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FEIJÓ, Gabriela. A Psicologia e o Processo de Humanização no Hospital diante da Relação Enfermeiro-Paciente. Trabalho de conclusão de Curso – TCC (Curso de Psicologia – Graduação). Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2006. RESUMO A presente pesquisa refere-se a uma investigação psicológica sobre processo de humanização no ambiente hospitalar frente à relação enfermeiro-paciente. Apresenta como objetivo geral verificar a percepção do enfermeiro sobre o processo de humanização na sua relação com o paciente. Os objetivos específicos são descrever o conceito que o enfermeiro tem sobre o processo de humanização na sua relação com o paciente e localizar as dificuldades que interferem neste processo. Para alcançar tais objetivos, foram entrevistados oito enfermeiros (as), com experiência mínima de três anos, na cidade da Grande Florianópolis. A pesquisa é classificada como qualitativa e exploratória e utiliza entrevistas semi-estruturadas para a coleta de dados. Buscou-se com esse tipo de entrevista obter informações, justificativas de ordem teórica e/ou pessoais. Os resultados obtidos foram categorizados e os seus conteúdos foram analisados e amarrados com o referencial teórico presente. Ao fim deste processo constatou-se que o conceito que o enfermeiro tem sobre o processo de humanização na sua relação com o paciente está sustentado em recursos técnicos e pessoais. Entretanto, este conceito não se apresenta atrelado à prática, pois na atualidade as atitudes dos enfermeiros produzem um distanciamento do mesmo enquanto ser humano. Ainda, identificou-se que o contato constante com as vivências inerentes ao hospital dificulta a construção de uma relação humanizada com o paciente. Com estes dados, percebeu-se que a psicologia pode contribuir com a humanização através de um trabalho voltado para os relacionamentos interpessoais. Palavras-chaves: Psicologia hospitalar, humanização, relação enfermeiro-paciente.

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FEIJÓ, Gabriela. A Psicologia e o Processo de Humanização no Hospital diante da Relação Enfermeiro-Paciente. Trabalho de conclusão de Curso – TCC (Curso de Psicologia – Graduação). Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2006.

RESUMO

A presente pesquisa refere-se a uma investigação psicológica sobre processo de humanização no ambiente hospitalar frente à relação enfermeiro-paciente. Apresenta como objetivo geral verificar a percepção do enfermeiro sobre o processo de humanização na sua relação com o paciente. Os objetivos específicos são descrever o conceito que o enfermeiro tem sobre o processo de humanização na sua relação com o paciente e localizar as dificuldades que interferem neste processo. Para alcançar tais objetivos, foram entrevistados oito enfermeiros (as), com experiência mínima de três anos, na cidade da Grande Florianópolis. A pesquisa é classificada como qualitativa e exploratória e utiliza entrevistas semi-estruturadas para a coleta de dados. Buscou-se com esse tipo de entrevista obter informações, justificativas de ordem teórica e/ou pessoais. Os resultados obtidos foram categorizados e os seus conteúdos foram analisados e amarrados com o referencial teórico presente. Ao fim deste processo constatou-se que o conceito que o enfermeiro tem sobre o processo de humanização na sua relação com o paciente está sustentado em recursos técnicos e pessoais. Entretanto, este conceito não se apresenta atrelado à prática, pois na atualidade as atitudes dos enfermeiros produzem um distanciamento do mesmo enquanto ser humano. Ainda, identificou-se que o contato constante com as vivências inerentes ao hospital dificulta a construção de uma relação humanizada com o paciente. Com estes dados, percebeu-se que a psicologia pode contribuir com a humanização através de um trabalho voltado para os relacionamentos interpessoais.

Palavras-chaves: Psicologia hospitalar, humanização, relação enfermeiro-paciente.

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 4

1.1 Justificativa................................................................................................................... 4 1.2 Problemática ................................................................................................................. 9 1.3 Objetivos..................................................................................................................... 16

1.3.1 Objetivo Geral: .................................................................................................... 16 1.3.2 Objetivos Específicos: ......................................................................................... 16

1.4 Hipóteses .................................................................................................................... 17 2 PROCEDIMENTOS.......................................................................................................... 18

2.1 Caracterização da Pesquisa......................................................................................... 18 2.2 População ................................................................................................................... 19 2.3 Amostra ...................................................................................................................... 20 2.4 Técnica de Coleta de Dados ....................................................................................... 21 2.5 Análise de Dados ........................................................................................................ 22

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................................... 24

3.1 CONCEITO DE HUMANIZAÇÃO .......................................................................... 26 3.2 INTERFERÊNCIAS NO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO ................................. 59

4 CONCLUSÃO................................................................................................................... 80 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 83 MEMORIAL DO AUTOR................................................................................................... 86

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho investiga a importância da implantação do serviço de Psicologia

no ambiente hospitalar através da interdisciplinariedade entre a Psicologia e a Enfermagem

frente o processo de humanização. Para tal, o trabalho visa compreender a percepção dos

enfermeiros da Grande Florianópolis sobre o processo de humanização hospitalar diante da

sua relação com o paciente. O trabalho levanta as problemáticas desta relação e apresenta

as possíveis contribuições da Psicologia para viabilizar a humanização.

1.1 Justificativa

Ao inserir-se no ambiente hospitalar o paciente deixa de ter o seu próprio nome e

passa a ser o número de leito. Seu endereço corresponde à ala em que se encontra e seus

anseios despertam esperanças e sonhos pela busca da recuperação da sua saúde.

A hospitalização e o processo de adoecer promovem no indivíduo um despojar-se

de si mesmo, de seus desejos, seus hábitos e rotina. A despersonalização do paciente ocorre

devido à dependência dos profissionais da saúde e dos familiares e à impossibilidade de

exercer o seu papel na sociedade. A doença e o adoecer provocam no paciente um choque

emocional, ameaçam o seu equilíbrio psicológico e rompem com as defesas pessoais.

Sabe-se que o hospital visa à recuperação da saúde do paciente na busca pela vida,

contudo, a realidade demonstra que esta função curativa, da forma como foi concebida até

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então, tem dificultado a valorização do paciente como ser humano, comprometendo em

alguns casos a finalidade primeira do hospital.

Hoje, já está claro que a relação entre paciente e equipe da saúde influencia na

aceitação do processo de hospitalização e adoecimento, na aderência do paciente ao

tratamento e na sua recuperação.

A forma como a equipe interage com os medos, angústias e ansiedades fruto do

significado que cada paciente faz da vida e da morte, do seu histórico hospitalar e das

formas de atendimento dos profissionais da saúde, vai repercutir diretamente na relação que

será estabelecida com o paciente e seus familiares e consequentemente no seu processo de

recuperação.

Estas percepções têm gerado uma preocupação, desde o século XX, com a

humanização no contexto hospitalar, a fim de minimizar as ansiedades e angústias

produzidas nos pacientes, para que se possa alcançar o objetivo principal de recuperar a

saúde total do mesmo.

Em decorrência desta necessidade, o Ministério da saúde criou uma rede nacional

de humanização, o “Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar” -

PNHAH, que se apresenta como uma política pública para a rede hospitalar conveniada ou

do Sistema de Saúde Único - SUS, chamada “Política HumanizaSUS”. Esta política tem o

intuito de viabilizar a humanização em seus diversos âmbitos frente ao atendimento,

atenção e tratamento aos usuários hospitalares.

A partir do ano de 2002, os hospitais do Estado de Santa Catarina aderiram a este

programa como apoio a proposta de valorização do ser humano através da humanização dos

serviços de saúde.

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Em Florianópolis, destacam-se por levar a diante o desafio de continuar a

desenvolver o movimento que se iniciou com o PNHAH o Hospital de Caridade, que

promove projetos e ações compatíveis com este programa desde 2002; o Hospital Infantil

Joana de Gusmão, que iniciou a operacionalização das ações da Política HumanizaSUS em

2004 e os hospitais: Governador Celso Ramos, Universitário e Nereu Ramos.

As principais ações e projetos que envolvem a promoção da humanização na rede

hospitalar referem-se às atividades comunitárias e voluntárias, assistência aos

acompanhantes, ouvidoria, visita aberta, serviços de higienização, lavanderia, nutrição,

sistema de sonorização (música ambiente), arquitetura e instalações agradáveis e

confortáveis, entre outras ações que envolvem o apoio operacional. A administração do

hospital e a disponibilização de novos serviços que visam à interação de diversas áreas,

como: Fisioterapia, Medicina, Enfermagem, Fonoaudiologia, Psicologia, Serviço Social,

Terapia Ocupacional,entre outras, buscam a recuperação da saúde total do paciente.

A implantação desses serviços de humanização demonstra uma preocupação por

parte das áreas da saúde em relação ao bem-estar do paciente em todos os seus âmbitos,

contudo este processo ainda está no início de sua construção, faltando muito por se

desenvolver.

Em virtude da humanização hospitalar sustentar-se em atitudes técnicas, devido a

própria formação acadêmica e o seu exercício profissional, a equipe de enfermagem tem

promovido uma humanização que está fundamentada na regra e não na formação de

atitudes que garantam uma relação humanizada.

A sua formação visa uma intervenção que possibilita exclusivamente a cura da

patologia orgânica. Isto dificulta a realização de um atendimento em que atitudes e

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comportamentos contribuam com a minimização das ansiedades e angústias geradas no

paciente pelo processo de hospitalização e adoecimento.

Assim, quando surge algum questionamento ou reação mais intensa por parte do

paciente ou dos familiares, a equipe entra em contato com a sua própria subjetividade, e

diante da dificuldade e da inexistência de suporte para trabalhar estas questões, utiliza como

recurso o seu distanciamento da figura humana do paciente.

Diante deste contexto, é imprescindível considerar os fatos objetivos tão bem

trabalhados pela equipe de enfermagem, que se refere à própria realidade do cuidador.

Entretanto, faz-se necessário articular a objetividade com a subjetividade dos indivíduos a

fim de promover a saúde do paciente e do próprio profissional, englobando todos os

aspectos que compõem o ser humano.

Esta dificuldade da equipe de enfermagem em viabilizar a humanização para além

das normas estabelecidas mostra a necessidade de trabalhar o relacionamento da equipe

com o paciente, para que seja possível ao profissional da saúde adotar uma postura

empática, ou seja, que ele se coloque no lugar do paciente, para que possa entrar em contato

com a própria condição humana, com os seus pensamentos e sentimentos.

A empatia “é algo que se sente no âmago da mais pura emoção e que denota a

própria condição de envolvimento com a doença e a figura do paciente” (Camon, 1998,

p.55). É um sentimento que precisa ser resgatado pelo ser humano através da prática do

profissional da saúde. Caso contrário, a negação da dor do paciente por parte da equipe de

enfermagem provavelmente acarretará na negação da sua própria condição humana.

Sabe-se que a Psicologia é uma área da ciência que contempla como objeto de

estudo o próprio ser humano. Sendo que este constrói a sua própria individualidade através

das suas relações com outros seres, a psicologia preocupa-se em produzir conhecimentos e

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intervenções a respeito da construção da subjetividade humana, bem como dos

relacionamentos interpessoais.

A Psicologia é uma ciência que pode contribuir para trabalhar a subjetividade das

relações que circundam a humanização no hospital, uma vez que os estudos desta área

visam uma maior compreensão das relações humanas e oferece intervenções que facilitam o

processo de comunicação entre os profissionais da saúde e o paciente.

Considerando esta necessidade de trabalhar a relação do(a) enfermeiro(a) com o

paciente no contexto da humanização, justifica-se a relevância social e cientifica desta

pesquisa nos hospitais gerais da cidade da Grande Florianópolis, a fim de realizar um

mapeamento desta relação, e em seguida contribuir com os estudos desta área frente as

possíveis atuações do psicólogo, por considerar o fato de que tal processo está no início de

sua construção.

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1.2 Problemática

A dinâmica da relação entre pacientes e profissionais da saúde fundamenta-se na

herança de um modelo que atribui ao adoecer a influência apenas dos aspectos

neurofisiológicos e bioquímicos do sistema nervoso. Este modelo chamado biomédico e

tecnicista embasou a medicina desde o século XVII, apresentando uma compreensão do

sofrimento humano a partir de sua estrutura orgânica, logo, a atitude do médico frente à

pessoa enferma priorizava a indicação de tratamento farmacológico, sem considerar a

interferência dos fatores que envolvem as vivências históricas do paciente.

Conforme Foucalt (1979), a partir deste século, a Europa experienciou situações

hospitalares marcantes, principalmente nas áreas marítima, onde as doenças epidêmicas

eram abstraídas pelos constantes desembarques. Essas doenças se alastraram pela sociedade

gerando desordem econômica e social, uma vez que as ruas encontravam-se abarrotadas de

doentes e miseráveis.

De acordo com Foucalt (1978), o contexto hospitalar surge em virtude desta crise

econômica e social que assolava a Europa, a fim de institucionalizar em hospitais gerais os

pobres, prostitutas, loucos e miseráveis que se encontravam nas ruas. Neste contexto a

relação entre a instituição e os pacientes estava pautada nas atividades de exclusão,

punição, assistencialismo e isolamento para retirar os miseráveis das ruas. Verifica-se que o

processo de hospitalização não visava à cura do paciente, mas contemplava como foco o

impedimento da desordem econômica e social através do controle das epidemias, para

assim, “livrar” a sociedade da pobreza social.

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Neste sentido, Foucalt (1979), deduz que a entrada da medicina no contexto

hospitalar, num primeiro momento buscou a anulação dos efeitos negativos frente à

desordem, e não uma ação positiva frente o doente e a doença. Aqui, ainda não há uma

preocupação com o doente em si e nem com a sua doença.

Esta preocupação com o paciente inicia-se no hospital militar, uma vez que no final

do século XVII, com o surgimento do fuzil,

o exército torna-se muito mais técnico, sutil e custoso. Para se aprender a manejar um fuzil será preciso exercício, manobra, adestramento. É assim que o preço de um soldado ultrapassará o preço de uma simples mão-de-obra e o custo do exército tornar-se-á um importante capítulo orçamentário de todos os países. Quando se formou um soldado não se pode deixá-lo morre (Foucalt, 1979, p.104).

Inicia-se então, uma reorganização no hospital. A relação médico-paciente surge

fundamentada na disciplina dos soldados por apresentar como características o controle e a

vigilância permanente dos militares. Desta forma, explora-se ao máximo a utilidade do

trabalho dos homens, e evita-se que os mesmos finjam ainda estar doentes após sua

recuperação.

Segundo Foucalt (1979), o hospital no século XVIII começa a ser concebido como

um instrumento de cura através do controle e da manipulação das condições ambientais,

sendo a arquitetura do hospital um fator importante para alcançar tal objetivo. A construção

do ambiente hospitalar e sua organização apresentam-se pautadas no modelo biomédico,

caracterizando-se pelo controle do contágio, pela disciplina da conduta das pessoas e o bom

funcionamento orgânico. A prática do profissional da saúde promovia ações que

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reforçavam a separação mente e corpo ao focalizar a atenção no biológico, no controle e na

disciplina.

A aproximação do médico em relação ao paciente pautava-se na observação e

previsão da evolução da sua doença, visto que sua formação acadêmica era assegurada pela

compreensão de textos que envolvem o aspecto biológico e transmissão de receitas de

medicamentos.

Através dos estudos de um médico neurologista, Sigmund Freud, a medicina

resgatou a condição humana frente ao corpo considerado máquina. “Ao descobrir o

inconsciente e seu respectivo método de estudo – a psicanálise – Freud demonstrou a

importância de conhecer a biografia do indivíduo para a compreensão mais ampla da

pessoa na saúde e nas doenças”(Riechelmann, 2002, p.177).

Assim, no início do século XX, profissionais da saúde clamam por uma nova visão

de paciente e doença. Aparece então, a medicina psicossomática, que, de acordo com

Chiattone apud Camon (2002), é formada inicialmente por psicanalistas que se dedicaram

objetivamente ao estudo do fenômeno adoecer somático, a partir da interação entre as

dimensões mental e corporal, considerando os aspectos objetivos e subjetivos da pessoa

através das constatações das influências psíquicas nas doenças.

Surge a possibilidade da atuação psicológica frente à medicina, a fim de

desenvolver novos saberes e explicar a relação mente e corpo. Entretanto, ainda se

apresentava como foco as alterações do corpo, da enfermidade em si, na busca pelas causas

dos padecimentos.

Todavia, na segunda metade deste século, a medicina promoveu mudanças na sua

compreensão perante a dialética saúde/doença. A ampliação do conceito de saúde começa a

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surgir através dos princípios que norteiam a Organização Mundial da Saúde, onde saúde é o

total bem-estar biopsicossocial do homem e não somente a ausência da doença.

Neste sentido, segundo Vasconcellos (2002), esta reformulação na construção do

saber em relação ao conceito de saúde implica na constituição de uma nova medicina

chamada “holística”, que se sustenta na aceitação da influência dos fatores biológicos,

emocionais, sociais, espirituais e ecológicos, porém valorizando a interferência do aspecto

emocional dos indivíduos perante a sua doença.

Considerando Vasconcellos (2002), diante de algumas discursões entre médicos e

psicólogos, no XII Congresso Brasileiro de Medicina Psicossomática, identificou-se que o

aspecto espiritualidade é um tema bastante polêmico por não se encontrar sustentado no

paradigma psicossomático. Percebeu-se que esta última, encontrava-se em transformações

na construção de sua trajetória, uma vez que as crenças espirituais e a habitação ecológica

de um indivíduo articulam-se com a evolução da saúde e/ou enfermidade.

Em decorrência das alterações gradativas nas atuações e construções de novos

saberes que envolvem o contexto hospitalar frente à medicina e à psicologia, surgem,

conforme Vasconcellos (2002), medicinas psicossomáticas com roupagens inovadoras da

pós-modernidade, entre elas a “Psiconeuroimunologia”, que se embasa nos conceitos da

medicina holística, porém, constatando a necessidade da articulação entre as ciências, com

o propósito de alcançar a saúde global do indivíduo através da viabilização da prática da

transdisciplinariedade, anunciando um exercício idealizado pela possibilidade futura de

uma integração entre as áreas.

A constatação da necessidade deste exercício dentro do contexto hospitalar acontece

perante a percepção de que a doença envolve significados mais abrangentes que a própria

dor física. É perceptível a angústia e as ansiedades que permeiam os pacientes perante a

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adaptação e as preocupações que circundam o processo de hospitalização. Apesar dos

pacientes terem consciência de que o objetivo do hospital é promover saúde e resgatar a

vida, sabe-se que na prática o hospital simboliza dor, inutilidade, sofrimento,

distanciamento da realidade e morte. Assim, percebe-se que na sociedade ocidental não há

um preparo adequado para o adoecer e as enfermidades em geral, visto que as

características mais valorizadas atualmente são exatamente o oposto, onde saúde representa

beleza, produtividade e dinheiro.

Percebeu-se, então, que o adoecer implica no rompimento das defesas pessoais,

ameaçando o equilíbrio psicológico do paciente ao provocar um choque emocional diante

do abandono das atividades cotidianas, do afastamento das suas relações sociais, da sua

permanência no leito, da falta de informação diante de sua enfermidade, das falhas na

comunicação entre equipe e paciente, da sua dependência perante os cuidados e proteção

dos familiares e profissionais da saúde.

Estes últimos por sua vez, que também são compostos por pessoas, constroem a

partir das experiências do seu cotidiano significados referentes à vida e à morte. De acordo

com Sebastiani (1995), o profissional da saúde é submetido, diante de seu exercício

profissional, a sentimentos ambivalentes de onipotência, por possibilitar o resgate da saúde,

da vida, e impotência, por vivenciar momentos em que a doença e a morte apresentam-se

vitoriosas diante dos procedimentos e técnicas aprendidas.

Para suportar as angústias geradas por essa ambivalência, a saída encontrada, muitas

vezes, refere-se ao uso do racionalismo e do não envolvimento. O estresse, provocado pela

convivência com os temas vida e morte, promove o exercício exagerado de suas defesas a

ponto de alienarem-se de si, de seus próprios sentimentos.

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Esta maneira encontrada para melhor administrar suas angústias e ansiedades,

provocou e ainda provoca o distanciamento da equipe da saúde em relação ao paciente.

Surge, então, no século XX uma preocupação com o processo de humanização no contexto

hospitalar.

Segundo Mezomo (s/a), em decorrência desta preocupação, os profissionais da

saúde estabelecem propostas que buscam auxiliar neste processo de qualificação dos

serviços hospitalares, para melhor atender as necessidades do paciente. A prática da

humanização inicia-se através da administração do hospital, da integração de projetos

sociais e vivenciais, da arquitetura hospitalar, entre outros.

Logo, o início do processo de humanização no hospital já está acontecendo.

Atualmente as atenções estão voltadas para os aspectos físicos e o atendimento baseado nas

regras de um atendimento qualificado e eficiente. Contudo, este processo encontra-se no

início de uma longa caminhada, uma vez que a relação entre o profissional da saúde e o

paciente apresenta-se prejudicada em virtude da falta de suporte da equipe para enfrentar as

experiências pessoais que são produzidas em seu ambiente de trabalho por envolver a

dinâmica do viver e morrer.

Neste sentido, os(as) enfermeiros(as) são profissionais da saúde que se encontram

vulneráveis a estas interferências no relacionamento com o paciente, visto que o seu

exercício profissional permite um contato diário com o mesmo, controlando o tratamento

medicamentoso e conduzindo todos os procedimentos que podem lhe causar dor e

sofrimento. Esta intervenção diária do(a) enfermeiro(a) pode dificultar o processo de

humanização no hospital por aproximá-los das ansiedades e angústias, da dor e da morte do

paciente, tornando-o mais vulnerável psicologicamente.

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Desta forma, pergunta-se como a psicologia pode contribuir para viabilizar a

humanização no hospital considerando a relação entre o(a) enfermeiro(a) e o

paciente?

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1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivo Geral:

Verificar a percepção do(a) enfermeiro(a) sobre o processo de humanização na sua relação

com o paciente.

1.3.2 Objetivos Específicos:

- Descrever o conceito que o (a) enfermeiro (a) tem sobre o processo de humanização

hospitalar na sua relação com o paciente;

- Localizar as dificuldades que interferem no processo de humanização na relação do

enfermeiro(a) com o paciente.

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1.4 Hipóteses

- O conceito que o (a) enfermeiro (a) tem sobre o processo de humanização na sua relação

com o paciente está sustentado em recursos operacionais que produzem um distanciamento

afetivo do mesmo enquanto ser humano.

- O contato constante do (a) enfermeiro (a) com o adoecer e a morte dificulta a construção

de uma relação humanizada com o paciente.

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2 PROCEDIMENTOS

2.1 Caracterização da Pesquisa

A caracterização desta pesquisa é de natureza qualitativa pelo fato deste trabalho buscar

uma descrição do fenômeno estudado através de uma compreensão dos aspectos que

envolvem a subjetividade dos enfermeiros frente o processo de humanização no hospital na

sua relação com o paciente.

Diante desta caracterização, “o pesquisador deve conscientizar-se de que os resultados

são frutos da forma como foram coletados, analisados e interpretados os dados e

reconhecer-se mergulhado nos objetos de estudo e numa subjetividade, embora

racionalizada e controlada” (Rauen, 2002, p.189). Neste sentido, conforme Chizzotti

(1998), a pesquisa qualitativa parte do princípio que existe uma relação de dependência

entre o mundo e o sujeito, em que o sujeito-observador é um integrante ativo do processo

de conhecimento, dando significado aos fenômenos interpretados.

O delineamento desta pesquisa refere-se ao levantamento de informações

indispensáveis diante do fenômeno a ser pesquisado, buscando uma “descrição profunda de

processos, sentidos e conhecimentos” (Rauen, 2002, p.192), a fim de compreender as

situações e as interações que contextualizam a realidade a ser estudada diante dos objetivos

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desta pesquisa. Desta forma, caracteriza-se pela interrogação direta dos participantes

envolvidos, cujo comportamento e percepção diante do processo de humanização desejam-

se conhecer, além do levantamento bibliográfico, que “consiste na identificação,

localização e compilação das fontes escritas” (Rauen, 2002, p.65), através da consulta de

livros, periódicos e trabalhos científicos da área, entre outros materiais úteis para o

aprofundamento de conhecimentos e uma melhor compreensão dos fatos que serão

observados e estudados.

Para a realização de tal, a pesquisa se caracteriza pelo método exploratório, que

segundo Mazzotti (1998), permite oferecer subsídios ao pesquisador através de sua inserção

no campo, para que o mesmo colete dados e informações necessárias a fim de identificar as

questões que se pretende pesquisar.

2.2 População

A população em pesquisa “designa a totalidade de indivíduos que possuem, pelo

menos, uma característica comum definida para investigação” (Rauen, 2002, p.120). Neste

caso, a população-alvo da pesquisa são enfermeiros(as) acima de 24 (vinte e quatro) anos,

sem restrição ao sexo, com formação acadêmica nas universidades da Grande

Florianópolis. Os(as) enfermeiros(as) apresentam uma duração mínima de 3 (três) anos de

experiência no ambiente hospitalar da cidade da Grande Florianópolis, em Santa Catarina,

não apresentando a necessidade de realizarem seu trabalho na mesma instituição.

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A escolha dos participantes da pesquisa justifica-se pelo fato de que o(a) enfermeiro(a),

geralmente atua como chefe das alas do hospital, apresentando-se como “exemplo” diante

dos procedimentos a serem adotados pela equipe técnica de enfermagem, bem como a

forma de atuação frente o processo de humanização na relação com o paciente.

O tempo mínimo de experiência foi definido em virtude da rotina vivenciada pelo(a)

enfermeiro(a), possibilitando uma maior compreensão e atuação do participante diante da

sua interação com o paciente, evitando, desta forma, a influência da inexperiência

profissional, bem como as expectativas frente ao novo ocasionadas pela atuação no início

de carreira.

2.3 Amostra

Em decorrência da grandeza dos dados a serem coletados e analisados, além da

dificuldade de encontrar um aglutinador de todos os indivíduos que caracterizam a

pesquisa, torna-se impossível obter informações de toda população-alvo que se pretende

estudar. Desta maneira, foi utilizada a amostragem como método de escolha dos 08 (oito)

participantes.

De acordo com Barros e Lehfeld, “cada unidade ou membro do universo é denominado

elemento. Um conjunto de elementos representativos desse universo ou população compõe

a amostra. Portanto, a amostra é um subconjunto representativo do conjunto da população”

(Barros e Lehfeld, 2000, p.86). Neste sentido, “a amostragem é uma parte essencial do

procedimento científico” (Barros e Lehfeld, 2003, p.57).

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A amostra é probabilística casual estratificada uma vez que nesta “amostra a população

é cadastrada e dividida, formando os estratos” (Barros e Lehfeld, 2003,p.59). A

constituição destes estratos foi determinada pelos critérios já explicitados no tipo de

população, como: enfermeiros (as), com idade mínima de 24 anos, com formação

acadêmica em Florianópolis, etc.

2.4 Técnica de Coleta de Dados

Foi utilizado como técnica de coleta de dados a entrevista semi-estruturada. Esta

possibilitou a obtenção de informações através de um relacionamento entre o pesquisador e

o participante, abordando os temas previamente estabelecidos pelo pesquisador, com o

intuito de alcançar os objetivos da pesquisa. Entretanto, foi permitida ao entrevistado a

liberdade de expressar suas percepções sem as limitações de perguntas estruturadas por

meio de um roteiro pré-estabelecido.

Durante a entrevista semi-estruturada, conforme Barros e Lehfeld (2003), o entrevistado

foi estimulado a falar livremente a respeito do tema proposto pelo entrevistador. A conversa

conduziu-se à análise dos aspectos relevantes para a pesquisa, porém sem a imposição do

entrevistador. “Esta técnica tem a capacidade de facilitar o afloramento de dados corrigidos

de afetividade e emoção” (Barros e Lehfeld, 2003, p.82).

A escolha dos 08 (oito) participantes se deu a partir da rede de relações sociais do

pesquisador, onde foram considerados todos os critérios já estabelecidos pelo tipo de

população.

Previamente foi agendado com cada participante o dia e a hora disponível para a

realização da entrevista. Aconteceu apenas um encontro com cada participante a fim de

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obter as informações necessárias. O local da pesquisa foi na casa do (a) próprio (a)

enfermeiro (a) ou no seu local de trabalho.

O registro das informações obtidas por meio das entrevistas se deu, primeiramente,

através da gravação em fitas cassetes, e posteriormente foram transcritas manualmente a

fim de realizar a análise de dados.

Para tal realização, anteriormente, o participante foi informado a respeito de todos os

procedimentos, bem como foi explicado de forma clara e objetiva todas as questões

pertinentes à pesquisa. Após o esclarecimento das orientações e dos reais objetivos da

pesquisa, o entrevistado assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que

servirá como declaração diante da garantia do pesquisador frente ao participante em relação

ao sigilo dos dados fornecidos ao seu respeito, do esclarecimento sobre a possibilidade de

desistência a qualquer momento por parte do entrevistado, sem prejuízo algum ao mesmo,

além da permissão do participante diante da gravação da entrevista.

2.5 Análise de Dados

A análise qualitativa refere-se ao estudo das informações obtidas através da

comunicação verbal com o entrevistado.

Conforme Barros e Lehfeld (2003), a análise foi composta pelas seguintes etapas:

organização e descrição dos dados; redução dos dados; interpretação através de categorias

teóricas de análise e por fim, a análise de conteúdos.

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De acordo com Rauen (2002), após a organização e descrição das informações, foi

realizado um recorte dos conteúdos apresentados (redução dos dados), sendo esta uma

“tarefa de segmentar os dados em elementos que poderão ser submetidos à categorização.

Cada elemento denomina-se unidade de análise, de classificação ou de registro” (Rauen,

2002, p.197).

Para a realização de tal, os conteúdos foram recortados passo a passo a fim de

permitir a construção de categorias. Desta forma, não foi apresentado uma estruturação a

priori das categorias com o intuito de possibilitar um remanejamento constante diante do

processo de análise.

Este recorte dos dados refere-se ao processo de classificação. Esta se define “como

uma maneira de distribuir e selecionar os dados obtidos, na fase de coleta, reunindo-os em

classes ou grupos, de acordo com os objetivos e interesses da pesquisa” (Barros e Lehfeld,

2003, p.89), a fim de possibilitar a construção dos conjuntos de categorias.

O processo de análise dos conteúdos envolveu a “codificação simultânea de dados

brutos e a construção de categorias que capturam características pertinentes do conteúdo do

documento” (Rauen, 2002, p.199).

Esta análise enfatizou a relação existente entre as informações obtidas e o fenômeno

pesquisado, permitindo comparações pertinentes á pesquisa, bem como a validação ou não

das hipóteses e a verificação da relevância e significações que envolvem os objetivos desta

pesquisa.

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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A apresentação e análise dos dados foram elaboradas através de um paralelo entre o

discurso dos sujeitos da pesquisa e as considerações de autores diversos através da

percepção da pesquisadora. O desenvolvimento da análise apresenta-se em dois capítulos

correspondentes a cada hipótese e objetivo específico, sendo eles: “Conceito de

Humanização” e “Interferências do Processo de Humanização”.

Os entrevistados desta pesquisa foram 8 enfermeiros(as), com experiência hospitalar

na cidade da Grande Florianópolis. Eles apresentam os seguintes perfis:

ENTREVISTADO IDADE SEXO EXPERIÊNCIA

HOSPITALAR

CARÁTER

INSTITUIÇÃO

SETOR

A. 53 anos Feminino 25 anos Público Neurologia

B. 50 anos Feminino 26 anos Público Psiquiatria

C. 43 anos Masculino 20 anos Público U.T.I.

D. 35 anos Feminino 10 anos Público Enfermaria

E. 53 anos Feminino 27 anos Público U.T.I.

F. 34 anos Feminino 11 anos Público U.T.I.

G. 48 anos Feminino 22 anos Público Enfermaria

H. 51 anos Feminino 27 anos Público Enfermaria

Considerando a tabela acima, percebe-se que as idades dos entrevistados permeiam

entre 34 e 53 anos, sendo 50% deles com idade igual ou superior a 50 anos. Dentre eles, 07

são enfermeiras e apenas um dos entrevistados é do sexo masculino. Com relação à

experiência hospitalar, os enfermeiros oscilam entre 10 e 27 anos, sendo que 75% deles têm

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experiência igual ou superior a 20 anos. Vale ressaltar que todos os entrevistados atuam em

hospitais públicos, porém em setores diversos, onde 03 deles trabalham na U.T.I. (Unidade

de Terapia Intensiva), outros 03 em enfermarias, e apenas um no setor de neurologia e

outro na psiquiatria. É importante considerar os diferentes perfis dos entrevistados a fim de

tornar perceptíveis os possíveis vieses que estes podem gerar na diversidade das respostas

e, por conseguinte, na análise dos dados.

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3.1 CONCEITO DE HUMANIZAÇÃO

O processo de humanização hospitalar na relação enfermeiro-paciente se faz

presente através do cuidado. Segundo Leininger apud Waldow (2001), o ato de cuidar

refere-se a uma postura que contempla a aceitação, autenticidade, consideração, proteção,

responsabilidade, preocupação, valorização, respeito, expressão de pensamentos e

sentimentos, entre outras formas de realizar o cuidado.

O cuidar compreende “comportamentos e ações que envolvem conhecimentos,

valores, habilidades e atitudes, empreendidas no sentido de favorecer as potencialidades das

pessoas para manter ou melhorar a condição humana no processo de viver e

morrer”(Waldow, 2001, p. 127).

Logo, o cuidado sofre a influência da educação histórica da enfermagem pelo fato

de representar o pilar que fornece o sustento ao exercício profissional do cuidado humano

através do currículo da formação acadêmica.

3.1.1 Histórico da Formação Acadêmica

A enfermagem, tradicionalmente, é definida através das dimensões que envolvem a

assistência, o cuidado, a educação, a administração e a pesquisa. É classificada pela área

prática, relacionada à assistência e ao cuidado, e pela área instrumental, que se refere às

questões teóricas e tecnológicas.

Diante deste prisma, a enfermagem constituiu-se através de raízes pautadas em

ações que, ao longo de sua caminhada, procurou aliar a prática à reflexão, gerando os

sistemas formais de ensino, que atualmente aportam para diversas transformações (Saupe,

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1998). Para melhor compreender a construção desses sistemas de ensino que envolve a

formação acadêmica, será necessário conhecer as origens da enfermagem enquanto

profissão.

Considerando as sociedades primitivas, quando os doentes eram associados às ações

demoníacas, a enfermagem e a religião estabeleceram vínculos que perpetuam até a

atualidade através das dificuldades e facilidades que envolvem a atuação desta profissão.

Na seqüência da história, outras áreas da saúde fortaleceram-se através das descobertas

científicas, já a enfermagem, por um longo período, sustentou-se apenas em aspectos que

permeiam a arte e a religiosidade, provocando dependência e submissão frente às outras

profissões. Este período histórico mundial da enfermagem é considerado como pré-

profissional, que vai até o ano de 1860 (Saupe, 1998).

Atualmente, a associação da religião com a enfermagem pode ser representada pelo

discurso de 06 entrevistados, que de alguma forma resgatam a religiosidade no ato de

cuidar, ou criticam esta união.

As irmãs de caridade que faziam assistência, faziam o papel do enfermeiro...tinham

crenças e atitudes que já eram passadas... (Entrevistado B).

Tem o limite da vida, tem coisas que realmente tu não vai conseguir...depende do

poderoso lá de cima, e a gente ta aqui pra ser usado como instrumento (Entrevistado D).

Eu vejo que hoje em dia, até quando o paciente ta morrendo, eu consigo ficar no

lado dele orando, tem momentos que eu consigo fazer isso (Entrevistado E).

Segundo Saupe (1998), a data de registro de profissionalização da enfermagem é 09

de julho de 1860, através da criação da primeira escola da enfermagem em Londres,

dissociada de qualquer restrição a grupo religioso. O modelo de ensino implantado

difundiu-se com sucesso, marcado por rígidos e claros princípios relacionados aos valores

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sociais da época, onde a direção da escola era realizada por enfermeira, com rigorosa

seleção de candidatos e ensino metódico com a união da teoria com a prática.

De acordo com Saupe (1998), a compreensão da história da enfermagem brasileira

torna-se possível diante desta retrospectiva mundial. Sendo assim, no Brasil, a enfermagem

doméstica e religiosa é marcada pelo desenvolvimento das Santas Casas, com primeira

fundação em Santos, no ano de 1543. Até no final do século XVIII, as Santas Casas

constituíam os maiores hospitais gerais do cenário brasileiro.

Em 1901, criou-se a Escola de Enfermeiras do Hospital Samaritano, e em 1922

implantou-se a Escola de Enfermagem Ana Néri, com enfoque na atenção dos problemas de

saúde pública. O currículo deste curso envolvia noções práticas de clínica, noções gerais de

fisiologia, anatomia e higiene hospitalar, curativos, pequenas cirurgias, cuidados especiais e

questões que permeiam a administração interna (Saupe,1998).

Ao longo do processo evolutivo da enfermagem como profissão no Brasil, surgiram

novas propostas de modelos curriculares com o propósito de solucionar os problemas que

emergiram no modelo anterior. Para Saupe (1998), foi assim que a enfermagem enquanto

profissão encontrou uma forma de conhecer caminhos para conciliar a prática e a teoria,

que representam à união da ação e da reflexão na enfermagem do Brasil.

No que se refere à evolução do currículo acadêmico de enfermagem nesta época,

conforme Saupe (1998), prevaleceu-se o enfoque generalista e comunitário, que envolve

adaptação das políticas de saúde emergentes e a privatização dos serviços de saúde,

valorizando, desta forma, uma antecipada especialização e domínio de tecnologia, nem

sempre adequadas a realidade apresentada.

Na década de 70/80, existia uma faculdade aqui em Santa Catarina, havia uma

formação bastante prática... a experiência que eu tive na formação foi muito negativa...não

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existia uma formação para atuar na saúde mental. A formação era generalista

(Entrevistado B).

Essa formação com enfoque generalista perpetua até a atualidade nas diretrizes

curriculares, sendo este um dos objetivos de cursos de Enfermagem da Grande

Florianópolis.

Segundo Saupe (1998), em 1923 começou a funcionar a Escola de Enfermeiras do

Departamento Nacional de Saúde Pública. Em 1926 foi denominada Escola Ana Néri, que

atualmente é a Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O

currículo era composto por 16 disciplinas, sendo algumas delas: princípios e métodos da

arte de enfermeira, anatomia e fisiologia, administração hospitalar, terapêutica,

farmacologia e matéria médica, patologia elementar, cozinha e nutrição, problemas sociais

e profissionais, entre outras. Neste curso de ensino superior, a formação do enfermeiro

utilizou-se de um método de ensino pautado na vivência de situações reais ao invés dos

artifícios da sala de aula.

Conforme Saupe (1998), no ano de 1949, ocorreu a grande reforma do ensino da

enfermagem. “A lei uniformiza o ensino de enfermagem e o decreto estabelece o currículo

para a formação do enfermeiro”(Saupe, 1998, p.39).

De acordo com o Ministério da Saúde -1974, segundo Saupe (1998), a organização

da formação acadêmica compreendia três séries, onde a primeira abordava as seguintes

disciplinas: técnica de enfermagem, economia hospitalar, drogas e soluções, higiene

individual, anatomia e fisiologia, química biológica, psicologia, entre outras disciplinas

pautadas no aspecto biológico e técnico. A segunda trabalhava disciplinas que envolviam

doenças transmissíveis, dermatologia, psiquiatria, fisioterapia, ortopedia, urologia e

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ginecologia, sociologia e ética. E a terceira enfatizava a oftalmologia, otorrinolaringologia,

clínica obstétrica, pediatria, saúde pública, ética e serviço social.

No decorrer da história houve outras mudanças curriculares a partir de Reformas

Universitárias da enfermagem, envolvendo questões relacionadas à carga horária e ao

enfoque dado ao currículo por perceberem, segundo Oliveira apud Saupe (1998, p.41), que

este não permitia grande adequação dos cursos às necessidades apresentadas pela realidade

brasileira ao considerar o perfil demográfico e epidemiológico, a situação da saúde no país,

as transformações da profissão e as demandas do mercado de trabalho.

Em 1994, a Associação Brasileira de Enfermagem Nacional (ABEn Nacional)

propõe um currículo mínimo para a graduação dos enfermeiros no Brasil e o Ministério da

Educação e Cultura (MEC) aprova com alguns ajustes. Logo, a implantação deste currículo

apresentou a seguinte carga horária: 35% para as disciplinas de Assistência de

Enfermagem, 25% para os Fundamentos de Enfermagem, 25% para as Bases Biológicas e

Sociais da Enfermagem (incluindo as disciplinas Antropologia, Sociologia e Psicologia

aplicada à saúde) e 15% para a Administração em Enfermagem (Saupe, 1998).

Ao perceber os percentuais da carga horária em relação aos conteúdos estudados na

formação, observa-se que ainda hoje as horas são mais destinadas à parte biológica do que a

parte humana, até porque a função do enfermeiro enfoca o domínio de técnicas voltadas

para o resgate da saúde física. Todos os enfermeiros entrevistados confirmaram esta

atuação técnica durante a formação.

...não é uma crítica, mas o enfermeiro sempre foi formado mais para o lado técnico

(Entrevistado C).

Já estabelecido o exercício da autonomia universitária, no ano de 1998, produziu-se

um documento apresentando as diretrizes curriculares com bases em competências e

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habilidades que compõem o perfil do enfermeiro, além dos conteúdos e avaliações

considerados essenciais para a formação do profissional (ABEn, apud Saupe, 1998).

No que se refere às características do perfil destacam-se a formação do “enfermeiro

generalista, crítico e reflexivo, com competência técnico-científica, ético-política, social e

educativa”(ABEn, apud Saupe,1998).

As competências e habilidades permeiam as áreas de assistência, educação,

informação, prevenção, investigação e gerenciamento dos aspectos que envolvem a saúde

(ABEn, apud Saupe, 1998).

As temáticas abordadas através dos conteúdos envolvem as bases biológicas e

sociais da enfermagem, fundamentos da enfermagem, assistência, administração e ensino

de enfermagem (ABEn, apud Saupe, 1998).

Percebe-se nos discursos dos entrevistados desta pesquisa que a humanização no

contexto hospitalar correlaciona-se com este histórico da formação acadêmica dos

profissionais da enfermagem. Ao considerar as diretrizes curriculares que promovem a

formação dos enfermeiros, observa-se que mais de 75% da carga horária é investida em

aspectos que envolvem a técnica, o corpo, a biologia. Este fato é confirmado nos discursos

dos enfermeiros quando todos os 08 entrevistados descaracterizam a formação como sendo

a principal e única responsável pelo ato de humanizar.

Eu acho ainda que tem a questão da educação. Não dá pra escola te transformar

em humano se tu não acredita naquilo (Entrevistado C).

E isso dependia muito da parte que o aluno gostava. Tinha colegas que gostava da

técnica e não gostava de trabalhar com a parte humanística, e aí se envolvia muito pouco

nessas questões (Entrevistado F).

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Logo, os discursos dos 08 entrevistados caracterizaram como foco da formação

acadêmica do enfermeiro a técnica em si, ou seja, todos, em algum momento, associaram a

formação da enfermagem com o conhecimento e aplicação de técnicas. Assim, diante das

correlações entre formação e humanização, os entrevistados transmitiram sua opinião frente

à formação antiga e atual.

Formação Antiga

Dentre os 08 entrevistados, 04 deles afirmaram que antigamente existia uma

preocupação da academia frente à relação do enfermeiro com a humanização, mesmo

diante da técnica, entretanto, esta preocupação focava o respeito pela individualidade do

paciente.

Eu acho que antigamente existia essa aproximação maior, esse cuidado maior pelo

ser humano, essa relação, essa interação (Entrevistado E).

Na época eles falavam bastante em respeitar a privacidade do paciente, e não tinha

muito essa coisa de grupo, de atendimento, de família. Era falado muito a questão da

individualidade, era para respeitar a individualidade e necessidades do paciente

(Entrevistado D)

Um dos entrevistados acredita que a formação antigamente, nos anos 70, se

preocupava em prestar cuidados ao paciente de maneira mais técnica, sem muito toque ou

qualquer outra atitude que demonstrasse vínculo afetivo por parte do enfermeiro.

A enfermagem na época que eu me formei era um modelo que não se tocava...de

jeito nenhum podia dar algo ao paciente a impressão de que queria um vínculo afetivo

(Entrevistado G)

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Outro entrevistado falou que antes a formação era pautada na prática, sem muitos

conhecimentos teóricos, dificultando, desta forma, um cuidado mais humanizado por ter

uma prática sem conhecimentos teóricos e tecnológicos.

Quando eu fiz a faculdade o meu curso era bastante tradicional e era extremamente

prático, e hoje tem uma tendência a dar mais substratos teóricos... O cuidado da

enfermagem era sem conhecimento. Eu vi horrores lá dentro... (Entrevistado B).

Formação Atual

Agora, considerando a atualidade, 02 entrevistados acreditam que a formação

acadêmica hoje focaliza apenas a técnica, sendo que a inter-relação humana com o paciente

encontra-se esquecida diante de tanta tecnologia.

Hoje com a formação mais técnica, as estagiárias vêm com o nariz empinado... Não

se preocupam com o paciente como seres humanos (Entrevistado A).

Acaba se focando muito a técnica, os sinais digitais, curativo, banho... e acaba se

deixando de lado essa questão de informação, de interação, de conversa...(Entrevistado D).

Relembrando as diretrizes curriculares, de fato as disciplinas que envolvem o

aspecto humano da relação, representam bem menos de 25% da carga horária, e isto vai de

encontro com a percepção dos entrevistados acima.

Entretanto, 05 entrevistados abordaram a formação atual de maneira a unir a

tecnologia à humanização. Eles acreditam que a formação tem se preocupado com o

aspecto da humanização, porém, a tecnologia e outros fatores, ao longo da história,

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realmente têm produzido um afastamento do ser na sua relação com o paciente no que se

refere ao cuidado humanizado.

A tecnologia hoje em dia está muito avançada,... isso tudo eu acredito que tenha

afastado a enfermagem do paciente... o que deveria ser ao contrário, porque essa

tecnologia ela veio para ajudar, e no sentido também de aproximar... (Entrevistado E).

A universidade nos dá a base do conhecimento, mas também faz internalizar a

busca desses conhecimentos e que vai em busca de se aperfeiçoar... é o profissional que

sabe o que está fazendo e como pode aquilo ser aplicado para benefício do paciente...

(Entrevistado B).

Ainda, no que se refere à parte técnica da formação, o entrevistado F concorda com

o foco tecnicista, porém acredita que a abordagem mais humana dependia muito do

professor e da escolha do aluno diante da postura deste professor. Essa percepção não

contradiz as demais, uma vez que o entrevistado pressupõe que a humanização era

transmitida na formação, porém de maneira não curricular por depender da pessoa que

ensinava o conteúdo proposto.

Na minha formação tinha muito a técnica, e dependia muito do professor, uns

passavam só a técnica e outros só a parte psicossocial, humanística (Entrevistado F).

Nesta relação da formação acadêmica da enfermagem com o processo de

humanização, a maioria dos entrevistados colocou que essa preocupação de hoje com o

cuidado mais humanizado refere-se a um resgate da técnica com o aspecto humano, que se

perdeu ao longo da história com a preocupação focalizada na parte biológica e tecnicista.

...de alguns anos pra cá fala-se muito na humanização da assistência, mesmo

porque como isso estava muito fragilizado, então agora está se tentando resgatar isso da

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enfermagem, mas eu vejo que ainda ta muito deficiente, eu acho que ainda está muito

distante (Entrevistado E).

Mas com o tempo houve a necessidade de fazer técnica, e isso acabou tirando um

pouco do humano, e está voltando essas duas fases: técnico e humano (Entrevistado F).

Mesmo diante das influências do histórico das diretrizes curriculares do curso

superior da Enfermagem, todos os entrevistados pontuaram que existem outros fatores que

envolvem a formação de uma pessoa que de fato produz um cuidado humanizado.

...não foi muito a questão da formação. Eu acho que a universidade,isso até foi

colocado, mas essa coisa da relação, da humanização,...não tinha um grande enfoque

nisso (Entrevistado E).

Essa palavra é muito vaga: humano, tratar com humanidade, só que... como fazer

isso? (Entrevistado D).

Na tentativa de perceber os outros fatores que influenciam no processo de

humanização, e logo, compreender os diversos pensamentos a respeito desta última

pergunta que apareceu no discurso do entrevistado D, as respostas frente o conceito de

humanização na relação do enfermeiro com o paciente serão apresentadas através de alguns

recursos que os próprios entrevistados utilizaram para produzir tal definição. Os recursos

foram categorizados como técnicos ou pessoais.

3.1.2 Recursos Técnicos

Os recursos de ordem técnica referem-se às intervenções apreendidas, em sua

maioria, durante a formação acadêmica, uma vez que a prática desta promove uma ação

objetiva em níveis padronizados, podendo ou não estar acompanhado de aspectos

subjetivos de quem a produz.

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Orientação e Informação

Dentro da categoria representada pelos recursos técnicos, dos 08 enfermeiros

entrevistados, 05 consideraram essencial na promoção da humanização a orientação e

informação aos pacientes e familiares a respeito dos procedimentos técnicos da

enfermagem. Pode-se perceber este recurso através de alguns discursos:

Humanização no papel do enfermeiro é explicar pro doente tudo o que vou

fazer...todas as vezes que eu expliquei pro doente eu tive colaboração...é importante

explicar para a família porque é a extensão dele,... eu imagino que para a família este

ambiente é desconhecido (Entrevistado C);

Quando você explica pro paciente sobre os procedimentos, fornece

informação...você já está humanizando! (sujeito D);

Se você está amarrando o paciente, então você tem que colocar o porquê você

está amarrando, que é para ele não se machucar... (sujeito F);

De acordo com Kawamoto (1986), a orientação ao paciente sobre procedimentos a

serem adotados apresenta o objetivo de minimizar a ansiedade do mesmo, recebendo em

troca sua cooperação ao promover uma relação de maior confiança. Esta associação da

orientação com a cooperação fica bastante visível na fala do entrevistado C. Ele coloca que

toda técnica vem acompanhada de uma orientação a respeito de como realizá-la e da

necessidade de explicar para o paciente o que vai acontecer, visto que esta atitude frente à

técnica gera um auxílio maior do mesmo em relação à aplicação do procedimento.

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Necessidades Básicas

Além da importância de informar e orientar os pacientes e familiares para a

promoção de um atendimento humanizado, 05 entrevistados consideraram relevante o

atendimento que os enfermeiros devem prestar no que se refere às necessidades dos

pacientes.

Observar as necessidades do paciente, chamar outro profissional da saúde para

atendê-lo (Entrevistado D).

O cuidado humanizado seria atender o paciente naquilo que ele precisa, porque

muitas vezes ele não precisa tanto do remédio... (Entrevistado H).

Conforme Kawamoto (1986), as necessidades básicas do ser humano envolvem os

aspectos psicobiológicos, psicossociais e psicoespirituais. Ele acredita que estes devem ser

atendidos pelos profissionais da saúde de maneira adequada.

As necessidades psicobiológicas apresentadas pelos homens estão interligadas

com o equilíbrio e o bom funcionamento do organismo. Segundo Kawamoto (1986), estas

são indispensáveis para a manutenção da vida, visto que se referem à alimentação, a

excreção, ao exercício, sono e repouso, a oxigenação, a reprodução, a higiene e a habitação.

Já as necessidades psicossociais compreendem a interação e convivência com

outros indivíduos, a liberdade de escolha, a segurança como forma de proteção física,

psíquica e social, o sentimento de amor e respeito à individualidade, auto-estima e

necessidade de aliviar as tensões através do divertimento, do prazer (Kawamoto, 1986).

E as necessidades psicoespirituais, também conforme Kawamoto (1986) referem-

se às indagações do homem em relação a sua origem, destino e razão de sua existência,

sendo caracterizado, devido esta necessidade, como um ser transcendental.

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38

No discurso destes 05 entrevistados que apontaram essencial o atendimento das

necessidades do ser humano para a promoção da humanização na relação enfermeiro-

paciente, percebeu-se que eles consideraram importantes as três esferas das necessidades,

porém com ênfase nos aspectos que envolvem o emocional. Sobre tal, demonstraram a

necessidade do trabalho interdisciplinar por perceberem suas limitações profissionais, a fim

de obterem o auxílio de outras áreas para realizar um cuidado que envolva as diversas

necessidades do paciente.

Conhecimento Técnico

Para atender de forma adequada as necessidades do paciente, 03

entrevistados consideraram importante o conhecimento técnico, científico e o domínio da

tecnologia por parte dos enfermeiros.

Para o enfermeiro que sabe o que ta fazendo e o porquê ta fazendo, que é o

grande diferencial do enfermeiro...e como pode aquilo ser aplicado para benefício do

paciente...o compromisso com o paciente é muito maior com a formação técnica e ética

(Entrevistado B).

...demonstrar que conhece, aprender a se interessar pela parte técnica, patologia,

tratamento, prognóstico, isso veio da faculdade (Entrevistado H).

Segundo Mezomo (s/a), a prática da enfermagem exige conhecimentos técnicos

profundos capazes de dar a equipe condições de observar o paciente e de lhe prestar um

atendimento integral, físico e psicológico (p.96).

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Perguntas Abertas

A fim de prestar este atendimento integral e humanizado, 03 entrevistados

apresentaram como um outro recurso técnico a realização de perguntas abertas ao abordar o

paciente.

...eu pergunto: como é que o senhor está? Como o senhor dormiu? Nunca faço

perguntas que dão vazão para ele responder apenas sim ou não (Entrevistado G).

Conforme Silva (1996), a pergunta é uma forma de comunicação verbal utilizada

com freqüência dentro das instituições, porém necessita de atenção para se obter uma

comunicação adequada. Para tal, requer do entrevistador uma atitude de ouvir atentamente

a resposta quando se realiza uma pergunta. Entretanto, para alcançarmos este objetivo é

importante ressaltar o cuidado em fazer uma pergunta que não induza à respostas

afirmativas ou negativas, e saber de fato a opinião da pessoa, estimulando e dando-lhe a

liberdade de expressão. Este recurso da comunicação foi claramente trazido pelo discurso

dos 03 entrevistados devido a uma preocupação em não realizar perguntas fechadas, e

assim oferecer aos pacientes a possibilidade de expressarem seus reais sentimentos e

pensamentos a respeito da questão.

Altura do Paciente

Ainda referente à categoria dos recursos técnicos, 02 enfermeiros entrevistados

apresentaram a importância de se colocarem na altura do paciente durante a comunicação.

Uma coisa é tu tá deitado e ver alguém em pé ali, que poder tem aquele

indivíduo... (Entrevistado C).

....primeiro a gente tem que estar na altura da pessoa com quem a gente conversa.

Então, tu nunca vai me vê fazendo uma visita com uma prancheta em pé (Entrevistado G).

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De acordo com os entrevistados, a diferença da altura entre enfermeiro e paciente

provoca um afastamento dos seres envolvidos na comunicação. Considerando os conceitos

básicos de comunicação de Stefanelli (1993), esta atitude refere-se a uma manifestação de

comportamento não expressa por palavras, e, portanto, trata-se de uma comunicação não

verbal. Desta forma, o espaço que se mantém entre enfermeiro e paciente influencia e

define o tipo de relacionamento estabelecido entre ambos. É perceptível que alguns

pacientes não toleram um contato mais próximo. Contudo, para prestar-lhes um cuidado

humanizado faz-se necessário uma aproximação corporal, porém, respeitando o limite do

espaço pessoal e territorial do paciente.

Toque

No discurso de 02 entrevistados aparece um outro recurso que envolve a

comunicação não verbal: o toque. Também foi categorizado como técnico visto que a

pessoa pode promover esta ação física por saber da sua importância no cuidado

humanizado, porém com ou sem envolvimento subjetivo.

Você tem que estar explicando o que tu vai fazer, a questão do toque, do respeito

(Entrevistado E).

Tocar na pessoa, no ombro, claro, quando a pessoa se predispõe, e a gente percebe

isso na própria linguagem corporal (Entrevistado F).

De acordo com Stefanelli (1993), o toque pode ser considerado uma das mais

importantes formas de comunicação por apresentar de maneira concreta a transmissão dos

sentimentos de empatia e confiança. O toque pode representar atenção, cuidado, apoio,

calma, entre outras sensações e sentimentos, tanto por parte de quem toca, quanto por parte

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de quem recebe, uma vez que este modo de comunicação tátil desperta no ser diversos

sentimentos e pensamentos.

Horários de Visita

Ainda com relação à categoria dos recursos técnicos, 02 entrevistados acreditam que

a comunicação do paciente com a família é de extrema importância. Neste caso,

consideram que a flexibilização dos horários de visita promove um cuidado mais

humanizado.

...acho que é permitir também, facilitar um pouquinho o horário de visita, ser um

pouquinho mais flexível, né! (Entrevistado C).

Então, eu costumo deixar a família no horário de visita o tempo que ela achar

necessário (Entrevistado F).

Segundo Mezomo (s/a), as visitas ao paciente devem satisfazer algumas necessidade

e por isso é importante a sua programação. Portanto, é necessário considerar a comodidade

dos visitante e paciente, a organização e a estrutura do hospital. Contudo, o autor também

acredita que o horário de visitas deve ser flexível, considerando os casos especiais, os

parentes que vêm de longe, e a necessidade apresentada pelo paciente, uma vez que o torna

mais integrado ao mundo e as relações afetivas.

Os recursos descritos até o presente momento envolvem conhecimentos e atitudes

técnicas por parte dos enfermeiros frente o processo de humanização na relação com o

paciente. Todavia, a orientação e informação ao paciente e familiar, o atendimento das

necessidades do paciente, o conhecimento científico, a comunicação verbal (pergunta) e

não verbal (toque e proximidade física) e a flexibilização dos horários de visitas são ações

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que podem ou não se associarem aos aspectos subjetivos da pessoa que age, e dependendo

da forma como são realizadas não promoverão plenamente um cuidado humanizado.

3.1.3 Recursos Pessoais

Os recursos de ordem pessoal apresentam intervenções expressivas, que envolvem

sentimentos e apoio emocional, ou seja, sua prática requer ações acompanhadas de

subjetividade de quem a pratica.

Paciente enquanto Ser Humano

Categorizado como recurso pessoal, 07 entrevistados acreditam que o processo de

humanização constitui-se a partir do momento que o enfermeiro se preocupa com o

paciente como ser humano.

A profissão do enfermeiro para mim é cuidar do ser humano que é o paciente

(Entrevistado A).

Então, a gente tem que olhar para o outro como um ser, independente de como ele

chegou...é olhar para o outro... (Entrevistado C).

A gente nunca pode ver o indivíduo como objeto do cuidado no sentido de só

desenvolver a técnica, o procedimento em si, é um ser humano que ta ali e é isso que eu

costumo fazer quando eu to na relação com o paciente (Entrevistado E).

Eu acho que a relação pessoa a pessoa é uma das coisas que tem que ser usada

(Entrevistado F).

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Na visão de Buber (1987), o cuidado envolve o aspecto relacional, pessoal e

impessoal. Na relação de pessoa para pessoa, ocorre um processo de reconhecer o outro

como ser humano e com ele se importa. Neste caso, o enfermeiro não percebe o paciente

como um papel de doente, ou de uma patologia, mas como um ser único, e esta visão

proporciona um relacionamento integral entre ambos.

Envolvimento Afetivo

Ao promover esta atitude de reconhecer que o cuidado humanizado é fruto de uma

relação onde um se preocupa com o outro na medida em que o percebe como ser humano,

05 entrevistados considerou essencial para a concretização deste processo o envolvimento

afetivo na relação enfermeiro-paciente.

...pra você dar uma boa assistência você tem que se envolver, essa coisa de dizer

que eu não vou me envolver pra não sofrer..., mas se você não se envolve emocionalmente,

você não consegue ter uma boa qualidade no cuidado (Entrevistado E).

...as pessoas que tem essa capacidade de se envolver afetivamente com o trabalho

são as que melhor conseguem desenvolver esse trabalho dentro da enfermagem...se

envolver afetivamente não quer dizer se enfiar no problema do outro (Entrevistado B).

O envolvimento afetivo é constituído pela mobilização de sentimentos e posturas

comportamentais que possibilitam o relacionamento interpessoal. Sobre tal, pôde-se

perceber que no discurso de 05 entrevistados aparecem questões relacionadas à existência

de sentimentos numa relação humanizada entre enfermeiro e paciente, e suas expressões

corporais.

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A profissão do enfermeiro pra mim é... de sorrir, brincar, acariciar sinceramente,

não tecnicamente...a humanização vem de dentro, é do campo do sentimento...

(Entrevistado A).

...o sorriso, a empatia, né, porque é importante. A subjetividade ela existe, ela tá

presente (Entrevistado B).

...para mim é normal dar um beijinho na testa do paciente, é um ato de carinho

(Entrevistado G).

Segundo Oliveira (2003), o vínculo compartilhado, afetivo e amoroso estabelecido

entre enfermeiro e paciente promove um encontro entre seres humanos por possibilitar uma

entrega de si mesmo e envolver uma capacidade de expressar sentimentos, emoções e

pensamentos ao permitir a vivência plena do encontro com o paciente. Esta atitude

relacionada ao vínculo afetivo facilita o processo de busca pela integralidade do indivíduo,

visto que a saúde refere-se a um estado de bem-estar do ser humano em seus diversos

aspectos que o compõe.

Presença na Relação

Para a realização deste encontro entre seres humanos, e logo, para promover um

cuidado humanizado, 04 entrevistados consideraram necessário que o enfermeiro esteja

inteiro, presente na relação com o paciente.

...para estar com aquele indivíduo tens que estar com o teu corpo ali e tua mente

ali...e acho que é isso que faz a grande diferença, quem tá inteiro e quem não tá inteiro

(Entrevistado C).

É você ta junto com ele naquele momento, ta presente, não só de corpo

(Entrevistado E).

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Buber apud Oliveira (2003), acredita que o momento de encontro entre o EU e o TU

só é possível na medida em que o EU se faz presente ao se colocar numa posição de ver e

ouvir o outro, e assim, facilitar a expressão de seus sentimentos e aceitá-los.

Logo, “o cuidado amoroso é um compartilhar entre seres humanos, que lhes permite

ver, aceitar e encontrar o outro como único, singular e semelhante na condição de humano”

(Oliveira, 2003, p.99).

Comunicação e Interação Subjetiva

Ao abordar a importância do momento de encontro entre seres humanos para a

realização de um relacionamento humanizado, 06 entrevistados elucidaram a questão da

comunicação, sendo esta uma atitude categorizada como recurso pessoal frente o processo

de humanização na relação enfermeiro-paciente.

A comunicação acho que é um técnica que tu acaba estabelecendo...converso com

ele sobre a sua família, seu trabalho para incentivar a melhora (Entrevistado D).

...procurar ter uma relação muito próxima, conversar muito,... a gente não usa

outra coisa senão a comunicação verbal e não verbal (Entrevistado E).

A comunicação pode ser considerada um recurso técnico, como foi explicitado

anteriormente, quando se refere ao ato de orientar, explicar procedimentos e fazer perguntas

de rotina hospitalar. Entretanto, quando a comunicação apresenta-se de maneira a interagir

subjetivamente com o paciente será categorizada como um recurso pessoal por exigir uma

maior disponibilidade afetiva do ser que a pratica.

Neste sentido, conforme Stefanelli (1993), a comunicação ocorre num campo

interacional, uma vez que as pessoas compartilham o significado de idéias, pensamentos,

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entre outras atribuições a seres e coisas que se modificam na medida em que interagem uns

com os outros. Essa interação vivenciada através da comunicação entre enfermeiro e

paciente auxilia no resgate da subjetividade humana de cada ser e ajuda a pessoa a

perceber-se como útil, capaz de solucionar problemas, e assim contribuir e interagir com a

sociedade que está inserida. Esta percepção do outro e de si mesmo auxilia na promoção,

manutenção e recuperação da saúde física, psicológica e social do paciente.

De acordo com Paterson e Zderad apud Oliveira (2003), esta comunicação pode ser

considerada um diálogo genuíno por apresentar uma abertura que promove aceitação mútua

entre as pessoas através de uma escuta atenta e da presença de um ser disponível em termos

de envolvimento emocional.

Conforme Buber apud Oliveira (2003), fazem parte da vida do ser humano os

relacionamentos Eu-Tu e Eu-Isso, uma vez que toda troca entre pessoas envolve essas duas

dimensões. Entretanto, para a realização de um diálogo genuíno é preciso que os dois seres

humanos apresentem disponibilidade para ir além da atitude Eu-Isso. Para tal, faz-se

necessário valorizar verdadeiramente a singularidade do outro, provocando, desta forma,

um encontro na esfera do entre, sendo este vivido pelos dois, numa dimensão Eu-Tu e Eu-

Isso.

Profissional enquanto Ser Humano

Diante deste processo de interação entre enfermeiro e paciente, 04 entrevistados

apresentaram um discurso que valoriza o ato de se perceber como ser humano nesta

relação.

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Eu me percebo assim, não só me vendo como profissional, mas como ser humano

quando eu estou cuidando do paciente. Eu não consigo fazer esta distinção do eu e do

profissional. Então, a minha relação com o paciente é muito próxima (Entrevistado E).

Durante a atuação da enfermagem, a preocupação técnica, segundo Souza apud

Oliveira (2003), na maioria das vezes impede momentos de reflexão sobre o ser humano

que é o próprio profissional e o paciente. Apesar da competência nos cuidados manuais,

existe uma carência de afetividade, sensibilidade e envolvimento emocional na sua relação

com o paciente. Isso mostra o quanto este profissional polariza a razão e o sentimento,

mesmo que, independente da sua vontade, estes se encontram presente na rotina e na vida

do ser humano.

Confiança

A valorização da interação, do diálogo genuíno entre enfermeiro e paciente, faz o

ser humano considerar a existência da relação de confiança que se estabelece quando

acontece de fato um cuidado humanizado. Sobre tal, 03 entrevistados evidenciaram a

importância da confiança, sendo esta categorizada como recurso pessoal utilizado pelo

enfermeiro na promoção de uma relação humanizada.

Quando você estabelece uma relação de confiança, você já está humanizando

(Entrevistado D).

...a maneira que você se apresenta e se porta diante do paciente faz com que

aumente a credibilidade contigo... (Entrevistado G).

Então, a gente tem que ter uma relação bem clara.... Geralmente é uma relação

mais aberta, a gente não induz para ter uma relação de confiança (Entrevistado H).

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O ato de cuidar requer, de acordo com Waldow (2001), a capacidade de se adaptar

as necessidades apresentadas pelo paciente. Essa flexibilidade do comportamento do

enfermeiro possibilita a realização de um cuidado mais humanizado, e, portanto, gera no

paciente uma confiança sobre a competência e habilidade do outro a partir do seu

envolvimento emocional. A confiança é um ingrediente indispensável na relação

enfermeiro-paciente por permitir ao outro a liberdade de crescer e se desenvolver à sua

maneira e ao seu ritmo ao valorizar a sua independência e provocar o ato de coragem, para

que o paciente se arrisque em direção à busca pela vida.

Destreza Manual

Um outro recurso pessoal utilizado nesta relação diz respeito à delicadeza do

profissional de enfermagem no momento da aplicação dos procedimentos técnicos. Dentre

os 08 entrevistados, 02 elucidaram a importância desta atitude no cuidado humanizado.

...tento ser humano... tento usar uma agulhinha mais fina...a gente pode fazer um

pouquinho diferente. Dá mais trabalho? Dá! Mas é o que eu acredito! (Entrevistado C).

...é prestar o cuidado da forma mais carinhosa possível para que ele sofra menos,

isso pra mim é se envolver o cuidado (Entrevistado E).

Considerando Kawamoto (1986), um instrumento básico do profissional da

enfermagem refere-se à destreza manual, sendo esta de suma importância para a realização

de um cuidado humanizado. Para isto, faz-se necessário que o profissional tenha a

capacidade de utilizar de maneira adequada as mãos durante a execução de um

procedimento, a fim de evitar maiores sofrimentos ao paciente num momento onde este se

encontra tão fragilizado.

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Religiosidade

Ao vivenciar a relação enfermeiro-paciente dentro da dinâmica hospitalar, 06

entrevistados apresentaram a religiosidade como recurso pessoal utilizado pelos

enfermeiros, a fim de possibilitar o exercício de um cuidado humanizado. No discurso dos

profissionais da enfermagem surgiram recursos referentes ao auxílio no resgate da fé do

paciente para contribuir com o enfrentamento do seu processo de adoecer e de

hospitalização, e da busca pela religiosidade do próprio profissional frente a sua atitude de

cuidar de maneira mais humana.

O que a gente busca é saber se o paciente tem uma crença,buscar o recurso que ele

tem da fé (Entrevistado C).

Eu vejo que hoje em dia, até quando o paciente está morrendo, eu consigo ficar no

lado dele, orando, tem momentos que eu consigo fazer isso... (Entrevistado E).

...tá explicando ou falando um pouco sobre a religiosidade da pessoa, nunca

impondo o que a gente acha (Entrevista F).

...eu agradeço a Deus por eu ter dom de cuidar das pessoas (Entrevistado G).

Segundo Waldow (2001), a dimensão do cuidar e do adoecer são vivências que os

seres humanos interpretam e se apropriam na medida em que atribuem significados a partir

se suas percepções e conhecimentos já adquiridos durante a exploração de sua vida.

Logo, para a realização de uma relação humanizada entre a enfermagem e o

paciente frente este contexto é necessário buscar e aceitar os valores e a espiritualidade que

cada pessoa tem a respeito das vivências que permeiam a hospitalização e o processo de

adoecimento, a fim de possibilitar o resgate da saúde por meio de significantes que o

paciente constrói a partir de seus pensamentos, sentimentos e atitudes.

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Empatia

Um recurso apresentado por 03 entrevistados refere-se ao ato de atender o paciente

como gostaria que fosse atendido, ou como gostaria que uma pessoa que amasse muito

fosse cuidada. Apesar de este recurso estar representado no discurso dos entrevistados

como uma técnica transmitida durante a formação acadêmica, nesta análise ele será

categorizado como um recurso pessoal pelo fato de exigir um investimento subjetivo da

pessoa que a pratica.

Quando eu dava aula para técnico de enfermagem eu dizia para os meus alunos

atenderem seus pacientes como gostariam que uma pessoa que amassem muito fosse

atendida (Entrevistada A).

Eu gosto de respeitar o outro, eu penso assim, se fosse comigo como eu agiria?

(Entrevistado C).

...é você prestar um cuidado como se tivesse prestando um cuidado pra pessoa

mais querida pra você (Entrevistado E).

Atrelado a este recurso anterior, surge no discurso de 04 entrevistados a importância

e a dificuldade da atitude de se colocar no lugar do outro. Os entrevistados evidenciaram a

necessidade da presença do recurso pessoal da empatia durante a relação enfermeiro-

paciente para a realização de um cuidado humanizado.

Se colocar no lugar do outro, nossa!? É...ninguém faz isso (Entrevistado B).

Se colocar no lugar do doente, mas na prática mesmo...porque não é tão simples se

colocar no lugar do outro...para isso tu tens que estar com o outro, entender o outro, tentar

se sensibilizar com o outro, tentar imaginar a dor que ele tem (Entrevistado C).

De acordo com Stefanelli (1993), a comunicação, quando realizada de maneira

empática, promove uma interação terapêutica entre enfermeiro e paciente que objetiva

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ajudar o outro ao tentar perceber a sua experiência como ele vivencia, sem perder seu papel

de profissional e a sua identidade enquanto pessoa. Segundo Clay apud Stefanelli (1993), o

comportamento de uma comunicação empática envolve as atitudes de aceitação, escuta,

clarificação, informação e análise.

Para Rogers (1977),

o termo empatia foi criado pela psicologia clínica para indicar a capacidade de se imergir no mundo subjetivo do outro e de participar da sua experiência, na extensão em que a comunicação verbal e não-verbal o permite. Em termos mais simples, é a capacidade de se colocar verdadeiramente no lugar do outro, de ver o mundo como elo o vê (Rogers, 1977, p. 104).

Desta forma, esta capacidade empática torna-se útil ao profissional na medida em

que este consegue captar e refletir sobre os significados que o paciente atribui as suas

palavras, abstraindo, assim, seus próprios valores, sentimentos e pensamentos a respeito do

processo em que se encontra.

Conforme Souza apud Oliveira (2003), o profissional está sujeito a interpretar

erroneamente os sentimentos e pensamentos do paciente quando ele apresenta carência de

empatia. Esta carência provoca indiferença na tradução da história da pessoa por

desconsiderar suas características próprias e singularidade ao basear-se na construção de

um estereótipo.

Personalidade

Dentre os 08 entrevistados, 06 deles elucidaram que a concretização da prática

destes recursos pessoais contemplados como geradores de um processo de humanização na

relação enfermeiro-paciente dependem da personalidade de cada pessoa por se tratar de

uma postura humana.

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Tem tudo a ver com a personalidade de cada um, o seu jeito de ser reflete

inteiramente no cuidado e nas nossas relações com o paciente (Entrevistado B).

...mas se tinha boa índole, boa vontade, e era humano com o doente era tudo,..o

importante é a educação, a postura, porque isso é da pessoa (Entrevistado C).

Eu vejo que a humanização depende muito de pessoa para pessoa, de como é

colocado para ti (Entrevistado D).

Rogers (1977) acredita que a postura empática, assim como as outras apresentadas

anteriormente, demonstra uma forma subjetiva de se relacionar, uma vez que esta atitude

faz com que a pessoa experimente os sentimentos e pensamentos que o outro manifesta. A

empatia, em especial, encontra-se enraizada na personalidade de quem a pratica. Esta

postura não se refere apenas a um comportamento adotado pela pessoa, mas representa a

ação capaz de expressar a sua própria personalidade.

Educação familiar

É perceptível que no discurso de 05 entrevistados aparece a educação familiar, suas

crenças e valores, como produtor da influência sobre a construção de uma personalidade

capaz de exercer um postura humanizada frente o ato de cuidar do paciente.

Sabe, aquilo que tu aprende em casa,... as coisas que tu aprende de berço, toda

aquela formação de família, formação ética...eu acho que a gente coloca tudo da gente no

cuidado... (Entrevistado B).

Eu acho que tem a questão da educação. Não dá pra escola te transformar em

humano se tu não acredita naquilo...eu acho que é da índole mesmo, de acreditar na

pessoa, ta inteiro ali, respeitar o indivíduo, esses valores são os pilares para a

humanização (Entrevistado C).

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Pra mim, essa forma de pensar é um misto de cultura, crença, a própria questão

religiosa, a questão familiar... (Entrevistado F).

Esse meu jeito vem da formação familiar...papai e mamãe me ensinaram que todos

somos iguais (Entrevistado G).

Segundo Waldow (2001), “o cuidado humano consiste em uma forma de viver, de

ser, de se expressar”(p.129). Logo, a forma como o cuidador age reflete a sua compreensão

de homem e de mundo que se constituíram ao longo das suas experiências pessoais, suas

crenças, valores... sua educação. Para tal, não existem fórmulas, receitas ou manuais

capazes de ensinar plenamente o homem a produzir um cuidado humanizado. “O cuidado

técnico pode ser ensinado, porém o cuidar em sentido mais amplo, entendido como um

processo interativo, precisa ser vivido”(Waldow, 2001, p.162). Dentro desse contexto, a

educação passa a representar o significado singular e moral que a pessoa atribui ao cuidado,

sendo este expresso pela atitude valorativa que o ser humano apresenta perante a sua

relação com a vida, com a profissão e com o paciente.

Vivências pessoais

Mediante a influência sobre tal postura humana, 05 entrevistados acreditam que as

suas próprias vivências pessoais desenvolvem em si sentimentos e habilidades capazes de

provocar atitudes causadoras de um cuidado humanizado.

Meu marido morreu ...e mexeu com a minha estrutura. Por isso é importante fazer

as coisas em vida, cuidar das pessoas antes que elas se vão (Entrevistado A).

...eu me torno mais ser humano, apesar de ter sofrido, mas eu acho que me

sensibilizo mais, eu me torno mais gente...eu acho que isso veio com o fato de você

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vivenciar várias situações, então tu vai mudando tuas atitudes, para melhor (Entrevistado

E).

E pra casa a gente traz muito, tanto as experiências positivas, quanto as

negativas...poder conversar e ampliar a visão do viver e do morrer...a gente aprende que

não pode deixar as coisas pra depois, porque o depois pode não existir (Entrevistado F).

Mas acontece é que é uma característica minha. Primeiro, por ter passado por um

longo período de depressão, onde antes eu era fechada, e eu aprendi a me abrir...

(Entrevistado G).

Interesse pelo conhecimento

No discurso dos entrevistados, 05 deles consideram que os cursos e palestras que

promovem um estudo aprofundado sobre os aspectos que permeiam a humanização podem

contribuir com a formação de um profissional que mantém uma postura pessoal

humanizada, apesar da relevância de que o interesse individual influenciará intensivamente

neste aprendizado.

Hoje as instituições estão tentando buscar a humanização fazendo cursos e

palestras (Entrevistado D).

Então, a minha relação com o paciente é muito próxima, mesmo porque, todos os

meus trabalhos, tanto de mestrado quanto de doutorado, sempre foi nessa linha de

humanização...eu procuro fazer isso no meu dia-a-dia, na prática, não só na teoria

(Entrevistado E).

...e também por causa da minha pós-graduação, eu trabalhei com o estresse e a

psicossomatização, então, eu tento minimizar o estresse da internação do paciente e dos

familiares (Entrevistado G).

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Para Chiattone apud Camon (1996), o conhecimento de estudos profundos sobre as

correlações entre os aspectos biológicos e psicológicos permite ao ser uma melhor

compreensão a respeito da necessidade de considerar a história de vida do paciente, os

fatores causais que interferem na dinâmica do processo de adoecer trazido pelo seu

passado, presente e futuro, e o estado emocional sentido por ele, capaz de provocar

alterações orgânicas durante o período de hospitalização e de adoecimento. Ao conhecer as

relações entre mente e corpo e as constatações das influências psíquicas nas doenças, o

profissional contempla de um embasamento capaz de facilitar a construção de um cuidado

mais humano.

Ser exemplo

Uma outra percepção a respeito das relações humanizadas encontrada por 03 entrevistados

refere-se ao ato de auxiliar as pessoas do ambiente hospitalar através do seu exemplo, de

suas próprias atitudes.

Aqui eu procuro ser exemplo para a minha equipe, e eles trabalham como eu, que é

bem diferente das outras equipes... essa humanização vem de dentro, é difícil ensinar, só

pelo exemplo (Entrevistado A).

A gente quando age dessa forma mais humanizada, a gente vai ajudando a formar

as pessoas, aqueles que têm boa intenção, boa índole, aqueles que estão inteiros

conseguem captar (Entrevistado C).

Eu aprendi que com os atos é muito mais fácil contagiar as pessoas do que com as

palavras (Entrevistado G).

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Interesse pela Profissão

Diante da apresentação anterior dos recursos técnicos e pessoais e das possibilidades

de desenvolvimento de uma postura que facilitaria a realização do processo de

humanização na relação enfermeiro-paciente, 06 entrevistados evidenciaram que a crença e

o gosto pela profissão da enfermagem e sua associação com o ato de cuidar são fatores

importantes que auxiliam na promoção de relações humanizadas no ambiente hospitalar.

... e acreditar também na enfermagem, que pode ser diferente (EntrevistadoC).

Se eu sair da enfermagem eu não sei o que faço. Eu adoro o que eu faço,...é

extremamente desgastante... (Entrevistado D).

Eu gosto muito do que eu faço, sempre fui encantada. Eu sempre achei muito

importante estar nesse local... (Entrevistado H).

Conforme Waldow (2001), existem muitos profissionais da enfermagem que atuam

nesta área apenas por cumprirem uma obrigação de trabalho, sendo este o meio encontrado

pela pessoa para sobreviver e adquirir uma remuneração. Neste caso, não há um real

envolvimento com a profissão e com o ato de cuidar, pois, independente de sua eficiência e

responsabilidade, demonstram atitudes pautadas na distancia e frieza frente a sua relação

com o paciente.

Neste sentido, é essencial estar motivado ao atuar na profissão da enfermagem, uma

vez que, segundo o autor (2001), a motivação promove o desejo de cuidar, disposição para

ajudar e auxiliar o crescimento do outro, de valorizar a vontade de vive e de se

comprometer com a promoção de uma relação humanizada.

Teoria e Prática

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Apesar dos 08 enfermeiros (as) entrevistados apresentarem pensamentos e

sentimentos sobre o processo de humanização na sua relação com o paciente sustentados

em recursos técnicos e pessoais, verifica-se que estes conceitos não se encontram sempre

aliados à atuação do entrevistado ou não fazem parte das atitudes dos seus colegas

profissionais. Quando o enfermeiro (a) permanece na presença do paciente, em sua maioria,

o cuidado humanizado não acontece em virtude de diversas dificuldades que interferem este

processo. Esta secção entre o conceito e a prática aparece no discurso dos 08 entrevistados,

e as dificuldades causadoras desta divisão serão apresentadas a seguir, no próximo capítulo.

...mas sei que muitos não são assim, a maioria se preocupa apenas com a técnica

(Entrevistado A).

A gente tem que utilizar tudo que a gente tem de recurso pessoal...ou me perdoar

quando não consigo fazer também, porque ninguém é perfeito. Senão é um sofrimento

diário, daí tu não consegue... (Entrevistado B).

Eu tento ser justo, tento ser humano, me colocar no lugar do doente, não vou dizer

que eu não falhe...com certeza... Quando eu to com muita tarefa eu digo para o doente: oi,

tudo bem? Eu já limito a minha conversa...isso é desumano (Entrevistado C).

...está se tentando resgatar isso da enfermagem, mas eu vejo que ainda ta muito

deficiente, eu acho que ainda está muito distante (Entrevistado E).

Diante disto, conclui-se que a hipótese foi corroborada, em parte, uma vez que a

prática do cuidado em sua maioria não acontece de acordo com o conceito que se tem a

respeito de uma relação humanizada. Os recursos utilizados na relação enfermeiro-paciente

produzem um distanciamento destes como seres humanos em detrimento das diversas

dificuldades pertencentes ao cotidiano do hospital, que conduzem estes seres a se

relacionarem com a técnica, com a doença, com o corpo.

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Contudo, em virtude das percepções que os entrevistados apresentaram a respeito da

necessidade de produzir relações mais humanas no contexto hospitalar a fim de contemplar

a saúde global do paciente, felizmente, a hipótese não foi corroborada totalmente. Logo, é

sinal de que já existe um pensar referente às possibilidades de mudanças nas relações

humanas com o intuito de resgatar a subjetividade dos seres que permeiam este ambiente,

ainda que a realidade da prática esteja distante de alcançar este objetivo por encontrar-se no

início de uma longa caminhada.

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3.2 INTERFERÊNCIAS NO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO

Ao promover um pensar a respeito do processo de humanização na relação

enfermeiro-paciente, no discurso dos 08 entrevistados surgiram dificuldades que interferem

na realização de um cuidado humanizado. Essas dificuldades foram categorizadas em

aspectos que se referem ao âmbito do profissional da enfermagem, do paciente e seu

familiar, e da instituição em sua totalidade.

3.2.1 Profissionais da Enfermagem

Os itens apresentados por esta categoria referem-se aos obstáculos vivenciados

pelos enfermeiros através da expressão de suas próprias atitudes, pensamentos e

sentimentos no que tange as suas reais dificuldades. Estas, em sua maioria, são frutos da

ausência de suporte psicológico para o enfrentamento da rotina inerente ao ambiente

hospitalar.

Rotina Hospitalar

Considerando a categoria dos profissionais da enfermagem, 07 entrevistados

evidenciaram que as vivências rotineiras do ambiente hospitalar produzem um desgaste no

enfermeiro capaz de dificultar a sua relação com o paciente.

No hospital psiquiátrico a gente vivencia muito a dor...a doença mental mutila a

pessoa para a vida...Isso é uma coisa que eu penso muito e que me causa...Isso eu vivencio

a anos, isso me dói! (Entrevistado B).

Porque eu acho que a gente é humano também, e quando a gente vive só doenças,

com doenças graves, doença, doença...a gente meio que ta na beirada de um abismo,

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né!...Porque no dia-a-dia as coisas se tornam comuns, a rotina é uma coisa que embrutece

a gente (Entrevistado C).

...é extremamente desgastante, tens dias que tu chegas em casa e parece que tu és

uma esponja, que sugaram tudo o que podia e só foi o bagaço para casa (Entrevistado D).

Porque muitas vezes você se desestrutura diante do sofrimento, da morte, de uma

série de coisas, então precisaria de um apoio (Entrevistado E).

Me desestrutura muito jovens que provavelmente vão ficar com alguma seqüela. Me

é muito comovente a questão da tentativa de suicídio...a gente não deve julgar o que a

pessoa fez...é sempre bem chocante para mim...Dependendo da pessoa essas vivências

rotineiras acaba ficando mais dura...um pouco menos sensível as

dificuldades...(Entrevistado F).

Segundo Sebastiani apud Camon (1998), a intensidade do relacionamento do

profissional da enfermagem com as vivências hospitalares permeadas pela dor, sofrimento,

angústia, impotência, medo, perdas e pelo contato constante com o processo de morte e o

morrer, entre outras experiências inerentes ao hospital, produzem uma gama violenta de

estímulos emocionais que podem prejudicar o profissional e a sua relação com o paciente.

De acordo com Waldow (2001), a rotina hospitalar, a inadequação das condições do

meio ambiente e as situações experienciadas estimulam no ser uma vivência constante de

estresse psicológico, tornando-o mais vulnerável e insatisfeito com a sua profissão.

Contato com a Morte

Dentre as experiências hospitalares, 03 entrevistados elucidaram que o contato com

a morte de alguma forma mobiliza as questões subjetivas do próprio enfermeiro, podendo,

esta vivência, interferir na sua relação com o paciente.

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Quando eu presenciava a morte de jovens, pais, mães, crianças em hospitais gerais,

aquilo me causava uma pena, e não tem como a gente se comover...mas quando eu vejo um

doente mental morrer, eu as vezes tenho um alívio...eu tenho, acho, que fazer uma terapia,

uma análise para compreender melhor isso, porque as vezes eu me culpo, porque como

enfermeira eu tenho, tenho, que lutar pela vida, vida sabe? Eu não tenho nunca que achar

que a morte naquele caso vai ser bom, eu não posso! (Entrevistado B).

Então, quando ele vem a falecer dá uma sensação de impotência. É bem difícil.

Chega uma ora que, poxa vida, não deu!...É uma área extremamente estressante, muito

desgastante... (Entrevistado D).

Mezomo (s/a) acredita que a vivência da morte representa, para o profissional da

saúde, o fracasso e a incompetência diante de toda atuação e esforço dedicado a

manutenção da pessoa em vida.

“A convivência diária com a situação da morte e de perdas pode provocar uma

sensação de tristeza, incompetência, mau humor” (Souza apud oliveira, 2003, p. 196).

Entretanto, é importante ressaltar que o objetivo de seu trabalho não pode estar pautado na

frustração que elucida a morte, visto que os fatos rotineiros do hospital não podem suprimir

o sentimento de vitória diante da sua atuação profissional.

Contudo, em nossa sociedade existe a construção de uma cultura que valoriza a

produção, o belo, a perfeição em detrimento dos valores de dignidade humana. Logo, a

valorização da saúde acontece quando a funcionalidade organísmica encontra-se em risco.

Assim, a morte, por ser inerente a condição humana, gera no ser uma mobilização de

sentimentos que provocam a negação da mesma e um afrontamento em direção ao fato

inegável que faz parte integral da vida e que realça a existência humana. Esse contato com

a morte dificulta, muitas vezes, o relacionamento humanizado com o paciente quando este

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não recebe apoio e suporte para enfrentar o fato de reconhecer a finitude da própria

existência.

Modelo Tecnicista

Na categoria dos profissionais da enfermagem, uma outra questão abordada por 05

entrevistados que dificulta a concretização de uma relação humanizada no contexto

hospitalar trata-se de uma visão de homem marcada pela tecnologia. A sua importância e

necessidade de forma alguma é questionada pelos entrevistados, entretanto, a valorização

do modelo tecnicista, em sua maioria, se sobrepõe aos aspectos que envolvem a

subjetividade humana e suas relações com o paciente, o que impossibilita o resgate da sua

saúde global.

Então, as relações aqui dentro são truncadas, são relações defensivas, relações de

um cuidado mais tecnicista do que integralista, é fruto mesmo da sociedade como um todo

(Entrevistado H).

Mas, no momento tem muitas divergências entre atendimento das necessidades

psicobiológicas e atendimento das necessidades psicossociais (Entrevistado F).

A tecnologia hoje em dia está muito avançada, a tecnologia de ponta, muitos

aparelhos, muita sofisticação, isso tudo eu acredito que tenha afastado a enfermagem do

paciente. Eu acho que isso interferiu na relação afastando um pouco o profissional do

paciente (Entrevistado E).

“O avanço tecnológico não deve esquecer a importância absoluta do humano”

(Mezomo, s/a, p.47). A competência profissional do enfermeiro pautada em conhecimentos

e habilidades técnicos e biológicos são fatores indispensáveis para a promoção e resgate da

saúde do paciente. Entretanto, “o que existe de errado nisto não é capacitação técnica dos

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enfermeiros, mas o seu afastamento do paciente que os torna incapazes de responder a

todas as suas necessidades” (Mezomo, s/a, p. 10).

Frente essas necessidades humanas torna-se importante que o profissional também

estude e compreenda as ciências psicológicas e sociais e esteja junto do paciente durante o

ato de cuidar a fim de valorizar a saúde global do ser.

Ausência do Envolvimento Subjetivo

Por conseqüência da tecnologia e de outros fatores, 04 entrevistados acreditam que

a ausência do enfermeiro enquanto ser humano e o não envolvimento com a subjetividade

do paciente são atitudes que interferem o processo de humanização no relacionamento entre

eles.

Tudo isso causa na pessoa uma insegurança muito grande, ela não consegue

humanizar, porque a vida dela não é das mais humanas, acaba sendo uma coisa muito

robótica (Entrevistado H).

...tem pessoas que estão com o corpo lá no momento, o coração e a mente. E outros

não, estão só com o corpo ali, e a mente ta em casa...o coração está em outro local, e acho

que isso é que faz a grande diferença, quem ta inteiro e quem não ta inteiro (Entrevistado

C).

Na percepção de Mezomo (s/a), “nenhum complexo tecnológico poderá jamais

substituir a capacidade humana de formar aquele outro complexo, o de pessoas,

diversificadas em suas características individuais...” (p.48).

Contudo, o contato com a tecnologia, entre outros fatores, faz com que o homem ser

relacione com a máquina, com os procedimentos, com o corpo, evitando ou se distanciando

de seus próprios sentimentos. Esta atitude impede o cuidado humano, uma vez que

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humanização “é algo que se percebe, que se sente... é a busca constante de harmonia e

relacionamento... visando sempre o atendimento integral do paciente” (Mezomo, s/a, p. 49).

Desta forma, para promover um cuidado humanizado é necessário que a experiência

do diálogo seja vivido entre o profissional e o paciente, pois “no diálogo estão envolvidos o

encontro, o relacionamento, a presença...” (Bruggemann apud Oliveira, 2003, p. 48).

Unidade de Terapia Intensiva

Ao considerar que o ambiente da UTI (Unidade de Terapia Intensiva) é constituído

pela necessidade da tecnologia de ponta e pelos pacientes se encontrarem em graves

situações, na sua maioria, em estado de coma, os 03 entrevistados que atuam neste

ambiente enfatizaram durante seu discurso que a necessidade do próprio local gera

dificuldades que interferem no processo de humanização na sua relação com o paciente.

Eu sempre atuei em Terapia Intensiva, o ambiente de UTI se tu não cuida ele te

distancia um pouco, por causa da tecnologia....depois de uns 4 anos eu comecei a observar

que eu estava me distanciando do paciente, no sentido de eu estar muito voltada para as

questões técnicas, procedimentos, aparelhagens... (Entrevistado E).

Na UTI eu me sinto muito técnica em relação ao paciente...porque com o paciente a

gente trabalha com o corpo dele, ele tá em coma, cedado, e não tem como trabalhar essas

questões (Entrevistado F).

Segundo Souza apud Oliveira (2003), a UTI exige que o profissional desenvolva um

cuidado de orientação baseado no aspecto tecnológico, no domínio da técnica e dos

aparelhos. Esta realidade resulta numa relação entre profissional e objeto antes de se

relacionar com o ser humano, mas com o propósito de manter o paciente em vida.

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Inexistência de Conhecimento Técnico

Diante da atuação técnica do profissional do enfermeiro e da tecnologia que permeia

o ramo da saúde, faz-se necessário a aquisição de conhecimentos e habilidades que possam

garantir ao paciente a amplitude da sua saúde orgânica. Dentre os entrevistados, 02 deles

trouxeram como dificuldade que interfere o processo de humanização no relacionamento

com o paciente a inexistência deste conhecimento técnico e a falta do domínio nos

procedimentos inerentes ao contexto hospitalar por parte dos enfermeiros (as).

E as pessoas que foram trabalhar ali também não tinham se desenvolvido, não

tinham conhecimento...elas foram se desumanizando (Entrevistado B).

Evitar que o paciente se feche e sofra algum trauma, ou um manuseio inadequado.

Infelizmente, na nossa profissão a gente aprende muita coisa errando...(Entrevistado H).

Para um cuidado humanizado, sem dúvida, é preciso resgatar a subjetividade dos

seres que se encontram no ambiente hospitalar mediante os relacionamentos interpessoais.

Entretanto, esta prática “exige também conhecimentos técnicos profundos capazes de dar à

equipe condições de observar o paciente e de lhe prestar um atendimento integral, físico e

psicológico. E isto exige treinamento e atualização” (Mezomo, s/a, p.96).

Relacionamento Interpessoal da Equipe

Ainda com relação à categoria que envolve as dificuldades pertencentes aos

profissionais da enfermagem que inviabilizam o processo de humanização nas relações

entre enfermeiro (a) e paciente, 03 entrevistados elucidaram que os problemas decorrentes

dos relacionamentos interpessoais da equipe causam interferência no cuidado humanizado.

Eu acho que essa dificuldade entre a equipe acaba prejudicando o paciente,

porque nem todo mundo trabalha da mesma forma...quando a equipe não é coesa o

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paciente pode ter um certo prejuízo. Eu vejo que eu tenho muita dificuldade de

relacionamento interpessoal... (Entrevistado F).

Só que trabalhar essa equipe é muito difícil em serviço público...hoje como

enfermeiro do estado eu não posso suspender um funcionário...pra quem administra e pro

cliente eu não sei se isso é viável. Acho um desrespeito...seria interessante um trabalho

contínuo com a equipe (Entrevistado C).

Sebastiani apud Camon (1998) acredita que o profissional da saúde vivencia

constantemente o binômio onipotência X impotência frente a sua intervenção técnica, e

com isto sente, sofre e ao mesmo tempo nega que as ocorrências hospitalares e de

adoecimento podem acontecer consigo a qualquer momento. Por conseqüência, o

profissional vivencia um grau de estresse psicológico elevado capaz de comprometer a

interação da equipe de enfermagem. Esta vulnerabilidade da equipe pode inviabilizar o

processo de humanização no que se refere a sua relação com o paciente.

Diante disto, conforme Waldow (2001), é necessário que o grupo se utilize de

mecanismos ou recursos capazes de auxiliar no contato com as próprias frustrações, revolta,

depressão, entre outras manifestações, a fim de restabelecer a equilíbrio emocional da

equipe e de evitar confronto entre os profissionais.

Não Aceitação do Ser Humano Paciente

Além destas dificuldades anteriores reconhecidas como pessoais pelos próprios

profissionais da enfermagem, 02 entrevistados perceberam que a não aceitação do paciente

enquanto ser humano por parte dos enfermeiros(as) é mais uma dificuldade que prejudica

essa relação, uma vez que o profissional, em sua maioria, acaba por evitar a comunicação

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com o paciente ao falhar na orientação e no fornecimento de informações necessárias para

uma melhor compreensão do seu estado de saúde.

...a equipe de enfermagem nem sempre aceita...algumas reclamações, algumas

dúvidas que o paciente tem. Quando o paciente começa a perguntar o que tem no monitor,

que medicamento é esse...as pessoas o rotulam como chato, como uma pessoa que se

metendo no meu serviço...o principal papel do enfermeiro nesse ponto da humanização

seria ta...aceitando as dificuldades que o paciente ta tendo naquele momento (Entrevistado

F).

Eu tenho dificuldade com paciente alcoólatra...eu já fui muito ríspido, e disse que

da próxima vez eu ia mandar amarrar...eu tenho minhas dificuldades internas. Eu não

gosto muito de lidar com esse paciente (Entrevistado C).

Considerando as dificuldades que envolvem aceitação do estado do paciente e seus

pensamentos, sentimentos e ações, pôde-se perceber no discurso dos entrevistados que

algumas interferências no relacionamento humanizado são causadas por atitudes

categorizadas pelos aspectos que permeiam o paciente e seu familiar.

3.2.2 Paciente e Familiar

Esta categoria aborda as dificuldades que 06 enfermeiros entrevistados elucidaram

por acreditarem que algumas posturas advindas de pacientes e familiares interferem na

construção de um processo de humanização no contexto hospitalar.

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Desrespeito

Dos 08 entrevistados, 03 deles consideraram que alguns pacientes e familiares

promovem atitudes que desrespeitam os profissionais da enfermagem pelo fato de

ultrapassarem os limites impostos pela instituição e pela própria autoridade do enfermeiro

(a), que apresenta a responsabilidade de gerenciar o ambiente em que se encontra.

Assim como existe profissional irresponsável e chato, existe paciente irresponsável,

chato e abusado... então, existe o simpático, existem vários perfis de pacientes...

(Entrevistado B).

Eu tento facilitar, mas eu não gosto também quando abusa, quando ta agindo por

um meio político...Na UTI...daí eles contam se o havaí perdeu, se o havaí ganhou...fazem

piadinha, riem no momento de visita, e eu acho que não é muito próprio. Pra mim tudo

bem, ninguém consegue ficar olhando pro sol o tempo todo, mas para que ta com o

familiar ali doente, ver o outro rindo, contando uma piada pode gerar como descaso

(Entrevistado C).

Pra mim o complicado não é lidar com pessoas, mas com a falta de educação,

porque às vezes eles vêm pra ti com tanta grosseria que tu fica sem saber o que falar

(Entrevistado D).

É preciso perceber e aceitar as dificuldades trazidas pelos pacientes e familiares,

tanto no que se refere a sua dinâmica de personalidade, quanto a sua maneira de enfrentar a

experiência causada pelo processo de hospitalização e adoecimento. Esta vivência única,

segundo Waldow (2001), promove no ser vários questionamentos, dúvidas a respeito de

vida, da morte, seu futuro, família, trabalho, doença, entre outras incertezas que podem

provocar medo, desesperança e revolta.

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Considerando Waldow (2001), para desenvolver a interação interpessoal capaz de

realizar um cuidado humanizado é preciso que o profissional promova uma expressão de

aceitação dos pacientes e familiares através de sua postura corporal, do toque, do olhar,

gestos e palavras, oferecendo, desta forma, sua presença enquanto pessoa, de corpo e alma,

numa atitude empática e segura de suas intervenções técnicas.

Exigências e Cobranças

Nesta categoria que impera as dificuldades apresentadas pelos pacientes e familiares

na visão dos enfermeiros (as) entrevistados, 03 deles elucidaram que as exigências e as

cobranças demasiadas também são atitudes que bloqueiam a processo de humanização

nessa relação.

Dificuldade existe, aquele paciente que não quer se comunicar ou fica a todo o

momento cobrando alguma coisa da enfermagem, a enfermagem tem certa dificuldade em

ser receptiva nesses momentos (Entrevistado F).

Desestabiliza a equipe quando há um desequilíbrio...uns começam a cobrar do

outro...tem que ser bom na técnica, administrativamente, humanamente, tem que ser bom

em tudo. Cobram os médicos, os doentes, os familiares...(Entrevistado H).

Sebastiani apud Camon (1998) salienta que as características e atitudes como

concentração, capacidade de decisão, paciência, raciocínio, reflexo, serenidade,

sensibilidade, entre outras, são esperadas e cobradas pelos pacientes e familiares. Isto

acontece na medida em que estes necessitam do equilíbrio emocional dos profissionais para

que possam se reorganizar, mesmo que brevemente, e encontrar uma forma de enfrentar e

superar a crise, a desesperança, desorganização e o contato com a morte, e assim, aceitar o

processo de adoecimento e hospitalização.

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3.2.3 Instituição Hospitalar

Na percepção de 07 enfermeiros entrevistados, algumas dificuldades que interferem

no processo de humanização na sua relação com o paciente foram atribuídas à Instituição

Hospitalar no que se refere aos aspectos relacionados à parte administrativa.

Tempo e excesso de trabalho

Dentre os 08 entrevistados, 07 deles afirmaram que a relação entre a escassez do

tempo e o excesso de trabalho causado pela diversidade das atribuições provoca um

atendimento mecanizado, o que inviabiliza o cuidado humanizado.

Permitir que fale é uma técnica que a gente às vezes não usa por causa da

correria... Na enfermagem eu tenho uma sobrecarga de atividades... infelizmente eu não

tenho tempo pra trabalhar isso com o paciente... Acho fundamental ter tempo e ter uma

relação paciente-enfermagem adequada, não podes querer que eu seja humano se eu tenho

100 doentes para atender... Se não ter tempo hábil essa relação não existe (Entrevistado

C).

... acaba se deixando um pouco de lado... essa interação, de conversa, até porque

na nossa realidade fica bastante difícil... temos 46 pacientes, 1 enfermeiro e 5 técnicos,

então, é praticamente impossível ver todos os doentes e ver a necessidade de cada um...A

gente ta aqui pra melhorar e não para entrar naquela neurose toda, e ficar fazendo as

coisas na correria (Entrevistado D).

... mas a maneira como aplica esse cuidado é que faz a diferença. Então, pra isso o

funcionário não pode ta atucanado, ninguém vai estabelecer uma relação saudável com

pouco tempo e muita coisa pra fazer sobre pressão (Entrevistado H).

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O desenvolvimento da humanização na relação enfermeiro-paciente sofre influência

da valorização do cuidado pela administração da instituição. Segundo Waldow (2001), é

essencial que a instituição inclua em sua administração um planejamento adequado que

possibilite ao enfermeiro o desenvolvimento de suas atividades na prestação de um cuidado

humanizado em tempo hábil.

Baixa renda e jornada dupla

Além do excesso de funções atribuídas ao enfermeiro no seu período de exercício

profissional, 02 entrevistados consideraram que a baixa renda de sua profissão provoca a

necessidade de ter uma jornada dupla de trabalho. Essa vivência dos profissionais da

enfermagem é categorizada como uma dificuldade causada pela administração da

Instituição, e que interfere no processo de humanização na medida em que estes se sentem

desgastados fisicamente e psicologicamente, gerando uma ausência do ser durante o

momento da relação.

... não sei se é o cansaço do dia-a-dia que pesa, como a gente não tem uma renda

que dá pra ficar num emprego só e tem que ter duas atividades, daí corre de uma pra

outra, e isso acaba pesando na tua relação com o doente, a repetição das coisas o torna

mais frios... (Entrevistado C).

E certamente ele não se forma no curso, eles vão se formando na medida em que

vão trabalhando em dois, três empregos, aí tão sempre cansados, esgotados, não

conseguem se concentrar no local de trabalho, não tem energia suficiente para canalizar

com o paciente. Essa troca acaba sendo muito tarefeira mesmo... Então quando a gente diz

que quer humanizar,... eu quero não ter que trabalhar em dois empregos, eu quero ter um

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salário justo, tudo isso causa na pessoa uma insegurança muito grande, ela não consegue

humanizar porque a vida dela não é das mais humanas... (Entrevistado H).

Mezomo (s/a) elucida que a troca por um trabalho prestado deve satisfazer

plenamente as necessidades do trabalhador. Logo, um salário justo torna-se suficiente para

capacitar o ser a viver condizente com a sua condição humana. Entretanto, conforme as

informações trazidas pelo discurso dos entrevistados, o pagamento pela prestação de

trabalho contempla uma baixa remuneração, o que provoca a busca por uma dupla ou tripla

jornada de trabalho.

De acordo com Sebastiani apud Camon (1998), o enfrentamento de múltiplas

jornadas de trabalho cada vez mais extensas obriga o enfermeiro a se deslocar rapidamente,

a sacrificar sua refeição, seu sono, e a sua vida pessoal. Essa condição de trabalho prejudica

sua estabilidade emocional, sua disposição física, sua motivação profissional, e

consequentemente, sua eficiência técnica e o seu relacionamento com o paciente.

Número de profissionais

Por conta desta quantidade excessiva de atividades, um dos entrevistados acredita

que um fator que dificulta o processo de humanização na relação enfermeiro-paciente diz

respeito à escassez do número de profissionais que atuam no ambiente hospitalar, sendo

esta uma dificuldade categorizada como institucional.

Então quando a gente diz que quer humanizar, eu quero é que tenha mais

funcionário trabalhando, pra poder prestar o cuidado com calma, eu quero que seja

melhor distribuído os pacientes graves no hospital, pras pessoas diminuírem o grau de

tensão... (Entrevistado H).

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Na visão de Mezomo (s/a), o esforço para promover a humanização será em vão

caso não se tenha um número suficiente de profissionais dentro da instituição. É inviável

exigir que uma equipe sobrecarregada de trabalho por falta de pessoal execute atividades

que vão além do desenvolvimento e aplicação de procedimentos técnicos. A escassez de

profissionais e o excesso de atividades são obstáculos que dificultam o enfermeiro a se

deter em detalhes e atenção dedicada que caracterizam a humanização.

Inexistência de suporte

Diante de tantas dificuldades experienciadas pelos enfermeiros por encontrarem-se

num ambiente com vivências próprias imbuídas de sofrimento, dor e muita tensão, 02

entrevistados colocaram que a instituição não oferece um suporte psicológico, físico e/ou

social capaz de auxiliar o profissional de enfermagem mediante a necessidade apresentada.

O que eu vejo de suporte da instituição para a gente lidar com tudo isso, eu não

vejo, assim, não tem a quem recorrer, o trabalho de grupo, alguma coisa nesse sentido,

não existe (Entrevistado D).

O mau funcionário também sofre, eu tenho certeza que ele não seria um mau

funcionário se ele tivesse também uma atenção privilegiada por parte da instituição, por

exemplo, se é um cara que ta neurótico, nervoso, angustiado, que ele pudesse ter suas

folgas, adiantar suas férias, parar e fazer uma terapia no meio do serviço, dez minutinhos

no canto ouvindo uma música. Seria muito bom coisas que descontraísse (Entrevistado H).

Prejuízo ao profissional

Como conseqüência destas dificuldades que interferem no processo de

humanização, 05 entrevistados evidenciaram que essas vivências hospitalares causam

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prejuízos aos profissionais da enfermagem através do adoecimento, da fragilidade e frieza

nas relações.

A gente utiliza vários mecanismos de defesa... a negação... por exemplo, os

profissionais da saúde e do enfermeiro nesse caso, são os profissionais que adoecem de

câncer... a gente cuida tanto dos outros e esquece de cuidar da gente! (Entrevistado B).

Tanto que a gente fica 24 horas, né! E os médicos fazem a visita e vão para a

clínica... tem outros afazeres, e a gente não tem para onde recorrer e acaba, infelizmente,

tendo muito problema físico, saúde física do profissional da enfermagem. E você acaba

pegando um atestado para poder ficar fora disso tudo, dar uma melhorada, ver outras

coisas. Talvez se tivesse um suporte isso não fosse necessário (Entrevistado D).

E você nem sempre tá preparado pra isso. Então, isso te deixa mais fragilizado,

você sofre mais (Entrevistado E).

Dependendo da pessoa essas vivências rotineiras acaba ficando mais dura... um

pouco menos sensível às dificuldades... pela repetição dos fatos (Entrevistado F).

Segundo Sebatiani apud Camon (1998), o cotidiano hospitalar, por ser permeado

por vivências relacionadas à dor, sofrimento, impotência, medo, desesperança, angústia,

perdas, e por encontra-se em contato direto com a morte e o processo de morrer,

desenvolve no profissional de enfermagem uma enorme e agressiva desestabilidade

psicológica. Estas experiências são capazes de gerar no ser irritabilidade, impaciência,

insensibilidade, entre outras atitudes que causam o estresse no enfermeiro. Este estado

psicológico permite uma prestação de serviços pautada em um cuidado mecanizado e

técnico, e provoca, em muitos casos, uma expressão biológica do seu estado através da

doença física.

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O estresse “neste campo do conhecimento tem o sentido de grau de deformidade

que uma estrutura sofre quando é submetida a um esforço”(França e Rodrigues apud Silva,

2000). Este, quando vivenciado em longa exposição, afeta não somente o enfermeiro, como

também afeta o resultado do seu trabalho e as pessoas diretamente envolvidas por este

contexto. Logo, a constatação deste alto nível de estresse e seu estado crônico pode ser

indicador da presença da Síndrome de Burnout. Esta, por sua vez, é definida por Maslach

(apud Carvalho) como uma expressão que representa a atitude de sofrer devido a exaustão

física ou/e psicológica vivenciada por situações estressante no ambiente de trabalho.

O conceito da Síndrome de Burnout surgiu nos Estados Unidos, nos anos 70, com o

intuito de explicar o processo de deterioração referente à atenção e aos cuidados dos

trabalhadores das organizações. Esta síndrome é definida como “uma experiência subjetiva,

que agrupa sentimentos e atitudes implicando alterações, problemas e disfunções

psicofisiológicas com conseqüências nocivas para a pessoa e a organização, sendo que esta

afeta diretamente a qualidade de vida do indivíduo” (Amorim e Turbay, apud Carvalho).

A Síndrome de Burnout é gerada por diversos fatores que podem ser categorizados,

segundo Maslach (apud Carvalho) como exaustão emocional (esgotamento de energia

afetiva devido ao constante contato com problemas, gerando cansaço, irritabilidade,

depressão, ansiedade, doenças psicossomáticas, entre outros sintomas); despersonalização

(aparecimento de sentimentos e atitudes negativas em relação ao trabalho, gerando baixa

autoestima e redução da realização profissional e da produtividade) e falta de envolvimento

pessoal (fase bastante negativa do trabalhador por afetar o resultado de suas atividades

laborais e por prejudicar o atendimento aos clientes).

Esta síndrome é manifesta pelos enfermeiros a partir de três momentos:

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1º ) as demandas de trabalho são maiores que os recursos materiais e humanos, o que gera um estresse laboral no indivíduo. Neste momento, o que é característico é a percepção de uma sobrecarga de trabalho; 2º ) evidencia-se um esforço do indivíduo em adaptar-se e produzir uma resposta emocional ao desajuste percebido. Aparecem então, sinais de fadiga, tensão, irritabilidade e até mesmo ansiedade. Assim, essa etapa exige uma adaptação psicológica do sujeito, a qual reflete no seu trabalho, reduzindo o seu interesse e a responsabilidade pela sua função; 3º ) enfrentamento defensivo, ou seja, o sujeito produz uma troca de atitudes e condutas com a finalidade de defender-se das tensões experimentadas, ocasionando comportamentos de distanciamento emocional, retirada, cinismo e rigidez (Galego e Rios (apud Carvalho site??).

Logo, percebe-se que todos esses sintomas e momentos característicos da Síndrome

de Burnout foram apresentados pelo discurso dos enfermeiros entrevistados. Neste sentido,

é possível que muitos profissionais desta área encontrem-se num estado de estresse laboral

crônico capaz de afetar sua vida pessoal e social, além de prejudicar a sua atuação

profissional e seus relacionamentos interpessoais que envolvem o contexto hospitalar.

Assim, a manifestação da Síndrome de Burnout por parte dos profissionais da enfermagem

é um fator que interfere no processo de humanização na sua relação com o paciente.

Interdiscipinariedade

Ao considerar as dificuldades trazidas pelos entrevistados inerentes ao profissional

de enfermagem, ao paciente e seu familiar e a instituição em seu aspecto administrativo, 07

entrevistados acreditam que a interdisciplinariedade encontra-se intrinsecamente associada

à promoção do processo de humanização, em especial nas relações que envolvem o

enfermeiro e o paciente.

O contra-senso dessa desumanização que se fala, que perpassa por todos os setores

de saúde, serviço social e tudo mais, quando o homem, no século XXI, com toda uma

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tecnologia, com todo um saber já desenvolvido, não combina essa desumanização dentro

do hospital... (Entrevistado B).

...e daí eu chamo mesmo a psicologia pra ajudar, pra ouvir...eu não tenho

formação para isso, eu sou enfermeiro, tem um limite (Entrevistado C).

Quando você sabe que os familiares do paciente são de fora e não tem onde ficar,

chamar o serviço social, encaminhar a uma casa de apoio, aí já está humanizando o

atendimento. Observar a necessidade do paciente, chamar outro profissional da saúde

para atendê-lo... isso já é humanização (Entrevistado D).

Eu gosto muito também quando tem que envolver assistente social... dá pra

trabalhar multidisciplinarmente, interdisciplinarmente, fica muito interessante assim, é um

trabalho muito bom de fazer, e é muito bom quando dá resultado... o cuidado humanizado

seria atender o paciente naquilo que ele precisa (Entrevistado H).

De acordo com Chiattone apud Camon (1996), o ser humano apresenta uma

complexidade ao permitir uma eficiente interação entre o mundo externo e interno. Essa

composição humana desenvolve um funcionamento capaz de unificar a emoção, o

sentimento, o pensamento entre outros aspectos psicológicos que compõe a mente, com o

seu sistema orgânico, o corpo, a matéria, a parte biológica.

Pelo fato do ser humano ser reflexo de um aparato biológico entrelaçado com os

aspectos psicológicos e sociais, a saúde global do paciente só será resgatada a partir do

momento em que os diferentes profissionais da saúde promoverem um olhar e uma atuação

conjunta mediante o ser debilitado, sendo esta a proposta da interdisciplinariedade, uma

interação entre as áreas.

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Contribuições da Psicologia

Frente essa visão dos enfermeiros (as) entrevistados sobre as dificuldades

percebidas e a necessidade da interdisciplinariedade no processo de humanização no

ambiente hospitalar e suas relações, 06 deles elucidaram sobre a importância e as

possibilidades de atuação que a psicologia poderia realizar e assim, contribuir com este

processo de promoção das relações humanizadas neste contexto.

... o psicólogo do hospital onde trabalho não faz atendimento ao paciente e nem

trabalha com a equipe da saúde. Acho extremamente importante o trabalho do psicólogo,

pois a mente e o corpo se influenciam mutuamente (Entrevistado A).

Seria interessante ter um trabalho contínuo com a equipe... filma-los, para se olhar

e ver o quanto a gente fala besteira... outra coisa que já pensei muitas vezes é colocar ele

deitadinho um pouquinho na cama... se colocar no lugar do doente...(Entrevistado C).

O profissional precisa de um suporte psicológico muitas vezes para lidar com

situações emocionais que envolvem essa relação. Eu sinto falta disso... precisaria de um

apoio... Eu acho que a psicologia teria que ter uma relação mais próxima, ter encontro,...

deveria ter grupos para que as pessoas possam falar suas angústias, e o preparo do

psicólogo é muito grande (Entrevistado E).

Eu acho que uma das coisas que a psicologia pode ta contribuindo é na questão da

coesão da equipe. Quando a gente fica mais coesa, independente da crença, o paciente vai

ficar com menos dúvida. Trabalhar todos os dias geralmente dá algum conflito

(Entrevistado F).

Conforme Camon (1996), a atuação da psicologia no contexto hospitalar possibilita

a construção de significados capazes de promover um entendimento a respeito do processo

de adoecer e de hospitalização tão pertinentes a este ambiente. Esta compreensão será

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possível mediante a escuta de suas angústias, sofrimento, medo, ansiedade, e a partir da

clarificação dos seus sentimentos, pensamentos e ações diante do momento vivido.

A Psicologia Hospitalar é coadjuvante da própria realização hospitalar. É a crença de que a humanização da abordagem hospitalar é possível e real. É a vertente que faz com que o grito de dor do paciente seja escutado e compreendido em toda sua extensão (Camon, 1996, p. 24)

Diante desta pesquisa, é possível reconhecer as dificuldades que interferem no

processo de humanização, e as contribuições que a psicologia pode realizar diante deste

contexto apresentado pelos entrevistados. Conclui-se, então, que a hipótese de que o

contato constante do enfermeiro com o adoecer e a morte dificulta a construção de uma

relação humanizada com o paciente, de fato, foi corroborada. Percebeu-se que as vivências

hospitalares foram consideradas pelos entrevistados como impeditivos que inviabilizam o

cuidado humanizado pela inexistência de um suporte, em sua maioria, psicológico.

Entretanto, é importante ressaltar que, além do contato com o processo de adoecer e a

morte, outros fatores foram considerados dificuldades que interferem na relação

enfermeiro-paciente, como já foram explicitadas durante a apresentação e análise dos

resultados.

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4 CONCLUSÃO

Diante da realização desta pesquisa, a percepção que os enfermeiros entrevistados

apresentaram sobre o processo de humanização na sua relação com o paciente envolve uma

gama de sentimentos, pensamentos e ações por parte dos profissionais capazes de favorecer

um cuidado humanizado.

Contudo, pôde-se confirmar que algumas atitudes consideradas pelos entrevistados

como produtoras da humanização não causariam este efeito caso sua realização ocorra sem

a presença de uma disponibilidade subjetiva permeada por um envolvimento emocional,

uma postura empática e um diálogo genuíno. Portanto, a atitude de orientar paciente e

familiar, de realizar perguntas, de flexibilizar horários, de tocar, entre outras, podem ou não

contribuir para a promoção de um processo de humanização na relação enfermeiro-

paciente, sendo estes reconhecidos como recursos técnicos.

Os recursos pessoais utilizados pelos entrevistados para conceituar a relação

humanizada entre enfermeiro e paciente referem-se às atitudes de respeito à singularidade

de cada ser, de compreensão, de aceitação, de empatia, de interesse genuíno, de

envolvimento afetivo, enfim, de presença subjetiva num encontro de ser humano para ser

humano.

Entretanto, é perceptível no discurso dos entrevistados que a humanização é um

processo caracterizado por uma longa caminhada na medida em que os recursos técnicos e

pessoais apresentados referem-se, na maioria das vezes, em apenas conceitos teóricos por

não participarem constantemente da atuação do profissional.

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Frente os resultados desta pesquisa, confirma-se que o profissional da enfermagem

não utiliza na prática estes recursos capazes de auxiliar no cuidado em decorrência de

diversas dificuldades que interferem no processo de humanização na relação enfermeiro-

paciente.

A escassez de tempo e de profissionais, a baixa renda, a jornada dupla, a visão

tecnicista, as vivências hospitalares como a dor, o sofrimento, a doença, a morte, entre

outras, constituem a realidade do enfermeiro, gerando dificuldades e prejuízo ao

profissional, que sem suporte para o enfrentamento das situações trazidas pela rotina

hospitalar, se desestrutura emocionalmente, e por conseqüência, inviabiliza a construção de

um cuidado humanizado.

Diante da carência de um suporte dentro do ambiente hospitalar, percebe-se, através

do discurso dos entrevistados, que existe a necessidade da atuação do psicólogo neste

contexto. A contribuição da psicologia frente à viabilização de relações humanizadas

constitui em um trabalho de verificação da demanda de cada realidade hospitalar, para

assim, promover trabalhos grupais, tanto com pacientes e familiares, como de

relacionamento interpessoal com as equipes, além de atendimentos individuais e de

atividades interdisciplinares.

Apesar da análise dos resultados obtidos não esgotar o assunto, visto que este se

encontra no início de uma longa e árdua caminhada pela inexistência de um vínculo entre a

teoria e a prática, esta pesquisa proporcionou ao pesquisador uma ampla percepção a

respeito do sofrimento do profissional de enfermagem diante da realidade hospitalar, e o

quanto um suporte psicológico pode contribuir para a realização de um enfrentamento

saudável e consequentemente, uma relação humanizada.

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Diante disto, acredita-se que as informações coligidas por esta investigação

psicológica poderão ajudar o psicólogo a conhecer e refletir sobre o sofrimento do

enfermeiro antes de acreditar numa falha profissional por este não apresentar uma postura

geradora de um cuidado humanizado na sua relação com o paciente. Sugere-se, então, que

as pesquisas psicológicas posteriores focalizem suas atenções ao cuidador enfermeiro, para

que a atuação da psicologia possa oferecer um suporte capaz de auxiliar no reequilíbrio

emocional frente à dinâmica de personalidade do profissional, e concomitantemente,

auxiliar no processo de humanização na sua relação com o paciente. Logo, conclui-se que a

promoção do bem-estar do profissional de enfermagem promoverá o resgate tão necessário

da saúde biopsicossocial do paciente.

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MEMORIAL DO AUTOR

Ao penetrar no mundo hospitalar através do estágio obrigatório da UNISUL, como

requisito parcial para a obtenção do título de psicólogo, num hospital de Florianópolis,

comecei a interagir com os pacientes, suas doenças, angústias, ansiedades e medos. Percebi

que a relação dos pacientes com os profissionais da saúde interferia, de alguma maneira, no

seu estado biopsicossocial.

Durante o estágio experienciei algumas situações, que num primeiro olhar, sem

muita criticidade, acreditei ser uma falha dos profissionais da saúde, por não apresentarem

uma postura geradora de um cuidado humanizado na sua relação com o paciente. Em

especial, foquei minha atenção na equipe de enfermagem, não por esta “possível falha” (aos

meus olhos antes sem muito conhecimento) ser maior nestes profissionais, mas por estarem

em contato direto, constante, com os pacientes.

Surgiu, então, o interesse em verificar a percepção do enfermeiro sobre o processo

de humanização diante desta relação, e inclusive, localizar as dificuldades que interferem

neste processo, o que me proporcionou um olhar psicológico mais crítico e reflexivo em

relação aos comportamentos percebidos durante o estágio.

Tais reflexões e compreensões foram alcançadas por meio de muitas leituras,

vivências hospitalares e ainda através dos chamados “núcleos orientados da saúde”,

proporcionados pela Universidade, paralelamente ao estágio, com discussões em grupo de

assuntos referentes ao tema em questão.

Diante de todas estas vivências pude conceber uma visão de saúde plena,

englobando os diversos aspectos que compõe o ser humano e integrando corpo e mente

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inseridos num contexto que envolve história, cultura, espiritualidade, economia, política,

etc.

Assim, compreendi a necessidade de unir a Psicologia com outros profissionais da

saúde, promovendo a interação de diversas disciplinas, a fim de possibilitar o resgate da

subjetividade no contexto hospitalar frente ao sofrimento provocado pelo processo de

hospitalização e adoecimento, seja no paciente ou no próprio cuidador.