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ANA PAULA PETRONI EDUCAÇÃO LIBERTADORA: COMO A PSICOLOGIA PODE CONTRIBUIR? ARARAS/SP Novembro/2006

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ANA PAULA PETRONI

EDUCAÇÃO LIBERTADORA: COMO A PSICOLOGIA PODE CONTRIBUIR?

ARARAS/SP

Novembro/2006

EDUCAÇÃO LIBERTADORA: COMO A PSICOLOGIA PODE CONTRIBUIR?

RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo, através da revisão de literatura, descrever o

papel a ser desenvolvido pelo psicólogo no contexto escolar, com base na Educação

Libertadora e na promoção da democracia e cidadania, já que nos dias de hoje esta

é uma questão bastante discutida. Para isso, foi feita uma contextualização acerca

deste modo de educar (educar para libertar) e da função que a democracia deve

exercer, promovendo, conseqüentemente, a cidadania. Conceituamos e buscamos

definir cinco eixos norteadores do trabalho: Educação Libertadora, democracia,

cidadania, formação do professor e psicólogo escolar, destacando a todo momento a

conscientização da população, seja ela opressora ou oprimida, para aproximar-se

cada vez mais da libertação. Este trabalho pretendeu, também, discutir a

contribuição da Psicologia, enquanto ciência, e a Psicologia Escolar, enquanto área

de atuação, no processo de conscientização, bem como de dominação.

Palavras-chave: Educação Libertadora, democracia, psicólogo escolar.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 1

OBJETIVOS.................................................................................................... 4

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................... 5

Capítulo 1 – Educação Libertadora ............................................................. 5

Capítulo 2 – Democracia como condição para a cidadania e seu papel na

aprendizagem .............................................................................................. 15

Capítulo 3 – Formação e Atuação do Professor/Educador ..................... 30

Capítulo 4 – O Papel do Psicólogo Escolar dentro deste contexto ........ 42

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 51

REFERÊNCIAS............................................................................................. 55

ANEXO ......................................................................................................... 61

1

INTRODUÇÃO

Muita coisa tem sido falada acerca da educação, de que forma ela é oferecida

e de sua contribuição ao indivíduo, e é cada vez maior o interesse por esta área, já

que muitos acreditam ser este o caminho para a transformação da realidade na qual

as pessoas estão inseridas.

A Educação Libertadora foi um tema que proporcionou a aquisição de novos

conhecimentos e a abertura de outros horizontes para a educação tradicionalmente

conhecida. Estes horizontes dizem respeito ao crescente interesse pela área de

educação, que aumentava durante a elaboração deste trabalho, mas não só a

educação formal oferecida pelas escolas, mas sim a educação social, onde seja

cumprido o direito que todas as pessoas têm ao saber, ao conhecimento produzido

pela sociedade na qual está inserida, conforme proposto por este modelo libertador.

Esperamos que este trabalho proporcione a produção de novos

conhecimentos e possibilite um acesso ao pensamento crítico existente sobre a

realidade na qual vivemos e, a partir disto, conscientize as pessoas de que uma

transformação social tem-se tornado necessária. Transformação social que vem

sendo amplamente discutida, mas nem sempre colocada em prática. Falar é fácil, o

difícil é fazer com que as pessoas, sejam elas profissionais ligados à área ou não, se

conscientizem da importância de começar a dar espaço para a maioria da

população, colocada na posição de desprivilegiada pela minoria, e ouvir o que eles

têm a dizer e a ensinar.

Compreende-se que, para dar um passo adiante rumo a essa transformação

social, é preciso que um caminho comece a ser trilhado: conhecimentos produzidos,

analisados criticamente, divulgados e colocados em prática. Partindo-se disto é que

surgiu a proposta deste trabalho, pois se pretende, através da contextualização

sobre a educação libertadora, que mostra ser base forte para que ocorram

mudanças no sistema educacional existente, descrever a função da democracia e o

papel a ser desenvolvido pelo psicólogo escolar e suas respectivas contribuições

dentro deste contexto.

O trabalho foi dividido em quatro capítulos. No Capítulo 1 será abordada a

Educação Libertadora, as idéias de seus principais autores (Paulo Freire, Ernani

2

Maria Fiori, Enrique Dussel, Antonio Gramsci e Maria Montessori – apesar de seus

preceitos não serem denominados como Educação Libertadora, muito se relacionam

a ela) e como tais idéias contribuem para que ocorram mudanças no sistema

educacional e para as pessoas.

A democracia será tratada no Capítulo 2. Primeiramente será vista como uma

condição básica para a cidadania, já que quando uma pessoa pode garantir seus

direitos e cumprir seus deveres ela realmente é considerada como cidadã integrante

de uma sociedade. Após esta explanação será feita uma discussão sobre seu papel

no processo de aprendizagem, pois antes de qualquer coisa é preciso equalizar a

educação oferecida a todos por direito e através disso educar todos para que

saibam exercer a democracia.

No Capítulo 3 será trabalhada a formação dos professores, já que eles são

peças-chave para que tudo o que for discutido nos outros capítulos funcione de um

modo qualitativo e eficaz. Durante o Capítulo 4 serão feitas considerações acerca da

contribuição do psicólogo no contexto escolar; isto é, poderá ser visto o papel que o

psicólogo exerce no processo educacional e quais são seus deveres dentro da

instituição escolar com relação aos outros profissionais para a democratização da

aprendizagem, pois além de psicólogo, é um cidadão e deve garantir que seja

oferecida uma educação de qualidade para todos, condições para o exercício de um

trabalho digno.

Nas Considerações Finais pretendeu-se fazer uma explanação acerca do que

foi discutido e uma conclusão que possa contribuir para a melhoria do quadro

educacional que se apresenta. Por fim, nas Referências, será trazido todo o material

que foi utilizado para fazer esta revisão de literatura e refletir sobre o conhecimento

já produzido.

Acreditamos ser necessário, antes de iniciarmos o trabalho, fazer uma breve

apresentação dos autores acima citados (Freire, Fiori, Dussel, Gramsci e

Montessori). Comecemos, então, com Paulo Freire. Paulo Reglus Neves Freire

(1921-1997), nascido em Pernambuco, originado de família pobre, foi o principal

contribuidor para a criação da Educação Libertadora. Ele acreditava que, através da

educação, a classe menos favorecida da sociedade poderia tornar-se consciente e

desenvolver um pensamento crítico acerca da realidade na qual estavam inseridos.

Desenvolveu seu próprio método de ensino, no qual as pessoas eram alfabetizadas

a partir de palavras de seu cotidiano. Com o golpe militar de 1964 foi preso e

3

posteriormente exilado no Chile, onde teve contato com vários outros brasileiros,

entre eles Fiori (DAMKE, 1995; SANTOS, 2000; ROSAS, s/d).

O filósofo Ernani Maria Fiori, como podemos ver em DAMKE (1995), deu sua

maior contribuição ao dizer que a conscientização é o caminho de acesso para que

os indivíduos passem a ser vistos e a se verem como sujeitos históricos e

entendedores da realidade. O encontro ocorrido com Freire durante o exílio

possibilitou que ambas as teorias se enriquecessem e se desenvolvessem

mutuamente. Ele pensava que a universidade deveria unir-se ao povo e, juntos,

produzissem o desenvolvimento da cultura popular.

A maior preocupação do filósofo argentino Enrique Dussel (nascido em 1934)

não era com a Pedagogia da Libertação, mas sim com a Filosofia e a Ética da

Libertação. Suas idéias iam contra o capitalismo, na medida em que este impedia a

autonomia e a racionalidade das periferias. Ele acreditava que os investimentos

deveriam ser feitos nas pessoas e não no capital (DAMKE, 1995; GRANDE

ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL, 1998).

Antonio Gramsci (1891-1937) foi um italiano que se dedicou à política, à

filosofia e à ciência política. Um dos fundadores do Partido Comunista Italiano, lutou

contra o fascismo, o que resultou em sua prisão no ano de 1926. De origem pobre,

pode cursar a Faculdade de Letras na cidade de Turim graças a uma bolsa de

estudos. Seus pensamentos sugeriam a libertação da população através da luta

socialista, fazendo com que a classe dominante não agisse mais com autoritarismo e

repressão. O caminho escolhido para essa revolução seria a educação (SANTOS,

2000; http://pt.wikipedia.org/wiki/Antonio_Gramsci, s.d.)

Por último, citamos Maria Montessori (1870-1952) que foi uma psiquiatra –

primeira mulher a receber o diploma de Medicina em seu país – e educadora italiana

que desenvolveu um método baseado no conhecimento científico sobre o modo

como os educandos aprendiam. Para isto apoiou-se em estudos e trabalhos

desenvolvidos pela Pedagogia e Psicologia. A partir de suas Casas dei Bambini

(Lares das Crianças), divulgou seu pensamento em vários cursos sobre seu sistema

educacional. Sua principal luta era promover a educação através da paz

(MONTESSORI, 2004).

Depois deste breve esclarecimento, iniciaremos nosso trabalho, apresentando

os objetivos desta pesquisa.

4

OBJETIVOS

� Verificar a relação existente entre Educação Libertadora e Psicologia;

� Apresentar a Educação Libertadora como um modelo alternativo e eficaz de

entender a escola;

� Contextualizar a democracia e a cidadania, discutindo a participação na

aprendizagem;

� Discutir o papel do professor/educador; e

� Discutir o papel desempenhado pela Psicologia dentro deste contexto.

5

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Capítulo 1 – Educação Libertadora

Educação... O que pode ser dito a respeito desta pequena palavra, mas que é

cheia de força e tem o poder de transformar pessoas e mundos?

Neste trabalho, procuraremos responder a esta pergunta dando todo o valor

que as ações de educar e oferecer educação às pessoas devem merecer. Para isso

achamos conveniente e necessário definir o que é educação e quais são seus

objetivos.

De acordo com o MiniDicionário Aurélio (FERREIRA, s/d) educação significa

“1. Ato ou efeito de educar (-se). 2. Processo de desenvolvimento da capacidade

física, intelectual e moral do ser humano. 3. Civilidade, polidez. (...)” (p. 185).

Há no Brasil uma Lei, sob o nº 9.394/96, promulgada em dezembro de 1996,

intitulada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que permite ver

quais são os objetivos, deveres e direitos de todos os que estão envolvidos no

processo educacional.

É possível verificar, no art. 1º da LDB (1996), que a educação envolve todos

os processos formativos nos quais o indivíduo está inserido, sendo o contexto

familiar, em suas relações, no trabalho, em instituições de ensino, comunidade,

movimentos e organizações sociais e culturais. Com essa definição podemos ver

que a educação não diz respeito somente àquela oferecida pelas escolas, chamada

de educação formal, mas também à não-formal e à informal (CARO e GUZZO, 2004)

que levam em consideração tudo o que cerca a criança e todos os meios pelos quais

ela pode adquirir conhecimento.

É possível perceber, portanto, que esta lei tem como base a educação voltada

para a construção de conceitos e valores sociais (cidadania, por exemplo),

desenvolvimento das habilidades e capacidades dos alunos e o seu preparo para o

mercado de trabalho; tendo como finalidade a formação de cidadãos com

pensamento crítico e conscientes de suas responsabilidades com o mundo e com os

outros, podendo assim conviver de forma adequada em sociedade.

6

A educação e o processo de aprendizagem deveriam permitir que as crianças

se desenvolvessem, criassem habilidades e superassem os obstáculos existentes,

mas sem que seus limites fossem desrespeitados.

Acreditamos que essa nova concepção de educação permite que o aluno se

prepare de uma forma mais apropriada, que o professor deixe de ser o detentor

absoluto do conhecimento e passe a respeitar o ritmo de aprendizagem de cada

aluno sem se preocupar tanto com o currículo tradicional – ou seja, querer que o

aluno aprenda somente as matérias consideradas como primordiais (assim como

Português e Matemática), sem levar em conta o que ele já sabe e o que pode

ensinar, sem dar o devido valor à troca que deve existir entre professor-aluno.

Entretanto, não é isso que a realidade demonstra.

A proposta pedagógica oferecida pela instituição escolar deve ser formulada a

partir de pontos considerados como importantes pela comunidade que será

atendida, levar em consideração o nível de conhecimento que o aluno possui e

proporcionar um desenvolvimento crítico de pensamento deste aluno, atendendo e

contribuindo para que as necessidades de todos que estejam envolvidos neste

processo sejam atendidas; não se esquecendo das condições de trabalho que

devem ser disponibilizadas (materiais, formação permanente dos professores etc.).

No entanto, o que vemos são currículos prontos para todos, com um conteúdo

programático a ser cumprido durante o ano letivo e não flexíveis às necessidades

apresentadas pelos alunos. Não há preocupação do quanto a matéria será

absorvida e não se permite exposição de idéias por parte dos alunos; na maioria dos

casos, somente aprender conceitos e conseguir passar no vestibular,

proporcionando assim um maior status à instituição (DAMKE, 1995; FREIRE, 1996,

1999; SANTOS, 2000).

Ao nos depararmos com este quadro, pensamos diretamente em Maria

Helena Souza PATTO (2000), ou melhor, em sua grande obra “A Produção do

Fracasso Escolar”, quando nos diz que a escola não está preparada para atender à

demanda que se apresenta e que isso é um fato histórico. Histórico porque a escola

nunca esteve preparada para receber e aceitar as diferenças existentes, entendendo

que a nova população escolar (na época eram as crianças pobres, já que só

estudavam os mais abastados) era obrigada a se adaptar em sua forma de educar e

não ao contrário. Esse quadro vem se arrastando ao longo dos anos fazendo com

7

que aumente a discriminação, principalmente a social e a racial, e a opressão a

estas pessoas.

Sabemos que as diferenças devem ser respeitadas e como a própria

definição de educação afirma, é preciso se preocupar com todos os aspectos que

envolvem o desenvolvimento do indivíduo, isto é, o desenvolvimento físico, cognitivo

e moral, e não apenas destacar o conhecimento cognitivo (assim com faz as

escolas) como o mais importante e verdadeiro saber. É preciso dar espaço e voz às

crianças para que possam colocar sua experiência e construir algo novo através

daquilo que já foi aprendido.

Esse raciocínio nos remete às idéias defendidas pelos autores da Educação

Libertadora (Freire, Gramsci, Fiori e Dussel, por exemplo), pois eles trazem o

pensamento de que o aluno deve ser preparado para a conscientização, ou seja,

ver-se como um sujeito que faz parte de uma realidade e é capaz de mudar e

transformar o mundo em que vive (DAMKE, 1995; FREIRE, 1996, 1999, 2005;

SANTOS, 2000). É preciso que os alunos saiam das escolas conscientes de que são

atores de sua própria história e que podem, ou melhor, devem contribuir para as

transformações que se mostrem necessárias para o desenvolvimento da sociedade

a qual pertence.

Mas por que este tipo de educação recebe o nome de libertadora?

Este nome designa uma educação que possibilita uma transformação no

indivíduo, que ele seja inserido na realidade e na sociedade e não marginalizado e

privado de receber conhecimento. O indivíduo deve ter consciência de que faz parte

de uma história, de sua própria história principalmente. As pessoas devem ser

críticas, saber questionar e expor idéias, não somente aceitar tudo que lhes é dito e

imposto como verdade absoluta (VASCONCELOS e BRITO, 2006).

Em PATTO (2005) podemos ver que isto tudo também diz respeito às

diferenças sociais existentes, em que aqueles que possuem muito (e são poucos)

acham que, só porque podem pagar, têm mais direitos e menos deveres do que

aqueles que não possuem quase nada (e são muitos). Essa “característica” também

possibilita que os ricos se sintam permitidos a oprimir os menos favorecidos e

contribuir para a privação de coisas consideradas como básicas, por exemplo, a

educação (que é a questão central deste trabalho).

O que vemos dentro da Pedagogia da Libertação não é uma crítica ao

conteúdo que é ensinado ao aluno, mas sim a forma como ele é passado. A

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educação que vemos nos dias de hoje é a chamada por FREIRE (2005) de

“educação bancária”, já que os educandos são vistos como coisas, recipientes

vazios que devem ser preenchidos pelos educadores com o conhecimento e regras

já preestabelecidos, a estes cabe depositar, dentro daqueles, aquilo que já existe.

Os alunos não são educados, mas sim são ensinados a aceitar tudo calados

e ver aquilo que lhes é passado como a única fonte de saber e a mais correta; as

questões não são problematizadas e eles não se tornam capazes de se reconhecer

dentro da realidade em que vivem, muito menos como capacitados a transformá-la.

Dessa forma não se valoriza o que é trazido pelo aluno, aquilo que faz parte de seu

mundo, de seu dia-a-dia, e que muito pode contribuir no processo de educar

(GUZZO, 2005). É preciso que o professor se veja também como alguém que ainda

precisa aprender e que não há melhor lugar para que isto aconteça a não ser nessa

relação com o aluno.

O ato de educar apresentado nas escolas “tradicionais” vai diretamente contra

o que é proposto na Pedagogia Libertadora, já que esta visa tornar os alunos seres

humanos críticos capazes de se reconhecerem dentro de seu mundo e

contribuidores para as transformações que se apresentem necessárias dentro deste

(DAMKE, 1995; SANTOS, 2000).

FREIRE (2005) nos chama a atenção para o fato de que o homem não está

sozinho no mundo e que os elementos presentes neste espaço é que irão influenciar

seu modo de agir e pensar. Esta idéia vai diretamente contra uma educação

repressora e opressora, que só faz aumentar os ideais de individualidade e

superioridade. Continua-se acreditando que a criança é desprovida de sentimentos e

ações, e os adultos acabam se esquecendo que já passaram por essa fase da vida.

Por isso vemos como sendo de extrema importância que se ofereça uma educação

que esteja direcionada à cidadania, à democracia, à solidariedade e ao sentimento

de grupo, onde todos são iguais e permita a libertação dos indivíduos.

Uma preocupação apontada por esta proposta de educação diz respeito ao

método educacional que se oferece aos educandos, já que eles dão um enorme

valor ao processo de libertação, caracterizado pelo ato de tomar conhecimento de

algo já existente e produzir outro novo. Esse processo faz com que o sujeito se

aproprie da própria história, descobrindo a realidade como um fenômeno que pode

ser transformado e que ele, o sujeito, está habilitado para fazer esta transformação

(DAMKE, 1995; SANTOS, 2000).

9

Vemos o papel importante que a educação tem dentro deste processo de

libertação, já que quando o aluno recebe uma formação que lhe possibilita

desenvolver sua criatividade, seu raciocínio, seu conhecimento, desenvolvendo-se

social, cognitiva e psicologicamente, torna-se capaz de se ver dentro da sua própria

realidade (FREIRE, 1996, 1999, 2005).

Acreditamos, assim como FREIRE (2005), que esta libertação deve ocorrer

não só na educação, mas também nos aspectos sociais e econômicos, pois

sabemos que vivemos em um mundo desigual onde poucos têm muito e muitos têm

pouco; e esta minoria detentora das riquezas não se preocupa em oferecer algo que

melhore a situação do restante da população.

Desde o descobrimento de nosso país, valoriza-se muito o que não é feito

aqui, dando maior valor, por exemplo, aos produtos e à forma de agir de outros

lugares, considerando que são estas coisas que têm qualidade (PATTO, 2005). Para

que isto mude, é preciso tomar consciência dessa cultura em que vivemos, o quanto

ela contribui para a transformação da população, seja ela favorecida ou não; é

preciso que os trabalhadores sintam-se valorizados e gratificados pelo desempenho

apresentado.

Compreendemos que estes atos (supervalorização de coisas estrangeiras)

acabam por contribui com a opressão, já que o trabalho realizado aqui dentro de

nosso país poderia modificar a vida de muitas pessoas, poderia fazer com que os

marginalizados adentrassem um passo a mais que fosse para um mundo novo, do

qual são privados.

PATTO (2005) faz críticas contundentes à educação pública brasileira,

afirmando que esta serve para formar súditos provindos das camadas populares e

não lutar contra os governantes por melhor qualidade de vida. Percebemos, neste

aspecto, um ponto comum com a pedagogia da libertação, que nos diz que o ensino

oferecido pelas escolas é de caráter tecnocrata pelo fato do Estado não querer ser

questionado, mas somente formar pessoas que irão ser eleitores e acabarão por

aceitar tudo o que lhes for dito, já que não possuirão repertório crítico para

questioná-los (DAMKE, 1995; SANTOS, 2000; FREIRE, 2005).

É preciso que no conteúdo pedagógico oferecido pelas escolas sejam

abordadas questões sociais da realidade em que os alunos estão inseridos (DAMKE,

1995; SANTOS, 2000; FREIRE, 2005; GUZZO, 2005), pois é com este mundo que

ele está em contato, estabelecendo relações a todo o momento, desde a hora em

10

que levanta até quando está dormindo. Pensamos também ser muito importante que

se entenda que uma padronização do ensino oferecido faz com que o conhecimento

necessário tenha um determinado fim, como por exemplo, os vestibulares; passar a

avaliar não só conteúdo aprendido pelos alunos, mas sim o que ficou deste

aprendizado e como isto irá ajudá-lo a comunicar-se com seu mundo.

O educador libertador, através do diálogo estabelecido com os alunos,

possibilita o despertar para a humanização, para a democracia consciente (DAMKE,

1995). Faz-se necessário fazer com que, principalmente, as classes menos

favorecidas, como já dito anteriormente, tomem conhecimento da realidade na qual

estão inseridas e transformá-la, tornando-se assim capazes de criticar o sistema,

assumir a responsabilidade de ser um sujeito e dar à sua história um rumo próprio e

consciente.

Acreditamos que esta libertação capacita alunos e professores (participantes

ativos deste processo) a aprenderem a pensar e compreender o mundo pela sua

própria história, que tomem consciência do conhecimento adquirido; a deixarem de

ser analfabetos políticos e desenvolvam o compromisso social; aprenderem a

explorar este conhecimento, discutindo e aceitando as contradições existentes,

compreendendo que elas poderão contribuir para um maior desenvolvimento

pessoal e profissional; a tomarem decisões e avaliar as conseqüências destas,

vencendo assim a insegurança de exercerem seu papel social e profissional; e

exercer, avaliar e construir políticas públicas e sociais que atendam à realidade (DEL

PRETTE e DEL PRETTE, 1996; GUZZO, 2003).

Fazendo um elo da explanação acima com a frase escrita por Fiori (citado em

DAMKE, 1995) “não são só idéias que fazem a história, nem só as mãos que a

fazem, mas as mãos inteligentes” (p. 170), apreendemos que é preciso formar

pessoas que sejam ativas e conscientes acerca de sua vida e história, que sejam

capazes de se envolver por completo e com vontade na construção de seu caminho

para o mundo, tentando mudar a realidade na qual estão inseridas, melhorando a

qualidade das relações e das condições oferecidas para todos.

Quando se fala nessa formação nos vem à cabeça que ela não está ligada

somente à educação oferecida para as crianças, mas também àquela que é

oferecida a qualquer pessoa. Então, compreendemos que a educação oferecida nos

cursos superiores deveria sofrer alterações e tornar-se libertadora também.

11

Os cursos oferecidos pelas universidades acabam formando profissionais

alienados, ou seja, que não são capazes de compreender a realidade ao seu redor e

não utilizam sua posição de pesquisador para formular algo novo e contribuir para a

transformação desta realidade. Não há preocupação com o social, por mais que

atualmente alegam como missão a responsabilidade social. Sabe-se, entretanto, que

a responsabilidade social da escola restringe-se a ensinar. Apenas se estiver

conseguindo atingir esta meta principal, pode ampliar seu nível de intervenção.

As universidades deveriam formar profissionais habilitados em questões

educacionais, promoção de direitos humanos e análise organizacional, trabalhando

como mediador para a implementação de um projeto que atenda estas exigências

(DEL PRETTE, 2002).

Podemos ver que nas propostas da Educação Libertadora (DAMKE, 1995;

SANTOS, 2000) também há essa preocupação com as universidades, dizendo que

estas não conseguem se aproximar da população por pelo menos dois motivos: o

primeiro de não apoderarem como objeto de estudo as questões e necessidades

emergidas dentro da classe oprimida e segundo de não estenderem o conhecimento

científico produzido a esta população, já que isto poderia auxiliar na mudança e

desenvolvimento desta. Antes de produzirem a libertação é preciso que eles

(acadêmicos) se libertem, que saiam de seu mundo científico, fechado ao resto das

pessoas e compartilhem seu conhecimento com todos, fazendo assim com que a

prática fosse realmente exercida de forma correta e coerente, mobilizando todos

para a crítica da realidade e atitudes que possam vir a transformá-la.

Se as universidades oferecerem a todos essa formação, com preocupação

social, construindo o conhecimento a respeito da realidade em que se está inserido,

seria possível que todos participassem da sociedade de forma ativa, como cidadão,

exigindo seus direitos e cumprindo seus deveres.

Uma das coisas necessárias para que isso aconteça, segundo FREIRE

(2005), seria que os professores estivessem em formação permanente e que

eliminassem a relação autoritária e preconceitos existentes, possibilitando, assim,

um maior diálogo com os alunos e com a comunidade. Não se pode esquecer

também da parte que deve ser desempenhada pelo Estado, a quem cabe oferecer

condições e suporte para que um bom trabalho seja desempenhado.

FRELLER (2001) nos chama a atenção quanto a este papel desempenhado

pelo professor e como ele se sente em relação às situações que enfrentam dentro

12

de uma sala de aula e na própria instituição, o que pode dificultar o trabalho a ser

desenvolvido com os alunos. Segundo relatos trazidos por ela, estes profissionais

não se vêem como contribuintes no processo de discriminação e violência contra os

estudantes. Todos acabam culpando a falta de estrutura que há nas famílias e

nunca repensam seus papéis ou da instituição. Admitem que quando começam a

trabalhar pensam que irão encontrar alunos comportados, obedientes, com todos os

materiais necessários para desempenharem as tarefas e no mesmo nível de

desenvolvimento e aprendizagem, que as diferenças e dificuldades (econômicas e

sociais) são inexistentes. E por isso alegam dificuldades em trabalhar contra as

expectativas iniciais, já que na formação não foram preparados para lidar com todas

essas diferenças, o que acaba por distanciando-os da realidade.

Partindo-se disto pensamos: como se pode querer que professores eduquem

alunos de forma libertadora se eles mesmos encontram-se presos a esteriótipos e

preconceitos? Por isso que consideramos este processo de libertação como um

ciclo, onde não se tem um começo e um fim determinados, já que está tudo

relacionado e emaranhado numa teia infinita (DAMKE, 1995). Explicando melhor:

para que os estudantes de hoje possam ser mais críticos e agirem como cidadãos

que são, é preciso que professores e outros profissionais envolvidos no processo

educacional, pertencentes aos quatro níveis de educação (infantil, fundamental,

médio e superior), também tenham se libertado das amarras que lhes prendem a um

contexto histórico de discriminação e opressão daqueles que não pertencem à

classe social considerada como a melhor. É preciso que os professores se

conscientizem e se vejam como parte da engrenagem que faz movimentar a

sociedade e de que eles têm em suas mãos a responsabilidade de educar cidadãos

e futuros profissionais que irão fazer parte da sociedade, que deverão agir de forma

crítica e contribuir para a mudança da realidade (SANTOS, 2000).

Estendo a questão acima descrita às escolas de ensino fundamental e médio,

compreendemos que essas características dos professores são extremamente

importantes para as crianças que estão sendo inseridas nesse novo mundo escolar,

já que elas são cidadãs e serão os profissionais do futuro. Se essa educação

libertadora passasse a ser oferecida, tanto para as crianças, quanto para os

professores e futuros profissionais (não importando qual a área em que ele vá atuar),

temos a confiança de que as relações existentes seriam melhores e possibilitariam

uma humanização desses sujeitos, fazendo com que eles agissem como cidadãos.

13

Baseando-se mais uma vez na educação libertadora, dentro das concepções

trazidas por DAMKE (1995) e SANTOS (2000), vemos que é necessário abrir um

espaço para que a criança trabalhe a sua criatividade e sua curiosidade,

contribuindo assim para a criação de algo novo; mas tudo isso dentro de seu limite e

respeitando a sua identidade cultural, como já foi explicitado no começo deste texto.

FREIRE (2005) tinha a grande preocupação em promover não só a

emancipação cultural do indivíduo, mas também as emancipações social e

econômica. Entendemos que esta idéia refere-se ao fato que um ensino de

qualidade deve ser aquele que possibilita ao indivíduo se desenvolver dentro de

todos os aspectos da sua realidade, isto é, poder crescer e criar novos caminhos,

tanto cultural como econômico e social.

Falamos até aqui em como a libertação que promove mudanças na realidade

do homem pode ser oferecida, mas nos ficou a pergunta: qual é a verdadeira

realidade que deve ser transformada pelas mãos da população?

A esta questão nos vem a resposta: é a realidade que marginaliza e oprime

cada vez mais aqueles que não conseguem alcançar o que se é determinado como

ideal; é a realidade de pessoas a quem são negados direitos básicos como ser

cidadãos, homens capazes de contribuir com o mundo em que vivem, de não

poderem se tornar realmente homens; realidade que os tornam cada vez mais

submissos e calados diante de barbaridades que são cometidas contra os outros e

contra si próprios; é a realidade que políticos financiados pela elite não se

preocupam em oferecer saúde, educação, moradia de qualidade ao povo e doam,

na sua falsa generosidade (FREIRE, 2005), algumas migalhas que para quem não

tem nada muito significa, a fim de que este possa permanecer submisso sem que

atrapalhe os planos por eles idealizados. Falsa generosidade porque acreditam que

oferecendo um pouco de comida ou um lugar para passar a noite, já estão ajudando

estas pessoas a serem melhores.

A educação libertadora tem como principal função fazer emergir a

consciência da população, fazer com que ela se sinta dentro do mundo e não como

algo fora dele e que nunca poderá adentrá-lo, formar cidadãos críticos e democratas.

A partir do momento em que isto acontecer, estas pessoas saberão de seus direitos

e deveres, saberão cobrar aquilo que lhes é justo e poderão abrir os olhos de outras

pessoas, a fim de que possam lutar juntas. Torna-se necessário deixar claro que não

é só a libertação das classes menos favorecidas que é importante, mas que a partir

14

desta todos os outros segmentos sociais também se libertem econômica, cultural e

socialmente (DAMKE, 1995; SANTOS, 2000; FREIRE, 2005; VANCONCELLOS e

BRITO, 2006).

Fazemos aqui uma ponte entre MONTESSORI (2004) e FREIRE (2005), para

dizer que é preciso deixarmos de ser individualistas e egoístas, a ponto de vermos

somente o que nos interessa e esquecermos que fora de nosso pequeno mundo há

muitas pessoas vivendo e se esforçando para fazerem o mundo funcionar,

compreendendo que a libertação só ocorrerá quando todos trabalharem juntos.

Seguindo o pensamento desses dois autores (MONTESSORI, 2004; FREIRE,

2005), ratificamos a idéia de que não adianta acharmos que só porque não há

guerras declaradas estamos vivendo em paz, ou fazer revoluções com o propósito

de conseguir que alguns direitos sejam cumpridos, quando há ainda países que

impõem sua cultura a outros considerados como frágeis ou subdesenvolvidos; ou

líderes de lutas que impõem suas idéias àqueles que se dispõem a segui-los em prol

de uma solução satisfatória para todos.

Ousamos dizer que a partir do momento em que se der ouvidos aos apelos

dos oprimidos, seja qual for a forma como forem manifestados (revoluções,

violências e até mesmo o silêncio), fazer brotar a “fome de saber” em cada um,

desenvolvendo a partir de assuntos relacionados com as coisas que os cercam,

discussões que irão trazer conhecimento, poderemos dizer que a libertação terá sido

iniciada. Assim então começará a serem reconhecidos cidadãos exercedores da

democracia em todo e qualquer canto de nosso mundo.

Essa relação existente entre a educação, a democracia e a cidadania será

trabalhada no próximo capítulo.

Capítulo 2 – Democracia como condição para a cidadania e seu papel na

aprendizagem

No capítulo anterior discorremos sobre os aspectos que envolvem a

Educação Libertadora e como estes contribuem para as mudanças no sistema

educacional e para o desenvolvimento social.

Neste capítulo iremos estudar o papel desempenhado pela democracia em

dois contextos: junto à cidadania e à aprendizagem. Acreditamos que a partir do

momento em que as pessoas tomarem consciência da realidade na qual estão

inseridas e saberem se posicionar criticamente começaremos a viver em um mundo

digno, onde haja respeito a todos. Contudo, sabemos que este não é um processo

fácil de se colocar em prática.

Apesar de a todo o momento chegar aos nossos ouvidos falas de que

vivemos em uma democracia, reconhecemos que não é este o quadro que se

apresenta, pois políticos e ricos acham-se no direito de discriminar e agir com

preconceito diante das diferenças e dificuldades apresentadas pelos menos

favorecidos. Mas afinal de contas, o que significa as palavras democracia e

cidadania?

Seguindo as definições contidas no MiniDicionário Aurélio (FERREIRA, s/d),

podemos fazer a seguinte reflexão: a democracia trata-se do governo do povo,

idéias políticas baseadas no saber e distribuição igualitária de poder; e a cidadania

pode ser entendida como a prática dos direitos e deveres políticos e civis de uma

pessoa dentro de um Estado.

Essas definições nos fazem pensar se realmente vivemos em uma

democracia e se todos são vistos como cidadãos, já que a voz do povo não é

escutada pelos dominantes (políticos, banqueiros, empresários, etc.) a não ser pelo

voto, apesar de ser um enorme coro. Estes dominantes só atendem a questões que

são de seu próprio interesse, não nos representam, mas sim estão lá para

atenderem somente a seus interesses e para representarem aos magnatas que os

sustentam. Não há somente uma distribuição irregular de poder, mas de tudo o que

existe no mundo: dinheiro, alimento, educação. E onde está a população para

exercer seu papel de cidadão e exigir daqueles que prometeram saúde, educação e

segurança que cumpram suas promessas?

16

Assim como MIGUEL (2005), podemos pensar que os governantes não nos

representam a partir do momento em que se observa uma política direcionada

somente a interesses particulares. Com a constatação de que a população é

numerosa, e seria inviável que existisse um único representante para atender às

necessidades e demandas apresentadas pela sociedade, compreende-se que se

tornam necessários vários representantes para determinados grupos; porém o que

se observa muitas vezes é que os interesses atendidos são particulares e não visam

solucionar questões da população.

Seria necessário pensar em propostas que permitissem que esse ciclo fosse

interrompido, em que os governantes não atendem a seus governados e se

consideram como superiores em tudo, e um dos caminhos possíveis poderia ser que

os representantes dos grupos fosse alguém que vivenciou o cotidiano e realmente

conhece o que é preciso ser feito para melhorar as condições nas quais se

encontram (MIGUEL, 2005), mas isso não garante que esse governante agiria de

acordo com o interesse da população.

Acreditamos não viver em uma democracia verdadeira, pois assim como

aponta CABRAL (2003), a população desprivilegiada não é vista como integrante da

sociedade, que têm direitos a serem exercidos, mas somente deveres a serem

cumpridos; vivemos sim em um lugar em que quase tudo lhes é negado, inclusive

seu papel principal: o de cidadão.

Viver em uma democracia e ser cidadão não é somente ir votar, de quatro em

quatro anos, porque do contrário paga-se multa, em candidatos que aparecem na

televisão prometendo mundos e fundos que depois não são cumpridos e ninguém

exige que o sejam. Para nós, o que parece, é que é esta a idéia que se tem de

cidadão que vive em uma democracia.

Vemos também, assim como trazido por PINSKY (2003), a confusão que se

faz quanto ao conceito de cidadania, pois todos pensam só nos direitos e nunca nos

deveres. A população também acredita que quando alguém desrespeita alguma lei

ou regra todos têm direito de fazer o mesmo. É a velha questão: “Se ele pode, por

que eu não posso?”.

“(...) a democracia é mais do que um regime político; é a regeneração

contínua de uma cadeia complexa e retroativa: os cidadãos produzem a democracia

que produz cidadãos.” (MORIN, 2001:107). Entendemos, a partir desta frase, que a

democracia torna-se uma condição para a cidadania quando a população passa a

17

enxergar que faz parte do mundo em que vive e que este deve ser construído

através de seus esforços, e que a conseqüência desta atitude é existir cada vez

mais pessoas conscientes de seu lugar neste mundo. É preciso que todos se

percebam pertencentes a uma história e que quando se juntam todas elas

construímos a história de um país.

MORIN (2001) acreditava que a democracia deveria permitir que as pessoas

agissem em cima daquilo já construído, que colocassem suas idéias e, até mesmo,

entrassem em conflito, ocasionando uma maior produtividade de saberes. Pode-se

observar nisto que o governo democrático precisa estar sempre em movimento, ou

seja, pensando e repensando no que acontece, no que se faz, ouvindo o que a

sociedade tem a dizer, admitindo que todos são cidadãos.

Segundo PINSKY (2003), só viveremos realmente em uma democracia –

brasileira – quando todos se virem como cidadãos exercedores de deveres e

conhecedores (para poder exigir) dos direitos. Enquanto estivermos desorganizados

e não nos sentirmos responsáveis pelo que acontece em nosso país, a tão sonhada

democracia (a que faz jus ao seu significado) não se estabelecerá.

Relacionemos esta idéia com FREIRE (2005). Para ele é preciso juntar todos

e lutar por uma sociedade mais justa e mais consciente. Fazer uma revolução, sem

violência física, que seja capaz de chegar ao topo, onde se localizam os que se

acham mais importantes e fazer com que eles vejam o quanto precisam daqueles

que são desprezados. Esta revolução também nos remete à MONTESSORI (2004),

quando faz referência à paz desejada por todos, não à paz conseqüente do pós-

guerra, mas a paz em que todos são vistos como semelhantes, saibam respeitar as

diferenças existentes, não haja nem opressores e nem oprimidos, as crianças sejam

escutadas e onde se ofereça igualdade de condições.

Trazendo estas questões para a nossa realidade, vemos como movimento

mais expressivo em prol da democracia que ocorreu em nosso país, a luta contra a

ditadura militar.

CUNHA (1999) e FRANCISCO FILHO (2001) nos mostram como foi a luta da

população para que seus direitos fossem cumpridos, principalmente o direito de

exercer o poder político. Apesar de ter pessoas que utilizavam as armas para lutar

contra a violência praticada pelo governo militar, foram os movimentos ditos mais

pacíficos (passeatas, manifestações públicas, publicações em jornais, músicas) que

fizeram com que o povo vencesse a ditadura.

18

Percebia-se na população nesta época uma vontade política que não se vê

hoje. As pessoas tinham vontade de participar do poder, de ter condições para tomar

decisões que iriam ajudar a todos, e melhorar as condições de vida oferecidas. O

povo se uniu em torno de um ideal comum; todos tinham o mesmo desejo: poder ser

livre, ser visto como integrante da sociedade, sociedade esta que tem deveres a

serem exercidos e direitos a serem cumpridos, principalmente o direito de fazer parte

das tomadas de decisões.

Estes mesmos autores (CUNHA, 1999; FRANCISCO FILHO, 2001) trazem

uma discussão de como se deu o processo democrático dentro da educação.

Primeiramente cada partido tinha um ponto de vista, mas conforme os governos

foram sendo eleitos, as idéias e planos começaram a ser colocados em prática. Esse

caminho foi sendo seguido até que se chegasse à atual Lei de Diretrizes e Bases,

que propõe um ensino mais democrático.

Compreendemos, lembrando de PINSKY (2003) e FREIRE (2005)

novamente, que foi nessa época uma das vezes em que a população mais exerceu

sua cidadania, pois se uniram e lutaram por igualdade para todos, por isto foram

abrindo espaço para a passagem e estabelecimento da democracia.

Poderíamos aqui citar muito mais exemplos de desrespeito à democracia e à

cidadania além deste da ditadura, mas este não é nosso objetivo. Vemos como

sendo necessário, a partir de agora, analisar qual caminho seguir para que a

população entre em contato com a democracia e exerça seu papel de cidadão.

O principal e mais eficiente caminho seria o da educação. A educação, desde

que libertadora, poderia fazer, como dito no capítulo anterior, com que as

populações tomassem consciência de seu papel na sociedade e passassem a

desempenhá-lo de forma satisfatória para todos (DAMKE, 1995; FREIRE, 1999,

2005; SANTOS, 2000).

Concordamos, porém, com SAVIANI (1999) quando ele aponta que não se

deve depositar todas as esperanças na educação e achar que este é o único

caminho e determinante decisivo a ser seguido para que se estabeleça uma

sociedade inteiramente democrática. Ele nos traz que a educação é uma das

mediações da sociedade, já que elas estão estreitamente unidas e caminham juntas;

isto é, o conhecimento produzido através da educação reflete naquilo que é vivido

pelos indivíduos e o que é produzido pela sociedade reflete, ou pelos menos deveria

refletir, na educação.

19

Este autor mostra que a democratização do ensino não resulta na

democratização da sociedade automaticamente. É preciso que se forme um

processo pedagógico que tenha como ponto de chegada a democracia e a

igualdade, sendo que estes dois conceitos são tomados como uma conquista e não

como uma determinação. Acredita-se que a democratização do ensino, juntamente

com a democratização da sociedade, pode oferecer maiores oportunidades para que

outras práticas sociais sejam exercidas, caracterizando os cidadãos e a democracia.

Podemos pensar então no fato de a escola ser, primeiramente, um direito de

todos; deveria ter um currículo capaz de formar cidadãos conscientes e críticos de

seus direitos e deveres; oferecer às crianças uma educação de qualidade e

respeitosa (DEL PRETTE, 2002). Estamos dizendo isso porque ainda vemos, hoje

em dia, o preconceito existente com relação a alguns alunos, principalmente com

aqueles pertencentes a classes sociais menos privilegiadas ou aos que apresentam

alguma dificuldade ou necessidade especial.

ASSMANN (1998) nos diz que a escola deve ser vista e entendida como um

local onde se prioriza as vivências e propiciam a dinâmica do “aprender a aprender”

(p. 33), pois assim as relações tornariam-se mais flexíveis, possibilitando um

ambiente mais democrático. Compreende-se disto que a prática de aprender não

deve ter somente um sentido de direção, ou seja, não é só o aluno que está na

escola para aprender, mas o professor também deve estar aberto aos ensinamentos

que são trazidos para dentro das salas de aula pelos alunos.

Ao contrário disso, dentro de uma escola podem-se ver vários exemplos de

antidemocracia: professores autoritários, alunos que são proibidos de se

expressarem, separação entre os “normais” e “alunos-problema” etc (PATTO, 2000;

FREIRE, 2005).

A sala de aula deveria ser um local onde fosse permitido ocorrer discussões

sobre as regras das instituições escolares, o desenvolvimento crítico da consciência

dos alunos, de ouvir o que todos têm a dizer e criação de conselhos, que tivessem a

participação tanto de alunos como de professores, para tomadas de decisões

(MORIN, 2001).

Pensamos que a democratização do ensino se dá através das condições

equivalentes de aprendizagem que são oferecidas aos alunos, dando o devido valor

ao conhecimento que é trazido por essas crianças, dando espaço tanto para

educador quanto para educando poderem se expressar, ao invés de simplesmente

20

descartá-lo, obrigando as crianças a aprenderem o que é considerado como de real

importância (DAMKE, 1995; SANTOS, 2000).

Um ensino democratizado seria aquele em que o professor educasse seus

alunos de uma forma qualitativa, ou seja, que possibilitasse a expressão do aluno,

seu acesso ao conhecimento já produzido, que se colocasse à disposição de todos,

que fizesse nascer a consciência crítica em cada um, sem fazer diferença entre as

características apresentadas pelos educandos. Seria o ensino que aceitasse a

participação de todos os alunos e partisse de temas geradores com os quais eles

estivessem em contato e pudessem identificar a relação existente no seu dia-a-dia

(DAMKE, 1995, FREIRE 1996, 1999, 2005; SANTOS, 2005).

Mas o que são estes temas geradores? Eles podem ser compreendidos da

seguinte maneira: a alfabetização é feita a partir de palavras e assuntos que são

trazidos pelos alunos para dentro da escola; palavras e assuntos estes que

correspondem ao cotidiano vivido, correspondente à realidade na qual estão

inseridos e não onde outras pessoas gostariam que eles estivessem (FREIRE 1999,

2005; VASCONCELOS e BRITO, 2006).

A democratização do ensino começará a ocorrer, de acordo com alguns

autores da Educação Libertadora – Dussel, Gramsci, Fiori e Freire (citados em

DAMKE, 1995; SANTOS, 2000; FREIRE, 1999, 2005) – quando se deixar de lado a

idéia de que as camadas populares não têm nada que possa contribuir para o

processo educacional, já que seu conhecimento é limitado ao senso comum, e

passar a observar os pontos positivos e as contribuições importantes que estas

pessoas têm a fazer para a produção do conhecimento.

CUNHA (1999) também faz uma explanação quanto à democratização da

educação brasileira. Para ele, ao mesmo tempo em que a população, através de seu

voto, elege governantes que contribuem para o avanço da democratização, elege

políticos que fazem um retrocesso desse processo. Isto ocorre porque os candidatos

não apresentam planos que podem ser cumpridos de uma gestão a outra, muito pelo

contrário, cada um que assume o cargo tem suas próprias idéias e acabam não

seguindo pelo menos o mínimo do que já estava estabelecido e funcionando, não há

consistência nas ações.

Cremos que com esse quadro a escola perde uma de suas principais funções

que é formar cidadãos e, para que esse cenário mude, é preciso oferecer uma

educação democrática. De acordo com VASCONCELOS e BRITO (2006), podemos

21

entender que esta educação e o educador que a pratica permitem que os alunos

tornem-se seres conscientes, sabendo refletir e analisar criticamente o que

aprendeu, agindo como cidadãos.

Pensamos, a partir disto, qual é a relação existente entre a democracia e a

cidadania.

A afirmação trazida por DEL PRETTE (2002) quanto à noção de cidadania

nos diz que esta está intimamente relacionada com a democratização do ensino, ou

seja, que se deve oferecer a todos um acesso digno à cultura escolar, formando

pessoas que saibam se reconhecer como portadoras de direitos e deveres, respeitar

as diferenças e rejeitar as discriminações, e que sejam críticos e conscientes quanto

à sua participação na construção de sua história. A cidadania deve ser, portanto,

tema presente nas discussões realizadas pelos educadores, dando assim, o devido

valor à função social da escola.

Baseando-se mais uma vez na educação libertadora, dentro das concepções

trazidas por DAMKE (1995), FREIRE (1996, 1999, 2005), PINSKY (2003), SANTOS

(2000) e SEVERINO (1994), vemos que é necessário abrir um espaço para que a

criança trabalhe a sua criatividade e sua curiosidade, contribuindo assim para a

criação de algo novo, mas tudo isso dentro de seu limite e respeitando a sua

identidade cultural, como já foi explicitado no começo deste texto.

Percebemos como sendo de grande importância que haja participação de

todos (professores, alunos, comunidade e família) dentro da instituição escolar para

que as crianças possam compreender o que é ser cidadã e poder exercer a

democracia em todo e qualquer lugar que freqüentar. Quando se discrimina uma

criança, seja através de uma avaliação (assunto que será tratado mais adiante) que

só rotula, ou por puro preconceito, acaba-se por mostrar a ela que seu mundo não é

este, ou seja, espaço em que se têm condições para o desenvolvimento e que as

coisas existentes podem e devem ser criadas por elas, pois ela pertence a uma

classe social dita desprivilegiada e sem produção de conhecimento que a capacitam

para obter bons desempenhos (DAMKE, 1995).

Como dito no capítulo anterior, FREIRE (1999, 2005) tinha a grande

preocupação em promover não só a emancipação cultural do indivíduo, mas também

as emancipações social e econômica. Entendemos que esta idéia refere-se ao fato

que um ensino de qualidade deve ser aquele que possibilite ao indivíduo se

desenvolver dentro de todos os aspectos da sua realidade; isto é, poder crescer e

22

criar novos caminhos tanto culturais como econômicos e sociais e que, para isso

acontecer, é preciso que se ofereçam iguais condições para todos, que haja a

democratização do ensino e que estes indivíduos sejam conscientes da sua

realidade e ajam a cidadania. Isso não deve acontecer só com os alunos, mas sim,

deve ser oferecido a todos os que estão envolvidos no processo do conhecimento.

Este movimento deve ocorrer através do diálogo, que é a melhor forma de

comunicação e expressão que alguém pode apresentar.

DAMKE (1995) e SANTOS (2000) ressaltam a importância do diálogo dentro

da Educação Libertadora. Elas trazem que, através do diálogo, é que o sujeito se

permite conhecer e se faz conhecedor, pois ocorre uma troca de experiências e a

produção de conhecimento torna-se intensa. O diálogo deve permitir que todos

ocupem o mesmo lugar de quem ensina e de quem aprende, pois através da

consciência crítica, todos se reconhecem no lugar de transformador da realidade.

Partindo destas pequenas reflexões, pensamos: Como, então, deve ser a

escola freqüentada pelas crianças? Qual educação deve ser oferecida ao povo? Por

que este processo educacional emancipador não acontece?

Primeiramente, achamos necessário dar um breve esclarecimento do por que

a escola ainda não funciona como deveria e encontramos a resposta na história.

CUNHA (1999), PATTO (2000) e SAVIANI (1999) trazem a questão do fracasso

escolar como sendo resultado de uma produção histórica. A escola, primeiramente,

era destinada para poucos, somente à elite. Quando houve a necessidade de se

atender à nova demanda apresentada (filhos de operários provindos do subúrbio e

da zona rural) esta instituição não conseguiu adaptar o modo de ensino utilizado à

nova clientela. Isto causou muitos transtornos, principalmente às crianças que

começaram a ser rotuladas e discriminadas porque apresentavam dificuldades.

Surgiu então a Escola Nova, que tinha como proposta oferecer uma educação

de qualidade e democrática, mas não foi isto que aconteceu. As escolas públicas

não tiveram o apoio e não lhes ofereceram as condições necessárias para que este

tipo de educação fosse praticado. Novamente, o processo educacional considerado

o melhor, foi oferecido somente àqueles que poderiam pagar (SAVIANI, 1999;

BOCK, 2003).

Aqui no Brasil também houve outros fatos ocrridosque contribuíram para a

construção deste quadro, como demonstrado por CUNHA (1999). A cultura

educacional está enraizada na sociedade escravocrata, em que predomina o

23

preconceito e a exclusão por causa da raça e da posição social ocupada por cada

um. Ainda teve o período da ditadura militar onde se deu mais valor ao ensino

profissionalizante, deixando para as instituições particulares a função de cumprir um

currículo pedagógico. Os meios de comunicação em massa assumiram também a

função de educar a população, primeiro através dos rádios, depois os televisores e

por último a Internet.

Podemos ver em RONCA e COSTA (2002), um breve resumo deste trajeto,

onde os autores consideram que os meios de comunicação assumiram a função de

educar devido à necessidade crescente da sociedade em ter acesso ao

conhecimento existente. Para eles, as instituições de ensino devem assumir um

trabalho de democracia cognitiva, ou seja, o conhecimento não deve ficar restrito às

instituições e profissionais que o produzem, mas devem ser expandidos para toda a

sociedade. É exatamente neste ponto que surgem os meios de comunicação, pois

eles possibilitam o acesso a este saber, com o auxílio da tecnologia, que se

desenvolve rapidamente e acaba por exigir, assim como a sociedade, que o

conhecimento a acompanhe.

Contudo, os meios de comunicação devem ser utilizados como um recurso a

mais e não como única forma de ensinar. Voltamos a insistir que a escola deve ser

um espaço onde a criança sinta-se bem e acolhida, tenha certeza de que será

ouvida e poderá adquirir novos conhecimentos. É preciso que o processo

educacional leve em conta o contexto no qual a criança está inserida, que todos

tenham direito de aprender, indiferente da classe social a qual pertença ou de

apresentar alguma dificuldade, e que se estimule a curiosidade em conhecer; não se

preocupar em utilizar um método tradicional e que tragam resultados qualitativos

(muitas vezes falsos) e não quantitativos (DAMKE, 1995; SEVERINO, 1994;

FREIRE, 1996, 1999, 2005; CUNHA, 1999; SAVIANI, 1999; SANTOS, 2000;

PINSKY, 2003).

Já disseram FREIRE e FAUNDEZ (1985, citados em SANTOS, 2000) que se

faz necessária a estimulação da pergunta, ou melhor, que se estimule os alunos a

perguntarem, a exporem suas dúvidas, não se deve burocratizar o ato de perguntar,

mas sim reconhecê-lo como algo natural do ser humano. O ato de perguntar pode

ser relacionado com o diálogo, já discutido neste capítulo. As perguntas fazem parte

da ação de dialogar e permitem que aquele que as fazem tenha acesso ao saber e

24

aquele que responde reflita no que irá dizer. Perguntar é natural diante da

necessidade de sempre saber mais e utilizar este novo saber no cotidiano.

E por falar em cotidiano, acreditamos ser necessário trazer o que GRANJO

(2000) mostra sobre as contribuições das idéias de Agnes Heller para a educação,

mesmo que ela nunca tenha se dirigido especificamente a essa área. Fazemos uma

ponte entre o cotidiano, tão estudado por Heller, com a Educação Libertadora, já que

esta propõe que sejam dados ouvidos ao que é trazido pelas crianças, que o

processo educativo seja planejado em cima da realidade destas crianças e com isso

se liberte de sua condição de seres dominados.

Segundo esta autora (Heller, apud GRANJO, 2000), cada pessoa já nasce

com um cotidiano determinado, isto é, cada um nasce em uma camada social que

possui um cotidiano específico que não deve ser ultrapassado, esse ser já nasce

condenado à alienação. Somente o contato com a totalidade permitirá que esta

alienação não seja permanente, isto é, alguém que pode agir e transformar o mundo

que está a sua volta. É aqui que podemos ver mais uma ligação com a Educação

Libertadora, que traz a idéia de que o indivíduo precisa reconhecer esta alienação e

se ver como alienado, para que passe a agir criticamente na tentativa de

transformação a realidade em seu benefício (VASCONCELOS e BRITO, 2006).

Heller (citada em GRANJO, 2000) também compreende a escola como sendo

um espaço de reprodução da cultura dominante, e é isso que chama tanto a atenção

dos educadores, já que ela critica esta prática reprodutiva e defende que se

disponibilize a todos um contato com tudo o que há no mundo, na realidade deste,

fazendo com que o homem se torne um ser total.

Partindo disto, acreditamos que se tem que ter em mente que a educação

deve ultrapassar os muros da escola, que as crianças que ali estão sejam capazes

de “contaminar” familiares, colegas e comunidade a pensar criticamente a situação

que estão vivendo e que consigam, quando necessário, alterar esta realidade.

Em “Educação como Prática da Liberdade”, FREIRE (1999) nos mostra o

quanto é importante começarmos a desalienação cultural que já faz parte de nossa

história, isto é, devemos começar a olhar para dentro de nosso mundo, dar valor ao

que é produzido aqui e por essa gente tão humilhada, sofrida e marginalizada. Diz

ele que isso só será possível quando se deixar de lado a educação massificadora,

que tem como objetivo ensinar a população a ficar quieta e aceitar tudo que lhes é

dito, sem questionar ou fazer relação com o que se passa em sua vida, e

25

começarmos a praticar a educação libertadora, onde todos terão um processo

educacional que lhes permitirão tomar consciência de sua realidade e serão críticos

o suficiente para transformá-la.

Pensando nesta questão de se valorizar o que é produzido pela própria

população, acreditamos ser necessário refletir sobre como são vistas as instituições

públicas, principalmente a escola e como o trabalho é desenvolvido pelo e para o

povo.

DAMKE (1995) e GUZZO (2005) trazem uma discussão acerca do quão

pública é uma escola do Estado. Que escola pública é esta onde o currículo

pedagógico é elaborado por uns poucos que se consideram acima daqueles que irão

usufruir o ensino oferecido? Este quadro nos impede de considerar esta instituição

como pública realmente, já que não há nada dentro dela, ou melhor, não há nada

que é passado ao aluno que faça parte da sua comunidade, da sua realidade.

“Em nosso entendimento, não temos, ainda, uma escola pública,

enquanto instituição destinada a todos, à coletividade, a quaisquer

pessoas, portanto, às camadas populares, como designa o vocábulo

em questão” (DAMKE, 1995: 136).

Com esta citação conseguimos entender porque a educação oferecida não

pode ser considerada democrática e a real importância desta democracia dentro do

processo de aprendizagem. A preocupação que se tem é de formar pessoas

passivas que são comandadas por uma pequena elite (que são oriundas de escolas

particulares), e que estes comandos sejam dirigidos a interesses desta elite.

Entende-se que seja necessário ter discussões que tragam caminhos a serem

seguidos e que atendam às necessidades apresentadas pela população que se

utiliza desta instituição; é preciso permitir a participação da comunidade nas

decisões e críticas a serem relacionadas com a escola pública; oferecer formação

continuada e condições de trabalho dignas a todos os funcionários inseridos no

processo educacional, independente do nível de ensino. A partir do momento em

que toda a sociedade tiver efetiva participação na educação, a escola poderá ser

considerada como pública, e não somente mais uma instituição estatal (DAMKE,

1995).

26

Segundo CUNHA (1999), há algumas condições, que se cumpridas,

contribuem para a construção de uma escola que seja pública e democrática. Dentre

elas podemos citar: formação adequada e atualização contínua de professores;

destinação de recursos públicos específicos para educação; estabelecer relações

produtivas entre professores, alunos e pais; remuneração satisfatória aos

professores a fim de atrair e manter pessoal qualificado; acabar com a dominação

tecnoburocrática das administrações, fazendo com que haja uma continuidade no

plano educacional, mas procurando manter certa independência do governante.

Se houver um empenho de todos os envolvidos com a educação (desde os

governantes até a comunidade que se utiliza da instituição escolar) em seguir estes

caminhos, acreditamos que realmente poderemos dizer que existe uma escola

pública em nosso país, onde todos sejam considerados como cidadãos e exercem a

democracia, sem utilizar-se de instrumentos capazes de excluir os diferentes.

Não podemos deixar de citar, quando se fala em exclusão, a questão da

avaliação. GIMENES (2006) faz uma breve retrospectiva de como foram ocorrendo

as transformações durante o processo de avaliação, desde os anos 20 – quando a

única preocupação era com os valores numéricos atribuídos aos indivíduos

avaliados sem considerar as características pessoais que eles apresentavam – até

os dias de hoje, em que se espera que haja uma relação entre avaliador e avaliado

que permita a participação de todos neste processo, mas não deixando de lado a

técnica e o cientificismo que garantem a validade dos resultados obtidos. Esta

relação mais próxima entre todos os envolvidos no processo de avaliação possibilita

que sejam levados em consideração aspectos como o humano, o social, o

econômico; isto é algo que não acontecia anteriormente. Entendemos que a

avaliação é um processo necessário, já que seus resultados são indicadores para se

pensar em como um trabalho foi e pode ser desenvolvido.

Diante disto podemos fazer uma relação com a avaliação utilizada na escola,

pensando a partir das idéias da Educação Libertadora. DAMKE (1995) e SANTOS

(2000) nos mostram como Freire e Gramsci vêem a avaliação. O primeiro entende

que a avaliação deve levar em consideração quanto do conteúdo aprendido foi

capaz de alterar como o aluno vê o mundo e como isto o torna capaz de agir em

busca da transformação social e da realidade na qual está inserido. É preciso que

este processo avaliador seja contínuo, a fim de que possa ser demonstrada a

evolução de cada um diante desta transformação. A avaliação deve permitir que

27

ocorra um crescimento tanto do educador quanto do educando, que estes se

libertem e tornem-se sujeitos críticos (VASCONCELOS e BRITO, 2006).

Gramsci (apud SANTOS, 2000) não faz oposição quanto às provas e ao

método de avaliação utilizado. Ele discorda quando esta avaliação é usada como

barreira social aos menos privilegiados. Diz que dentro da escola não deve existir

uma atitude paternalista e sentimento de pena, mas sim que se ofereçam condições

dignas para que essa classe desfavorecida possa estudar e passar nos exames por

esforço próprio, e não porque houve facilitação.

Com isto entendemos que a avaliação não deve ser utilizada como

instrumento de opressão e de rotulação das pessoas. Não se deve deixar de avaliar

o que o aluno aprendeu, mas devemos deixar de lado a preocupação exclusiva com

os números, com a quantidade de conteúdo que foi passado em sala de aula, se o

cronograma foi cumprido não importando de que forma; é preciso verificar o que foi

assimilado pelo aluno, o quanto o conhecimento adquirido irá auxiliá-lo na sua vida e

na sua relação com os outros.

É preciso que a escola trave uma luta contra-hegemônica, isto é, que pare de

formar pessoas que serão apenas mais uma na multidão, que não conseguirão agir

criticamente e, o que é pior, não terão consciência disso (SANTOS, 2000). Como já

dito muitas vezes no decorrer deste texto, os menos privilegiados devem começar a

se ver como participantes da história, de que têm como contribuir com a construção

e com a transformação da realidade em que vivem.

De acordo com SAVIANI (1999), as pessoas pertencentes à classe menos

favorecida também precisam entrar em contato com a cultura dominante durante a

sua educação, para então poderem pensar criticamente a realidade e poder

transformá-la em prol de sua luta.

DAMKE (1995) nos diz que pensar uma sociedade democrática, livre, onde

todos sejam respeitados pelo que são e pelo que fazem e que estejam de acordo

com a ética, cultura e momento histórico que regem cada um, é algo muito antigo,

um objetivo sempre a ser alcançado, que, infelizmente, até hoje não foi cumprido.

Atrevemo-nos a dizer que este objetivo só será alcançado quando a escola

exercer sua função de formar cidadãos conscientes, de ensinar a solidariedade e a

coletividade, de dar ouvidos aos considerados como diferentes, a não violentar seus

alunos. Contudo, entendemos que este não é um caminho fácil a ser percorrido, por

vários motivos: nossa sociedade prefere dar valor ao ter do que ao ser; os

28

dominantes vão continuar sempre querendo estar nesta posição e não irão admitir

nunca dividir o seu poder com aqueles que até então eram dominados por eles. Será

somente através da libertação que este quadro poderá começar a ser mudado.

GUZZO (2005) diz que a educação não deveria contribuir para que seus

alunos fossem incluídos no processo educacional para depois serem excluídos por

apresentarem diferenças. Torna-se necessário que, dentro da escola, se construísse

condições e desse base para que uma transformação social ocorresse, partindo do

cotidiano apresentado por aqueles que se utilizam deste serviço, promovendo uma

relação que tivesse como principal ponto a coletividade.

As práticas escolares que se apresentam hoje em dia são aquelas que

promovem o individualismo e reproduzem a situação de opressão na qual a

sociedade se encontra. É preciso que dentro das escolas se cultive o diálogo e a

solidariedade, atitudes que irão gerar conhecimento e reconhecimento social; e isto

só irá acontecer quando todos os envolvidos com este contexto e com as práticas

educacionais trabalharem juntos (DAMKE, 1995).

De acordo com BOFF (1999), as pessoas precisam tomar consciência do

mundo em que vivem e passarem a cuidar deste local, do planeta Terra, cultivando

sua solidariedade, e agindo em conjunto com todos os seres, saber praticar este

cuidado.

Os dominantes fazem de tudo para que os dominados continuem sem saber

que têm este poder, vão continuar a oferecer um método educacional alienante, em

que a cultura e o contexto no qual estão inseridos não sejam respeitados, e o

individualismo seja cada vez mais exaltado e praticado.

Com todas estas questões pontuadas, achamos interessante fazer uma

relação com o conto de James Agrey (citado em BOFF, 1997): “A Águia e a

Galinha”. Trata-se de quanto a alienação de um ser é capaz de afetar seu

desenvolvimento e a prática de atividades que lhe são naturais – no caso a águia

acredita ser uma galinha e, portanto, incapaz de voar. A partir da metáfora, apesar

de ser apresentada anos atrás, é possível identificarmos que a alienação das

ideologias que dominam o cotidiano e o não reconhecimento das potencialidades

ainda fazem parte da nossa realidade. Pode ser considerado um aviso de que é

necessário “tornar-se e reconhecer-se águia” para o início da transformação. Ou

seja, compreender que cada pessoa possui capacidades e habilidades a serem

desenvolvidas e que isto contribui para o desenvolvimento de toda a humanidade,

29

não unicamente para a pessoa. Desta forma, haverá o respeito às diferenças

individuais sem distinção.

Compreendemos como sendo de real importância ressaltar que a intenção

deste capítulo não era trazer respostas às indagações, confusões e aflições do

mundo e da sociedade, mas sim fazer com que cada um formule suas próprias

reflexões sobre a realidade. A partir do momento que todos nós nos vermos como

participantes deste processo democratizador, passaremos a agir como cidadãos e

poderemos viver em uma sociedade melhor, onde se respeitem as diferenças e

todos sejam ouvidos. Porém, quem poderá iniciar este processo? Esta pergunta será

trabalhada no capítulo seguinte.

Capítulo 3 – Formação e Atuação do Professor/Educador

Até agora falamos sobre a importância de se oferecer a todos, em especial às

camadas menos favorecidas, uma educação de qualidade e que possibilite uma

visão crítica da realidade na qual estão inseridos, a fim de que se possam ocorrer

transformações pertinentes e que beneficiem a todos, sem exceção.

Durante este trabalho foram feitos alguns questionamentos que pretendiam

fazer com que uma maior reflexão sobre o assunto se tornasse possível, por isto que

o capítulo anterior foi encerrado com uma pergunta: “quem poderá iniciar este

processo de democratização e formação de cidadãos?”.

Para tentar responder esta pergunta, precisamos pensar sobre quais são as

instituições e os profissionais que estão envolvidos neste contexto, e a primeira

coisa que nos vem à cabeça são as escolas e os professores, pois estão em contato

direto com a população e, pode-se dizer que, a serviço deles; não nos esquecendo

de que a atuação de todos deve estar embasada pela pedagogia da libertação, que,

como já foi dito, pretende que o aluno torne-se um indivíduo autônomo e conhecedor

de sua identidade histórica através da mediação exercida pelo professor que se

reconhece como educador e aprendiz.

SANTOS (2000) nos traz que para uma escola democrática ser constituída,

com ensino de qualidade, depende da capacidade e da habilidade do educador de

cativar alunos e outros componentes da comunidade escolar; de expressar seu

compromisso político, demonstrando uma nova visão do mundo e articulando

reivindicações de todas estas pessoas com o poder público, possibilitando assim um

funcionamento escolar competente e exercitando a cidadania.

Entendemos com esta idéia que não basta somente o professor entrar em sua

sala de aula e acreditar que todos os alunos irão compreender e acatar seus

mandos e desmandos, muito pelo contrário. O professor precisa saber que ali estão

pessoas diferentes, com capacidades e habilidades diversas, que fazem parte de um

contexto histórico e que também precisam ser ouvidas. Não se deve ver o aluno

como um ser isolado do mundo sem nada para contribuir.

Além do aluno, a comunidade também deve ser ouvida, pois como uma

instituição social que conta com o trabalho de profissionais sociais, a escola e seus

agentes educadores precisam estar ligados com o que acontece à sua volta para

31

poder aprender e ensinar, constituindo, assim, uma nova e melhor sociedade a

todos.

Mas onde está a raiz deste problema?

Como já foi dito nos capítulos anteriores, os professores não estavam

preparados para receber a parcela oprimida da população, que nunca havia

freqüentado a escola. Eles acreditavam que os alunos deveriam estar preparados

para receber todas as informações e conhecimentos que haviam para serem

repassados a eles, não havendo uma adaptação por parte da escola à cultura e aos

valores que eram apresentados por estes alunos, mas sim o contrário disso (PATTO,

2000). Até hoje podemos ver este quadro dentro das escolas, pois não há

preocupação com o conteúdo que é passado aos alunos, isto é, o que se vê é a

reprodução do conhecimento dominador existente e não há interesse em se

produzirem novos saberes e ouvir o que os alunos e a parte da sociedade oprimida

têm a dizer.

Acreditamos que esta situação não mudou porque os professores continuam

a acreditar que os alunos são meros receptores de conhecimento, tendo que

permanecer mudos e imóveis dentro das salas de aula só ouvindo o que é dito sem

dar opinião ou contribuir para o processo de aprendizagem. Muitas vezes, ou

melhor, na maioria das vezes, a única coisa que é realmente importante é a

quantidade de conteúdo que foi passada e não o que foi aprendido e apreendido

pelos alunos.

Um dos requisitos necessários para que se comece a alterar este quadro

opressor e desigual dentro das escolas é que o professor também receba uma

formação crítica e que esteja aberto para enfrentar as dificuldades existentes,

compreendendo que é imprescindível que essa formação seja constante (DAMKE,

1995). Os professores precisam ser conscientizados e formados para atuar

criticamente, com uma opinião política consistente e procurando, juntamente com

seus alunos, transformar a realidade.

A formação permanente dos professores é garantida pela Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional de 1996, que, em seu Título VI trata sobre a formação

de todos os agentes educativos.

Apesar de esta lei ser recente, a formação contínua dos professores não é um

assunto novo. Dizemos isto porque desde há muito tempo que se deposita neste

profissional a esperança de melhorar o ensino oferecido pelas escolas; é claro que a

32

atuação desempenhada pelos professores contribui muito para o desenvolvimento

do processo educativo, mas não se deve delegar a ela a culpa exclusiva pelo

fracasso (SOUZA, 2002). Compreendendo isso, é que consideramos importante

discutir um pouco esta formação, para que seja possível conhecê-la e pensar em

caminhos a serem seguidos.

Esta formação deve ser constituída pelo curso denominado Normal Superior,

que veio para substituir o antigo Magistério; e cabe às instituições que se destinam a

oferecer este curso zelar para que a qualidade do ensino e oferecer a formação

permanente não só aos docentes, mas também a todos os profissionais da

educação independentemente do nível (fundamental, médio ou superior) em que

eles atuam.

No artigo 67 da LDB podemos ver que os profissionais podem requerer

licenças para que procurem aperfeiçoamento e que, dentro de sua carga horária,

deve ser contado o tempo que utilizam para planejamentos, avaliação e estudos.

Quanto às disciplinas que devem ser ensinadas em um curso de formação de

professores, ALMEIDA JR. (2000) propõe que estes profissionais devem ter

conhecimento sobre matérias que possibilitem um entendimento do ser humano de

uma forma pedagógica, tais como filosofia, psicologia, antropologia, dentre outros

saberes. É preciso também que tenha conhecimentos específicos sobre sua área de

atuação, mas não que se considere isto como o principal, pois ele deve estar sempre

procurando se aperfeiçoar e treinar.

Além disto, este mesmo autor traz que os educadores necessitam

acompanhar o avanço da sociedade, isto é, ter conhecimento de pelos menos o

básico sobre informática e saber alguma outra língua, não descartando o português,

que permite um discurso correto e coerente durante as exposições.

Disciplinas como antropologia e o estudo sobre as diversas culturas podem

ajudar que o professor crie uma idéia mais crítica e democrática sobre as diferenças

existentes, mudando assim sua mentalidade (BRANCO, 1990).

Juntando a isto, este profissional precisa estar ligado com os acontecimentos

sociais, históricos e econômicos do mundo, em particular da comunidade na qual

está inserido, para que possa lidar com a realidade que será apresentada por seus

alunos (ALMEIDA JR., 2000).

Ainda dentro da formação dos professores, CROCHICK (2005) e SILVA

(2005) discorrem sobre o preconceito existente, tanto do indivíduo quanto do

33

profissional. O preconceito é algo que se aprende desde cedo, são valores que

estão enraizados na cultura do povo. O que se espera é que haja uma sociedade

hegemônica, onde aqueles que apresentam características diferenciadas são

considerados como não aptos a participarem do grupo e precisam ser capacitados

para isto.

Segundo MEIRA (2003), o preconceito é algo que está presente na sociedade

e não somente em uma pessoa, ou seja, quando há preconceito direcionado à

determinada característica, ele não existe em um único indivíduo, mas sim em pelo

menos um grupo; e para que ele seja combatido é preciso que se realize um

trabalho com todo o grupo e não com um só sujeito. A escola é um espaço

importante, pois as atividades desenvolvidas neste espaço, demonstram marcas

deste preconceito que deve ser combatido.

O que compreendemos é que, sob o olhar do preconceituoso, não há o que

fazer com aquele que sofre o preconceito, pois ele já está rotulado e estigmatizado,

a única coisa que lhe resta é cumprir as ordens dadas por seus opressores. Não há

espaço para que eles se expressem e lutem para mostrar que não aceitam o

preconceito que lhes é destinado. Esse quadro é algo que já está enraizado, e que

só através da conscientização, tanto do que exerce o preconceito como daquele que

o recebe, começará a diminuir.

Considera-se como um dos efeitos do preconceito, o autoritarismo, já que

aquele que se considera como superior sente-se no direito de se impor sobre aquele

que é considerado como inferior, sem dar chances para que este se defenda

(CROCHICK, 2005).

Dentro da sala de aula é exatamente isto que acontece, já que o professor se

vê como alguém superior e detentor de todos os saberes, que tem que agir com

autoridade sobre aqueles pequenos seres que se “atreveram” a sentar a sua frente e

fazer alguma pergunta. Além disto, estes seres não fazem parte do mundo e da

realidade da qual o professor pertence e que não foi preparado para encarar

(PATTO, 2000; FREIRE, 2005).

Apesar de os novos Parâmetros Curriculares Nacionais proporem que seja

dada maior importância às questões como educação para a cidadania, educação e

valores, educação e inclusão social, educação e preconceito, entre outros (SILVA,

2005), compreendemos que na prática isto não é feito e a urgência com que

deveriam ser tratadas, mais uma vez, é deixada de lado.

34

Uma outra questão que deve ser trabalhada e que tem tudo a ver com os

aspectos até aqui citados é a relação professor-aluno.

“A relação aluno-professor não é horizontal, mas baseada na autoridade

intelectual e na direção do docente. Essa autoridade deve estar revestida da

humildade de quem se sabe aprendendo também e no respeito mútuo” (SANTOS,

2000:87).

Antes de qualquer coisa é preciso que os professores conheçam a si próprios,

precisam ter uma idéia formada sobre si mesmo, para que possam assim

reconhecer os outros como seres sociais também (BRANCO, 1990), pois este é um

dos caminhos para se começar a estabelecer uma relação democrática.

Os professores e alunos devem estabelecer uma relação em que todos

possam ensinar e aprender, em que haja troca de informações e a curiosidade

possa ser exercida. Não se pode deixar que o professor continue a agir como

autoritário, dizendo que só o que ele sabe é importante e seja considerado como

verdade absoluta, deixando de lado tudo o que o aluno tem para contribuir com o

processo de ensino-aprendizagem, isto é, expressar o conhecimento que ele tem,

aquilo que seus valores e sua cultura representam em sua vida e que, com tudo isto,

possui algum conhecimento que é capaz de contribuir para a construção de algo

novo. Cabe ao educador ensinar os alunos a partir do que é trazido por estes, e com

isto aprender também. Precisa-se valorizar o que faz parte da cultura e os valores

trazidos e que cercam a escola em determinada comunidade, para que assim o

autoritarismo deixe de existir e dê espaço para que a democracia comece a ser

exercida (DAMKE, 1995; FREIRE, 1996, 1999, 2005; SANTOS, 2000).

Há muita confusão quanto se pensa em autoridade já que, os professores, por

exemplo, acabam agindo com autoritarismo com seus alunos. Em um diálogo que foi

realizado entre Ilca VIANNA, Leide Mara SCHMIDT, Maria José Milharezi ABUD,

Marina Holzmann RIBAS, Marlene Araújo de CARVALHO, Neide de Aquino NOFFS,

Paulo FREIRE e Sonia Aparecida ROMEU no ano de 1988 e publicado no livro

“Disciplina na escola: autoridade versus autoritarismo” (1989), podemos

compreender que esse autoritarismo é reflexo da cultura opressora existente em

nosso país, pois como se sabe os negros obedeciam aos brancos, depois o

proletariado devia satisfações para os patrões, pais que comandavam a vida de

seus filhos, e por fim alunos submetidos a professores. Não se tem a preocupação

em explicar para aqueles que são submetidos a algumas regras o porque elas

35

devem ser cumpridas, muito menos lhe permitem discutir essas imposições,

somente lhes é dito que elas precisam ser cumpridas.

Dentro das escolas vemos isso com muita freqüência, já que os alunos têm

que obedecer aos professores, que obedecem aos diretores, que obedecem às

Secretarias, etc. e muitas vezes nenhum destes personagens entende o porquê

estão cumprindo determinada ordem.

Neste mesmo livro (D’ANTOLA, 1989.), Paulo Freire diz que a autoridade é

uma das condições para a liberdade, já que os indivíduos tomam consciência de

seus atos e conseqüências destes e compreendem que há regras que precisam ser

cumpridas para que haja um bom funcionamento social e se estabeleça uma relação

de respeito e confiança.

Cremos que uma das conseqüências do autoritarismo pode ser a indisciplina,

pois esta pode ser apresentada como um meio de burlar essa opressão sofrida.

Segundo SCHMIDT, RIBAS e CARVALHO (1989) fica difícil para o aluno

compreender a disciplina que se espera que ele apresente dentro da sala de aula,

sendo que os professores se preocupam somente em trabalhar em cima da

indisciplina que eles demonstram. Não se valoriza quando o aluno é disciplinado,

somente se dá atenção àquele que não cumpre as regras e não aceita os limites

impostos; a este é atribuído todos os olhares, na tentativa de solucionar, ou desistir,

do problema.

Uma boa disciplina é aquela que causa um efeito tanto individual quanto

social na pessoa, ela cria para si sua autodisciplina e passa a aplicá-la em outros

contextos nos quais está inserida. Como dito anteriormente, o indivíduo precisa

compreender e ser conscientizado sobre as normas e regras que tem a seguir, e não

simplesmente obedecê-las (SCHMIDT, RIBAS e CARVALHO, 1989).

Em DAMKE (1995) podemos ver que, para Paulo Freire, uma boa atuação

desempenhada pelo professor parte de uma de suas mais importantes funções, que

é problematizar. Isto significa permitir ao aluno pensar e agir criticamente, chegando

por si próprios a conclusões que devem ser tiradas do conteúdo que é ministrado em

sala de aula, que parte de seu cotidiano e não só ficar ouvindo o que o professor

tem a passar para eles. É preciso que o aluno pratique o pensar crítico, e não há

melhor lugar do que a escola para que isso aconteça, desde que esta se abra para

ouvir o que esses alunos têm a dizer e a mostrar do seu próprio mundo (cultura,

valores, comunidade).

36

Estes dois personagens (professor e aluno), se assim podem ser chamados,

devem, juntos, refletir e chegar a uma compreensão da realidade (que deve

ultrapassar os muros da escola), não cabe somente ao professor dizer o que sabe

ao aluno e a este, acatar. Os alunos precisam ser despertados para a vontade de

buscar, de conhecer e de pensar sobre sua realidade, agindo assim, criticamente,

isto é, refletindo sobre o que está acontecendo e conseguir pensar em algo que

contribua para a melhoria da situação (DAMKE, 1995).

Segundo FREIRE (1993), os professores precisam ter consistência do que

dizem, cumprirem com a palavra que dão aos alunos, pois eles não podem exigir

que esses educandos ajam coerentemente se eles – professores – não agem assim.

Algumas vezes o professor acaba falando algo e depois age de forma contrária,

fazendo com que o aluno desacredite no papel desempenhado por este profissional.

Não adianta somente falar que a relação estabelecida será democrática e baseada

no diálogo se, na prática, o que impera é o autoritarismo e a vontade do professor,

conhecedor de tudo e de todos.

O educador que age dessa forma, dando ouvidos a seus alunos e abrindo

espaço para a participação de todos, não reproduzindo o conhecimento da minoria

dominante, é conhecido como educador democrático, libertador ou progressista

(DAMKE, 1995; SANTOS, 2000; VASCONCELOS e BRITO, 2006).

DAMKE (1995) e SANTOS (2000) apresentam bem claramente qual a

diferença entre o educador conservador (também conhecido como educador

tradicional) e o educador progressista. O educador tradicional se preocupa em

reproduzir e preservar a cultura dominante, não deixa que o aluno participe do

processo de ensino-aprendizagem, não se deixa envolver com as questões sociais

relacionadas com o contexto escolar e de seus alunos. Ele continua a agir com

autoritarismo, sem dar valor aos fatos e acontecimentos que vêm de fora de seu

mundo, considerados por ele como o correto e o perfeito. A sua única preocupação

é cumprir o currículo proposto por esta mesma elite dominante.

Já o educador progressista procura atuar de forma realmente democrática, ou

seja, se preocupa em passar a seus alunos o conteúdo programático necessário,

mas não deixa de lado a compreensão crítica que deve fazer parte da vida de cada

um. Através do diálogo, ele estabelece com este aluno uma relação humana e se

abre para ouvir o que o aluno tem a dizer e aprende com isto também, permitindo

37

que ocorra uma troca de informações, fazendo com que cada um crie a sua

autonomia (DAMKE, 1995; SANTOS, 2000; VASCONCELOS e BRITO, 2006).

Sua preocupação é que professor e o aluno “pensem certo”, isto é, que

possam intervir e conhecer o mundo em que vivem, pois são sujeitos históricos e

participantes desta realidade. Este novo conhecimento produzido tem a missão de

substituir o velho, mas não se considera como o absoluto, permitindo ser substituído

por outro que possa vir a ser produzido no futuro não distante (FREIRE, 1996).

O professor deve ter sim sua autoridade, mas saber diferenciá-la do

autoritarismo. Dentro da sua autoridade, ele deve ter consciência de que agir

democraticamente é o melhor caminho (SANTOS, 2000). Cremos que a autoridade

seja importante para se manter o respeito entre todos, mas não para estabelecer um

abismo entre professor-aluno. Acreditamos que se o professor passar a agir deste

modo ele se reconhecerá e fará com que os outros o reconhecem como um ser

social, histórico e que sabe compreender as questões apresentadas por outros

indivíduos e seu contexto, neste caso pelos alunos.

CARO e GUZZO (2004) trazem esta questão do educador ser reconhecido, e

mais importante, se reconhecer como um profissional social, isto quer dizer que o

educador tem que estar realmente comprometido com a realidade da sociedade, que

assuma sua responsabilidade social e trabalhe para que ela seja mudada. Contudo,

este trabalho não deve ser somente de “fachada” , como se diz, tem-se que “por a

mão na massa” e engajar-se para que a transformação seja realmente concretizada.

Cabe às instituições formadoras destes profissionais e as que, futuramente os

contratam, mudarem seus conceitos dominantes e que também assumam esta

responsabilidade social com a comunidade a qual pertence. Acreditamos ser

necessário fazer aqui uma discussão de como o professor é reconhecido por seu

trabalho: Os salários pagos são realmente justos? As condições de trabalho são

favoráveis? Os professores estão preparados para lidar com esta realidade tão

diferenciada da sua? O que é oferecido de atualização? O quanto se gasta com

educação?

Novamente podemos, ou melhor, devemos, nos respaldar na LDB que, em

seu artigo 67 determina que o profissional da educação deve ser valorizado em seu

trabalho, desde o salário que recebe por seus serviços até as condições de

trabalhado que lhe são oferecidas.

38

Recorrendo a SOUZA (2002) e PINSKY (2003), podemos refletir sobre estas

questões. O que vemos são professores que mal sabem o nome de seus alunos,

pois são obrigados a trabalhar os três períodos para se sustentar, em escolas

diferentes que são localizadas em bairros distantes, cada um com sua realidade

própria. Eles não conseguem realizar um trabalho específico, pois não conhecem,

como deveriam, a comunidade para a qual presta seus serviços.

Sabemos também que o material disponível e as instalações escolares não

são favoráveis para que um bom trabalho seja desenvolvido, pois faltam gizes,

livros, condições físicas da escola para recebem professores e alunos.

Os livros são um outro ponto a ser pensado, já que a maioria custa caro e, por

mais incrível que pareça, nem sempre os educadores têm acesso a este material.

Os livros de mestres não possuem atualizações e só se diferenciam dos livros

utilizados pelos alunos pelas respostas acrescidas (PINSKY, 2003).

É inegável que melhorias têm sido apresentadas (computadores, capacitação

de profissionais, etc.), mas elas não foram capazes de conseguir fazer com que a

qualidade do ensino oferecido fosse o desejado. Nem sempre estes novos recursos

chegam às escolas, então, os professores são obrigados a enfrentar dificuldades

que não esperavam: alunos que não se interessam pela matéria; outros que estão

envolvidos com tráfico de drogas; não há respeito mútuo; etc. Estes dados não são

divulgados pela Secretaria da Educação, já que esta se preocupa em demonstrar

para a sociedade o quanto a evasão escolar e a repetência diminuíram, por exemplo

(MANSO, 2001).

Quanto aos gastos em educação, o que podemos pensar depois da

explanação feita acima? Há gastos com educação? De acordo com a LBD, a União

não pode investir menos que 18% de sua receita em educação e, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios devem disponibilizar a quantia de 25% de suas

receitas. Como se pode ver, na lei há a quantidade que se deve gastar com a

educação, mas infelizmente isto ainda não é o suficiente para que o ensino ganhe

qualidade.

Como se espera uma educação de qualidade, quando os materiais

disponibilizados não conseguem fazer com que alunos e professores se interessem

pela escola, dizendo que assistir à televisão é muito mais interessante; se não se

investe na formação permanente de professores; trazer para as discussões dentro

das salas de aula o cotidiano vivido pelos alunos?

39

Não podemos esquecer também do que PATTO (2000) ressalta quando

mostra que desde a inserção das camadas populares, ditas menos favorecidas, na

escola, os professores não foram preparados para encarar uma outra realidade,

muito mais sofredora do que a sua. Por isto pode-se dizer que eles não conseguem

compreender ainda que há alunos sem condições de adquirirem material básico,

condições de higiene, entre outras coisas, já que se deparam com uma realidade

que não corresponde com a sua e não foram preparados em sua formação para

encararem-na e contribuir para a sua modificação.

Estes profissionais precisam ser capacitados para lidar com este quadro e

compreenderem que cabe a eles contribuir para a mudança do sujeito e,

conseqüentemente, da comunidade. Professor também é sujeito histórico e muitas

vezes não compreende isto (DAMKE, 1995; PATTO, 2000; SANTOS, 2000;

FRELLER, 2001; FREIRE, 2005).

Até aqui e, também no título, utilizamos as palavras professor e educador

alternadamente. Pensando em FREIRE (1993) e Rubem ALVES (2000), podemos

observar a burocratização e a desvalorização que se formou em torno do profissional

da educação. Dizemos isto porque o primeiro autor traz uma discussão feita sobre

os termos professor e tia. Para ele, o problema em se chamar um professor de tia

acaba por pormenorizar a importância desempenhada por este profissional, já que

ser tia é uma condição a qual não se escolhe, independe da pessoa. Já ser

professor é algo que se escolhe, é a profissão que quis seguir e para isto precisa ter

vontade e amor para exercer este papel social. Esta escolha não deve ser feita por

falta de opção, mas por uma decisão séria que foi tomada e por um anseio de

contribuir com algo.

Já ALVES (2000) se questiona sobre onde o educador foi parar. De acordo

com ele, o educador é aquele que se preocupa com o aluno, sabe que há algo que

os une, que a realidade está ali para ser vivida e transformada, permitindo que todos

tenham paixões e esperanças, mesmo que utópicos; o educador possui fatos para

contar e está disposto a ouvir o que o aluno tem a dizer. Porém, como o educador

passou a não corresponder mais com o que era exigido pela sociedade, surgiu o

professor, que se tornou mais um funcionário da instituição escolar, sendo

capacitado para repassar conhecimentos da cultura dominante e que deve sempre

corresponder às expectativas do Estado e de outras instituições. Quando estas

40

expectativas não são correspondidas, este professor é dispensado e trocado por

outro que se disponha a reproduzir os saberes ditos dominantes.

Independente do melhor termo, concordamos com ambas as definições e

contribuições, pois o que mais importa é o valor dado ao papel e ao trabalho

desempenhado por este profissional, dando-lhe chance e espaço para atuar de uma

forma considerada como correta e satisfatória para ele, para os alunos e para toda a

sociedade.

Em “Pedagogia da Autonomia” de FREIRE (1996), podemos ver todas as

considerações que são feitas acerca do ato de ensinar e que, de certo modo,

resumem o objetivo deste capítulo. Muitas delas já foram mencionadas

anteriormente, porém como não cabe aqui fazer considerações detalhadas de cada

uma delas, tentaremos fazer uma compreensão geral. O que pode ser dito é que

ensinar não é uma prática fácil e que exige atitudes conscientes e coerentes dos

educadores. Para que isto aconteça, eles precisam receber melhor formação, ser

conscientizados da realidade e saberem-se capazes de transformá-la, para

poderem, junto com os alunos, fazer essa mudança, acreditando que isto é possível.

Precisam se empenhar em pesquisas para a construção de novos conhecimentos e

reconhecer que a identidade cultural de cada um. A humildade, a esperança, a

tolerância, o comprometimento, liberdade, autoridade e querer bem aos educandos

também fazem parte desta profissão, pois só assim o educador poderá aproximar-se

de seus alunos e estabelecer uma relação respeitosa fazendo com que o processo

educativo seja transformado e transformador.

O que podemos pensar é que os professores, de certa forma, acabam por

reproduzir estes conhecimentos dominantes porque também estão sujeitos a

cumprirem regras impostas pelos dirigentes. Dizemos isto nos baseando no

pensamento trazido por SOUZA (2002) de que os professores são vistos de fora de

seu contexto e de seu cotidiano, não se levando em consideração quais são as

condições de trabalho a que estão expostos e que são obrigados a atenderem

ordens vindas de instâncias superiores sem ao menos entender por que são

obrigados a tais mandos.

Concluímos este capítulo, mas não uma conclusão do assunto, com uma

citação de DAMKE (1995), que deixa claro como a o processo pode ser iniciado:

41

“É, para Freire, a partir desses dois princípios: formação permanente

dos professores e esforço para superar as relações autoritárias, que

será possível inovar a organização curricular, as relações humanas

na escola e a relação desta com as famílias e a comunidade.

A proposta de um currículo padrão, o predomínio de programas

preestabelecidos, de bibliografias selecionadas previamente e de

aulas expositivas, segundo ele, são formas de manter professores e

alunos nos limites do consenso oficial. Exemplificam um modo

mecânico e autoritário de organizar os programas e a falta de

confiança na criatividade dos docentes e estudantes” (p.119).

Assim como foi explanado anteriormente, a educação não é o único caminho

a ser seguido para ocorrer a transformação da sociedade, mas é um dos pilares para

que isto aconteça. Por isto concordamos com SOUZA (2002), quando ela traz que o

problema da formação dos professores não deve ser tratado de uma forma

individualizada, considerando cada caso isoladamente, e nem podemos pensar que

o todo o mal resultado apresentado pelo sistema educacional é resultado da má

formação dos professores. Contudo, acreditamos que, se os professores passarem a

receber uma formação permanente e, também, libertadora, o ato de educar passará

a ser mais forte e assim reconhecido, possibilitando que toda a sociedade passe a

prestar mais atenção nesta área e atribuindo o valor devido a todos que fazem parte

deste processo educativo (professores, alunos, agentes educativos e comunidade).

Capítulo 4 – O Papel do Psicólogo Escolar dentro deste contexto

Como a Psicologia pode contribuir? Esta é a principal pergunta deste trabalho

e neste capítulo tentaremos discorrer sobre a temática que a envolve. Acreditamos

que, para a Psicologia poder contribuir com este contexto que pretende a libertação

da população, é preciso que ela própria se liberte, revendo suas práticas,

independente do campo de atuação. Esta não é uma idéia que se mostra tão

distante, a ponto de imaginarmos que nunca será discutida e colocada em prática.

De acordo com GUZZO (2003), novos olhares estão sendo lançados sobre a

prática psicológica e sobre o modo como este profissional compreende o mundo e a

realidade na qual o ser humano está inserido; incluindo neste contexto o universo

escolar, fazendo assim que a atuação seja mais comprometida social e

politicamente.

Concordamos com Martín-Baró (citado em GUZZO, 2003), quando ele diz que

“a psicologia antes de propiciar a libertação deve se

libertar ela própria como ciência. E, para isso, libertar-

se das amarras e dos pressupostos perversos que a

subjazem pela crítica e pela transparência social. As

máscaras, as mentiras, as contradições que estão

evidentes na formação e na intervenção em psicologia

mantém a escravidão, e uma ciência escrava não

consegue libertar sua população!” (p.176).

Compreendemos com isto que é preciso que a Psicologia deixe de se

considerar como uma ciência intocável e distante dos problemas apresentados pela

sociedade em geral, como se o que estivesse acontecendo não coubesse dentro

das práticas exercidas e dos conhecimentos produzidos por esta área do saber.

Acreditamos que para essa atuação, dita libertadora, comece a ser exercida,

é importante que as universidades e as autoridades governamentais se

conscientizem do processo de formação oferecido aos alunos dos cursos de

graduação em Psicologia.

43

Durante a formação torna-se necessário que os futuros profissionais entrem

em contato com e entendam, tanto na teoria quanto na prática, a função e o valor

que um psicólogo escolar deve ter, para que não ajam de forma insatisfatória e

preconceituosa; já às autoridades compete oferecer melhores condições de trabalho

para todos os profissionais envolvidos com o processo educacional, contribuindo

assim na mudança positiva do sistema de ensino (GUZZO, 1996).

GUZZO (2003) e MEIRA (2003) apontam ainda algumas críticas quanto à

formação do psicólogo que não deixa a libertação ocorrer, tais como: reprodução do

modelo clínico dentro do contexto educacional; ausência de compreensão política

dos fenômenos sociais, tendo como conseqüência o distanciamento da população;

os conteúdos passados durante a formação muitas vezes não atendem aos

contextos da realidade; modelo de formação passiva-receptiva, onde se espera que

os problemas se manifestem para agir; formação como um processo alienador.

Entendemos que esta formação tornou-se um processo alienador, como dito

acima, porque ela cerca os alunos e não permite que eles passem a compreender e

estender seu conhecimento para além daquele que é oferecido pelo professor. Ele

mantém a relação de poder estabelecida entre professor-aluno, que tanto já foi

discutida, em que o professor manda e o aluno obedece; não há espaço para se

discutir novas práticas e novas idéias, muitas delas trazidas pelos alunos. Isto faz

com que a desinformação aumente, isto é, não há chances dele conhecer coisas

novas, mas sim, fica restrito somente àquilo que é passado pelo professor em sala

de aula.

Um outro ponto da alienação que podemos discutir é o mercado de trabalho

que não se abre a novas propostas de atuação e se fecha em volta do modelo

clínico, onde o sujeito é tirado de seu mundo para ser cuidado e depois recolocado

de acordo com o padrão exigido pelos outros. Dizemos isso porque se tem o

conhecimento de que o psicólogo ainda é visto somente como aquele que pode

curar, dentro de quatro paredes, alguém que apresente algum distúrbio; e não como

um profissional que pode desenvolver um trabalho também de prevenção e que

possui outras funções além de atuar somente com quem tem algum problema.

Podemos ainda dizer que este tipo de formação é resultado de um processo,

também alienador, que se formou desde a educação básica, onde nada de novo é

aceito. O que vemos, no nível universitário, é o método de ensino tradicional: a

passividade do aluno diante da construção do seu conhecimento (tornando o

44

diploma o seu único objetivo) e a permissividade do professor em manter a situação

como está, pois acreditam que se estes alunos não conseguiram se libertar em

todos estes anos, não cabe a eles exercer este papel. Isto faz com que a

aprendizagem propriamente dita ocupe um lugar secundário.

GUZZO (1996, 2002) escreveu vários textos que tratam da formação de

psicólogos escolares e algumas idéias podem ser retiradas deles. Podemos dizer

que para se formar um bom psicólogo escolar é preciso que, antes de qualquer

coisa, o estudante tenha uma boa formação em Psicologia, mas poder ter um

embasamento e se especializar na área da educação. Porém, isto nem sempre

acontece, já que muitas universidades possuem um currículo generalista demais e

acabam deixando de lado alguns conhecimentos que poderiam ser considerados

como importantes.

Ao escolher seguir a área de Psicologia e Educação, o profissional precisa ser

preparado para trabalhar com as políticas públicas e zelar para que estas sejam

oferecidas de forma satisfatória. Quando falamos isto, queremos dizer que o

psicólogo escolar precisa conhecer os direitos que envolvem os alunos e saber

orientar a quem está em contato com estes alunos (pais e professores) para que

ofereçam e zelem por estes direitos, tais como: inclusão; proteção contra a violência;

e o próprio direito à educação (GUZZO, 2002).

Para isto este profissional tem a obrigação de saber pelo menos um mínimo

das leis que norteiam sua atuação. Entre estas leis podemos citar, principalmente, o

Código de Ética, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes

e Bases da Educação (LDB). Quando falamos em lei, logo pensamos em

obediência, em seguir aquilo que se é determinado, mas para seguir é preciso, antes

de qualquer coisa, conhecer. Conhecendo e tendo um olhar crítico sobre as leis

existentes, é possível que se siga ou se lute para que ela seja mudada em prol da

população, que deveria ser a mais interessada neste aspecto.

Segundo DEL PRETTE (2002), o psicólogo precisa conhecer as leis

existentes (mesmo que a LDB o considere como uma “despesa”), justamente pelo

fato de além de profissional, ser também um cidadão, e por exercer papéis tão

fundamentais na sociedade; deve estar seguro de que se cumpram as leis

legitimamente, mas para isso tem que estar atento ao conteúdo e às distorções

existentes, fazendo o que for possível (e cobrando das autoridades competentes)

para a defesa dessas leis.

45

Contudo para que esta consciência cidadã faça parte da atuação do

psicólogo, concordamos com MEIRA (2003), que a universidade deveria oferecer

aos alunos o espaço para exercitarem a prática e depois de formados refletirem

sobre estas práticas, num processo de formação continuada. Isto possibilitaria que o

psicólogo se aproximasse mais da realidade vivida pela sociedade e que construísse

conhecimentos que fossem realmente úteis à população, refletindo sempre de modo

crítico sobre suas ações políticas e sua função social. Esta formação crítica

possibilita que o psicólogo compreenda a dinâmica da sociedade e aja de acordo

com as necessidades apresentadas pela população.

Igualmente ao professor, o Psicólogo Escolar também deveria receber uma

formação continuada, pois assim ele teria um espaço para pensar criticamente sua

atuação e estaria em contato com os novos conhecimentos produzidos e poderia

contribuir para que isto acontecesse, aplicando-os às demandas apresentadas pela

população atendida, quebrando assim o ciclo que proíbe a libertação de todos

(MEIRA, 2003).

Pensando, então, nesta formação, que tem como principal função fazer com

que a própria Psicologia se liberte de rótulos que a impedem de agir de acordo com

a realidade apresentada pela maioria da população discriminada pela minoria,

passamos agora a discutir um pouco sobre a atuação do Psicólogo Escolar.

O papel do psicólogo dentro da escola (e fora) vem sendo discutido há algum

tempo e muitas críticas e propostas de atuação têm sido feitas. Para fazer um

quadro, mesmo que geral, sobre esta situação é preciso que voltemos um pouco na

história.

Nem sempre o trabalho da Psicologia foi considerado como necessário

(apesar de, como já dito acima, ainda ser algo excluído do contexto escolar na lei).

Na Escola Tradicional, de acordo com BOCK (2003), esse serviço psicológico não

poderia contribuir com nada, pois já se conhecia como a criança se desenvolvia e as

capacidades que possuía. Cabia à educação promover meios para que este

processo corresse da melhor forma possível, ou seja, através da disciplina “permitir”

que o aluno aprendesse como se comportar, respeitar, desenvolver sua

intelectualidade etc.

O psicólogo passou a ser necessário com o movimento da Escola Nova, pois

era preciso compreender o desenvolvimento natural da criança, para trabalhar com

ela e não permitir que fosse corrompida. O professor servia apenas como mediador

46

deste desenvolvimento natural e como um fiscalizador para que tudo ocorresse bem

(BOCK, 2003).

A Psicologia passou a contribuir para que classes homogêneas fossem

formadas, avaliar as crianças que apresentavam problemas (de desenvolvimento ou

de aprendizagem) e oferecer idéias novas para que o processo educacional

melhorasse. Tudo isto foi analisado e avaliado através de instrumentos, tais como os

testes. A função dos psicólogos era resolver os “problemas” apresentados pelos

alunos, analisar suas competências (identificando as aptas e não aptas ao processo

de aprendizagem) e qualificar o ensino oferecido, fazendo com que eles se

adaptassem à educação oferecida (COLL, 1996; PATTO, 2000; BOCK, 2003).

Para atender a demanda trazida pela escola, o psicólogo atuava de acordo

com o modelo clínico, isto é, quando havia queixa de algum aluno o profissional

avaliava somente este indivíduo, sem analisar as influências de outros contextos no

comportamento demonstrado. Para fazer esta avaliação, o psicólogo utilizava-se de

teste, realizava psicoterapia (individual ou grupal) e desenvolvia trabalhos de

prevenção com pais, alunos e agentes educacionais. Essa atuação fazia com que

qualquer outra pessoa, sem ser o aluno, fosse desresponsabilizada pelo o que

estava acontecendo; via-se a culpa somente no aluno considerado como problema

(REGER, 1981).

Com o desenvolvimento da “Teoria da Carência Cultural”, em 1970, passa-se

a compreender que a falta de cultura, proveniente das condições precárias de vida

na qual se encontravam estes “alunos-problema”, era a principal causa das

dificuldades e inabilidades apresentadas. Não se conseguia entender que o real

motivo para a apresentação deste quadro era que estas pessoas, consideradas

como incapazes, não estavam conseguindo atender ao padrão exigido pela

sociedade, que era considerado como o melhor e o mais adequado para quem

freqüentava as escolas; continuava-se a insistir na idéia de que aquelas crianças

pobres, sem alimento e sem uma família estruturada era a causa de seu fracasso na

escola (MOYSÉS e COLLARES, 1997b; PATTO, 1997, 2000; SAWAYA, 2002;

CARRAHER, CARRAHER, SCHLIEMANN, 2003).

SAWAYA (2002) traz também algumas críticas feitas sobre a “Teoria da

Carência Cultural”, com as quais concordamos. Primeiramente a autora fala sobre a

inadequação do termo carência cultural, pois ele se baseia em valores que

consideram esta parcela da população como sem cultura, sem produção material e

47

simbólica, já que não há nenhuma relação com o conhecimento que é produzido

pela classe dominante e que acaba sendo imposta e considerada como a melhor

para todos.

Uma segunda crítica refere-se à utilização de testes. Estes instrumentos só

contribuíram para a rotulação da criança, pois eram usados de maneira

indiscriminada e seu resultado tomado como verdade absoluta (SAWAYA, 2002).

Não se leva em consideração que os termos utilizados não correspondem à

realidade da criança que está sendo submetida a estes instrumentos de avaliação

psicológica e que os conteúdos não estão adaptados ao seu contexto, mas sim,

novamente, a cultura da classe dominante. Estas crianças acabam sendo taxadas

de fracassadas e não têm, ao menos, a chance de contrapor-se a um “laudo

psicológico”.

Outro ponto levantado por esta autora é o fato de se considerar estes alunos

com uma deficiência lingüística, isto é, não possuem vocabulário para falar e

escrever. Novamente, não se consegue perceber que o modo considerado como

adequado e correto foi firmado pela classe dominante. Não se permite que cada um

tenha um estilo de linguagem, mas espera-se que todos conheçam o mesmo modo

de falar e assim estejam aptos a participarem da sociedade.

A última crítica diz respeito à ligação estreita que firmaram entre desnutrição e

fracasso escolar. MOYSÉS e COLLARES (1997ab) trazem uma grande discussão

sobre este aspecto, apontando que muitos profissionais, tanto da área da saúde

quanto da educação, consideravam que as crianças com desnutrição grave eram

consideradas como as únicas portadoras de algum problema no sistema nervoso

central; ao mesmo tempo elas se questionam como isso é possível já que estas

crianças muito raramente chegam à escola, pois morrem antes.

O preconceito racial, social e de gênero muitas vezes acabam por impedir que

uma criança normal se desenvolva e demonstre a todos sua capacidade. Esta visão

reducionista, biologizante e determinista que somente classifica e rotula as pessoas

não deve ser usada como explicação para o fracasso escolar desta parcela da

população e para a desigualdade existente na sociedade (MOYSÉS E COLLARES,

1997a).

Uma outra discussão que se faz é quanto à desnutrição (MOYSÉS e

COLLARES, 1997b). Muitos acreditam que o fato de a criança passar fome e não

comer contribui para que seu desempenho escolar não seja satisfatório, tendo como

48

resultado o fracasso escolar. A fome da criança não deve ser considerada como seu

único motivo para o fracasso; essa necessidade pode atrapalhar seu aprendizado,

mas assim que satisfeita permite que se anime para brincar, falar e aprender.

De acordo com estas autoras, o fracasso escolar deve ser visto como algo

institucional e coletivo, e não como resultante de uma única causa, nesta situação a

fome. Isto pode ser afirmado na medida em que se sabe que a alimentação é um

direito, mesmo que muitas vezes desrespeitado, de qualquer pessoa, e a sua falta

não causa comprometimentos cognitivos.

O que compreendemos disto é que o psicólogo acabava por contribuir com a

construção deste quadro de rotulação, já que ao aplicar testes e não levar em

consideração todo o contexto no qual a criança estava inserida (contexto escolar,

familiar e social) não era capaz de avaliar de uma forma correta e satisfatória;

preocupando-se com o aluno e em como ele poderia corresponder às expectativas

mostrando seu potencial. O resultado de tudo isto foi a rotulação de crianças como

normais ou anormais, capazes e não capazes, aptas ou não aptas (ANDALÓ, 1984;

PATTO, 1997, 2000).

Diante desta situação, podemos dizer que o psicólogo também se encontrava

incapacitado para lidar com esta parcela excluída da população. O trabalho levava

em consideração as características pessoais de cada um, mas não as positivas e

sim as negativas, que eram colocadas como causas da incapacidade destes alunos.

Estas características eram a família, a camada social na qual o aluno estava

inserido, seu nível de nutrição, carências psicológicas e culturais, etc.

Muitas pesquisas foram feitas na tentativa de comprovar que a carência era a

principal causa da incapacidade e seus resultados até demonstravam isto, mas o

método utilizado não levava em consideração todas as influências que estavam à

volta das crianças analisadas e nem colocavam como ponto a ser estudado a

instituição escolar e seu método de ensino (ANDALÓ, 1984; PATTO, 1997; MEIRA,

2003).

MOYSÉS e COLLARES (1997b) e PATTO (1997) fizeram uma reflexão sobre

a utilização de testes e outros instrumentos de avaliação (entrevista, por exemplo)

que podemos, aqui, resumir dizendo que estes instrumentos não são capazes de

avaliar o indivíduo como um todo, apenas avaliar o desempenho apresentado num

determinado momento.

49

Nos dias de hoje devemos entender que o objeto da avaliação não deve ser o

aluno, descolado de sua realidade. Precisamos ampliar o olhar lançado sobre ele e

sobre o contexto no qual está inserido, compreender que há uma barreira cultural e

política colocada entre ele e a sociedade, e tentar compreender as influências que o

estão cercando e produzindo seu conhecimento e sua inadaptação àquilo que é

considerado como adequado; descobrindo qual é o melhor caminho para ele deixar

de ser e se sentir excluído do meio escolar, trabalhando em cima de suas próprias

potencialidades e habilidades. Não devemos considerar que seu aparente fracasso é

algo determinado biologicamente e ser visto como natural, já que ele nasceu

pertencente a uma camada excluída da população em geral (MOYSÉS e

COLLARES, 1997; MEIRA, 2003).

Alguns autores (MOYSÉS e COLLARES, 1997ab; PATTO, 1997;

TANAMACHI e MEIRA, 2003) nos mostram que o foco necessita ser mudado:

procurar enxergar o que há de positivo no aluno, suas habilidades e capacidades; e

não olhar para o que ele não consegue, não sabe e não aprende a fazer. Além disto,

compreender que a maior carência destas pessoas é não ter oportunidades de se

desenvolverem melhor e de mostrarem suas capacidades a todos, não importando

se é ou não aquilo considerado como bom e normal, mas que possui qualidades

dentro de sua realidade e há muita coisa que pode ser aprendido com isto.

O que compreendemos é que a Psicologia Escolar acabou por se unir à

Pedagogia, fazendo com que as crianças e suas famílias fossem consideradas como

únicos responsáveis por seu fracasso. Ela produziu conhecimentos e técnicas que

apontavam como cada um deveria se comportar (aluno, professor, pais), mas

esqueceu de incluir neste processo a sociedade, as relações sociais que cercam

estes seres e a realidade na qual estão inseridos, não levando em consideração o

quanto este aspecto social pode influenciar nas relações escolares (BOCK, 2003).

O fracasso escolar atribuído ao fracasso individual e social (CARRAHER,

CARRAHER, SCHLIEMANN, 2003) não pode mais ser compreendido assim. É

preciso que ele seja visto como algo produzido por muitos, e não por um único

indivíduo pertencente à determinada classe social excluída e oprimida.

O Psicólogo Escolar não pode continuar contribuindo para que crianças sejam

rotuladas de incapazes e mandadas para as classes especiais, como se não

pudessem aprender. Não cabe ao Psicólogo encontrar culpados. Contudo, este

50

profissional não deve se esquecer que ele próprio tem um papel de muita

importância a ser exercido.

Para que a atuação seja considerada como eficiente, ANDALÓ (1984) nos

mostra que seria necessário um trabalho realizado com interação entre aluno, sua

família, a instituição e os outros profissionais. O psicólogo deve exercer um papel de

agente de mudanças, distinguindo os problemas existentes e responsabilizando

cada um de acordo com seus respectivos papéis.

Em BRANCO (1990) e MEIRA (2003) podemos ver que o psicólogo deve ser

um mediador entre a relação aluno-professor, possibilitando que a humanização do

processo de aprendizagem seja realmente estabelecida. Pretende-se também que a

Psicologia possibilite ao professor entender que ele também é parte integrante deste

processo e da construção da sociedade, criticando assim sua atuação,

transformando também a sua realidade e compreendendo a complexidade do

desenvolvimento humano e das relações sociais.

Agindo desta forma a Psicologia estará contribuindo para que a cidadania,

dentro e fora da escola, torne-se algo real. Profissionais que atuem dentro do

movimento que compreende ação/reflexão/ação possibilita que todos os envolvidos

reflitam sobre sua prática social, fazendo com que o Psicólogo Escolar possa

realmente exercer seu papel de mediador junto com educadores, alunos, familiares,

funcionários, direção e comunidade, esperando que todos ajam e não fiquem

somente em uma atitude passiva (MEIRA, 2003).

A escola, de acordo com SOUZA (2006), deve ser compreendida nas suas

relações diárias, dando importância aos fatos que são trazidos por aqueles que

estão vivendo esta realidade, que estão inseridos neste contexto, para que as

políticas públicas a serem formuladas possam contar com sua participação, estendo

isto para toda a sociedade.

Contudo, não se trata somente de transformar a escola em um espaço de

socialização, onde todos sejam vistos como iguais e suas famílias sejam recebidas

de braços abertos, garantindo freqüência e permanência de alunos. É preciso que se

possibilite acesso ao conhecimento e a uma aprendizagem que tenha como objetivo

uma formação integral (SOUZA, 2006).

Acreditamos, assim como GUZZO (2005) que se baseia nas concepções de

Martín-Baró e Freire, que o psicólogo que se propõe à libertação, precisa repensar

sua prática quanto ao atendimento de crianças-problema e não permitir que seja

51

tragado pela sociedade dominante; repassando seus pré-conceitos e conhecimentos

àqueles que são maioria e fazem parte de outra realidade.

Esta autora acredita que agindo desta forma, a Psicologia pode começar a se

libertar e contribuir para que esta população oprimida também se liberte, pois

produzirá conhecimentos e pensamentos críticos que contribuirão para a

transformação dos processos sociais e da realidade; e para que uma coletividade

seja formada, sem que valores financeiros sejam mais importantes que valores

morais.

Terminamos dizendo que, diante disso tudo que aqui foi exposto, podemos

pensar que a maior contribuição da Psicologia para o contexto que foi trazido neste

trabalho (maioria da população oprimida e não tendo sua cultura reconhecida) é

atuar de forma que toda a sociedade seja capaz de abrir seus olhos para esta

realidade e sintam-se sujeitos transformadores, libertando-se assim de suas amarras

históricas que impossibilitam os indivíduos de demonstrarem suas capacidade e

habilidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante este trabalho tentamos discorrer sobre alguns aspectos que

envolvem a Educação, a Psicologia e a Libertação da camada da população dita

menos favorecida; sendo que esta libertação envolve o reconhecimento de que o

povo possui sua cultura e o direito de ter acesso ao conhecimento produzido,

permitindo assim que se conscientizem e tornem-se pessoas críticas, possibilitando

uma transformação da realidade na qual estão inseridos.

Autores como Paulo FREIRE (1993, 1996, 1999, 2005), Maria MONTESSORI

(2004), Maria Helena Souza PATTO (1997, 2000, 2005), Edgar MORIN (2001);

Demerval SAVIANI (1999); Raquel Souza Lobo GUZZO (2003, 2005), entre os

outros tantos que foram utilizados neste trabalho, tornaram possível o acesso a

reflexões críticas existentes sobre o contexto no qual se encontra a educação

brasileira, que aqui pode ser entendido como sendo freqüentemente um espaço

onde crianças são rotuladas e não conseguem ser ouvidas.

Partindo-se dessas reflexões pode-se contextualizar a Educação como sendo

uma área que possibilita o acesso ao conhecimento produzido pela sociedade, seja

52

esta educação oferecida pelas instituições escolares, pela família, no trabalho, na

comunidade, fazendo com que os indivíduos recebam uma formação crítica e

desenvolvam esta forma consciente de pensar. Já a Psicologia foi vista como um

ponto de apoio à Educação neste processo de formação, pois ela dá bases para se

pensar em como este processo pode acontecer sem que se favoreça uma única

parte, desempenhando seu papel social de não excluir os diferentes, mas fazer com

que formas de inclusão sejam pensadas e colocadas em prática.

Também se discutiu muito sobre a Libertação da população e em como a

Psicologia e a Educação poderiam contribuir para que ela acontecesse. Para isto

usou-se como principal fonte as idéias da Educação Libertadora.

A Educação Libertadora foi um assunto novo com o qual se teve contato

somente na elaboração deste trabalho, e permitiu que novos horizontes fossem

abertos. Foi possível que se compreendesse a real importância da sociedade

reconhecer que todos são capazes de construir uma realidade que atenda às

necessidades apresentadas, partindo daquilo que já está formado, e não deixar que

os indivíduos tornem-se cada vez mais alienados, não tomando consciência de que

são sujeitos históricos e participantes ativos do processo de transformação.

Apesar de este ser um assunto que traz grandes contribuições, pôde-se

observar que nem todos o conhecem. Dizemos isto porque quando se comentava

com colegas de curso sobre o tema estudado para a elaboração do trabalho, eles

relatavam não saberem do que se tratava.

Utilizamos este fato para fazer um contraponto com o modelo libertador aqui

apresentado, já que este propõe que todo o conhecimento produzido deva ser

divulgado e colocado ao alcance da população para ser utilizado, e suas próprias

idéias não estão fazendo este percurso de produção, divulgação e ação.

Pensamos também na formação oferecida pelas universidades, que deve ser

libertadora, permitindo que os alunos deste nível de ensino consigam estabelecer

uma relação dialógica com o professor, transpassando o conhecimento adquirido

para sua prática, que irá atender à sociedade. Deve-se permitir que o aluno torne-se

um profissional capaz de refletir criticamente sua prática e atuar em prol da

população.

Este trabalho fez com que o interesse pela área da Psicologia e Educação

aumentasse. Esse fato e a necessidade de descobrir o que mais existe na relação

53

entre estas quatro “instâncias” (Educação, Psicologia, Libertação e Educação

Libertadora) fizeram surgir a idéia de continuar o estudo no mestrado.

Compreendemos que nossos objetivos foram cumpridos, já que pudemos

verificar, através da revisão de literatura, que o Psicólogo Escolar tem muito a

contribuir com este quadro social. Contribuições estas que giram em torno de se

pensar como os agentes educacionais podem agir dentro deste contexto, em

reconhecer as diferenças existentes entre os indivíduos e como estas podem ser

trabalhadas, possibilitar que a escola reconheça-se como uma instituição social. No

entanto, reconhecemos que os aspectos aqui mostrados não esgotam as

possibilidades de estudos que podem ser feitos sobre este assunto.

Entendemos que a Psicologia reconhecendo-se como uma ciência social, não

importando a área de atuação, será um dos pilares para que a transformação da

realidade comece a acontecer. É preciso que os olhos da sociedade sejam

realmente abertos e que falsas atitudes sociais deixem de ser tomadas, isto é, torna-

se necessário que algo realmente seja feito em prol de toda a população, deixando

de lado o interesse de poucos e trabalhar em cima da necessidade de muitos.

Assim como foi dito no último capítulo, a Psicologia precisa se libertar

(GUZZO, 2003), deixar de se considerar como uma ciência onipotente e onipresente,

para se enxergar como uma profissão que está voltada ao social, àquilo que a

população precisa e traz, buscando discutir e pensar junto com estas pessoas o que

pode ser feito para que as transformações ocorram.

Fazer um discurso torna-se fácil, principalmente quando o conteúdo deste

discurso é uma crítica ao que se tem produzido, diante do muito que tem a ser

realizado, mas não deixa de ser importante a partir do momento em que poderá

nortear uma atuação.

A escola precisa entender que possui um papel e uma função social nesta

sociedade de diferenças (CARRAHER, CARRAHER, SCHLIEMANN, 2003), e o

psicólogo escolar é um mediador quando compreende que isto não está

acontecendo e contribui para que algo seja feito para mudar esta situação. Esta

instituição inflexível, que ensina a todos da mesma forma, não olhando para as

diferenças de cada um deixando de perceber que seus alunos nunca são os

mesmos (BOCK, 2003), precisa começar a deixar de existir.

Para isto esperamos, assim como aponta MEIRA (2003), que os futuros

psicólogos e os que já estão no mercado comprometam-se com as demandas

54

sociais apresentadas, contribuindo para que um maior desenvolvimento humano

torne-se possível.

Contudo, vemos que a Psicologia e a Educação não podem ser consideradas

como o caminho da salvação, as únicas soluções para tudo que é considerado como

errado na sociedade. É preciso deixar que as diferenças sejam vividas e que todos

possam aprender com elas, cada um contribuindo com aquilo que pode.

Diante disto é que afirmamos a real importância que outras pesquisas sejam

feitas a respeito desta situação, que é tão presente em nossos dias, mesmo que

muitas pessoas preferiam fechar seus olhos para esta realidade. Acreditamos,

porém, que estes estudos não podem ficar circulando somente dentro dos meios

acadêmicos, mas devem ser expandidos para toda a população, fazendo com que

assim, a função social da universidade seja cumprida (DAMKE, 1995).

Encerramos este trabalho concordando com MOYSÉS e COLLARES

(1997b) e BOCK (2003), que a educação – e a Psicologia – deve ser entendida

como um processo social, pois está voltada à sociedade, ao que ela tem a

demonstrar e transformar isto em um novo conhecimento para esta mesma

sociedade e que o processo de democratização do ensino não significa somente

permitir que as pessoas tenham acesso à educação, mas que possam manter-se na

escola, freqüentando todos os níveis de ensino – infantil, fundamental, médio e

superior.

55

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educação e ensino). p. 1-12.

61

ANEXO

O conto de “A águia e a galinha” – James Aggrey (in: BOFF, L. (1997). A águia e a

galinha: uma metáfora da condição humana. 38 ed. Petrópolis: Vozes. p. 30-34).

“Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro

para mantê-lo cativo em sua casa. Conseguiu pegar um filhote de águia. Colocou-o

no galinheiro junto com as galinhas. Comia milho e ração própria para galinhas.

Embora a águia fosse o rei/rainha de todos os pássaros.

Depois de cinco anos, este homem recebeu em sua casa a visita de um

naturalista. Enquanto passeavam pelo jardim, disse o naturalista:

- Esse pássaro aí não é galinha. É águia.

- De fato – disse o camponês. É águia. Mas eu a criei como galinha. Ela não é

mais uma águia. Transformou-se em galinha como as outras, apesar de asas de

quase três metros de extensão.

- Não – retrucou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um

coração de águia. Este coração a fará um dia voar às alturas.

- Não, não – insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como

águia.

Então decidiram fazer uma prova. O naturalista tomou a águia, ergueu-a bem

alto e desafiando-a disse:

- Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra,

então abra suas asas e voe!

A águia pousou sobre o braço estendido do naturalista. Olhava distraidamente

ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando grãos. E pulou junto delas.

O camponês comentou:

- Eu lhe disse, ela virou uma simples galinha!

- Não – tornou a insistir o naturalista. Ela é uma águia. E uma águia será

sempre uma águia. Vamos experimentar novamente amanha.

No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia no teto da casa Sussurrou-

lhe:

- Águia, já que você é uma águia, abra suas asas e voe!

62

Mas quando a águia viu lá embaixo as galinhas, ciscando no chão, pulou e foi

para junto delas.

O camponês sorriu e voltou à carga:

- Eu lhe havia dito, ela virou galinha!

- Não – respondeu firmemente o naturalista. Ela é águia, possuirá sempre um

coração de águia. Vamos experimentar ainda uma última vez. Amanhã a farei voar.

No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram

a águia, levaram-na para fora da cidade, longe das casas dos homens, no alo de

uma montanha. O sol nascente dourava os picos das montanhas.

O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe:

- Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra,

abra suas asas e voe!

A águia olhou ao redor. Tremia como se experimentasse nova vida. Mas não

voou. Então o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, para que

seus olhos pudessem encher-se da claridade solar e da vastidão do horizonte.

Nesse momento, ela abriu suas potentes asas, grasnou com o típico kau-kau

das águias e ergueu-se, soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar para

o alto, a voar cada vez para mais alto. Voou... voou... até confundir-se com o azul do

firmamento...”