rastros de luz 03

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Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida Jovem, ao encontro de Jesus! aquele que batizava oão, de L uz um olhar na história rastros 2017 nº 3 fevereiro J Despretensioso convite para o retorno às coisas simples, belas e profundas do Evangelho.

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Page 1: Rastros de luz 03

Eu sou o Caminho, a Verdade e a VidaJovem, ao encontro de Jesus!

aquele que batizavaoão,

deLuzum olhar na história

rastros 2017nº 3

fevereiro

J

Despretensioso convite para o retorno às coisas simples, belas e profundas do Evangelho.

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João,o

- Eu sou a voz que clama no deserto!... (João, 1:23)

batista

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4 5RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

nNo ano 15 do império de Tibério César, sendo

Pôncio Pilatos governador da Judeia e Herodes Ântipas tetrarca da Galileia, um personagem estranho desceu os contrafortes de Decápole e passou o olhar pelo vale rasgado até às montanhas da Samaria.

Lá embaixo, fluindo por entre bosques de sicômoros e tufos cerrados de palmeiras, corre o Jordão para o sul, descansando em remansos criados de areia branca.

O homem veste esquisitamente uma pele de camelo e um conto de couro, e traz na mão direita longo bordão de viagem. Alimenta-se de gafanhotos e mel silvestre e, nas pousadas ao longo do caminho que vem do deserto, adormece com a cabeça reclinada sobre pedras.

Aparenta trinta e poucos anos; é moreno e forte de musculatura e de expressão; uma expressão leonina, que se acentua ainda mais quando o vento morno, soprando das chapadas quentes da Pereia, sacode-lhe a negra cabeleira, agitando-a sobre os ombros viris.

Vem descendo a montanha e clamando ao descê-la.

Clama para as pedras que se erigem na escarpa,

como auditório. Os ecos repetem as palavras soltas; o vento as arrebata e as desfaz.

Viandantes procedentes de Gadara param e ouvem-no; atravessam assustados o rio e espalham a notícia, que repercute desde Citópolis a Corazin. Afluem curiosos. O agigantado profeta, em altos brados, anuncia:

- Eu sou a voz que clama no deserto! E eis que os tempos são chegados de preparar o caminho do Senhor! Os vales se erguerão e os montes se abaixarão, e as escabrosas veredas se tornarão planas. Arrependei-vos de vossos pecados e, de espírito humilde, vinde receber o batismo.

Sim, estamos falando de João, aquele que batizava, a voz que clamava no deserto, o precursor de Jesus.

Rio Jordão

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7

sobre

comer“E este João tinha as suas vestes de pelos de camelo, e um cinto de couro em torno de seus lombos; e alimentava-se de gafanhotos e de mel silvestre”.

gafanhotos ...

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8 9RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

nNo original grego, nestas duas

passagens encontramos a palavra acris e acrides, cuja tradução é a seguinte:

1º) Dicionário Grego–Português e Português–Grego, de Isidro Pereira: gafanhoto.

2º) The Analytical Greek Lexicon: locusta.

3º) Lexicon of the New Testament, de Arndt and Gingrich: gafanhoto, locusta.

A palavra gafanhoto tem uma projeção bem maior do que pensamos. Basta afirmar que o Dicionário da Bíblia, de Davis, nos informa que, segundo os rabinos, existem e são classificadas 800 variedades de gafanhotos.

O Velho Testamento usa nove diferentes palavras hebraicas para identificar os gafanhotos, porém a mais

usada é acris.

Na Bíblia e na literatura contemporânea, sobre este assunto, a palavra acris sempre se refere a um inseto – o gafanhoto. Esta circunstância tem levado muitos comentaristas hodiernos a concluírem que neste relato sobre João Batista há referência ao inseto.

É também uma realidade inegável que o gafanhoto tem sido parte da dieta alimentar dos povos do Oriente Médio, desde os tempos antigos.

De acordo com as leis sobre os animais limpos e os imundos, em Levítico 11, há certas espécies de gafanhotos que são limpos (verso 22), portanto permitidos na dieta de um judeu.

Estes fatos têm levado os comentaristas, em nossos dias, quase que uniformemente à conclusão de que em Mateus e Marcos a palavra acris deva designar o inseto e não uma espécie de árvore. Mas apesar desta conclusão, desde os tempos primitivos nos foi transmitida uma tradição persistente e enfática de que apalavra acris significa outras coisas e não o inseto. Dentre estas as que mais têm sido sugeridas são as seguintes: pequenos pássaros bravios, caranguejos, lagosta, pera silvestre, ou outro fruto, bolos, vagens de alfarrobeira. Muitas destas são meras suposições, mas a que defende alfarrobeira sustenta-se numa evidência linguística e antropológica.

A alfarrobeira é extensamente cultivada em terras litorâneas do Mar Vermelho e é comum na Palestina ao norte de Hebrom.

As bolotas com as quais o “Filho Pródigo” alimentava os porcos eram as

alfarrobas, conforme Lucas 15:16.

Há algumas evidências que favorecem a ideia de que os gafanhotos usados por João eram vegetais. É bom ainda saber de evidências seguras indicando que o inseto “gafanhoto” é muito pobre como alimento, portanto incapaz de sustentar uma vida humana.

Entre os primeiros a contestarem a ideia de que a dieta de João Batista incluía gafanhotos = insetos estiveram os ebionitas, um grupo de judeus cristãos da Síria, que, como os essênios, eram um tanto ascéticos e advogavam uma dieta vegetariana. Creem alguns estudiosos que os ebionitas substituíram em seus manuscritos acrides = gafanhotos por ecrides = bolos. Esta substituição teria sido feita em harmonia com seus princípios dietéticos.

Em todos os manuscritos bíblicos antigos se encontra acrides.

Os pais da Igreja de origem grega, que tinham melhor conhecimento do uso do grego bíblico, não concordavam que acris em Mateus e Marcos indicasse o inseto.

Alfarrobeira

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10 11RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

Muitos consideravam os acrides dos Evangelhos equivalentes a akrodua = frutos ou às pontas dos ramos de árvores ou ervas.

Em um sermão do ano 400 a.D., atribuído erroneamente a Crisóstomo, há a afirmação que João comia frutos da alfarrobeira – acridas botanôn. A expressão”acridas botanôn” é traduzida para o latim como “herbarum summitates“, significando as pontas ou brotos das plantas.

Os escritores gregos e seus tradutores latinos entenderam que o termo gafanhoto, usado como alimento por João Batista, se referia a um regime vegetariano.

Existe também a palavra autorizada do Espírito de Profecia explicando a dieta de João Batista:

“A simplicidade de sua vestimenta, uma peça de vestuário tecida de pelos de camelo, era uma reprovação direta à extravagância e pompa dos sacerdotes judaicos, e do povo em geral. Seu regime, puramente vegetariano, composto de gafanhotos e mel silvestre era uma censura à condescendência com o apetite e glutonaria que prevalecia por toda aparte” (Conselhos Sobre Saúde, pág. 72).

O Dicionário da Bíblia, de Davis, na página 25, ao comentar a palavra “alfarrobas”, assim se expressa:

“Espécie de alimento destinado aos porcos, que o filho pródigo desejava comer, quando se achava em terra estranha, abandonado pelos amigos de outros tempos – Lucas 15:15. A bainha das alfarrobas, Ceratónia Siliqua, também se chama bainha de gafanhoto e pão de João. É árvore formosa e sempre verde, de nove a dez metros

de altura, sem espinhos e com as folhas semelhantes às do freixo. Produz bainhas em grande abundância que, às vezes, atingem a trinta centímetros de comprimento. Depois de maduras servem para sustento do gado e dos porcos, e em tempos de grande fome servem para alimento dos pobres. Da polpa das vagens ou bainhas faz-se um xarope muito apreciado”.

Por conseguinte, diante das ideias expostas até aqui é fácil chegar a uma conclusão inelutável. Embora os gafanhotos fossem alimento permitido pela lei levítica; que este inseto era e continua sendo parte da dieta do Oriente Médio, à semelhança do uso dos “içás” em certas regiões do Brasil, e ainda que as pessoas pobres o comiam e comem em tempos de escassez de alimentos; cremos que os gafanhotos que alimentavam João Batista eram vegetais e não os insetos.

(Com base no Livro: Leia e Compreenda Melhor a Bíblia, de Pedro Apolinário)

Semente de alfarrobaBainha de alfarroba

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13

Apareceu-lhe, então, o Anjo do Senhor, de pé, à direita do altar do incenso. Ao vê-lo, Zacarias perturbou-se e o temor apoderou-se dele. Disse-lhe; porém, o Anjo: “Não temas, Zacarias, porque a tua súplica foi ouvida, e Isabel, tua mulher, vai te dar um filho, ao qual porás o nome de João.

o

Joãode

anúncio

(Conforme Lucas, 1:5 a 25)

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14 15RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

nNos dias de Herodes, rei da Judéia,

houve um sacerdote chamado Zacarias, da classe de Abias1; sua mulher, descendente de Aarão, chamava-se Isabel. Não tinham filhos, porque Isabel era estéril e os dois eram de idade avançada.

Quando exercia suas funções

1 Zacarias (do hebraico Zekariyah, “Deus se lembrou”), Contemporâneo do Rei Herodes, o grande, e do Imperador César Augusto, era um descendente da linhagem sacerdotal de Levi, atendia na escala de seu ancestral Abias, a oitava numa ordem dentre 24 turnos, estabelecida pelo Rei Davi por volta de 1020 a.C.Na nona semana do calendário judaico é a Festa do Pentecostes. Todos os oficiais do templo estavam em serviço em razão do grande afluxo de gente. Em segui-da, na décima semana, recaía sobre a 8ª família - ABIAS (ABIAH) a responsabilidade pelo serviço no templo. Esse era o turno, a classe, ou a turma de Abias.Na Igreja Ortodoxa comemora o dia de festa de Zacarias em 5 de setembro , junto com Elisabeth, apontada como uma matriarca. Zacarias também é venerado como um profeta no calendário dos Santos da Igreja Luterana na mesma data. Todavia, no calendário grego ortodoxo, Zacarias e Isabel, são celebrados em 24 de junho.

sacerdotais, no seu turno, tendo entrado no Santuário do Senhor para oferecer o incenso, apareceu-lhe, então, o Anjo do Senhor2, de pé, à direita do altar do incenso.

Ao vê-lo, Zacarias perturbou-se e o temor apoderou-se dele.

Disse-lhe, porém, o Anjo: “Não tenha medo, Zacarias. Sua súplica foi ouvida, e Isabel, sua esposa, vai lhe dar um filho, que deverá chamar-se João (ou

2 Anjo. Encontramos em O livro dos médiuns, de Allan Kardec, Cap. I, item 2, os seguintes conceitos:

Os Espíritos não são senão as almas dos homens, despo-jadas do invólucro corpóreo (corpo físico).Os anjos são almas que galgaram o último grau da escala...Os anjos são os mensageiros de Deus, encarregados de velar pela execução de seus desígnios em todo o Univer-so.

Iohanan, que em hebraico significa: “Deus é cheio de graça”, “agraciado por Deus” ou “a graça e misericórdia de Deus” e “Deus perdoa”). Você e muitos se alegrarão com o seu nascimento, pois ele será grande diante do Senhor e converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus. Ele caminhará à sua frente, com o espírito e o poder de Elias, a fim de converter os corações dos pais aos filhos e os rebeldes à prudência dos justos, para preparar ao Senhor um povo bem disposto”.

Isabel e Zacarias, por viverem em uma sociedade que valorizava desmedidamente a maternidade, carregavam dentro de si a frustração de Isabel ser tida por estéril e ambos já avançados em idade, o que os havia até então impedido de terem tido filhos. O sentimento maternal, familiar, é próprio da natureza humana. E as súplicas deles à Deus para que os distinguisse com um filho, eram constantes. Além do mais, havia também o desejo de dar seguimento à linhagem da descendência sacerdotal, que os dois traziam pelas tradições familiares.

Zacarias, ainda um tanto assustado, perguntou ao Anjo: “De que modo saberei disso?” Pois eu sou velho e minha esposa é de idade avançada”.

Em outras palavras o Anjo respondeu-lhe ser enviado de Deus e vinha anunciar o que iria acontecer. Não era suposição. Era fato consumado pela vontade de Deus.

E de fato, algum tempo depois, Isabel, sua esposa, estava grávida.

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MariaVISITA

IsabelBendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre! Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite? Pois quando a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria em meu ventre. Feliz aquela que crê nos desígnios do Senhor, pois tudo será cumprido!

(Conforme Lucas, 1:36 e 37 e 1:39 a 45)

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18 19RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

qQuando da visita de um Anjo à Maria,

anunciando-lhe a vinda de Jesus (leia o Fascículo 1), ele noticiou: também Isabel, sua parenta, concebeu um filho na velhice, e este é o sexto mês para aquela que chamavam de estéril. E afirmou: Para Deus, com efeito, nada é impossível.

Com base nessa notícia, Maria pôs-se a caminho para a região montanhosa, dirigindo-se apressadamente a uma cidade de Judá, para encontrar-se com Zacarias e Isabel.

Ao saudar Isabel, esta sentiu a criança lhe estremecer no ventre, tendo sentido a presença de Maria. Isabel, então, envolvida em forte inspiração do mundo espiritual, com um grande grito, exclamou: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre! Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite? Pois quando a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria em meu

ventre. Feliz aquela que crê nos desígnios do Senhor, pois tudo será cumprido!

Observemos que Isabel não sabia que Maria estava grávida, menos ainda que o gestado era Jesus, o tão aguardado Messias. Ela estava ciente, sim, que seu filho estava marcado para importante missão. No entanto, com a aproximação de Maria é que, sentindo – ela e o seu filho no ventre -, vislumbrou que a criança em gestação por Maria era a Luz do Mundo. O que a fez manifestar-se com reverência e alegria, registrando ser este também o que sentia seu filho em seu ventre.

Notemos que para ambas as mulheres, bem como para seus respectivos maridos, toda a injunção dos fatos, bem como a movimentação familiar, com viagens, visitas, providências, comportamentos, se originava por interferência orientativa direta do mundo espiritual, através da manifesta presença e comunicação dos Anjos, que agiam não só como anunciadores daqueles Espíritos que viriam, pelo nascimento, em conjunto, em dupla, cumprir especiais missões, mas também como protetores de todo o processo, cuidando para que tudo saísse conforme a vontade de Deus.

Fica claro que tais acontecimentos não se deram ao acaso. Jesus não nasceu ao acaso. João também não é fruto do acaso. É o plano de Deus para a Humanidade, traçado previamente e que foi e que vem sendo executado com esmerado zelo, tendo Espíritos missionários que renascem no momento oportuno e outros muitos Anjos (Espíritos) designados para auxiliar e acompanhar tais tarefas.

Do mesmo modo está claramente explícito que tanto João como Jesus eram personagens viventes, formadas, individualizadas, altamente capazes e com tarefas bem definidas, tudo antes da serem concebidos por seus pais e nascerem. Aliás, com base nas profecias, tudo estava previsto há muito, muito tempo atrás.

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21

o

Joãode

Você, meu filho, será chamado profeta do Altíssimo, pois irá à frente do Senhor, para preparar-lhe os caminhos, para transmitir ao seu povo o conhecimento da salvação, pela remissão de seus pecados, de seus erros, de seus equívocos.

nascimento

(Conforme Lucas, 1:57 a 80)

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22 23RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

qQuanto a Isabel, completou-se o tempo para o parto, e ela deu à luz um filho

No oitavo dia, foram circuncidar o menino. Queriam dar-lhe o nome de seu pai, Zacarias, mas a mãe, tomando a palavra, disse: “Não, ele vai se chamar João”.

Replicaram-lhe: “Em tua parentela não há ninguém que tenha este nome!”

Por meio de sinais, uma vez que Zacarias, desde o seu encontro com Anjo Anunciador, estava mudo, perguntaram ao pai como queria que se chamasse. Pedindo uma tabuinha, ele escreveu “Seu nome é João”.

Tão logo terminou de escrever, ele voltou a falar normalmente. O que causou enorme surpresa de todos os presentes à cerimônia, cujo acontecido se espalhou rapidamente por toda a região montanhosa da Judéia. E todos os que ouviam gravavam essas coisas no coração, dizendo: “Que virá a ser esse menino?” E, de fato, a mão do Senhor estava com ele, direcionando-lhe para feitos históricos.

Abramos um parêntesis para considerarmos a hipótese de que a mudez de Zacarias tenha se dado por forte emoção, como vem descrito nos textos bíblicos, a qual, pela sua somatização, transbordou em uma doença psicossomática temporária, situação que a medicina moderna identifica e trata. Como o fato se deu há mais de 2.000 anos, as pessoas associaram o sintoma a “castigo Divino”, como o fizeram com tantas outras ocorrências. O mesmo sentimento popular quanto a volta da fala – agora como tendo cessado o “castigo”, que se deu em momento também de grande emoção, mas em circunstância menos inusitada, ao menos para Zacarias, como a de se deparar com um Anjo e com ele dialogar.

O sofrimento é um mal que faz bem. Sem ele, o ser humano ainda estaria nas fases mais grosseiras do seu desenvolvimento antropossociopsicológico, sem o equilíbrio necessário para os enfrentamentos do processo da evolução.

Tem disso ele que o vem arrastando, às vezes, de maneira penosa, pelo caminho da ascensão intelecto-moral, em cujo patamar se encontra.

Nada obstante, quanto evoluído se encontra o ser, mais sensível se torna ao sofrimento.

A diferença entre o sofrimento do bruto e do esteta, do ser primitivo e daquele que se encontra em nobre estágio de evolução, é maneira como cada qual enfrenta o impositivo do sofrimento. Os primeiros estorcegam na aflição, rebelando-se, agridem de maneira incoerente até serem submetidos ao talante das circunstâncias, quais metais vigorosos que o fogo em alta temperatura consegue moldar, enquanto os outro são-lhe dóceis à voz, compreendem-lhe a finalidade, aceitam-no, tronando-se menos tristes.1

Continuando a lição:

É inegável a ação do pensamento na conduta humana sob qualquer aspecto considerado.

1 Vitória sobre a depressão. Joanna de Ângelis, cap. 23. Divaldo Franco.

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24 25RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

Os impulsos saudáveis são absorvidos com facilidade e transformados em campos de força edificante, harmonizadora, que fomentam o bem-estar, o equilíbrio e a paz. O oposto igualmente se dá, quando aceitas essas ondas de ódio, de inveja, de competitividade perturbadora, transformando-se em estados de angústia, desajustamento, desinteresse pela via, enfermidades.2

O ser humano é aquilo que pensa.

Administrar a emoção é possível e é nosso direito – direito de ter uma mente livre, feliz, saudável, de navegar com segurança nas revoltas águas das relações humanas e sociais.

Você sofre pelo amanhã? Faz o velório das coisas antes do tempo?

Muito se sofre por pequenos problemas e, o que é mais grave, por coisas que nunca irão acontecer.

Será que cuidamos com seriedade da nossa saúde mental, assim como cuidamos de outras coisas?

Pois deveríamos fazê-lo, com todo ardor e empenho.

Damos tanta atenção na conquista do trivial, e acabamos errando no essencial.

A vida moderna, segundo o modelo de vida diária que muitos adotam, acaba por criar paradoxos doentios:

• Dependência de estímulos externos, como lazer acentuado, jogos esportivos 2 Encontro com a paz e a saúde. Joanna de Ângelis, cap. 6. Divaldo Franco.

mais violentos, filmes em sua maioria de mortandade, músicas ruidosas, na busca de prazer fugidio, esquecendo-se que a satisfação legítima é estimulada pelas conquistas que nos engrandeça perante a própria consciência.

• Soledade. As pessoas estão sós nos elevadores, nos ambientes de trabalho, nas ruas, nos parques, nas praças, nos lares. Apesar da multidão à nossa volta, nos sentimos sós. Os olhos e os ouvidos se fecharam e não mais enxergamos e ouvimos os que estão à nossa volta, alheios ao fato de que o relacionamento humano é da nossa natureza, e é uma via com duas mãos, significando a ação de buscar e de se abrir para receber.

• A morte do diálogo. Muitos só sabem falar de si mesmos. Pais e filhos raramente trocam experiências de vida, cruzam suas histórias, convivem. A família moderna está se tornando um grupo de estranhos. O smartphone, cuja tecnologia deveria aproximar pessoas pela facilidade da comunicação, acaba se tornando o centro das atenções entre o aparelho e o usuário, que se fecha em si mesmo, desconectando-se do seu entorno. Perdas, angústias, medos, conflitos não são verbalizados entre familiares, amigos.

• Discriminação e preconceito. A discriminação chegou a patamares insuportáveis. Discriminamos e excluímos as pessoas de nosso relacionamento de múltiplas formas. Hoje se expande para as minorias, para povos, para religiões e religiosos, repetindo cenas de barbárie que pareciam terem ficado no passado mais distante.

Voltaire escreveu com razão: Preconceito é opinião sem conhecimento.

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26 27RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

As mesmas discriminações preconceituosas que João, Jesus e outros tantos sofreram em sua época, ainda hoje persistem, com o agravante que também são encontradas no seio de religiosos (inclusive de espíritas) e de certas religiões. No passado muitos foram mortos por causa de preconceitos (haja vista para os negros, chineses e latinos). Hoje o preconceito continua matando. A pergunta que persiste: até quando?

Enquanto o Amor anunciado por Jesus como sendo o que resume todas as leis e os profetas, não morar, alimentar e transbordar dos corações humanos, o mundo terá páginas de sua história manchada por essa nódoa moral da pior espécie: preconceito.

Com suas linhas de poesia e profunda reflexão, cantou para nós Rabindranath Tagore:

O verdadeiro amor não conhece fronteiras,

Nem preconceitos raciais ou sociais,

Nem divergências religiosas ou interesses materiais,

O verdadeiro amor nasce porque tem de nascer,

Pois é como uma flor que desabrocha sob o calor do sol,

Para que simplesmente cumpra o seu destino.

• A qualidade de vida está se deteriorando. Usos e costumes estão direcionados para quebra de valores ético-morais. Religiões que se transformam em agências arrecadadoras de dinheiro, negociando o nome de Deus. A ganância desmedida pela posse do dinheiro, enceguece a cadeia produtiva, com alimentos comprometidos de variada ordem, medicamentos sabidamente sem efeito curativo ou que são geradores de problemas maiores ao que se propõem medicar. Apesar dos avanços da área médica, a ansiedade, o estresse, as disfunções emocionais acabam sendo rotuladas como normais, por ser característica de boa parte da população, notadamente por aqueles midiáticos, enquanto ser tranquilo e relaxado é anormal.

Nos empenhemos por proteger a emoção, valorizando a emoção que eleva, deixando para depois aquela que simplesmente enleva.

Doemo-nos sem esperar retorno.

Não façamos exigências que os outros não podem dar.

Deixemos de agir à base do “bateu-levou”.

Reflitamos o absurdo comportamental quando cremos ser engrandecedora e positiva a afirmativa do tipo: eu sou assim mesmo e não vou mudar. Que goste de mim quem quiser.

Perdoar e se autoperdoar. Agindo assim, “desmontaremos” as antipatias e as inimizades à nossa volta.

Que nosso falar seja sim-sim para o positivo, o sincero, o solidário, o fraterno; e não-não para a queixa, o azedume, o mau-humor, a discórdia, a fofoca, a maledicência.

Saibamos agir com inteligência e protejamos nossa emoção.

Proteger a emoção é ser livre para sentir, mas não algemado pelos sentimentos. É capacitar-se para gerenciar o medo, reciclar a ansiedade, superar a insegurança, dominar a dependência psíquica de coisas e nonadas.

A saúde emocional, a felicidade, a tranquilidade, o prazer de viver e a criatividade estão ao alcance de todos.

Fechando o parêntesis, voltemos ao tema principal.

Emocionado, Zacarias, louvando e agradecendo a Deus a bênção de um filho, predizia o futuro daquela criança, enunciando e anunciando: Você, meu filho, será chamado profeta do Altíssimo, pois irá à frente do Senhor, para preparar-lhe os caminhos, para transmitir ao seu povo o conhecimento da salvação, pela remissão de seus pecados, de seus erros, de seus equívocos. E em estado de oração rendeu graças ao misericordioso coração do nosso Deus, que permitia a vinda logo mais do Astro das alturas, para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte, para guiar os passos dos homens no caminho da paz, de que seu filho seria o precursor.

Você, meu filho, será chamado profeta do Altíssimo, pois irá à frente do Senhor, para

preparar-lhe os caminhos, para transmitir ao seu povo o conhecimento da salvação, pela

remissão de seus pecados, de seus erros, de seus equívocos.

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29

o

do amor

Quem poderia saber qual a conversação solitária que se travara entre ambos?Distanciados no tempo, devemos presumir que fosse, na Terra, a primeira combinação entre o amor e a verdade, para a conquista do mundo.

encontroe da verdade

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30 31RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

aApós a famosa apresentação de Jesus

aos doutores do Templo de Jerusalém,

Maria recebeu a visita de Isabel e de seu filho, em sua casinha pobre de Nazaré.

Depois das saudações habituais, do desdobramento dos assuntos familiares, as duas primas entraram a falar de ambas as crianças, cujo nascimento fora antecipado por acontecimentos singulares e cercado de estranhas circunstâncias. Enquanto o patriarca José atendia às últimas necessidades diárias de sua oficina humilde, entre- tinham-se as duas em curiosa palestra, trocando carinhosamente as mais ternas confidências maternais.

- O que me espanta dizia - Isabel com caricioso sorriso - é o temperamento de João, dado às mais fundas meditações, apesar da sua pouca idade. Não raro, procuro-o inutilmente em casa, para encontrá-

lo, quase sempre, entre as figueiras bravas, ou caminhando ao longo das estradas adustas, como se a pequena fronte estivesse dominada por graves pensamentos.

- Essas crianças, a meu ver - respondeu-lhe Maria, intensificando o brilho suave de seus olhos —, trazem para a Humanidade a luz divina de um caminho novo. Meu filho também é assim, envolvendo-me o coração numa atmosfera de incessantes cuidados. Por vezes, vou encontrá-lo a sós, junto das águas, e, de outras, em conversação profunda com os viajantes que demandam a Samaria ou as aldeias mais distantes, nas adjacências do lago. Quase sempre, surpreendo-lhe a palavra caridosa que dirige às lavadeiras, aos transeuntes, aos mendigos sofredores... Fala de sua comunhão com Deus com uma eloquência que nunca encontrei nas observações dos nossos doutores e, contentemente, ando a cismar, em relação ao seu destino.

- Apesar de todos os valores da crença - murmurou Isabel, convicta —, nós, as mães, temos sempre o espírito abalado por injustificáveis receios.

Como se se deixasse empolgar por amorosos temores, Maria continuou:

- Ainda há alguns dias, estivemos em Jerusalém, nas comemorações costumeiras, e a facilidade de argumentação com que Jesus elucidava os problemas, que lhe eram apresentados pelos orientadores do templo, nos deixou a todos receosos e perplexos. Sua ciência não pode ser deste mundo: vem de Deus, que certamente se manifesta por seus lábios amigos da pureza. Notando-lhe as respostas, Eleazar chamou a José, em particular, e o advertiu de que o menino

parece haver nascido para a perdição de muitos poderosos em Israel.

Com a prima a lhe escutar atentamente a palavra, Maria prosseguiu, de olhos úmidos, após ligeira pausa:

- Ciente desse aviso, procurei Eleazar, a fim de interceder por Jesus, junto de suas valiosas relações com as autoridades do templo. Pensei na sua infância desprotegida e receio pelo seu futuro. Eleazar prometeu interessar-se pela sua sorte; todavia, de regresso a Nazaré, experimentei singular multiplicação dos meus temores. Conversei com José, mais detidamente, acerca do pequeno, preocupada com o seu preparo conveniente para a vida!... Entretanto, no dia que se seguiu às nossas íntimas confabulações, Jesus se aproximou de mim, pela manhã, e me interpelou: - “Mãe, que queres tu de mim? Acaso não tenho testemunhado a minha comunhão com o Pai que está no Céu?!” Altamente surpreendida com a sua pergunta, respondi-lhe, hesitante: - Tenho cuidado por ti, meu filho! Reconheço que necessitas de um preparo melhor para a vida... Mas, como se estivesse em pleno conhecimento do que se passava em meu íntimo, ponderou ele: “Mãe, toda preparação útil e generosa no mundo é preciosa; entretanto, eu já estou com Deus. Meu Pai, porém, deseja de nós toda a exemplificação que seja boa e eu escolherei, desse modo, a escola melhor”. No mesmo dia, embora soubesse das belas promessas que os doutores do templo fizeram na sua presença a seu respeito, Jesus aproximou-se de José e lhe pediu, com humildade, o admitisse em seus trabalhos. Desde então, como se nos quisesse ensinar que a melhor escola

para Deus é a do lar e a do esforço próprio - concluiu a palavra materna com singeleza —, ele aperfeiçoa as madeiras da oficina, empunha o martelo e a enxó, enchendo a casa de ânimo, com a sua doce alegria!

Isabel lhe escutava atenta a narrativa, e, depois de outras pequenas considerações materiais, ambas observaram que as primeiras sombras da noite desciam na paisagem, acinzentando o céu sem nuvens.

A carpintaria já estava fechada e José buscava a serenidade do interior doméstico para o repouso.

As duas mães se entreolharam, inquietas, e perguntavam a si próprias para onde teriam ido as duas crianças.

*

Nazaré, com a sua paisagem, das mais belas de toda a Galileia, é talvez o mais formoso recanto da Palestina. Suas ruas humildes e pedregosas, suas casas pequeninas, suas lojas singulares se agrupam numa ampla concavidade em cima das montanhas, ao norte do Esdrelon. Seus horizontes são estreitos e sem interesse; contudo, os que subam um pouco além, até onde se localizam as casinholas mais elevadas, encontrarão para o olhar assombrado as mais formosas perspectivas. O céu parece alongar-se, cobrindo o conjunto maravilhoso, numa dilatação infinita.

Maria e Isabel avistaram seus filhos, lado a lado, sobre uma eminência banhada pelos derradeiros raios vespertinos. De longe, afigurou-se-lhes que os cabelos de Jesus esvoaçavam ao sopro caricioso das brisas do alto. Seu pequeno indicador mostrava a João as paisagens que se multiplicavam a distância, como um grande general

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32 33RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

que desse a conhecer as minudências dos seus planos a um soldado de confiança. Ante seus olhos surgiam as montanhas de Samaria, o cume de Magedo, as eminências de Gelboé, a figura esbelta do Tabor, onde, mais tarde, ficaria inesquecível o instante da Transfiguração, o vale do rio sagrado do Cristianismo, os cumes de Safed, o golfo de Khalfa, o elevado cenário do Pereu, num soberbo conjunto de montes e vales, ao lado das águas cristalinas.

Quem poderia saber qual a conversação solitária que se travara entre ambos?

Distanciados no tempo, devemos presumir que fosse, na Terra, a primeira combinação entre o amor e a verdade, para a conquista do mundo. Sabemos, porém, que, na manhã imediata, em partindo o precursor na carinhosa companhia de sua mãe, perguntou Isabel a Jesus, com gracioso interesse: - Não queres vir conosco? - ao que o pequeno carpinteiro de Nazaré respondeu, profeticamente, com inflexão de profunda bondade: - “João partirá primeiro.”

Transcorridos alguns anos, vamos encontrar o Batista na sua gloriosa tarefa de preparação do caminho à verdade, precedendo o trabalho divino do amor, que o mundo conheceria em Jesus-Cristo.

João, de fato, partiu primeiro, a fim de executar as operações iniciais para grandiosa conquista. Vestido de peles e alimentando-se de mel selvagem, esclarecendo com energia e deixando-se degolar em testemunho à Verdade, ele precedeu a lição da misericórdia e da bondade. O Mestre dos mestres quis colocar a figura franca e áspera do seu profeta no limiar de seus gloriosos

ensinos e, por isso, encontramos em João Batista um dos mais belos de todos os símbolos imortais do Cristianismo. Salomé representa a futilidade do mundo, Herodes e sua mulher o convencionalismo político e o interesse particular. João era a verdade, e a verdade, na sua tarefa de aperfeiçoamento, dilacera e magoa, deixando-se levar aos sacrifícios extremos.

Como a dor que precede as poderosas manifestações da luz no íntimo dos corações, ela recebe o bloco de mármore bruto e lhe trabalha as asperezas para que a obra do amor surja, em sua pureza divina. João Batista foi a voz clamante do deserto. Operário da primeira hora, é ele o símbolo rude da verdade que arranca as mais fortes raízes do mundo, para que o reino de Deus prevaleça nos corações. Exprimindo a austera disciplina que antecede a espontaneidade do amor, a luta para que se desfaçam as sombras do caminho, João é o primeiro sinal do cristão ativo, em guerra com as próprias imperfeições do seu mundo interior, a fim de estabelecer em si mesmo o santuário de sua realização com o Cristo. Foi por essa razão que dele disse Jesus: - “Dos nascidos de mulher, João Batista é o maior de todos.”

Humberto de Campos

(Texto extraído do livro: Boa nova, Humberto de Campos, cap.: 2. Francisco Cândido Xavier)

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35

a

O tempo passava. O menino crescia e se fortalecia em espírito. E habitava nos desertos, até o dia em que se manifestou a Israel.

pregaçãodeJoão

(Conforme Lucas, 3:1 a 20)(Mateus, 3:1 a 12)(Marcos, 1:1 a 8)

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36 37RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

tTratando-se de um acontecimento

que ia abalar o mundo, Lucas associa o aparecimento do arauto de Nosso Senhor, João Batista, como o reinado do tirano Tibério, em seu décimo quinto ano, quando Pôncio Pilatos era governador da Judéia, Herodes tetrarca da Galileia, seu irmão Filipe tetrarca da Ituréia e da Traconítide, Lisânias tetrarca de Abilene, sendo Sumo Sacerdote Anás, e Caifás, veio a palavra de Deus sobre João, filho de Zacarias, no deserto.

João vivia solitário no deserto, vestido com a pele de um camelo e uma correia de couro à volta dos rins. Pregava a mortificação e praticava-a primeiro. A essência de sua mensagem aos soldados, aos empregados públicos, aos trabalhadores, a todos os que o escutavam, era: Arrependam-se. A primeira advertência lançada aos homens no Novo Testamento é que têm de mudar de vida. Os Saduceus têm

de pôr de parte o seu mundanismo; os Fariseus a sua hipocrisia e presunção.

Com o país dominado pelos Romanos, o caminho mais seguro para a polaridade de João seria prometer que aquele que havia de vir, aquele a quem ele anunciava, seria um libertador político. Teria sido esta a maneira de proceder dos homens comuns; mas em vez de um chamamento às armas, João faz um chamamento à reparação dos costumes, uma reforma comportamental, uma renovação da escala de valores, uma mudança de crenças e propósitos existenciais, uma nova maneira de ver a vida.

O Batista anunciava os tempos novos, em que o tesouro será depositado em todas as nações.

As crenças representam uma das estruturas mais importantes do comportamento. Quando realmente acreditamos em algo, nos comportamos de acordo com essa crença.

E todos temos experiência própria de que ao mudarmos certa crença, mudamos o comportamento decorrente, adequando-o ao novo valor.

O foco das pregações de João era no sentido de ressignificar as crenças e os valores adotados por aqueles que o procuravam.

Muitos séculos antes, tinha Isaías predito que o Messias seria precedido de um mensageiro (Marcos, 1:2-4).

Eis que eu envio o meu mensageiro diante de ti, a fim de preparar o teu caminho; voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, tornai retas suas veredas.

João Batista esteve no deserto proclamando um batismo de

arrependimento para a remissão dos pecados, e iam até ele toda a região da Judéia e todos os habitantes de Jerusalém, e eram batizados por ele no rio Jordão, confessando seus pecados.

João, asceta rigoroso, movido por uma convicção profunda dos males do mundo, enfatizava que um penitente precisava estar consciente dos seus erros para trabalhar o arrependimento.

E proclamava: “Depois de mim, vem o mais forte do que eu, de quem não sou digno de, abaixando-me, desatar a correia das sandálias. Eu os tenho batizado com água. Ele, porém, os batizará com o Espírito Santo”.

João apresentava profunda semelhança com o profeta Elias, nos hábitos, nos costumes, nas vestimentas, na alimentação, na vida solitária no deserto.

No livro Vida de Jesus, em seu Capítulo VI, Ernesto Renan comenta:

Depois que a nação judaica entrara com uma espécie de desespero a refletir sobre o seu destino, a imaginação do povo voltava-se com muito afeto para os antigos profetas. Ora, de todos os personagens do passado, cuja recordação vinha, como sonhos de uma noite agitada, despertar e abalar o povo, o maior era Elias. Esse gigante dos profetas, da sua áspera solidão do Carmelo, vivendo a vida das feras, habitando as cavidades dos rochedos, donde saía como o raio para fazer e desfazer os reis, viera a ser, por sucessivas transformações, uma espécie de ente sobre-humano, ora visível, ora invisível, e que não tinha experimentado a morte. Acreditava-se geralmente que Elias estava para reaparecer e viria restaurar Israel.

Cerca de trezentos anos depois de Isaías, o profeta Malaquias profetizou que o arauto prometido por Isaías viria no espírito de Elias.

Eu enviarei Elias como profeta. (Malaquias, 4:5)

Séculos após séculos rolaram através do espaço, até que apareceu no deserto o grande homem com um gênero de vida semelhante à de Elias.

Uma visão rápida e superficial, pode levar a se pensar numa imitação pura e simples por parte de João.

Olhando com olhos de ver, a Bíblia é um rico repositório de fatos e fenômenos essencial e claramente espirituais, com entidades do mundo espiritual atuando, esclarecendo, orientando, ou mesmo desorientando homens.

Outro aspecto muito claro do pensamento do povo de Israel é a do renascimento dos mortos, do retorno à vida através de novo nascimento, ou, em termos atuais, na reencarnação.

Nesse sentido, encontramos farto material nos textos bíblicos. Isaías, Malaquias, Jesus, os apóstolos, tratavam do retorno e do renascimento com a naturalidade de um tema reincidente na vida cotidiana.

Aqui citamos algumas:

Mateus, 17:10 a 13

Os discípulos perguntaram-lhe: “Por que razão os escribas dizem que é preciso que

Elias venha primeiro?” Respondeu-lhes Jesus: “Certamente Elias terá de vir para restaurar tudo. Eu vos digo, porém, que Elias já veio, mas não o reconheceram. Ao

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38 39RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

contrário, fizeram com ele tudo quanto quiseram. Assim também o Filho do Homem irá sofrer da parte deles”. Então os discípulos entenderam que se referia a João Batista.

Marcos 8:27 e 28

Jesus partiu, com seus discípulos para os povoados de Cesareia de Felipe e, no caminho, perguntou a seus discípulos: “Quem dizem os homens que EU SOU?” Responderam-lhe: “João Batista; outros, Elias; outros ainda, um dos profetas”.

Marcos 9:10 a 13

Eles observaram a recomendação perguntando-se o que significaria “ressuscitar dos mortos”. E perguntaram-lhe: “Por que motivo os escribas dizem que é preciso que Elias venha primeiro?”

Ele respondeu: “Elias certamente virá primeiro, para restaurar tudo. Mas como está escrito a respeito do Filho do Homem que deverá sofrer muito e ser desprezado? Eu, porém, vos digo: Elias já veio, e fizeram com ele tudo o que

quiseram, como dele está escrito”.

E o renascimento não cabendo só para profetas. Regra geral para todos. Eis Jesus dialogando com Nicodemos, como lemos em João, 3:1 a 7:

E havia entre os fariseus um homem, chamado Nicodemos, príncipe dos judeus. Este foi ter de noite com Jesus, e disse-lhe: Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele.

Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.

Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?

Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo.

Tudo nos leva a concluir que, conforme vem expresso em Mateus, 17:3: João, o Batista, era Elias, renascido.

As incessantes romarias ao Jordão inquietam os sacerdotes em Jerusalém. Escolhem emissários astutos e os mandam a Abara.

Num dado momento das tarefas diárias de João, atendendo o povo e batizando-os, mergulhando-os nas águas do rio Jordão, um dos espiões dos grandes de Israel questiona-o, se seria ele Elias, ou um outro profeta, ou

mesmo o Messias que há de vir.

- Afinal, quem é você? - repete o provocador.

Como um trovão, reboa a réplica do Enviado:

- Eu sou a voz que clama no deserto, a voz de que falou Isaías, e cuja missão é preparar o caminho do Senhor. Eu batizo com água; ele batizará com fogo. Já está no meio de vocês e vocês não o conheceram. Ele é aquele que virá após mim, porém, que era antes de mim na Eternidade; e eu não sou digno de desatar as correias de suas alparcas.

Mesmo antes de encontrar-se com o Messias, de quem era primo, proclamou a superioridade de Cristo: Após mim vem outro mais forte do que eu, ante o qual não sou digno de me prostrar para lhe desatar a correia dos sapatos. (Marcos

1: 7).

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41

o

Esse encontro estava marcado desde a aurora dos tempos.

batismodeJesus

(Conforme Mateus, 3: 13-17;Marcos, 1: 9-11; Lucas, 3: 21-22)

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42 43RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

eEra um homem de pouco mais de 30

anos.

Veio sozinho e misturou-se na multidão.

Não tinha o aspecto áspero dos profetas, nem a atitude autoritária dos escribas e doutores da lei.

Vestia uma túnica talar de linho branco e um manto de lã, avermelhado, dos tecidos de Damasco, Magdala ou Tiro. Os cabelos louro-escuros eram penteados à moda nazarena, e a barba lhe dava ao semblante reflexos de ouro antigo.

Ninguém notara presença daquele homem no meio da turba que se aglomerava em Salim, junto ao rio, onde João batizava e pregava.

O recém-vindo detém-se na encosta que desliza para as margens do rio. Lá embaixo, com a água até a cintura, apoiando-se pela mão esquerda dos

penitentes, a linfa cristalina. Ondula a multidão entre os penedos, os caniços, os tufos de palmeiras e de junco; espalha-se pelos barrancos e recôncavos ribeirinhos, com águas límpidas estancadas.

Janeiro. É uma linda manhã de céu azul com nuvens esparsas, de brancura alvinitente. Brilha o sol nas copas do arvoredo; cintila nos penhascos úmidos; crepita no dorso claro do rio.

Do alto da encosta, o jovem nazareno contempla o espetáculo da multidão ondulante, no cenário de pedras e palmeiras. Do outro lado, Galaad. Em frente à turba homogênea de camponeses, artífices, soldados, publicanos, homens e mulheres de todas as idades e condições, ergue-se o profeta atlético e áspero, de cuja boca se desprendem, como raios, fuzilantes conceitos contra os erros humanos, e de cujas mãos jorra com água lustral, a misericórdia divina e a consolação para as almas arrependidas.

O homem de Nazaré considera aquele povo e aquele profeta, cuja fama chegara ao Esdrelon e às montanhas setentrionais, pela voz das caravanas e dos peregrinos. E, rompendo caminho entre as pessoas, dirige-se para João, detendo-se à margem do rio.

João estremece, fitando-o.

Esse encontro estava marcado desde a aurora dos tempos.

A primeira impressão do Batista é a do seu espantoso isolamento em face da Terra e dos homens.

Sente-se extremamente só, com a sua certeza: reconhece Aquele cujos caminhos está preparando.

Tudo no homem de túnica branca e

manto encarnado difere do profeta de dorso nu e de pernas nuas com cinto de couro de camelo, o rude bordão, o olhar chamejante, que parece despedir faíscas. O homem que se aproxima é másculo, porém, delicado; é puro, sem afetação de santidade; é austero, sem aspereza; humilde, sem ares subservientes; é todo espírito, sem menosprezo e degradação do corpo. Realiza-se nele (e João bem o percebe) a harmonia dos ritmos perfeitos, o sentido dos equilíbrios exatos. Aquele homem não é propriamente um homem e, entretanto, e apesar de tudo – é o Homem. É o filho do Homem e, por conseguinte, - na suprema expressão humana – o Filho de Deus.

Ao contemplar o homem de trinta anos, que se aproxima do rio, desviando os caniços e os leques das palmeiras, João põe-se a exclamar:

- Eis o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo. Dele é que eu disse: Depois de mim, vem um homem que passou adiante de mim, porque existia antes de mim. (João 1:29 e 30)

Todos os olhares se voltam para o jovem de manto rubro, que marcha resolutamente, rompendo as águas na direção do Batista. A multidão vê os dois homens que se aproximam dentro do rio. Parece que discutem. Alguns distinguem o estranho diálogo:

- Eu é que devia ser batizado por você – diz João – e, entretanto, é você que vem à mim? (Mateus, 3:14 e 15)

- Consente, por agora, ... responde o outro – porque assim nos convém cumprirmos tudo que é justo.

João Batista ergue os olhos ao céu e depois curva a cabeça leonina. Enche pequeno vaso de barro com água e

despeja-a sobre a cabeça do neófito. A multidão vê os dois homens com arrebatados num êxtase. João Batista escuta uma voz, se dentro ou fora do espírito não saberia precisar:

- Este é meu filho muito amado em quem me comprazo! (Mateus, 3: 17; Marcos, 1: 11;

Lucas, 3:22)

Ele se afastara pelo mesmo caminho por onde transitavam os rebanhos, desaparecendo entre os renques de tamareiras. Não tivera João a felicidade de dialogar com Ele, nem voltaria a vê-lo outra vez.

E quando a multidão se dispersa no crepúsculo, João reúne alguns discípulos, dizendo-lhes:

- Eu não o reconheci num primeiro momento; mas aquele que me mandou batizar com água, esse me disse: Sobre aquele que você ver descer o Espírito e sobre ele repousar, esse é o que batiza com o Espírito Santo. E eu vi, e tenho testificado que Ele é o Filho de Deus. (João, 1: 32 a 34)

Rio Jordão

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45

apontamentos

Qualquer que seja o fundamento histórico, João dá um novo significado ao rito da imersão ao conclamar o povo ao arrependimento devido à aproximação do Reino dos céus.

sobreo batismo

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46 47RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

aA palavra baptismós, do grego,

significa imersão.

Dentre outros significados, batismo quer dizer primeira experiência numa atividade ou no conhecimento de algo, que é igual a iniciação.

Esta prática, que assinala períodos milenários, parece ter nascido na Grécia Antiga, logo após a constituição de uma seita que cultuava a Deusa Cotito e a quem os atenienses rendiam os seus louvores. Esta seita era constituída de sacerdotes que tinham recebido o nome de baptas, porque se banhavam e purificavam com perfumes antes da celebração das cerimônias.

Há, também, referência histórica que os antigos persas apresentavam o recém-nascido ao padre, perante o Sol, simbolizado pelo fogo. O padre pegava a criança e a colocava em uma bacia com água, a fim de lhe purificar a alma. Nessa ocasião o pai dava nome ao filho.

[...]

A cerimônia do batismo, no verdadeiro sentido de banho expiatório, já havia, também, na Índia, milhares de anos antes de existir a Europa, tendo daí passado para o Egito. Na Índia eram as águas do Ganges, consideradas sagradas, como ainda hoje, que possuíam esta propriedade purificadora; do Ganges passou-se para o Indus, igualmente sagrado, de onde se propagou ao Nilo, do mesmo modo sagrado, para, finalmente, terminar no Jordão, onde João as empregava com o mesmo fim e como simples formalidade do seu rito.

Os judeus usavam como característica da sua fé, a circuncisão, a prática que consistia numa operação cruenta que Moisés havia decretado, levando em conta, sobretudo, uma necessidade higiênica, ditada pelo clima daquelas paragens.

Sob certo aspecto, João deliberou substituir aquela prática cruenta da Igreja Hebraica, a circuncisão, pela imersão no Rio Jordão.

Observemos que o filho de Zacarias que recebera o nome de João pela intercessão do Espírito Gabriel em comunicação com o seu pai, que era sacerdote do templo, não era conhecido por Batista. Este nome lhe foi dado posteriormente, caracterizando-o com o aquele que batizava.

Permanece também a possibilidade de João ter adaptado as abluções diárias dos membros da comunidade de Qumran, transformando-as em um rito de significado escatológico que fosse realizado uma única vez, sem repetições. Há outros que encontram o contexto histórico do batismo de João no batismo judaico dos prosélitos. Quando

um gentio abraçava o judaísmo, deveria submeter-se a um banho ritual (batismo), à circuncisão e oferecer sacrifícios.

Há alguns pontos de semelhança entre o batismo de João e o de prosélitos. Em ambos os ritos, no batismo de João e no de prosélitos, o candidato era imerso ou imergia-se completamente na água. Os dois batismos envolviam um elemento ético, pelo fato de que a pessoa batizada fazia um rompimento total com sua antiga conduta para dedicar-se a uma nova vida. Em ambos os casos, o rito era de iniciação, pois introduzia a pessoa batizada em uma nova comunhão: uma comunhão com o povo judaico e a outra no círculo daqueles que estavam preparados para participar da salvação do Reino messiânico vindouro. Ambos os ritos, em contraste com as purificações judaicas comuns, eram realizados de uma vez por todas.

É possível que o contexto histórico que explique a origem do batismo de João não seja nem o batismo da comunidade Qumran, nem o de prosélitos, mas simplesmente as abluções cerimoniais previstas no Antigo Testamento. Os sacerdotes eram obrigados a se lavarem em sua preparação para ministrarem no santuário, assim como exigia-se que o povo participasse de certas purificações em várias ocasiões (Lv. 11-15; Nm. 19).

Qualquer que seja o fundamento histórico, João dá um novo significado ao rito da imersão ao conclamar o povo ao arrependimento devido à aproximação do Reino dos céus.

Jesus foi batizado por João, mas Ele, por sua vez, não batizava, como bem se lê em João, 4:2: Ainda que Jesus mesmo não batizava, mas os seus discípulos.

Em quase todas as culturas tradicionais, os ritos de passagem assinalam o fim da infância e o início da idade adulta. Mas nem todos esses ritos são indolores e isentos de perigo como os nossos bailes das debutantes, a primeira comunhão dos católicos ou o bar mitzva dos judeus. Existem aqueles que se lançam literalmente no vazio amarrados a um cipó nos tornozelos, e quem se deixa picar nas mãos por dezenas de formigas tropicais.

Por exemplo, a primeira iniciação dos meninos Karajá (MT/TO) se dá por volta dos sete ou oito anos de idade. Consiste na perfuração do lábio inferior, que irá receber um adorno. A perfuração é feita com a clavícula de um macaco, e se dá na presença dos pais.

Os homens de então, bem como ainda hoje, no geral, têm uma necessidade de feitos e fatores materiais externos, tangíveis, para melhor registrar as ocorrências e melhor demarcar seu aprendizado a respeito das coisas e a busca de seus efeitos.

Como bem diz Aristóteles: Não há nada na nossa inteligência que não tenha passado pelos sentidos.

Logo, é natural esse apego aos símbolos, aos ritos, as manifestações exteriores, mesmo nem sempre preenchendo o vazio existencial. Isso é ponderável para o homem.

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48 49RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

Também por isso temos dificuldade em melhor utilizar a injunção do pensamento, da reflexão e da imaginação, como ferramenta produtora do conhecimento e da sabedoria, sem menosprezo ao que está no externo, mas, sim, nos voltarmos e valorizarmos o que já está em nosso íntimo.

Alcançaremos, por certo, essa percepção da vida, como no dizer de Antoine de Saint-Exupéry: Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.

Observemos, no entanto, independente das respeitáveis práticas exteriores, como no nosso tema: o batismo de João, que persistem até hoje e guardam importante mensagem para seus adeptos, que João tinha como prática principal o chamamento das pessoas para o arrependimento e penitência para remissão dos pecados, preparando-se para o reino de Deus.

Em outras palavras, assim disse João Batista:

“O meu único escopo, colocando-me às margens do Jordão e atraindo a mim as multidões, era ver, no meio destas, aquele sobre o qual pousasse o Espírito Santo, porque foi este o sinal que o Espírito que me assiste, deu-me para eu reconhecer o Filho Amado de Deus e apresenta-lo às multidões. Além disso, batizando com água, eu tinha por tarefa preparar o ânimo do povo, convidando ao Arrependimento, de maneira a poder receber o Batismo do Espírito Santo e do Fogo”.

Demarcava as promessas da renovação moral que o iniciado fazia de viva voz, com o ritual da água que lavava o iniciado, purificando-o para seguir uma nova vida, aguardando a chegada do Messias.

Emmanuel, Espírito Guia de Chico Xavier, em seu livro: O Consolador, ao responder a questão 298, esclarece-nos, especialmente como pais, que devemos (...) entender o batismo como o apelo do seu coração ao Pai de Misericórdia, para que os seus esforços sejam santificados no trabalho de conduzir as almas a eles confiadas no instituto familiar, compreendendo, além do mais, que esse ato de amor e de compromisso divino deve ser continuado por toda a vida, na renúncia e no sacrifício, em favor da perfeita cristianização dos filhos, no apostolado do trabalho e da dedicação.

A nossa grande iniciação nos põe mergulhados em uma nova existência, na qual cada dia se apresenta como bênção de oportunidade renovada, para seguirmos em nossa caminhada redentora, ao encontro do Bem pleno em nós. O nosso batismo são os embates de cada dia no mundo, vivendo de modo a vencermos o mundo e não por ele sermos vencidos. A nos tornarmos a cada dia, melhores do que no dia anterior, e no dia seguinte melhores do que no dia anterior, e assim sucessivamente.

À medida que nossas crenças e valores, que ditam nosso modo de pensar e de ser, forem se reformulando em bases mais congruentes com a nossa realidade de espíritos imortais que somos, vamos descobrindo a real razão do existir e o porvir já não estará velado pela nossa cegueira da ignorância, a eternidade deixará de ser suposição por se apresentar verdadeira, e a esperança nos estimulará ao arrependimento, ao autoperdão, e ao reparo de nossos erros, tendo a força da fé

como alavanca para nos levantarmos dos caimentos e seguirmos adiante, sempre em frente e para o alto, rumo para a glória da felicidade conquistada, com passos firmes e destemidos, pois o Messias será sim nosso guia e modelo, e seus ensinos terão deixado nossos pensamentos para se alojarem em nossos corações, e daí virão para movimentar nossas mãos em constante serviço em nome do amor e da caridade.

João, aquele que batizava, cumpriu sua missão com zelo, dedicação, confiança, persistência e destemor.

Façamos nós o mesmo.

Importa que a religião que professemos nos religue com Deus, auxiliando-nos a nos tornarmos homens de bem. Suas práticas exteriores ou a ausência dessas não fazem melhor umas das outras. Todas são importantes para o finalismo Divino. O que realmente importa é nossa qualidade de vida religiosa.

Trabalhemos por alcançar a religiosidade da consciência, onde o sagrado que alimente nosso âmago, seja consagrado pelo sentimento superior que nosso coração guarde, e seu palpitar dite o ritmo de nossa vida que não titubeia diante do sacrifício em nome do amor por nós, pelo próximo e por Deus, acima de todas as coisas.

Mais do que uma bandeira religiosa, nosso comportamento é o parâmetro.

Deixe-se iniciar na jornada ao encontro do Cristo, lembrando sempre que Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Ou, segundo outros tradutores dos textos sagrados: o Caminho da Verdadeira Vida.

Page 26: Rastros de luz 03

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outro

Saibam que é necessário que ele cresça e eu diminua. Aquele que vem do alto está acima de todos.

testemunhodeJoão

(Conforme João, 3: 22 a 36)

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52 53RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

jJesus veio com os seus discípulos para o território da Judéia e permaneceu ali

com eles e batizava, ainda que, de fato, Jesus mesmo não batizasse, mas os seus discípulos. (João, 4:2)

João também batizava em Enon, perto de Salim, pois lá as águas eram abundantes e muitos se apresentavam para serem batizados.

Em dado momento, originou-se uma discussão entre os discípulos de João e um certo judeu a respeito da purificação; eles vieram encontrar João e lhe disseram: “Rabi, aquele que estava contigo do outro lado do Jordão, de quem você deu testemunho, está batizando e todos vão a ele”.

João respondeu: “Um homem nada pode receber a não ser que lhe tenha sido dado do céu. Vocês mesmos são testemunhas de que eu disse: ‘Não sou eu o Cristo, mas sou enviado adiante dele’.

Saibam que é necessário que ele cresça e eu diminua. Aquele que vem do alto está acima de todos.

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mortopreso

e

João(Conforme Mateus, 3:1 a 12 e 14:1-2; Marcos, 1:1 a 8 e 6:14 a 29; Lucas, 3:1 a 20 e 9:7 a 9; João, 1:19 a 37)

- Estou pronto! – disse.

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56 57RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA

aA porta abriu rangendo em ferros gastos e uma figura grotesca assomou à

soleira, erguendo o alfange brilhante de encontro ao retalho de luar, que invadira a estreita cela.

A noite serena estava envolta em escumilha franjada de prata e se ouviam, de longe em longe, os surdos sons reveladores da bacanal desenfreada no outro lado.

Maqueronte ou Maquero, a fortaleza sombria erguida nas cumiadas do planalto de Moab, na Pereia, descortinava horizontes ilimitados. De um lado, o fosso do mar morto, caindo mil e duzentos metros abaixo e, além das imensas planícies, o monte Nebo, donde Moisés contemplara a Terra Prometida.

Naquela torre da sinistra cidadela ele já passara dez meses de doloroso cativeiro.

É verdade que não sofrera suplícios; todavia, isolado dos discípulos amados, que no vau de Bethabara ou nos “mananciais da paz”, em Citópolis, pregava a necessidade do arrependimento e a penitência, sofria o amargor da punição indébita. Intimamente recordava suas próprias palavras dirigidas aos companheiros, quando estes, algo enciumados, lhe falaram sobre Jesus;

“O homem não pode receber coisa alguma se do céu não lhe for dada. Vós mesmos sois testemunhas de que vos disse: Não sou o Cristo! mas fui enviado apenas como precursor. Quem tem a esposa, esse é o que é o esposo. O amigo do esposo, que o acompanha, alegra-se intimamente quando ouve a voz do esposo. Pois, esta alegria me coube abundantemente. Convém que ele cresça e que eu diminua”...

Era março de 29.

Herodes Ântipas retornava da viagem encetada à Babilônia, como membro da comitiva de Tibério, que tinha à frente o legado Vitélio, para conseguir as simpatias de Artabano, rei dos Medos, que vencera os Partos em guerra sangrenta e cruel.

Demorando-se em Maqueronte, resolvera ali comemorar o próprio natalício, oferecendo à comitiva principesca e ociosa suntuoso festim, naquele inverno, ao invés de desfrutar o agradável clima de Tiberíades onde passava invariavelmente essa quadra do ano.

*

Ele aguardava aquele instante e para isto se fortalecera em longas e calmas meditações.

Naqueles meses do amargo cativeiro, em hora alguma quebrantara o ânimo firme ou a coragem férrea. Não tergiversou nem jamais temeu; se muitas vidas possuísse, de uma só vez todas daria pelo direito de proclamar os dias de justiça que se avizinhavam e invectivar a degradação dos costumes que se imiscuíra na própria corte, onde o incesto e o adultério campeavam sob o beneplácito condescendente da cordialidade vulgar.

Nos dias transatos de peregrinação pelo deserto, alimentando-se frugalmente

e mergulhado em profundos cismares, sentira as mãos fortes e intangíveis do Pai fortalecendo suas fibras, e ouvira no coração as vozes ininteligíveis dos seres angélicos, ordenando-lhe a pregação redentora, para abrir veredas por onde seguisse o Esperado...

Aquela era a hora do testemunho: sentia-o interiormente.

Experimentara estranha algidez prenunciadora do momento. Até então estivera recordando todos os acontecimentos.

Desfilaram mentalmente aqueles dias risonhos da infância feliz, sombreada apenas por secreta preocupação acerca de Deus e sobre os homens a crescer através dos dias, exageradamente pelos verdes anos da adolescência.

Quantas vezes, não poderia dizê-lo, escutando as narrativas da Lei, na Sinagoga, ou comentando os Livros Sagrados, sentira-se arrebatado pela necessidade de meditar a sós, perdido pelos áridos e difíceis caminhos das

Aquela era a hora do testemunho: sentia-o interiormente.

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regiões ásperas do deserto montanhoso e adusto! E ao fazê-lo, quantas visões inextricáveis experimentara!... Em toda a inquietação que o atormentava e em toda a necessidade de que procurava fugir, sentia que os Céus o conduziam para um destino: o de preparar caminhos para outros pés... para o Messias Libertador!

Tudo na sua vida transcorrera de modo incomum. O berço lhe fora oferecido em circunstâncias transcendentais. Seus pais receberam-no, quando já não o esperavam.

Conhecia o fato, narrado pelo próprio Zacarias.

Ansioso por um filho, ele fora ao Templo orar e, ao fazê-lo, surpreendera-se pela presença de um ser espiritual que lhe disse: “Nada receies, Zacarias, pois que a tua oração foi escutada. A tua mulher, Isabel, dar-te-á um filho, ao qual porás o nome de João. Ele será para ti motivo de alegria e regozijo, porquanto será grande no Senhor”.

O torpor e o receio invadiram seu pai, estranha mudez lhe adviera e, depois, o nascimento aguardado.

As mãos de Deus, indiscutivelmente, pousavam sobre o seu lar.

Depois...

Ao seguir para o deserto, vestiu-se como o antigo profeta Elias: uma pele de camelo no corpo, em volta dos rins um cinto de couro...

Iniciara o ministério por volta do ano 15 do império de Tibério César, sendo

Pôncio Pilatos governador da Judeia e Herodes Ântipas tetrarca da Galileia...

Descera os chapadões rochosos e duros da Peréia e viera a Bethabara, perto da embocadura do Mar Morto, onde o Jordão enseja um vau de fácil acesso para as caravanas, e ali começara pregando e lavando as impurezas com a água do rio, expectante, porém, quanto Àquele que conduziria os homens, assinalando-os com o fogo da verdade, o sinal da vida eterna.

O clima de inverno é ali delicioso e as águas velozes passam cantando entre os festões de canas e fetos, sob a sombra de tamarindeiros cujo verdor contrasta com o deserto de fogo ardente e nu, mais adiante.

Contava somente trinta anos e estava estuante de força e vigor.

A voz tonitroante brada sem cessar: “Quem vos ensinou a fugir da cólera que vai chegar? O machado corta já as raízes das árvores. Toda árvore que não produz bom fruto será cortada e lançada ao fogo”.

A evocação fá-lo chorar: saudades daqueles dias de ação preparatória para a chegada d’Ele...

*

Havia quase cinco séculos que a boca profética ali se calara e uma preocupação geral dominava os corações.

O sangue das vítimas das guerras e das rebeliões incessantes, abafadas a ferro e fogo, corria abundante e o clamor das vozes ao Senhor era ensurdecedor. O Alto, no entanto, permanecia em silêncio...

Ele se sentia, não há como duvidar, “a voz que clama no deserto” e preparava “os caminhos do Senhor”. Fora assim mesmo que respondera aos judeus enviados pelos sacerdotes e levitas de Jerusalém, ao lhe indagarem se ele era o Cristo ou o Elias esperado. Naquele instante, força incomum dominara-o e nobre inflexão modulara-lhe a voz ao proclamar: “Eu batizo com água; mas no meio de vós está desconhecido de vós, aquele que virá após mim. Eu nem sou digno de lhe desatar as correias do calçado”. Isto fora em Betânia, um pouco além do Jordão, e sentira-se grande na própria pequenez.

No dia seguinte, recordava-o com os olhos nublados de pranto e indizível felicidade interior, a alva se espraiava lentamente e a “Casa da passagem” regurgitava de viajantes. Sob os loendros e tamarindeiros em flor zumbiam miríades de insetos, suaves olores perpassavam no ar.

Pregava as primícias do Reino de Deus com inusitada emoção.

O verbo quente, derramado em catadupas de alento esperançoso, umedecia-lhe os olhos requeimados pelo Sol ardente. Quando se movimentava no afã de arregimentar almas para o exército que preparava, vira-O de relance descendo a borda do rio, por sobre a relva verdejante com os vestidos brilhando de maneira incomum, tendo sobre a cabeça o “coffieh” (espécie de turbante) tradicional. O

Maqueronte

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vaso improvisado para o banho lhe escorregara da mão e ele gritou sem poder dominar-se: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Este é de quem eu dizia: após mim vem um que é maior que eu; porque existia antes de mim. Não o conhecia eu, mas, para o tornar conhecido em Israel, é que vim com o batismo d’água” e aproximando-se, disse-lhe:

- “Eu é que devia ser batizado por ti – e tu vens a mim?”

- “Deixa por agora; convém cumprirmos tudo que é justo”.

Ele falava com eloquente grandeza espiritual.

Após o ato singelo, ouviu-se uma voz, se dentro ou fora do espírito, rememorando, não saberia dizê-lo: “Este é meu Filho querido, no qual pus a minha complacência”.

Tudo acontecera em janeiro do ano anterior e parecia tão próximo!...

Ele se afastara pelo mesmo caminho por onde transitavam os rebanhos, desaparecendo entre os renques de tamareiras. Não voltara a vê-lo outra vez; não tivera a felicidade de dialogar com Ele.

Uma tranquila confiança empolgara-lhe o espírito desde então.

Pôs-se a verberar com mais ardor contra a degeneração moral onde esta se encontrasse.

Foi visitar o Tetrarca e sem trepidar invectivou-lhe a conduta.

Como pudera aquele reizete pusilânime e ignóbil trair a filha de Aretas, rei dos Nabateus, que se vira obrigada a buscar refúgio além da Peréia, em Petra, junto ao pai, enquanto ele recebia a esposa do seu meio-irmão, Herodes Felipe I, que vivia em Roma como cidadão, sem qualquer título, e era filha de outro meio-irmão, Aristóbulo, apaixonado como a avó, Mariamne, a asmoneana, assassinada por Herodes, o Grande!...

As palavras veementes queimavam, e Ântipas o ouvira impressionado.

Fraco, porém, ou indiferente, não tivera o príncipe a nobreza de libertar-se da estranha paixão, sem sequer reagira.

Sabia, no entanto, da ira que empolgara a alma da mulher ferida no seu orgulho e desfaçatez...

A noite sonhava muito longe e o vento frio corria por sobre os montes do Galaad.

*

Os pífaros agudos varam a noite estrelada e as sombras no salão de festas da fortaleza dançam retalhadas pelas flamas vermelhas das lâmpadas de cobre e cristal suspensas...

As recordações continuam a assalta-lo na masmorra sombria e infecta.

Quantas humilhações que, todavia, não o feriam!

No íntimo recordava: “É necessário que Ele cresça e eu diminua”... Gostaria de ter ouvido, conversando com o Ungido! À mente vinha a lembrança de Moisés, atormentado, no alto Nebo, fitando a “terra eleita” sem lobrigar alcançá-la...

Com esse receio no coração, nascido talvez dos dias de solitária e triste reclusão, mandara dois discípulos procurarem Jesus de Quem tanto ouvia falar, para saber...

A resposta não chegara e a hora era aquela, a sua hora.

O suor começou a escorrer abundante.

Estava, porém, em paz.

Seu espírito, preparado para o testemunho, não acalentava ilusões. Forjara a esperança nos foles, fornos, bigornas do ascetismo, da dedicação e da confiança totais.

Levantou-se, aspirou o ar tranquilo da noite, examinou a nesga de céu bordado e lavado de luar, fitou o carrasco que o contemplava soturno à porta aberta. A voz soou firme como no passado, embora o desgaste orgânico.

- Estou pronto! – disse.

Ajoelhou-se sobre a palha imunda do cubículo e curvou a cabeça para baixo.

*

Na manhã clara, meses antes, na Galileia formosa, os discípulos de João, ansiosos, interrogaram o estranho o nobre Rabi:

- “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar por outro?”

- “Ide – respondeu, jubiloso -, e contai a João o que ouvis e vedes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos tornam-se limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, e aos pobres é anunciada a boa nova. Feliz de quem não se escandalizar de mim”.

Logo se afastaram, comovidos e fascinados. O Mestre, tocado de ternura pelo prisioneiro que O mandara inquirir, falou:

- “Que saístes a ver ao deserto? um caniço agitado pelo vento? pois que saístes a ver? um homem em roupas delicadas? Ora, os que trajam roupas delicadas residem nos palácios dos reis, Por que, pois, saístes? para verdes um profeta? Sim, declaro-vos eu e mais que um profeta: porque este é de quem está escrito: Eis que envio a preceder-te o meu arauto, a fim de preparar o caminho diante de ti!”

A balada da revelação nos lábios do Rabi se emoldura de cristalina beleza e ele prossegue:

- “Em verdade vos digo que entre os filhos de mulher não surgiu quem fosse maior do que João Batista. Entretanto, o menor no reino dos céus é maior que

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ele. Desde os dias de João Batista até hoje, o reino dos céus sofre violência e os homens violentos o tomam de assalto. Porque todos os profetas e a lei, até João, vaticinaram. Ele porém – se o quiserdes aceitar – é o Elias que há de vir. Quem tem ouvidos para ouvir ouça!”

Sim, João é Elias reencarnado, abrindo caminhos e preparando estradas!

A verdade está enunciada. Luz nova se projeta nos dédalos da ignorância multimilenar.

*

Em Maqueronte, entre os convidados de toda parte, encontravam-se Herodíade e Salomé, sua filha do consórcio com Filipe I; Agripa, seu irmão, que mais tarde, no império de Calígula, seria nomeado sucessor de Filipe, no seu território, e, posteriormente, quando Ântipas foi exilado para Lião, na Gália, lhe sucederia em sua Tetrarquia. Também lá estava Herodes-Filipe II, o Tetrarca pacífico da Gaulanítida e Traconítida, que em breve tempo casaria com Salomé.

O festim, digno das cortes orientais, excedia em luxo e loucura.

Vitélio, chegando em sua liteira suntuosa, traz consigo todo um exército de bajuladores e serviçais e entra triunfalmente recebido pelo aniversariante.

Os crótalos cantam; as cítaras e os “kinnor” (harpa judaica de som grave) enchem o ar de estranhas e lânguidas melodias, enquanto os timbales marcam o febril compasso.

Os lampadários estão em todo o seu esplendor e os candelabros, com almotolias de prata e outro, derramam luz sobre os tapetes da Babilônia, de Tiro, de Sidon e os panos coloridos de Damasco a escorrerem pelas paredes de pedra lavrada.

Jacintos, dálias, rosas e jasmins forma festões coloridos e perfumados em volta, por detrás das mesas de ébano e mogno trabalhadas.

Saduceus e fariseus discutem animadamente, enquanto os suculentos manjares desfilam e atendem aos convivas.

Uma escrava canta estranha e ignota melodia.

Num intervalo, os velários são descerrados.

E subitamente, ante o espanto geral, Salomé, menina-moça, põe-se a dançar...

O vinho louro escorria abundante e o bailado de loucura inebriava os príncipes, os fariseus, os convidados em geral.

A dança, u’a mistura de ritmos religiosos e pagãos, era também lasciva.

Quando a música se interrompeu e imenso silêncio penetrou triunfante, a bailarina tombou em atitude insólita e luxuriosa.

Ântipas, entorpecido pelo vinho e pela sensualidade, exclamou em febre, enlaçando a jovem menina:

- “Pede! Pede-me metade do meu reino e eu to darei”!

Pela mente ambiciosa da garota excitada perpassam as paixões e ansiedades da sua época.

Atordoada, busca a genitora para aconselhar-se, e esta, achando propícia a ocasião, segreda: “pede-lhe a cabeça de João”.

A menina empalidece.

A mãe, autoritária, insiste: pede-lhe! E eu te darei o que quiseres. Esse João ousou desmoralizar-me diante da ralé e perante o próprio rei, que, acovardado, idumeu supersticioso, não teve altivez de o punir, degolando-o com severidade para servir de exemplo. Limpa-me o nome, filha! não apenas peço: eu to exijo!

O ar pesava e a expectativa se fez geral.

Alguém gritou: pede-lhe! É rei, e após prometer não poderá recusar. Somos

Mar da Galileia

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64 65RASTROS DE LUZ | JOÃO, AQUELE QUE BATIZAVA 65 RASTROS DE LUZ | A DESCONHECIDA INFÂNCIA

deLuzum olhar na história

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Este é o filho do carpinteiro?

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testemunhas. Pede!

Com a voz rouca a menina propôs:

- “Dá-me a cabeça de João” para que eu possa bailar.

Ântipas, respeitava e temia o Batista.

Ouvindo o singular pedido, estremeceu, e quedou-se lívido.

Gargalhada geral explodiu no ar e as vozes, em coro, reclamaram:

- Dá-lhe a cabeça do Batista ou temes ofertá-la?!

Atoleimado, o rei chamou um sicário e mandou-o decepar a cabeça de João, encarcerado.

No alto, a lua, em minguante, ocultou-se entre nuvens escuras e um silêncio tétrico se encheu de expectação...

... A Lâmina prateada cortou o ar e num baque surdo a cabeça do Precursor rolou no piso de pedra...

A música voltou a soar e, rodopiando, com uma bandeja de prata na mão espalmada, Salomé entregou a Herodíade o troféu: a cabeça decepada do Batista que fitava com olhos sem luz a consciência ultrajada dos seus algozes.

Semidesvairada a infeliz mulher pôs-se a gargalhar...

Elias resgatava o crime cometido às margens do rio Quizom, quando mandara decepar a cabeça dos adoradores de Baal e, livre, tarefa cumprida, ascendia, agora, nos Cimos.

Seus discípulos rogaram a Ântipas o cadáver e o sepultaram com carinho.

Em colina longínqua, auscultando a noite silente, Jesus orava.

Dias depois abandonou as terras de Herodes Ântipas e foi semear a boa nova em outras terras...

Cumpriam-se as Escrituras.

O silêncio que o Precursor fizera ensejava a audição do Messias por toda a Terra, numa nova Era.

Amélia Rodrigues

(Texto extraído do livro Primícias do Reino, de Amélia Rodrigues, Cap. O precursor. Divaldo Franco)