fichamento michael lowy romantismo e política

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Os LOWY, Michael e SAYRE, Robert. Romantismo e Poltica. Traduo Elosa de Arajo Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1993.

Captulo I Figuras do Romantismo Anticapitalista

p.11

O que romantismo? Enigma indecifrvel, verdadeiro quebra-cabea chins, o fato romntico parece desafiar a anlise cientfica no apenas porque sua vasta diversidade resiste aparentemente a qualquer tentativa de reduo a um denominador comum, mas tambm e sobretudo por seu carter fabulosamente contraditrio: a um s tempo (ou ora) revolucionrio e contrarrevolucionrio, cosmopolita e nacionalista, realista e fantstico, restitucionista e utopista, democrtico e aristocrtico, republicano e monarquista, vermelho e branco, mstico e sensual...Contradies que atravessam no apenas o movimento romntico, mas a vida e obra de um nico e mesmo autor e, s vezes, de um nico e mesmo texto.

Diante desse enigma a crtica no-marxista forneceu, sem dvida, notveis contribuies parciais. Permite assinalar um certo nmero de traos importantes que se encontram, se no em todos, ao menos em grande parte dos autores romnticos.

p.12

O mrito dos trabalhos marxistas de ter salientado o essencial, designado o eixo comum, o elemento unificador do movimento romntico na maioria, se no na totalidade, de suas manifestaes atravs dos principais focos europeus (ALE, FRA e ING): a oposio ao capitalismo.

Da o conceito de romantismo anticapitalista, formulado pela primeira vez por Lukcs, mas cujos antecedentes podem ser encontrados nos escritos de Marx e Engels sobre Balzac, Carlyle, Sismondi, etc.

Ao contrrio de Marx e Engels, muitos autores marxistas ou influenciados pela corrente do sculo XX no enfocaram o romantismo seno como uma corrente reacionria e contrarrevolucionria. Na Frana, esta orientao ser representada por Jacques Droz; seus notveis livros sobre o romantismo poltico alemo situam com bastante preciso o carter global do fenmeno e sua dimenso anticapitalista. O movimento concebido como sendo, em ltima anlise, uma reao aos princpios da Rev. Francesa e da conquista napolenica, uma reao que aspira restaurar a civilizao medieval e que se situa, sem dvida alguma, no campo da contrarrevoluo

p. 13

Tambm Lukcs um desses pensadores marxistas que consideram o romantismo anticapitalista sobretudo como uma corrente reacionria, que tende para a direita e para o fascismo. No entanto, ele tem o mrito de ter criado o conceito de romantismo anticapitalista para designar o conjunto das formas de pensamento em que a crtica da sociedade burguesa se inspira em uma referncia ao passado pr-capitalista. Tambm compreendeu o carter contraditrio do fenmeno, mesmo se insiste sobre o fato de o romantismo conduzir muito mais facilmente para a reao do que para a esquerda e para a revoluo.

p. 14-15

A lucidez crtica de autores romnticos anticapitalistas no de modo algum contraditria com sua ideologia reacionria, passadista, legitimista ou conservadora. vo (e intil) cobrir-lhes de virtudes democrticas ou progressistas inexistentes: por terem o olhar voltado para o passado que podem criticar com tanta preciso e realismo o presente (a sociedade burguesa). claro que essa crtica pode ser feita tambm (e melhor) do ponto de vista do futuro, como nos utopistas e nos revolucionrios; mas um preconceito s conceber a crtica da realidade social em uma perspectiva progressista.

p. 15

Na realidade, existe um certo nmero de trabalhos marxistas que do conta, de maneira dialtica, a um s tempo das contradies e da unidade essencial do romantismo, e no negligenciam suas potencialidades revolucionrias (Ernst Fischer, Thompson, Raymond Williams e Hobsbawn)

p. 16

A seguir nos esforaremos, portanto, em primeiro lugar para definir o romantismo como viso de mundo, ou seja, como estrutura mental coletiva especfica a certos grupos sociais. Tal estrutura pode concretizar-se, expressar-se em domnios culturais diversos: na literatura e nas outras artes, na filosofia e na teologia, no pensamento poltico, econmico e jurdico, na sociologia e na histria.

p. 17

J que se trata de uma viso de mundo histrica importante, em primeiro lugar, estabelecer seus limites temporais e definir o campo histrico no qual ela se insere. Quanto s origens do fenmeno, a gnese deveria ser anterior a 1789, j que o estabelecimento de estruturas econmicas capitalistas precedeu de longe a reestruturao no nvel poltico.

p. 19

a partir da metade do sculo XVIII que haver manifestaes importantes de um verdadeiro romantismo. As primeiras manifestaes e aquelas que se generalizam com maior rapidez, ocorrem na Inglaterra, pas onde as relaes capitalistas se desenvolvem mais cedo e de modo mais completo. Na Frana, no entanto, tambm Rousseau j exprime toda uma temtica romntica e, mesmo na Alemanha sensivelmente atrasada em seu desenvolvimento capitalista, o movimento do Sturm und Drang anos 1770, e sobretudo o Werther de Goethe, testemunharam um romantismo de primeira importncia.

Por outro lado, nenhuma das datas de encerramento que foram propostas para delimitar o fenmeno da viso romntica anticapitalista aceitvel: nem 1848, nem a virada do sculo marcam seu desaparecimento ou mesmo sua marginalizao.

p. 20

Se a hiptese de que a viso romntica essencialmente uma reao contra as condies de vida na sociedade capitalista, esta viso se estenderia ao prprio capitalismo. Na definio analtica dessa viso de mundo, ns a apresentaremos como uma srie de temas articulados conforme uma lgica e formulados num nvel de generalidade suficiente para compreender as diversas expresses do fenmeno em todo o campo histrico que acabamos de designar.

Para definir o romantismo, fez-se muitas vezes uma enumerao ou uma configurao de temas presentes de maneira abstrata e atemporal, sem se compreender que os aspectos que parecem ser os mais puramente espirituais ou intelectuais esto estritamente ligados temporalidade. O romantismo comea como revolta contra um presente histrico e concreto.

p. 21

Alm disso, a sensibilidade romntica percebe nessa realidade, caractersticas essenciais do capitalismo moderno. O que recusado, aquilo contra o que se revolta, no um momento presente qualquer, e sim um presente especificamente capitalista e percebido em suas qualidades mais constitutivas. O que todas as tendncias dessa viso denunciam por unanimidade so as caractersticas essenciais do capitalismo, cujos efeitos negativos atravessam as classes sociais, vividos como misria por toda parte na sociedade capitalista.

p. 22

Trata-se do todo-poderoso, nessa sociedade, valor de troca (do mercado e do dinheiro), logo, do fenmeno da reificao. E em corolrio reificao generalizada, a fragmentao social, o isolamento radical do indivduo na sociedade. Pois uma sociedade fundada sobre o dinheiro e sobre a concorrncia separa os indivduos em nmades egostas, hostis e indiferentes aos outros. sobretudo contra esses traos que o romantismo anticapitalista se insurge.

A experincia de perda est ligada a essa revolta contra o capitalismo: no real moderno algo precioso se perdeu, tanto no que concerne ao indivduo quanto humanidade. A viso romntica caracteriza-se pela dolorosa convico de que faltam ao real presente certos valores humanos essenciais que foram alienados.

Deseja-se ardorosamente reencontrar o lar, retornar ptria, e precisamente a nostalgia do que foi perdido que est no centro da viso romntica anticapitalista. O que o presente perdeu existia antes, num passado mais ou menos longnquo.

p. 23

A caracterstica determinante desse passado sua diferena com o presente o perodo em que as alienaes do presente ainda no existiam. J que essas alienaes provinham do capitalismo tal como o percebem e concebem os romnticos, trata-se de uma nostalgia por um passado pr-capitalista, ou, ao menos, por um passado em que o sistema capitalista era menos desenvolvido do que no presente.

Logo, tal nostalgia do passado est conforme o termo de Marx estreitamente ligada crtica, recusa de capitalismo. O passado, objeto da nostalgia, pode ser inteiramente mitolgico/lendrio, como no caso da referncia ao den, Idade de Ouro, ou Atlntida. No entanto, mesmo nos numerosos casos em que ele bem real, h sempre uma idealizao do passado. A viso romntica toma um momento do passado real em que no havia caractersticas negativas do capitalismo, ou estas eram atenuadas, quando caractersticas humanas sufocadas pelo capitalismo ainda existiam, e o transforma em utopia, molda-o como encarnao das aspiraes e das esperanas romnticas. Com isso se explica o paradoxo aparente de que o passadismo romntico pode ser tambm um olhar para o futuro; pois a imagem de um futuro sonhado para alm do capitalismo se inscreve numa viso nostlgica de uma era pr-capitalista.

O romantismo anticapitalista olha para trs em direo a sociedades primitivas, a Grcia antiga, a Renascena inglesa, o antigo regime da Frana, todos serviram como veculo dessa viso.

p. 24

A nostalgia de um paraso perdido do passado acompanha-se no mais das vezes de uma busca daquilo que foi perdido. Observou-se repetidas vezes no cerne do romantismo um princpio ativo sob diversas formas: inquietao, estado de devir perptuo, interrogao, busca, luta. Em geral, o segundo momento do romantismo anticapitalista representa, portanto, uma resposta ativa, uma tentativa de reencontrar ou de recriar o paraso perdido.

Tal busca, porm, pode ser empreendida segundo vrias modalidades, quer no plano do imaginrio ou no plano do real; e na perspectiva de uma realizao, quer no presente, quer no futuro. Uma tendncia importante empreende a recriao do paraso no presente no plano imaginrio, atravs da poetizao ou estetizao do presente. Uma segunda tendncia consiste em reencontrar o paraso no presente, mas dessa vez, no real. Trata-se da fuga para pases exticos, ou seja, fora da realidade capitalista, para um alhures que conserve no presente um passado primitivo. A atitude do exotismo uma busca do passado no presente por simples deslocamento no espao. Existe uma terceira tendncia que considera ilusrias ou ao menos apenas parciais as solues precedemtes, e se envereda na via de uma realizao futura e real. Nessa perspectiva, a lembrana do passado serve de arma na luta para o futuro.

p. 25

O que, porm, foi mesmo perdido para a sensibilidade romntica? Resta colocar a questo do contedo da alienao, da nostalgia, da busca. Quais so, em outros termos, os valores positivos do romantismo anticapitalista? Trata-se de um conjunto de valores qualitativos (ticos, sociais, culturais) em oposio ao clculo racional mercante do valor de troca. Eles se concentram em torno de dois polos opostos, mas no contraditrios. O 1 deles, embora muitas vezes vivido como um sinal de perda, representa, de fato, ao contrrio, uma nova aquisio, ou no mnimo um valor que s pode expandir-se plenamente em um contexto moderno. Trata-se da subjetividade individual, do desenvolvimento da riqueza do eu, em toda a profundidade e complexidade de sua afetividade, como tambm em toda a liberdade de seu imaginrio.

p. 26

Ora, o desenvolvimento do sujeito individual est diretamente ligado histria e pr-histria do capitalismo: o indivduo isolado desenvolve-se com e por causa do capitalismo. Entretanto, a est a fonte de uma importante contradio da sociedade capitalista, pois esse mesmo indivduo por ela criado s pode viver frustrado em seu seio e acaba por revoltar-se contra ela. O capitalismo suscita indivduos independentes para preencher funes scio-econmicas; quando, porm, esses indivduos transformam-se em individualidades subjetivas e comeam a explorar o mundo interior de seus sentimentos particulares, entram em contradio com um sistema baseado no clculo quantitativo e na estandardizao. Quando ento reclamam o livre jogo de sua fantasia imaginativa, entram em choque com a extrema mecanizao e insipidez do mundo criado pelas relaes capitalistas. O romantismo representa a revolta da afetividade reprimida, canalizada e deformada sob o capitalismo, e da magia da imaginao banida do mundo capitalista.

Outro grande valor dessa viso de mundo, no polo dialeticamente oposto ao primeiro, a unidade ou a totalidade. Unidade desse mesmo eu com duas totalidades englobantes: por um lado com o universo inteiro, ou com a natureza; por outro com o universo humano, com a coletividade humana.

Se o primeiro valor do romantismo representa seu momento individual o segundo revela um momento transindividual. E se o primeiro um fato moderno, mesmo se pensado como nostalgia, o segundo evidencia-se como um verdadeiro retorno.

p. 27

Estas duas exigncias nostlgicas de unidade definem-se por oposio ao status quo instaurado pelo capitalismo. A crtica do capitalismo e os valores romnticos positivos so portanto os dois lados da mesma moeda: o que recusado no capitalismo a contrapartida dos valores que se busca, pois eles se perderam.

p. 28

Uma tipologia das figuras do romantismo anticapitalista pode ser um instrumento til, tanto para dar conta da diversidade, da riqueza e da multiplicidade dos caminhos a partir de uma matriz comum, quanto para delimitar de maneira mais precisa o universo espiritual de uma obra concreta. Evidentemente vrios so os critrios que podem servir a uma classificao: o estilo (realista ou no), a cultura nacional (alem, francesa), o campo intelectual (poltico, literrio), o perodo histrico (pr-romantismo, romantismo tardio, neo-romantismo). Entretanto, se definirmos o romantismo como uma reao contra o capitalismo e a sociedade burguesa, parece-nos mais rigoroso e coerente constituir os tipos em funo de sua relao com o capitalismo, conforme sua maneira especfica de considerar essa relao.

No se trata, contudo, de uma tipologia poltica no sentido restrito e, sim, de uma trama que associa a um s tempo o econmico, o social e o poltico. So, claro, tipos ideais no sentido weberiano, encontrados, em geral, combinados, articulados ou fundidos na obra de um autor; diremos que tal pensador pertence a este ou quele tipo quando este constitui o elemento dominante em seus escritos.

Romantismo restitucionista, conservador, fascista, resignado/desencantado, liberal, revolucionrio/utpico, jacobino-democrtico, populista, libertrio, utpico-humanista, marxista

Para o autor Victor Hugo seria um romntico liberal: para este o paraso perdido no inteiramente incompatvel com o presente capitalista: bastaria curar os males mais flagrantes deste com reformas sociais e morais. (Michelet tambm faz parte deste tipo)

p. 33

Esta tipologia deve ser manejada com precauo, no apenas porque geralmente a obra de um autor no corresponde totalmente a nenhum dos tipos ideais, mas tambm por causa dos movimentos, transmutaes, negaes e reviravoltas to habituais no romantismo, que se manifestam pelo deslocamento de um mesmo autor de uma posio a outra no interior do espectro de cores romnticas anticapitalitas. (cita V. Hugo como liberal e revolucionrio em noventa e trs)

p. 34

Em alguns autores tais mutaes tais mutaes podem conduzir a uma ruptura com o romantismo e a uma reconciliao com a ordem burguesa, mas so casos excepcionais. Na maioria dos itinerrios em questo, trata-se de um deslocamento no interior do romantismo anticapitalista. E precisamente esta homogeneidade do espao ideolgico que permite compreender tais metamorfoses, aparentemente to surpreendentes. O carter esssencialmente ambguo, contraditrio desse movimento torna possveis as mais diversas solues e a passagem de uma a outra sem que o autor tenha rompido com os fundamentos de sua problemtica anterior.

Para evitar qualquer confuso, acrescentemos que existe um conservadorismo, um liberalismo, um socialismo e um marxismo no-romnticos e at mesmo, em certos casos, antirromnticos. Poderamos definir como no-romntica toda forma de pensamento que se vale do progresso tcnico, da industrializao e/ou do capitalismo, recusando categoricamente qualquer referncia positiva ao passado pr-capitalista. O liberalismo econmico, o positivismo, o cientificismo, a tecnocracia, o utilitarismo so formas tpicas de pensamento no-romntico, mas a elas podemos tambm acrescentar certas variaes evolucionistas do socialismo.

p. 35

No so romnticos a maioria dos enciclopedistas, dos economistas clssicos, dos socilogos positivistas, dos escritores naturalistas, dos futuristas italianos, assim como certos marxistas admiradores do progresso industrial e da civilizao moderna. claro que existe toda uma gama de formas de pensamento que no so nem romnticas, nem antirromnticas, mas antes uma combinao ecltica das duas (Durkheim) ou a tentativa de superao dialtica delas (Hegel e Marx)

Quais so as bases sociais do romantismo? possvel ligar essa viso de mundo a um grupo ou a grupos sociais? Se as anlises marxistas do romantismo no oferecem, em sua maioria, hipteses muito desenvolvidas sobre esse ponto, encontramos nelas, no entanto, um certo nmero de explicaes sociolgicas de seu objeto.

Entre as explicaes propostas, a que nos parece mais errnea v no romantismo um fenmeno essencialmente burgus. Assim, para Lo Lowenthal, o romantismo uma forma de conscincia burguesa, e segundo Arnold Hauser, o fato de o pblico dos romnticos ser constitudo de membros dessa classe mostra o carter essencialmente burgus do movimento e de sua ideologia. Tal reduo do romantismo a uma ideologia burguesa de fato um lugar comum de certa deformao dogmtica que rejeita violentamente as afinidades entre as vises de mundo marxista e romntica. O erro dessa posio ignorar o essencial do fenmeno romntico; pois, apesar de uma parte de seus escritores e de seu pblico pertencerem burguesia, o romantismo constitui um profundo questionamento dessa classe e da sociedade que ela domina.

p. 36

Se o romantismo por essncia anticapitalista, est nas antpodas de uma ideologia burguesa. claro que com muitos elementos de nossa tipologia (notadamente nos tipos conservador e liberal) podem ser feitas aproximaes ao esprito burgus e ao status quo de um presente burgus.

s vezes, entretanto, as anlises marxistas associam o romantismo a outras classes sociais, notadamente aristocracia e pequena burguesia. Para Jacques Droz, se a maioria dos romnticos alemes pertencem a esta ltima camada social, exprimem a ideologia da primeira. Para o crtico alemo G. Heinrich, ao contrrio, o que se articula nesse mesmo romantismo alemo so os interesses de classe de certas camadas da pequena burguesia. Para ns, ambas as interpretaes so unilaterais, nem uma nem outra inteiramente falsa, mas cada uma delas apenas parcial, e pedem para ser integradas a uma explicao mais completa.

Os trabalhos de Barbris sobre o movimento tm justamente o mrito de oferecer uma explicao multilateral. V na fonte do romantismo francs uma conjuno histrica das aspiraes e interesses de diversas camadas sociais marginalizadas pelo capital: notadamente, os aristocratas desapossados pela burguesia e as jovens geraes burguesas no providas, que entravam em choque com as barreiras do dinheiro, que no achavam trabalho. Apesar desses mritos, essa anlise sociolgica mais completa resulta, por demais limitada.

p. 37

Em primeiro lugar, parece-nos insuficiente restringir-se unicamente aristocracia e pequena burguesia, ao menos se quisermos explicar o fenmeno global do romantismo anticapitalista tal como concebido. Por outro lado, se Barbris percebeu que a onda romntica se nutre das diversas vtimas da burguesia e de seu mbito social, no mais das vezes ele concebe a opresso unicamente no nvel econmico. Desse modo, parece ver a revolta romntica dos jovens pequeno-burgueses sobretudo como reao a uma situao que ridiculariza suas ambies, no lhes dando sadas suficientes. Ora, se esse mvel desempenhou sem dvida um papel na gnese do romantismo, no pode, por si s, explic-lo. No poderia explicar a violncia e a profundidade do questionamento de toda a ordem socioeconmica. O que bem mais essencial, a nosso ver, a experincia da alienao e da reificao, e a anlise sociolgica deveria colocar o problema em termos de sensibilizao diferencial a esta experincia na totalidade social.

p. 38-39

Se os criadores das diferentes figuras espirituais do romantismo anticapitalista e os defensores dos movimentos romnticos, a audincia dessa viso de mundo, sua base social no sentido amplo, muito mais vasta. Ela composta, potencialmente, de todas as classes, fraes de classe ou categorias sociais para as quais o advento e o desenvolvimento do capitalismo industrial moderno provocam um declnio ou uma crise de seu status econmico, social e poltico, e/ou ameaam seu modo de vida e seus valores culturais aos quais esto ligadas.

Nesse sentido, as anlises que designam as antigas classes sociais dominantes, ou a aristocracia, ou a pequena burguesia de tipo pr-capitalista como fundamento social do romantismo no so falsas, mas simplesmente parciais demais: limitando-se a uma nica classe ou frao de classe, elas no podem dar conta da vasta extenso e complexidade do conglomerado de foras sociais que se reconhecem, neste ou naquele momento da histria, nessa viso de mundo.

UMA TENTATIVA DE TIPOLOGIA

O romantismo liberalismo

p. 57

O primeiro problema que encontramos ao tentar delimitar o fenmeno do romantismo liberal que no incio do sculo XIX existia uma grande confuso terminolgica. O termo liberal, como tambm democracia, republicano e socialista, por exemplo, admitiam significaes vagas e mltiplas, e as distines entre eles no eram nada precisas. Assim, V. Hugo podia definir sua prpria posio poltica depois de 1830, como a um s tempo liberal, socialista e democrata. O termo liberal, em particular, possua na poca ao menos dois sentidos diferentes: por um lado uma corrente poltica ligada a um partido cuja ideologia e prtica traduziam os interesses da burguesia em ascenso contra a reao aristocrtica e eclesistica e, por outro, um movimento de opinio e ideias consideravelmente mais vasto, que hoje em dia seria chamado progressista, no sentido mais amplo de orientao para a mudana e para o futuro.

Tal confuso terminolgica cria uma impossibilidade de se chegar a uma definio coerente do fenmeno quando se fia naquilo que os autores da poca diziam de sua prpria poltica. Admitindo isso, porm, e admitindo igualmente que em muitos casos concretos extremamente penoso se fazer uma categorizao clara e distinta, pensamos que existe um tipo de romantismo liberal e que h uma distino significativa entre ele e o romantismo jacobino-democrtico em particular.

p. 58

Definiremos a perspectiva do romantismo liberal como aquela que, mesmo fazendo a crtica do mundo moderno burgus regido pelo poder do dinheiro, no tira consequncia radicais dessa crtica, contentando-se em fazer votos de reformas quaisquer e no de mudanas mais fundamentais. Esses romnticos fazem pois as pazes, ao menos em certa medida, com o status quo, e recuam diante da perspectiva de subverses sociais. Se se referem, como jacobinos-democratas, Revoluo e a seus valores, fazem-no antes aos girondinos que aos jacobinos. No mais das vezes sua inspirao revolucionria expressa-se num registro sentimental, vago, mtico, e tm tendncia a deixar de lado a questo da explorao de uma classe por outra.

Os romnticos anticapitalistas liberais representam uma contradio impressionante: eles so a um s tempo crticos e no-crticos frente ao presente. Tal paradoxo pode ser explicado por dois fatores, um historicamente contingente, outro essencial ao romantismo. Em primeiro lugar, esse tipo contraditrio surge da situao histrica do incio do sculo XIX, mais particularmente da Restaurao na Frana. Nesse contexto, poderia parecer que a fonte dos males do presente, e logo o principal inimigo a ser combatido, fosse no a ordem burguesa e, sim, a reao aristocrtica e tudo o que restava do Antigo Regime.

p. 59

Por outro lado, faltava ainda uma tomada de conscincia clara das novas foras sociais em jogo, uma conscincia que o Terceiro Estado havia se partido em duas partes antagnicas. Nessas condies, a escolha podia se apresentar da seguinte maneira: guardar a pureza de sua revolta contra o presente, tomando o partido do passado, ou de ter um compromisso com o presente na esperana de reform-lo, de eliminar ou reduzir seus erros mais bvios.

Mas se esse tipo de romantismo encontrado sobretudo num contexto histrico preciso, ele representa, na verdade, uma permutao possvel do romantismo anticapitalista a todo momento de seu devir, devido a um aspecto de sua prpria natureza. Pois sustentamos que um dos dois polos de valor para o romantismo o eu subjetivo. Ora, se h, em ltima anlise, um conflito profundo e explosivo entre esse eu subjetivo e o individualismo no campo socioeconmico, tambm verdade que esse conflito permanece muitas vezes latente e encoberto. H, portanto, uma afinidade possvel entre o culto do indivduo romntico e o individualismo do liberalismo burgus; isso representa precisamente o ponto de encontro do romantismo com seu oposto, sua fronteira ou caso-limite, onde ele corre o risco de transformar-se em seu oposto.

p. 60

Em V. Hugo, a contradio interna obra literria. Numa anlise minuciosa dos Chatiments, Barbris revela toda uma ideologia burguesa que denuncia apenas a opresso pr-liberal e v no progresso da cincia e da tcnica a soluo futura para os males do presente, enquanto que no mesmo poema encontra-se tambm uma nostalgia de uma velha Frana rural e artesanal. Em outrros livros do autor, claro, e em primeiro lugar nos Miserveis, h uma dimenso antiburguesa mais pronunciada. Mas apesar do fato de ele ser um verdadeiro Proteu poltico, que poderia parecer, por alguns lados, se aproximar dos jacobinos-democratas ou at mesmo de um socialismo humanitrio, em geral a obra de Hugo parece-nos corresponder precisamente a esse fenmeno do romantismo liberal: ele, para quem o escritor devia exprimir plenamente sua poca, a exprimiu justamente por esses dois lados contraditrios, no apenas pela revolta, mas tambm pela integrao.

CAPTULO II UTOPIA ROMNTICA E REVOLUO FRANCESA

p. 83

O debate sobre a Revoluo Francesa est razoavelmente balizado pelos adeptos dos jacobinos e os dois girondinos, os igualitrios e os liberais, os terroristas e os conciliadores, os raivosos e os moderados, os progressistas e os nostlgicos do passado. Ora, existe uma corrente poltica e intelectual que parece desconcertar esse quadro clssico e bem ordenado: os utopistas romnticos.

Utilizamos o conceito de romantismo no sentido que lhe demos no captulo anterior, uma crtica da civilizao burguesa em nome dos valores do passado valores sociais ou culturais pr-modernos ou pr-capitalistas. O romantismo foi repetidas vezes apresentado como uma reao antirrevolucionria, como uma corrente poltica e cultural conservadora e retrgrada. Ora, no movimento romntico encontram-se tanto adeptos quanto adversrios da Revoluo Francesa. O romantismo revolucionrio que inclui tanto os jacobinos quanto os antijacobinos representa na cultura romntica que se vale dos valores de 89 e projeta a nostalgia do passado no sonho de um futuro emancipado.

pp. 83-84

No interior desse conjunto romntico/revolucionrio, existe uma corrente que simpatiza em vrios graus com a Revoluo Francesa, embora numa posio crtica aparentemente paradoxal: a um s tempo politicamente moderada e socialmente radical.

p. 84

Polticamente, essa corrente recusa os excessos da Revoluo, o terror jacobino, a guilhotina, o autoritarismo da Montanha. Socialmente mais avanada que os jacobinos, ela aspira a uma espcie de socialismo utpico ou igualitarismo radical, fundado sobre a diviso ou a comunidade de terras. De inspirao rousseauniana, ela sonha com a volta Idade do Ouro, com uma comunidade rural primitiva e igualitria que supostamente existiu no passado, nos Francos, no cristianismo primitivo, ou ainda no estado natural. Originrios ou no de um meio rural tradicional, esses autores buscam com frequncia, nas tradies comunitrias camponesas, sua aspirao para essa utopia de um socialismo agrrio assim como para a crtica dos ricos, da corrupo e do luxo burgus.

Encontramos uma representao literria tardia desse ethos utpico-romntico no romance Quatre Vingt Treize. Nele o escritor apresenta duas figuras ideal-tpicas de revolucionrios: um, Cimourdain, representa o Terror jacobino, o clculo racional, a linha direita da lei, a caserna obrigatria, a revoluo como lgebra ou teorema, para qual a Repblica dois mais dois, quatro.

p. 85

O outro Gauvain (sem dvida o porta-voz dos sentimentos de Hugo) o revolucionrio romntico, para quem a revoluo poesia, amor, benevolncia, utopia. Condenado morte por seu mestre e amigo, Gauvain lhe confessa, na ltima conversa dos dois, a sua filosofia poltica e social. Criticando as concepes dos jacobinos como no sendo avanadas o suficiente, ele proclama: Vocs querem os miserveis socorridos, eu quero a misria suprimida. Vocs querem o imposto proporcional. Eu no quero imposto algum.

Ele reivindica a igualdade dos sexos e exclama: carregar eternos fardos no a lei do homem. No, no, no, nunca mais prias, nunca mais escravos, nunca mais forados, nunca mais condenados; Levando seu olhar para o futuro, ele prediz: cada sculo far sua obra, hoje cvica, amanh humana. Hoje a questo do direito, amanh a questo do salrio. O programa utpico de Gauvain-Hugo muito vago, mas sugere uma crtica dos limites da Revoluo francesa e a necessidade de completar a mudana poltica com uma mudana social.