou refletir a teoria do capital humano que transfere ao indivíduo a responsabilidade do seu emprego ou desemprego, baseado na meritocracia. Produziu-se, então, a crença de que o progresso técnico não só gera novos empregos, mas exige uma qualificação cada vez mais apurada e que essa, via escolarização, se constituiria em garantia de níveis de renda cada vez mais elevados. Os CEFETs são, então, equipados para responder a essa demanda, com cursos de alta qualidade e inserção imediata no mercado de trabalho. Especificamente no CEFET-Bambuí, essa mão-de-obra irá inserir-se em uma realidade agrícola com uma metodologia voltada para o sistema escola-fazenda. Também uma postura empreendedora é esperada nessa instituição. No entanto, essa postura se volta para um paradigma de competição e individualismo que não responde a um anseio de mudanças pretendido pela necessidade atual. Palavras-chave: mercado de trabalho, cursos profissionalizantes, Cefet.

ABSTRACT

Had to the constant economic crises for which it passes the capitalism, the work market looked for to make “new” regencies of men and women, passing of the rationalization of the measures to discipline for the optimization of the productivity, of the appearance of new professions for an increasing qualification of the man power in the professionalizing courses. Therefore, the developed educational politics in Brazil and Minas Gerais, especially after the second half of the decade of 1960, searched to reflect the theory of the human capital that transfers to the individual the responsibility of its job or unemployment. It was produced, then, the belief of that the progress technician not only generates new jobs, but demands a qualification each more refined time and that this, saw school, if would more constitute in guarantee of levels of raised income each time. The CEFETs is, then, equipped to answer to this demand, with courses of high quality and immediate insertion in the work market. Specifically in the CEFET-Bambuí, this man power will go to insert in an agricultural reality with a methodology directed toward the system school-farm. Also an enterprising position is waited in this institution. However, this position if return for a competition paradigm and individualism that does not answer to a yearning of changes intended by the current necessity. Word-keys: market of work, professionalizing courses, Cefet.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Posto Agropecuário 1952 .............................................................. 14

Figura 2 – Alunos do Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola 1958.... 14

Figura 3 – Entrada principal do Posto Agropecuário 1950 ............................. 108

Figura 4 – Entrada principal do CEFET-Bambuí 2008 ................................... 108

Figura 5 – Autorização de serviço do Posto Agropecuário.............................. 111

Figura 6 – Sr. Altamiro em aula prática ........................................................... 112

Figura 7 – Formatura do 1ª turma do Centro de Treinamento de Tratorista..... 112

Figura 8 – Cooperativa-escola ......................................................................... 116

Figura 9 – Símbolo da Escola Agrotécnica de Bambuí.................................... 119

Figura 10 – Entrada principal do CEFET-Bambuí........................................... 129

Figura 11 – Foto aérea do CEFET-Bambuí...................................................... 130

Figura 12 – FIPA............................................................................................... 135

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 08 CAPÍTULO I : Decifra-me ou te devoro – o mercado de trabalho na contemporaneidade ................................................................................. 15 1.1 O Desenvolvimento da sociedade capitalista e seus intercâmbios.. 23 CAPÍTULO II : A busca pela cidadania através da Educação Profissional no Brasil e em Minas Gerais .................................................. 49 2.1 Primeira República .......................................................................... 52 2.2 Período Desenvolvimentista ............................................................. 67 2.3 Ditadura Militar ................................................................................ 71 2.4 Nova República .................................................................................. 77 CAPÍTULO III : Instituição CEFET 3.1 Como se estruturam ......................................................................... 96 3.2 CEFET em Bambuí .......................................................................... 109 3.2.1 Empregabilidade dos egressos do CEFET-Bambuí....................... 123 3.2.2 Empreendedorismo nos cursos técnicos do CEFET-Bambuí....... 133 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 139 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ....................................................... 141 ANEXO ....................................................................................................... 147

8

INTRODUÇÃO

Essa pesquisa constitue-se em uma incansável busca por respostas diante da insistente

pergunta de meus alunos: “por que estudar se não vamos encontrar lugar para

trabalhar?”. Durante muito tempo esta pergunta preocupou-me bastante porque, ao

mesmo tempo em que não podia desanimá-los diante do futuro que tinham pela frente,

percebia que a realidade se mostrava tal qual eles a percebiam, ou seja, a escolaridade

não era suficiente para ingressá-los no mercado de trabalho. Ou, pelo menos, no mundo

ao qual almejavam com ótimos salários, acesso às novidades do mercado consumidor,

estabilidade no emprego, etc.

Creio que eles entendiam meu silêncio como uma confirmação diante do que me

expunham. Na verdade, esses debates ficaram rondando meu entendimento em busca de

respostas mais consistentes e que fossem mais próximas da verdade.

Assim, entender o mercado de trabalho com toda a sua complexidade na sociedade

contemporânea, bem como o que vem determinando historicamente a criação dos cursos

no CEFET – Bambuí, constitui o objetivo maior dessa dissertação.

Historicamente, o CEFET de Bambuí – antigo Posto Agropecuário – vem oferecendo

cursos para atender às necessidades do momento como Informática, Turismo, Técnico

em Agropecuária e Zootecnia , devido ao fato da mão-de-obra formada nesses cursos

técnicos, ainda serem absorvida pelas empresas. Além da procura por cursos para

inserção no mercado de trabalho, há também a intenção, por parte de alguns alunos, de

ingressar no curso superior. Por isso, a educação geral dada nesses cursos visa atender a

esse requisito. Não percebemos, contudo, uma preocupação com uma formação voltada

9

para o empreendedorismo1 - apesar de alguns cursos apresentarem a disciplina em seu

currículo – que, conforme sugeriu Vanilda Paiva2 poderia dar maior autonomia aos

indivíduos quando estes optarem por ter seu próprio negócio. Essa nos parece ser uma

questão que merece ser observada.

Assim, para cumprir o objetivo dessa pesquisa, a mesma foi dividida em 03 capítulos. O

capítulo 01 apresenta um histórico do mercado de trabalho, bem como as teorias liberais

e industrializantes em intercâmbio com as teorias educacionais, mostrando que esta

relação nem sempre visou à formação de indivíduos aptos a construir uma sociedade

mais igualitária, mas sim que atendesse naquele momento histórico as necessidades do

capital. Por isso, nesse período, a escolarização passa a ser determinada pelo fator

econômico deixando de ser, portanto, uma determinante da equalização social.

O capítulo 02 mostra como ocorre a educação profissional no Brasil e em Minas Gerais,

onde são discutidos aspectos como a missão da escola profissionalizante segundo a

legislação e como a política educacional desenvolvida no Brasil nos últimos anos e

baseada no capital humano3, propôs a equalização através da escola, justificando a

exclusão da classe trabalhadora e a concentração de renda, a nível individual e pela

meritocracia. Nesse sentido, a análise do caso brasileiro é reveladora. Toda a política 1 Empreendedorismo vem de entrepreneur, palavra francesa que era usada no século XII para designar aquele que incentivava brigas. No final do século XVII, passou a indicar a pessoa que criava e conduzia projetos e empreendimentos, isto é, aqueles que compravam matérias-primas (geralmente um produto agrícola) e as vendiam a terceiros. A conotação atual que se dá ao empreendedorismo é o de desenvolver maneiras diferentes ou novas de se fazer algo e assim conquistar o mercado. (DOLABELA, F. – O Segredo de Luísa – SP, Cultura Editores Associados, 2004, citado por Michelle Gomes Lelis in Educação Financeira e Empreendedorismo, Viçosa/MG, CPT - Centro de Produções Técnicas, 2006). ² PAIVA, Vanilda – Educação e bem-estar social – Campinas/SP, 1991. ³ A teoria do capital humano refere-se ao investimento feito no próprio indivíduo, através da aquisição de conhecimentos e capacidades que possuem valor econômico. A característica distinta do capital humano é a de que ele é parte do homem. “É humano porque se acha configurado no homem e é capital porque se constitui em uma fonte de satisfações futuras ou de futuros investimentos”. ( SHULTZ, Theodore W. – O Capital Humano – RJ, Zahar editores, 1973).

10

educacional, especialmente após a segunda metade da década de 1960, tem seu suporte

básico nos postulados da teoria do capital humano. Assim, ao lado de uma política

econômica que se associou ao capital internacional, vê-se a “democratização” do acesso

à escola como sendo o instrumento básico de mobilidade e equalização social.

Produziu-se, então, a crença de que o progresso técnico não só gera novos empregos,

mas exige uma qualificação cada vez mais apurada e que essa, via escolarização, se

constituiria em garantia de níveis de renda cada vez mais elevados. No entanto, o que a

realidade passou a demonstrar foi que as “promessas” prognosticadas da política

econômica e educacional não se cumpriram. Neste contexto, a escolaridade foi

amplamente funcional aos interesses do capital que visavam ao desenvolvimento4

econômico.

Sabemos, no entanto, que a escola mesmo inserindo-se no movimento geral do capital e

articulando-se com seus interesses, poderá explorar igualmente as contradições

inerentes à sociedade capitalista. Desde que opte por uma prática educativa escolar

diferenciada da prática fundamental de produção – com sua divisão social do trabalho –

e que busque promover um saber mais eficaz e global.

No capítulo 03 será apresentado o CEFET com seu processo de mudanças, com

destaque para o CEFET de Bambuí – objeto básico deste trabalho e por se constituir em

nosso campo empírico – visto que é a única escola profissionalizante em Bambuí. Seu

4 Entre 1759 (Wolff) e 1859 (Darwin) cientistas começaram a usar evolução e desenvolvimento como sinônimos, ou seja, era um processo natural no qual os seres e a sociedade estavam inseridos. A transferência da metáfora biológica para a esfera social se torna mais evidente principalmente pós 2ª Guerra Mundial, com o discurso de Trumam, que considerava desenvolvimento como um simples crescimento da renda per capita. Nos anos 1990 falava-se em redesenvolvimento que em termos conceituais e políticos, adota a forma de desenvolvimento sustentado (segundo a prescrição da comissão Brundtland). No entanto, esse termo foi elaborado como uma estratégia para sustentar o “desenvolvimento” e não para apoiar o florescimento ou manutenção de uma vida natural e social infinitamente variada. (ESTEVA, Gustavo – Desenvolvimento – in Dicionário do Desenvolvimento, Guia para o conhecimento como poder, SACHS, Wolfgang (org.), Petrópolis/RJ, Ed. Vozes, 2000).

11

início se deu em 1948 como Posto Agropecuário, ligado ao Ministério da Agricultura,

atendendo à necessidade de se fomentar a agricultura no município e região. Em 1957 é

criado o Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola, ligado ao Posto Agropecuário.

Com o Decreto Presidencial nº. 3.864/A de 24/01/1961, criou-se a Escola Agrícola de

Bambuí subordinada à superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário (SEAV), do

Ministério da Agricultura. Pelo Decreto de criação, a escola deveria utilizar-se das

dependências do Posto Agropecuário e do Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola

do Ministério da Agricultura.

Em 13/02/1964, a Escola foi transformada em Ginásio Agrícola pelo Decreto nº. 55.358

e em 20/08/1968 foi elevada para a categoria de colégio Agrícola pelo Decreto

Presidencial nº. 63.923 de 30/12/1968. Em 04/09/1979 teve mudada a sua denominação

para Escola Agrotécnica Federal de Bambuí, pelo Decreto nº. 83.935, já com

subordinação à Coordenação Nacional do Ensino Agropecuário (COAGRI).

Através da Lei nº. 8.731, de 16 de novembro de 1993, a Escola Agrotécnica Federal de

Bambuí foi transformada em autarquia, concedendo-lhe autonomia didática, financeira e

administrativa, com orçamento e quadro de pessoal próprio. Essa descentralização

administrativa concede à Escola maior liberdade de ação, podendo esta receber

subsídios do setor privado, estabelecer convênios, realizar pesquisas e prestar serviços.

A partir de 1998, com a implementação da Reforma do Ensino Profissionalizante, além

do tradicional Curso Técnico Agrícola, foram criados outros cursos técnicos:

agroindústria; zootecnia; agricultura; dois cursos de informática – redes e manutenção

de computadores e programação comercial; turismo e gestão comercial.

12

Em 2002 a Escola Agrotécnica foi transformada em Centro Federal de Educação

Tecnológica e hoje, como CEFET, já se encontram em funcionamento, além dos cursos

técnicos, quatro cursos superiores de tecnologia: Processamento de alimentos,

Informática no Agronegócio, Administração – pequenas e médias empresas e

Bacharelado em Zootecnia. A preferência pelos cursos no setor de agropecuária se deve

principalmente à “vocação agrícola” da região, que desde as primeiras décadas do

século XVIII dedicava-se à atividade agropastoril com a finalidade de abastecer as

zonas de mineração. A cidade de Bambuí teve, então, sua economia baseada na

agricultura e pecuária com destaque para a produção de café, milho e a criação de gado

leiteiro e de corte. Predomina as pequenas e médias propriedades como modelo de

exploração extensiva. Assim se explica a predominância desses cursos tanto na área

técnica como na tecnológica, bem como a pedagogia desenvolvida pela escola que se

baseia no lema: “Aprender para fazer e fazer para aprender” (sistema escola-fazenda).

Para desenvolver esta metodologia são utilizados os diversos meios pedagógicos, tais

como: salas de aulas, laboratórios de práticas, cooperativa-escola e a própria fazenda,

composta pelas diversas unidades educativas de produção.

Com o intuito de demonstrar essa relação entre o contexto histórico e a criação dos

cursos técnicos no CEFET- Bambuí, bem como sua empregabilidade, analisaremos os

arquivos do setor de Coordenação Geral de Ensino, Secretaria escolar e Departamento

de Administração. Quanto à empregabilidade, através do departamento de integração

Escola-comunidade, buscaremos informações sobre quais cursos empregam mais e

quais são os requisitos básicos exigidos por essas empresas. Teremos também como

13

base para esses estudos, as pesquisas5 feitas no CEFET-Bambuí sobre

empreendedorismo e empregabilidade.

Como julgamos relevante também analisar o tema empreendedorismo, é necessário

esclarecer que essa proposta de empreendedorismo a qual julgamos pertinente, não se

trata de uma proposta na qual existe o individualismo, a meritocracia, a competição

(paradigmas do nosso tempo), mas àquela que leve os técnicos a uma emancipação

individual e coletiva, atentando para as soluções dos problemas causados por um

paradigma de produção que desgasta cada vez mais a vida. Neste aspecto, é pertinente

investigar se, e em que medida, a oferta de cursos técnicos com foco no mercado

poderão contribuir para firmar a dualidade estrutural da educação brasileira, ou se uma

educação empreendedora – que promova essa emancipação – não seria uma saída para

essa dualidade.

Assim, procurando decifrar o “enigma” mercado de trabalho e a formação dos

trabalhadores, passaremos a analisar as teorias liberais e pedagógicas e seus

intercâmbios.

5 MAGALHÃES, Ivan chaves de – A formação técnico-profissional dos egressos do CEFET-Bambuí e a demanda do mundo do trabalho – dissertação apresentada na UFRJ em dez/2005. COSTA, Rita de Cássia Silva – O empreendedorismo como componente curricular para os cursos do CEFET-Bambuí – estudo feito para conclusão do Curso Superior em Tecnologia em Administração, 2006.

14

Figura 01 - Posto Agropecuário – 1952 Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007

Figura 02 - Alunos do Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola 1958 Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007

15

CAPITULO I

DECIFRA-ME OU TE DEVORO: O MERCADO DE TRABALHO NA

CONTEMPORANEIDADE

Quando Édipo chegou à cidade de Tebas que era dominada por uma Esfinge que

devorava as pessoas que não decifrassem seu enigma, foi interpelado pela mesma com a

seguinte pergunta: “Qual o animal que anda com quatro patas ao amanhecer, duas ao

meio dia e três ao entardecer?”. Édipo decifrou o enigma, respondendo: o homem. A

Esfinge morreu, Édipo tornou-se herói de Tebas e casou-se com a rainha Jocasta, a mãe

que desconhecia.

Esse mito, tratado pelo dramaturgo Sófocles na tragédia grega Édipo - rei, nos remete a

uma analogia com o mercado de trabalho na contemporaneidade, pois tal qual Édipo

precisamos decifrar o enigma que nos é colocado ou seremos devorados (excluídos).

Decifrar o “enigma” do mercado de trabalho, além de ser uma forma de sobrevivência

nesses tempos de grandes mudanças, é também uma maneira de nos colocarmos diante

dos desafios que nos apresenta. Desafios estes que são paradoxais, pois nos leva a ter

uma vida com metas de longa duração em uma sociedade que enfatiza e vivencia o

curto prazo. Neste sentido, as expectativas que se colocam sobre os trabalhadores – de

serem flexíveis, adaptáveis, competitivos, de terem mobilidade e de estarem dispostos a

correr riscos – entram em contradição com os aspectos éticos6 e sociais tais como:

lealdade, confiança e responsabilidade social. Pois as equipes de trabalho se formam e

se desfazem no prazo apenas de duração de um projeto e, a competição pelos melhores

6 Ética aqui entendida significa princípios morais que regem a conduta dos indivíduos visando ao bem comum.

16

postos vale a “cabeça” do companheiro de equipe. Neste sentido, como conciliar valores

éticos e ao mesmo tempo se manter no mercado competitivo? Este parece ser um grande

desafio que a sociedade nos coloca.

Ainda buscando analogia entre o mercado de trabalho com os clássicos gregos, Sísifo

nos parece um bom exemplo de como o homem, às vezes, se torna escravo de um

trabalho rotineiro. Por duas vezes, Sísifo conseguiu driblar a morte e decidir seu

destino. Mas, foi punido pelos deuses pela sua rebeldia: por toda a eternidade ele foi

condenado a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma

montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava

novamente montanha abaixo até o ponto de partida. Por esse motivo, Sísifo tornou-se

conhecido por executar um trabalho rotineiro e cansativo.

Como os trabalhadores da atualidade que muitas vezes não são capazes de burlar as

regras e acabam, por isso, a submeterem-se aos ditames do capital. Vivem, portanto,

concentrados nos afazeres da vida quotidiana, tornando-se criativos na repetição e na

monotonia, mas sem alterar substancialmente suas vidas.

Assim, após essas considerações acerca do trabalho faz-se necessário começarmos por

algumas definições, já que estamos lidando com conceitos ambíguos tais como:

trabalho, empregabilidade, qualificação etc.. Comecemos então com a definição de

TRABALHO, devido à necessidade de se refletir sobre o que é de fato o trabalho e seu

sentido educativo para o trabalhador.

17

No pensamento grego clássico notamos que o trabalho constitui uma etapa necessária

do desenvolvimento intelectual humano, uma atividade cognoscitiva que forma os

conhecimentos para realizar as necessidades inerentes ao homem tais como: a

necessidade de se cobrir, de se alimentar etc.7. No entanto, a necessidade de produzir e

de comercializar ficará a cargo dos escravos e, nesse sentido, o escravagismo acabou

por fundar a separação entre a contemplação e a ação, entre o trabalho manual e

intelectual.

Para também visualizarmos o conceito de trabalho, reportemo-nos a Roma, cuja

expressão é derivada de tripalium, uma espécie de canga que se punha nos bois para

propiciar a tração de carga. Num sentido figurado, a expressão designa um instrumento

de tortura feito de três paus e, por isso, o trabalho passou a ser visto fundamentalmente

como aquilo que “tortura”8.

Com os cristãos, trabalho apresenta-se como um duplo sentido. Primeiramente como um

complemento da obra do criador, ou seja, o homem deve imitar a Deus quando trabalha,

assim como quando repousa, pois o mesmo Deus quis apresentar-lhe a própria obra

criadora sob a forma de trabalho e sob a forma do repouso. É o que encontramos no

segundo capítulo do Livro do Gênesis9 : “Tendo Deus terminado no sétimo dia a obra

que tinha feito, descansou do seu trabalho. Ele abençoou o sétimo dia e o consagrou,

porque nesse dia repousara de toda a obra da criação” (2002, p. 50).

7 Coleção História do Pensamento – Vol. I (das Origens à Idade Média), SP, Ed. Nova cultural, 1987. 8 CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino de Ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil escravocrata – SP, 2000. 9 Livro do Gênesis 2 – 1.4 - Bíblia Sagrada – Edição Pastoral Catequética - 147ª edição, SP, Ed. Ave Maria, 2002.

18

Em um segundo sentido, o trabalho anda inevitavelmente junto à fadiga. No mesmo

Livro do Gênesis, há uma contraposição àquela benção original do trabalho contida no

próprio mistério da criação e ligada à elevação do homem como imagem de Deus. Por

causa da maldição do pecado, o homem agora terá que tirar da terra o seu próprio

alimento: “Maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu

sustento todos os dias de tua vida. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que

voltes à terra de que foste tirado; porque és pó e em pó te hás de tornar”10.

Também nos escritos de São Paulo aos Tessalonicenses, há instruções a respeito do

trabalho: “Ordenamos e exortamos a que se dediquem tranquilamente ao trabalho para

merecerem ganhar o que comer”11. E aos que levam uma vida preguiçosa em lugar de

trabalharem, o apóstolo não hesita em dizer: “Quem não quiser trabalhar, não tem o

direito de comer”12.

Com base nesses preceitos, a doutrina cristã vê o trabalho como uma obrigação, como

um dever. O homem deve trabalhar, quer pelo fato do criador lhes haver ordenado, quer

pelo fato da sua subsistência e desenvolvimento assim o exigirem.

Como castigo ou como tortura, o trabalho passa também a ser sinônimo de status social.

Pelo menos é o que ocorre na sociedade medieval e moderna onde o artesão, dono de

uma técnica por meio da qual produzia os bens materiais desde sua concepção até a

execução e a obtenção do produto final, pertencia a um estrato mais baixo da sociedade.

Quanto ao saber necessário para a execução das tarefas artesanais, este era adquirido por

10 Idem , p. 51. 11 Idem ( II Tessalonicenses 3 – 6.15, p. 1516). 12 Idem

19

meio da experiência cotidiana ou da demonstração. Enquanto a nobreza e o clero

dedicavam-se a tarefa de governar e, por isso, necessitavam de uma educação formal.

Para visualizarmos melhor esse fato, tomemos como exemplo uma importante obra

pedagógica de Rousseau, Emílio (1762) na qual, mesmo atribuindo um elevado valor

moral ao trabalho, também não deixa de evidenciar seu desprezo pelos ofícios

manufatureiros devido ao automatismo e à força física que exigiam:

...Fora da sociedade, o homem isolado, nada devendo a ninguém, tem o direito de viver como lhe agrade; mas na sociedade, onde vive necessariamente a expensas de outros, deve-lhes em trabalho o custo de sua manutenção; isto sem exceção. Trabalhar é, portanto um dever indispensável ao homem social. Rico ou pobre, poderoso ou fraco, todo cidadão ocioso é um patife. ...Não gostaria dessas profissões estúpidas em que os operários, sem engenho e quase autômatos, só exercitam suas mãos no mesmo trabalho; os tecelões, os fazedores de meias, os canteiros: que adianta empregar nesses ofícios homens de bom senso? É uma máquina que conduz outra13.

Emílio, o discípulo fictício da obra – cujo processo de formação começa do nascimento

aos 25 anos – deveria aprender trabalhos manuais, mas não os praticar, a não ser aqueles

que exigiam habilidade, elegância e gosto como o ofício de marceneiro: ”limpo e útil”.

Assim, quando Emílio viesse a se dedicar às ciências especulativas, ele poderia

empregar o que aprendeu para fazer instrumentos matemáticos e astronômicos.

A partir da Revolução Industrial inglesa, quando o trabalho passou a ser visto como um

transformador da natureza e da sociedade e, com a Revolução Francesa, quando este

passa a ser um símbolo da “liberdade” do homem, vários pensadores irão contribuir

com suas teorias para legitimar uma concepção de engrandecimento do trabalho visando

o aumento da produtividade. John Locke dizia: “a liberdade fundamental do homem é a

liberdade de empreender”. Pilar do liberalismo, Locke diz que a propriedade privada é o

13 ROUSSEAU, J. Jaques – Emílio – Série Os Pensadores, 1988.

20

resultado do trabalho, isto é, algo que resulta do trabalho de cada indivíduo sobre a

natureza e que, assim, se incorpora a seu corpo. Por isso, qualquer atentado à

propriedade privada é uma transgressão à “lei natural” e, por isso, deve ser reprimido e

castigado pelo corpo político14.

Adam Smith apud Enriquez15 também contribuirá ao afirmar que “o trabalho é o que

permite efetivamente aumentar a riqueza das nações”. Para ele, a divisão do trabalho era

essencial ao crescimento da produção e do mercado, e a sua aplicação eficiente

dependia da livre concorrência, que forçaria um aumento da produção, sendo necessário

o desenvolvimento de novas técnicas, aumentando assim a qualidade do produto e

diminuindo o custo da produção. Este ciclo encerraria o sucesso econômico geral da

nação.

“O trabalho e o comércio é que permitem manter as relações entre os seres humanos.

Quando se faz comércio, não se faz guerra” (Montesquieu, apud Enriquez16). Buscando

analisar o homem em sociedade, Montesquieu dizia que não apenas o corpo político e as

leis governam os homens, mas muitas outras coisas: o clima, a religião, os costumes, os

exemplos das coisas passadas, etc., que juntos formam o espírito geral de uma

sociedade. Numa república, por exemplo, a educação busca formar cidadãos virtuosos,

que respeitem as normas da sociedade tais como a liberdade individual. Por isso,

Montesquieu que definia a liberdade como o direito de fazer tudo o que as leis

permitem, dedicou-se à tarefa de verificar em que condições esse direito seria o mais

amplo possível. Propôs, então, a divisão clássica do Estado em legislativo, executivo e

14 ENRIQUEZ, E. – Perda do Trabalho, Perda da Identidade – BH, 1999. 15 Idem 16 Idem

21

judiciário. Só esse equilíbrio de forças impedirá as arbitrariedades e propiciará o

máximo de liberdade a cada indivíduo.

Na visão de Auguste Comte apud Enriquez17 “a nova sociedade deve ser uma sociedade

industrial e positiva”. O Positivismo de Comte fundamenta-se na ciência e na

organização técnica e industrial da sociedade moderna, e considera a comprovação pelo

método científico o único caminho válido para se atingir o conhecimento. O Positivismo

desenvolveu-se na trilha do empirismo, aproveitando-se dos avanços das ciências

experimentais, sobretudo da química e biologia, e dos argumentos evolucionistas que

proclamavam uma visão de causa e efeito baseando-se na observação dos fatos. Assim,

inspirado no pensamento evolucionista de Darwin, o filósofo positivista inglês Herbert

Spencer considera que a sociedade deve evoluir de um tipo militar para um tipo

industrial onde cada indivíduo pode desenvolver-se plenamente e unir-se livremente a

seus semelhantes para atingir o bem-estar econômico e moral. Essa visão fez muitos

seguidores, principalmente nos primeiros anos da República, pois havia uma forte

pressão dos diversos grupos da sociedade para promover a industrialização no país18 .

Nesse sentido, o ensino científico seria necessário para ajudar a promover essa

industrialização.

Ainda em relação ao positivismo, é importante destacarmos a obra de Émile Durkheim

(Da Divisão do Trabalho Social, 1893)19, na qual ele discorre sobre a especialização

das funções entre os indivíduos de uma dada sociedade. De acordo com Durkheim, ao

desenvolver-se, a sociedade multiplica-se em atividades a serem realizadas. A partir daí,

cada indivíduo teria uma função a cumprir, a qual seria importante para o

17 Idem 18 SANTOS, Jailson Alves do – A Trajetória da Educação Profissional – 2ª edição, BH, 2000. 19 CUIN, Charles Henry & GRESLE, François – História da Sociologia – SP, Ed. Ensaio, 1994.

22

funcionamento de todo o corpo social. Cada membro da sociedade desenvolvendo uma

atividade útil e especializada passa a depender cada vez mais dos outros indivíduos.

Com isso, o efeito mais importante da divisão do trabalho social não é apenas seu

aspecto econômico (aumento de produtividade), mas também tornar possível a união e a

solidariedade entre as pessoas de uma mesma sociedade. É o que Durkheim chama de

solidariedade orgânica, que aparece quando a divisão do trabalho social aumenta e torna

as pessoas mais unidas não por uma crença comum, mas pela interdependência das

funções sociais.

Em outra perspectiva daquela até então mostrada aqui que analisa os fatos através das

regras morais dessa sociedade, Karl Marx dirá que “o trabalho é a propriedade

fundamental do homem”, pois é nas relações capitalistas de produção, que os indivíduos

livres estabelecem uma relação mediada pelo mercado, isto é, aqueles que não são

donos dos meios de produção vendem a única coisa de que dispõem (o seu trabalho),

em troca dos recursos necessários à sua sobrevivência. Daí Marx afirmar que na

sociedade capitalista é o capital que explora o trabalho. É dessa exploração a que o

trabalhador é submetido, resulta o processo de alienação, ou seja, por causa da divisão

do trabalho – característica do industrialismo, em que cabe a cada um apenas uma

pequena etapa da produção – o trabalhador se aliena do processo total. A alienação de

que fala Marx é conseqüência do afastamento entre os interesses do trabalhador e aquilo

que ele produz. De modo mais amplo, trata-se também do abismo entre o que se

aprende apenas para cumprir uma função no sistema de produção e uma formação que

realmente ajude o ser humano a exercer suas potencialidades20.

20 MARX, Karl – O Capital – Livro I, Processo de produção do Capital, 7ª edição, SP, 1982.

23

Com Max Weber veremos que a riqueza era um sinal não de prazer, mas de abstinência,

o resultado do trabalho árduo e da autonegação, exatamente aquilo que é necessário para

se acumular capital. O calvinista em ascensão via o seu esforço como algo virtuoso.

Weber indicou que a ansiedade pela salvação levava a ações que, a longo prazo,

produziam resultados que levavam ao empreendimento – condição primordial para o

capitalismo. No entanto, o trabalho que anteriormente era visto como meio de alcançar a

salvação, acaba por transformar o crente em um burguês satisfeito com a recompensa

mundana, e com isso, consolidar uma nova ordem social, a ordem social capitalista.

Passaremos agora a analisar os fatos históricos de desenvolvimento econômico e de que

formas estes tiveram um intercâmbio ou não com as teorias escolares, pois

consideramos que o entendimento desses fatos históricos possibilitará uma análise das

forças que atuaram num dado momento. Por isso, para compreendermos o alcance das

mudanças na vida da sociedade atual, iremos considerar as mudanças ocorridas na

economia industrial – que ganhou enorme eficiência com o Taylorismo, pois dividia os

processos industriais em tarefas simples cronometradas e organizadas, bem como o

fordismo que ampliou os princípios do gerenciamento científico para a produção em

massa. Essas mudanças levaram a uma economia do conhecimento na qual as idéias, as

informações e as formas de conhecimento acabam por ajudar no crescimento

econômico.

1.1 O Desenvolvimento da Sociedade Capitalista e seus intercâmbios

No momento em que nos deparamos com o nascimento da burguesia, nos séculos XIII e

XIV, a base essencial da sociedade urbana estava no que Marx chamou de “pequeno

24

modo de produção”, isto é, um sistema em que a produção era executada por pequenos

produtores, donos de seus próprios instrumentos de produção, que comerciavam

livremente seus próprios produtos. Assim foi, com relação ao artesanato e, embora

possam ter existido alguns cidadãos exclusivamente comerciantes, poucos deles na

Inglaterra poderiam ter sido muito mais que mascates que viajavam entre o mercado da

cidade e as propriedades senhoriais vizinhas, sendo que suas atividades dificilmente

poderiam ter sido de grande importância no momento em que o grosso do comércio era

local e tomava a forma de uma troca de artigos artesanais vendidos a varejo no mercado

da cidade contra os produtos agrícolas ali trazidos pelo camponês para vender21.

Como a produtividade do trabalho e a unidade de produção eram pequenas demais, a

fonte de acumulação de capital tem de ser buscada no surgimento de uma classe de

burgueses que, separando-se da produção, começaram a se empenhar exclusivamente no

comércio atacadista. Na sociedade feudal, a fonte de riqueza da aristocracia consistia no

trabalho obrigatório dos servos, ou seja, era fruto do trabalho excedente, além do que

lhes era permitido para prover sua própria subsistência. Embora o número de

trabalhadores que servia a cada senhor fosse relativamente grande, a produtividade de

trabalho era baixa, o que tornava o excedente disponível bem modesto, não fosse a parte

dos próprios produtores reduzida a um nível miserável e os encargos a eles impostos

excepcionalmente severos.

Entretanto, Dobb (1987) lança uma questão interessante sobre a geração de riquezas da

burguesia: “que dizer da riqueza e da acumulação da burguesia inicial – aquela

burguesia urbana dos séculos XIV e XV, que não tinha servos labutando para si e não

investira ainda no emprego de um proletariado industrial?”. Logo em seguida, responde:

21 DOBB, Maurice – A Evolução do Capitalismo – 7ª edição, RJ, 1987.

25

“sua renda representava uma parcela no produto do cultivador camponês ou do artesão

urbano”, que era produzida através do comércio.

Desde o século XVIII, muitos economistas não se têm cansado de dizer que essa riqueza

burguesa era num sentido real “produzida” em vez de “adquirida” – “produzida” pelos

próprios serviços que a disseminação do comércio executava para o produtor direto ou o

consumidor aristocrático. A disseminação do comércio teve um efeito de aumentar o

padrão de comunidades anteriormente confinadas aos estreitos limites de um mercado

local. Trazendo sal e especiarias de terras distantes, ela tornava possível comer carne

que, de outra forma, poderia ter apodrecido. Mas, o próprio comércio não explica por si

só por que sua atividade proporcionava um excedente considerável. A explicação que

nos é dada por Dobb (1987) aponta para duas questões:

1º. Boa parte do comércio naqueles tempos, especialmente o exterior, consistia na

exploração de alguma vantagem política ou em pilhagem quase declarada;

2º. A classe de mercadores, assim que assumiu qualquer forma de corporação, adquiriu

poderes de monopólio que protegiam suas fileiras da concorrência. Ou seja, a base

essencial da riqueza da burguesia emergente e da acumulação de capital mercantil era

comprar barato para vender caro sendo que essa regra do comércio não era uma troca de

equivalentes.

A separação entre a matéria-prima e o artesão, e entre este e o consumidor nesse

período, foi também a fonte de lucro comercial da burguesia. A chamada acumulação

primitiva, portanto, nada mais é que o processo histórico de divorciar o produtor dos

meios de produção. Para visualizarmos melhor essa separação entre produtor e meios de

produção, reportamo-nos ao século XVIII com a Revolução Industrial que, substituindo

26

a habilidade humana pelas máquinas, tornou possível a passagem do artesanato à

manufatura propiciando assim uma economia moderna. Juntamente a essas mudanças

surgiram novas formas de organização da vida social, dentre elas podemos citar a

disciplina nas fábricas, que será regulada principalmente pelo relógio e pelo ritmo das

máquinas22.

E para termos uma idéia de como essas mudanças afetaram principalmente a vida do

trabalhador, basta analisar a medição do tempo entre as comunidades pré-capitalistas

para notarmos que este estava relacionado com os processos familiares, ou seja, com as

tarefas domésticas. A percepção do tempo que surge neste contexto é orientada pelas

tarefas. As relações sociais e o trabalho são misturados, sendo o ritmo ditado pela

natureza. Mas, assim que se inaugura uma relação capitalista, cuja contratação de mão-

de-obra assalariada se tornou presente, temos a transformação do trabalho por tarefas no

trabalho de horário marcado. Aqueles que são contratados experimentam uma distinção

entre o seu tempo e o tempo do empregador. Cabe agora ao empregador cuidar para que

sua mão-de-obra não desperdice o tempo, pois o que está prevalecendo agora é o valor

do tempo. Este agora é moeda. E para marcar esse tempo, foram criados os relógios. O

que antes era regulado pela natureza, passa a ser medido pelo homem. Thompson23 nos

relata como ocorre este controle a partir da construção dos relógios nas igrejas e nas

grandes cidades-mercado a partir do século XIV, quando os sinos eram tocados às 20h e

às 4h. Esses horários passaram a marcar a hora do repouso à noite e a hora de levantar,

iniciando os trabalhos e deveres das várias profissões. O som do sino passou, então, a

ditar o ritmo da vida.

22 LANDES, David S. – Prometeu Desacorrentado – RJ, 1994, p. 6. 23 THOMPSON – Tempo, disciplina de trabalho e Capitalismo industrial – SP, 2000.

27

Na verdade, como seria de esperar, ocorria uma difusão geral de relógios no momento

em que a Revolução Industrial requeria maior sincronização do trabalho. A fábrica

torna-se assim, um imenso relógio no qual os homens e as máquinas desempenharam o

papel de engrenagens programadas. Mas, o que significa ser burguês neste período? Nas

reflexões de Eric Hobsbawm24 burguês era um “capitalista”, isto é, aquele que recebia

renda, ou um empresário em busca de lucro, ou todas estas coisas juntas. Incluíam-se os

homens de negócios, os proprietários e os profissionais liberais. Uma das principais

características da burguesia como classe era que consistia num corpo de pessoas com

poder e influência, independente do poder e influência derivados de nascimento ou

status. Para pertencer a ela, um homem tinha que ser “alguém”, uma pessoa que

contasse como indivíduo, por causa de sua riqueza, capacidade de comandar outros

homens, ou de influenciá-los de alguma forma. O monopólio do comando – na casa, no

negócio, na fábrica – era fundamental para sua própria definição e seu reconhecimento

formal. Já que o sucesso estava relacionado ao mérito pessoal e o fracasso era devido a

esta falta de mérito. Este comportamento de disciplina e trabalho também penetrou em

algumas camadas da sociedade e, é em relação a esse pano de fundo, que podemos

observar a obra de Max Weber sobre a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo

europeu.

Nesta obra, Weber formula a hipótese de que a ascensão do protestantismo,

particularmente em sua versão calvinista, foi um fator fundamental (embora não o

único) na expansão de uma moderna economia industrial na Europa e na influência do

comportamento inculcado pelo protestantismo na conduta cotidiana de seus fiéis. A

doutrina calvinista da predestinação irá persuadir os fiéis a um tipo de vida esperável

24 HOBSBAWM, Eric J. – A Era do Capital 1848-1875 – RJ, 1977.

28

dos destinados à salvação, vida esta que era de ascetismo mundano: uma vida em que o

tempo e a energia do sujeito fossem exclusivamente dedicados às atividades meritórias

(a oração e o trabalho), que conduziam à glória de Deus. Esse padrão também conduzia

à acumulação de riqueza – o bom calvinista era diligente, parcimonioso, honesto e

austero. Ou seja, a riqueza contemplaria aqueles que o merecessem.

Assim, no puritanismo, o trabalho transformou-se em culto de ação de graças ao

Senhor, o que não seria possível em outro ascetismo como o catolicismo, pois a piedade

popular católica, de forma resignada, espera a recompensa na vida após a morte e nas

religiões do oriente, devido à lei do karma, estas se mantêm num ascetismo

extramundano. Neste caso, com o calvinismo, desenvolveu-se uma nova atitude que se

concentrava mais no trabalho e menos nos prazeres. Como observou Giddens25, Weber

formulou a tese de que o desenvolvimento econômico e social moderno foi influenciado

por algo que, aparentemente, parece distante dele – um conjunto de ideais religiosos que

instituía um estilo de vida ascético e que, por isso, foi vital para o arranque do

desenvolvimento econômico do ocidente. Mesmo tendo suscitado controvérsias como

as de que “o espírito do capitalismo pode ser discernido nas primeiras cidades mercantis

italianas, muito antes de se ouvir falar em calvinismo” ou que a idéia de “trabalhar por

vocação, que Weber associa ao protestantismo, já existia nas crenças católicas”,

Giddens destaca a importância dessa tese porque:

1º. É contra-intuitiva;

2º. Dá sentido a algo que, de outra forma é enigmático – indivíduos que queriam viver frugalmente se esforçarem por acumular riqueza; 3º. Ilumina outras circunstâncias para além das que se propusera inicialmente abordar. Weber sublinhou que apenas tentou entender o capitalismo moderno. Apesar disso, os valores incutidos pelo puritanismo possam estar relacionados com outras situações de desenvolvimento capitalista bem sucedido;

25 GIDDENS, Anthony – Sociologia – Cap. 21: O Pensamento Teórico na Sociologia, 2004.

29

4º. A teoria de Weber foi fornecendo um ponto de partida para uma série de investigações e teorias posteriores26.

No entanto, não nos deteremos aqui na discussão sobre quem influenciou quem

(naquela analogia de quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha), pois o que nos

interessa é saber como o capitalismo influenciou toda a sociedade, inclusive na área da

educação. Por isso, o discurso de Adam Smith sobre qualificação e desenvolvimento

capitalista se torna importante, porque mostra que a riqueza de uma nação depende

fundamentalmente do aumento da produtividade do trabalho e do grau crescente de

especialização determinado pela divisão do trabalho. São três as causas, apontadas por

Smith, pelo aumento da produtividade em conseqüência da divisão do trabalho:

1º. O aumento da destreza do trabalhador, que se origina de sua dedicação a um único fragmento do processo de trabalho por toda a sua vida; 2º. A economia de tempo, que era perdido na passagem de uma operação para outra; 3º. A invenção de máquinas, que facilitam o trabalho e reduzem o tempo para sua realização, permitindo a um só homem fazer o trabalho de muitos27.

Assim, Smith deixa claro que o desempenho do trabalho dividido qualifica o

trabalhador, aumentando sua destreza e tornando-o mais produtivo, o que possibilita a

generalização da riqueza. Neste sentido, a produção em massa só é possível graças à

organização “científica” do trabalho, ou seja, com o Taylorismo. Na teoria de Taylor a

divisão do trabalho exerce papel central, seguida de suas decorrências que são: a

hierarquia, a especialização, a autoridade, o controle, visando ao aumento da

produtividade da mão-de-obra. A necessidade de aumentar a produção continuamente

traz uma modificação essencial no processo de trabalho: ao invés do operário executar

as diferentes operações e controlar seu próprio trabalho, este é dividido em partes

26 Idem, 2004, p. 668. 27 KUENZER, Acácia Z. – Pedagogia da Fábrica: as relações de Produção e a Educação do trabalhador – SP, 1985.

30

isoladas distribuídas a diferentes operários. Em decorrência da divisão do trabalho,

opera-se uma modificação fundamental quanto à qualificação do trabalhador. Se antes o

artesão precisava de muitos anos de trabalho para conhecê-lo bem e executá-lo de forma

satisfatória, o assalariado preso a uma atividade parcial tem restringidas as suas

necessidades de qualificação, necessitando dominar apenas uma tarefa parcial de um

processo produtivo completo. Dos operários exige-se apenas uma formação mínima: ler,

escrever e contar. Esse domínio era indispensável devido à complexidade da

organização do trabalho que se faz nas seguintes etapas: maquinismo, mecanização e

automação. Para isso, recorre-se à escola, enquanto que a formação profissional, muito

restrita, é adquirida no trabalho. De acordo com Acácia Kuenzer28, essa dicotomia entre

saber teórico/saber prático, é inerente ao próprio modelo capitalista, que se caracteriza

por uma separação permanente entre teoria e prática, concepção e execução. No entanto,

essa reunificação entre teoria e prática se realizará no topo da pirâmide hierárquica, de

onde virá a administração e o controle do processo produtivo.

E o sistema educacional reforçará essa dicotomia, através de um dos expoentes teóricos

neste momento – o filósofo inglês Herbert Spencer. Foi ele que intuiu a existência de

regras evolucionistas na natureza antes de seu compatriota, o naturalista Charles Darwin

formular a revolucionária teoria da evolução das espécies. É dele a expressão

“sobrevivência do mais apto”, muitas vezes atribuída a Darwin. No campo pedagógico,

Spencer fez campanha pelo ensino da Ciência, combateu a interferência do Estado na

educação e afirmou que o principal objetivo da escola era a construção do caráter. Ele

sempre defendeu a escola privada, porque acreditava que a interferência do Estado,

sendo igual para todos, poderia sustentar estudantes que não estariam, por natureza,

28 Idem .

31

aptos a competir em sociedade. De acordo com a filosofia spenceriana o que conta é a

luta pela vida, pois foi este fator que levou as sociedades guerreiras a se manterem

coesas, mesmo que pela força, e as sociedades industriais a estarem fundamentadas na

competição. A sociedade industrial corresponderia, assim, a um aperfeiçoamento natural

do sistema econômico e das instituições. A noção de que tudo se encaminha para

resultados previsíveis e inevitáveis, uma vez que deixadas ao sabor de seu suposto curso

natural, levou Spencer a supor que esses resultados eram também moralmente

desejáveis. Assim, Spencer conjugava o pensamento de Smith (o economista clássico

liberal) e Lamarck (o naturalista teórico da evolução das espécies e da hereditariedade

dos caracteres adquiridos) para formular sua teoria acerca da evolução social. Em 1852,

Spencer apresenta a evolução social como fruto de uma marcha irresistível, das

sociedades humanas que iria do homogêneo para o heterogêneo, do simples para o

complexo29. No seu pensamento, os mecanismos de evolução têm origem na luta pela

existência e na seleção natural, que levam à submissão e às vezes à eliminação dos

menos eficientes em proveito dos mais aptos. Como essa evolução não pode ser

impedida, então seria inútil querer entravá-la, uma vez que a sociedade moderna, que

Spencer considerava igualitária e pacífica, estaria fundada não na regulação do Estado, e

sim no desenvolvimento de seus membros mais dotados. Assim, vimos a idéia (ainda

hoje existente e defendida pelos neoliberais), de que a interferência do Estado na vida

cotidiana impede os desenvolvimentos considerados normais.

Também podemos citar a influência do positivismo na concepção taylorista, utilizada

nas empresas desde o começo do século XX. Esta concepção, aliada às técnicas da

29 CUIN, Charles Henry & GRESLE, François – História da Sociologia – SP, Ed. Ensaio, 1994.

32

psicologia behaviorística30 tem influenciado muito a educação, sobretudo a tendência

tecnicista. A partir da teoria do reforço, Skinner desenvolveu a técnica da instrução

programada e da máquina de ensinar. A corrente tecnicista dá especial atenção aos

estudos desenvolvidos pela ciência do comportamento e pelo desenvolvimento dos

aparelhos destinados ao trabalho pedagógico como gravadores, projetores de slides,

filmes, computadores, etc.. O objetivo desta tendência é aplicar as conquistas da

tecnologia comportamental e os instrumentos técnico – pedagógicos, na prática

educacional, visando tornar o processo educativo mais eficiente e ágil. Portanto, não

existem na pedagogia tecnicista adotada quaisquer preocupações de questionamento

sócio-político do conteúdo do ensino. Aprender significa basicamente modificar o

comportamento do aluno de modo que ele aprenda a operar de forma técnica, prática, o

conteúdo ensinado.

Nesse contexto, toda uma linguagem transplantada do campo da Administração e da

Economia passou a compor o vocabulário pedagógico: racionalização, planejamento,

eficiência, definição de objetivos, técnicas de desempenho, estratégias e avaliação etc..

Os graves problemas da educação eram fáceis de solucionar, desde que se

modernizassem os meios de instrução. Difundiam-se, então, as técnicas da psicologia

comportamental de B.F.Skinner.

Nos anos 50 e 60 com a grande expansão econômica sob o modelo fordista31 de

regulação, implantado no pós-guerra pelos EUA no Japão e Europa, realizou-se um 30 Teoria que dominou o pensamento e a prática da psicologia em escolas e consultórios, até os anos 1950. O behaviorismo restringe seu estudo ao comportamento tomado como um conjunto de reações dos organismos aos estímulos externos. Seu princípio é que só é possível teorizar e agir sobre o que é cientificamente observável. Com isso, ficam descartados conceitos e categorias centrais para outras correntes teóricas, como consciência, vontade, inteligência, emoção e memória – os estados subjetivos. (Revista Nova Escola – B. F. Skinner, O cientista do comportamento e do Aprendizado – SP, 2006). 31 Uma extensão dos princípios do gerenciamento científico de Taylor, que designa o sistema de produção em massa atrelado ao desenvolvimento dos mercados em massa.

33

ciclo de investimento, expansão da produção, pleno emprego, consumo em massa, etc.

No dizer de Hobsbawn32, essa Era de Ouro (1950 a 1970) criara uma economia mundial

única, cada vez mais integrada e universal, operando de forma transnacional e, portanto,

sobre as barreiras ideológicas de Estado que acabaram por ficar “solapadas”. E quando

essa Era de Ouro chega ao fim, trazendo em seu bojo o desemprego em massa, as

depressões severas, a miséria e as desigualdades sociais, buscam-se soluções

temporárias que reforçam ainda mais uma visão utilitarista que se rende à lógica

capitalista favorecendo a apatia e o individualismo.

No entanto, com a crise econômica e cultural que se segue ao período de crescimento na

maioria dos países, crise esta motivada pelo modelo de acumulação do pós-guerra

assentado no paradigma fordista-keynesiano (modelo baseado na produção em grande

escala em linha de montagem, apoiada pela intervenção do Estado em apoio à economia

e à distribuição de renda), o principal problema passa a ser o desemprego. Esse

fenômeno atinge os países industrializados e agrava-se nos países em desenvolvimento.

A resistência dos operários aos métodos de trabalho taylorista e fordista, os aumentos

reais de salário (seja para motivar os trabalhadores, seja como pressão desses por uma

melhor distribuição de renda), limitaram o crescimento da produtividade do trabalho e

ocasionaram uma queda das taxas de lucro. A introdução do trabalho temporário e das

equipes de trabalho por tarefa produziu resultados limitados. O capitalismo elaborou,

então, estratégias mais amplas para responder à queda da taxa de lucro: a redução de

salários e a utilização mais intensa de trabalhadores provenientes de países

subdesenvolvidos. Assim, a competitividade passa a ser o motor da globalização33, tal

32 HOBSBAWN, Eric – Era dos Extremos, O breve século XX – SP, Ed. Cia. das Letras, 1997. 33 De acordo com Giddens, globalização refere-se a uma conjugação de fatores econômicos, políticos, sociais e culturais que, devido ao desenvolvimento das tecnologias de informações e transporte, intensificaram as interações entre os povos do mundo inteiro (2004).

34

como no início do século XX o fora a noção de progresso e após a Segunda Guerra a de

desenvolvimento. A formação profissional passa a não ser apenas uma questão privada,

mas também de domínio público e, por isso, os governos não podem subestimá-la. Isso

leva a uma demanda de escolarização crescente e a uma variedade maior de sistemas

educacionais, o que tem levado muitos países a aplicarem uma porção significativa de

seus orçamentos na educação: “Em 1995, a Suécia, por exemplo, investiu 10,6% de

todo o seu produto interno bruto na economia do conhecimento”34. A “França aparece

imediatamente em segundo lugar, devido as suas grandes despesas com a educação

pública”. (Giddens, 2004, p. 309).

Assim, qualificar o trabalhador não se resume mais ao domínio de habilidades motoras

para o exercício de tarefas mecânicas e repetitivas, mas, ao contrário, se coloca como

produto dos conhecimentos científicos e tecnológicos e de suas habilidades mentais.

Isso significa que o bom desempenho do trabalhador dependerá muito mais dos

conhecimentos científicos e tecnológicos, da criatividade e rapidez de raciocínio que

possua e do espaço para tomada de decisões, do que de habilidades motoras que são

simples respostas a um processo determinado pela máquina.

Portanto, qualificar a mão-de-obra significa, na teoria neoliberal, produzir com

qualidade e inserir o país no comércio internacional em uma posição mais vantajosa e

com mais competitividade. No entanto, é necessário que se repense sobre o tipo de

educação que estamos oferecendo nas escolas. Seria uma educação que simplesmente

prepara para o mercado de trabalho? Ou seria a que procura formar pessoas autônomas,

34 Refere-se a uma economia na qual as idéias, as informações e as formas de conhecimento sustentam a inovação e o crescimento econômico. Sua mão-de-obra está envolvida não na produção ou distribuição físicas dos bens materiais, mas no planejamento, na tecnologia, no marketing, na venda e na manutenção desses bens. (Giddens, 2004).

35

com capacidade crítica para construir um novo paradigma? O ideal é que as duas

alternativas façam parte do currículo escolar, pois a dualidade do ensino só fez separar

os que deveriam fazer de um lado, dos que deveriam planejar de outro.

Assim, levando-se em conta que a característica diferenciadora do trabalho é sua

possibilidade transformadora e dinâmica e que o homem é o único ser na natureza capaz

de conceber a sua ação anteriormente à sua execução e de avaliá-la, então concluímos

que não se pode separar uma ação reflexiva de uma ação ativa, ou seja, não existe

atividade humana da qual se possa excluir toda e qualquer atividade intelectual, assim

como toda atividade intelectual exige algum tipo de esforço físico ou atividade

instrumental. São essas as reflexões de Gramsci que argumentava que: “não se pode

separar o homo faber do homo sapiens”. Para Gramsci, a função do intelectual (e da

escola) é mediar uma tomada de consciência (do aluno, por exemplo) que passa pelo

autoconhecimento individual e implica em reconhecer o seu próprio valor histórico. Por

isso, a tendência democrática da escola não pode consistir apenas em que um operário

manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se tornar governante35.

Por acreditar que a escola seria um instrumento de transformação social através da

mudança de mentalidade, Gramsci trouxe à discussão pedagógica a importância da

escola para a conquista da cidadania. Essa deveria ser orientada por uma cultura

humanista e formativa, para livrar as massas de uma visão acrítica da ideologia das

classes dominantes. Nesse sentido, não basta simplesmente colocar um torno em sala de

aula, mas de ler um livro sobre o significado, a história e as implicações econômicas do

torno em um determinado contexto histórico. Assim, qualificar o trabalhador significa

superar os antagonismos entre concepção e execução, entre trabalho mental e manual e, 35 MOCHCOVITCH, Luna Galano – Gramsci e a Escola – SP, Ed. Ática, 1988.

36

com isso, unificar em um mesmo processo o trabalho coletivo que o executa. Mas,

mesmo que tal ruptura não seja possível ao nível do trabalho, o mesmo não ocorre ao

nível das relações sociais capitalistas, que operam a ruptura entre teoria e prática,

decisão e ação, trabalho intelectual e trabalho manual. É a partir desta ruptura que o

trabalho intelectual se separa do manual, sobrepondo-se à realidade. Em decorrência, o

exercício das funções intelectuais e manuais, o consumo e a produção, passam a caber a

indivíduos distintos na sociedade conforme as determinações de classe. Assim, a um

grupo reduzido de pessoas cabe o exercício das funções intelectuais – justificado por

uma escolaridade mais extensa – e à maioria compete as tarefas de execução – sob a

alegação de uma baixa escolaridade.

Uma das autoras que se preocupa com esse tipo de educação dual é Hannah Arendt que,

ainda jovem, foi vítima da perseguição nazista na Alemanha. Em 1940 mudou-se para

os EUA onde teve contato com questões sociais que invadiam as salas de aula naquele

momento como, por exemplo, a violência, o conflito de gerações e o racismo. Em um de

seus textos – A crise na Educação (1958), incluído no livro Entre o Passado e o Futuro –

Arendt apresenta uma visão bastante crítica do tipo de educação considerada “moderna”

naquela época. Neste texto, ela questiona em profundidade alguns dos conceitos

pedagógicos mais difundidos desde fins do século XIX, e que se originam do

movimento da Escola Nova36 e da concepção do trabalho educativo como um

aprendizado “para a vida”.

“A função da escola é ensinar às crianças como o mundo é, e não instruí-las na arte de viver”, escreve Arendt. Sua argumentação neste sentido é de uma visão educativa assumidamente conservadora e a favor da autoridade na sala de aula. Não que ela

36 No Brasil, esse movimento chamado de Escola Nova ganhou força nos anos 30. Inspirados nas idéias políticas de igualdade entre os homens e do direito de todos à educação, os novos teóricos viam num sistema estatal de ensino público livre e aberto o único meio efetivo de combate às desigualdades sociais.

37

defenda um professor autoritário, nem que se trate de ser favorável à escola como um agente da manutenção da ordem estabelecida. Ao contrário, Arendt acreditava que o aluno deve ser apresentado ao mundo e estimulado a mudá-lo37.

A obra de Hannah Arendt origina-se de uma reportagem que lhe foi encomendada pela

revista New Yorker. No ano de 1961, ela foi enviada a Israel para cobrir o julgamento do

alto burocrata nazista Adolf Eichmann. No livro Eichmann em Jerusalém, a pensadora

cunhou a expressão que a celebrizou: “a banalidade do mal”, em referência aos códigos

aparentemente lógicos e até sensatos com que o totalitarismo se propaga e ganha poder.

Durante o julgamento de Eichmann, um homem de aparência comum e equilibrada,

Arendt o identificou como alguém habituado a não pensar. Os perigos da irreflexão,

como sinal de alienação da realidade, constituem um dos principais eixos de sua obra

que trouxe contribuições para a educação, dentre eles a idéia de que cabe aos adultos

conduzir as crianças por caminhos que elas desconhecem.

Esta idéia vai ao encontro do que Adorno expôs no texto Educação Após Auschwitz,

quando escreve sobre uma educação que não desperta a consciência das pessoas,

quando ela não é dirigida a uma auto-reflexão crítica. O fato de milhões de pessoas

inocentes terem sido assassinadas de uma maneira planejada deveria provocar um

debate sobre as metas educacionais existentes, sobre a forma de como temos lidado com

a exclusão dentro e fora das escolas, pois se não fizermos esta auto-reflexão, “a barbárie

continuará existindo, enquanto persistirem no que têm de fundamental as condições que

geram esta regressão e que, nos termos da história mundial, culminaria em Auschwitz”38

.

37 ARENDT, Hannah – Entre o Passado e o Futuro – SP, 1992. 38 ADORNO, T.W. – Educação e Emancipação – SP, 1995, p. 119.

38

Ainda segundo Adorno, a formação que conduziria à autonomia dos homens precisa

levar em conta as condições a que se encontram subordinada a produção e a reprodução

da vida humana em sociedade e na relação com a natureza. Quando a escola não conduz

a uma crítica às condições das relações homem/natureza, então está simplesmente

preparando para viver na sociedade do capital, sem contestá-la. Não preparar para a

crítica do trabalho alienado é uma forma de preparar para ele. Marx já assinalara como

pela educação os trabalhadores “aceitam” ser classe operária, interiorizando a

dominação. Assim, seja qual for a perspectiva que a educação contemporânea tomar,

uma educação voltada para o futuro deverá ser uma educação contestadora, superadora

dos limites estritamente técnicos. Uma educação que promova uma consciência

autocrítica, que esteja sempre direcionada em prol das resoluções dos nossos problemas

mais cruciais como: fome, desigualdade social e degradação ambiental. Questões essas,

a nosso ver, devem passar pela crítica aos sistemas que as promovem sejam elas de

direita ou esquerda.

No que se refere ao capitalismo, sabemos que, desde a sua longa existência, tem se

caracterizado pela flexibilidade e pelo ecletismo, ou seja, pela sua capacidade de

mudança e de adaptação. Por isso, as crises que tem marcado essa longa existência

devem ser elucidadas pela educação, isto é, precisamos ter em mente que a crise é o

estado habitual e crônico do capitalismo e que, devido a sua capacidade de

sobrevivência e adaptação, o sistema fica cada vez mais forte. Por isso, o capital iniciou

um processo de reorganização devido à crise econômica do modelo fordista-keynesiano,

com o advento do neoliberalismo, ou seja, com a privatização do Estado, a

desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal.

39

As mudanças que estão afetando o mercado de trabalho são resultados tanto dos fatores

históricos quanto das novas tecnologias, tendo em vista que elas são expressões da

reorganização do capital com o objetivo de retomar o seu projeto global de dominação e

acumulação. É o que descreve Giddens acerca dessas mudanças na sociedade:

“O simples ritmo das mudanças tecnológicas está gerando uma rotatividade bem mais acelerada dos empregos do que se verificava antigamente. Hoje em dia, o treinamento e a obtenção de qualificações vêm ocorrendo ao longo da vida, e não apenas uma vez, na juventude. Profissionais que estão na metade de suas carreiras passaram a optar por investir na atualização de suas habilidades por meio de programas de educação continuados e do aprendizado por meio da internet. (...) Assim como nossa sociedade continua se transformando, as convicções e instituições tradicionais que a sustentam também sofrem mudanças. A idéia da educação – que implica a transmissão estruturada do conhecimento dentro de uma instituição formal – vem dando passagem a uma noção mais ampla de ‘aprendizado’ que ocorre em uma diversidade de ambientes. (...) As fronteiras entre as escolas e o mundo exterior estão sendo derrubadas, não apenas via ciberespaço, mas também no mundo físico.” 39

E, na esteira dessas mudanças, vimos que a introdução das técnicas e métodos japoneses

de organização da produção tais como: just-in-time40, kanbam, kaizen, sistemas

participativos, CCQ, etc., são os reajustes necessários para que o sistema capitalista

continue a dar sinais de fortalecimento. Antes de passarmos à discussão de como essas

técnicas vêm sendo introduzidas em várias nações do mundo, é necessário elucidar seu

significado que derivou-se do “modelo japonês”41.

O just-in-time assenta-se num sistema de informações preciso que estabelece o

momento exato, o material exato e a quantidade exata de produção. Por isso, é

39 GIDDENS, Anthony – Sociologia – 2004. 40 Just-in-time: consiste num instrumento de controle da produção baseado no propósito de atender a demanda com a maior rapidez e de minimizar os estoques de matéria-prima; Kanbam: indicador visual em forma de cartão ou de placa que transmite a informação sobre a produção necessária de uma etapa a outra; Kaizen: Kai – significa mudança e Zen para melhor. É uma mudança contínua; CCQ: círculos de controle de qualidade, esses círculos estariam integrados a uma forma de organização do trabalho que consiste na preocupação com a qualidade. (Giddens, 2004). 41 Este termo refere-se a um conjunto de características que tendem a predominar nas formas de organização do trabalho utilizadas nas indústrias japonesas, não significando com isso que exista um único modelo e que este seja algo possível de ser transposto de forma igual a outros países.

40

necessária a integração das várias etapas da produção, a partir das necessidades

colocadas pelas vendas. Utilizando-se do kanban (indicador visual em forma de cartão

ou de placa), que transmite a informação sobre a produção necessária de uma etapa a

outra, se produz poucos lotes para ter também poucos estoques.

Esta forma de organização do trabalho baseada nos princípios do just-in-time, vem

quase sempre acompanhado pela utilização do CCQ (círculos de controle de qualidade).

Esse é o lema para a melhoria contínua, onde se deve eliminar o desperdício, a

dificuldade e a irregularidade. Nesse sentido, as pessoas estariam integradas a uma

filosofia central das novas formas de organização do trabalho, que estariam ligadas a

uma preocupação com a qualidade. Por isso, a difusão dos sistemas participativos dos

trabalhadores nas decisões relativas ao processo produtivo, busca envolver os

trabalhadores com as metas das empresas e criar uma identidade entre a direção e os

operários.

Neste sentido, o Japão se apresentaria com um paradigma industrial, baseado na

especialização flexível e que, ao contrário do paradigma taylorista/fordista, se assentaria

na produção diversificada e em pequenos lotes e na utilização de uma mão-de-obra

qualificada e multifuncional que estaria mais adaptada a desenvolver diferentes tarefas e

a responder aos constantes problemas que a produção variada coloca para as empresas.

Mas, por outro lado, a organização japonesa do trabalho também tem se mostrado como

um fordismo híbrido na medida em que se pode identificar uma série de aspectos em

que características da organização fordista do trabalho ainda se mantêm. Como enfatiza

Antunes42:

42 ANTUNES, Ricardo – Os Sentidos do Trabalho – SP, 1999, p. 56.

41

“O processo de produção do tipo toyotista43, por meio dos team work supõe, portanto uma intensificação da exploração do trabalho quer pelo fato de os operários trabalharem simultaneamente com várias máquinas diversificadas, quer pelo ritmo e a velocidade da cadeia produtiva dada pelo sistema de luzes. Ou seja, presencia-se uma intensificação do ritmo produtivo dentro do mesmo tempo de trabalho ou até mesmo quando este se reduz. Na fábrica Toyota, quando a luz está verde, o funcionamento é normal; com a indicação da cor laranja, atinge-se uma intensidade máxima, e quando a luz vermelha aparece, é porque houve problemas, devendo-se diminuir o ritmo produtivo. ... De modo que, similarmente ao fordismo vigente ao longo do século XX, mas seguindo um receituário diferenciado, o toyotismo reinaugura um novo patamar de intensificação do trabalho, combinando fortemente as formas relativa e absoluta da extração da mais-valia.”

O processo produtivo, dotado de forte disciplinamento da força de trabalho e

impulsionada pela necessidade de implantar formas de capital e de trabalho intensivo,

caracterizou o método toyotismo que segue os seguintes princípios:

1º. Centralização no produto. As empresas japonesas tendem a enfatizar o produto final,

mais do que o processo de produção, o que as leva a priorizar o atendimento do cliente

em termos de qualidade e de prazos de produção e buscar uma maior integração entre as

várias atividades da empresa, desde o projeto e a produção até às vendas;

2º. Eliminação do desperdício (kaizen). Baseado na eliminação dos obstáculos, este

princípio se baseia no tempo que as peças e materiais passam dentro da fábrica, no

tempo que os materiais levam para serem trabalhados e na distância percorrida pelos

materiais dentro da fábrica. Este princípio leva naturalmente ao just-in-time.

43 Forma de organização do trabalho que nasceu na fábrica da Toyota no Japão pós-45 e se caracteriza por 4 fases: 1ª – introdução, na indústria automobilística japonesa, da experiência do ramo têxtil, dada especialmente pela necessidade de o trabalhador operar simultaneamente com várias máquinas; 2ª – a necessidade da empresa em responder a uma crise financeira, aumentando a produção sem aumentar o número de trabalhadores; 3ª – a importação das técnicas de gestão dos supermercados dos EUA, que deram origem ao método Kanban, ou seja, o ideal seria produzir somente o necessário e no melhor tempo possível, baseando-se no modelo de reposição dos produtos somente depois de sua venda; 4ª – expansão do método kanban para as empresas subcontratadas e fornecedoras.

42

3º. Trabalho operário em equipe. O processo produtivo é compreendido como um

processo que admite a melhoria contínua e o uso de práticas experimentais no chão da

fábrica, os quais requerem a cooperação dos trabalhadores.

O processo de ocidentalização do toyotismo mescla elementos presentes no Japão com

práticas existentes ainda nos novos países receptores, isto é, com o método

taylorista/fordista. Com isso, a adaptação da experiência japonesa foi marcada pela

resistência por parte de alguns empresários em delegar decisões aos trabalhadores da

produção, visto que esta sempre foi a função atribuída ao comando da empresa, ou seja,

há os que planejam e os que executam. No entanto, mediante a profunda recessão

intensificada pela crise do petróleo na década de 70, que irá refletir nas décadas

posteriores, ocorre um reajuste econômico e político (neoliberalismo e a

multipolaridade mundial com os blocos econômicos) fazendo com que esta

reestruturação seja marcada pelos altos níveis de desemprego, aumento da competição e

o estreitamento da margem de lucro das empresas, ganhos modestos de salários reais,

retrocesso do poder sindical, o que resulta na imposição de contratos de trabalho e

trabalhadores mais flexíveis. Por isso, para se adaptar aos “novos tempos”, as empresas

se tornam “enxutas”, há uma crescente redução do trabalho estável e desconcentração

do espaço físico produtivo – com trabalhadores terceirizados, part-time, etc. – e o

trabalhador polivalente e multifuncional, capaz de controlar diversas máquinas.

No contexto dessas transformações no mercado de trabalho a estratégia, o controle, os

círculos de qualidade total ganham popularidade como receituário para uma completa

mudança de comportamento por parte dos trabalhadores e empresários, de modo a

melhorar a produtividade num momento de acirrada competitividade e fragmentação

43

dos mercados. Temos, então, os pilares da filosofia da Qualidade Total: satisfazer as

necessidades do cliente, o que depende de uma investigação que antecipe seus desejos;

redução de custos; adotar novas tecnologias; avaliar sempre (o que requer comparações

de resultados com as metas estabelecidas para fazer as correções necessárias); espírito

de equipe para a melhoria contínua; novo perfil de liderança não mais baseado no

autoritarismo e, finalmente, valorização do trabalhador.

No âmbito empresarial divulgou-se a idéia de que a humanidade esquecida do

trabalhador no taylorismo estaria sendo valorizada no toyotismo. Assim, o elemento

humano deverá ser “melhorado” por intermédio da escolaridade. Na tarefa conferida à

escola em criar o ajustamento do indivíduo à nova sociedade está subentendida a noção

de qual perfil de trabalhador está sendo requisitado pelo mercado, onde agora não mais

impera a lógica do pleno emprego, mas a lógica da “empregabilidade”44. Qualquer

pessoa que quer ser “empregável” precisa gerar a Qualidade Total em si mesma: deve

ter comunicação clara e precisa; capacidade de análise tanto para solucionar conflitos

como para prever e corrigir problemas do sistema produtivo; familiaridade com

computadores e novas tecnologias; saber enfrentar as mudanças individualmente e em

equipe; ser responsável, versátil, polivalente, equilibrado emocionalmente; deve estudar

continuamente. Enfim, são características do indivíduo que lhe dariam a capacidade de

controlar sua qualidade e promover as melhorias contínuas no processo produtivo. Tem-

se aqui a Teoria do capital humano, onde as relações de dominação e exploração são

substituídas pela ideologia do mérito, do esforço individual, da racionalidade. 44 Na literatura econômica e análises estatísticas, a empregabilidade diz respeito à passagem da situação de desemprego para a de emprego (SHIROMA, Eneida Oto – Da Competitividade para a empregabilidade: razões para o deslocamento do discurso, 1999). Outros a definem como “aptidão dos trabalhadores em conquistar um emprego e mantê-lo todos os dias, sobrevivendo e prosperando numa sociedade sem empregos” (BUENO, J.H. – Autodesenvolvimento para a empregabilidade, 1996). Em relação à expressão emprego, Enriquez (Perda do Trabalho, perda da Identidade, 1999) a define como “ter uma tarefa a ser feita, com um salário fixo, mesmo que essa remuneração não seja interessante”.

44

Em um mercado de trabalho restrito em que grande parte dos trabalhadores está

excluída, começa-se a buscar nas virtudes individuais as razões pelas quais alguns

conseguem empregar-se e outros não. As “competências” incluem elementos atitudinais

ligados às características de personalidade, segundo as exigências tanto da acumulação

flexível do capital, quanto daquelas necessárias ao indivíduo encontrar alternativas ao

desemprego. Tais competências são vistas enquanto poder que qualquer indivíduo tem

se quiser desenvolver, sem levar em conta que estas são propriedades criadas e

possibilitadas de acordo com a origem social, étnica, sexo etc..

Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) reivindicam a capacidade de iniciativa e

inovação e, mais do que nunca a máxima aprender a aprender. Criticam a pedagogia

antecedente em que o ensino embasava-se na memorização de determinados

conhecimentos. O conhecimento só teria sentido se convertido em “competências

cognitivas” e “competências sociais”, tornando-se reduzido em seu caráter utilitário e

imediatista, em ações comportamentalistas que fizessem com que as pessoas

melhorassem sua própria vida, sua eficiência e sua “empregabilidade”:

“A perspectiva é de uma aprendizagem permanente, de uma formação continuada, considerando como elemento central dessa formação a construção da cidadania em função dos processos sociais que se modificam. Alteram-se, portanto, os objetivos de formação no nível do Ensino Médio. Prioriza-se a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. Não há o que justifique memorizar conhecimentos que estão sendo superados ou cujo acesso é facilitado pela moderna tecnologia. O que se deseja é que os estudantes desenvolvam competências básicas que lhes permitam desenvolver a capacidade de continuar aprendendo. É importante destacar, tendo em vista tais reflexões, as considerações oriundas da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, incorporadas nas determinações da Lei nº. 9.394/96:

a) A educação deve cumprir um triplo papel: econômico, científico e cultural; b) A educação deve ser estruturada em quatro alicerces: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser”. (PCN, 1999; 31).

Os PCNs, em última instância, implicam em um discurso educacional, que entre

alianças, concessões e apropriações, apresenta-se enquanto resultado das disputas em

45

torno de qual perfil humano formar, de como é pensada a função da escola, de qual

projeto social é considerado válido etc.. Por isso, questiona-se quais subjetividades, ou

maneiras de ser, conhecer e interpretar o mundo são por este esperadas.

No Brasil, algumas empresas já estão implementando seus Projetos de Desenvolvimento

da Empregabilidade, argumentando que “hoje o empresário já não pode mais garantir

emprego, cabe-lhe apenas propiciar a empregabilidade, isto é, capacitar seus

empregados para as novas necessidades, internas e externas que surgirão no futuro”45.

No passado, considerava-se que essas habilidades eram de natureza estritamente

profissionalizante, relacionadas especificamente ao posto de trabalho, não englobando,

portanto, as habilidades acadêmicas mais comumente ensinadas na escola. Atualmente,

a definição de habilidades constituintes da empregabilidade tem sido alargada para

incluir também algumas habilidades básicas e uma variedade de atitudes e hábitos

valorizados no ambiente de trabalho, tais como: comunicação, relações interpessoais,

solução de problemas etc.. Segundo o Parecer 16/9946 do CNE, que estabelece as

orientações e os princípios específicos que orientam a organização da educação

profissional, a idéia de que o atendimento às demandas do mercado de trabalho, da

sociedade e dos indivíduos pode ser atingido através de uma educação profissional

pautada no desenvolvimento da laboralidade. Busca-se, assim, estruturar um tipo de

formação profissional que desenvolva a capacidade de o técnico manter-se em atividade

produtiva e geradora de renda em contextos sócio-econômicos instáveis, transitando

entre variadas atividades produtivas. A idéia de competência para a laboralidade

implica, para as instituições de educação profissional, a organização de programas que

45 SHIROMA, Eneida Oto – Da Competitividade para a Empregabilidade: razões para o deslocamento do discurso – In Educação profissional: tendências e desafios. Documento final do II seminário sobre a reforma do Ensino Profissional, 1999. 46 BRASIL - Conselho Nacional de Educação, Parecer 16/99, aprovado em 05/10/1999. Documenta Brasília, nº. 457, p.3-73, out./1999. Fixa as Diretrizes curriculares Nacional para a educação profissional de nível técnico.

46

inclua conteúdos e meios que favoreçam o desenvolvimento de capacidades para

resolver problemas, o tomar decisões e ter iniciativa e a autonomia intelectual. Por isso,

a escola se torna necessária para desenvolver essas competências e tornar os alunos

mais competitivos no mercado de trabalho. Ter qualificação47 passa, então, a ser uma

forma de conferir competência48 aos trabalhadores aumentando sua possibilidade de

criação e participação sobre o processo produtivo.

Sabemos que o mundo de ontem era repleto de fronteiras, “estável”, separado por áreas.

O atual é globalizado, dinâmico e conectado. Isso faz com que seja praticamente

impossível prever quais conhecimentos garantirão uma existência tranqüila. É uma

época de extrema liberdade e insegurança. Por isso a ênfase a um ensino que desenvolva

habilidades, muito mais que preparar alguém para um vestibular, essas habilidades

formariam uma espécie de caixa de ferramentas básicas para enfrentar o século XXI.

Nesse contexto, segundo a autora Vanilda Paiva49, a educação teria que atuar não

apenas na qualificação do trabalhador empregado formalmente, mas também na

formação do pequeno produtor e, ainda, na formação do desempregado ou excluído, de

maneira a ajudá-lo a desenvolver sua própria auto-atividade. Estaria aqui a idéia de uma

educação que objetive oferecer, inclusive, uma formação cultural e ética no sentido de

estimular uma mudança de valores e expectativas do cidadão, de modo a prepará-lo para

entender e agir no interior da nova realidade histórica. Assim, a educação teria que agir

de duas maneiras. Numa delas, abrindo perspectivas de ocupação

47 Segundo Acácia Kuenzer, trabalhadores e empresários entendem por qualificação a capacidade técnica aliada à posse do saber teórico, ou seja, a capacidade de resolver os problemas na prática a partir do conhecimento da teoria. (KUENZER, Acácia Z. – A Pedagogia da Fábrica: as relações de produção e a educação do trabalhador – SP, 1985). 48 De acordo com a Resolução CNE/CEB nº. 04/99, art. 6º, entende-se por competência profissional a capacidade de mobilizar, articular e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho. (BRASIL, Ministério da Educação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br. Acesso em 10 julho/2007). 49 PAIVA, Vanilda – Educação e Bem-estar Social – Educação e Sociedade – nº. 39, Campinas/SP, p. 161-199, agosto/1991.

47

(...) “do tempo livre daqueles que foram excluídos – ou por aposentadoria com longevidade, ou por exclusão do mundo do trabalho por incapacidade de adaptação às novas condições... ou por falta de oportunidades suficientes para a nova geração”. Na outra, criando condições para que essa “exclusão-includente não apenas não se mostre disruptiva da ordem social, mas também apresenta-se capaz de gerar um novo pólo dinâmico da economia com base em micro-empresas, auto-emprego, capaz de produzir – muitas vezes em base artesanal(...) – os objetos sofisticados e exclusivos que constituem hoje a fonte de lucro e acumulação privilegiada do capitalismo...” (Paiva, 1991, p. 193).

Percebemos, assim, que a educação na ótica dessa autora, tem uma dimensão mais

ampla e profunda, significando, além da reciclagem técnica do trabalhador formal, que é

exigida pelas transformações produtivas, uma formação contínua do cidadão no sentido

de ensiná-lo a melhor inserir-se na “nova” realidade.

Enfim, há uma nova tendência na educação que procura acompanhar as novas

exigências do mercado. E a escola, mais uma vez, apresenta-se como o “abre-te

sésamo” da classe trabalhadora para entrar no mercado de trabalho e manter-se nele.

Mas, não deixa de ser interessante a observação de Cattani sobre o que realmente tem

sido o papel da educação no Brasil ao longo dos anos:

“A educação, na melhor das hipóteses, é um plano piloto como o foi Brasília, ou seja, anunciado como um audacioso projeto que deveria resolver os problemas de integração e de funcionamento racional do país. Após sua implantação, uma pequena parte da população é beneficiada, alguns segmentos são aceitos nos interstícios e o restante é jogado para a periferia do ‘modelo’. A educação nunca foi pensada e investida como um projeto global, como uma prática de abrangência universal e permanente. Os esforços de Fernando de Azevedo, de Anísio Teixeira, de Paulo Freire e tantos outros não conseguiram reverter essa situação. Recentemente iniciativas de administrações estaduais e municipais, bem como o extraordinário trabalho de inúmeras ONGs dedicadas à educação popular, são animadores, mas permanecem limitados e não alteram o quadro dominante”50.

E esse quadro dominante aponta-nos a várias tendências que tem caracterizado o

mercado de trabalho atual: tendência a uma redução do operariado manual, fabril,

estável; tendência a um aumento do trabalho parcial e temporário; tendência a um

50 CATTANI, Antônio David – Trabalho e Autonomia – 2ª edição, RJ, 2000, p. 157.

48

aumento do trabalho feminino, principalmente no setor de serviços; tendência a uma

enorme expansão dos assalariados no setor de serviços e, finalmente, tendência a

exclusão dos trabalhadores jovens e “velhos” do mercado de trabalho devido ao

desemprego estrutural51.

Como bem pontuou Cattani, o desafio hoje é compreendermos a lógica de seletividade e

de exclusão do mercado de trabalho e, nesse sentido, como as escolas se situarão nessas

novas exigências. Entendemos que a questão da cidadania passa pelo direito do cidadão

à apropriação do conhecimento. Este direito está associado à questão da escola pública

universal e gratuita. Assim, o caráter público da escola pressupõe a idéia de que o

conhecimento é um bem tão importante para o exercício de cidadania que o Estado deve

assegurar a todos a sua apropriação. Apesar dos avanços na legislação, a realidade do

sistema educativo no Brasil é um exemplo de contradição entre a declaração dos direitos

do cidadão e a prática educacional seletiva e excludente de amplos segmentos da classe

trabalhadora. Esse será, portanto, o assunto abordado no capítulo 02 desse estudo, que

terá como abrangência os períodos da 1ª República, do Desenvolvimentismo, da

Ditadura Militar e da Nova República no Brasil e em Minas Gerais.

51 ANTUNES, Ricardo – Os Sentidos do Trabalho – SP, 1999, p. 201.

49

CAPÍTULO II

A BUSCA PELA CIDADANIA ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL E EM MINAS GERAIS

Para renascer, e às vezes para nascer, é preciso morrer, e ele começou morrendo. Foi uma morte até certo ponto anunciada, precedida de uma lenta e ignominiosa agonia. Que teve início numa sexta-feira. O patrão chamou-o e disse, num tom quase casual, que ele estava despedido: contenção de custos, você sabe como é, a situação não está boa, tenho que dispensar gente.52(2003, p. 585).

Assim começa o conto de Moacir Scliar sobre a vida de um trabalhador não qualificado

– um empacotador – pai de família e que fora demitido por causa da política de

contenção de custos da empresa. Como todo trabalhador que perde o emprego, começou

batendo à porta de muitas empresas, procurou conhecidos, esteve no sindicato... Mas

como às vezes acontece, a resposta foi negativa. Sentindo-se um derrotado, decidiu

abandonar a família e ir morar nas ruas ao lado de tantos outros que estão à margem da

sociedade. Passou a não mais idealizar um futuro e o passado começou a sumir de sua

memória:

A primeira coisa que esqueceu foi o rosto do filho maior, garoto chato, sempre a reclamar, sempre a pedir coisas. Depois, foi o filho mais novo, que também chorava muito, mas que não pedia nada – ainda não falava. Por último, foi-se a face devastada da mulher, aquela face que um dia ele achara bela, que lhe aquecera o coração. Junto com os rostos, foram os nomes. Não lembrava mais como se chamavam. E aí começou a esquecer coisas a respeito de si próprio. (2003, p. 587).

Não lembrar sobre coisas de si mesmo, mexeu muito com ele. Procurou então resgatar

sua identidade começando por um banho, pois “a sujeira formava nele uma crosta que

de certo modo o protegia”. Após o banho, olhou-se no espelho e não se reconhecia.

Saindo do abrigo que o acolhera, o padre quis saber seu nome, mas como não se 52 SCLIAR, Moacyr – O nascimento de um cidadão – in História da cidadania. Jaime Pinsky (org.), SP, 2003.

50

lembrava, disse apenas: José da Silva. Já na rua e se sentindo arrebatado pela vida, não

percebeu o ônibus que se aproximava e foi arremessado à distância.

Alguém se inclinou sobre ele, um policial. Que lhe perguntou: - Como é que está, cidadão? Dá para agüentar, cidadão?

Isso ele não sabia. Nem tinha importância. Agora sabia quem era. Era um cidadão. Não tinha nome, mas tinha um título: cidadão. (2003, p. 588).

Assim como a personagem do conto de Moacir Scliar, muitos trabalhadores acabam

perdendo sua identidade no momento em que também perdem seus empregos. É como

se esta identidade só fosse possível a partir do momento em que estes trabalhadores

estão inseridos no mercado de trabalho. É interessante observar esta questão,

principalmente quando perguntamos a alguém “quem é você” e geralmente as pessoas

nos respondem dizendo sobre sua profissão: “eu sou pedreiro, professor, etc.”, e não

sobre sua personalidade. E quando as pessoas perdem essa referência é como se

deixassem de ser alguém, pois é também na atividade do trabalho que o indivíduo irá

formando sua personalidade, desenvolvendo suas aptidões, refletindo sobre seus

princípios ideológicos e demonstrando suas atitudes frente à ação prática.

Enriquez53 aborda este aspecto em sua análise sobre trabalho e identidade, quando

escreve sobre a tendência de considerar-mos os homens como objetos eminentemente

substituíveis no processo de produção. Por ser apenas um “mero detalhe” nessa

produção, acaba não se sentindo um agente atuante na sociedade, possuidores de certa

autonomia e com poder de decisão. Deixam-se levar pelas circunstâncias, não

construindo com isso um verdadeiro projeto social onde as necessidades da maioria

sejam, pelo menos, levadas em conta tais como: acesso à educação de qualidade, ao

mercado de trabalho. Enfim, a todas essas conquistas sociais que combinadas com os

53 ENRIQUEZ, Eugene – Perda do Trabalho, Perda da Identidade – BH, 1999.

51

prodígios da ciência e do poder criativo da tecnologia, poderão beneficiar a todos. No

Brasil nem todos exercem a sua cidadania, que defino como o exercício de deveres e

direitos individuais, respeitando também os deveres e direitos da coletividade.

Contudo, cabe aqui uma pergunta: de quem é a culpa do desemprego? Alguns culpam

os trabalhadores: “eles não têm educação suficiente para acompanhar as mudanças”.

Outros culpam a legislação: “a lei trabalhista é demasiadamente rígida, desestimulando

a contratação de trabalho”. Outros culpam a economia: “o investimento é anêmico e o

crescimento insuficiente para gerar o número de empregos que a nação precisa”. Afinal,

quem tem razão? Todos. Os problemas do mundo do trabalho são realmente

determinados pela educação, pela lei e pela economia. Cada um desses fatores tem uma

enorme parcela de responsabilidade. Por isso, Enriquez nos exorta a buscar a ação que o

exercício de cidadania nos exige: “è preciso que os seres humanos possam encontrar a

sua dimensão histórica, o seu peso na história. Que eles possam, também, reencontrar o

sentido político e o significado dos seus atos”. 54 Para buscarmos este “sentido político

dos nossos atos”, procuraremos neste capítulo discutir a educação profissional no Brasil

e em Minas Gerais, com suas reformas educacionais e seus reveses, bem como a

inserção da mão-de-obra qualificada no mercado de trabalho.

O ponto de partida para essa discussão será a educação e o desenvolvimento industrial

brasileiro na 1ª República, pois, a partir desse momento, veremos a intensificar o

processo de urbanização e a evolução de um modelo exclusivamente agrário-exportador

para um modelo parcialmente urbano-industrial, o que irá pressionar o sistema escolar

para que se expandisse. Até então, a estratificação social predominante na época

54 Idem. (1999, p. 83).

52

colonial, exigia uma educação que formava a elite do regime. Nesse sentido,

permaneceu a educação acadêmica e aristocrática dando-se pouca importância à

educação popular. Foi somente quando essa estrutura começou a dar sinais de ruptura

que a situação educacional começou a tomar rumos diferentes. Primeiro com os

movimentos culturais e pedagógicos em favor de reformas mais profundas; segundo,

com o aumento da demanda escolar impulsionada pelo ritmo mais acelerado do

processo de urbanização ocasionado pelo impulso dado à industrialização após a I

Guerra e acentuada depois de 1930.

2.1 Primeira República

Embora o Brasil estivesse centrado fortemente no modelo agro-exportador, no contexto

situado entre o final do Império e o início da República, teve uma forte pressão dos

diversos grupos da sociedade para transformá-lo num país cuja base econômica deveria

estar fundada na produção industrial. A ideologia do desenvolvimento baseada na

industrialização passou a dominar os debates em torno de um projeto para o país, para

atingir o progresso, a independência política e a emancipação econômica. Nessa nova

lógica, o analfabetismo é alçado ao estatuto de inaptidão do país para o progresso.

Erradicá-lo passa a ser uma prioridade e por isso é preciso estender a escola às

populações até então marginalizadas. Por iniciativa do presidente da República Nilo

Peçanha – cujo mandato foi de 1909-1910 – foram criadas 19 escolas de Aprendizes e

Artífices, uma em cada capital de estado, com exceção do RJ, cuja unidade foi

construída na cidade de Campos, e do RS, onde em Porto Alegre funcionava o Instituto

Técnico Profissional, o qual recebeu posteriormente o nome de Instituto Parobé. Esse

novo sistema de educação profissional passou a ser mantido pelo Ministério da

53

Agricultura, comércio e indústria e tinha como finalidade ofertar à população o ensino

profissional primário e gratuito. Assim sendo, Nilo Peçanha foi considerado o fundador

do ensino profissional no Brasil.

Apesar dos problemas apresentados pelas Escolas de Aprendizes a Artífices tais como:

evasão, escassez de mestres de ofícios especializados e de professores qualificados, esse

modelo de ensino profissional foi se consolidando ao longo do tempo e foi adquirindo

os contornos necessários até constituir a rede de Escolas técnicas do país. O próprio

presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca, que assumiu o poder em 15 de

novembro de 1910, deixou clara a sua intenção de dar continuidade à obra iniciada por

Nilo Peçanha.

Minas Gerais também procurou abrir-se ao desenvolvimento econômico55 e, com isso,

causou reformas no seu sistema educacional. Nesse sentido, iremos vislumbrar o

desenvolvimento econômico mineiro como um desenvolvimento marcado pela

exploração e exportação dos recursos minerais não transformados e por atividades

agrícolas e pastoris, sendo elas caracterizadas pela auto-suficiência que deu origem a

uma formação social peculiar: de um lado, grupos sociais ligados às atividades

agropastoris e cafeeiras, portanto ruralizadas. E por outro, grupos sociais ligados às

atividades de mineração, portanto, urbanizados e diversificados. Por isso, o sistema

educacional foi chamado a desempenhar uma função primordial, qual seja: preparar a

mão-de-obra para inserir no mercado e com isso provocar o desenvolvimento. Assim,

essa idéia iluminista de superar o atraso pelo saber estará presente nos diversos

processos do desenvolvimento mineiro e, para ilustrarmos um desses momentos,

citaremos o ensino agrícola em Minas durante a Primeira República. De acordo com

55 Desenvolvimento econômico será aqui entendido como uma idéia referente à superação intencional de uma situação de atraso relativo. Nesse sentido, envolve ações governamentais e articulações dos diversos grupos sociais para superação desse atraso.

54

Dulci56, primeira fase desse ensino vai de 1903 até cerca de 1920 e teve como eixo a

idéia da educação básica para o trabalho. Na segunda57, a atenção se estendeu para o

ensino superior, como parte de uma estratégia mais ambiciosa de modernização do

campo.

No governo de João Pinheiro (1906 a 1908) cabia ao Estado educar a população para o

progresso58 e, como conseqüência dessa política, foram criados estabelecimentos de

ensino agrícola onde eram divulgadas novas técnicas e o uso da mecanização.

Conforme assinala Ângela Gomes:

O Brasil da República Velha era um país eminentemente rural (60% da população em área rural), recém- saído do longo período de escravidão, com taxas nacionais de analfabetismo na ordem dos 75% da população. O Brasil da República Velha era também o país dividido entre os políticos bacharéis e os homens de ação. A ruptura com o atraso brasileiro significava, para muitos deles, a reorganização, em bases racionais e técnicas, do trabalho agrícola, da fixação do homem rural, dos instrumentos e agências de produção. Sintonizava-se, ainda, com a corrente ruralista que via no ensino profissional agrícola as possibilidades de recuperação do homem do campo e, por extensão, da própria agricultura brasileira. (...) Preparar o homem rural, inclusive com a formação de colônias agrícolas, pode ter sido um instrumento eficaz de preservação do latifúndio e da grande propriedade. Criar o senso de propriedade em pequenos agricultores é eficaz no sentido de criar uma mentalidade favorável ao respeito à propriedade de outrem. A posição de João Pinheiro guarda estreita conexão com esses pontos. 59

Havia, portanto, por parte do governo a crença de que a maior fonte de riqueza estava na

agricultura, pois ela beneficiava grande parte da população oferecendo trabalho “mais

fácil” e que atendia também as suas necessidades mais imediatas. Assim, combinar

56 DULCI, Otávio Soares - Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais - BH, 1999. 57 Essa fase se dá principalmente no governo de Artur Bernardes (1918 a 1922), onde houve a valorização do ensino agrícola médio e superior, entendendo que o setor agropecuário requeria a formação de pessoal qualificado. Esse requisito foi atendido através da criação em 1920 da Escola Superior de Agricultura e Veterinária em Viçosa, sendo inaugurada em 1926. 58 Como João Pinheiro era adepto do positivismo, a idéia de progresso refere-se à aquisição de bens e de conhecimentos, capazes de mudar a vida social e dar-lhe um novo significado, resultando em maiores benefícios materiais e culturais para os membros da sociedade. (OLIVEIRA, Pérsio S. – Introdução à Sociologia - SP, Ed. Ática, 2005). 59 GOMES, Ângela de Castro (org.) - Minas e os Fundamentos do Brasil Moderno - BH, 2005, p. 143.

55

formação técnica e aplicação prática foi a fórmula que orientou o governo na busca pelo

desenvolvimento, sendo que para isso, era necessário erradicar o analfabetismo e formar

recursos humanos para o mercado de trabalho. Nesse sentido, acreditava-se que o país

iria se beneficiar como um todo. “O descuido com a educação popular seria o

responsável pela inferioridade brasileira reificada nos processos rotineiros de predação,

de falta de instrução para manuseio da terra e do trabalho, pela manutenção dos mesmos

processos dos tempos coloniais” (idem, p. 145). Portanto, a universalização do ensino

primário e a implantação das escolas agrícolas para a modernização do país, nos dão

mostra de como era importante para o governo João Pinheiro a qualificação para o

trabalho, iniciando-o desde o primário: “ensinar ao agricultor que tipo de produção se

presta ao seu terreno, como lidar com a terra sem exauri-la, como lidar com máquinas,

como modernizar o campo produtivo era a agenda de um currículo de Escola Agrícola”

(idem, p. 160).

O que nos chama a atenção nesse projeto de modernização, que tem como sustentáculo

o binômio trabalho/educação, é o fato de que essa modernização ainda estava assentada

em uma estrutura de desigualdade social, ou seja, mesmo havendo a preocupação por

parte do governo com a educação popular, em erradicar o analfabetismo, fator de atraso

segundo João Pinheiro, ainda assim era um projeto que promovia uma educação dual:

para os pobres um ensino técnico de feição profissionalizante e para a elite uma

educação geral que levava à ascensão ao ensino superior. Teremos algumas mudanças

nessa estrutura, principalmente na década de 20, quando o país vivenciou crises no setor

de exportação e quando sentiu as pressões vindas da classe operária e das classes médias

urbanas por democracia. A indústria nesta época – década de 20 – se caracterizava pela

produção do setor têxtil e alimentício. Em janeiro de 1929, já existia no Distrito Federal

56

um total de 1.937 fábricas, empregando 93.525 operários60. Os ramos básicos da infra-

estrutura como: siderurgia, mecânica pesada, por exemplo, não representavam qualquer

contingente considerável. Mesmo assim, o aumento dessa industrialização acabou por

atrair para as cidades, populações oriundas de outras localidades.

Conter esse fluxo migratório e levar escola ao interior brasileiro, bem como enraizar os

serviços escolares nos grandes centros urbanos passa a ser as metas da Reforma

Sampaio Dória implantada em SP e que fora concebida nos moldes spencerianos61. Essa

reforma reduziu a escolaridade primária obrigatória de quatro para dois anos porque,

segundo Dória, dois anos de formação básica era suficiente para que o aluno exercitasse

as suas “faculdades perceptivas”, desenvolvendo a sua “capacidade de conhecer”. A

escola primária obrigatória de dois anos deveria ser:

1º. Instrumento de aquisição científica, como aprender a ler e escrever; 2º. Educação inicial dos sentidos, no desenho, no canto e nos jogos; 3º. Educação inicial da inteligência no estudo da linguagem, da análise do cálculo e nos exercícios de logicidade; 4º. Educação moral e cívica, no escotismo, adaptado à nossa terra e no conhecimento de tradições e grandezas do Brasil; 5º. Educação física inicial, pela ginástica, pelo escotismo e pelos jogos62 .

Estabelecida pelo Decreto 1.750 de 8 de dezembro de 1920 e revogada em 1925, a

Reforma teve o curso de sua implantação alterado pela exoneração de Sampaio Dória

em abril de 1921, do posto de Diretor da Instrução Pública. Em 1924, reuniu-se no RJ,

um grupo de educadores brasileiros imbuídos de idéias renovadoras sobre o ensino,

sendo que, para eles, a educação era um elemento central para remodelar o país. Por

isso, criaram a ABE (Associação Brasileira de Educação) para reivindicarem uma

60 FAUSTO, Boris – A Revolução de 1930 – 8ª edição, SP, Ed. Brasiliense, 1982. 61 Herbert Spencer (1820-1903) – empirista britânico, influenciado pelo positivismo, combatia a influência religiosa no ensino e na ciência. 62 CARVALHO, Marta Maria Chagas de - Reformas da Instrução Pública – in 500 anos de Educação no Brasil. Eliane M. T. Lopes (org.), BH, 2003, p. 228.

57

educação para todos e uma escola vinculada ao meio social, isto é, se a sociedade exigia

uma mão-de-obra apta para exercer suas funções na indústria, então que a escola se

incumbisse dessa formação. Assim, a ABE foi o resultado da influência das idéias então

vigentes nos EUA63 e na Europa, que se convencionou chamar de “Movimento das

Escolas Novas”. Faziam parte desse grupo Heitor Lira, José Augusto, Venâncio Filho,

Carneiro Leão, dentre outros64 . No plano ideológico, as conferências realizadas pela

ABE representavam o confronto de duas correntes opostas: a dos reformadores que

tinham como princípios a gratuidade e obrigatoriedade do ensino, a laicidade e um

Plano Nacional de Educação; e a outra corrente chefiada pelos católicos que viam na

interferência do Estado um perigo de monopólio e na laicidade uma afronta aos

princípios da educação católica.

Um idealizador dessa concepção reformadora foi Anísio Teixeira que se inspirou na

filosofia de John Dewey quando foi seu aluno num curso de pós-graduação nos Estados

Unidos. Assim, propunha uma “educação como processo de contínua transformação,

reconstrução e reajustamento do homem ao seu ambiente social móvel e progressivo”65.

Convidado em 1926 pelo então governador da BA para reformar a Instrução Pública no

Estado, Anísio viaja aos EUA e dessa viagem, edita o livro “Aspectos Americanos de

Educação” onde registra o que considera como democracia norte-americana: “O caráter

de uma escola pública onde pobres e ricos são vistos sentados juntos e onde o trabalho

manual e o trabalho intelectual são indissociáveis”.

63 Dentre essas idéias, destaca-se as de John Dewey (1859-1952) que inspirou o movimento da Escola Nova. De acordo com a corrente filosófica deweyana, o papel da escola é reproduzir a comunidade em miniatura, apresentar o mundo de modo simplificado e organizado e, aos poucos, conduzir as crianças ao sentido e à compreensão das coisas mais complexas. Em suma, o objetivo da escola deveria ser ensinar a criança a viver no mundo. Os princípios do Movimento das Escolas Novas eram: a universalização da escola pública, laica e gratuita. (Revista Nova Escola – Grandes Pensadores, 2006). 64 ROMANELLE, Otaíza de Oliveira - História da Educação no Brasil - RJ, 1983. 65 CARVALHO, Marta Maria Chagas de - Reformas da Instrução Pública - BH, 2003, p. 244.

58

As novas responsabilidades da escola, segundo Anísio Teixeira, eram, portanto, oferecer

situações em que o aluno, a partir da visão (observação), mas também da ação

(experimentação) pudesse elaborar seu próprio saber. Assim, a pedagogia deixava-se

impregnar pelos novos ritmos da sociedade da técnica e do maquinismo. Caberia ao

professor “guiar” o aluno de modo a garantir que o máximo de frutos fosse obtido com

o mínimo de tempo e esforços perdidos. Essa pedagogia respondia às exigências do

momento, pois sabemos que a educação pública, gratuita, obrigatória e leiga é uma

conquista do Estado burguês e surgiu na Europa com a ascensão da burguesia e o

desenvolvimento da vida urbana. Historicamente é, portanto, uma conquista resultante

da decadência da antiga ordem aristocrática e uma reivindicação ligada à nova ordem

social e econômica, que, no nosso caso, começava a se definir mais precisamente após

1930.

Minas Gerais também acompanhará o ideal escolanovista vigente no país. O governo de

Antônio Carlos (1926-1930) juntamente com seu secretário dos Negócios do Interior,

Francisco Campos, promoverá uma reforma no ensino cujo objetivo será a

modernização da escola mineira, transformando-a em um importante agente de

consolidação da nova ordem urbano-industrial. O Brasil caminhava para um novo

tempo – o tempo da indústria – e o sucesso da ordem urbano-industrial estava

diretamente ligado à capacidade do estado para modernizar-se, incorporando os

segmentos que se sentiam excluídos do sistema, dentre eles os desempregados.

Para isso, Antônio Carlos propõe um programa de governo voltado basicamente para as

reformas administrativas do estado, do voto secreto e feminino e para a oferta de

59

escolas. De acordo com Ana Maria Peixoto66, a ênfase à educação no governo de

Antônio Carlos justifica-se por uma série de razões, dentre elas o crescimento da

indústria que acelera o processo de urbanização e acaba por trazer à tona a questão da

formação da mão-de-obra. Assim, além de formar essa mão-de-obra, cabia às escolas

divulgar uma nova moral, compatível com o mundo da fábrica. Essa “nova moral” tem

como referência o Taylorismo, que é uma proposta de gerência científica, desenvolvida

nos EUA no início do século, cujo objetivo seria alcançar maior eficiência e

produtividade mediante o controle do trabalho operário. De acordo com esse ideal,

haveria possibilidade de ascensão social promovendo as qualidades do indivíduo através

da educação.

Por estas razões, Francisco Campos realiza uma profunda reforma que atinge o ensino

primário e normal. A opção pelo ensino primário se justifica pelo caráter estratégico que

o governo atribui à escola primária no processo de democratização da sociedade. Este

caráter estratégico está diretamente relacionado ao ensino da leitura e da escrita,

condição indispensável ao exercício do voto e, consequentemente, ao usufruto dos

benefícios da cidadania. Nesta perspectiva, expandir a escola primária seria estender as

possibilidades de acesso à cidadania e, portanto, democratizar a sociedade. Já as

preocupações com o ensino normal se devem ao fato de Francisco Campos considerar o

trabalho do professor a base sobre a qual repousa a escola primária, visto que cabia ao

professor ensinar aos alunos a viverem com mais tolerância, que aprendessem a

responder às necessidades que as transformações tecnológicas impunham e que

tivessem autodisciplina. Por isso a opção pela adesão aos princípios da Escola Nova,

que enfatiza a participação do aluno no processo de aprendizagem e não um simples ato

66 Educação em Revista, FAE/UFMG, BH – nº. 16 – dezembro/1992, p. 13 a 17.

60

de memorização, já que o momento exigia uma mudança de paradigma devido a

evolução da ciência e da tecnologia. A reforma educacional patrocinada por Francisco

Campos em Minas Gerais, enquadra-se no paradigma de vários grupos que encaravam a

sociedade brasileira como uma estrutura doente – doente porque analfabeta - cujos

males caberia à elite erradicar. Por isso, a necessidade de reconstruir as instituições

políticas e sociais, modernizando-as. Assim, esse movimento de reformas ocorrido em

Minas alinha-se a outros movimentos modernizantes no país, cujo ápice será a

Revolução de 30.

Podemos dizer que, até 1930, o Brasil intitulava-se como um “país essencialmente

agrícola”, visto que apresentava como primeiro item na sua pauta de exportação,

produtos agrícolas (no caso, o café). No entanto, o estado de Minas começa a buscar

outras opções. De acordo com Otávio Dulci67 a economia mineira apostou mais na

policultura do que na primazia do café: “tratava-se de um rumo próprio, que levava a

economia mineira a se distinguir do modelo primário-exportador dominante na

economia brasileira”. Nota-se, nesse caso, a atitude discreta dos mineiros quanto à

valorização do café, diferentemente da atitude dos paulistas. Não é do nosso interesse

aprofundarmos aqui essa controvérsia, mas sim ressaltarmos que até 1930 o Brasil

mantinha uma política econômica de valorização agrícola, pois compreendia que o

processo de modernização do país deveria ser gradual, passando da agricultura para a

indústria. A partir da década de 1930, já na Era Vargas, o país começa então a construir

um parque industrial, tendo um avanço na urbanização e constituindo uma elite

empresarial que estava alterando o predomínio das oligarquias cafeeiras68. Segundo

67 DULCI, Otávio Soares - Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais - BH, 1999, p.60. 68 A diversificação econômica e a modernização social não deslocaram do poder a elite tradicional. Esta, ao contrário, se antecipou e procurou conduzir o processo, adaptando-se ao novo contexto da crise do modelo agroexportador e da centralização política pós-1930. (Dulci, 1999; cap. V).

61

Boris Fausto, os ramos têxteis e de alimentação ainda continuavam a predominar,

abrangendo aproximadamente 61% do capital empregado. Mas, os anos seguintes à

Revolução de 30 seriam caracterizados pelo desenvolvimento industrial, graças a ação

do Estado para evitar o colapso da economia cafeeira (comprando e queimando café),

combinada com a substituição de importações69. Com isso, o mercado se nacionalizava

de forma crescente – processo que foi acelerado devido às duas guerras mundiais,

entremeadas pela Grande Depressão de 29. A zona metalúrgica mineira passa, então, a

ser uma área especializada na produção de bens intermediários para essa estrutura

industrial:

A Belgo-Mineira fora fundada em 1921 e iniciara algumas atividades em Sabará; depois a inauguração da usina de João Monlevade (1937) e da Cia. Belgo-Mineira. Poucos anos mais tarde, a Cia. Vale do Rio Doce se estabelecia em Itabira (1942), a Acesita em Timóteo (1944) e a Usiminas em Ipatinga (1956). (...) A criação de uma siderúrgica dentro do estado era de especial importância para o seu estímulo. A indústria de base foi equacionada inicialmente com a instalação, no estado, da usina da Mannesmann, empresa alemã (hoje V&M) que, ao iniciar, no Brasil, a ultra moderna fabricação de tubos de aço sem costura, possibilitou a expansão de numerosas outras indústrias a jusante70 .

Em âmbito nacional, o movimento renovador pela educação reivindicava que o Estado

assumisse o controle da educação e que esta deveria ser gratuita e obrigatória, dadas às

necessidades da nova ordem econômica em implantação. A campanha pela escola

pública foi uma campanha que visava, antes de tudo, à concretização de um dos

princípios máximos do movimento: o direito de todos à educação. No entanto, o outro

grupo – o dos católicos – lutava contra essa escola pública e gratuita, pois isso

representava o esvaziamento das escolas privadas que em sua maioria era constituída

por colégios de freiras e padres.

69 FAUSTO, Boris – A Revolução de 1930 – 8ª edição, SP, Ed. Brasiliense S.A., 1982, p.23. 70 GOMES, Ângela de Castro (org.) - Minas e os Fundamentos do Brasil Moderno - BH, 2005, p.229.

62

Para conciliar esses diferentes interesses é que as constituições de 1934 e 1937

adotaram o ensino religioso facultativo, a gratuidade e a descentralização do ensino.

Entretanto, a Constituição de 1937, apesar de manter a gratuidade e obrigatoriedade do

ensino, foi mais enfática na questão do ensino profissional. 71 Oficializando o ensino

profissional como ensino destinado aos pobres, o governo o dividia em duas partes: uma

que correspondia ao ensino secundário - que teria um caráter propedêutico ao ensino

superior, formador das elites – e a outra parte que compreendia os ramos profissionais

(industrial, comercial e agrícola), formador da mão-de-obra que a sociedade industrial

necessitava. Nesse caso, o movimento renovador que ao proclamar a educação como um

direito de todos, sem distinção de classes sociais e de afirmar ser dever do Estado

assegurá-la, constituiu-se em um avanço para a época, porque trata a educação como

uma questão de cidadania. No entanto, o movimento peca em um ponto: não

questionava a nova ordem que se estava implantando. Lutava apenas contra a escola

tradicional e elitista e não contra o sistema que continuava mantendo o predomínio da

elite no poder. Em 1942, por iniciativa do ministro de Getúlio Vargas, Gustavo

Capanema, foram instituídas reformas parciais no ensino que atendessem aos interesses

econômicos – “formação da força de trabalho que possibilitasse a realização do projeto

de desenvolvimento assumido pelo Estado Novo” – e por questões ideológicas – “para

montar um quadro geral e simétrico que abrangesse todos os tipos de ensino”72. Essas

reformas foram chamadas de Leis Orgânicas do Ensino. Essas leis estruturaram o ensino

técnico – profissional, e começaram a ser promulgadas em 1942 sendo, portanto,

decretadas de forma gradativa:

71 Art. 129 – O ensino pré-vocacional e profissional, destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. ( citado no PCN – ensino médio, 1999; 96). 72 MANFREDI, Silvia Maria - Educação Profissional no Brasil - SP, 2002, p. 99.

63

a) Em 30/01/1942, o decreto – lei nº. 4.073 organizava o ensino industrial; b) Em 28/12/1943, saía a lei orgânica do ensino comercial, pelo decreto – lei nº.

6.141; c) Em 20/08/1946, findo o Estado Novo, saía o decreto – lei nº. 9.613 chamado

lei orgânica do ensino agrícola.

Esses decretos – lei organizaram o ensino técnico profissional nas três áreas da

economia, de forma que ele contivesse dois ciclos – um fundamental, geralmente de

quatro anos e outro técnico, de 3 a 4 anos:

O ensino primário, com quatro ou cinco anos de duração, destinava-se a todas as crianças de 7 a 12 anos (Decreto – lei 8.529, de 2 de janeiro de 1946). O ensino médio, para jovens de 12 anos ou mais, compreendia cinco ramos. O ensino secundário (Decreto – lei 4.244, de 9 de abril de 1942) tinha por objetivo formar os dirigentes pelo próprio ensino ministrado e pela preparação para o superior. Os demais ramos do ensino médio tinham a finalidade de formar uma força de trabalho específica para os setores da produção e da burocracia: o ensino agrícola para o setor primário; o ensino industrial para o setor secundário; o ensino comercial para o setor terciário; o ensino normal para a formação de professores para o ensino primário. Cada ramo de ensino estava dividido em dois ciclos, o primeiro propedêutico ao segundo. (idem, 2002; 99).

Devemos lembrar que, devido ao período da 2ª Guerra Mundial, exigia-se uma

contenção de produtos importados e mão-de-obra também importada. Por isso, o Estado

deveria satisfazer as necessidades de consumo da população com produtos de fabricação

nacional – expandindo assim o setor industrial – e absorver mais mão-de-obra

qualificada, já que essa não poderia ser importada. As indústrias passam, então, a treinar

seu pessoal para suprir a demanda e, com esse engajamento das indústrias, temos a

criação do SENAI (1942) e o SENAC (1943). Apesar do aspecto positivo de suprir o

mercado com mão-de-obra qualificada nacional, o ensino técnico apresentou algumas

falhas: primeiro devido à falta de flexibilidade entre os vários ramos do ensino

profissional e entre esses e o ensino secundário. Essa falta de flexibilidade traçava o

destino do aluno no ato mesmo do seu ingresso no ciclo básico. A menos que ele

abandonasse completamente os estudos a meio caminho, se quisesse reorientar sua

escolha deveria interromper o curso que estivesse fazendo e recomeçar em outro ramo

64

sem ter a chance de ver seus estudos aproveitados. Isso representa um desperdício de

recursos aplicados à educação e uma perda de tempo por parte do aluno. Um segundo

aspecto relacionado às falhas no ensino técnico e também à falta de flexibilidade, refere-

se ao acesso aos cursos superiores. O aluno só teria acesso a ele através do ramo

profissional correspondente ao que estivesse cursando. Se quisesse seguir carreira em

outra área, teria que fazer o curso profissional correspondente ou o curso colegial

secundário. Mais do que nunca, a legislação reforça a seletividade e a velha mentalidade

adotada na educação das elites. O gráfico a seguir, ilustra bem essa situação:

Articulação entre os níveis de ensino, segundo as “Leis orgânicas” 1942 – 1946 (Manfredi, 2002; 100)

Como se pode notar, as Leis orgânicas instituídas no governo Vargas, acabaram por

acentuar a velha dicotomia do ensino: por um lado, o ensino secundário acadêmico,

propedêutico e aristocrático – que preparava para o ingresso ao ensino superior. E por

outro, existiam as escolas que preparavam mais rapidamente para o trabalho – essas

dedicadas às camadas mais pobres. Ainda segundo Manfredi, “no período que sucedeu o

65

Estado Novo, de 1945 a 1964, o Estado continuou sendo o principal protagonista dos

planos, projetos e programas de investimentos que alicerçaram o parque e o

empresariado industrial”. Essa atuação era no sentido de tornar-se o empresário nas

indústrias de base – como, por exemplo, na siderurgia – e nos setores de energia e

transporte.

Por isso, com a instalação da CSN em Volta Redonda no RJ, a participação relativa de

Minas Gerais na produção siderúrgica nacional declina. Será nos anos 40, devido a

acordos firmados entre o governo brasileiro e os EUA para fazer frente ao esforço de

guerra, que o projeto de construção da Vale do Rio Doce viabiliza-se. De acordo com

Otavio Dulci, havia uma migração de mão-de-obra mineira para os estados vizinhos,

motivada principalmente por uma política de apoio à diversificação agrícola e ao pouco

estímulo dado à indústria73. Para responder às críticas, feitas pela oposição, o governo

de Benedito Valadares (1933 a 1945) criou o Parque Industrial em Contagem que atraiu,

de imediato, duas indústrias suficientemente importantes para dar credibilidade ao

empreendimento. São elas: Itaú (cimento) e Magnesita (refratários). Essas empresas

atuavam no segmento de bens intermediários, um dos setores produtivos que iriam

caracterizar a participação de Minas no sistema industrial brasileiro.

Com o governo de Milton Campos (1947-1951) a ênfase será dada a uma modernização

equilibrada entre a indústria e a agricultura, equacionando assim o problema do atraso

econômico em termos de equilíbrio estrutural entre cidade e campo:

73 O deputado Magalhães Pinto, em seu discurso, atribuiu o problema à inépcia do governo Valadares em estimular a produção, à sua truculência fiscalista com as empresas e à sua negligência diante do êxodo rural e da migração maciça de trabalhadores para outros estados. (DULCI, Otávio Soares – Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais, 1999; 72).

66

Que adianta atacar problemas transcendentes da industrialização à outrance, se o homem, sub-alimentado, perdeu sua eficiência? Até hoje a proclamada economia dirigida tem oposto restrições à produção agrícola e incentivado o desenvolvimento das indústrias manufatureiras. As conseqüências dessa orientação desarmônica já se fazem sentir, e a menor tem sido o êxodo das populações rurais para os centros populosos. Não pretendemos, é claro, criticar as realizações industriais, mas, apenas, mostrar que o crescimento destas deve ser paralelo ao desenvolvimento da produção agropecuária74 .

Assim, o governo deu ênfase ao ensino agrícola nos níveis médio e elementar,

considerando que o ensino superior já se desenvolvia adequadamente. Ao mesmo

tempo, o governo Milton Campos, através do secretário de governo Américo René

Gianetti, ligado à indústria siderúrgica, apóia o processo de industrialização, pois via

nele uma forma de promover o desenvolvimento do Estado, bem como manter a

parceria com as demais atividades produtoras: agricultura e pecuária. Essa também

constituía em uma forma de impedir o êxodo dos mineiros para outros estados. Em seu

governo foi instituído o Programa de Recuperação Econômica e Fomento da produção

que se desdobrou em vários projetos de eletrificação, transportes, política fiscal e de

financiamento da produção, criação de cidades industriais e redes de frigoríficos, que

levaram à criação de inúmeros órgãos, comissões e serviços para a sua execução.

Com a eleição de Juscelino Kubitschek (1951 a 1955) ao governo de Minas, a

orientação política até então conduzida, seria reinterpretada. Em lugar da expansão

articulada da agricultura, da indústria e da busca do equilíbrio entre a cidade e o campo,

agora desenvolvimento significava industrialização e era algo que se referia

basicamente ao espaço urbano. Isso não significa que houvesse corte com o passado. Ao

contrário, tratava-se de uma retomada da fase industrializante de Benedito Valadares,

aproveitando as iniciativas de Milton Campos, tais como a Taxa de Serviços de

Recuperação Econômica que o governo Milton Campos havia instituído para financiar o

74 DULCI, Otávio Soares - Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais - BH, 1999, p. 86.

67

seu Programa de Recuperação e que, com Juscelino, foi canalizada para os projetos de

infra-estrutura. Assim, a orientação do governo JK foi expressa no “Binômio Energia e

Transportes”, visto que esses dois fatores eram essenciais para manter e ampliar o

parque industrial. O DER (Departamento de Estradas de Rodagem) e a CEMIG

(Centrais Elétricas de MG) serão os dois principais organismos para condução da

política de energia e transportes.

No entanto, ao demarcar uma área prioritária, qual seja infra-estrutura, o projeto de

Kubitschek implicava o enfraquecimento relativo de outros campos de ação

governamental, dentre eles a agricultura: “ A Secretaria da Agricultura, que vinha

funcionando desde os anos 30 como uma espécie de pasta da Economia, núcleo das

políticas de desenvolvimento regional em sentido amplo, teve seu peso dentro da

governo sensivelmente reduzido nessa fase”75. A concepção da época era de que o

campo era o “atraso”, de que não se devia investir nele. A idéia do “país essencialmente

agrícola” deveria ser superada. Foi o que o governo JK (1955 a 1960) procurou fazer,

mesmo tendo ele sido conduzido ao poder pelo PSD (Partido Social Democrático),

partido essencialmente dominado pelas oligarquias rurais. O governo Kubitschek

inaugurou assim, uma nova era no desenvolvimento industrial brasileiro.

2.2 Período Desenvolvimentista

O chamado Desenvolvimentismo – assim denominada a política econômica do governo

Juscelino – consistiu em levar adiante a industrialização através da ampliação da

indústria de base e da criação de um setor de bens de consumo duráveis. O Plano de

75 DULCI, Otávio S. – Política e Recuperação Econômica em MG – BH, 1999.

68

Metas de Juscelino previa a ampliação da indústria de base – a siderurgia e o setor

energético principalmente – através de recursos públicos e empréstimos externos. A

novidade maior desse plano, entretanto, estava na criação de um setor de bens de

consumo duráveis – produção de automóveis, eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos

– com base no capital estrangeiro, isto é, na entrada maciça de empresas multinacionais

no país. Estas empresas, em conseqüência do Plano de Metas do governo, rapidamente

constituíram o setor mais dinâmico e lucrativo da economia brasileira, absorvendo ou

subordinando boa parte das empresas nacionais. Quanto à educação, foi de fundamental

importância que o sistema educacional do país atendesse a demanda por pessoal mais

qualificado devido ao processo de desenvolvimento. A existência de um novo mercado

de trabalho moldado pelo processo de industrialização exigia da Escola a especialização

e a técnica. É neste “clima” fortemente desenvolvimentista da década de 50 que estava

sendo discutida a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que se constituirá em

um plano Nacional de Educação sinalizando para os Estados a necessidade de adequar

seus sistemas educacionais ao processo de desenvolvimento do país. Em 1956, o

governo de Minas, em convênio com o Programa Americano Brasileiro de Assistência

ao Ensino Elementar (PABAEE), cria um centro experimental piloto no Instituto de

Educação de BH, inaugurando a fase de implementação dos acordos firmados entre

Brasil e EUA, a partir de 1950. Estes acordos fixavam os princípios e normas de

cooperação técnica e resultavam da estratégia elaborada pelo presidente norte-

americano Truman, para prevenir a influência das teorias comunistas na órbita dos

países subdesenvolvidos76.

76 REZENDE, Marilza Abrahão Pires – A Educação Mineira dos anos 60/70 – Dissertação de Mestrado defendida em junho de 1993, FAE – UNICAMP.

69

Este é um dos exemplos de como o professorado brasileiro e em particular o mineiro,

vai sendo preparado para assumir a implantação das reformas educacionais necessárias

ao desenvolvimento econômico do país. A idéia da modernização da escola, através da

“administração científica” de seus recursos materiais e humanos, tendo em vista o

desenvolvimento econômico, soma-se àquela da educação vista como importante

instrumento de política governamental. Esta será a tônica dos planejamentos

governamentais em Minas Gerais, evoluindo de seus aspectos puramente políticos –

expansão da rede escolar, aumento crescente de matrículas – aos aspectos técnicos –

necessidade de implantação de um regime de trabalho eminentemente técnico para o

desenvolvimento de Minas.

A partir do período de 1956/60, quando o processo de industrialização brasileiro

aprofundou sua integração na economia mundial por meio da abertura ao capital externo

e às empresas multinacionais, faz-se necessário um tipo de escolaridade que capacite os

trabalhadores a ocupar os novos postos de trabalho. Um marco importante de

organização do sistema educacional nesse período, foi a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (Lei 4.024/61)77 que constituiu a primeira lei global de educação do

país. Nela se observa uma articulação entre os ensinos secundário e profissional,

permitindo com isso o ingresso em qualquer curso do ensino superior para qualquer

aluno que tivesse concluído o ramo secundário ou o profissional. 78 Esse foi, sem

77 “A expressão “diretrizes e bases” foi objeto de várias interpretações ao longo da evolução da educação nacional. Segundo J.S.B. Horta, a interpretação dos educadores liberais para a expressão ‘diretrizes e bases’, durante os embates da década de 40, contrapunha-se à idéia autoritária e centralizadora de que a União deveria traçar valores universais e ‘preceitos diretores’, na expressão de Gustavo Capanema. Segundo o autor, para os liberais: ‘diretriz’ é a linha de orientação, norma de conduta. ‘Base’ é superfície de apoio, fundamento. Aquela indica a direção geral a seguir, não as minudências do caminho. Esta significa o alicerce do edifício, não o próprio edifício que sobre o alicerce será construído. Assim entendidos os termos, a Lei de Diretrizes e Bases conterá tão-só preceitos genéricos e fundamentais”. (PCN – Ensino médio, 1999; 87). 78 Art. 12 – Os sistemas de ensino atenderão à variedade dos cursos, à flexibilidade dos currículos e à articulação dos diversos graus e ramos. (Lei 4.024/61, título V, pg. 981).

70

dúvida, um grande progresso da lei, pois quebrou a rigidez do ensino permitindo uma

maior flexibilidade na passagem entre o ensino profissionalizante e o secundário. Mas,

também mostra um retrocesso em relação à legislação anterior, que determinava

principalmente o dever do Estado em garantir o ensino gratuito. Observemos o art. 95,

letras “a” e “c” dessa mesma lei:

Art. 95 – A União dispensará a sua cooperação financeira ao ensino sob a forma de:

a) Subvenção, de acordo com as leis especiais em vigor; b) (...) c) Financiamento a estabelecimentos mantidos pelos Estados, municípios e

particulares, para a compra, construção ou reforma de prédios escolares e respectivas instalações e equipamentos, de acordo com as leis especiais em vigor.

Para um país, que não tinha recursos para estender sua rede oficial de ensino de forma a

atingir toda a população em idade escolar foi, sem dúvida, um retrocesso. Na verdade,

essa retirada de autonomia e de recursos da esfera pública para privilegiar a esfera

privada, só é compreensível dentro da forma de organização da sociedade brasileira que,

nesse caso, mostra a interferência na política educacional do setor privado em beneficio

próprio. O golpe de 1964 que inaugurou o regime militar e os eventos de 1968 que

culminaram na edição do Ato Institucional nº. 5, demonstra a vitória dos setores

modernos do empresariado (ligados à produção de bens intermediários) sobre os setores

tradicionais (ligados à indústria têxtil e de laticínios) coroando um processo de

aproximação ideológica cujo denominador comum era a reordenação do capitalismo

brasileiro sob a direção do setor da classe dominante ligada ao capital internacional.

71

2.3 Ditadura Militar

O golpe militar visou, então, à eliminação do nacionalismo e assim afastar todos os

obstáculos ao desenvolvimento econômico capitalista, alicerçado na penetração do

capital estrangeiro no país e na concentração de renda. Também visou eliminar os

movimentos reivindicatórios dos trabalhadores urbanos e rurais, que desejavam ir além

dos limites impostos pela manipulação populista79. Assim, a partir de 1964, com o

fortalecimento das forças armadas e do empresariado, os grandes projetos nacionais

passam a ser a prioridade como, por exemplo, a construção de Itaipu, os pólos

agropecuários da Amazônia, etc., sendo para isso, necessário implantar programas que

necessitavam de mão-de-obra em massa. Por isso, revitalizou-se o Programa Intensivo

de Formação de mão-de-obra (PIPMO)80 . No âmbito do sistema escolar como um todo,

os governos militares protagonizaram um projeto de reforma do ensino fundamental e

médio mediante a Lei 5.692/71 – que veio tornar universal e compulsoriamente

profissional o ensino de 2º grau. Com a profissionalização universal e compulsória, os

estudantes já sairiam do 2º grau com uma habilitação profissional e estariam aptos a

entrar no mercado de trabalho. Conforme ressalta Sílvia Manfredi “essa idéia de

profissionalização universal e compulsória ocorreu em um momento em que o país

objetivava participar da economia internacional e, neste sentido, delegou (entre outras

coisas) ao sistema educacional a atribuição de preparar os recursos humanos para a

absorção pelo mercado de trabalho”.

79 VITA, Álvaro de – Sociologia da Sociedade Brasileira – 2ª edição, SP, Ed. Ática, 1991. 80 O PIPMO foi criado no governo João Goulart pelo decreto 53.324, de 18 de dezembro de 1963, para treinamento acelerado de modo que fossem supridos de força de trabalho os diversos setores da economia. (MANFREDI, 2002; 104).

72

A nova lei tinha por objetivo geral “proporcionar ao educando a formação necessária ao

desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização,

qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”.81

Assim, pela primeira vez na história da educação brasileira foi menosprezada a função

propedêutica do 2º grau e se procurou explicitamente aliar a função formativa à

profissionalizante. O ensino secundário, o ensino normal, o ensino técnico industrial, o

ensino técnico comercial e o ensino agrotécnico passaram a constituir um ramo único,

com as escolas oferecendo cursos profissionalizantes – destinados a formar técnicos

para as atividades econômicas. Os cursos propedêuticos como o antigo colegial

(clássico e científico) não teria mais espaço nesse grau de ensino.

Outro aspecto que a Lei se refere é em relação aos cursos técnico-industriais, que eram

promovidos pelas Escolas Industriais da rede federal. A partir de 1971 desativaram-se

os cursos industriais de primeiro ciclo (ginásios industriais), pois seus cursos seriam

como o de todas as demais escolas de 2º grau, ou seja, profissionalizantes e estes foram

transformados em Escolas Técnicas Federais, sendo que em algumas foram implantados

os cursos superiores de engenharia, convertendo-as nos Centros Federais de Educação

Tecnológica. De escolas antes destinadas aos desvalidos no tempo em que eram Escolas

de Aprendizes e Artífices, essas se converteram em Escolas técnicas, nas quais a grande

parcela dos técnicos por elas formados, no contexto dos anos 60 e 70, eram recrutados

pelas grandes empresas privadas ou estatais82 .

Na verdade, o que se observa na proposta da Lei 5.692/71 é uma tentativa em dotar a

educação do mesmo tipo de racionalidade característica das chamadas organizações

81 Lei nº. 5.692 de 11 de agosto de 1971, capítulo I, art. 1º. Foi sancionada pelo general-presidente Emílio G. Médici e seu ministro da Educação o coronel Jarbas Passarinho. 82 SANTOS, Jailson Alves dos - A Trajetória da Educação Profissional - BH, 2000.

73

moderna. Essa tentativa se configura na multiplicação de hierarquias ocupacionais

dentro do sistema escolar – supervisores, orientadores, administradores e inspetores – e

também na caracterização da atividade educacional em termos tecnicistas, mais

apropriados ao universo empresarial:

Art. 36 - Em cada sistema de ensino, haverá um estatuto que estruture a carreira de magistério de 1º e 2º graus, com acessos graduais e sucessivos, regulamentando as disposições específicas da presente Lei e complementando-as no quadro da organização própria do sistema. Art. 38 - Os sistemas de ensino estimularão, mediante planejamento apropriado, o aperfeiçoamento constante dos seus professores e especialistas de Educação. (Cap. V – dos professores e especialistas).

Em síntese, a grande novidade do ensino de 2º grau foi a introdução da obrigatoriedade

da formação profissional neste nível. No entanto, durante mais de 10 anos, desde sua

promulgação até a revogação definitiva dessa obrigatoriedade em 1982, sofreu todo tipo

de críticas e objeções, dentre elas podemos destacar:

• A profissionalização restringiu-se, praticamente, às escolas públicas e particulares que já eram profissionalizantes antes da Lei;

• Os Estados ainda possuem escolas nitidamente acadêmicas; • A preferência é pela implantação de habilitações de baixo investimento,

geralmente ligadas às atividades terciárias (sobretudo magistério, contabilidade e secretariado), sem qualquer consonância com as necessidades do mercado de trabalho ou com as aptidões manifestas dos alunos;

• A maioria da clientela do ensino de 2º grau não tem interesse em adquirir uma profissão, sendo que sua grande motivação é a continuidade dos estudos. 83

Essas informações mostram que não foi alcançada a integração entre as funções

propedêutica e profissionalizante do ensino de 2º grau. As escolas, para sobreviver,

optaram pela estratégia de transformar a parte de educação geral em mero apêndice da

formação especial ou vice-versa, conforme a demanda de sua clientela. Assim, os anos

83 CURY, Carlos Roberto Jamil - A Profissionalização do Ensino na Lei nº 5.692/71 - Brasília, 1982.

74

setenta se abrem sob a perspectiva de importantes mudanças com o processo de

elaboração daquela que viria a ser a grande reforma do ensino elementar e secundário

empreendida pela ditadura e que daria origem a Lei 5692/71.

Minas acompanhava a política do regime militar e também se viu inserida nesse

contexto. Em 1965, no então governo de Israel Pinheiro (1965-1971), foi introduzida

uma nova matéria no currículo do curso Primário e Médio do Estado destinada ao

esclarecimento dos alunos sobre os objetivos, obras e realizações do governo estadual

para identificá-los com a realidade em que vivem. Uma novidade foi a autorização para

o funcionamento de um novo curso de aprendizagem para crianças denominado “Arte,

trabalho e vida” que funcionaria junto ao curso primário “dando a criança a

oportunidade de aprender uma profissão que lhe garanta a subsistência no futuro”. O

curso teria a duração de quatro anos (da 1ª a 4ª série) compreendendo várias matérias:

carpintaria, sapataria, culinária, costura, artes decorativas, enfermagem de urgência,

técnicas domésticas, artes dramáticas, eletricidade caseira, tecelagem e outros. A origem

dessa proposta está no diagnóstico elaborado pela Secretaria do Trabalho e Cultura

Popular através da Comissão de Mão de obra e do desemprego, cuja conclusão principal

foi a de que a falta de especialização é o principal fator do desemprego.

Em 1971 assume o governo de Minas, Rondon Pacheco (1971-1975), criando o Sistema

Educacional de Planejamento cujo objetivo principal era o de adotar o planejamento em

todos os níveis da administração pública. Neste sentido, medidas como a assinatura de

acordos com a UFMG para racionalizar a administração, demonstrava interesse do

governo na mudança de qualidade de sua administração e o crescimento do papel que os

“técnicos” passaram a exercer em todos os setores da máquina governamental do

75

Estado. Também a idéia de modernização da escola não só como instrumento de política

governamental, mas também como instrumento de política econômica está explicitado

nas orientações contidas no PMDES (Plano Mineiro de Desenvolvimento Econômico e

Social) para a área de Educação. Dentre as mais sugestivas orientações, estão aquelas

que indicam a necessidade da formação de técnicos de nível médio conjugada às

necessidades ocupacionais do setor produtivo e a busca da integração da unidade

educacional à comunidade, através de uma vinculação mais estreita entre

Escola/Empresa.

Assim, quando os problemas econômicos e sociais gerados pelo modelo de

desenvolvimento adotado pelo país pós-64 e agravados pela crise do petróleo, pela

elevação dos juros e pela escassez de créditos a nível internacional a partir do final dos

anos 70, o governo teve que promover uma “abertura” na tentativa de incorporar novos

segmentos sociais à sua base social e diminuir a força dos opositores do regime. Como

um dos focos de tensão era a tão criticada profissionalização universal e compulsória no

ensino de 2º grau, o então general-ministro da educação do governo Figueiredo - Ney

Braga - fez uma “reinterpretação” da lei 5.692/71 mantendo o ideal do ensino

profissionalizante, mas aumentando a carga das disciplinas de caráter geral. Segundo

Cunha, essa meia profissionalização não agradou a ninguém, “a não ser aos membros do

Conselho Federal de Educação, ansiosos por uma retirada sem reconhecer seus próprios

erros”. E como as resistências continuaram foi preciso criar outra lei.

A nova lei que irá alterar a 5.692/71 que qualificava para o trabalho, será a Lei 7.044/82

que chega com um termo impreciso como “preparação para o trabalho” e, nesse sentido,

permite uma visão abstrata do trabalho com resultados pedagógicos muito ruins:

76

Art. 4º & 1º - A preparação para o trabalho, como elemento de formação integral do aluno, serão obrigatória no ensino de 1º e 2º graus e constará dos planos curriculares dos estabelecimentos de ensino. & 2º - A preparação para o trabalho, no ensino de 2º graus, poderá ensejar habilitação profissional, a critério do estabelecimento de ensino.

Voltamos, assim, ao modelo anterior a 1971: as escolas propedêuticas para as elites e

profissionalizantes para os trabalhadores, mantendo-se, contudo, a equivalência. Assim,

a Lei 7.044/82 representou, de fato, o esvaziamento do ensino profissionalizante no 2º

grau. A preparação para o trabalho poderia ser entendida de modo tão lato, que estaria

plenamente atendida por uma escola de 2º grau, especializada na preparação para os

exames vestibulares, que oferecesse aos alunos informações sobre os cursos de nível

superior, promovesse visitas às empresas, palestras, assim como propiciasse a realização

de testes vocacionais. Mesmo quando fazia menção à preparação para o trabalho em

cooperação com empresas, estas não teriam o compromisso de absorver essa mão-de-

obra:

Art. 6º - As habilitações profissionais poderão ser realizadas em regime de cooperação com empresas e outras entidades públicas ou privadas. Parágrafo único – A cooperação quando feita sob forma de estágio, mesmo remunerado, não acarretará para as empresas ou outras entidades vínculo algum de emprego com os estagiários, e suas obrigações serão apenas as especificadas no instrumento firmado com o estabelecimento. (Lei 7.044/82)

Neste caso, as escolas técnicas industriais proporcionavam simplesmente uma adequada

preparação para o vestibular e o ingresso ao curso superior. Fracassada, então, a política

de profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º grau, procurou-se

incentivar os cursos superiores de curta duração, em especial os da área tecnológica –

que eram feitas nas escolas técnicas federais que foram rebatizadas de Centros federais

de educação tecnológica (CEFET). Os concluintes desses cursos deixaram de receber o

77

título de “engenheiros de operação”, para serem chamados de “tecnólogos”, categoria

que marca a separação dos técnicos de nível médio e dos engenheiros propriamente

ditos.

Não podemos dizer, por isso, que a LDB de 1982 constituiu-se em um avanço. É certo

que os concluintes desses cursos de curta duração chegavam mais cedo ao mercado de

trabalho. Mas, devido aos empréstimos externos que o governo contraiu nos anos 70 a

juros flutuantes e que explodiu na década seguinte, na chamada “década perdida”, a

adoção de uma política de arrocho salarial e a redução dos gastos públicos nas áreas

sociais, fez com que o mercado de trabalho sofresse uma retração, configurando assim

em um quadro de recessão84 . E será neste contexto e nestes limites que se inscrevem as

reformas educacionais no Brasil. Com o processo de redemocratização, que se

concretizou em 1985 com a saída dos militares do poder e a entrada do governo civil de

José Sarney (1985 a 1989) inaugurando assim a Nova República, que os debates se

intensificavam em torno das mudanças que deveriam ser dadas à educação e, por

extensão, ao ensino profissional. Esses debates se deram por meio dos grupos

compostos pelas diversas correntes do pensamento educacional que acabaram por fazer

coro com a promulgação da nova constituição de 1988.

2.4Nova República

Em Minas, esses ventos da mudança também se faziam sentir através do governo

Tancredo Neves (1983-1987, em agosto de 1984, desincompatibiliza-se do cargo para

84 FILHO, Domingos Leite Lima - De Continuidades e Retrocessos Históricos: razões e impactos da reforma da educação profissional no Brasil. - PR, 1999.

78

disputar a presidência da República, assumindo o seu vice, Hélio Garcia85), cujo

Secretário da Educação, Otávio Elísio, entrou com uma proposta de mudar os rumos da

educação mineira. A proposta do novo secretário era a de promover um amplo debate

que envolvesse pais, alunos e professores, em todas as escolas, e isso se concretizou no

Congresso Mineiro de Educação realizado de agosto a outubro de 1983.

Esse congresso foi uma proposta de democratização das relações de poder na escola

pública estadual de Minas Gerais, denominada “Educação para a Mudança” no bojo de

uma grande movimentação de abertura política após vinte anos de ditadura militar. A

dinâmica do Congresso Mineiro de Educação não fugiu do protótipo da consulta às

bases e foi realizado em três etapas num espaço de três meses: um encontro Municipal

em cada unidade escolar de todos os municípios para a expressão dos atores em nível de

instituição escolar; um encontro Regional para a constatação dos problemas,

necessidades e expectativas em nível de região e um encontro Estadual para a

apresentação de uma proposta de política educacional para o Estado, a qual originou o

Plano Mineiro de Educação para o quadriênio 1984/87. Dentre as propostas elaboradas

no congresso, houve a sugestão para a implantação de colegiados como forma de

viabilizar a administração participativa das escolas e para a adoção de concurso público

para contratação de professores. No entanto, em relação ao ensino de 2º grau, objeto

desse estudo, havia propostas generalizantes que nada dizia em termos de uma

preocupação concreta com o ensino de 2º grau. Apenas a oferta de cursos, ampliação de

escolas normais e a reorientação de estágios poderiam ser citadas como propostas

concretas, cujas atividades realizadas limitaram-se à ampliação em termos quantitativos

sendo que, a programação trienal não previa atividades relacionadas ao 2º grau. Nesse

85 Fonte: Governo de MG. Disponível em: http://www.mg.gov.br. Acesso em 26 de julho/2007.

79

sentido, o que se esperava desse congresso era que a discussão alterasse profundamente

a visão economicista da educação predominante nas décadas anteriores e que de fato

ocorresse uma verdadeira democratização do ensino. Mas, o que se viu foi que o mesmo

caiu no lugar-comum dos processos de consulta às bases, ou seja, os atores foram

convidados a colocar na mesa seus interesses e necessidades, mas esses sofreram uma

generalização crescente durante o processo de consulta e acabaram transformando-se

em propostas bem próximas àquelas pensadas pelos integrantes dos órgãos

administrativos, detentores do poder de decisão. Como exemplo podemos citar as

medidas adotadas que, mesmo abrindo alguns precedentes como a administração

colegiada nas escolas e o critério de recrutamento de professores através de concursos

públicos, não adotou eleições diretas para diretores escolares.86

Quando se promulga a nova Constituição em 1988, no governo José Sarney (1985-

1989), esta determinava:

Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio. Art. 214 – A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à: I – erradicação do analfabetismo; II – universalização do atendimento escolar; III – melhoria da qualidade do ensino; IV – formação para o trabalho; V – promoção humanística, científica e tecnológica do país87.

O que podemos salientar nessa nova constituição relativa ao Capítulo “da educação,

cultura e desporto”, foi o fato da mesma provocar um repensar sobre a educação e o que

essa educação deveria ser a partir da “nova” realidade que o país estava vivenciando.

86 ROCHA, Carlos Vasconcelos - Anatomia de uma Reforma: descentralização da educação pública de MG e mudança institucional - RJ, 2003, p. 577. 87 Constituição da República Federativa do Brasil – Ministério da Educação, Brasília/DF, 1988.

80

Essa realidade diz respeito principalmente à política nacional implantada desde o

governo Sarney, e que estava sendo progressivamente submetida às orientações do

projeto neoliberal, que tinha como paradigma a flexibilização do trabalho e a

privatização das empresas estatais. É notório, por exemplo, no governo Collor (1990 a

1992)88 o apelo modernizador que perpassa todo o discurso governamental. Esse apelo

modernizador referia-se à superação das práticas centralizadoras do passado para um

modelo descentralizador de administração e que, no caso da educação, implicava em um

ajuste às funções do Ministério da Educação. Esse deveria reduzir os desequilíbrios

regionais, no caso do ensino fundamental e médio, fiscalizando e normatizando todo o

sistema por meio de mecanismos de avaliação permanente quanto à qualidade do

ensino, bem como na busca de propostas inovadoras no que se refere aos conteúdos

pedagógicos. Não é de o nosso interesse aprofundar aqui as propostas do governo, mas

tão somente conhecermos a política educacional desse governo. Por isso, recorreremos

aos estudos dos pesquisadores do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica aplicada),

Xavier e Eichenberg 89 que analisando o período Collor, destaca seis documentos

básicos que nortearam a área educacional. São eles: o Plano Plurianual para o período

1991-1995 que era um instrumento de previsão, organização e sistematização do MEC.

Segundo os referidos pesquisadores, esse plano morreu praticamente quando nasceu

devido às dificuldades do MEC em compatibilizar meios e fins, e também por sofrer os

efeitos da tortuosa prática orçamentária do governo federal; o segundo documento foi o

Plano Nacional de Alfabetização e cidadania, que era uma proposta para ser

operacionalizada pelos estados, municípios, universidades e outras entidades.

Valorizava a escola como peça importante na erradicação do analfabetismo, embora

abrisse também espaço para campanhas e movimentos para atingir a população adulta; o

88 Collor foi afastado por um processo de impeachment, assumindo seu vice Itamar Franco. 89 XAVIER, Antônio Carlos da Ressurreição e Silva & EICHENBERG, Luiz Carlos - O Primeiro ano da Política Educacional do governo Collor - SP, 1992.

81

terceiro documento foi o Projeto de Reconstrução Nacional (1990), cuja origem não foi

no MEC e sim na Secretaria Especial de Política Econômica. Conteve muitas propostas

controvertidas, dentre elas o fim da gratuidade indiscriminada no ensino federal. Mas,

também teve a vantagem de enfatizar a questão do desempenho do sistema educacional,

para que este pudesse oferecer uma escolaridade básica de boa qualidade para todos; o

quarto foi a elaboração do Programa de Ação do Ministério de Educação para o período

1991-1995; o quinto foi a criação do Projeto Minha Gente, que visava a construção dos

CIACs com atendimento integrado (creche, pré-escola, saúde, convivência comunitária,

iniciação ao trabalho, etc.) e o sexto foi a retomada do Projeto Nordeste de cunho

regional, financiado com recursos do Banco Mundial. Na definição desses mesmos

pesquisadores, o desempenho do governo Collor no setor educacional foi melancólico,

pois revela uma

Canhestra atuação do governo, revelando-se inteiramente contraditória aos apelos da modernização, pois qualquer proposta séria de modernização passa pela educação, em especial pelo ensino fundamental. A destinação dos recursos federais – privilegiando o ensino superior – e a práxis ministerial que se mostrou clientelística e equivocada, configuram uma negação dos alardeados propósitos de uma educação com eficiência, equidade, qualidade e com vistas à modernização.

Em suma, a concepção centrada na lógica do mercado neoliberal passou a orientar as

políticas públicas no Brasil e isso é marcante com o governo Sarney, prosseguindo com

o discurso Collor e, por fim, consolidando no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Em Minas, o governo que irá suceder ao governo Tancredo-Hélio Garcia, será o de

Newton Cardoso (1987-1991) que, na visão de autores como Rocha, será um retrocesso

do governo anterior:

Na Secretaria estadual de Educação, a burocracia da área de educação é ignorada, sendo que quase todos os cargos de chefia são ocupados por pessoas sem qualquer experiência no setor, indicados por critérios estritamente clientelistas. Os espaços de participação popular na gestão das políticas sociais passam a ser

82

desconsiderados. Especificamente, a administração participativa das escolas estaduais é abandonada e os colegiados são desativados. Os recursos financeiros do Estado são centralizados em um caixa único, sendo liberados conforme os interesses políticos imediatos do governador, sem obedecer a uma estratégia de desenvolvimento fundada em uma visão temporal mais alargada. (...) O novo governo foi caracterizado, com procedência, como populismo conservador. (Rocha, 2003, pp. 568).

A atuação do governo Newton Cardoso representa a negação das políticas

implementadas no governo anterior e reivindicadas pelos movimentos sociais. Irá

caracterizar-se pela extrema centralização decisória e pela utilização clientelista90 dos

recursos públicos, bem como com a confrontação com os setores organizados da

sociedade. Ao promulgar a nova Constituição Estadual em 21 de setembro de 198991,

logo no Art. 195, o Estado reitera ser a educação um direito de todos e dever do Estado

e da família, e que a mesma deve visar a “preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho”. A garantia de educação se dará, dentre outros itens,

através da “promoção da expansão da rede de estabelecimentos oficiais que ofereçam

cursos gratuitos de ensino técnico-industrial, agrícola e comercial, observadas as

peculiaridades regionais e as características dos grupos sociais”. Também em seu art.

204, o governo irá reiterar a integração das ações do Poder público com o objetivo de:

I – erradicação do analfabetismo; II – universalização do atendimento escolar; III – melhoria da qualidade do ensino; IV – formação para o trabalho; V – promoção humanística, científica e tecnológica. (Constituição Estadual, 2007)

No entanto, como já foi mencionado, o que se presenciou no governo Newton Cardoso

foi a centralização decisória – a administração participativa das escolas estaduais é

abandonada e os colegiados são desativados - a utilização clientelista dos recursos

públicos e a confrontação com os setores organizados da sociedade. A tão desejada

90 Clientelismo diz respeito a uma prática arraigada de nossa cultura política, que manifesta-se pela indicação de apadrinhados para os cargos públicos. 91 Constituição do Estado de MG – Assembléia Legislativa de MG, 13ª edição, BH, 2007.

83

autonomia das escolas, bem como a eleição direta para o cargo de diretor, foi preterida

em favor dos interesses eleitorais dos deputados e do governador. Esse período

demonstra o poder que o Executivo estadual tem de obstacularizar as mudanças

iniciadas no governo anterior, apesar da significativa pressão exercida pelo movimento

social. Em um contexto no qual o jogo político se faz em grande parte por relações de

“troca de favor” a indicação de diretores das escolas, implica em mais um incentivo

para os deputados se alinharem ao governo em troca de cargos para serem distribuídos

entre os seus aliados políticos. Assim, vimos mais uma vez a realidade se distanciar dos

discursos oficiais, isto é, enquanto o governo sustenta o apoio “aos mais pobres”, o que

ocorre é o setor da educação funcionar em estado precário: “alunos sem professores

(devido às freqüentes greves), escolas em péssimo estado físico, demissão de pessoal e

eliminação de funções nas escolas, como supervisores e orientadores” 92.

O processo de reforma só irá completar-se com a eleição de Hélio Garcia (1991-1994)

eleito pelo PRS (Partido das Reformas Sociais). Pode-se dizer que se fecha o ciclo

iniciado no final dos anos 70, cuja idéia é a da descentralização como forma de

democratizar e de buscar a eficiência do sistema. O responsável pela condução das

reformas foi o secretário de Educação Walfrido S. dos Mares Guia Neto e para

assessorá-lo, foram contratados técnicos ligados ao Banco mundial. Para que o governo

cumpra a sua reforma, cinco prioridades são estabelecidas. São elas: autonomia da

escola nos aspectos financeiros, administrativo e pedagógico; fortalecimento da direção

da escola através do poder de decisão do diretor e do colegiado; implementação de

programas de aperfeiçoamento e capacitação com o treinamento de professores

(PROCAP – programa de capacitação de professores), especialistas e funcionários

92 ROCHA, Carlos Vasconcelos – Anatomia de uma Reforma: descentralização da Educação pública de MG e mudança institucional – Revista de Ciências Sociais, RJ, Vol. 46, nº. 3, 2003, p. 557 a 592.

84

(PROCAD – programa estadual de capacitação de diretores); avaliação do sistema

estadual de Educação, prevista pela Constituição; e integração das redes estadual e

municipal através de convênios93. A distribuição de recursos foi feita através do

FUNDEF (Fundo de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental) e da Lei

Robin Hood (repasse do ICMS para municípios com baixa arrecadação), como um

dispositivo para convencer as prefeituras a arcarem com o atendimento ao ensino

fundamental.

Essas mudanças estão relacionadas com as mudanças ocorridas nas últimas décadas na

ordem mundial, com a chamada Terceira Revolução Tecnológica, cujo nível

educacional da classe trabalhadora passa a ser requisito para o desenvolvimento

econômico, visto que as empresas buscam agora competência técnica exigida pelas

novas tecnologias de produção. Para exemplificar esse argumento, o secretário de

Educação Mares Guia cita o sucesso econômico dos “tigres asiáticos” conseguido

graças à prioridade dada à educação. Portanto, a qualidade e a universalização do ensino

passam a ser um imperativo para os países que almejam desenvolver-se. Tal diagnóstico

é difundido por organismos internacionais como o Banco Mundial, que passa a

fomentar reformas nos sistemas educacionais da América Latina, visando criar

condições para a reprodução do capital. O financiamento do programa Pró-Qualidade

pelo Banco Mundial constitui fator que indica sintonia entre a política mineira e os

valores neoliberais. A meta desse Banco é a eficiência econômica, a liberdade de

mercado e a globalização do capital. Por isso, busca incentivar políticas que visam

93 A municipalização em Minas teve como principal objetivo, por parte do Estado, transferir para os municípios a responsabilidade de oferta de ensino fundamental, priorizando o atendimento das quatro primeiras séries. Em alguns casos, o Estado comprometia-se a oferecer o ensino médio através da nucleação, em troca da transferência do atendimento ao ensino fundamental para o município. (Oliveira, 2000; 268).

85

preparar o jovem para responder às novas necessidades do mercado e às exigências do

tipo de sociedade que prevaleceu após a Terceira Revolução Tecnológica94.

Nesse sentido, o governo irá fundamentar sua administração nos princípios da

Qualidade Total, cujo sistema de administração propõe, entre outros aspectos, a

autonomia dos trabalhadores na realização de suas funções; a despadronização do

produto final, visando atender da melhor forma possível os clientes e a substituição do

chefe pelo líder, propiciando uma relação mais orgânica entre chefia e comandados.

Para isso, caberá ao sistema educacional formar esses líderes e ao mesmo tempo

fomentar a qualidade do ensino.

Fazendo-se um paralelo com o pensamento lockeano, no qual os limites da apropriação

criam o princípio da distribuição igualitária ao mesmo tempo em que legitima a

desigualdade, pode-se dizer então, que serão as possibilidades e limitações das

comunidades que criarão a escola de qualidade ou não. A estas caberá fazer o

diferencial, ou seja, a qualidade da educação dependerá da atuação de cada escola, já

que a elas serão dados os mesmos direitos de promover um ensino de qualidade.

Considerando então a democracia social e a democracia liberal segundo Locke, temos

no primeiro caso um Estado cuja função é organizatória assegurando direitos e

interesses do coletivo – o público, neste caso, significa estatal. Ao contrário, no segundo

caso a função do Estado é regular a sociedade civil, pouco preocupada com o coletivo –

o público, então, significa mercado. Assim, podemos notar que essa nova forma de

administração educacional se difere da política de administração de Francisco Campos

(década de 30), quando buscou uma modernização educacional implementando a

94 FRIGOTTO, Gaudêncio & CIAVATTA, Maria – Revista Brasileira de Educação – jan./fev./mar./abr., 2005, nº.28, pp. 182 a 184.

86

reforma do Sistema de Ensino Público concentrando ainda mais nos órgãos do governo

o poder decisório e o controle administrativo, pedagógico e financeiro das escolas. Há

também uma diferença da idéia de democracia disseminada pelas políticas educacionais

na década de 80, quando o Estado instituiu a participação da comunidade nos processos

decisórios sem se eximir de suas responsabilidades e obrigações sociais como provedor

do ensino de qualidade. Agora, ele reduz seu papel principalmente às funções de órgão

de assessoria e de controle – do econômico, da produtividade e da qualidade – cabendo

às comunidades o mérito ou não de promover uma educação de qualidade que atenda ao

mercado de trabalho.

Assim, o que se verifica a partir dos anos 1980 até meados da década de 1990 é a

intensificação dos debates sobre as mudanças de rumos que deveriam ser dadas à

educação e por extensão à educação profissional no Brasil. Desses debates com diversos

segmentos da sociedade, surgiu o projeto de Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que deu

entrada no congresso nacional no final de 1988. Sob o nº.9.394/96 a nova LDB, também

conhecida como Lei Darcy Ribeiro, determina no seu conteúdo um ensino médio que

passa a constituir-se na etapa final da educação básica e terá uma duração mínima de

três anos. Em seu artigo 35, a LDB coloca como finalidade do ensino médio:

I – consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos; II – preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade às novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. 95

95 PCN – ensino médio/bases legais. 1999, p. 61.

87

Com base nessas finalidades, o MEC propõe um ensino que se torne responsável pela

formação geral do aluno, estimulando o desenvolvimento das capacidades de pesquisar,

raciocinar, criar a aprender continuamente. Esse ensino deverá ser dado de forma

contextualizada, não baseada no acúmulo de informações ou no simples exercício de

memorização. O que a torna diferente da Lei 5.692/71, que tinha como objetivo a

transformação do ensino médio em ensino profissionalizante e que não desenvolvia nos

jovens aptidões relacionadas à formação humana e cultural, é justamente outra

concepção de formação para o trabalho, ou seja, em seu artigo 35, parte-se do

entendimento de que as competências necessárias para a inserção produtiva seriam: o

pensamento criativo, a resolução de problemas, a capacidade de aprender, ao lado de

qualidades pessoais como responsabilidade, organização, liderança e autonomia. Assim,

ao invés da especialização e da disciplina, o que o mercado de trabalho estaria

requerendo da escola atualmente seria o desenvolvimento dessas competências, para

que haja inserção produtiva juntamente com a participação cidadã. 96

No entanto, há controvérsias entre os avanços da Lei 9.394/96. Alguns estudiosos,

dentre eles Ignez Moraes97, destaca que o avanço da LDB estaria na disciplinarização da

educação escolar, “o que é positivo no sentido de fortalecer a escola como espaço

privilegiado do processo educativo, no que se refere às obrigações do Estado para com a

educação”. Vimos isso, por exemplo, no capitulo XIX – Dos Recursos Financeiros –

quando o mesmo salienta a destinação de 18% de recursos da União e de 25% de

recursos dos municípios para a educação pública no país. Mas, ao mesmo tempo em que

houve ganho nessa área, Ignez Moraes salienta que também houve perdas

96 MORIN, Edgar - Os sete Saberes Necessários à Educação do Futuro - SP, 2002. 97 MORAES, Ignez Navarro & CONTI, Rosemary - LDB: significado, limites e perspectivas - SP, 1992, p. 96.

88

principalmente na relação entre educação e trabalho e que esta pode ser vista como

“treinamento profissional” tanto quanto como “formação politécnica”98:

Coerentemente com a democracia liberal, as modificações feitas no 2º substitutivo deram à educação finalidades ‘universais’, ignorando a realidade histórica da existência de classes sociais em conflito e de um estado de classe, mediador dos interesses das elites brasileiras. Um exemplo é suficiente: o trabalho foi concebido como ‘fonte de riqueza e bem-estar social’, recusando-se a sua concepção como ‘origem do conhecimento’.

Nesse sentido, se considerarmos a oposição entre treinamento profissional e formação

politécnica, então não há porque reforçar a lógica da “preparação de mão-de-obra” para

o mercado de trabalho, mesmo porque no contexto da automação crescente isso se

tornaria altamente questionável, visto as constantes modificações pelas quais passa a

sociedade como um todo. Mesmo que muitos autores considerem ponto pacífico que o

ensino médio deve preparar os jovens tanto para a continuidade dos estudos quanto para

uma inserção no mercado de trabalho, o que parece não estar muito claro é como fazê-

lo. Esses autores que tematizam a relação entre educação e trabalho apontam para a

necessidade de prover os estudantes com conhecimentos e habilidades relevantes, mas

também com um entendimento mais realista e crítico sobre a atividade produtiva e o

mercado de trabalho. No artigo Parem de Preparar para o Trabalho!!!99, Paro questiona

a centralidade do trabalho na constituição dos sujeitos históricos, propondo que a escola

se ocupe da atualização histórico-cultural dos cidadãos, preparando-os para “o viver

bem, para além do simples viver pelo trabalho e para o trabalho”. Já Frigotto100 constata

98 Segundo a autora citada, treinamento profissional pode ser associado à experiência histórica que temos vivenciado, de profissionalização em nível médio, voltado para o mercado de trabalho, cujas raízes estão na teoria do Capital humano, dominante na década de 60. A perspectiva da politecnia remonta a Marx e Engels e, posteriormente, a Lênin e Gramsci, e representa o domínio da técnica a nível intelectual e a possibilidade de um trabalho flexível a nível criativo. 99 PARO, Vitor Henrique - Parem de Preparar para o Trabalho!!! – Trabalho apresentado no seminário “Trabalho, formação e currículo”- SP, 1999, p. 101-120. 100 FRIGOTTO, G. - As mudanças tecnológicas e educação da classe trabalhadora: politecnia, polivalência ou qualificação profissional? - (Síntese do simpósio), in Trabalho e Educação, SP, Ed. Papirus, s/d.

89

que não basta concluir que a nova base tecnológica demanda mais educação geral, se o

capital constituir-se no sujeito definidor dessa educação, pois assim continuaremos a ter

“uma formação seletiva, fragmentária, pragmatista e produtivista”.

Mesmo que a base na nova concepção de ensino defendida pela atual LDB não pretenda

treinar os trabalhadores, mas preparar os alunos para sua integração ao mundo do

trabalho com as competências que garantam seu aprimoramento profissional, tais como:

criatividade, capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um

problema, a capacidade de trabalhar em equipe, etc., e permitam acompanhar as

mudanças que caracterizam a produção do nosso tempo, alguns estudiosos – como os

citados acima – são críticos em relação a esse modelo de educação que se sujeita aos

ditames do mercado. Por isso, devemos fazer com que essas competências, que são

importantes metas de formação, sejam também meios para apreender a realidade e não

ficarmos indefesos frente a esse mercado. A título de exemplo sobre o que foi dito,

recorremos à autora Vanilda Paiva101 que sugere como solução para a exclusão social,

um tipo de formação centrada na autonomia, na mudança de valores e de participação

social. Nesse contexto, a educação teria que abrir perspectivas de ocupação para os

formandos do ensino médio ou para aqueles que foram excluídos do mercado de

trabalho, através de uma formação contínua na qual possam entender o sistema e se

preparar para ele, buscando ou criando novas chances de trabalho.

Como o nosso objetivo aqui é tratarmos especificamente da educação profissional,

devemos então nos ater na maneira como ficou formatado o ensino técnico após a

promulgação da nova LDB. Devido, a forma generalista como a LDB tratou a educação

101 PAIVA, Vanilda - Educação e Bem-estar Social - SP, 1991.

90

profissional, essa passou a ser regulamentada pelo Decreto 2.208/97 que estruturou

assim a educação profissional: básico102 que se destina à qualificação de trabalhadores,

independentemente da escolaridade prévia; técnico destinado a proporcionar habilitação

profissional a alunos egressos do ensino médio; e tecnológico que corresponde aos

cursos de nível superior na área tecnológica, destinados aos alunos oriundos do ensino

médio e técnico. 103 Outra novidade refere-se ao fato do aluno que estiver cursando o

ensino médio (formação geral) num determinado estabelecimento de ensino poderá,

concomitantemente, cursar a parte específica da formação técnica em alguma instituição

que ofereça a educação profissional, inclusive nas Escolas Técnicas Federais.

Verifica-se, então, que a estrutura do ensino médio e da educação profissional, prevista

na LDB 9.394/96104 e configurada no Decreto 2.208/97, constituiu-se em um sistema

paralelo. De acordo com Miriam Abramovay105,

Em 1998, o Conselho Nacional de Educação estabeleceu por força de lei, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio (Resolução CEB/CNE nº. 03/98) baseadas, por sua vez, em parecer da conselheira Guiomar Namo de Mello (Parecer CEB/CNE nº. 15/98). Nessas Diretrizes baseiam-se os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino médio. Cabe distinguir que, enquanto as Diretrizes são obrigatórias, o caráter dos Parâmetros é orientador.

O que não podemos perder de vista é a finalidade dessas mudanças, ou seja, esse

modelo de ensino médio foi gerado para dar conta das competências cognitivas

102 Por ser básica, terá como referência as mudanças nas demandas do mercado de trabalho, daí a importância da capacidade de continuar aprendendo; não se destina apenas àqueles que já estão no mercado de trabalho ou que nele ingressarão a curto prazo; nem será preparação para o exercício de profissões específicas ou para a ocupação de postos de trabalho determinados (PCN – ensino médio, 1999). A preparação básica para o trabalho não está, portanto, vinculada a nenhum componente curricular em particular, mas ao currículo como um todo. 103 MANFREDI, Silvia Maria - Educação Profissional no Brasil - SP, 2002. 104 Art. 39 – A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Parágrafo único – O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional. 105 ABRAMOVAY, Miriam & CASTRO, Mary Garcia - Ensino Médio: múltiplas vozes - Brasília, 2003.

91

necessárias para seguir aprendendo, conviver, produzir e definir uma identidade própria.

Isso se deve principalmente às exigências crescentes por qualificações – compatíveis

com a complexidade tecnológica que caracteriza o mundo do trabalho nos dias atuais –

e a formação de contingentes cada vez maiores de concluintes do ensino fundamental.

Em Minas, o governo Itamar Franco (1999 – 2002), fiel aos compromissos assumidos

pelo Brasil em 1990, durante a Conferência Mundial de Educação para Todos –

realizada em Jomtien, na Tailândia106 – comunga com esses ideais neoliberais. Assim, o

processo educacional só se tornará democrático se for alcançado um tratamento

diferenciado aos desiguais. Isso significa olhar toda a diversidade mineira tanto nos seus

aspectos naturais como socioeconômico ou de desenvolvimento humano. Minas contém

zonas de alta concentração urbana, como a região metropolitana de Belo Horizonte

como áreas de extensos vazios populacionais, como os vales dos rios Jequitinhonha e

Mucuri. Tem regiões altamente desenvolvidas no setor industrial e de serviços, imensas

áreas de expansão agrícola e zonas onde a exploração mineral se destaca por seus

aspectos e seus impactos sobre o meio ambiente, reservas indígenas e territórios onde

afloram problemas e conflitos agrários. Todo esse contexto e a complexidade têm que

ser considerada nos planos de ação educacional. E foi isso o que o governo fez: no

primeiro semestre de 1998 foi feito um levantamento da real situação do Estado na área

educacional e em agosto/setembro foi realizado o Fórum Mineiro de Educação. Ao

final, foi elaborada a carta dos Educadores Mineiros onde ficou definida a estratégia de

construção de um Sistema Mineiro de Educação identificado “com os interesses do

Estado, com a cultura e com as exigências do mercado de trabalho, da mundialização da

106 Essa conferência contou com a participação de organismos internacionais como: Banco Mundial, Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

92

economia, das novas e complexas tecnologias, da cidadania e da formação integral do

ser humano” 107.

Como indica a carta dos educadores, no âmbito da educação básica, deverá o Sistema

Mineiro de Educação estar atento à realidade do mundo contemporâneo de modo que,

no que se refere ao ensino médio, os esforços deverão estar voltados para “sua

progressiva universalização e democratização”, bem como para sua “articulação com a

educação técnica/tecnológica que, por sua vez, deverá contar com a estrita participação

do setor produtivo, entendido em suas vertentes empresarial e trabalhista” (idem).

Esse foi o passo inicial do governo Itamar Franco na área da educação, em consonância

com a Lei 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),

que coube aos municípios assegurar a educação infantil em creches e pré-escolas e aos

estados oferecer o ensino fundamental e com prioridade, o ensino médio. Assim, devido

à expansão da demanda no ensino médio, ocasionada pela pressão do mercado de

trabalho e pelos programas de aceleração de estudos, foram abertas inúmeras escolas de

ensino médio visando a preparação de alunos tanto para a continuidade dos estudos em

nível superior, como para o ingresso no mercado de trabalho por meio da

profissionalização de nível técnico e tecnológico. Portanto, em relação ao ensino médio

e à educação profissional, essas são as diretrizes operacionais referente à política

estadual de educação:

• Reforma e diversificação do ensino médio, de maneira compatível com as realidades regionais, com ênfase na educação básica geral.

• Desenvolvimento e estímulo a metodologias para serem utilizadas no ensino noturno de forma a aproveitar e certificar, para fins curriculares, estudos e conhecimentos apropriados pelo aluno no mundo do trabalho.

107 Escola Sagarana. Educação para a Vida. BH, 2001.

93

• Promoção de entrosamento do ensino médio com a educação profissional, inclusive no que se refere ao denominado “Pós-médio”.

• Estabelecimento de nova política de educação profissional integrada aos objetivos do desenvolvimento regional de Minas Gerais.

• Definição, juntamente com as Secretarias de Estado ligadas a políticas de formação profissional do trabalhador, articulada com a política de emprego, visando assegurar amplas possibilidades de inserção social e no mercado de trabalho.

• Criação de mecanismos de certificação de competência e definição de formas de aproveitamento desses conhecimentos no subsistema regular e supletivo de educação, permitindo agregar conhecimentos originados de diversos setores da sociedade.

• Implementação de rede regionalizada de centros públicos de educação profissional. (idem, p. 09).

Portanto, para atender às exigências dessa política educacional, foi criada a Escola

Sagarana – o termo criado por João Guimarães Rosa em 1946, unindo o radical

germânico SAGA que significa narrativa épica em prosa ou história rica em

acontecimentos marcantes ou heróicos, com o elemento RANA de origem tupi que

representa a “idéia de, à maneira de, típico ou próprio de”. Esta seria a síntese da

Escola Sagarana: “uma educação que tome por base os sentimentos e a cultura dos

mineiros, que represente o nosso regionalismo sem perder o vínculo com a

universalidade do ser humano”. Por essa razão, a Secretaria da Educação instituiu as

metas da Escola Sagarana: “Implantar e desenvolver a política de educação de qualidade

para todos os mineiros, contribuir para a formação do cidadão do próximo milênio com

educação integral voltada para o exercício da cidadania e do desenvolvimento pessoal,

profissional do cidadão, da comunidade, do estado e da nação” (idem, p. 13).

Na verdade, o que essa política educacional busca é sintonizar-se com as tendências

internacionais da educação, que tem como um de seus principais pensadores o sociólogo

Edgar Morin. Analisando a sociedade atual, Morin conclui que os futuros cidadãos

devem ser capazes de analisar situações, encontrar alternativas e resolver problemas.

Que sejam também participativos, adaptados para o trabalho em equipe e que tenham

formação multidisciplinar para que possam estar prontos para o exercício da cidadania.

94

E para que isso seja possível, reafirma quatro objetivos fundamentais do ensino que são

aprender a aprender (ou aprender a conhecer); aprender a fazer; aprender a viver e a

conviver e aprender a ser. Dando um toque regionalista a esses objetivos, ou seja,

adaptando-os à realidade mineira, a Escola Sagarana – síntese da estratégia e dos

princípios da política educacional mineira – prepara-se para essa missão procurando

oferecer uma educação de qualidade através do treinamento dos professores e com a

inclusão de todos, através do Bolsa-escola. Apesar dos avanços em relação à política

educacional de governos anteriores tais como o grande investimento nas escolas com

equipamentos de informática, distribuição de livros didáticos e até mesmo uma

educação que instiga o empreendedorismo, não podemos deixar de perceber a

consolidação da ideologia neoliberal quando esta prepara o aluno para inserir na

sociedade e não para questioná-la. É como se não houvesse outro caminho a seguir e,

portanto, devemos nos preparar para percorrê-lo.

Desta forma, o governo que sucedeu Itamar Franco manteve esta mesma orientação

política. Aécio Neves (eleito em 2002 e reeleito em 2006) procurando assegurar a

universalização do ensino médio através da construção e reforma de prédios escolares

em todas as regiões do Estado108 , também criou o Projeto Escolas em Rede que

informatizou e garantiu acesso à internet nas escolas da rede estadual bem como

manteve a distribuição gratuita de livros didáticos com conteúdo das três séries do

ensino médio através do Projeto Livro na Escola. Lembramos que esse esforço refere-se

principalmente à intenção de inserir Minas cada vez mais na mundialização da

economia através da educação.

108 Fonte: Secretaria de Educação de MG. Disponível em: http://www.educacao.mg.gov.br. Acesso em 30de julho/2007.

95

Portanto, a educação profissional, principalmente no que se refere ao ramo voltado para

o ensino industrial, desde a década de 1930 passou por uma série de mudanças que

sempre procuraram se adequarem ao desenvolvimento industrial brasileiro, que em

diversos contextos demandou novos requerimentos para a formação da força de

trabalho. Assim, as mudanças institucionais que ocorreram na sociedade e por

conseqüência no sistema educacional de Minas Gerais, fizeram-se através de avanços e

recuos envolvendo a relação de diversos atores nacionais e internacionais, atuando em

diferentes momentos e dentro de determinados contextos. Mas, há muito ainda por ser

feito. Para começar, é preciso que superemos os paradigmas dualistas que têm marcado

a tradição brasileira no campo da educação profissional e que apoiemos as políticas

educacionais que pretendem capacitar o cidadão para que ele possa se inserir na

sociedade de forma competente, crítica e participativa. Não atentar para isso, é

continuar a promover a exclusão social e, tal qual no conto de Moacyr Scliar, negar a

cidadania a quem a ela tem direito. Mas, como formar esse cidadão? Como as escolas

federais – principalmente o CEFET – formam esses cidadãos? É o que averiguaremos

no capítulo 03.

96

CAPITULO III

INSTITUIÇÃO CEFET

3.1 Como se estruturam

“O capitalismo de hoje de fato não recusa o direito à escola: o que ele recusa é mudar a função social da escola.” (Antônio Letieri)

Partindo do pressuposto de que os modelos pedagógicos de educação profissional se

constituíram historicamente a partir das mudanças que ocorreram no mercado de

trabalho109 e levando-se em conta o fato de que as classes que estariam responsáveis

pelas funções essenciais no processo de produção precisaram formar adequadamente

sua mão-de-obra, passaremos agora a analisar a instituição CEFET, bem como a sua

estrutura na formação de uma mão-de-obra que visa atender às exigências do mercado

de trabalho no século XXI.

Os CEFETs surgiram em 1978, com a Lei 6.545/78 que dispôs sobre a transformação

das escolas técnicas de MG, do PR e do RJ em Centros Federais de Educação

109 Decreto-lei n.º4.073, de 30 de janeiro de 1942, conhecido como Lei Orgânica do Ensino Industrial, estabelece as bases de organização e de regime do ensino industrial, definindo-o como ramo de ensino de 2º grau e destinado à preparação profissional dos trabalhadores da indústria, dos transportes, das comunicações e da pesca, em paralelo com o ensino secundário. (FILHO, Domingos L. Lima – Formação de tecnólogos: lições da experiência, tendências atuais e perspectivas – www.senac.br); Lei 4024/61 – reconhece a articulação do ensino profissional ao sistema regular de ensino, estabelecendo a plena equivalência entre os cursos profissionalizantes e os propedêuticos; Lei 5692/71 – substituiu a equivalência pelo estabelecimento da profissionalização compulsória no ensino médio; Lei 7044/82 retorna a dualidade estrutural, ou seja, as escolas propedêuticas para a elite e profissionalizantes para os trabalhadores. ( KUENZER, Acácia Z. – A Reforma do Ensino Técnico e suas conseqüências, in Educação Profissional: tendências e desafios, PR, 1999.).

97

Tecnológica visando à verticalização do ensino, isto é, a oferta em uma mesma

instituição de cursos profissionais em diferentes graus e níveis de ensino.

Para entendermos como se deu esse processo, reportemo-nos às décadas de 60 e 70,

quando a economia brasileira registrou altas taxas de crescimento econômico e onde são

criados os cursos de curta duração em Engenharia de Operação, inicialmente nas

Escolas Técnicas Federais do PR, MG e RJ aproveitando-se da estrutura física de

laboratórios, oficinas e de recursos humanos existentes naquelas instituições. Esses

cursos caracterizavam-se por um currículo menos denso, mais específico, mais prático e

com menor duração. Seu objetivo era formar para o mercado de trabalho, supostamente

– como se refere Cunha110 - carente de técnicos de nível médio e também formar os

engenheiros de operação – nome dado aos concluintes de cursos de três anos. O

currículo excessivamente longo e de alto custo, teria motivado tanto a Diretoria do

Ensino Superior do MEC, quanto os pesquisadores da produção industrial brasileira a

elaborarem propostas de criação de cursos de engenharia com duração mais curta do

que a dos cursos plenos. “Nessa linha de preocupação, o Parecer nº. 60/63 do Conselho

Federal de Educação instituiu o curso de engenharia de operação, com três anos de

duração, cujos currículos mínimos foram definidos pelo Parecer nº. 25/65” (Cunha;

2000 p. 208).

Assim, os cursos de Engenharia de operação e outros cursos superiores de tecnologia

em diversas habilitações – administração rural, bovinocultura etc. todas de curta

duração – se disseminaram rapidamente por todas as regiões do país. O técnico de nível

superior, formado nessa instituição se situaria em um nível intermediário, entre o

110 CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino profissional na irradiação do industrialismo – SP, 2000.

98

técnico de nível médio e o profissional graduado pela universidade e desempenharia

funções específicas na produção, na administração e gerência, estando mais ligado às

tarefas de execução. Aos graduados pelas universidades estariam reservadas as

atividades de concepção, desenvolvimento da ciência e análise crítica da sociedade.

De acordo com Lima Filho111 os egressos dos diversos cursos superiores de tecnologia

começaram a enfrentar dificuldades de colocação no mercado de trabalho, devido às

baixas projeções de crescimento econômico no final dos anos 70 bem como à acirrada

disputa que se estabeleceu entre profissionais dos cursos de curta duração e os de

graduação plena. Para contornar essa situação, foram extintos os cursos de Engenharia

de operação em 1977 e, através da Lei 6.545/78, foram criados os Centros Federais de

Educação Tecnológicas (antigas Escolas Técnicas Federais do PR, RJ e MG) sendo seus

objetivos especificados na regulamentação baixada pelo Decreto nº. 87.310/82:

a) Integração do ensino técnico de 2º grau com o ensino superior; b) Oferecimento do ensino superior em continuidade ao ensino técnico de 2º

grau, diferenciado do sistema universitário; c) Ênfase na formação especializada, levando em conta as tendências do

mercado de trabalho e do desenvolvimento do país; d) Atuação do ensino superior exclusiva na área tecnológica; e) Formação de professores e especialistas para disciplinas especializadas do

ensino de 2º grau; f) Realização de pesquisas aplicadas e prestação de serviços; e g) Estrutura organizacional adequada à prestação de serviços112.

Os cursos de Engenharia de operação até então ofertados naquelas instituições, foram

transformados em cursos de Engenharia industrial de duração plena que, a partir do final

dos anos 70, foram abandonados pelo MEC sem maiores reflexões ou análise crítica. O

resultado foi que os CEFETs tiveram que se ajustarem a essa nova política e coube aos

egressos dos diversos cursos extintos buscarem o reconhecimento de seus diplomas

junto aos órgãos classistas ou à complementação curricular que lhes permitisse o pleno 111 FILHO, Domingos Leite Lima – Educação Profissional: Tendências e Desafios – PR, 1999. 112 CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino profissional na irradiação do industrialismo – 2000, p. 209.

99

exercício profissional. O que nos parece paradoxal é que justamente os CEFETs, que

tiveram como uma das razões para a sua criação, no final dos anos 70, a busca de

soluções para viabilizar a extinção dos cursos de Engenharia de operação e reparos para

o fracasso da política de formação de tecnólogos de curta duração, então abandonada,

estejam sendo agora reorientados para retomar a oferta destes cursos de modalidades

variadas. Essa mudança se justifica diante de uma “nova” orientação para a conquista da

empregabilidade, baseada em competências, e para suprir a crescente pressão por

escolarização e formação profissional através de uma política de redução de custos, ou

seja, a necessidade de se criar cursos de modalidades variadas se deve, principalmente,

ao imperativo de se combater a frustração dos alunos resultante do seu despreparo

profissional ao fim do nível médio, o que os forçaria a procurar as escolas superiores

como único meio de obter habilitação profissional. Nesse sentido, as ocupações para as

quais seria possível a habilitação específica em escola poderiam ser objeto de ensino

pelos cursos técnicos, mediante a conjugação de escolas e empresas ou outros arranjos

possíveis. Percebe-se, assim, que os “novos” paradigmas de flexibilização e

diversificação fazem parte desta estratégia de criação de estabelecimentos voltados para

os interesses imediatos do mercado de trabalho.

No que se refere especificamente ao CEFET-MG esta foi a sua trajetória desde o início

do século XX: em 1909 houve a criação das Escolas de Aprendizes Artífices, nas

capitais dos Estados, pelo presidente Nilo Peçanha e, um ano depois, foi implantada a

Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais. Em 1941 essa Escola foi transformada

em Liceu Industrial de Minas Gerais e em 1942 houve a alteração da denominação do

Liceu para Escola Industrial de Minas Gerais e Escola Técnica de Belo Horizonte,

respectivamente. A transformação da Escola Técnica de Belo Horizonte em Escola

100

Técnica Federal de Minas Gerais se deu em 1959 e, só mais tarde em 1978

transformou-se em Instituição Federal de Ensino Superior isolada, passando a

denominar-se Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Com a

regulamentação da Lei de criação do CEFET-MG, através do decreto 87.310 de

21/06/82, foi aprovado o Estatuto do CEFET pelo Decreto 87.411 de 10/07/82 e,

finalmente em 1988 foi aprovado o regimento do CEFET-MG pela portaria 003, de

09/01/88113.

Assim, no âmbito do MEC, por meio da Secretaria Nacional do Ensino Técnico

(Senete), elaborou-se em 1991, a proposta do Sistema Nacional de Educação

Tecnológica. Essa proposta tem como modelo os países desenvolvidos e a teoria do

Capital Humano, sendo que, para o Brasil alcançar o desenvolvimento, seria necessário

fazer investimentos na formação de recursos humanos, tal como foi feito pelos países

detentores de tecnologia de ponta. Até então a idéia de organização e gestão do trabalho,

bem própria do modelo taylorista com seus princípios de eficácia, controle e

racionalidade, eram as noções predominantes principalmente a partir da década de 1950.

Mesmo esses princípios estarem bem próximos aos princípios do capital humano, a

ênfase agora é para o desenvolvimento de competências tais como: liderança, iniciativa,

capacidade de tomar decisões, habilidade de comunicação que, acredita-se, promoverá a

modernização e produtividade do processo de trabalho – já que esse exigirá uma mão-

de-obra que se adapte a um mercado de trabalho em constantes mudanças. Com essa

intenção, idealizou-se a criação de um Sistema Nacional de Educação Tecnológica que

englobaria todas as escolas técnicas do setor público federal, estadual e municipal e as

113 Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Disponível em: <http:www.cefetmg.br>. Acesso em 15 de setembro/2007.

101

instituições particulares da rede SENAI e SENAC, as quais têm prestado serviços no

campo da educação tecnológica.

Em 08 de dezembro de 1994, ao final do governo Itamar Franco, foi criada a Lei federal

nº. 8.948 – a chamada lei da “cefetização”114, quando todas as escolas técnicas federais

seriam alçadas à categoria de CEFETs:

Art. 1º - Fica instituído o Sistema Nacional de Educação Tecnológica, integrado pelas instituições de educação tecnológica, vinculadas ou subordinadas ao Ministério da Educação e do Desporto e sistemas congêneres dos Estados, municípios e Distrito Federal. & 2º - A instituição do Sistema Nacional de Educação Tecnológica tem como finalidade permitir melhor articulação da educação tecnológica, em seus vários níveis, entre suas diversas instituições, entre estas e as demais incluídas na Política Nacional de Educação, visando ao aprimoramento do ensino, da extensão, da pesquisa tecnológica, além de sua integração com os diversos setores da sociedade e do setor produtivo.

Art. 3º - As atuais Escolas Técnicas Federais, criadas pela Lei nº. 3.552, de 16 de fevereiro de 1959, e pela Lei nº. 8.670, de 30 de junho de 1993, ficam transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica, nos termos da Lei nº.6.545, de 30 de junho de 1978, alterada pela Lei nº. 8.711, de 28 de setembro de 1993, e do Decreto nº. 87.310, de 21 de junho de 1982. & 1º - A implantação dos Centros Federais de Educação Tecnológica de que trata este artigo será efetivada gradativamente, mediante decreto específico para cada centro, obedecendo a critérios e serem estabelecidos pelo Ministério da Educação e do Desporto, ouvido o Conselho Nacional de Educação Tecnológica. & 3º - Os critérios para a transformação a que se refere o “caput” levarão em conta as instalações físicas, os laboratórios e equipamentos adequados, as condições técnico-pedagógicas e administrativas, e os recursos humanos e financeiros necessários ao funcionamento de cada centro. & 4º - As Escolas Agrotécnicas, integrantes do Sistema Nacional de Educação Tecnológica, poderão ser transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica após processo de avaliação de desempenho a ser desenvolvido sob a coordenação do Ministério da Educação e do Desporto115.

Na verdade, a Lei 8.948/94 não se efetivou na prática. Ela foi substituída pelo Decreto

n.º2.406/97 (que consolidou a transformação das Escolas Técnicas Federais em

CEFETs, separando os ensinos médio e técnico) nos termos do Decreto n.º2.208/97 (

que instituiu o nível tecnológico com o nível superior da educação profissional,

114 O termo “cefetização” foi apropriado de CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino Profissional na irradiação do industrialismo – 2000, p. 206. 115 BRASIL - Ministério da Educação, Lei Federal nº. 8.948/94. Disponível em: http://portal.mec.gov.br. Acesso em 10 de julho/2007.

102

associado à imposição de separar ensino médio e técnico). Assim, os CEFETs puderam

ministrar cursos profissionais em todos os níveis como, por exemplo: qualificação (para

operários), técnicos de nível médio e superior na área tecnológica. Analisando o

programa de governo do então candidato à presidência da República Fernando Henrique

denominado Mãos à Obra Brasil, mais especificamente no capítulo sobre emprego no

item “qualificação da mão-de-obra”, Cunha116 descreve a visão que o futuro governo

tinha e que mais tarde seria implementada:

“A força de trabalho barata e recursos naturais abundantes já não representavam vantagens comparativas no novo modelo produtivo mundial. Os padrões tecnológicos em uso exigiam que os trabalhadores dominassem conhecimentos e habilidades que lhes permitissem integrar-se a ambientes de trabalho em rápida mudança. No Brasil, uma economia dual, existiria falta de mão-de-obra qualificada, preparada para executar tarefas de maior complexidade, ao mesmo tempo em que existiam milhões de trabalhadores desempregados ou subempregados, recebendo salários muito baixos. Era justamente a falta de qualificação que impediria a incorporação desse contingente no setor moderno da economia”. (CUNHA, 2000; p.216).

Vimos aqui uma atualização da teoria do capital humano, onde o desenvolvimento das

competências técnicas e comportamentais é essencial para os objetivos do sistema

produtivo, pois provocam o envolvimento da subjetividade do indivíduo na organização

do trabalho. Eleito presidente da República, Fernando Henrique (1994-2002)117 nomeou

ministro da Educação Paulo Renato Costa Sousa que elaborou um projeto de reforma do

ensino médio e técnico. Essa reforma do ensino médio e profissional – Lei 9.394/96 e o

decreto 2.208/97 que instituíram as bases para a reforma do ensino profissionalizante –

é fruto de um processo histórico de disputas político-ideológicas empreendidas na

sociedade brasileira118.

116 CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino Profissional na irradiação do industrialismo – 2000, p. 216. 117 Fernando Henrique Cardoso cumpriu dois mandatos presidenciais, sendo reeleito para o seu 2º mandato em 1998. 118 Na proposta do PNE da sociedade (versão Cid Sabóia) a gestão democrática da educação pressupõe a participação autônoma dos diferentes órgãos do Estado e das entidades da sociedade civil na definição e na implementação das políticas educacionais gerais nacionais e locais (estados e municípios); universalização das oportunidades educacionais no ensino fundamental e médio. Na proposta do PNE do governo (versão Darcy Ribeiro), estabelece a oferta de ensino fundamental obrigatório de oito séries e assegurando o ingresso e a permanência de todas as crianças de 7 a 14 anos na escola; ampliar

103

Assim, enquanto a LDB promulgava que: “O ensino médio, atendida a formação geral

do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas” (Lei nº.

9.394/96, art. 36, & 2º) e “A educação profissional será desenvolvida em articulação

com o ensino regular” (idem ibid., art. 40), o Decreto 2.208/97 determinava a separação

entre o ensino médio e a educação profissional. Em outras palavras, enquanto a LDB

sinalizava a formação profissional integrada à formação geral nos seus múltiplos

aspectos humanísticos e científico – tecnológicos, o Decreto 2.208/97 vem não somente

proibir a pretendida formação integrada, mas regulamentar uma formação aligeirada e

de baixo custo, cabendo assim, para a empregabilidade o desenvolvimento das

competências.

Essa contradição só se justifica a partir do momento em que o modelo da política

nacional se define mais explicitamente como neoliberal, pois procura certificar em curto

prazo um grande contingente de trabalhadores que irão garantir às empresas os pré-

requisitos de qualidade que as habilitem a competir no mercado internacional. Além

disso, as próprias demandas do setor produtivo, embora excludente do ponto de vista do

emprego, não justifica altos investimentos públicos nos níveis mais elevados de

educação, já que a mesma exige maior diversificação na estrutura e oferta dos cursos. O

próprio ministro Paulo Renato Souza afirmou em entrevista ao Jornal O Estado de SP,

24/01/1999 que “o aluno pode fazer um curso de dois anos e ganhar uma certificação.

Então sai, trabalha, depois volta, faz mais outro e pode até obter o diploma de

progressivamente a matrícula no ensino médio, de forma a atender 80% dos concluintes do ensino fundamental e reduzir em 5% ao ano a repetência e a evasão. Enquanto o campo educacional neoliberal defende a obrigatoriedade do ensino fundamental, o campo democrático de massas passa a defender como patamar mínimo obrigatório de escolaridade, o ensino médio. (NEVES, Lúcia Maria W. – Por que dois planos nacionais de educação? – in Educação e Política no limiar do século XXI, Campinas/SP, Ed. Autores Associados, 2000, p. 170 a 180).

104

graduação, se completar a carga horária que lhe daria direito a isso”119. No entanto, essa

proposta de formação rápida sem uma sólida base de escolaridade geral, cria a falsa

idéia de que se resolve o problema do emprego através da educação reforçando ainda

mais a teoria do capital humano.

Com a Resolução nº. 04/99, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacional para a

educação profissional de nível técnico, serão delimitados os princípios da educação de

nível técnico, os quais podemos citar: a independência e articulação com o ensino

médio; o desenvolvimento de competências para a laborabilidade; a atualização

permanente dos cursos e currículos e a autonomia da escola em seu projeto

pedagógico120.

Foi instituído também as cargas horárias mínimas das áreas profissionalizantes, bem

como as competências profissionais específicas de cada qualificação ou habilitação.

Através de uma perspectiva pragmatista, considerou-se a formação profissional de

forma utilitarista, onde os conhecimentos, as habilidades e as atitudes a serem

desenvolvidos deveriam ser definidas pela suas utilidades requeridas pelo mercado de

trabalho. Por isso, devido a essa postura pragmatista, bem como à contradição do

Decreto121 2.208/97 que contrariava a LDB nº. 9.394/96 suscitou-se uma polêmica entre

educadores, dirigentes sindicais, instituições empresariais etc.. Diante do compromisso

político assumido pelo governo Lula com os educadores progressistas que

119 FILHO, Domingos Leite Lima – De continuidades e retrocessos históricos: razões e impactos da reforma da educação profissional no Brasil – PR, 1999. 120 BRASIL - Ministério da Educação - Resolução CNE/CEB nº. 04/99, art. 3º. Disponível em: http://portal.mec.gov.br. Acesso em 10 de julho 2007. 121 O decreto é um ato de governo, de duração provisória, que normatiza a lei. Ele não pode inovar, não pode contrariar a lei. (MAGALHÃES, Humberto P. – Dicionário Jurídico – Vol. I, 3ª edição, RJ, Edições Trabalhistas S.A., 1981).

105

reivindicavam mudanças no ensino profissionalizante, foi aprovado, então, o Decreto nº.

5.154/2004 e revogado o Decreto nº. 2.208/97.

Com o novo Decreto, a educação profissional técnica de nível médio será articulada

com o ensino médio de forma: integrada – oferecida somente a quem já tinha concluído

o ensino fundamental; concomitante – oferecida a quem já tinha concluído o ensino

fundamental ou esteja cursando o ensino médio. Nesse caso, o aluno fará o curso

técnico simultaneamente ao ensino médio na mesma instituição ou em outra instituição

de ensino, mediante convênios de intercomplementariedade. E subseqüente (pós-médio)

– oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio. Volta assim, a

integração entre educação geral e profissionalizante, defendida na LDB.

Antes, com a política de educação profissional do governo Fernando Henrique Cardoso,

cujas ações eram voltadas para a qualificação e a requalificação profissional, o que se

notava era que se desviava a atenção da sociedade das causas reais do desemprego para

a responsabilidade dos próprios trabalhadores pela sua condição de desempregados. Por

isso, esse ideário de empregabilidade e competência justificou projetos aligeirados de

formação profissional, associados aos princípios de flexibilidade dos currículos que não

promoviam uma formação em sua totalidade, pois não integravam ciência e cultura,

humanismo e tecnologia.

Agora com o ensino médio integrado ao ensino técnico e sob uma base unitária de

formação geral, esse passa a ser uma condição necessária – segundo Frigotto122 – para

se fazer a “travessia” para uma nova realidade, isto é, o objetivo profissionalizante não

122 FRIGOTTO, Gaudêncio – A Gênese do Decreto nº. 5.154/2004: um debate no contexto controverso da democracia restrita – disponível em: http://www.seed.pr.gov.br . Acesso em 29 de dezembro 2007.

106

teria um fim em si mesmo nem se pautaria pelos interesses do mercado. Mas, poderia

constituir-se numa possibilidade a mais para os alunos que, ao construírem seus projetos

de vida, poderiam ser ajudados por uma formação ampla e integral.

O governo do Presidente Lula, através do Decreto nº. 6.302 de 12 de dezembro/2007123

que institui o Programa Brasil Profissionalizado, reitera sua política de formação

profissional pelo princípio da formação integral e do trabalho como princípio educativo.

Esse Programa tem por objetivo estruturar o ensino médio combinando formação geral

com formação profissionalizante, além de fomentar a oferta de cursos técnicos de nível

médio (art. 1º, Decreto 6.302/2007). Mas, a principal iniciativa do Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE) é a criação dos Institutos Federais de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica – IFETs.

Esses institutos serão especializados na oferta de educação profissional e tecnológica,

com inserção também na área de pesquisa e extensão. Essas unidades serão constituídas

da integração dos CEFETs e das Escolas Técnicas Federais e distribuídas por vários

campi. A intenção é de que todos os estados tenham pelo menos um IFET. De acordo

com a Chamada Pública124 feita pelo MEC/SETEC, a oferta destina-se a cursos técnicos

de nível médio, com currículo integrado e educação superior com destaque para os

cursos de licenciatura em Ciências da natureza como física, química, matemática e

biologia, bem como as licenciaturas de conteúdos específicos da educação profissional e

tecnológica, de acordo com as demandas de âmbito local e regional.

123 BRASIL – Decreto nº. 6.302/2007 – disponível em: http://www.planalto.gov.br . Acesso em 27/12/2007. 124 BRASIL – Chamada Pública MEC/SETEC nº. 002/2007 – disponível em: http://portal.mec.gov.br . Acesso em 27/12/2007.

107

Enfim, a intenção é que esses institutos funcionem como centros de excelência na

formação de profissionais para as mais diversas áreas da economia e de professores para

a escola pública, promovendo o “desenvolvimento” na região onde serão instalados. O

CEFET em Bambuí procurará aderir a essa chamada pública, transformando-se em um

dos campi dos IFETs. Se essa mudança será frutífera, só o tempo dirá. Por hora vamos

nos ater às origens do CEFET em Bambuí e sua formação de mão-de-obra.

108

Figura 03 – Entrada principal do Posto Agropecuário – 1950 Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007

Figura 04 – Entrada principal do CEFET-Bambuí – 2008 Fonte: SILVA, Adriana Maria da – jan/2008

109

3.2 CEFET - Bambuí

O atual CEFET-Bambuí teve sua origem125em um Posto Agropecuário do Ministério da

Agricultura, em 1948, no governo do Gen. Eurico Gaspar Dutra (1946-1951). Seu

primeiro diretor e idealizador foi o Sr. Antônio Paulinelli de Carvalho que, na época, foi

também prefeito de Bambuí (seu mandato se deu no período de 1947 a 1951). Para

exercer o cargo de diretor do Posto Agropecuário, o Sr. Antônio Paulinelli – mais

conhecido em Bambuí como Sr. Tunico – afastou-se do cargo de Prefeito Municipal e

assumiu o seu vice – o Sr. José Augusto Chaves.

O objetivo da criação do Posto Agropecuário, segundo o depoimento do Sr. Altamiro,

foi fomentar a agricultura na região, ensinando aos fazendeiros a trabalhar o solo com

máquinas agrícolas ao invés de usar a tração animal (muito comum na região).

Ensinaram também a fazer curva de nível no terreno, bem como a fazer a correção do

solo através do uso de calcário. Divulgaram sementes melhoradas através de pesquisas,

pois era costume entre os fazendeiros o uso de sementes da sua própria colheita que

eram guardadas de um ano para outro. O Posto Agropecuário serviu, principalmente,

para melhorar a prática da agricultura em uma região que dependia substancialmente

dela.

Bambuí126 pertence à mesorregião do oeste de Minas Gerais, cuja povoação antiga,

iniciada nas primeiras décadas do século XVIII, dedicava-se à atividade agropastoril

125 A história sobre a origem do CEFET foi relembrada pelo Sr. Altamiro Gomes de Oliveira, que ocupou o cargo de chefe do setor de mecânica e manutenção de máquinas no período de 1954 a 1991. Como não há registro oficial nos arquivos do CEFET sobre esse período, recorremos ao testemunho oral do Sr. Altamiro que participou ativamente dos acontecimentos do Posto Agropecuário sendo, inclusive, responsável por todo o setor de mecânica. Entrevista concedida em 10/12/2007 a Adriana Maria Silva. 126 MIGUEL, Reginaldo Pereira – Centenário de Bambuí (Ensaio histórico), Ed. Ouro Preto Ltda., 1986.

110

com a finalidade de abastecer as zonas de mineração. A maior parte dessa região do

Alto São Francisco desempenhou importante papel como canal natural de escoamento

de produtos agrícolas e da pecuária, que abasteciam os núcleos urbanos dedicados à

lavra do ouro e que, ainda hoje, conservam sua “vocação agrícola”. Com Bambuí não

foi diferente. A cidade teve sua economia baseada na agricultura e pecuária, com

destaque para a produção de café, milho e a criação do gado leiteiro e de corte.

Predomina as pequenas e médias propriedades como modelo de exploração extensiva.

Por isso, entendemos que a criação do Posto Agropecuário propiciou um

desenvolvimento na produção agropastoril. Para isso, o Posto contou com a colaboração

de entidades como a Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR), hoje

EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), que fazia palestras nas

próprias fazendas do município e também na sede do Posto Agropecuário127. Nessas

palestras eram dadas informações sobre o uso de sementes e formas de plantio, bem

como sobre a recomendação do uso de filtros d’água nas fazendas. “Quando as palestras

eram feitas na sede do Posto Agropecuário, muitos fazendeiros vinham à cavalo porque

não tinham outro meio de transporte” (Sr. Altamiro, 2007).

Através do Posto Agropecuário, os fazendeiros tinham acesso às máquinas agrícolas,

bastando para isso irem até o escritório do Posto e fazer inscrição, pagando uma taxa

simbólica que equivaleria às horas trabalhadas no trator. Assim, os tratores iam até as

fazendas com todos os equipamentos necessários para arar e fazer curvas de nível. A

despesa dos agricultores, além dessa taxa simbólica, era com a hospedagem do

tratorista. Cabia ao Sr. José Teixeira da Silva, cujo cargo era o de auxiliar de escritório,

fazer essas inscrições bem como autorizar o uso de equipamentos e veículos do Posto

127 Fonte: entrevista concedida pelo Sr. Altamiro Gomes de Oliveira em 10/12/2007 a Adriana Maria Silva.

111

Agropecuário. A autorização abaixo é um dos exemplos desse tipo de serviço prestado

pelo Posto Agropecuário não só aos fazendeiros, mas também a algumas entidades em

Bambuí.

Figura 05 – autorização de serviço do Posto Agropecuário. Fonte: arquivo do Sr. Altamiro Gomes de Oliveira

O Instituto Oswaldo Cruz é de grande relevância para a cidade devido às pesquisas

feitas sobre a doença de Chagas muito comum na região e que, felizmente hoje, já está

erradicada. Juntamente com o Posto Agropecuário, os pesquisadores do Instituto tinham

acesso ao meio rural, alertando os fazendeiros sobre a doença de chagas e o modo de

prevení-la.

Em 1957, o Sr. Antônio Paulinelli criou o Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola

e o motivo dessa criação nos é explicado pelo Sr. Altamiro:

112

Figura 06 - Sr. Altamiro em aula prática no Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola – 1957 Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007.

Figura 07 - Formatura da 1ª turma do Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola – 1958 Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007.

113

Como os fazendeiros gostaram do trabalho que estava sendo feito, o Sr. Tunico Paulinelli achou por bem formar os filhos dos fazendeiros da região para que eles mesmos arassem seu terreno, já que muitos deles podiam comprar seu trator. Por isso foi criado o Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola no Posto Agropecuário.

Os alunos do Centro de Treinamento ficavam internos no Posto Agropecuário por nove

meses – período referente ao ciclo do plantio e da colheita – em regime integral com

folgas apenas nos finais de semana, tendo aulas de mecânica e implementos agrícolas,

português, matemática e conhecimentos gerais (muitos só tinham o curso primário).

Vinham alunos também das cidades vizinhas: Tapiraí, Córrego Danta, Medeiros: “As

turmas eram de vinte alunos, sendo que dez alunos assistiam às aulas práticas, enquanto

os outros as aulas teóricas, depois trocavam” (Sr. Altamiro, 2007).

Em 1958 forma-se a primeira turma de tratorista agrícola e em 1961 é criada a Escola

Agrícola de Bambuí – através do Decreto Presidencial nº. 3.864/A de 24/01/1961,

subordinada à Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário (SEAV) do

Ministério da Agricultura128. Pelo Decreto de criação de Escola Agrícola, esta deveria

utilizar-se das dependências do Posto Agropecuário e do Centro de Treinamento de

Tratoristas Agrícola, absorvendo também suas benfeitorias. Em 1964 a Escola foi

transformada em Ginásio Agrícola (Decreto nº. 55.358 de 13/02/1964) e posteriormente

em Colégio Agrícola, processo que foi homologado pelo Decreto Presidencial nº.

63.923 de 30/12/1968.

“Nesse período havia necessidade de ampliar mais o Colégio, porque as instalações do Ginásio eram precárias. Por isso, teve que fazer a desapropriação do terreno onde morava um senhor de idade para aumentar o Colégio. Mais tarde ele foi indenizado e deram para ele uma casinha na cidade. Onde hoje é o refeitório e o dormitório, era desse senhor que foi desapropriado”. (Sr. Altamiro, 2007).

128 CEFET-Bambuí – informações dos arquivos da Coordenação Geral de Ensino, Secretaria Escolar e Departamento de Administração – Nov/2007.

114

Somente em 1968, já como Colégio Agrícola, é que teve início o curso técnico em

Agropecuária, um curso regular de nível médio com duração de três anos e o ensino

supletivo também em nível de ensino médio. Nele foram instaladas as Unidades

Educativas de Produção, tendo por objetivo contribuir para a fixação da aprendizagem e

o desenvolvimento de habilidades necessárias ao futuro profissional técnico. Foram

assim divididas essas Unidades de produção:

• 1ª Série – o aluno receberia os conhecimentos teóricos e práticos na

área de avicultura, horticultura, piscicultura, apicultura;

• 2ª Série – receberia os conhecimentos na área de suinocultura,

agroindústria, mecanização agrícola, caprinocultura, agricultura II

(culturas anuais);

• 3ª Série – bovinocultura, eqüídeos, agroindústria, agricultura III

(culturas permanentes)129.

Em 04/09/1979 novamente seria modificada a denominação da instituição que passaria

a chamar-se Escola Agrotécnica Federal de Bambuí (Decreto nº. 83.935 – subordinada à

Coordenação Nacional do Ensino Agropecuário – COAGRI). Posteriormente, foi

extinta a COAGRI (21/11/1986 – Decreto nº. 93.613) e criada a Secretaria de Ensino de

Segundo Grau (SESG), a qual foi transformada em Secretaria Nacional de Educação

Tecnológica (SENETE) em 12/04/1990 segundo Lei nº. 8028 e atualmente Secretaria de

Educação Média e Tecnológica.

De acordo com a organização pedagógica da Escola130, as Escolas Agrotécnicas

Federais com habilitação para o ensino agropecuário, possuem um processo de ensino

129 Fonte: CEFET-Bambuí – informações dos arquivos da Coordenação Geral de Ensino – Nov/2007. 130 Idem.

115

diferente das demais escolas em nível de segundo grau: baseiam-se no trinômio

educação-trabalho-produção. Seu lema “Aprender para fazer e fazer para aprender”

(sistema Escola-fazenda) atende ao objetivo que é o de formar para o trabalho,

principalmente na área da agroindústria. Nota-se que é inerente a esse sistema Escola-

fazenda a prática mecanicista, que propicia uma interdependência das atividades

escolares com as atividades de produção. Isso direciona o processo educativo para os

objetivos da produção configurando assim, um modelo de ensino instrumentalizador,

acrítico e voltado para as exigências do mercado produtivo. No caso de Bambuí, a

clientela que procura a Escola constitui-se de pessoas de escolaridade variável à procura

de cursos de curta duração (qualificação e requalificação); também é bastante

heterogênea quanto à faixa etária e nível sócio-econômico, proveniente da zona urbana

(pequenas cidades), com tendências agrícolas e constitui-se de ex-alunos em busca de

informação ou educação continuada.131

Nota-se aqui a abrangência da Escola em uma região que se volta, principalmente, para

os negócios da agroindústria. Em 06/11/1993, através da lei nº. 8.731, a Escola

Agrotécnica foi transformada em autarquia, concedendo-lhe autonomia didática,

financeira e administrativa, com orçamento e quadro de pessoal próprio. Essa

descentralização administrativa concede à Escola maior liberdade de ação, podendo esta

receber subsídios do setor privado, estabelecer convênios, realizar pesquisas e prestar

serviços. E uma das formas de manter recursos próprios é através da manutenção de um

posto de comercialização dos produtos agrícolas produzidos na própria escola. Para isso

conta com a Cooperativa-escola, implantada com o objetivo de funcionar no sistema

escola-fazenda e com a finalidade de atender os alunos e projetos agropecuários. A

131 Fonte: CEFET-Bambuí – Planejamento estratégico, período março/2001 – arquivos da Coordenação Geral de Ensino, Nov/2007.

116

Cooperativa-escola132 foi fundada em 28/09/1969 cujo primeiro benefício foi fornecer

material didático aos seus associados. Em 30/06/1983, pela necessidade de melhor

atender às Unidades Educativas de Produção, seus estatutos foram alterados passando a

chamar Cooperativa-escola e de Trabalho dos alunos do Colégio de Bambuí Ltda. No

ano seguinte, nova mudança e alteração dos estatutos de todas as Cooperativas e

novamente muda o nome para Cooperativa-escola dos alunos da Escola Agrotécnica

Federal de Bambuí Ltda. A aproximação do binômio “ensino-trabalho” gerou o fator de

produção e, assim, a Cooperativa-escola passou a ser parte integrante dos mecanismos

pedagógicos utilizados no sistema escola-fazenda. Dentre os objetivos da Cooperativa-

escola destaca-se a comercialização dos produtos oriundos das Unidades Educativas de

Produção.

Figura 08 - Cooperativa-escola - Posto de vendas dos produtos agrícolas produzidos no CEFET Na cidade de Bambuí. Fonte: SILVA, Adriana Maria da - jan/2008

132 Fonte: CEFET-Bambuí – informações fornecidas pelo setor de Coordenação Geral de Ensino – Nov-2007.

117

Com a Reforma da Educação Profissional em 1997 e através do Decreto nº. 2.208/97, as

Escolas Agrotécnicas Federais que ministravam somente o curso técnico em

Agropecuária concomitante com o ensino médio, tiveram a liberdade de ampliar sua

oferta de cursos e de vagas, migrando para além do setor agropecuário e podendo

atender aos setores secundário e terciário do mercado de trabalho. Os currículos foram

modularizados e a oferta de cursos foi ampliada de acordo com a demanda regional e as

necessidades da evolução tecnológica. Com a nova legislação, em 1998, além do

tradicional curso técnico agrícola, foram criados outros cursos técnicos: Agroindústria,

Zootecnia, Agricultura, Informática, Turismo e Gestão Comercial – concomitante com o

ensino médio ou pós-médio.

A oferta dos cursos na área agrícola se deve, pelo que já foi exposto, à idéia de

“vocação agrícola” da região. Sendo assim, caberia à Escola Agrotécnica cumprir seu

papel de fornecer técnicos qualificados principalmente em atividades ligadas ao cultivo

do cerrado. Como a cidade inseriu-se no Circuito133da Canastra, por integrar à Bacia do

Rio São Francisco, então se justificou a criação do curso técnico em Turismo e Gestão

Comercial devido ao potencial turístico da região, bem como às atividades econômicas

do comércio varejista que careciam de profissionais qualificados para atuar nesse

segmento. Como a Reforma Educacional abriu a possibilidade de ampliação dos cursos

ofertados nas Escolas Técnicas Federais e também com a possibilidade de crescimento

133 São definidos como conjunto de municípios de uma mesma região, com afinidades culturais, sociais e econômicas que se unem para organizar e desenvolver a atividade turística regional de forma sustentável. As vantagens de fazer parte de um circuito turístico são: potencialização dos esforços para promover o desenvolvimento turístico; buscar meios de capacitação profissional no setor; preservação e resgate dos patrimônios culturais e naturais melhoria da qualidade de vida do município e o atendimento ao turista. (JORNAL DA CANASTRA – edição de dez/2007, disponível em: http://www.jornaldacanastra.com.br . Acesso em 29/12/2007.

118

econômico na região, a Escola Agrotécnica optou então pela criação desses dois

cursos134.

Nesta trajetória, a Escola Agrotécnica conseguiu junto ao Programa de Educação

Profissional (PROEP) financiamentos para a modernização da rede física, já que a

escola deveria ser o “laboratório” na qualificação da mão-de-obra. Os investimentos

serviram para construir, equipar, reformar e modernizar suas instalações e laboratórios,

além de qualificar pessoal de forma a torná-la capaz de oferecer cursos dentro do padrão

e da realidade das empresas empregadoras dos egressos.

Finalmente, em 18 de dezembro de 2002, através de Decreto Presidencial, a Escola

Agrotécnica Federal de Bambuí foi transformada em Centro Federal de Educação

Tecnológica. Atualmente, além dos cursos técnicos, o CEFET-Bambuí oferece cursos

superiores de tecnologia:

• Graduação Tecnológica em Processamento de Alimentos;

• Graduação Tecnológica em Informática no Agronegócio;

• Graduação Tecnológica em Gestão de Empreendimentos Turísticos;

• Bacharelado em Zootecnia.

Nota-se que, dos quatro cursos superiores, três estão voltados para a área agrícola,

reforçando esse perfil agrícola construído ao longo dos anos. Assim, sem afastar-se de

suas origens, o CEFET-Bambuí continua a manter o vínculo com os produtores rurais

através de Programas como: A Escola vai ao campo – Unidade de Ensino volante –

direcionado principalmente àqueles que se utilizam da mão-de-obra familiar; realização

134 Fonte: CEFET-Bambuí – informações fornecidas pelo setor de Coordenação Geral de Ensino – Nov/2007.

119

de Dias de Campo com destaque especial para o Fest milho, com participação da

EMATER-MG; comercialização de suínos, eqüinos e peixes geneticamente melhorados

para reprodução, visando melhor produtividade do agricultor. “Devido à vocação

regional para a agricultura, pecuária e industrialização de produtos agropecuários, o

CEFET-Bambuí tem focado a maioria de seus cursos neste direcionamento”135.

Figura 09 - Símbolo da Escola Agrotécnica e que ainda hoje é utilizado para reforçar o perfil do sistema escola-fazenda. Fonte: SILVA, Adriana Maria da – jan/2008.

O curso técnico em Mecânica Agrícola e Automotiva, criado no ano de 2005 reforça

essa filosofia, pois a finalidade de sua criação foi:

“O atendimento aos serviços de mecânica automotiva e de máquinas e implementos agrícolas, que tem sido feito por ‘mecânicos práticos’ com a ajuda de jovens aprendizes que quase sempre não estudam e dão continuidade ao ofício criando suas próprias oficinas. Não há cursos profissionalizantes nesta área da região, apenas no SENAI em Belo Horizonte (260 km), sendo escassos até mesmo em nível nacional, ou até inexistentes no caso da mecanização agrícola de nível técnico.

135 Fonte: CEFET-Bambuí – Setor de Coordenação Geral de Ensino – dez/2007.

120

(...) Necessidade de profissionalizar pessoas em nível técnico e de qualificação para atendimento de necessidades locais e regionais de manutenção e máquinas e implementos agrícolas e de veículos automobilísticos, especialmente utilitários, para desenvolvimento do setor agropecuário. Com isto melhorar o atendimento aos cursos já existentes (técnico em Agropecuária e curso superior de Tecnologia em Zootecnia).136”

Visando à expansão de suas atividades, o CEFET-Bambuí firmou convênios com as

Prefeituras Municipais das cidades vizinhas – Iguatama, Formiga, Piumhi – onde

ministra os cursos de Informática, Turismo e Gestão Comercial. O currículo, o diretor e

os professores são selecionados pelo CEFET, enquanto as despesas, equipamentos e

infraestrutura são providos pela Prefeitura.

No entanto, o CEFET-Bambuí está prestes a viver uma grande mudança no seu

processo pedagógico. Isto se deve à proposta do governo Lula em transformar os

CEFETs em IFETs (Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia). Segundo esta

Proposta, além da oferta de ensino técnico a nível médio, os IFETs também poderão

oferecer licenciatura e bacharelado em Ciência e Tecnologia, bem como ofertar estudos

de pós-graduação lato e stricto sensu.

“As mudanças no sistema capitalista e o acentuado processo de urbanização da sociedade brasileira atualmente absorvem 83% da população. Em nossa sociedade, praticamente, já não existem comunidades exclusivamente agrícolas e as atividades primárias se complementam com as industriais, numa estreita relação entre ciência e tecnologia. Esta realidade repercute em nossas escolas; o modelo das chamadas ‘escolas-fazenda’ já não responde a nova realidade, o que coloca a necessidade urgente do debate no sentido de sua ressignificação” 137.

Nesse sentido, mesmo construindo sua identidade em harmonia com o universo em que

se insere, não há dúvidas de que o CEFET-Bambuí, ao transformar-se em IFET, estará 136 CEFET-Bambuí – Proposta de criação do curso técnico em Mecânica Agrícola e Automotiva. Arquivo da Coordenação Geral de Ensino, Nov/2007. 137 PACHECO, Eliezer – SETEC/MEC: Bases para uma política nacional de EPT (2008). Disponível em: http://portal.mec.gov.br . Acesso em 27/12/2007.

121

também se reestruturando para atender às “novas” exigências do mercado de trabalho.

Provavelmente esta reestruturação pode se dar no sentido de criar outros cursos, mas

sem necessariamente abandonar o seu perfil de escola-fazenda já que essa, como vimos,

atende às demandas da região.

Em outro momento da escola, quando o Decreto nº. 2.208/97 foi instituído, mandando

que as escolas técnicas separassem as matrículas do ensino médio e profissional,

extinguindo em muitas delas o ensino médio, no CEFET – então Escola Agrotécnica

Federal – foi diferente. Mesmo separando as matrículas do ensino médio e profissional,

a Escola não extinguiu o ensino médio138. A concomitância interna foi uma opção feita

pela escola mantendo, para isso, uma comunicação com o curso técnico. Acreditamos

que agora, também, não será diferente. Com toda essa estrutura montada e atendendo as

demandas da região, fica difícil imaginar que o CEFET-Bambuí irá abrir mão desse

sistema escola-fazenda unicamente para atender a essa exigência. Poderá sim haver uma

adaptação à proposta, já que a mesma visa oferecer vagas nos IFETs para cursos de

licenciatura em ciências da natureza, bem como serão incentivadas licenciaturas de

conteúdos específicos da educação profissional e tecnológica como mecânica,

eletricidade e informática139. Sendo assim, cabe aqui apenas esse comentário sobre a

transformação que poderá ocorrer no CEFET, já que só o tempo dirá sobre os efeitos

dessa mudança.

Hoje o CEFET-Bambuí conta com um número de 1.132 alunos distribuídos em diversos

cursos técnicos:

138 CEFET-Bambuí – Proposta de criação do curso técnico em Mecânica Agrícola e Automotiva. Arquivo da Coordenação Geral de Ensino, Nov/2007. 139 Fonte: http://portal.mec.gov.br . Acesso em 27/12/2007. * O aluno cursa o ensino médio em outra instituição de ensino e o técnico no CEFET.

122

• Agricultura e Zootecnia (concomitantes e subseqüentes): 790 alunos;

• Gestão Comercial – Proeja: 83 alunos;

• Mecânica Automotiva – Proeja: 11 alunos;

• Mecânica Agrícola – Proeja: 16 alunos;

• Mecânica Automotiva (concomitante ao E. médio): 31 alunos;*

• Mecânica Agrícola (concomitante ao E. médio): 29 alunos;*

• Mecânica Automotiva e Agrícola integrado ao Ensino Médio: 23

alunos;

• Informática integrado ao ensino médio: 32 alunos;

• Informática Programação web: 17 alunos;

• Ecoturismo: 18 alunos;

• Gestão em serviços de saúde: 26 alunos;

• Meio ambiente: 56 alunos.140

É notório o número de alunos principalmente no setor agrícola. Por isso, acreditamos

que o CEFET-Bambuí ainda manterá toda essa estrutura agrícola, mesmo porque não há

como mudá-la apenas ao sabor da lei e tendo sua mão-de-obra egressa absorvida pelo

mercado de trabalho. As mudanças que poderão advir serão lentas, procurando se

adaptar a um discurso que aponta para o novo. Mas, o que não podemos perder de vista

é que essas mudanças na educação agrícola não devem ser vistas de forma isolada, mas

que as mesmas fazem parte de um processo de reestruturação do próprio sistema

capitalista que visa responder à conjuntura externa. É nesse sentido que elas precisam

ser analisadas, para entendermos seu processo de adaptação a esse contexto.

140 Fonte: informações dos arquivos existentes na Gerência de Registro escolares – Secretaria escolar do CEFET-Bambuí, em 10/01/2008.

123

3.2.1 Empregabilidade dos egressos do CEFET-Bambuí

Diante de um contexto em que o prolongamento da escolaridade torna-se impositivo,

onde o mercado de trabalho requer da escola uma mão-de-obra qualificada e com

desenvolvimento de competências mais sofisticadas como: o pensamento criativo, a

resolução de problemas, a capacidade de aprender, ao lado de qualidades pessoais como

responsabilidade, organização, liderança e autonomia; enfim, onde todos esses fatores

reunidos se tornam requisitos para a empregabilidade, é importante pesquisar se os

alunos do CEFET-Bambuí inseriram-se rápido no mercado de trabalho.

Segundo a coordenadora de Integração Escola-comunidade, o curso técnico de maior

empregabilidade141 (60%) ainda é o de Agricultura e Zootecnia concomitante ao ensino

médio. Esse fato se deve “ao aparato do curso, à sua qualidade e também pelo fato de

ser o mais antigo, com toda uma estrutura montada para formar bons técnicos” (Lima,

2007).

Se pensarmos por este ângulo, sem dúvidas que este curso teria maior procura, porque

há toda uma tradição que o consolida no mercado em detrimento dos outros cursos que

são mais recentes142. Diante disso, analisaremos a formação oferecida pelo CEFET-

Bambui em comparação com as exigências do mercado de trabalho143.

141 Fonte: Entrevista concedida pela Coordenadora do setor de Integração Escola-comunidade, Andréia Martins de Oliveira e Lima, a Adriana Maria Silva em 27/12/2007. A coordenadora encontra-se há 14 anos à frente do setor de Integração Escola-comunidade. 142 Gestão Comercial – autorização Res. 09/2003/CD; Gestão de Serviços de Saúde – autorização Res. 04/2006/CD; Mecânica Agrícola e Automotiva – autorização Res. 08/2005/CD; Informática com programação Web – autorização Res. 06/2005/CD; Turismo – autorização Res. 06/2003/CD (CEFET-Bambuí – informações fornecidas pelo setor de Gerência de Registro escolares, janeiro/2008). 143 MAGALHÃES, Ivan Chaves de – A Formação técnico-profissional dos egressos do CEFET-Bambuí e a demanda do mundo do trabalho – dissertação apresentada na UFR/RJ em dez/2005. Área de concentração: Educação Agrícola. Ivan C. Magalhães exerceu o cargo de vice-diretor de 1996 a 2000 e

124

O período correspondente a essa pesquisa foi de 10 a 20/08/2005 para a aplicação de

questionários individuais e 05 a 08/10/2005 para a aplicação do questionário grupal, que

ocorreu no CEFET-Bambuí durante o encontro de ex-alunos144.

Constatou-se, então, que a maioria desses egressos foi inserida no mercado de trabalho

durante o processo de implantação e consolidação da reforma do ensino

profissionalizante (Decreto nº. 2.208/97) e expansão da instituição. De acordo com esse

levantamento, a predominância de egressos que responderam aos questionários foi dos

cursos técnicos em Agricultura e Zootecnia (21%) e técnico em Agropecuária (37%),

“por serem os cursos mais antigos e predominantes no CEFET-Bambuí, seguido de

Agroindústria (15%) que é a marca do início da expansão da instituição e em menor

quantidade os cursos técnicos em Gestão Comercial (8%), Informática (9%) e Turismo

(10%)” (Magalhães, 2005, p. 39).

Esses dados confirmam, portanto, a supremacia dos cursos da área agrícola em

detrimento dos outros cursos a inserirem-se no mercado de trabalho. Justificamos este

fato, como já foi salientado, pela consolidação dos mesmos em um mercado que

absorve com freqüência esse profissional, enquanto os outros cursos por serem mais

recentes, ainda não conquistaram o mercado na região.

Quanto ao tempo transcorrido entre a formatura e o primeiro emprego, essas foram as

constatações: “79% dos alunos pesquisados ingressam no mercado de trabalho até 6

diretor geral de 2000 a 2003 da Escola Agrotécnica Federal de Bambuí. Transformada em CEFET em dez/2002, foi reeleito Diretor Geral para a gestão 2003-2007. 144 Os cursos técnicos os quais pertencem os egressos que responderam aos questionários são: Agricultura/Zootecnia, Agroindústria, Agropecuária, Gestão Comercial, Informática e Turismo, sendo um total de entrevistados, 300 egressos.

125

meses de formado; entre 6 meses à 1 ano – 8% ; de 1 a 2 anos – 9%” (idem, 2005). Esta

alta percentagem de empregabilidade se deve ao desempenho desejado por produtores e

empresários rurais e urbanos. Enquanto os baixos índices de empregabilidade entre os

egressos que formaram entre 6 meses à 1 ano ou mais é explicado, conforme

depoimento dos entrevistados, pelo fato de serem

“filhos de proprietários rurais que tentaram primeiramente a sorte em casa e ao verificarem que o lucro auferido é pequeno e insuficiente por falta de recursos para investir em novas tecnologias ou, às vezes, desentendimentos em trabalhar junto com os pais acabam procurando o mercado de trabalho um pouco mais tarde” (idem, 2005, p.41).

Muitas vezes os pais dos alunos relutam em aceitar as novas técnicas. Como já estão

apegados às tradições e são conhecedores dessas práticas passadas de geração para

geração, são muitas vezes céticos em relação a essas novas técnicas, achando que tudo

não passa de “modernismos”. Por isso, os filhos preferem empregar-se nas empresas

que já utilizam técnicas agrícolas mais avançadas.

Quanto às características desejadas pelos empresários, conforme a Coordenadora do

setor de Integração Escola-comunidade referem-se às habilidades básicas exigidas pelas

empresas por ocasião do contrato de trabalho (ver formulário no anexo 11): interesse,

responsabilidade, comprometimento, liderança, relacionamento inter-pessoal145. Essas

habilidades são defendidas no PCN-Ensino médio não só para inserção no mercado de

trabalho, mas também para o que seria desejável a uma participação cidadã. Apesar de

todo o mérito da proposta do PCN, entendemos que a escola também deveria prover os

alunos com um entendimento mais realista e crítico sobre a atividade produtiva e o

mercado de trabalho e que estas habilidades não se sujeitassem aos ditames do mercado,

145 Entrevista concedida pela Coordenadora de Integração Escola-comunidade, Andréia Martins de Oliveira e Lima, a Adriana Maria Silva em 27/12/2007.

126

mas que viessem a contribuir para o entendimento dos efeitos globais sobre a formação

dos indivíduos assim como sobre as conseqüências de seus atos perante a vida no

planeta. Mesmo em uma escola, cuja principal meta é inserir sua clientela no mercado

de trabalho, cremos que isso possa ser possível.

Outro item dessa pesquisa que merece destaque refere-se ao currículo cursado no

CEFET-Bambuí para o desempenho das funções dos egressos no mercado de trabalho:

64% concordam que o currículo cursado foi suficiente e 36% consideram o currículo

insuficiente para atender a demanda (idem, 2005, p. 43). Isso demonstra que o CEFET-

Bambuí está se aperfeiçoando cada vez mais às exigências do mercado de trabalho e,

por isso, os egressos se adaptam rápido às empresas nas quais se empregam. Quanto aos

que não acham suficiente o currículo, demonstra que o mercado está cada vez mais

dinâmico e há necessidade de uma constante adaptação do currículo a essas mudanças.

Para uma escola cujo lema é o “aprender a fazer e fazer para aprender” é natural que a

preocupação curricular seja uma constante, mesmo porque essa é sua missão: atender às

demandas do mercado preparando os alunos com as competências necessárias para

garantir seu aprimoramento profissional. Nesse sentido, o currículo deve estar em

consonância com essas demandas.

Ainda sobre a questão curricular, outra pergunta feita aos egressos refere-se à teoria

ensinada e à prática profissional: 67% consideram que o ensino está em consonância

com a prática profissional, o que reforça o compromisso com um ensino mais voltado

para a prática, para o aprender fazendo, sendo que no caso dos cursos ligados à

agropecuária e agroindústria a manutenção do sistema escola-fazenda foi essencial.

127

O índice de 31% dos que acham que o ensino lhes trouxe pouco benefício para sua vida

prática profissional é, segundo o autor, “conseqüência de um ensino acadêmico, pouco

distante da realidade profissional e professores com menor conhecimento do que se

passa no mundo do trabalho e pouca experiência prática”(idem, 2005, p. 44). Essa

conclusão não nos parece satisfatória, pois se assim fosse, não haveria um alto índice de

concordância com o currículo (67%). O que nos parece mais aceitável é que,

principalmente em relação aos cursos recém-criados, as adaptações curriculares ainda se

fazem sentir, necessitando de mais tempo para que essas adaptações correspondam ao

esperado de um curso profissionalizante. Dos 2% que julgaram o ensino como nada

tendo a ver com sua prática profissional representou, ainda segundo o autor, uma

percentagem tão insignificante que ele atribuiu àqueles alunos que passaram pela

instituição “sem desfrutar de sua estrutura física e humana” (idem, 2005, p.44).

É interessante notar, nesse caso, como o conhecimento acadêmico é visto como distante

do conhecimento prático principalmente nas escolas profissionalizantes. Isso se deve a

uma visão dualista que acompanhou durante muito tempo as teorias pedagógicas,

separando uma educação acadêmica para a elite e uma educação prática para os

trabalhadores. Essa visão nos parece equivocada, porque cria a falsa idéia de que apenas

com uma rápida formação profissional se resolve o problema do desemprego através da

educação. É esta também a teoria do capital humano, que postula uma maior e mais

sofisticada escolaridade como requisito para manter a empregabilidade. Se assim fosse,

então bastaria dar mais acesso à escolaridade, abrir mais cursos profissionalizantes,

desenvolver mais competências, que os índices de desemprego no país seriam

insignificantes. O que não podemos perder de vista é que os problemas do mercado de

trabalho são determinados não só pela falta de qualificação, mas também pela legislação

128

que normatiza as relações trabalhistas e pela economia que cria postos de trabalho. Cada

um desses fatores tem uma enorme parcela de responsabilidade sobre essa questão.

Em relação às características que um profissional deve possuir no momento atual, 37%

responderam que a principal característica seria a visão e motivação (senso de missão).

Isso se deve ao “currículo oculto”, ou seja, um conjunto de características que o aluno

do CEFET-Bambuí adquire no convívio entre pessoas de diferentes etnias, culturas,

níveis sociais e religiões. Além desse fator, é interessante observar no CEFET-Bambuí

algumas frases que funcionam como “propaganda subliminar” lembrando a todos –

alunos e funcionários – a missão e a filosofia da escola.

129

Figura 10 - Entrada principal do CEFET-Bambuí Fonte: SILVA, Adriana Maria da – jan/2008.

Essas frases de cunho positivista contribuem para uma maior sedimentação e

refinamento do modelo adotado no CEFET-Bambuí, consolidando o princípio de

educação e trabalho.

21% dos egressos optaram pela característica “lucidez de conhecimentos”; 15%

escolheram as características “compromisso social e ética profissional”; 10% foram para

“responsabilidade técnica”; 9% para “segurança profissional” e 8% para “capacidade

empreendedora” (incluindo criatividade).

Essas características são realmente importantes, principalmente quando eleva a

compreensão dos indivíduos quanto a sua atuação na sociedade e quando também leva a

compreensão sobre seu trabalho. Mas, quando são desenvolvidas apenas visando ao

sucesso profissional ou quando sustenta um discurso de empregabilidade – que joga

sobre o trabalhador a responsabilidade pelo seu emprego ou desemprego - essas

130

características perdem a sua função ética e passam a atender unicamente a interesses

individuais ou de mercado.

E finalmente, no último item os egressos são questionados sobre quais seriam os pontos

fortes dos cursos ofertados pelo CEFET-Bambuí; 44% responderam que a estrutura

física adequada era o ponto forte dos cursos ofertados. Lembrando que o CEFET-

Bambuí é uma escola-fazenda, com 65.000m² de área construída, abrangendo uma área

de 341, 30,72ha146; 26% optaram por “Qualidade de ensino”; 18% pelo bom conceito do

CEFET-Bambuí e 12% devido aos recursos acadêmicos e didáticos adequados.

.

Figura 11 – Foto aérea do CEFET-Bambuí. Fonte: arquivo do departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007. É inegável o bom conceito que o CEFET-Bambuí desfruta, não apenas na região, mas

também nos outros estados. Prova disso é a procura pelos cursos do CEFET-Bambuí de

alunos vindos de outras localidades. Quanto aos recursos didáticos, estes tiveram uma

relação inversamente proporcional quanto ao aumento do número de cursos e alunos,

comparado ao crescimento dos recursos financeiros. Há um crescente custo de

146 Fonte: CEFET-Bambuí – informações do Departamento de Administração, Nov/2007.

131

manutenção da instituição, devido tanto a fatores inflacionários como as despesas

advindas de seu próprio crescimento. Por isso, algumas Unidades Educativas de

Produção apresentam defasagem tecnológica com instalações e equipamentos antigos

e/ou inadequados; laboratório de agroindústria carente de equipamentos. Enfim, há

realmente necessidade de maiores investimentos nessa área a fim de atender à crescente

demanda de alunos que procuram o CEFET em Bambuí.

Em relação aos questionários aplicados em grupo por ocasião do encontro de ex-alunos

– período de 05 a 08/10/2005 – a resposta à pergunta sobre a “possibilidade de trabalho

para técnicos formados pelo CEFET-Bambuí, do ponto de vista de inserção no mercado

de trabalho ou de implantação ou condução de empreendimentos próprios”, foi a de

reafirmar a facilidade de inserção no mercado de trabalho logo após o término do curso.

Esse fato é confirmado pela coordenadora de Integração Escola-comunidade147, que

aponta as empresas de comércio em defensivos agrícolas, cooperativas, empresas de

cultivo de café, captação de leite – Nestlé, Danone, Imbaré etc. – como as principais

portas de entrada dos egressos do CEFET-Bambuí para o mercado de trabalho. O que

mais uma vez demonstra a tradição agrícola da escola e região.

Quanto às modificações sugeridas pelos egressos à escola no desenvolvimento dos

cursos, esta foi a constatação: em relação ao conteúdo, sugeriram maior incentivo a área

de relações interpessoais, mais dinâmica em grupo, mais consciência ambiental

inserindo na maioria das disciplinas ministradas. Quanto à prática educativa, sugeriram

aulas práticas dentro da escola semelhantes ao que está acontecendo no mercado de

trabalho. Dentro do possível, a escola deveria procurar atualizar-se e inovar-se

147 Entrevista concedida pela coordenadora de Integração Escola-comunidade, Andréia Martins de Oliveira e Lima, a Adriana Maria Silva em 27/12/2007.

132

tecnologicamente, repetindo aquilo que ocorre no mercado de trabalho, para facilitar a

empregabilidade do seu egresso. E em relação ao estágio, gostariam de um maior

número de parceria possível para maior disponibilidade de estágios. Outros cursos que a

escola deve oferecer – Agronomia e Medicina Veterinária. (idem, 2005, p. 48).

As respostas reforçam o grande compromisso do CEFET-Bambuí em adaptar a grade

curricular dos cursos em coerência com o mercado de trabalho. Quanto ao desempenho

de empregabilidade dos egressos até seis meses de formado é creditado ao diferencial de

formação acadêmica, à metodologia e ao conteúdo curricular em consonância com o

mercado de trabalho. O que é confirmado pela maioria dos egressos que concordam que

o currículo ministrado pelo CEFET-Bambuí foi suficiente para desempenhar suas

funções exigidas pelo mercado.

Os resultados reafirmam o alto nível de empregabilidade dos egressos do CEFET-

Bambuí e a constante preocupação em estar em perfeita interação com as mudanças

tecnológicas e o mercado produtivo – visando a uma melhor qualificação. Entretanto, se

considerarmos a formação profissional apenas a partir daquilo que é útil ao sistema

produtivo e não daquilo que é necessário à sociedade e à elevação da compreensão do

trabalhador sobre seu trabalho, estaremos apenas reforçando as atuais relações sociais

de dominação e nos descomprometendo com a construção do futuro. Essas são questões

que merecem ser levadas em consideração, principalmente por uma instituição

conceituada como o CEFET-Bambuí.

133

3.2.2 Empreendedorismo nos cursos técnicos do CEFET-Bambuí

Dentre as considerações acerca da formação dos alunos do CEFET-Bambuí, achamos

pertinente investigar se uma educação empreendedora não viria a ser uma saída para a

formação meramente técnica ou até mesmo que promova uma autonomia para aqueles

que se aventurassem em um negócio próprio.

Diante dessa questão iremos analisar se essa proposta seria viável visando a essa

emancipação. A pesquisa148 feita no período de 02 a 26/10/2006 em um universo de

1.317 alunos - sendo 841 dos cursos técnicos e 476 dos cursos tecnológicos - também

tiveram incluídos seis membros da direção e coordenadores gerais ligados à área de

ensino, oito coordenadores de cursos técnicos e cinco de cursos tecnológicos (para

auferir a opinião dos mesmos sobre a possibilidade de inclusão da disciplina

empreendedorismo nos cursos que ainda não a possui). Como nosso objetivo é os cursos

técnicos, pinçaremos nesse universo as constatações as quais se referem ao nosso objeto

de estudo.

Assim, 63,2% dos alunos que participaram da pesquisa pertencem aos cursos técnicos

oferecidos e 36,80% pertencem aos cursos superiores de tecnologia. Entre os cursos

técnicos, a área de Agricultura e Zootecnia possui maior representatividade (33,55%),

pois durante 30 anos foi o único curso oferecido enquanto Escola Agrotécnica Federal

de Bambuí. Os demais cursos técnicos contam com um número menor de alunos, por

estarem em fase inicial de implantação.

148 COSTA, Rita de Cássia Silva – O Empreendedorismo como componente curricular para os cursos do CEFET-Bambuí – estudo feito para conclusão do curso superior de Tecnologia em Administração: gestão de pequenas e médias empresas, CEFET- Bambuí, 2006.

134

No item sobre a escolha feita por um determinado curso, temos a seguinte constatação:

42,02% responderam que pretendem ter base para o prosseguimento dos estudos; 19,87% pretendem trabalhar em uma empresa privada; 17,92% gostariam de montar seu próprio negócio; 3,26% pretendem dar continuidade aos negócios da família; 12,70% pretendem ingressar no serviço público; 4,23% pretendem apenas obter um diploma (Costa, 2006, p.48).

O desejo em prosseguir os estudos, revela que o ensino médio é visto por uma parte

significativa dos alunos pesquisados como uma garantia de acesso à educação superior.

E, caso esse acesso não seja possível, então o mercado de trabalho se torna a opção mais

viável já que o CEFET proporciona esse ingresso com mais eficiência. A percentagem

dos que gostariam de montar seu próprio negócio ou que pretendem dar continuidade

aos negócios da família, revela que o ensino do empreendedorismo no CEFET-Bambuí

ainda não é visto como um fator importante na formação do aluno, e sim que a

empregabilidade constitui-se em um objetivo maior dessa formação.

Em relação ao conhecimento que os alunos possuem sobre o termo empreendedorismo,

52,43% dos alunos do curso técnico em Agricultura e Zootecnia desconhecem o termo

empreendedorismo. O fato dos cursos técnicos em Agricultura e Zootecnia não

possuírem em suas grades curriculares a disciplina empreendedorismo, justificaria em

parte o não conhecimento do termo. Entretanto, de acordo com o Projeto Pedagógico149

de ambos os cursos, um dos objetivos apresentado é o de formar profissionais para

“implantar, organizar e gerenciar atividades, seções, empresas e instituições ligadas à

agricultura” (Projeto Pedagógico, p. 5). Sendo assim, a disciplina empreendedorismo

poderia vir a contribuir para que esse objetivo seja alcançado, já que “implantar,

organizar, gerenciar” faz parte do dia-a-dia de um empreendedor. Além disso, o ensino

149 CEFET-Bambuí – Projeto Pedagógico do curso técnico em Agricultura e Projeto Pedagógico do curso técnico em Zootecnia – informações fornecidas pelo setor de Coordenação Geral de Ensino, Nov/2007.

135

técnico agropecuário apresenta uma visão padronizada de currículo que está muito

ligada à idéia de organização e gestão do trabalho bem própria do modelo taylorista,

com seus princípios de eficácia, controle, previsão, racionalidade na adequação de

meios e fins. Isso justificaria esse desconhecimento. Quanto aos cursos que já possuem

esta disciplina na grade curricular como técnico em Gestão de Saúde, técnico em

Mecânica automotiva e Agrícola e outros apresentaram baixos índices de

desconhecimento do termo (idem, 2006, p. 54).

E esse é outro item da pesquisa que merece ser analisado: as atividades curriculares ou

extracurriculares sobre empreendedorismo que os alunos participaram ou participam no

CEFET-Bambuí:

“11,24% cursam ou cursaram a disciplina empreendedorismo, porque esta faz parte dos cursos superiores de tecnologia em Administração, Informática, Gestão de Empreendimentos turísticos e do curso técnico em Informática; 16,14% desenvolvem esta atividade através da elaboração de projetos de final de curso por ser exigência da escola; 1,15% tiveram participação na Empresa Júnior; 12,10% trabalham com o desenvolvimento de produtos – alunos dos cursos de Informática, técnicos e superiores e curso superior de Tecnologia em Alimentos (FIPA); 23,34% tiveram contato com empreendedorismo através de palestras com profissionais da área ou empresários; 9,77% não participaram de qualquer atividade ligada ao empreendedorismo” (Costa, 2006, p.51).

Figura 12 - FIPA – Feira Integrada de Produtos Agroindustriais – produtos desenvolvidos no CEFET-Bambuí. Fonte: arquivo do departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007.

136

Com exceção dos cursos superiores que possuem maior contato com a experiência do

empreendedorismo, os cursos técnicos ficam muito a desejar nessa questão. Uma

cultura empreendedora precisaria ser fomentada desde as primeiras séries do ensino

fundamental para que se torne um hábito e para que haja uma compreensão real sobre a

economia capitalista e suas contradições. Abordá-la no final da escolarização básica,

poderia ser insuficiente ou até mesmo ineficiente para atingir ao objetivo que ela deve

se propor, ou seja, o de promover a autonomia do trabalhador bem como a capacidade

de buscar soluções para os problemas causados pela forma como produzimos e

consumimos.

Quanto à postura dos coordenadores de cursos em relação ao tema empreendedorismo,

92% acreditam que o empreendedorismo possa ser ensinado nas escolas, enquanto 8%

não concordam que o mesmo possa ser administrado nas escolas (idem, 2006, p. 60).

Com uma postura diferente em relação aos membros da coordenação de cursos, alguns

membros da diretoria do CEFET-Bambuí, por ocasião da pesquisa, acreditam que o

empreendedorismo pode ser ensinado nas instituições de ensino (83%); e 17%

acreditam que esta é uma capacidade inata. No entanto, os membros da diretoria foram

unânimes em admitir que o empreendedorismo deva ser incluído em todos os cursos

oferecidos pelo CEFET-Bambuí (idem, 2006, p. 64). Os motivos apresentados por eles,

dentre outros, para a inclusão em todos os cursos refere-se ao fato de que poderia

complementar no indivíduo sua capacidade inata, daria mais oportunidade aos alunos

para serem inovadores e terem o seu próprio negócio.

137

Em suma, os resultados nos mostram que há grande desinformação dos alunos sobre o

tema empreendedorismo, sendo que dentre eles estão os alunos do curso técnico em

Agricultura e Zootecnia.

“este desconhecimento demonstra que falta ao CEFET-Bambuí uma cultura empreendedora. Apenas cinco cursos possuem em sua grade curricular o empreendedorismo como disciplina. Embora alguns coordenadores e diretores afirmem em seus questionários que o empreendedorismo faz parte dos currículos dos cursos como elemento curricular ou transversal às disciplinas oferecidas, o resultado desta proposição faz duvidar de que na prática pedagógica isto esteja acontecendo” (idem, 2006, p.68).

Voltando mais uma vez à questão da proposta de ifetização, dentre os objetivos que

concerne à relação entre educação e trabalho está o de “promover a cultura do

empreendedorismo e cooperativismo, apoiando processos educativos que levem à

geração de trabalho e renda”.150 Por isso, cabe ao CEFET-Bambuí repensar sua prática

pedagógica em relação a esse tema, inovando nessa proposta. A forma como o

empreendedorismo está estruturado no CEFET-Bambuí, reforça ainda mais o modelo

econômico vigente no país que prega a competição, o individualismo e a meritocracia.

O modelo que julgamos conveniente que se ministre nas escolas, é o que oferece

condições para se superar o paradigma econômico atual e que pense de forma holística

sobre os problemas decorrentes desse modelo econômico.

O fato de ter havido grande interesse dos alunos que participaram da pesquisa (90%)

pela inclusão da disciplina no currículo, representa um importante fator a considerar

visto que há uma recepção favorável à disciplina.

Mesmo em um centro tecnológico, cuja estrutura está montada para atender ao modelo

econômico vigente, julgamos possível repensar esta organização econômica que já

150 Fonte: Brasil - Chamada Pública MEC/SETEC nº. 002/2007. Disponível em: http://portal.mec.gov.br . Acesso em 27/12/2007.

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demonstra sinais de superação principalmente através da questão ambiental. Afinal,

como pensava Gramsci151 a respeito da função da escola, “ela pode ser, em certa

medida, transformadora, sempre que possa proporcionar as classes subalternas os meios

iniciais para que, após uma longa trajetória de conscientização e luta se tornem capazes

de ‘governar’ aqueles que as governam”. Repensar, portanto, essa estrutura é ir em

busca de um outro modelo de sociedade, onde a vida passe a ser prioridade.

151 MOCHCOVITCH, Luna Galano – Gramsci e a Escola – SP, Ed. Ática S.A., 1988.

139

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa representou uma tentativa de aprofundar a compreensão da natureza

contraditória das relações entre a prática escolar e a estrutura econômico-social

capitalista, mais especificamente do mercado de trabalho.

Assim, o estudo desenvolveu-se dentro de dois sentidos. Primeiramente elucidando as

relações entre educação e estrutura econômico-social, isto é, em que sentido as teorias e

práticas pedagógicas dos cursos profissionalizantes foram determinadas pelas teorias

liberais existentes na sociedade, mediante a adoção de uma postura positivista.

No segundo sentido, analisando os cursos técnicos do CEFET-Bambuí, notou-se que a

prática educativa escolar se articula com a prática social da produção de forma mediata,

ou seja, criam-se cursos técnicos para atender aos interesses imediatos do mercado de

trabalho. Por isso, o que vem determinando historicamente a criação desses cursos é,

justamente, essa interligação econômico-pedagógica em uma região que ainda depende

substancialmente da atividade agroindustrial.

Entretanto, uma proposta de empreendedorismo que provocasse uma mudança de

paradigma, também não se tornou viável. Visto que há um movimento no sentido de

adaptação à conjuntura social do que a uma contestação dessa mesma conjuntura.

No entanto, o CEFET-Bambuí passa por mudanças. Isso se deve à proposta do governo

federal em transformar os CEFETs em IFETs (Institutos Federais de Educação Ciência

e Tecnologia), onde serão oferecidos além dos cursos técnicos já existentes, os cursos

140

de licenciatura e bacharelado bem como os de pós-graduação lato e stricto sensu.

Também há uma proposta de ressignificação do modelo das chamadas “escolas-

fazenda”, já que as mesmas – de acordo com o governo – não responde às necessidades

de uma sociedade urbano-industrial.

E já que esse é o momento de mudanças, então porque não ousar mais e buscar um novo

paradigma que não vise apenas responder às mudanças tecnológicas e de mercado, mas

que se comprometesse com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Que

o CEFET usasse o conhecimento não apenas para produzir melhor, para dominar

procedimentos e encontrar soluções para objetivos já determinados pelo sistema. Que os

cursos, apesar de curta duração e voltados para conteúdos bem definidos, exigissem

níveis mais aprofundados de formação geral e que desenvolvesse a capacidade de

inovar. Pois, seja qual for a perspectiva que o CEFET vier a tomar, é importante que ele

supere esses seus limites estritamente técnicos e que promova uma educação

direcionada em prol das soluções dos nossos problemas mais cruciais como: fome,

desigualdade social e degradação ambiental.

Talvez para isso o CEFET-Bambuí terá que buscar inspiração na fonte que o gerou – o

Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola. Como o Sr. Altamiro mesmo nos relatou:

A minha sala de aula era o campo. Se o trator estragava, a gente ia até lá e os alunos eram instigados a descobrir o defeito. Eles deveriam olhar não só o trator, mas o terreno onde ele estava arando para descobrir o defeito. Hoje, não! Eles ficam na sala de aula com tudo pronto e só vêem o que está ali.

Talvez seja a hora de sairmos de nossas salas e reinventarmos o caminho.

141

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ANEXO

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ANEXO 01

Ministério da Educação Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

Departamento de Políticas e Articulação Institucion al CHAMADA PÚBLICA MEC/SETEC n.º 002/2007

CHAMADA PÚBLICA DE PROPOSTAS PARA CONSTITUIÇÃO DOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA – IFET. A União, representada pelo MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, por intermédio da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, estará acolhendo propostas de constituição de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFET, na forma e condições estabelecidas na presente Chamada Pública. 1. DA CONTEXTUALIZAÇÃO 1.1 A implantação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFETs constitui-se em uma das ações de maior relevo do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, na medida em que tornará mais substantiva a contribuição da rede federal de educação profissional e tecnológica ao desenvolvimento sócio-econômico do conjunto de regiões dispostas no território brasileiro, a partir do acolhimento de um público historicamente colocado a margem das políticas de formação para o trabalho, da pesquisa aplicada destinada à elevação do potencial das atividades produtivas locais e da democratização do conhecimento à comunidade em todas as suas representações. 1.2 No que concerne à relação entre educação e trabalho, a missão institucional do IFET deve orientar-se pelos seguintes objetivos: 1.2.1 — ofertar educação profissional e tecnológica, como processo educativo e investigativo, em todos os seus níveis e modalidades, sobretudo de nível médio, reafirmando a verticalização como um dos princípios do IFET; 1.2.2 — ofertar a educação básica, a licenciatura e bacharelado em áreas em que a ciência e a tecnologia são componentes determinantes, bem como ofertar estudos de pós-graduação, lato e stricto sensu; 1.2.3 — orientar a oferta de cursos em sintonia com a consolidação, o fortalecimento e as potencialidades dos arranjos produtivos, culturais e sociais, de âmbito local e regional, privilegiando os mecanismos de inclusão social e de desenvolvimento sustentável; e 1.2.4 — promover a cultura do empreendedorismo e cooperativismo, apoiando processos educativos que levem à geração de trabalho e renda. 1.3 No que diz respeito à relação entre educação, ciência e tecnologia, o IFET deverá: 1.3.1 — constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, voltado

149

à investigação empírica; 1.3.2 — qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas escolas públicas; 1.3.3 — oferecer programas especiais de formação pedagógica inicial e continuada com vistas à formação de professores para a educação profissional e tecnológica e educação básica , de acordo com as demandas de âmbito local e regional, em especial, nas áreas das ciências da natureza (biologia, física e química) e matemática; 1.3.4 — estimular a pesquisa e a investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e de inovação, ressaltando, sobretudo, a pesquisa aplicada. 1.3.5 — promover a divulgação científica e programas de extensão, no sentido de disponibilizar para a sociedade, considerada em todas as suas representatividades, as conquistas e benefícios da produção do conhecimento, na perspectiva de cidadania e da inclusão. 2. DO OBJETO 2.1 A presente Chamada Pública tem por objeto a análise e seleção de propostas de constituição de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFETs. 2.2 Os IFETs poderão ser constituídos: 2.2.1 — mediante transformação de Centro Federal de Educação Tecnológica, de Escola Técnica Federal ou de Escola Técnica vinculada à Universidade Federal; 2.2.2 — mediante integração de duas ou mais instituições federais de educação profissional e tecnológica de um mesmo estado. 2.3 O quantitativo máximo de IFETs que serão implantados em cada Unidade da Federação consta do Anexo I à presente Chamada Pública. 2.4 Todas as propostas de constituição de IFET que forem selecionadas pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica serão incorporadas em um único Projeto de Lei, cuja minuta consta do Anexo II à presente Chamada Pública. 3. DA ELEGIBILIDADE DOS PROPONENTES 3.1 Poderão candidatar-se à apresentação das propostas de que trata o presente instrumento: 3.1.1 — os Centros Federais de Educação Tecnológica, individualmente, ou em conjunto com outras instituições federais de educação profissional e tecnológica de seu estado; 3.1.2 — a Escola Técnica Federal de Palmas, individualmente, ou em conjunto com a Escola Agrotécnica Federal de Araguatins; 3.1.3 — duas ou mais Escolas Agrotécnicas Federais, situadas em uma mesma Unidade da Federação, mediante apresentação de proposta conjunta; e 3.1.4 — a Escola Técnica vinculada à Universidade Federal do Paraná. 4. DAS CARACTERÍSTICAS DA PROPOSTA

150

4.1 A proposta a ser encaminhada à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica deverá apresentar, como conteúdo mínimo, os seguintes elementos: 4.1.1 — documento que oficialize a adesão da(s) instituição(ões) proponente(s) ao modelo de Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia; 4.1.2 — indicação do município onde se estabelecerá a Reitoria da nova instituição, observando-se que as reitorias serão preferencialmente constituídas em espaços físicos independentes de quaisquer dos campi que integrem o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia; 4.1.3 — a delimitação da base territorial em que atuará o novo ente, compreendidas na dimensão geográfica de um Estado, do Distrito Federal ou de uma ou mais mesorregiões dentro de um mesmo Estado, caracterizadas por identidades históricas, culturais, sociais e econômicas; 4.1.4 — a relação dos campi que passarão a integrar o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, após a sanção de seu ato de criação. 4.2 A proposta de IFET que resultar na integração de instituições, na forma estabelecida pelo subitem 2.2.2, deverá ser aprovada em cada uma das autarquias signatárias da proposta, observando-se que todas as manifestações individuais de adesão ao novo modelo deverão compor um único processo a ser remetido à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. 4.3 As propostas de constituição de IFETs deverão, ainda, ser instruídas com o mapeamento descritivo da situação atual de cada unidade que integra a proposta, excetuando-se apenas as unidades ainda não implantadas, contemplando, no mínimo, informações gerenciais sobre: 4.3.1 — número de professores e de técnicos administrativos do quadro efetivo; 4.3.2 — número de alunos, por nível / modalidade de ensino; 4.3.3 — relação dos cursos regulares atualmente ofertados; 4.3.4 — descrição sumária da infra-estrutura física constituída; 4.3.5 — caracterização socioeconômica e educacional da área de abrangência da unidade; 5. DA APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS 5.1 As propostas deverão ser enviadas ao Ministério da Educação no prazo limite de 90 (noventa) dias a contar da publicação da presente Chamada Pública. 5.2 Será obrigatório o envio à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica de uma cópia da proposta em meio magnético – disquete ou CD-ROM – e de 1 (uma) cópia impressa da proposta, assinada pelos dirigentes das instituições envolvidas. 5.3 As propostas deverão ser impressas em papel A4 podendo ser anexados outros documentos e informações consideradas relevantes para análise do pleito, até um limite total de 50 (cinqüenta) folhas. 5.4 A proposta e seus respectivos anexos poderão ser entregues diretamente no protocolo da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação, no endereço abaixo indicado, ou remetidos pelo correio, mediante registro postal ou equivalente, com comprovante da postagem até a data final

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para apresentação da proposta, estabelecida no item 5.1 desta Chamada Pública, devendo constar no envelope a seguinte identificação: CHAMADA PÚBLICA MEC/SETEC n.º 002/2007 <nome(s) da(s) instituição(ões) proponente(s)> Ministério da Educação Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, sala 127 70.047-900 – Brasília – DF 6. DA SELEÇÃO DE PROPOSTAS 6.1 A seleção das propostas será realizada por equipe técnica designada pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica e se pautará pela análise das seguintes dimensões: 6.1.1 — grau aderência da proposta aos termos do presente instrumento; 6.1.2 — importância estratégica de constituição do IFET proposto para o alcance dos objetivos definidos nos itens 1.2 e 1.3 desta Chamada Pública; 6.1.3 — número de campi que integram a proposta de constituição do IFET; 6.1.4 — potencial de articulação de ações derivadas das políticas de educação, desenvolvimento socioeconômico e ordenamento territorial. 6.2 O resultado da seleção referida o item 6.1 será divulgado até o dia 31 de março de 2008 e pautará a elaboração do Projeto de Lei que tratará da instituição dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. 7. DA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA 7.1 Os recursos para atender os eventuais dispêndios dessa Chamada Pública, por parte do Ministério da Educação, estão consignados no Programa de Trabalho nº 12.363.1062, Ptres 12.363.1062.6380.0001, Programa 1062 – Desenvolvimento da Educação Profissional -, Ação 6380 – Fomento ao Desenvolvimento da Educação Profissional. 8. DAS DISPOSIÇÕES GERAIS 8.1 A qualquer tempo, a presente Chamada Pública poderá ser revogada ou anulada, no todo ou em parte, por motivo de interesse público ou exigência legal, sem que isso implique direito a indenização ou reclamação de qualquer natureza. 8.2 Os casos omissos e as situações não previstas na presente Chamada Pública serão apreciados pelo Ministério da Educação. 9. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS 9.1 Os resultados finais serão divulgados no sítio da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (www.mec.gov.br/setec) e no Diário Oficial da União. 9.2 Esclarecimentos acerca do conteúdo da presente Chamada Pública poderão ser obtidos através do Serviço de Atendimento ao Cidadão/SETEC/MEC – Tel.: (61) 2104.8315 9.3 O foro é o da cidade de Brasília, Distrito Federal, para dirimir questões oriundas

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da execução do presente Edital. Brasília, 12 de dezembro de 2007. ______________________________________ Fernando Haddad Ministro de Estado da Educação ANEXO I QUANTITATIVO MÁXIMO DE IFETs POR UNIDADE DA FEDERAÇÃO UF QUANT. MÁXIMO DE IFETs ACRE 1 ALAGOAS 1 AMAPÁ 1 AMAZONAS 1 BAHIA 2 CEARÁ 1 DISTRITO FEDERAL 1 ESPÍRITO SANTO 1 GOIÁS 2 MARANHÃO 1 MATO GROSSO 1 MATO GROSSO DO SUL 1 MINAS GERAIS 4 PARÁ 1 PARAÍBA 1 PARANÁ 1 PERNAMBUCO 2 PIAUÍ 1 RIO DE JANEIRO 3 RIO GRANDE DO NORTE 1 RIO GRANDE DO SUL 3 RONDÔNIA 1 RORAIMA 1 SANTA CATARINA 2 SÃO PAULO 1 SERGIPE 1 TOCANTINS 1 ANEXO II MINUTA DE PROJETO DE LEI Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e dá outras providências. CAPÍTULO I DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA Art. 1º. Fica instituída, no âmbito do Sistema Federal de Educação, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada ao Ministério da Educação e constituída pelas seguintes instituições: I – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFET; II – Universidades Tecnológicas Federais – UTF; III – Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFET; Parágrafo único. As instituições relacionadas no caput possuem natureza jurídica

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de autarquia, detentoras de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didáticopedagógica e disciplinar. Art. 2º Os IFET são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampus, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos às suas práticas pedagógicas, nos termos desta Lei. § 1º. Para efeito da incidência das disposições que regem a regulação, avaliação e supervisão das instituições e dos cursos da educação superior, os IFET são equiparados às universidades federais. § 2º. Os IFET terão autonomia, nos limites de sua área de atuação territorial, para criar e extinguir cursos, bem como para registrar diplomas dos cursos por ele oferecidos, mediante autorização do seu Conselho Superior. Art. 3º As UTF são universidades especializadas, nos termos do parágrafo único do art. 52 da Lei n.º 9.394, de 1996, regendo-se pelos princípios, finalidades e objetivos constantes da Lei n.º 11.184, de 2005. Art. 4º Os CEFET são instituições de ensino superior pluricurriculares, especializados na oferta de educação tecnológica nos diferentes níveis e modalidades de ensino, caracterizando-se pela atuação prioritária na área tecnológica, na forma estabelecida pelo Decreto n.º 5.224, de 1º de outubro de 2004, e alterações posteriores. CAPÍTULO II DOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA Seção I – Da criação dos IFET Art. 5º Ficam criados os seguintes Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: Exemplos de redações que serão empregadas neste art igo I – IFET do Acre, mediante transformação da Escola Técnica Federal do Acre; II – (....) (....) XII – IFET Agroindustrial de Goiás, mediante integração dos Centros Federais de Educação Tecnológica de Rio Verde-GO, de Urutaí-GO e da Escola Agrotécnica Federal de Ceres-GO; (....) § 1º As localidades onde serão constituídas as reitorias dos novos IFET constam do Anexo I a esta Lei. § 2º A unidade de ensino que integrava a estrutura organizacional de instituição transformada ou integrada em IFET passa de forma automática, independentemente de qualquer formalidade, à condição de campus da nova instituição. Seção II – Das finalidades e características dos IFET Art. 6º Os IFET têm por finalidades e características: I – ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e

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modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas à atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional; II – desenvolver a educação profissional e tecnológica, como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais; III – promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infra-estrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão; IV – orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do IFET; V – constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica; VI – qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino; VII – desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e tecnológica; VIII – realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico; IX – promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sociais, notadamente as voltadas à preservação do meio ambiente. Seção III – Dos objetivos dos IFET Art. 7º Observadas as finalidades e características definidas no art. 6º, são objetivos dos IFET: I – ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e adultos; II – ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, objetivando a capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização de profissionais, em todos os níveis de escolaridade, nas áreas da educação profissional e tecnológica; III – realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade; IV – desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios e finalidades da educação profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do trabalho e os segmentos sociais e com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos; V – estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e renda, e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional; VI – ministrar em nível de educação superior:

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a) cursos superiores de tecnologia visando à formação de profissionais para os diferentes setores da economia; b) cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com vistas à formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática, e para a educação profissional; c) cursos de bacharelado e engenharia, visando à formação de profissionais para os diferentes setores da economia e áreas do conhecimento; d) cursos de pós-graduação lato sensu de aperfeiçoamento e especialização, visando à formação de especialistas nas diferentes áreas do conhecimento; e) cursos de pós-graduação stricto sensu de mestrado e doutorado, que contribuam para promover o estabelecimento de bases sólidas em educação, ciência e tecnologia, com vista ao processo de geração e inovação tecnológica. Art. 8º No desenvolvimento da sua ação acadêmica, o IFET, em cada exercício, deverá garantir o mínimo de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas para atender aos objetivos definidos no inciso I do art. 7º, e o mínimo de 20% (vinte por cento) de suas vagas para atender ao previsto na alínea b do inciso VI do citado art. 7º. § 1º O cumprimento dos percentuais referidos no caput deverá observar o conceito de aluno-equivalente, conforme regulamentação a ser expedida pelo Ministério da Educação. § 2º Nas regiões em que as demandas sociais pela formação em nível superior o justificarem, o colegiado superior do IFET poderá, com anuência do Ministério da Educação, autorizar o ajuste da oferta desse nível de ensino, sem prejuízo do índice definido no caput deste artigo, para atender aos objetivos definidos no inciso I do art. 7º. Seção IV – Da estrutura organizacional dos IFET Art. 9º Cada IFET é organizado em estrutura multicampi, com proposta orçamentária anual identificada para cada campus e a reitoria, exceto no que diz respeito a pessoal, encargos sociais e benefícios aos servidores. Art. 10. A administração dos IFET terá como órgãos superiores, o Colégio de Dirigentes e o Conselho Superior. § 1º As presidências do Colégio de Dirigentes e do Conselho Superior serão exercidas pelo Reitor do IFET. § 2º O Colégio de Dirigentes, de caráter consultivo, será composto pelo Reitor, pelos Pró-Reitores e pelos Vice-Reitores de cada campus que integra o IFET. § 3º O Conselho Superior, de caráter consultivo e deliberativo, será composto por representantes dos docentes, dos estudantes, dos técnicos-administrativos, dos egressos da instituição, da sociedade civil, do Ministério da Educação e do Colégio de Dirigentes do IFET. § 4º O estatuto do IFET disporá sobre a estruturação, as competências e as normas de funcionamento do Colégio de Dirigentes e do Conselho Superior. Art. 11. Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia terão como órgão executivo a Reitoria, composta de um Reitor e cinco Pró-Reitores. Parágrafo Único. A Reitoria, como órgão de administração central, poderá ser instalada em espaço físico distinto de qualquer dos campi que integram o IFET, desde que previsto em seu estatuto.

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Art. 12. Os Reitores serão nomeados pelo Presidente da República, para mandato de quatro anos, permitida uma recondução, após processo de consulta à comunidade escolar, observando-se os pesos de dois terços para a manifestação dos servidores e de um terço para a manifestação do corpo discente. § 1º Poderão candidatar-se ao cargo de Reitor os docentes pertencentes ao Quadro de Pessoal Ativo Permanente de qualquer dos campi que integram o IFET, desde que possuam o mínimo de cinco anos de efetivo exercício na instituição e que atendam a, pelo menos, um dos seguintes requisitos: I – possuir o título de doutor; II – estar posicionado na última classe da respectiva Carreira Docente. § 2º O mandato de Reitor extingue-se pelo decurso do prazo, ou, antes desse prazo, pela aposentadoria, voluntária ou compulsória, pela renúncia e pela destituição ou vacância do cargo. § 3º Os Pró-Reitores são nomeados pelo Reitor do IFET, nos termos da legislação aplicável à nomeação de cargos de direção. Art. 13. Os campi serão dirigidos por Vice-Reitores, nomeados pelo Reitor para mandato de quatro anos, permitida uma recondução, após processo de consulta à comunidade do respectivo campus, nos termos estabelecidos pelo estatuto da instituição. § 1º Poderão candidatar-se ao cargo de Vice-Reitor de campus os servidores ocupantes de cargo efetivo da carreira docente ou de cargo efetivo de nível superior da carreira dos Técnicos-Administrativos em Educação, desde que possuam o mínimo de cinco anos de efetivo exercício no campus e que se enquadrem em pelo menos uma das seguintes situações: I – preencher os requisitos exigidos para a candidatura ao cargo de Reitor do IFET; II – possuir o mínimo de dois anos de exercício em cargo ou função de gestão na instituição; III – ter concluído, com aproveitamento, curso de formação para o exercício de cargo ou função de gestão em instituições da Administração Pública. § 2º O Ministério da Educação expedirá normas complementares dispondo sobre o reconhecimento, a validação e a oferta regular dos cursos de que trata o inciso III do § 1º. CAPÍTULO II DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS Art. 14. O Diretor-Geral de instituição transformada ou integrada em IFET, designado para a função de Reitor da nova instituição, a exercerá até o final de seu mandato em curso e em caráter pro tempore, com a incumbência de promover, no prazo máximo de cento e oitenta dias, a elaboração e encaminhamento ao Ministério da Educação da proposta de estatuto e de Plano de Desenvolvimento Institucional - PDI do

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IFET. § 1º. Os diretores-gerais das instituições transformadas em campus de IFET exercerão, até o final de seu mandato e em caráter pro tempore, a função de Vice-Reitor do respectivo campus. § 2º Nos campi em processo de implantação, os cargos de Vice-Reitor serão providos em caráter pro tempore, por designação do Reitor do IFET, até que seja possível identificar candidatos que atendam aos requisitos previstos no § 1º do art. 13. Art. 15. A criação de novas instituições federais de educação profissional e tecnológica, bem como a expansão das instituições já existentes, levará em conta preferencialmente o modelo de IFET, observando ainda os parâmetros e as normas definidas pelo Ministério da Educação. Art. 16. Ficam criados, no âmbito do Ministério da Educação, os cargos de direção e funções gratificadas constantes do Anexo II a esta Lei, destinados à implantação dos IFET de que trata o art. 5º. Art. 17. As atuais Escolas Agrotécnicas Federais não inseridas no reordenamento de que trata o art. 5º desta Lei permanecem como entidades autárquicas vinculadas ao Ministério da Educação, atuando prioritariamente na oferta de educação profissional técnica de nível médio e na formação inicial e continuada de trabalhadores. Art. 18. O provimento dos cargos e funções criados por esta Lei fica condicionado à comprovação da existência de prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes, assim como à existência de autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme determina o parágrafo 1º do artigo 169 da Constituição Federal. Art. 19. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

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ANEXO 09

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ANEXO 11

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