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1 Ezer Wellington Gomes Lima PROPED-UERJ Adelson Dias de Oliveira PROPED-UERJ FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ESTRATÉGIAS E PRÁTICAS METODOLÓGICAS PARA O ENSINO DE SURDOS RESUMO A pesquisa enfoca a formação dos alunos do curso de Pedagogia para o ensino de surdos, tendo como objetivo principal, a reflexão sobre a importância da disciplina de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS na formação docente. Igualmente, visa apresentar sua colaboração parapensar estratégias metodológicas direcionadas ao indivíduo surdo inserido no âmbito escolar inclusivo. Vale ressaltar que, por muito tempo, tem-se feito tentativas educacionais fracassadas para que surdos alcancem o mesmo desempenho que ouvintes da mesma faixa etária ou do mesmo grau escolar, seja na escola, na sociedade ou profissionalmente. Atualmente, a proposta defendida no Brasil, no que diz respeito à educação inclusiva dos surdos, é o bilinguismo, que, por definição, se trata do uso de duas línguas distintas no contexto escolar: Libras como L1 e Língua Portuguesa como L2. Quanto aos procedimentos metodológicos, foram ouvidos alunos do 4º ano de Pedagogia de uma determinada universidade pública (2012), os quais responderam a um questionário aberto com perguntas referentes à disciplina de Libras, relacionadas diretamente à formação docente junto ao processo de ensino e aprendizagem da língua de sinais, às dificuldades e/ou facilidades encontradas no decorrer da disciplina, assim como a sugestões para um melhor aprendizado desta língua. Por meio das declarações obtidas, foi possível refletir acerca da importância do aprendizado da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS na graduação e o quanto a comunicação gestual auxilia, de forma direta, os profissionais da educação para um trabalho com surdos, a fim de melhores resultadosescolares. PALAVRAS-CHAVE: Libras. Ensino Superior. Formação de professores.

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Ezer Wellington Gomes Lima

PROPED-UERJ

Adelson Dias de Oliveira

PROPED-UERJ

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ESTRATÉGIAS E PRÁTICAS METODOLÓGICAS

PARA O ENSINO DE SURDOS

RESUMO

A pesquisa enfoca a formação dos alunos do curso de Pedagogia para o ensino de surdos, tendo como

objetivo principal, a reflexão sobre a importância da disciplina de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS

na formação docente. Igualmente, visa apresentar sua colaboração parapensar estratégias

metodológicas direcionadas ao indivíduo surdo inserido no âmbito escolar inclusivo. Vale ressaltar

que, por muito tempo, tem-se feito tentativas educacionais fracassadas para que surdos alcancem o

mesmo desempenho que ouvintes da mesma faixa etária ou do mesmo grau escolar, seja na escola,

na sociedade ou profissionalmente. Atualmente, a proposta defendida no Brasil, no que diz respeito à

educação inclusiva dos surdos, é o bilinguismo, que, por definição, se trata do uso de duas línguas

distintas no contexto escolar: Libras como L1 e Língua Portuguesa como L2. Quanto aos

procedimentos metodológicos, foram ouvidos alunos do 4º ano de Pedagogia de uma determinada

universidade pública (2012), os quais responderam a um questionário aberto com perguntas

referentes à disciplina de Libras, relacionadas diretamente à formação docente junto ao processo de

ensino e aprendizagem da língua de sinais, às dificuldades e/ou facilidades encontradas no decorrer

da disciplina, assim como a sugestões para um melhor aprendizado desta língua. Por meio das

declarações obtidas, foi possível refletir acerca da importância do aprendizado da Língua Brasileira de

Sinais – LIBRAS na graduação e o quanto a comunicação gestual auxilia, de forma direta, os

profissionais da educação para um trabalho com surdos, a fim de melhores resultadosescolares.

PALAVRAS-CHAVE: Libras. Ensino Superior. Formação de professores.

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INTRODUÇÃO

De acordo com a Lei Federal nº 10.436/02, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)

é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão. Isso determina que sejam

garantidas formas institucionalizadas para apoiar seu uso e difusão.

Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a

Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a

ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira

de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o

sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura

gramatical própria, constitui um sistema lingüístico de transmissão de

idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil

(BRASIL, DECRETO FEDERAL nº 10.436, de 24 de abril de 2002).

A Língua de Sinais não se trata de simples gestos que os surdos utilizam para

facilitar sua comunicação, trata-se de uma língua composta por um sistema linguístico

próprio, de forma que seus usuários sejam capazes de expressar e compreender

conceitos simples e abstratos. Caracteriza-se, pois, a como língua natural dos surdos.

Sá (2002, p. 47) considera que os estudos voltados aos surdos e sua forma de

comunicação refletem “um movimento que visa reconstituir a experiência da surdez

como um traço cultural, tendo a língua de sinais como elemento significante para esta

definição”. Tais conceitos são reforçados pelo Decreto n° 5.626/2005, no qual a

disciplina de Libras passa a ser obrigatória nos cursos de licenciatura e outros.

Ademais, as instituições de educação superior devem incluir a Libras como objeto de

pesquisa e extensão o que favorece a utilização e transmissão desta língua,

compactuando assim com um projeto de inclusão escolar e social.

Art. 3º A Libras deve ser inserida como disciplina curricular

obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício

do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de

Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do

sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1º Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do

conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal

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superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são

considerados cursos de formação de professores e profissionais da

educação para o exercício do magistério.

§ 2º A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos

demais cursos de educação superior e na educação profissional, a

partir de um ano da publicação deste Decreto. [...]

Art. 9º Parágrafo único. O processo de inclusão da Libras como

disciplina curricular deve iniciar-se nos cursos de Educação Especial,

Fonoaudiologia, Pedagogia e Letras, ampliando-se progressivamente

para as demais licenciaturas.

Tendo em vista que o uso da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) na educação

de crianças surdas tem sido amplamente ressaltado em estudos, justifica-se a

realização desta pesquisa, a qual objetiva refletir sobre a importância da disciplina de

Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS na formação do docente que lida diretamente com

esses educandos. Obeserva-se que, por muito tempo, tem-se feito tentativas

educacionais fracassadas para que surdos alcancem o mesmo desempenho que

ouvintes da mesma faixa etária ou do mesmo grau escolar, seja na escola, na

sociedade ou profissionalmente. Atualmente, a proposta defendida no Brasil, no que

diz respeito à educação inclusiva dos surdos, é o bilinguismo, que, paraQuadros

(2004),se trata do uso de duas línguas distintas no contexto escolar: Libras como L1 e

Língua Portuguesa como L2. Pode-se dizer, portanto, que as qualidades de

atendimento ao surdo estão muito aquém do que propõe a inclusão nos dias atuais.

Isso se revela na escassez de profissionais da educação habilitados para acolher o

surdo no ambiente inclusivo e, também, pela grande deficiência das equipes escolares

em relação ao conhecimento da Língua Brasileira de Sinais.

Sendo assim, percebe-se a importância de o professor conhecer aspectos

relacionados à cultura surda, bem como o estabelecimento de comunicação. Nesse

sentido, a escola pode ser o cenário das diferenças e uma aliada na formação dos

docentes, situando-os quanto aos aspectos relacionados à heterogeneidade em sala de

aula.

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OBJETIVOS

1. Analisar os percursos formativos para o contexto da surdez nos espaços

escolares, com vistas à importância da disciplina de Língua Brasileira de Sinais

(LIBRAS), na formação docente.

2. Analisar aspectos da formação inicial e continuada, correspondente às

expectativas dos professores atuantes no ensino regular, inseridos nesse

universo de diversidade escolar.

3. Verificar aspectos da prática pedagógica a partir do medo, da insegurança, do

preconceito e da resistência diante da diversidade;

METODOLOGIA

Com a intenção de investigar a formação dos acadêmicos matriculados na

disciplina de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) do curso de Pedagogia da

Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de

Rondonópolis,buscando saber o que pensam a respeito da disciplina para seu

aprendizado e prática futura, foi utilizada a pesquisa qualitativa. Para Gil (2002), esse

tipo de investigação é definido como procedimento racional e sistemático que tem

como objetivo proporcionar respostas aos problemas propostos. Sendo assim, serve

tanto para o indivíduo que realiza a pesquisa, como para a sociedade na qual é

concebida.

Segundo Ludke e André (1986), na pesquisa qualitativa as informações

coletadas são predominantemente descritivas, incluindo as transcrições de entrevistas

e depoimentos, fotografias, desenhos e relatórios de diversos tipos de documentos.

Enfim, para os autores, todos os dados da realidade são importantes.

Tomando por base a pesquisa qualitativa e suas características, a partir de

observações e discussões com os alunos investigados, fez-se necessário elaborar um

questionário, o qual foi aplicado aos 32 graduandos, com a finalidade de compreender

os aspectos emergentes relacionados ao aprendizado da Língua Brasileira de Sinais

(LIBRAS), ainda durante seu processo formativo.

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Dos 32 questionários distribuídos 29 foram respondidos. Nesse procedimento

de obtenção de dados junto aos alunos foram levantadas algumas questões referentes

ao conhecimento acerca da LIBRAS, incluindo carga horária disponibilizada para a

disciplina, dificuldades para o aprendizado na graduação,além de sugestões que

pudessem auxiliar o processo de compreensão da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)

no período de graduação.

Assim, após a leitura de todo material coletado, a análise dos dados foi

realizada a partir dos pressupostos da análise de conteúdo com criação de categorias

temáticas. Em uma pesquisa qualitativa, segundo Bardin (2011, p. 15):

[...] a análise de conteúdo oscila entre os dois polos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade. Absolve e cauciona o investigador por esta atração pelo escondido, o latente, o não aparente, o potencial de inédito (do não dito), retido por qualquer mensagem. Analisar mensagens por esta dupla leitura onde uma segunda leitura se substitui à leitura “normal” do leigo, é ser agente duplo, detetive, espião... Assim, a “análise de conteúdo fornece informações suplementares ao leitor crítico de uma mensagem” (BARDIN, 2011, p. 165).

De acordo com Pletsch (2005, p.64) “a análise de conteúdo contribui para uma

análise qualitativa mais apurada”. Segundo a autora essa técnica de investigação

“tenta proporcionar aos pesquisadores um meio para compreender as relações sociais

em determinado tempo e espaço”. Desta forma, utilizou-se a análise de conteúdo com

o objetivo de realizar um tratamento profundo sobre os dados coletados, a partir das

informações de composição do cenário da pesquisa.

DISCUSSÃO TEÓRICA

A formação do professor para processo de inclusão

A inclusão não diz respeito a colocar as crianças com deficiência nas escolas

regulares, mas a mudar as escolas para torná-las mais responsivas às necessidades de

todos. Diz respeito a ajudar todos os professores a aceitarem a responsabilidade

quanto à aprendizagem de todas as crianças que estão atual e correntemente

excluídas das escolas por qualquer razão. Isto se refere a todas as crianças que não

estão se beneficiando com a escolarização, não apenas àquelas que são rotuladas

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como portadoras de “necessidades educacionais especiais” (MITTLER, 2003 apud

SILVA, 2009, p.16).

Sobre a prática docente, Tardif (2008, p. 37) nos diz que:

[...] não é apenas um objeto de saber das ciências da educação, ela é também uma atividade que mobiliza diversos saberes que podem ser chamados de pedagógicos. Os saberes pedagógicos apresentam-se como doutrinas ou concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo do termo, reflexões racionais e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de representação e de orientação da atividade educativa.

No entanto, é importante questionar por onde se devem começar as

mudanças, para que essas práticas possam ser reformuladas de modo que atendam às

diversidades e às necessidades educacionais. Destarte, devem iniciar basicamente no

ponto de vista pedagógico dos educadores, também nas suas atitudes para com os

alunos com dificuldades e/ou necessidades especiais, sejam elas físicas ou intelectuais.

Decerto, a perspectiva particular do educador informará toda a sua constituição e

prática de esquemas e rotinas.

Sugere-se, então, que o educador tenha um novo olhar para com sua prática

pedagógica e que, em seguida, busque uma readequação de sua metodologia para

atender de uma melhor forma os alunos que apresentam dificuldades no aprendizado.

Logo, pode-se dizer que a construção do conhecimento não envolve apenas em

repassar o conteúdo; a educação e a sociedade precisam de sujeitos preparados para

ensinar, mas, que, antes de tudo, estejam dispostos a aprender. Precisa-se de sujeitos

que falem, mas que também saibam escutar. O educador necessita enxergar o outro e

também a si mesmo, pois, somente assim haverá interação entre aluno / professor e a

construção do saber.

Sobre as múltiplas maneiras de olhar e ser olhado diante da diferença,

Bianchetti (2002, p.5) aborda o seguinte:

Na relação com os outros, detecto alguns estágios ou graus de proximidade/trocas: a) desconhecimento (o outro não existe); b) indiferença (existe, mas não me diz nada); c) (in)tolerância (está presente – física ou efetivamente – e me mobiliza); d) anti/sim-patia (está presente – física ou afetivamente – e me mobiliza); e) empatia (muda o foco: o decisivo é a forma como eu olho!)

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O ato de ensinar requer aprendizagem constante. É aí que se insere a formação

de professores, porém, como apresenta Silva (2009), os profissionais da educação que

têm capacidades disciplinares e didáticas precárias sofrem no dia a dia a perda de

controle de sua classe e arriscam desenvolver táticas mais eficazes, aprendendo com

experiências, o que representa um desperdício, na sua visão. Por um lado, esses

docentes descobrem, por meio de tentativa e do erro, conhecimentos elementares

que poderiam ter adquirido em sua formação profissional. Por exemplo, deveriam

saber que as crianças não são adultas, que todas são diferentes, que precisam de

confiança e que constroem por si mesmas seus saberes. Por outro lado, para

sobreviverem no mundo da educação desenvolvem práticas ofensivas que, embora

não propiciem aprendizado, ao menos lhes permitem manter o controle da situação.

Por isso, alguns evitam, durante muito tempo, aplicar métodos ativos e dialogar com

outros profissionais (PERRENOUD, 2002, apud SILVA, 2009, p. 20-21).

Ferreira e Guimarães (2003,apud SILVA 2009, p. 22) afirmam que a

humanidade:

Caminha-se, assim, em direção à era das relações, o que envolve a unicidade com o real, a integração do homem com a natureza, a crença na existência de pontos distintos e a prevalência de formas mais elevadas de cooperação entre os seres. É a era da autoconsciência, do respeito ao espírito humano, às diferenças e a diversidade cultural.

Essa nova era vem para traduzir novos ambientes de aprendizagem, por meio

dos mais variados recursos tecnológicos, de modo que atenda as diversas formas de

aprendizagem humana, apoiando o estreitamento às diferenças e ampliando as

oportunidades daqueles que antes eram vistos como “improdutivos”. Quando se fala

em educação inclusiva, essa deve ser a principal preocupação: “preparar o aluno para

novos conhecimentos e novas tecnologias, além de se preocupar com a sua

capacidade de aprender” (FERREIRA e GUIMARÃES, 2003 apud SILVA, 2009, p. 23).

Em alguns casos, a prática pedagógica é interpelada por discursos produzidos e

produtores de significados. Muito mais do que saber quem é o sujeitopedagógico,

torna-se imprescindível discutir qual a correlação de forças que o constrói. Do mesmo

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modo, as representações gerais acerca da escolarização de crianças surdas perpassam

a relação ensino e aprendizagem, atualmente disponível nos espaços escolares que

recebem crianças surdas (SÁ, 2002). No entanto, tal escolarização apresenta algumas

lacunas relacionadas, sobretudo, à progressão escolar dessas crianças, pois a maioria

das instituições que trabalham com surdos no Brasil está, ainda, intrinsecamente

imbricada a uma prática de ensino que, mesmo sem que se perceba, exclui.

RESULTADOS

O olhar dos alunos

Primeiramente, buscou-se identificar os alunos que conheciam e os que

desconheciam a disciplina de Libras antes de iniciarem o curso de Pedagogia. Assim,

constatou-se que dos 29 entrevistados 12 desconheciam totalmente a língua de sinais,

enquanto 17 a conheciam superficialmente. Porém, ambos os grupos afirmaram

compreender que a Libras é a língua materna dos surdos, meio eficaz para se

estabelecer comunicação/expressão.

A língua de sinais está regimentada por regras gramaticais próprias, aplicadas

nas práticas cotidianas, similares a quaisquer línguas orais, atuando como ferramenta

de poder e permitindo ao surdo maior mobilidade e fluidez nas formações discursivas,

além de fornecer subsídios que o ajudam na constituição de suas identidades frente às

imposições (culturais e outras) do ouvinte (QUADROS, 2006).

Sobre a formação docente, sobretudo os aspectos da inclusão, percebe-se que

grande parte dos alunos entrevistados reconhece essa importância, assim como a

necessidade de capacitação para as diversas realidades que a sala de aula apresenta.

Estes, com o aprendizado da disciplina (LIBRAS), se sentirão mais seguros e preparados

em receber um aluno com surdez em sala, pois, “como professores devemos estar

preparados para atender a diversidade que a escola possui” (A. P. L., Acadêmica de

Pedagogia, 2012).

A partir dessas observações, entende-se que o saber docente é um saber plural,

formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação

profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais (TARDIF, 2008).

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Por meio das mais variadas resposta dos alunos ao questionário aplicado,foi possível

verificar ideias que contribuem para a formação. A exemplo, “Lidar com a criança

surda é tão desafiador quanto com a criança dita ‘normal’, pois para ensiná-las eu

preciso estabelecer um diálogo claro e que oportunize o ensino para ambos,

superando os desafios que surgirem” (A. R. Acadêmica de Pedagogia 2012). De fato, a

escola, sobretudo o professor, precisa dar conta das diferenças que por lá transitam,

para, pelo menos, procurar compreendê-las. Deve reconhecer e identificar, por meio

da cultura, diferentes identidades, histórias, subjetividades, línguas, valorizando e

potencializando as variadas formas de viver e de se relacionar.

Indubitavelmente, professor, é antes de tudo, “alguém que sabe alguma coisa e

cuja função consiste em transmitir esse saber a outros” (TARDIF, 2008, p.31), é aquele

que apresenta um desempenho significativo em sala, não somente com alunos com

deficiência, mas de uma maneira geral. Desse modo “[...] a formação docente também

não pode ser entendida como resultante apenas da conclusão de um curso de

licenciatura. Esta é apenas a formação inicial, pois, posteriormente, inicia-se um

movimento ininterrupto de formação continuada” (SILVA, 2010, p.11).

Refletindo sobre isso a autora ressalta que:

[...] o movimento de formação docente, quer inicial, quer continuada, precisa assumir a responsabilidade de formar profissionais com condições teóricas e práticas condizentes com as demandas de escolarização de todos (...) deve-se buscar construir uma perspectiva de trabalho docente que seja capaz de considerar e valorizar as diferenças (SILVA, 2010, p.12).

Em relação à ementa da disciplina de Libras na Universidade em questão,

constatou-se que na atual grade curricular é disponibilizada apenas 64 horas/aulas

para tal. Todavia, a turma, de forma unânime, considera a carga horária insuficiente

para o aprendizado, considerando o ensino superficial, já que há muita coisa a ser

apreendida/discutida. Conforme relato de um dos discentes: “A carga horária deveria

ser no mínimo de 120 horas e de preferência no início do curso antes que fossemos ao

estágio, pois me deparo com alunos surdos e fico insegura, naquele momento eu me

senti o próprio deficiente, pois não consegui estabelecer comunicação” (G. A. A. O.

Acadêmica de Pedagogia 2012).

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Sobre o aprendizado da Língua Brasileira de Sinais, nota-se que, enquanto

alguns acadêmicos consideram seu aprendizado fácil e prazeroso, outros, sentem

grandes dificuldades, revelando: pouca ou nenhuma coordenação motora; expressão

facial/corporal insuficiente (timidez); dificuldade em memorizar os sinais; configuração

de mãos confusa; falta de conhecimento prévio acerca do assunto; e distanciamento

do indivíduo/comunidade surda. Para um dos entrevistados: “Essa disciplina é muito

complicada para mim, porque nunca tive nenhuma experiênciacom essa língua,

portanto, a carga horária, em minha opinião, deveria ser estendida nos quatro anos de

curso para podermos ter uma orientação mais adequada. É uma língua complexa, me

sinto, literalmente, em processo de alfabetização” (M. R. F. Acadêmica de Pedagogia

2012).

Há ainda aqueles que relatam terem algumas dificuldades para aprendizado da

disciplina, mas “As dificuldades que tenho são momentâneas, somente quando o

professor apresenta sinais novos, novos contextos e/ou sinaliza muito rápido, mas em

seguida quando ele repete, eu já consigo aprender e captar a ideia. Tenho facilidade e

gosto muito de aprender Libras” (G. A. A. O. Acadêmica de Pedagogia 2012).

Como se pode ver:

A língua possibilita novas orientações e novas possibilidades de

aprendizado e ação, dominando e transformando as experiências

pré-verbais. [...] A linguagem não é apenas uma função entre muitas

[...] mas uma característica muito difusa do indivíduo, a tal ponto que

ele se torna um organismo verbal (cujas experiências, ações e

concepções agora alteram-se segundo uma experiência verbalizada

ou simbólica (SACKS,2009, p.45).

Geraldi (1996) afirma que a constituição do sujeito se dá na interação com o

outro e que seu conhecimento de mundo é consequência e resultado desse processo.

Nas palavras de um dos discentes investigado: “[...] o contato com o sujeito surdo nos

coloca frente à realidade, é podendo manter esse contato que os medos de conhecer e

usar a língua de sinais serão minimizados” (A. P. L. Acadêmica de Pedagogia 2012).

De fato, para que o aprendizado seja significativo é importante que se tenha

contato com o real, pois isso acrescenta prática, que vai além da teoria. A principal

barreira a ser vencida nessa dimensão é a visão de nossa sociedade excludente, que

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não aceita as diferenças, considerando anormal todo aquele que não se encaixa nos

padrões estabelecidos.

Partindo dessa preocupação, para melhor compreensão das representações da surdez

e do contexto histórico e escolar, reconhecendo a importância dessa parceria e

aprendizado de uma nova língua, “seria muito importante que houvesse o aumento da

carga horária de Libras na grade curricular do curso, pois somos futuros educadores e

somos nós que teremos esse primeiro contato com o aluno surdo” (J. T. Acadêmica de

Pedagogia 2012).

Nessa perspectiva, os estudos de Sassaki (1997), Aranha (2000), Brasil (2002) e

Mantoan (2003) mostram mudanças na escola em decorrência do emprego de novos

paradigmas. Transformações têm ocorrido sobre as concepções de sujeitos surdos, de

surdez, da língua dessa comunidade, de políticas educacionais e da análise das

relações de poderes e saberes entre os surdos e os ouvintes. Sendo assim, o agente

multiplicador e aplicador desses recursos, o professor especializado ouvinte, deve ser

antes de tudo “alguém que sabe alguma coisa e cuja função consiste em transmitir

esse saber a outros” (TARDIF, 2008, p. 31).

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SILVA, WenderFaleiro da; SOUZA, Vilma Aparecida; SILVA, Lázara Cristina da. Perfil dos professores que participam do curso de extensão “Professores e surdez: cruzando caminhos, produzindo novos olhares”. In: SILVA, Lázara Cristina da; DECHICHI, Cláudia; MOURÃO, Marisa Pinheiro (orgs.). Políticas e práticas de formação continuada de professores para Educação especial: alguns olhares sobre o curso de extensão “Professor e surdez: cruzando caminhos, produzindo novos olhares”. Uberlândia: EDUFU, 2010. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 9.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 9 – 70.