pais adotivos: percepção sobre o processo de adoção...
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Pais Adotivos: Percepção sobre o Processo de Adoção
Resumo: A adoção é a mais importante forma de colocação em lar substituto, tendo sua
origem cravada nos mais remotos tempos. Porém, apesar da reconhecida importância, tal
instituto tem sido visto no Brasil de uma forma limitada, superficial e preconceituosa, fruto
da desinformação popular e dos próprios meios de comunicação de massa. Foi nesse
contexto que aflorou a presente pesquisa, voltada a conhecer o sentimento, a impressão, a
própria vivência de pais adotivos em Palmas-TO. Foram entrevistados 11 (onze) casais que
fazem parte do grupo de pais adotivos do Juizado da Infância e Juventude do Município de
Palmas, no período de 1997 a 2007, e os resultados revelaram a superação de fantasias e
dogmas de existência histórica na sociedade e mesmo entre pais adotivos, como os relativos
à carga hereditária, revelação da verdade sobre a adoção e forma de criação e educação do
filho adotivo, apontando, portanto, para uma visão menos preconceituosa do profundo
significado humano e social da experiência adotiva. O estudo também permitiu verificar a
necessidade de se continuar evoluindo e superando os entraves que ainda emperram e
dificultam a conclusão do processo de adoção, inviabilizando que tal experiência se
aproxime do seu ideal e da sua real finalidade.
Palavra Chave: Percepção, pais adotivos.
Pais Adotivos: Percepção sobre o Processo de Adoção
Fernanda Maria dos Santos Abreu
Raquel de Moraes Sampaio Araújo
Mestre em Saúde Pública
Professora do curso de psicologia do CEULP/ULBRA – Centro Universitário Luterano de
Palmas.
Coordenadora de Pós-Graduação em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Palmas-TO
Email: [email protected]
Professoras Orientadoras: Bárbara Khistine A. Moura C. Camargo.
Juliana Pinto Gorgozinho.
1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA:
A prática da adoção é antiga e várias são as referências à adoção de crianças e bebês ao
longo da história da humanidade. Os escritos bíblicos fazem referência à prática da adoção,
através de algumas passagens, como a conhecida história de Moisés. Aproximadamente
1.250 a.C, a mãe de um pequeno hebreu decidiu colocá-lo dentro de um cesto de vime e
deixá-lo à beira do Rio Nilo, esperando que se salvasse das ordens do Faraó que determinou
afogamento de todos os meninos israelitas que nascessem. Foi encontrado pela filha do
Faraó, que ordenara a matança, decidindo criar o bebê como seu próprio filho (Gen.: 25,
12-6).
Aliás, o próprio Código de Hamurabi (1.686 a.C.), sexto rei da primeira dinastia da
Babilônia (1793-1759 a.C.), atualmente exposto no museu do Louvre, em Paris, e que é
considerado o primeiro texto jurídico da civilização, traz referência às adoções. Dentre os
282 dispositivos de lei que contempla, os artigos 185 e 193 referem-se exclusivamente a
regulamentação de casos de adoção. A leitura de tais artigos revela que já àquela época a
preocupação era garantir a indissolubilidade das adoções ou em casos aparentemente mal
sucedidos, determinar sua anulação.
Na antiguidade greco-romana, a adoção esteve profundamente vinculada às crenças
religiosas. Segundo o historiador francês Fustel de Coulanges (1941), apud, Weber, Pais e
Filhos por Adoção no Brasil (2001), as famílias gregas e romanas foram constituídas com
fundamento em uma religião primitiva que estabeleceu o casamento, fundou a autoridade
paterna, fixou os filhos de parentesco e consagrou o direito de propriedade e sucessão. O
dever de perpetuar o culto doméstico dentro das crenças religiosas desses povos demarcou
entre os antigos o direito de adoção, recurso utilizado principalmente por aqueles que não
possuíam descendência natural, uma vez que o sentido da adoção era o de evitar a extinção
do culto em determinada família.
Na Idade Média a adoção perdeu força em face ao desinteresse da igreja, que via em tal
prática uma forma de se legalizar filhos tidos fora do casamento, voltando a se reerguer,
porém, com o advento da Revolução Francesa, sendo certo que o abandono e a adoção
sempre estiveram presentes na história da humanidade.
Nos dias atuais, apesar de existirem outras formas de colocação em lar substituto, como a
guarda (forma mais simples de colocação em lar substituto, e acontece nos casos de
separação de fato ou de direito dos pais, ou quando a criança ou adolescente se encontra em
situação irregular, como abandono, maus tratos etc), a tutela (instituto de nítido caráter
assistencial e que visa substituir o pátrio poder em caso de falecimento dos pais, suspensão
ou destituição do poder paternal) e o próprio apadrinhamento, a adoção é aos olhos de
muitos, inclusive do Comitê de Especialistas da Organização Mundial de Saúde (OMS), o
mais adequado e propício modo de reestruturação familiar para as inúmeras crianças e
adolescentes privados hoje do convívio familiar, quando superada, evidentemente, a
possibilidade de permanência no seio da família biológica, já que esta deve sempre ter
prevalência e prioridade sobre as demais.
É desolador o atual quadro vivido por um grande número de crianças e adolescentes em
nosso país. Como se sabe inúmeras delas vivem institucionalizadas, passando quase toda a
infância e adolescência no aguardo de um lar substituto, o que tem chamado a atenção de
autoridades e especialistas para minimizar tal situação.
Diante da preocupação, em 2002 criou-se a Subsecretaria de Promoção dos Direitos da
Criança e do Adolescente, dentro da Secretaria Especial de Direitos Humanos ligada à
Presidência da República, com o objetivo de dar efetividade ao Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), garantindo à criança e ao adolescente o direito de ter uma família, o
chamado direito à convivência familiar e comunitária, mudando-se, assim, o quadro da
adoção no país.
Em 2004, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu, por Decreto, o Plano Nacional de
Convivência Familiar e Comunitária, criando uma Comissão Intersetorial voltada a sua
implementação, coordenada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, e juntamente
com os Ministérios da Educação, Saúde, UNICEF e outras instituições passou-se a
desenvolver políticas públicas direcionadas à família biológica, aos abrigos e, por último, à
família adotiva.
Focado na garantia do direito à convivência familiar e comunitária, tendo presente que a
miserabilidade é fator de desagregação familiar e que determina o afastamento da criança
de seus pais biológicos, o referido Plano tem como ação prioritária a reforma do Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), através da criação do Centro de Assistência Social
voltado ao atendimento às famílias necessitadas, bem como a implementação de programas
de transferência de renda, como o Bolsa Família e outros, de sorte a minimizar a pobreza e
a miséria, garantindo-se assim a estruturação e a unidade familiar, mantendo os filhos com
os pais biológicos.
Outra ação prioritária consiste no reordenamento dos abrigos, visto que nem todos são
financiados pelo Governo Federal, existindo uma grande parte deles sustentada pela
população, geralmente por instituições religiosas ou filantrópicas, criando-se uma cultura
equivocada de que no abrigo a criança estará mais bem estruturada do que com a família
biológica, porque esta é pobre e não tem condições de criá-la. O Estado e mesmo as
entidades não devem substituir a família, e o reordenamento dos abrigos precisa se dar
dentro dessa filosofia.
Por fim, a regulamentação da adoção igualmente firma-se como importante ação do Plano
Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, encontrando-se já no Congresso
Nacional um Projeto de Lei (PL n° 1756/2003), de autoria do Deputado João Marques, que
está em discussão junto a outros que procuram modificar a legislação, de sorte a criar, por
exemplo, um Cadastro Nacional de Adoção, hoje inexistente no país, tornando obrigatório
sua alimentação pelos Tribunais de Justiça dos Estados, o que permitirá saber quantas
crianças existem em condições de ser adotadas e também quantas são as famílias
pretendentes, possibilitando assim que um casal de um determinado Estado se candidate à
adoção em qualquer outra Unidade da Federação, inclusive diminuindo o número de
crianças que são levadas para o exterior, o que, aliás, é outro problema a se considerar,
pois, além da ruptura familiar, neste caso ocorre também a ruptura cultural, tornado-se mais
complexa a solução dos conflitos originados.
Sem embargo do relevo e importância que se tem dado ao histórico instituto da adoção em
nosso país, sobretudo pelas pessoas e autoridades públicas envolvidas direta ou
indiretamente com o problema da desintegração familiar e seus consectários, pouco se tem
produzido aqui em termos de dados técnicos e científicos, o que tem permitido ao
imaginário popular criar fantasias e mitos acerca da adoção, sobretudo em razão da
desinformação também dos meios de comunicação, sendo esta, assim, tratada
sistematicamente de forma preconceituosa.
Vários são, por exemplo, os mitos criados em torno da adaptação de filhos adotivos,
atribuindo-se todos os desacertos e desencontros à perda inicial dos pais biológicos, o que
reputam irreparável (trauma); aos caracteres hereditários trazidos pelo adotado, quase
sempre taxados de problemáticos e ingratos, quando na verdade vários problemas
experimentados têm como causa a própria criação, a relação familiar, a educação, a atenção
e o carinho dispensados ao adotado, e muitas vezes a inadequada e tardia revelação sobre a
adoção. A relação familiar e a adaptação de filhos adotivos são complexas e variáveis, não
admitindo, portanto, generalizações. Cada caso é um caso e envolve uma variedade de
fatores que se interligam, não podendo ser vistos isoladamente.
Aliás, infelizmente o preconceito acompanha a adoção desde a sua criação pelos romanos,
quando foi instituída para garantir o poder familiar através da escolha de sucessores, sem
qualquer preocupação com a efetiva proteção da criança, adotando-se, aliás, na maioria das
vezes, pessoas adultas. Na Idade Média, fortemente influenciada pelo cristianismo, a
própria Igreja tinha reservas quanto ao ato de adotar, por entender tratar-se de uma possível
forma de se regularizar filhos adulterinos. Já na Era Moderna, nem mesmo Napoleão, que
buscou legalizar a adoção, afastou-se do histórico preconceito, ao defini-la como “uma
imitação, através da qual a sociedade quer plagiar a natureza”, dando assim especial
relevo aos “laços de sangue”, o que lamentavelmente acompanhou a sociedade até os dias
atuais.
É certo que avanços se tem experimentado nesta área, inclusive no aspecto legislativo. No
Brasil, por exemplo, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) retrata essa evolução, mas
na verdade continuam impregnados no consciente e inconsciente das pessoas os dogmas
reveladores dessa supervaloração da filiação natural em detrimento da adotiva, o que se
verifica não apenas a partir da opinião e do sentimento da população, da sociedade, mais
precisamente das pessoas que se relacionam com as famílias adotivas, mas também a partir
do comportamento dos próprios pais adotivos e de outros familiares, os quais, mesmo
inconscientemente, engrossam os números do preconceito ao omitirem da sociedade e, por
vezes, dos adotados sua origem e sua história, sob o argumento de protegê-los e proteger a
si próprios.
É preciso desfazer os dogmas, vencer os preconceitos e superar as adversidades que
permeiam a adoção, o que só se mostra possível através da utilização da “verdade”, que, no
dizer de Weber (2006a), em Aspectos Psicológicos da Adoção, p. 25, “é a primeira ‘regra
ética’ de uma família adotiva”. Enfrentar a verdade pressupõe assumir a adoção e aceita-la
em todos os seus aspectos, bons e maus, favoráveis e desfavoráveis. Noutras palavras, é
preciso que a verdade sobre a adoção seja de logo conhecida pelo filho adotivo e, aliás,
pelos demais membros da família e amigos mais próximos, pois só assim se construirá um
ambiente propício à convivência e relação familiar desejada, sem maiores traumas e
sofrimentos.
Nesse contexto é que se apresenta o presente trabalho, voltado a identificar o sentimento, a
opinião, a impressão, a percepção de um grupo de pais adotivos na cidade de Palmas,
Estado do Tocantins, no período de 1997 a 2007, em relação ao processo de adoção, visto
de uma forma mais ampla, contemplando várias nuances da relação familiar.
2. PROBLEMA E OBJETIVOS:
No Brasil, a adoção tornou-se uma preocupação nacional, uma vez que o índice de crianças
e adolescentes ingressando e se institucionalizando tem aumentado a cada ano. Os motivos
que levam as famílias a entregarem seus filhos ao aguardo de famílias adotivas têm atraído
à atenção dos governantes, fazendo-os perceber que a questão é complexa e de alto relevo
social, inclusive com reflexo no futuro do país.
Segundo constatou pesquisa realizada pela Secretaria de Direitos Humanos ligada à
Presidência da República, existem hoje no país cerca de vinte (20) mil crianças localizadas
somente nos abrigos que recebem recurso do Governo Federal, mas estima-se que esse
número equivale a apenas um sexto (1/6) do total de crianças que se encontram hoje
aguardando doação nos abrigos, ou seja, aproximadamente cento e vinte (120) mil crianças
encontram-se nessa situação, muitas das quais sem apresentar um perfil desejado pelos pais
adotantes (crianças com idade mais avançadas e adolescentes portadores de necessidades
especiais ou com o vírus HIV, crianças afrodescententes, crianças que têm um grupo de
irmãos), o que faz com que essas crianças terminem permanecendo toda uma vida nos
abrigos, sendo privadas do direito a uma família, resultando não só na perda da infância
como também do referencial familiar, uma vez que essas crianças já vêm de uma situação
de ruptura de vínculos.
2.2.1.Objetivo Geral
• Conhecer a percepção, sobre o processo de adoção de um grupo de pais adotivos na
cidade de Palmas estado do Tocantins no período de 1997 a 2007.
2.2.2. Objetivos Específicos
• Conhecer os motivos que levaram essa família ao processo de adoção;
• Caracterizar os pais adotivos (profissão, nível escolar), dentre outros;
• Conhecer suas fantasias e desejos em relação ao processo de adoção;
• Identificar se houve um planejamento para a adoção;
• Compreender como se dá para esses pais o significado de educar e criar um filho
adotivo;
• Descobrir o que os pais adotivos compreendem sobre a complexidade das relações
humanas entre pais e filhos adotivos;
• Identificar a percepção que esses pais têm sobre a influência da carga hereditária e
do meio social no comportamento do filho adotivo;
• Identificar as maiores dificuldades que ocorrem na relação entre pais e filhos
adotivos;
• Conhecer se os pais adotivos têm padrões pré-estabelecidos para a criança a ser
adotada.
3. PROCEDIMENTO:
Tendo como propósito levantar dados informativos sobre a convivência entre pais e filhos
adotivos, foi realizada pesquisa qualitativa através de entrevistas semi-estruturadas com 11
(onze) famílias adotivas, de crianças ou adolescentes regularizados ou em processo de
regularização pelo Juizado da Infância e Juventude do Município de Palmas, Estado do
Tocantins, no período de 1997 a 2007,
Foram escolhidas tais famílias em razão de terem procurado, através do Juizado da Infância
e Juventude, obter legalmente um filho adotivo ou regularizar, de acordo com as normas
legais estabelecidas, situações informais eventualmente existentes relativas à adoção.
As entrevistas aconteceram no Juizado da Infância e Juventude e nos locais de trabalho dos
entrevistados, onde o entrevistador se fez presente, tendo sido todas as amostras
aproveitadas em razão de se encaixarem no padrão de inclusão estabelecido.
Os dados foram analisados através da Triangulação Metodológica que abrange um estudo
qualitativo dos depoimentos prestados pelas famílias adotivas, vistos comparativamente
com as fundamentações teóricas de estudiosos do assunto, levando-se em conta, ainda, a
opinião da pesquisadora.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO:
A pesquisa nos permitiu levantar dados informativos importantes não apenas na
identificação do perfil do público alvo, vale dizer, pais adotivos e crianças ou adolescentes
adotados, membros da chamada família substituta, mas acima de tudo na revelação dos
meandros dessa relação, da convivência familiar existente entre os mesmos, de modo a
compreender qual o sentimento ou percepção dos pais adotivos quanto à adoção, ou seja,
como esta, nos seus mais variados aspectos, é vista por aqueles.
Para melhor entendermos o cenário dos pesquisados, os mesmos apresentam a seguinte
caracterização: predominância (75%) de pais adotivos com idade entre 30 e 45 anos,
mantendo-se o mesmo percentual para os pais com o 3° grau de escolaridade, com renda
mensal variando entre 01 (um) e 26 (vinte e seis) salários mínimos, 64% dos quais
encontrando-se na faixa até 13 salários, repetindo-se o mesmo percentual (64%) para os
adotantes originários de outros estados da Federação e não possuidores de filhos biológicos.
Registraram-se, ainda, 91% de adotantes casados.
Dentre os adotados, verificou-se a prevalência de crianças ou adolescentes do sexo
feminino (75%), com idade atual variando até 13 anos, quase a totalidade delas (91%)
contando com até 01 (um) ano de idade ao tempo da adoção e entrega aos pais adotivos,
sendo 64% com idade inferior a 06 (seis) meses. Tais dados se devem ao fato de que 64%
dos adotantes ou pais adotivos já tinham, antes da adoção, um perfil definido para o
adotando, ou seja, a pessoa a ser adotada, qual seja: criança recém-nascida ou com idade
mínima possível, do sexo feminino e cor correspondente à dos pais adotivos ou casal
adotante.
Indagados sobre a motivação, ou seja, o que os levaram a idealizar e decidir pela adoção,
35% dos pais adotivos se viram motivados pelo desejo de ajudar a criança que, de uma
forma ou de outra, encontrava-se em situação irregular, enquanto 10% registraram ter
buscado na adoção uma forma de resolver seu problema de solidão, através da companhia
de uma criança ou adolescente. Por outro lado, 55% dos entrevistados afirmaram que a
impossibilidade de ter filho biológico e a necessidade de satisfazer esse desejo natural de
todo casal foi o que efetivamente determinou a adoção, como se revela nas falas a seguir:
(...) “Tenho vontade de ter filhos, mas tenho limitações a gestação”.
(...) “Decidimos adotar por conta do desejo de termos um filho”.
É importante destacar que, embora 27% tenham planejado a adoção e vivido a expectativa
da espera, 73% dos pais adotivos entrevistados não fizeram um planejamento para a
adoção, ou seja, para receberem a criança ou adolescente, já que, ao contrário de se
submeterem a um processo regular de adoção no Juizado da Infância e Juventude, o que
permitiria um melhor planejamento familiar, efetivaram a adoção através do modelo “à
brasileira”, ou seja, recebendo o adotando diretamente dos pais biológicos ou de terceiros, o
que geralmente implica na materialização repentina da adoção. Aliás, é preciso salientar
que apenas 9% dos pais adotivos entrevistados efetivaram a adoção junto ao Juizado.
Registre-se, por outro lado, que algumas adoções se materializaram por acaso, ou seja, sem
qualquer idealização ou planejamento dos pais adotivos, os quais só se viram adotando
alguém e efetivamente o fizeram após conhecer e conviver com a criança ou adolescente,
muitas vezes deixado provisoriamente aos cuidados daqueles, por vezes até pelos próprios
pais biológicos, situação que acabou se tornando definitiva por vários motivos, inclusive
pelo não retorno e abandono dos pais que ali o deixaram.
Aspecto interessante é o que envolve a relação e a convivência familiar entre pais e filhos
adotivos, vistos nas suas mais variadas particularidades. Por exemplo, 100% dos
entrevistados afirmaram não haver diferença na criação e educação de filhos adotados e
biológicos, destacando que em ambos os casos a relação deve ser marcada pelo amor,
carinho, amizade, compreensão, dedicação e respeito, sendo necessário não apenas
reconhecer os direitos da criança ou adolescente, mas apontar-lhe os deveres, sem esquecer
da necessidade de se impor limites, conforme se extrai da seguinte manifestação dada:
(...) “Terá as mesmas oportunidades e educação que teria se estivesse
nascido de mim. Não será colocado em uma redoma, não será castigado ou
poupado quando for necessário”.
No que tange à verdade na relação, todos os entrevistados (100%) apontaram a sinceridade
e a franqueza como sendo indispensáveis ao sucesso da adoção, destacando que sem tais
ingredientes não se pode ter, entre pais e filhos adotivos, uma relação harmônica duradoura,
devendo-se trabalhar a história de vida desses filhos de forma autêntica e verdadeira, mas
também com naturalidade, o que equivale dizer que as revelações sobre a condição de
adotado, seu passado e pais biológicos devem se dar dentro de um contexto favorável e no
momento certo, observada a idade e capacidade de compreensão do adotado. Assim, 55%
revelaram já ter informado ao filho sobre sua condição de adotado, enquanto os demais
(45%) aguardam o momento próprio para tal, embora 18% destes tenha receio de que a
revelação possa resultar na rejeição do adotado pela sociedade.
Discorrendo sobre a formação do filho adotivo e os fatores que podem ter reflexo nesse
processo, 73% dos entrevistados disseram não haver qualquer influência da carga
hereditária na formação da personalidade da criança ou adolescente, entendendo haver
interferência tão somente na definição de traços físicos. Por outro lado, 100% apontaram o
meio social, a convivência com este e com a família como sendo o fator principal na
definição do caráter, da personalidade e do comportamento do filho adotivo. Referindo-se à
carga genética e hereditária, assim pontuaram:
(...) “Posso dizer que considero haver influência fisicamente; quanto à
formação propriamente dita da criança, só dependerá da sua convivência
conosco e com os demais que estão por perto educando”.
(...) “É compreendido que a carga hereditária existe, mas que a convivência é
fundamental para a formação da sua personalidade”.
Por fim, questionados sobre quais seriam as maiores dificuldades encontradas na relação
pais e filhos adotivos, 73% afirmaram não haver dificuldades especiais ou particulares
nessa relação, destacando que as dificuldades existentes são as mesmas havidas na relação
entre pais e filhos biológicos. A adoção em si, segundo ressaltaram, não pressupõe a
existência de dificuldades numa relação entre pais e filhos. Entre os que pensam diferente
(27%), há aqueles que apontam a revelação ao filho, de sua condição de adotado, como
sendo a maior dificuldade, o momento de maior expectativa e preocupação da relação (9%),
existindo ainda os pais adotivos que vêem na adaptação a maior dificuldade, o fator de
maior complexidade, tanto a adaptação do adotado à nova família (9%), como a
adaptação/aceitação dos familiares dos pais adotivos em relação àquele (9%). Vejamos, a
respeito, alguns pronunciamentos:
(...) “Não ocorre nenhuma dificuldade na relação, somos uma família
comunicativa”.
(...) “Em relação aos pais e filhos, nenhuma dificuldade. Com a sociedade,
sim, há dificuldades porque o preconceito e a maldade existem”.
(...) “A maior dificuldade foi a de revelar a verdade da sua vida. Hoje já é
passado, a relação é tranqüila, com muito amor, e ela quando fala da sua
família para alguém diz que é muito boa, diz ser algo de bom, antes tinha
algo escuro na sua vida”.
(...) “A principal dificuldade foi a adaptação da criança ao seu novo lar, com
mudança de rotina, alimentação. Todas já foram superadas e hoje ela está
totalmente adaptada e inserida em nossa casa”.
Ao analisar a caracterização da demanda, foi visto que embora não haja um perfil definido
para os adotantes, a grande maioria deles se encontra entre as pessoas com idade média de
40 anos, casadas, nível superior de escolaridade, razoável situação econômica e, sobretudo,
que não possuem filhos biológicos. Embora não faça referência ao aspecto da escolaridade,
CAMARGO (2006), citando pesquisa realizada por WEBER (1996) sobre a cultura da
adoção atuante na sociedade brasileira, confirma a situação acima ao apontar uma
prevalência no que se refere a pais adotivos casados e sem filhos naturais, pertencentes à
classe social de melhores condições econômicas e na faixa etária nominal de 40 a 55 anos.
No que se refere especificamente à prevalência de casais sem filhos biológicos, tal se
explica pelo fato de que, conforme afirma LEVINZON (2005), um dos principais fatores
motivadores da adoção é a verificação da esterilidade e a impossibilidade do casal adotivo
de ter filhos biológicos, tanto que na presente pesquisa se verificou um índice de 65% de
casais que adotaram em virtude de tal motivação, o que acaba por revelar que grande parte
dos adotantes ou pais adotivos, apesar de reflexamente atender aos interesses do adotado,
na medida em que lhe possibilita ter um lar e uma família substituta, o que realmente
buscam é satisfazer seus próprios interesses, solucionando carências e desejos, embora
existam aqueles que diretamente desejam ajudar a criança que, de uma forma ou de outra,
encontrava-se em situação irregular.
No que se refere ao perfil do adotado, pode-se concluir que as adoções recaem mais sobre
crianças do sexo feminino e recém-nascidos ou de menor idade possível. Segundo
HAMAD (2002), as meninas são consideradas consciente ou inconscientemente “de mais
fácil criação” pelos pais adotivos, enquanto LEVINZON (2005) destaca que o ideal é que a
adoção recaia sobre crianças com a idade mais baixa possível, evitando-se a vivência de
abandono e sofrimento que quase sempre acompanham o adotando institucionalizado e sem
lar. Para CAMARGO (2006), referindo-se a pesquisa de WEBER (1996), há uma
preferência por bebês com até 3 meses de idade e do sexo feminino, com estado de saúde
saudável e cor de pele clara. Corroborando esse entendimento, a presente pesquisa revelou
ainda que 64% dos adotantes ou pais adotivos já tinham, antes da adoção, um perfil
definido para o adotando, ou seja, a pessoa a ser adotada, qual seja: criança recém-nascida
ou com idade mínima possível, do sexo feminino e cor correspondente à dos pais adotivos
ou casal adotante, como caracterizado na fala abaixo:
(...) “Sim, havia. Cor clara, do sexo feminino, recém-nascido e de outro
estado”.
Constatação preocupante é a que revela que quase a totalidade das adoções se deu “à
brasileira” (91%), ou seja, sem a finalização do processo de homologação junto ao Juizado
da Infância e Juventude, o que significa dizer que existem entraves que acabam por
determinar a indesejada demora na finalização do processo de adoção, fazendo com que os
adotantes ou pais adotivos busquem outras alternativas que possibilitem uma maior
agilidade na materialização da esperada adoção, o que acaba por impedi-los de planejar a
adoção, preparando-se adequadamente para receber a criança ou adolescente. Tal
constatação sintetiza-se nas falas a seguir:
(...) “A demora na finalização do processo muitas vezes faz com que
interessados não procurem crianças nos juizados, peguem quando surge
oportunidade”.
(...) “A criança foi oferecida por uma amiga antes do juizado chamar”.
PAIVA (2004) pontua que: “Há pretendentes que procuram o Judiciário para solicitar a
adoção de uma criança ou de um bebê específicos; em geral, acompanhados e com a
anuência e manifestação dos pais biológicos. Nessas adoções ‘prontas’, por vezes os
interessados já convivem com a criança há algum tempo e apenas pretendem legalizar a
condição existente”. Para o citado autor, tal situação é chamada “adoção intuitu personae”.
O resultado da pesquisa acompanha o pensamento doutrinário também no que se refere à
relação ente pais e filhos adotivos, a convivência familiar e os fatores que influenciam na
criação e formação do filho adotivo. Segundo entendem os pais entrevistados (100%), a
sinceridade e a franqueza devem permear a relação, não devendo haver ocultações ou
mentiras sobretudo em relação à condição de adotado da criança ou adolescente e sua
história de vida. Vejamos algumas falas:
(...) “A verdade foi trabalhada desde o início, com informações à medida da
sua compreensão”.
(...) “Fomos contando a verdade dentro da palavra de Deus, para que ela não
criasse raízes de amargura e revolta da mãe biológica”.
LEVINZON (2005) destaca que “é senso comum entre os estudiosos e profissionais da
adoção de que é imprescindível que a criança tenha acesso às informações sobre sua
origem”, ressaltando que “ter revelado um fato que está marcado inconscientemente na
criança ajuda-a a desfazer a confusão entre o que sente e aquilo que sabe”. Para WEBER
(2006), “a primeira ‘regra ética’ de uma família adotiva é a verdade. Todo ser humano tem
direito à sua identidade e conhecer as suas raízes faz parte deste direito. O filho adotivo
deve saber, ‘desde sempre’ desta sua condição”. Portando, parece-nos claro e indiscutível
que esta relação deve ser aberta, clara e sem subterfúgios, admitindo com todas as letras a
adoção e a verdadeira identidade do adotado, observando-se, evidentemente, o
desenvolvimento, a capacidade de discernimento da criança.
O relacionamento, a convivência social e familiar revelam-se, para 100% dos entrevistados,
os maiores definidores da personalidade e do caráter da criança adotada, influindo
diretamente na sua formação, enquanto 73% entendem não haver nenhuma influência da
carga hereditária nesse particular, tendo relevo apenas na definição de traços físicos. Para
FERREIRA (1988), pode-se herdar traços físicos, temperamentos e até doenças, mas os
valores que passam a fazer parte de cada pessoa não se herda, como não se herda o modo
de pensar e agir. Parece-nos, assim, que, embora deva se ter presente a questão da
hereditariedade como um fator de preocupação de alguns pais adotivos, o que efetivamente
influencia na formação da personalidade da criança é a vivência social, a relação familiar,
os valores que lhe são passados ao longo de sua existência, como revelam as falas abaixo
transcritas:
(...) “Não achamos que a carga hereditária de nossa filha seja um problema
em nosso relacionamento com ela, o meio social com certeza”.
(...) “Fisicamente sim, mas o que faz a formação da criança é a convivência”.
(...) “É compreendido que a carga hereditária existe, mas que a convivência é
fundamental para a formação da sua personalidade”.
Por fim, os dados coletados apontam que 73% entendem não haver dificuldades especiais
ou particulares na relação entre pais e filhos adotivos, o que encontra respaldo na opinião
de autores envolvidos com o tema. LEVINZON (2005) afirma que, embora seja comum
escutar na vida cotidiana informações que apontem que os filhos adotivos dão mais
trabalho ou sempre dão problema, tal pensamento não encontra respaldo em trabalhos
científicos. Há autores, porém, segundo o mesmo LIVINZON (2005), que apontam os
danos que a adoção provoca ao desenvolvimento da criança, e acreditam que ela tem uma
tendência maior do que outras a apresentar problemas psicológicos ou de inadaptação
social, escolar e familiar (NICKMAN, 1985 e WIEDER, 1977). Ao meu sentir, embora
afirmem não haver dificuldades específicas na relação entre pais e filhos adotivos, é preciso
reconhecer que o próprio fato de se ter que revelar à criança a sua condição de adotada,
enfrentando esta realidade num contexto social de preconceito em relação à doação, revela
a existência de dificuldades e particularidades próprias desta relação. Essa negação das
dificuldades parece ter relação com um processo de idealização para com essa nova
formação familiar, onde é projetada na criança toda a fantasias de reconstrução familiar,
projeção essa que pode ser extremamente maléfica para a relação.
5. CONCLUSÃO:
Os resultados alcançados no presente trabalho se mostraram de um modo geral satisfatórios
e, vistos comparativamente com os ensinamentos de estudiosos envolvidos com o tema
proposto, nos permitem concluir, dentro da proposta inicialmente apresentada, que, embora
persistam alguns dogmas e mitos em relação à adoção, avanços significativos se tem
alcançado, e tal se revela pelo próprio pensamento dos pais adotivos em relação ao tema.
É que, contrariando mitos existentes em relação, por exemplo, à carga genética, vista como
fator primordial na formação da personalidade da criança, os entrevistados foram unânimes
em refutar tal entendimento, destacando ser a relação social, a convivência familiar o que
efetivamente determina o desenvolvimento psicosocial do ser humano.
De igual modo, sendo questionados sobre como se deve trabalhar a verdade na relação com
os filhos adotivos, os pais foram igualmente unânimes em destacar que a sinceridade e a
franqueza são indispensáveis para o sucesso da adoção, devendo-se ter como prioridade a
revelação ao filho de sua condição de adotado, sem se esquecer de outras informações
sobre sua história, igualmente importantes para a formação de sua identidade, o que
também revela uma visão isenta de preconceito em relação ao tema.
Em que pese a evolução verificada na percepção dos pais adotivos em relação à adoção, é
preciso reconhecer a necessidade de se evoluir ainda mais, de modo a fazer com que o
apontado instituto possa atingir cada vez mais a sua finalidade, propiciando dias melhores
às inúmeras crianças e adolescentes hoje institucionalizados, revelando-se indispensável,
neste particular, que as instituições envolvidas na formalização do processo de adoção
(homologação) se aprimorem, de modo a afastar os entraves que hoje impedem uma maior
agilidade na efetivação da adoção, permitindo que as inúmeras crianças institucionalizadas
e que aguardam a colocação em lares substitutos tenham suas situações resolvidas.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORGUI, H. A nova adoção no Direito Civil Brasileiro. Revista dos Tribunais, 661, 242-246, 1990.
CAMARGO, Mário Lázaro. Adoção Tardia: Mitos, Medos e Expectativas. Bauru: Edusc, 2006.
ELDRIDGE, Sherrie. Vinte coisas que filhos adotivos gostariam que seus pais adotivos soubessem. São Paulo: Globo, 2004.
ECA. Estatuto da Criança e do Adolescente / Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Assessoria de Comunicação Social – Brasília: MEC, ACS, 2005.
FERREIRA, M.C. Como se vive la adopción. Buenos Aires: Corregidor, 1988.
HAMAD, Nazir. A criança adotiva e suas famílias. Rio de Janeiro: Campanha de Freud, 2002.
LEVINZON, Gina Khafif. Adoção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
PAIVA, Leila Dutra de. Adoção: significados e possibilidades. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
REIS, Alexandre. 2006. Disponível em www.painelbrasil.tv/jornal/06_03_14.html-22k-.
WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj. Pais e Filhos por Adoção no Brasil, “Características, Expectativas e Sentimentos”. Curitiba: Jaruá, 2006a.
WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj. Aspectos Psicológicos da Adoção. Curitiba: Jaruá, 2006b.
PEQUENO MEMORIAL NO QUAL O AUTOR DISCORRERÁ SOBRE O
MOTIVO QUE O FEZ ESCOLHER O TEMA A PARTIR DE SUA TRAJETÓRIA
COMO ALUNO:
Ao longo dos anos, mais precisamente nas últimas décadas, muito progresso se alcançou no
Brasil em termos de legislação relativa á criança e ao adolescente. A Constituição Federal
de 1988, a chamada Constituição Cidadã, e o atual Estatuto da Criança e do Adolescente
são provas vivas do nível que se atingiu no país em termos de legislação menorista.
Sem embargo disto, grande parte de nossas crianças e adolescentes ainda vivem privadas
dos mais elementares direitos, subjugadas a um sistema perverso e impelidas a uma
realidade desoladora, onde se nega até mesmo o direito básico de se ter uma família e viver
no aconchego de um lar.
Esta dualidade e contradição experimentada e vivenciada ao longo da vida acadêmica,
sobretudo durante o estágio realizado no CIACA – Centro Integrado de Atendimento à
Criança e ao Adolescente, foi o que me impulsionou a questionar e procurar compreender o
atual quadro vivido por uma grande parte de nossas meninas e meninos, sob o enfoque e
com ênfase para a adoção em suas mais variadas nuances.