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FIOS DA MEMÓRIA NA BUSCA DE RASTROS DE UMA IDENTIDADE: UM ESTUDO DE CASO DOS DESCENDENTES DE ITALIANOS/VÊNETOS EM COLOMBO/PR FÁBIO LUIZ MACHIOSKI MARA FRANCIELI MOTIN INTRODUÇÃO A busca pela relação entre história e memória pode revelar ações de sujeitos que reverberam em uma identidade. Isso porque, mesmo tendo a consciência de que as memórias são seletivas, e justamente por possuírem esta particularidade das escolhas sejam elas conscientes ou não , cremos que por meio delas podemos perceber os traços marcantes de uma determinada sociedade. A partir desta reflexão, o presente trabalho tem como objeto de estudo as memórias de descendentes de imigrantes italianos/vênetos das antigas colônias do município de Colombo. Estas foram registradas por meio de relatos orais feitos em Talian, língua de herança dos entrevistados, coletados no ano de 2019, a partir de experiências e ações envolvendo as Associações Italiana e Vêneta 1 da cidade, em parceria com o Centro de Estudos Vênetos do Paraná (CEVEP) 2 . Por meio dessa interação já foram realizadas 32 entrevistas para o projeto, na cidade de Colombo. Para este trabalho, optou-se pelo recorte dos participantes com mais de 80 anos, resultando em 9 entrevistas, sendo 5 mulheres e 4 homens. Para a organização e citação ao longo do texto, optamos por mencionar estes sujeitos pelo seu sobrenome, sendo eles: Cavassin (88 anos), Falcade-Wanke (88 anos), Gasparin-Busato (93 anos), Gasparin-Mottin (96 anos), Mestre em História pelo PPGHIS da Universidade Federal do Paraná junto à linha de pesquisa Intersubjetividade e pluralidade: reflexão e sentimento na História. Gestor do Museu Municipal Cristoforo Colombo. Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Licenciada em Matemática pela mesma instituição. Atualmente é doutoranda em Educação pela UFPR e professora do programa HNB (Habilidades de Núcleo Básico) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. 1 O município de Colombo conta com essas associações que procuram promover a cultura italiana e vêneta desde o ano de 2000 e 2009, respectivamente. 2 O grupo de pesquisa CEVEP, cadastrado no CNPq desde maio de 2018, http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/345590, é composto por integrantes das comunidades italianas de Campo Largo/PR, Colombo/PR e Santa Felicidade/PR, abarcando com seus pesquisadores áreas da linguística, arquitetura e patrimônio cultural, história, história da educação e design. Um dos principais objetivos do grupo é valorizar e resgatar o Talian de Curitiba e Região, tendo como iniciativas entrevistas com falantes de Talian, produção de material didático, glossário e livreto de palavras significativas.

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FIOS DA MEMÓRIA NA BUSCA DE RASTROS DE UMA IDENTIDADE:

UM ESTUDO DE CASO DOS DESCENDENTES DE ITALIANOS/VÊNETOS

EM COLOMBO/PR

FÁBIO LUIZ MACHIOSKI

MARA FRANCIELI MOTIN

INTRODUÇÃO

A busca pela relação entre história e memória pode revelar ações de sujeitos que

reverberam em uma identidade. Isso porque, mesmo tendo a consciência de que as memórias

são seletivas, e justamente por possuírem esta particularidade das escolhas – sejam elas

conscientes ou não –, cremos que por meio delas podemos perceber os traços marcantes de uma

determinada sociedade.

A partir desta reflexão, o presente trabalho tem como objeto de estudo as memórias de

descendentes de imigrantes italianos/vênetos das antigas colônias do município de Colombo.

Estas foram registradas por meio de relatos orais feitos em Talian, língua de herança dos

entrevistados, coletados no ano de 2019, a partir de experiências e ações envolvendo as

Associações Italiana e Vêneta1 da cidade, em parceria com o Centro de Estudos Vênetos do

Paraná (CEVEP)2.

Por meio dessa interação já foram realizadas 32 entrevistas para o projeto, na cidade de

Colombo. Para este trabalho, optou-se pelo recorte dos participantes com mais de 80 anos,

resultando em 9 entrevistas, sendo 5 mulheres e 4 homens. Para a organização e citação ao

longo do texto, optamos por mencionar estes sujeitos pelo seu sobrenome, sendo eles: Cavassin

(88 anos), Falcade-Wanke (88 anos), Gasparin-Busato (93 anos), Gasparin-Mottin (96 anos),

Mestre em História pelo PPGHIS da Universidade Federal do Paraná junto à linha de pesquisa Intersubjetividade e pluralidade: reflexão e sentimento na História. Gestor do Museu Municipal Cristoforo Colombo. Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Licenciada em Matemática pela mesma

instituição. Atualmente é doutoranda em Educação pela UFPR e professora do programa HNB (Habilidades de Núcleo Básico) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. 1 O município de Colombo conta com essas associações que procuram promover a cultura italiana e vêneta desde

o ano de 2000 e 2009, respectivamente. 2 O grupo de pesquisa CEVEP, cadastrado no CNPq desde maio de 2018,

http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/345590, é composto por integrantes das comunidades italianas de Campo

Largo/PR, Colombo/PR e Santa Felicidade/PR, abarcando com seus pesquisadores áreas da linguística, arquitetura

e patrimônio cultural, história, história da educação e design. Um dos principais objetivos do grupo é valorizar e

resgatar o Talian de Curitiba e Região, tendo como iniciativas entrevistas com falantes de Talian, produção de

material didático, glossário e livreto de palavras significativas.

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Guarise (90 anos), Maschio (84 anos), Mocelin-Pavin (93 anos), Perin (90 anos) e Toniolo-

Guarise (84 anos).3

Com estes depoimentos, almejamos refletir e identificar nas memórias e nos costumes

relatados, práticas discursivas que podem ser consideradas signos de uma identidade local.

Metodologicamente o roteiro das entrevistas foi organizado com base na sociolinguística, mas

também levando em consideração a memória no âmbito da pesquisa histórica. Para esta

proposta, a análise se apoia sobretudo nas discussões de etnicidade apresentadas por Poutignat

e Streiff-Fenart (1998) e identidade pela diferenciação elaborada por Tomaz Silva (2014).

A ETNICIDADE E A IDENTIDADE PELA DIFERENCIAÇÃO

Pautados na investigação em torno da discussão acerca da construção da etnicidade no

intuito de analisar as memórias de um grupo de descendentes de imigrantes italianos,

consideramos que a identidade étnica é produzida por meio de um processo de diferenciação.

Poutignat e Streiff- Fenart (1998), que foram fortemente influenciados pelo pensamento do

antropólogo social Fredrik Barth, afirmam que “a etnicidade não se manifesta nas condições de

isolamento, é ao contrário, a intensificação das interações características do mundo moderno e

do universo urbano que torna saliente as identidades étnicas [...]” (POUTIGNAT e STREIFF-

FENART, 1998, p. 124).

Nesta perspectiva, é na comunicação interétnica que se produz marcas e fronteiras pelas

quais os membros das sociedades se identificam como um grupo social ao mesmo tempo que

se diferenciam de outros. É possível ressaltar estas marcas na reflexão feita por Silva:

A afirmação “sou brasileiro”, na verdade, é parte de uma extensa cadeia de

“negações”, de expressões negativas de identidade, de diferenças. Por trás da

afirmação “sou brasileiro” deve-se ler: “não sou argentino”, “não sou chinês”, “não sou japonês” e assim por diante, numa cadeia, neste caso, quase interminável.

Admitamos: ficaria muito complicado pronunciar todas essas frases negativas cada

vez que eu quisesse fazer uma declaração sobre minha identidade. A gramática nos

permite a simplificação de simplesmente dizer “sou brasileiro”. Como ocorre em

outros casos, a gramática ajuda, mas também esconde.

Da mesma forma, as afirmações sobre diferença só fazem sentido se compreendidas

em sua relação com as afirmações sobre a identidade. (SILVA, 2014, p. 75).

3 Os sobrenomes duplos referem-se aos entrevistados do sexo feminino, sendo que o primeiro é o sobrenome de

solteira e o segundo aquele adquirido após o casamento.

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Nessa direção, percebemos que a constituição de uma etnicidade se dá dentro de uma

sociedade multiétnica por meio de declarações de quem pertence e não pertence à determinado

grupo, sendo uma produção pela diferenciação, na qual há uma afirmação perene da existência

de um “nós” e de um “eles”, ou do “nós” perante os “outros”, que Silva (2014) classifica como

além de categorias gramaticais, sendo estas palavras indicadores da posição de sujeitos

marcados por relações de poder.

Na nossa concepção, esse poder na maioria das vezes está ligado a um discurso de

superioridade e tradição. Para defender essa suposta superioridade, o grupo do “nós” faz a

defesa dos indivíduos que a ele pertencem, afirmando que possuem melhores comportamentos

sociais em relação aos “outros”, àqueles que são identificados como membros de grupos que

possuem tradições diferentes que as suas. A diferença leva a comparação, que por sua vez

produz afirmações discursivas por parte do primeiro acerca de sua superioridade, como por

exemplo, nós somos mais religiosos, mais trabalhadores, mais educados, do que “eles”.

Entendemos que a memória coletiva do grupo é capaz de embasar essas representações

de pertencimento à medida que perpetuam esses sinais e discursos a respeito da identidade

assumida. De acordo com o antropólogo Joël Candau, essa se constituirá em uma memória forte

que influenciará no processo de constituição da identidade do sujeito.

Denomino memória forte, uma memória massiva, coerente, compacta e profunda, que

se impõe a uma grande maioria dos membros de um grupo... Uma memória forte é

uma memória organizadora no sentido de que é uma dimensão importante da

estruturação de um grupo, e por exemplo da representação que ele vai ter de sua

própria identidade. (CANDAU, 2012, p. 44).

Nesta relação entre memória forte e identidade coletiva, consideramos que a memória

pode ser construtora e mantenedora desse sentimento de pertença dos grupos étnicos, que é

capaz de produzir uma representação de identidade. Pensamos que é esse tipo de memória que

encontramos nos relatos dos descendentes de italianos entrevistados na cidade de Colombo:

uma memória forte, ancorada no fenômeno da imigração, que ultrapassa o acontecimento da

viagem transoceânica realizada pelos antepassados, mas que ainda é capaz de promover

processos de identificação étnica, mesmo quase um século e meio depois da chegada dos

imigrantes em terras colombenses.

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Essa nossa ideia vai ao encontro com o que aponta o historiador Alistair Thomson, que

pesquisou histórias de vida e experiências migratórias de senhores australianos. Após se

debruçar sobre as memórias desses sujeitos por meio da história oral, o autor nos apresenta um

conceito mais amplo sobre imigração:

Defino “migração” incluindo tanto migrações internacionais quanto intranacionais

e, como a maioria dos estudos de história oral, enxergo a passagem física da

migração de um lugar para o outro como apenas um evento em uma experiência

migratória que abarca velhos e novos mundos e que continua por toda a vida do

migrante e pelas gerações subsequentes. (THOMSON, 2002, pp. 341-342).

Portanto, estamos nos pautando também nessa ideia ampliada a respeito do que é a

imigração, já usada em outros estudos de história oral, que reconhece que o fenômeno vai além

do deslocamento físico pontual e atinge também os descendentes dos sujeitos que migram.

A IMIGRAÇÃO VÊNETA EM COLOMBO

Desde a segunda metade do século XIX, o governo da então província paranaense

desenvolveu uma política imigratória, sempre visando a criação de núcleos coloniais voltados

para a agricultura de abastecimento, que atraiu uma diversidade de europeus oriundos de várias

regiões daquele continente.

Primeiramente vieram contingentes alemães, suíços, franceses e ingleses e, mais tarde,

italianos e poloneses e, finalmente, ucranianos e holandeses, entre outros. Nesses grupos, os

que mais se destacam na contribuição demográfica do Paraná, em termos de densidade, são:

“Poloneses (49,2%), Ucranianos (14,1%), Alemães (13,3%) e, finalmente, Italianos (8,9%),

formando as outras etnias apenas 14,5%.” (BALHANA, MACHADO, WESTPHALEN, 1969,

p.184).

O grupo específico que pretendemos analisar está inserido entre os 8,9%, representados

pelos imigrantes italianos estabelecidos no Paraná. “Foi a partir de 1875 que esse contingente

começou a chegar em grandes levas, sendo a maioria italianos procedentes do Vêneto.”

(MARTINS, 1941, p. 176).

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O programa colonizador elaborado na administração do presidente de província

Adolpho Lamenha Lins, direcionou a atividade colonizadora para o entorno do meio urbano de

Curitiba, e de modo geral para o planalto curitibano. (BALHANA; MACHADO;

WESTPHALEN, 1969, p.169). Esse programa colonizador visava implantar colônias agrícolas

nas proximidades dos centros urbanos, com o objetivo de colocá-las em contato com os

mercados consumidores. Este foi o caso da fundação do núcleo Alfredo Chaves, a mais antiga

entre as colônias italianas instaladas em terras que formam hoje o município de Colombo.

Além da colônia Alfredo Chaves, o grupo de imigrantes italianos que estamos

investigando foi formado por mais quatro colônias, sendo que uma delas, o núcleo Antonio

Prado, era misto, e recebeu também imigrantes poloneses. Os principais dados a respeito desses

núcleos coloniais são informados na tabela a seguir4:

TABELA 1 - COLÔNIAS ITALIANAS DE COLOMBO

Ano Município

Atual

Colônia Distância

da

Capital

Área

em

hectares

Número

de

Lotes

Número

de

Imigrantes

Grupos

étnicos

Localidade

1878 Colombo Alfredo

Chaves

24 Km 431,3 40 220 Italianos

Butiatumirim

1886 Colombo

Antônio

Prado

18 Km 414,4 54 248 Italianos

Poloneses

Tamandaré

1886 Colombo Presidente

Faria

20 Km 493,4 50 450 Italianos Canguiri

1887 Colombo

Quatro

Barras

Maria

José

19 Km 128,0 13 78 Italianos Canguiri

1888 Colombo

Bocaiúva

Eufrázio

Correia

34 Km 426,9 33 198 Italianos Capivary

Portanto, nosso objeto de estudo tem como recorte espacial descendentes de italianos

imigrados para essas cinco colônias: Alfredo Chaves (1878), Antonio Prado (1886), Presidente

Faria (1886), Maria José (1887) e Eufrázio Correa (1888).

4 Tabela construída baseada nas informações coletadas nas seguintes obras: BALHANA et al, 1969, pp.165 e 166

e MARTINS, 1941, pp. 148, 152 e 160.

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Uma característica destes locais é de que os imigrantes italianos vieram sobretudo do

Vêneto, região setentrional da Itália. Em um estudo anterior, pudemos constatar, por meio da

análise dos registros dos casamentos religiosos, que nas colônias italianas que formaram o

município de Colombo, a representatividade dos imigrantes vênetos ultrapassou os 90%.

(MACHIOSKI, 2004, p. 10).

Sobre a origem dos 9 entrevistados, cujos relatos serão analisados logo adiante,

identificamos que todos são descendentes de imigrantes oriundos da região do Vêneto. Em

relação a província de origem, todos possuem algum antepassado de Vicenza, 3 têm

ascendentes de Treviso e 2 originários de Belluno.

Portanto, podemos deduzir que esse grupo de imigrantes possuíam (e consequentemente

seus descendentes possuem) muito mais em comum do que somente a região ou a província de

procedência. Acreditamos que eles apresentavam traços étnicos que os identificavam, capazes

de os classificar como um grupo social particular, e que essas marcas foram acentuadas ao

experimentarem o fenômeno da imigração devido aos contatos interétnicos decorrentes desse

processo histórico, ressaltando também a diferença com os outros.

São esses sinais que afirmaram uma identidade étnica para esses imigrantes e que, como

acreditamos, continuam afirmar um sentimento de pertencimento entre seus descendentes, que

queremos analisar aqui. Para isso, partimos do pressuposto que a língua regional trazida na

bagagem e transmitida por gerações seja a principal marca dessa etnicidade.

O TALIAN, LÍNGUA DE HERANÇA DE COLOMBO

Com base nas discussões da área da linguística, realizadas no grupo de pesquisa CEVEP,

utilizaremos neste trabalho o entendimento do Talian como uma koiné de base vêneta que se

formou no Brasil, falada pelos imigrantes italianos e seus descendentes, principalmente na

região Sul e Sudeste do país. Apesar da forte influência, esta língua é diferente do italiano

standard e do dialeto vêneto ainda falado na Itália.

Uma constante nas entrevistas selecionadas é que todos aprenderam o Talian por meio

dos seus laços ancestrais e o utilizam até os dias de hoje na comunidade; inclusive, em um

período histórico e/ou com determinadas pessoas, esta foi a única língua utilizada por estes

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falantes para a socialização, principalmente quando esta acontecia com pessoas mais velhas na

época, como os nuni5 destes entrevistados.

A maneira como estes sujeitos organizam a sua comunicação, em Colombo, utilizando

o Talian, mostra-nos que esta é uma língua de herança da cidade, pelos pressupostos de Ortale,

que aponta que “língua de herança é a língua com a qual uma pessoa possui identificação

cultural e sentimento de pertencimento a determinada comunidade que a usa, seja por laços

ancestrais, seja por convivência no mesmo ambiente sociocultural com falantes dessa língua.”

(ORTALE, 2016, p. 27).

Sendo o Talian a língua de herança destes entrevistados, que está atrelada a uma

identificação cultural, todos relataram que nunca sentiram vergonha em utilizá-la. Porém, estes

mesmos sujeitos viveram um período conturbado da história brasileira, em relação às línguas:

a ditadura Varguista. Durante a década de 1940 era proibido que no Brasil se falasse italiano,

alemão e japonês. Toniolo-Guarise (2019) lembra que: “so che me pare el dizea che gera el

tempo dea guerra, che se ciapava qualchedun palando in talian, ‘ndava in prisón.”6

Alguns dos entrevistados não relatam de forma enfática esta proibição, outros se

recordam de que não podiam utilizar o Talian na escola. Cavassin (2019), por exemplo, lembra

que “ghe gera a quinta coluna e che non podea palare nantra ‘engoa... eh... ghe gera a

fiscalizasson... conforme el posto non podea palar nantra lingua”.7

Essa forte campanha de nacionalização passava principalmente pela escola. Era lá que

muitos filhos e netos de imigrantes aprendiam as primeiras palavras em português, chamado

pela maioria de “brasilian”8. Cavassin (2019) também relata que “gera fadiga, parche noantri

casa palavino soeo in Talian. Gera fadiga de intendere in brasilian a scoea parché gerimo

acostumai a palar soeo in Talian.”9

Talvez este não fosse o único motivo, mas pensamos que esta proibição e a dificuldade

para se comunicar encontrada na escola durante a infância, pode ter marcado os caminhos da

permanência e silêncios do Talian em Colombo. Isso justificaria, em partes, o fato desta língua

5 Avós. Esse será o padrão adotado, o Talian aparecerá no corpo do texto e a tradução em nota de rodapé. 6 Sei que meu pai dizia que era o tempo da guerra, que se pagassem alguém falando em Talian, ia para prisão. 7 “Existia a quinta coluna e que não podia falar outra língua...eh... existia a fiscalização... conforme o lugar não

podia falar outa língua”. 8 “Brasileiro”. 9 “Era difícil, porque nós em casa falávamos só em Talian. Era difícil entender o brasileiro na escola porque nós

estávamos acostumados a falar só em Talian.”

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não ter sido ensinada aos filhos e netos, mesmo sendo um legado dos avós e pais dos

entrevistados, falada com a família e os amigos, e relatarem nas conversas que sentem orgulho

de utilizá-la até hoje.

Em relação ao contato com o outro, mesmo estes sujeitos sendo denominados como

descendentes de italianos, eles reconhecem suas diferenças culturais, principalmente no contato

com a língua italiana standard. Perin (2019) cita em seu relato que em uma ocasião conheceu

um italiano, mas não conseguiu entender nada do que ele falava. Porém, nesta mesma entrevista,

mesmo ressaltando esta diferença, este senhor recitou uma música em italiano, que segundo ele

era cantada por ocasião da eleição de um papa. Cremos que esse último relato demonstra

claramente a criação de uma fronteira étnica por meio da língua de herança, porém, percebemos

da mesma forma que essa não era uma barreira fixa e estável.

O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO ÉTNICA

A língua, mais do que a comunicação em si, propiciou, segundo as memórias de nossos

entrevistados, algumas práticas culturais que contribuíram para a construção do processo de

identificação por definirem-se como características particulares deste grupo étnico, sendo uma

delas o filò10. Falcade (2019) comenta sobre como era esta prática de visita aos vizinhos:

“Quando papà e a mama nava via, nava con du ciareto e se portava via de note e nava. E de

volte de note se fava prossisson e mi nava. Tuti co’l ciareto.”11

O filò era, portanto, um encontro que acontecia durante à noite, na casa de vizinhos,

onde se reuniam para conversar, trocar experiências, jogar, rezar, etc. principalmente porque

não havia nem rádio e nem televisão. Era um ambiente de socialização interno do grupo étnico,

onde as práticas socioculturais do mesmo podiam ser reforçadas, e mais, passadas adiante. Um

espaço social onde a coesão grupal era reforçada continuamente, fazendo com que as ruas e as

casas dos membros da colônia, habitada por esses indivíduos com uma origem comum, se

tornassem um lugar de pertencimento.

10 “Sarau” noturno realizado com a participação das famílias italianas vizinhas. 11 “Quando o papai e a mamãe iam, iam com dois lampiões que se carregava de noite pra ir. As vezes de noite se

fazia procissão e eu ia. Todos com o lampião.”

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Essa ideia fica mais evidente ao percebermos a maneira como os entrevistados exaltam

o fato de terem nascido na colônia, como também de afirmarem continuamente que são

descendentes diretos e parentes próximos dos imigrantes italianos, como se ser do lugar e

possuir uma ascendência italiana fossem sinônimos. Assim, ao ser indagada sobre o local de

nascimento Mocelin-Pavin (2019) respondeu: “Quà in Coeonia... Dentro propio quà... Me pare

e me mare, tuti i dui, i gera de quà, so pari de iuri i ze vegnisti del’Italia, ma iuri i ze nassisti

quà.”12 Ao falar do sogro a mesma fez questão de salientar “el’è vegnesto del’ Italia”13. Da

mesma forma Guarise (2019), respondeu com sorriso no rosto, “- Onde zeo che son nassuo?

Quà, vissin quà, davanti... stava me pare eà...”14

Outra manifestação comum ao grupo que veio à tona nas entrevistas, e que denota a

coesão do mesmo, é que entre eles as famílias eram conhecidas por apelidos. De acordo com

Gasparin-Motin (2019) “i disea i Bofi... Iuri stava ‘à so’a Serina... I ze vegnisti de Italia e i stava

eà so’a Serina fin che ze morti... e ora me nona gera Bofa, dei Toniolo.”15 Assim, percebemos

que entre eles os Toniolo eram Bofi, assim como Giani os Ceccon, Parisiti os Guarise, Stefaniti

os Mocelin, Da Noti os Gasparin, etc. Supomos que esta seja uma prática que servia à

identificação e diferenciação do grupo.

Outra característica interessante que podemos destacar, talvez a mais marcante neste

processo de construção de identidade étnica, é a rede matrimonial. Boa parte dos entrevistados

relataram que havia uma orientação, principalmente por parte dos pais, mas também da

comunidade para que o casamento se desse entre descendentes de italianos. Perin (2019)

destacou que ele não podia namorar brasileiras ou pessoas de outras etnias, mesmo este dizendo

não haver preconceito. Já Guarise (2019) relata: “Mi dee volte mi inamorava queste tose in

volte... Me mare se non gera taliana ea me botava... ea disea no no, quea là non serve no...

bresiliana. Ea voea gente che ea cognossea... dopo che mi go tacà inamorar ea, ea là era contenta

12 “Aqui na colônia... bem aqui dentro... Meu pai e minha mãe, todos os dois eram daqui, seus pais vieram da Itália,

mas eles nasceram aqui.” 13 “Ele veio da Itália”. 14 “- Onde foi que eu nasci? Aqui, pertinho aqui, na frente... meu pai morava já ali.” 15 “Eles diziam os Bofi... eles moravam na Serrinha... Eles viram da Itália e moravam lá na Serrinha até morrerem...

então minha vó era Bofa, dos Toniolo.”

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parche saea che gera gente de quà.”16 A senhora Gasparin-Motin é ainda mais enfática ao

afirmar:

... i no ghi maridà gnanca uno con brasilian... Tá louco, i me copava, Deus me livre...

Non gera pericueo... noantri no vardavimo i brasilian... Si te ve maridarte con un

brasilian per patire a fame... No ma ze vera... I me pare e me mare... Deus o livre se

ghissi vardar un brasilian... cabucri.17 (GASPARIN-MOTIN, 2019).

Este último relato é muito revelador a respeito do tipo de discurso que era usado pela

família e pelo grupo étnico para reforçar a ideia de que o casamento devia acontecer somente

entre os descentes de italianos. Aqui aparece claramente a ideia que apresentamos

anteriormente da “boa sociedade”, pautada em um discurso de superioridade. Neste caso, os

italianos se definiam como os mais trabalhadores, e denegriam a imagem dos brasileiros, aos

quais chamavam pejorativamente de caboclos.

Apenas 2 dos entrevistados, Falcade-Wanke e Maschio, casaram-se com pessoas de

outra etnia. Segundo Maschio (2019), “é un poco diferente, ma poca cosa. No ze parche a gera

breseliana che non da par maridarse o parche iu ze talian e tal... gera normal.”18 Essa preferência

por uma pessoa do mesmo grupo, na nossa opinião, é uma prática na construção de uma

identidade étnica construída a partir das diferenças.

Como já salientamos, muitas vezes essas fronteiras étnicas eram estabelecidas criando

imagens pejorativas para se diferenciar dos indivíduos dos outros grupos, ou seja, a

identificação era promovida por meio da inferiorização do outro. Isso fica evidente na fala a

seguir:

Taliani con taliani... I no voea saer dei brasiliani... I ciamava de quei cabucri

vagabundi... Poeachi i ghea el vissio de bevre, de esser ciuchi... i poeachi i gera ciucatuni... I brasiliani disea pa taliani che i va pa Italia, che quà ze suo... I poeachi

disea: taliani i ze sbrontoiuni. Che i disea massa paroe... Una volta ghe gera dui tri

cabucri e noantri gerimo drio nar sapar soa rossa e i me ga dito: gringhe ve star in

16 “Eu as vezes namorava algumas moças por aí... minha mãe se não era italiana ela me batia... ela dizia não, não,

aquela lá não serve não... é brasileira. Ela queria gente que ela conhecia... depois que eu encontrei, namorei, aí ela

ficou feliz porque sabia que era gente daqui.” 17 “... eles não casaram nenhum com brasileiro... tá louco, eles me matavam, Deus me livre... não tinha perigo...

nós nem olhávamos os brasileiros... Sim, você vai se casar com um brasileiro para sofrer de fome... Não, mas é

verdade... Meu pai e minha mãe... Deus oh livre se olhasse um brasileiro... caboclos.” 18 “...é um pouco diferente, mas pouca coisa. Não é porque ela era brasileira que não dá para casar-se ou porque

ele é italiano e tal... era normal”.

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11

Italia che ‘à ze el vostro posto, che qua el Brasil ze nostro.19 (MOCELIN-PAVIN,

2019).

Por meio deste último relato, percebemos claramente que havia a tentativa em classificar

pejorativamente o outro por parte de todos os grupos étnicos que estavam em contato. Ora isso

acontecia por meio da moral social e religiosa, ora por meio do trabalho. Nessa direção, outro

aspecto bastante notório nas entrevistas é o quanto os depoentes caracterizam os indivíduos

pertencentes ao seu grupo étnico como dedicados ao trabalho, ao mesmo tempo, que silenciam

o trabalho do outro, chegando ao ponto de classificar o outro como vagabundo, como lemos no

relato anterior.

Em contrapartida, a solidariedade grupal envolvendo ocasiões de trabalho é exaltada

continuamente. Nesse sentido, Guarise (2019), diz “No ghineimi parche i stropi anca i da pi sol

bagnado. Dora mi nava torli quà al Bacaetava... che gera de Berto Gasparin... El ghea un vimal

beo, sun bagnadon, e el me arrumava ogni ano, el me dava stropi... se tramami a ‘igar i visei.”20

Por sua vez Maschio (2019), relata essa solidariedade em relação ao suprimento da alimentação

dos vizinhos:

Me mare dizea: Idalio, ciapa a sesta e và portare a carne. Portava un toco cada un.

Ma iuri também quando i copava i dava... Che quando vegnea un cognessido de me pare de Curitiba, so’l São João, fasui, risi, eh... macaruni, ghe gera. E dora a mama

dizea: Idalio, va de Angeina che a te empreste du saeadi e du uvi.21 (MASCHIO,

2019).

Essa solidariedade grupal também é muito evidenciada quando se tratava de um trabalho

que era em prol da igreja frequentada pelo grupo, pois da mesma maneira o discurso de

superioridade se dava por meio da religião. Segundo Cavassin (2019), todos ajudavam:

19 “Italianos com italianos... eles não queriam saber dos brasileiros... eles chamavam de aqueles caboclos

vagabundos... Polacos eles tinham o vício de beber, de ser bêbados... os polacos eram beberrões... Os brasileiros

diziam para os italianos que eles fossem para Itália que aqui era deles... Os polacos diziam: italianos são briguentos. Que eles diziam muito palavrões... Uma vez tinha dois três caboclos conversando e nós estávamos carpindo na

roça e eles me disseram: gringas vão morar na Italia que lá é o lugar de vocês, que aqui o Brasil é nosso.” 20 “Não tínhamos porque os vimes também dão mais no banhado. Então, eu ia buscar lá no Bacaetava... que tinha

o Berto Gasparin... ele tinha uma plantação de vimes bonita, em um banhadão, e ele me arrumava todo ano, ele

que me dava os vimes... aí se tramávamos a amarrar as videiras.” 21“Minha mãe dizia: Idalio, pegue a cesta e vá levar a carne. Levava um pedaço para cada um. Mas eles também

quando matavam (o porco, etc.) nos davam. Quando vinha um conhecido de meu pai de Curitiba no São João,

feijão, arroz, eh... macarrão a gente sempre tinha. Então a mamãe dizia: Idalio vá lá na Angelina para que ela te

empreste dois salames e dois ovos.”

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Un me dava gaina, otro me dava do quarto de fasui, nantro me dava un mas-cieto e

námio vendelo so’l leilon dopo, el di de ‘a festa. Un me dava un cavreto. Metia tuto

em cima a careta. E de’à menava su dei preti. (...) De a Madona del Rosargio e i fava

a Festa de Santo Antonio anca e anca tor su e prende.22 (CAVASSIN, 2019).

CONCLUSÃO: OS SIGNOS DE REPRESENTAÇÃO DA ETNICIDADE

ITALIANA/VENETA EM COLOMBO

As entrevistas analisadas revelaram pelas memórias destes descendentes de italianos

alguns signos de representação de uma etnicidade e identidade italiana/vêneta em Colombo.

Estas características são marcas de uma relação de grupo, que destacam estes sujeitos, mas

também acentuam as diferenças no comparativo com os outros, aqueles que não pertencem a

esta etnicidade.

Um dos pontos fortes para o grupo analisado são as marcas da religião e da moral,

baseados exclusivamente nos princípios católicos. Ir à missa representava o cotidiano desses

entrevistados; às vezes, até mesmo como uma obrigação imposta pelos pais, desde a infância,

tentando reproduzir valores na educação destes, já que: “Prima cossa gera a messa. Se faltasse

messa un di, me pare me tensionava.”23 (GUARISE, 2019). Além das missas, muito da

socialização desses imigrantes e descendentes passava pelo catolicismo por outras formas,

como os terços diários, a catequese, e a participação em festas religiosas.

Junto com a religião, o trabalho fazia parte do cotidiano da vida destes entrevistados,

desde a infância: “Parche queo che ghemo laorà noantri soa nostra vita fioeo da Dio, varda che

no zè stato poco. Mi go scominssià laorar con sete ani... Quando che nava laorar soa rossa me

tocava se mudarse sun un paiò, ti setu?”24 (GASPARIN-MOTIN, 2019). O trabalho, tão caro a

estes sujeitos, representava a oportunidade de construírem uma vida diferente daquela que seus

22 “um me dava uma galinha, outro me dava dois quartos de feijão, um outro me dava um porquinho para

vendermos no leilão depois, no dia da festa. Um me dava um cabrito. Colocava tudo em cima da carroça. E levava

tudo lá para os padres (...) De Nossa Senhora do Rosário e eles faziam a Festa de Santo Antônio também e sempre

ía arrecadar a prendas.” 23 “Antes de qualquer coisa estava a missa. Se faltasse um dia meu pai me reprendia.” 24 “Porque o quanto que nós trabalhamos na nossa vida filho de Deus, olhe que não foi pouco. Eu comecei a

trabalhar com sete anos... Quando que eu ia trabalhar na roça tinha que se mudar para um paiol, sabe o que é isso?”

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antepassados deixaram no outro lado do Atlântico. Este trabalho era sobretudo desenvolvido na

lavoura e pela família.

Com os costumes campesinos sendo uma marca deste grupo de descendentes, muito da

gastronomia deles remonta a produtos primários, produzidos em casa, em um trabalho conjunto

com toda a família, e muitas vezes compartilhados com o grupo. Podemos marcar esta

gastronomia pelo consumo do “vin, poenta, formagio, saeado, minestra, risoto, fortagia”25 e

outros pratos simples feitos de forma caseira, que estavam presentes na mesa de todos os

entrevistados.

Todas estas práticas de socialização (família, gastronomia, religião e trabalho)

destacadas como características e signos de uma etnicidade, traziam como fundo (mas também

suporte) o Talian, que neste artigo demonstramos ser uma língua que circulava entre os de casa,

na família, na igreja e entre os amigos, ou seja, uma língua que se fazia presente em ambientes

restritos de socialização destes sujeitos, que pode ter contribuído para uma aproximação entre

os iguais, mas também uma diferenciação com aqueles que não a falavam, pertencentes a outra

etnias. Em outras palavras, notamos que o Talian, enquanto língua de herança, desempenhou

papel fundamental no processo de identificação etnocultural do grupo estudado.

FONTES ORAIS

CAVASSIN. Depoimento concedido em 13 de abril de 2019.

FALCADE-WANKE. Depoimento concedido em 13 de abril de 2019.

GASPARIN-BUSATO. Depoimento concedido em 18 de maio de 2019.

GASPARIN-MOTIN. Depoimento concedido em 26 de julho de 2019.

GUARISE. Depoimento concedido em 04 de maio de 2019.

MASCHIO. Depoimento concedido em 14 de abril de 2019.

MOCELIN-PAVIN. Depoimento concedido em 04 de maio de 2019.

PERIN. Depoimento concedido em 13 de abril de 2019.

TONIOLO-GUARISE. Depoimento concedido em 04 de maio de 2019.

25 “Vinho, polenta, queijo, salame, sopa, risoto, omelete.”

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