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Curso de Graduação em Psicologia
POLIANA PRISCILA MATOS PARDAL
MELISSA BIZONI FURTADO
ASPECTOS OBSERVADOS EM DESCRIÇÕES DE RELATOS FEITOS
POR MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Curitiba, Novembro de 2008.
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POLIANA PRISCILA MATOS PARDAL
MELISSA BIZONI FURTADO
ASPECTOS OBSERVADOS EM DESCRIÇÕES DE RELATOS FEITOS POR MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentado à Banca de Avaliação de desempenho, como pré-requisito para aquisição do título de Psicólogo do curso de Psicologia da Faculdade Evangélica do Paraná. Sob orientação da professora, psicóloga: Dra. Maria da Graça Saldanha Padilha
Curitiba, Novembro de 2008.
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ASPECTOS OBSERVADOS EM DESCRIÇÕES DE RELATOS FEITOS
POR MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
RESUMO
A violência é uma das formas de violação dos direitos humanos, e um dos principais
problemas atuais de saúde pública. Em relação à violência contra a mulher, é assustadora a
realidade que as estatísticas revelam. Também chamada de violência de gênero ou
violência doméstica, a violência contra a mulher é baseada nas diferenças de gênero e nas
relações desiguais de poder e dominação entre homem e mulher; o que é decorrente de
mitos e preconceitos sociais e culturais. São estes tipos de preconceitos e a falta de
informação a respeito do tema que tornam tão difícil o processo de erradicação deste tipo
de violência. Por isto, o presente trabalho teve como objetivo realizar o levantamento do
perfil de 850 mulheres em situação de violência, usuárias de uma instituição de Curitiba
que presta serviços de atendimentos e acompanhamentos (psicológico, jurídico e social) a
estas, assim como levantar o perfil de seus agressores. Para tanto, foram coletados todos os
dados objetivos dos prontuários destas mulheres, arquivados no local onde foi realizada a
pesquisa. Em síntese, os resultados obtidos revelaram que a violência contra a mulher
independe de idade, etnia, religião, escolaridade, status econômico e status social; o que se
refere tanto à mulher agredida, quanto ao agressor. Tornando possível a conclusão que este
tipo de violência pode ocorrer com qualquer mulher, nos mais diversos contextos. Assim,
destaca-se a importância de pesquisas a respeito do tema; pois é através do conhecimento
que se torna possível a construção de políticas públicas para o enfrentamento desse grave e
crescente problema.
Palavras-chave: violência contra a mulher; Lei Maria da Penha; políticas públicas
voltadas para as mulheres.
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POLIANA PRISCILA MATOS PARDAL
MELISSA BIZONI FURTADO
ASPECTOS OBSERVADOS EM DESCRIÇÕES DE RELATOS FEITOS POR MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
MARIA DA GRAÇA SALDANHA PADILHA (ORIENTADORA E COMPONENTE DA BANCA EXAMINADORA)
YARA INGBERMANN (COMPONENTE DA BANCA EXAMINADORA)
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INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
A violência é uma das formas de violação dos direitos humanos; e, uma vez que
gera conseqüências pessoais e coletivas, deixa de ser um problema apenas de quem a
sofre e do agressor, e passa a ser um problema de toda a sociedade. A violência é
reconhecida, em países de todo o mundo, como um grave e crescente problema social e de
saúde pública.
Com base na gravidade do fato de que a cada 11 segundos, em média, uma mulher
sofre algum tipo de violência em nosso país (Soares, 2005), é que se destaca no presente
trabalho, dentre as diversas formas de violência, a violência contra a mulher. A violência
contra a mulher é baseada nas diferenças de gênero e nas relações desiguais de poder e
dominação entre homem e mulher, as quais têm sua origem em mitos e preconceitos
sociais e culturais. Define-se como violência atitudes e / ou ações que têm como
conseqüências dano físico, emocional, psicológico, e morte. Desta forma, consideram-se
aqui os seguintes tipos de violência: física, sexual, e psicológica (sendo que esta engloba
a violência moral, patrimonial, ameaça de morte, entre outros).
Toda mulher, de acordo com a Lei Maria da Penha - Lei 11.340 - art. 2º, “goza dos
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas às oportunidades
e facilidades para viver sem violência” (Brasil, 2006). Para garantia deste direito, as
mulheres contam com instituições que prestam atendimento às mulheres que vivenciam
situações de violência (por exemplo, as Delegacias da Mulher, o SOS Mulher, o disque
180, os Centros de Referência de Atendimento à Mulher, entre outros). As mulheres em
situação de violência, que procuram ou são encaminhadas a estes serviços, recebem
atendimentos e acompanhamentos psicológico, jurídico e social; através de um trabalho
articulado e intersetorial, que conta com a contribuição da Rede de Proteção à Mulher em
Situação de Violência. Uma destas instituições, em parceria com a Faculdade Evangélica
do Paraná (FEPAR), tem servido de campo de estágio na área de Psicologia Social
Comunitária. É através desta possibilidade que o presente trabalho teve como objetivo
realizar um levantamento sobre o perfil das mulheres em situação de violência usuárias
desta instituição, assim como o perfil de seus agressores. Para tanto foram coletadas
informações de prontuários de 850 mulheres, arquivados no local.
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Com base nisso tudo que este trabalho teve como justificativa poder colaborar na
luta a favor dos direitos humanos, e no enfrentamento à violência contra a mulher; pois é
somente através da informação a respeito do tema que nos despimos do preconceito e
passamos a construir políticas públicas para o enfrentamento dessa questão.
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OBJETIVOS
Geral
Realizar um levantamento sobre o perfil das mulheres usuárias de uma instituição
governamental da Região Metropolitana de Curitiba, que presta atendimentos a mulheres
em situação de violência.
Específicos
- Levantar o perfil dos agressores das mulheres usuárias desta instituição;
- Oferecer subsídios para a reflexão a respeito do tema violência contra a mulher;
- Colaborar na luta a favor dos direitos humanos, e no enfrentamento a violência
contra a mulher.
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REVISÃO DE LITERATURA
1. Violência
O vocábulo violência provém do latim, da palavra “vis”, que significa força. Essa
tem sua origem nos conflitos de autoridade, nas lutas pelo poder, e na vontade de domínio
(Minayo, 2006). Segundo o Relatório da Organização Mundial da Saúde – OMS (apud
Scharaiber, D’Oliveira, e Couto, 2006, p. 6), define-se violência como “uso intencional da
força física ou do poder, real ou em ameaça, (...) que resulte ou tenha a possibilidade de
resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”.
A violência “se contrapõe ao diálogo, a um agir ético e comunicativo nas relações
interpessoais” (Scharaiber, D’Oliveira, Falcão, e Figueiredo, 2005, p. 20). No artigo
denominado “Contra a Violência”, publicado no Portal da Fundação Perseu Abramo (em
2007), Marilena Chauí comenta:
A ética se opõe à violência, palavra que vem do latim e significa: 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar); 2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade (é violar); 4) todo ato de transgressão contra aquelas coisas e ações que alguém ou uma sociedade define como justas e como um direito; 5) conseqüentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, intimidação, pelo medo e pelo terror.
A violência independe de sexo, idade, etnia, orientação sexual, cultura, renda,
religião, status econômico, status social, escolaridade, etc. Ela pode ser sofrida ou
praticada independentemente de qualquer uma dessas variáveis. Porém, em alguns casos
sua visibilidade é maior ou mais fácil de ser percebida. Rabello e Júnior (2007, p. 5)
afirmam que:
Embora a literatura relate que a pobreza e a falta de padrões morais conduzam à violência, esta pode estar inserida em classes mais abastadas. Adeodato, Carvalho, Siqueira, e Souza (2005), relatam que mulheres de maior poder aquisitivo dispõem de recursos políticos e econômicos para ocultar a violência doméstica, surgindo, então, a sub-representação nos dados de violência denunciada.
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De acordo com Silveira, Cobalchini, Menz, Valle, Barbarini (2007, p. 33), “a
violência pode ser compreendida como um fenômeno social que acontece como
manifestação de relações de poder, tanto no nível individual como coletivo, de forma
concreta ou simbólica”. Ou seja, a violência pode ser exercida sobre indivíduos, grupos, ou
nações (Schnitman, 1996). Por exemplo, contra idosos, deficientes, mulheres, crianças e
adolescentes, amigos, desconhecidos, sociedade; no âmbito familiar, de trabalho, político,
nas ruas, em escolas, nas prisões, instituições, etc. Assim, pode-se dizer a violência está
enraizada nas relações sociais (Minayo, 2006). Podendo ocorrer em qualquer contexto de
relacionamentos, e de diversas formas. Enquadram-se no fenômeno da violência: abuso de
poder e força; exploração; delinqüência; criminalidade; tráfico ilegal; corrupção; miséria;
negligência; abandono infantil; tortura; preconceitos; discriminação; etnocídio; trabalho
escravo; violência auto-infringida (como auto-flagelo e suicídio), etc.
De acordo com a World Health Organization - WHO (Organização Mundial de
Saúde – OMS, 2006), as manifestações da violência podem ocorrer na família e na
comunidade em geral; podendo ser de natureza física, psicológica e sexual, incluindo a
agressão física, o abuso (sexual, físico e psicológico) de crianças, violação, práticas
tradicionais lesivas às mulheres (como mutilação genital desta), violência conjugal,
violência não conjugal, violência relacionada com a exploração de mulheres, prostituição
forçada, e violência perpetrada ou condenada pelo Estado.
Mynaio (2006) comenta que, atualmente, as violências e acidentes, ao lado das
doenças crônicas e degenerativas, caracterizam o perfil do quadro dos problemas de saúde
do Brasil e do mundo.
Se considerarmos o Brasil, nota-se um empenho para prevenir a violência, e punir
os atores desta. Atualmente existem vários artifícios que munem o cidadão para lutar
contra esse “mal”, por exemplo: Lei Maria da Penha (Brasil, 2006); Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA (Brasil, 1990); Estatuto do Idoso (Brasil, 2003); Declaração
Universal dos Direitos Humanos, entre outros. Contudo, a sociedade ainda não está
consciente e envolvida o suficiente do seu papel na luta contra o enfrentamento da
violência. Por isto, o estudo desta reclama sua atualização, pelas exigências éticas em suas
metodologias, pelo pluralismo desse objeto de estudo, e pelo relacional da interatividade
humana que lhe é inerente (Scharaiber, D’Oliveira, Couto, 2006).
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2. Violência doméstica
A violência doméstica ou intrafamiliar tem sido encarada como um problema de
saúde pública em diversos lugares do mundo, mas nem por isso ela deixa de acontecer. De
acordo com a WHO (2006), a violência doméstica continua sendo terrivelmente comum e
aceita como “normal” em muitas sociedades do mundo. E, uma vez que ocorre no âmbito
privado, fica mais difícil detectá-la. Assim, o ambiente que deveria ser de segurança e
estabilidade é vivenciado pelo que sofre a violência através de sofrimento e medo; e é por
isto que grande parte dos agredidos não busca ajuda. No caso da violência contra a mulher,
Monteiro e Souza (2007, p. 3) afirmam que a dificuldade de visualização dos agravos à
saúde desta “passa por fatores como o fato da violência acontecer em âmbito privado e por
constituir-se em medo e vergonha, o que impede a mulher de torná-la pública”.
Alguns autores fazem distinção entre a violência doméstica e intrafamiliar. Day,
Telles, Zaratto, Azambuja, Machado, Silveira, Debiaggi, Reis, Cardoso, e Blank (2003, p.
2), fazem esta distinção afirmando que “o termo doméstico incluiria pessoas que convivem
no ambiente familiar, como empregados, agregados e visitantes esporádicos”. Enquanto
que violência intrafamiliar seria:
Toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de um membro da família. Pode ser cometida dentro e fora de casa, por qualquer integrante da família que esteja em relação de poder com a pessoa agredida. Inclui também pessoas que estão exercendo a função de pai ou mãe, mesmo sem laços de sangue.
Embora haja distinções de terminologia feita por alguns autores, normalmente essas
não ocorrem; sendo que os dois termos acabam por se referir à mesma coisa. Esta será a
maneira adotada no presente trabalho.
“A violência doméstica abrange a agressão de crianças, de cônjuges de ambos os
sexos e de idosos” (Sadock,1996, apud Brancalhone, Fogo, e Williams, 2004, p. 2). Ou
seja, é qualquer forma de agressão ou negligência dirigida a algum membro da família, ou
de convívio permanente, seja este adulto ou criança.
Segundo Menezes, Amorim, Santos, e Faúndes (2003), o termo violência doméstica
é utilizado para se referir às formas de violência praticadas no ambiente familiar, porém,
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geralmente, reflete a violência contra a mulher praticada por seu parceiro íntimo. Gomes,
Diniz, Araújo, e Coelho (2007 p. 2) comentam:
A Lei Maria da Penha, no seu Art. 5º, considera a violência no âmbito doméstico como aquela “compreendida como espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive esporadicamente agregadas”, e no âmbito da família, como aquela “compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são, ou se consideram, aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. A lei ainda faz referência à violência conjugal como aquela que se dá ”em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente da coabitação”.
De acordo com Soares (2005, p. 13), “na sua forma mais típica, a violência
conjugal é uma expressão do desejo de uma pessoa controlar e dominar a outra”. Ou seja,
envolve uma desigualdade de poder na relação. Isto tanto nos casos de violência contra a
mulher, como nos casos de violência contra crianças e idosos.
Destaca-se aqui a violência contra crianças e adolescentes. Ressaltando o abuso
sofrido por meninas adolescentes. “No Brasil, assim como em outras partes do mundo, em
diferentes culturas e classes sociais, independente de sexo ou etnia, crianças e adolescentes
são vítimas cotidianas da violência doméstica, sendo um fenômeno universal e endêmico”
(Day et al, 2003, p. 5). As conseqüências da violência doméstica serão abordadas mais para
frente.
3. Violências contra a mulher
Como dito anteriormente, o foco deste trabalho é a violência contra mulher.
“Pesquisas têm apontado a violência contra a mulher como um fenômeno que atinge
diversas sociedades, podendo variar nas formas em que é praticada” (Saffioti e Almenida,
1995, apud, Galvão e Andrade, 2004). Por isto a denominação “violências” contra a
mulher.
“Apesar de secular, a violência contra a mulher só passou a ser considerada uma
violação dos direitos individuais no fim da década de 1960, quase 12 anos após a
publicação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948” (Deeke, 2007, p.
1). Porém, os casos de punição dos agressores eram ainda muito raros; a violência contra a
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mulher continuava a ser, muito mais do que atualmente, naturalizada e “justificada” com
explicações machistas e preconceituosas.
Foi por meio da “individualização” da mulher no entendimento de violência
familiar referente às questões das relações de gênero, processada no movimento feminista
dos anos 1970, que se deu origem a terminologia “violência contra a mulher”. Sendo que
esta denominação demonstra que tal violência agrega outras situações, que vão também
além das relações familiares. (Scharaiber et al, 2005). Os autores afirmam que foi a partir
desse momento que a violência passou a ganhar visibilidade e ser um problema de violação
dos direitos da pessoa; contudo, seu principal suporte assistencial era no campo jurídico -
policiais. Lima, Buchele, Clímaco (2008, p. 4) comentam:
A violência contra a mulher é atualmente reconhecida como um tema de preocupação internacional, contudo, isso nem sempre foi assim. Essa recente percepção e consciência foram fruto de um trabalho incansável e articulado de diversos grupos, sendo os movimentos de mulheres e movimentos feministas os principais responsáveis pela remoção da pesada e empoeirada manta que mantinha em sigilo a dor e o medo de gerações de mulheres e famílias.
Porém, apenas nos anos 1980 foram criadas delegacias especiais para o trato da violência
praticada contra mulheres; e é nessa década que a questão deixa de ser apenas um
problema social e passa a ser um problema de saúde pública.
Somente na década de 1990 torna-se usual o termo “violência de gênero”.
Comenta-se que desde o século XVIII as mulheres, em todo o mundo já lutavam por seus
direitos. Porém, no Brasil, foi apenas no século XXI, no ano de 2006, que elas finalmente
ganham uma lei específica sobre a violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha (Brasil,
2006), a qual cria mecanismos para coibir a violência doméstica contra a mulher (essa será
especificada neste trabalho mais para frente). Atualmente, embora o cenário já se
represente de forma mais favorável, a mulher contemporânea ainda sofre discriminação e
violência, independente de sua classe social e etnia (Silveira et al, 2007), ou de leis que
regulamentem que essa é crime passível de punições.
Segundo Lima et al (2008), não existe consenso em relação à terminologia utilizada
para designar a violência sofrida pelas mulheres. Entre as mais utilizadas, estão: violência
de gênero; violência doméstica; violência intrafamiliar; violência conjugal; violência de
parceiro íntimo, etc. Apesar das várias denominações todas estas tratam do mesmo
problema.
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“A Organização das Nações Unidas afirma que violência contra as mulheres
persiste em todos os países do mundo como uma violação contundente dos direitos
humanos e como um impedimento na conquista da igualdade de gênero” (ONU, 2006,
apud Lima et al, 2008, p. 2). Silva, Coelho, e Caponi (2007), afirmam que dentre os
possíveis agressores estão: maridos, amásios, amantes, namorados (atuais e ex), ex-
maridos, a até mesmo filhos ou pais.
A questão da violência contra a mulher é decorrente de relações assimétricas, nas
quais um dos pares (no caso, o agressor) possui maior poder e autoridade. (Sharaiber et al,
2005; Gomes e Diniz, 2008). Monteiro e Souza (2007, p. 2) comentam que, “as relações
entre homens e mulheres devem ser pensadas como relações de gênero, e gênero entendido
como uma maneira de refletir aos papéis próprios dos homens e das mulheres, criação
inteiramente social e não biológica”. “Os homens não são naturalmente violentos.
Aprendem a ser. A associação entre masculinidade, guerra, força e poder é uma construção
cultural” (Soares, 2005, p. 16). Ou seja, algumas atitudes e qualidades de “ser homem” e
“ser mulher” são aceitos pela sociedade. Esta é uma visão preconceituosa e ultrapassada,
porém, a sociedade atual em que vivemos ainda acredita nestes valores. É possível
perceber então, que é daí que provém a naturalização da violência contra a mulher; uma
vez que a sociedade, ao destinar papéis de submissão e passividade para a mulher, cria
espaço para a dominação masculina (Monteiro e Souza, 2007). E isso pode ocorrer nos
mais diversos contextos e relações. Soares (2005, p. 15) comenta:
Qualquer mulher pode ser vítima da violência doméstica. Não importa se ela é rica, pobre, branca ou negra; se vive no campo ou na cidade, se é moderna ou antiquada; católica, evangélica, atéia ou umbandista. A única diferença é que as mulheres mais ricas conseguem esconder melhor sua situação e têm mais recursos para tentar escapar da violência.
A violência, de acordo com Scharaiber et al (2006, p. 5), é um “processo de causas
múltiplas e causalidade não-linear, de natureza e características não específicas e gerais,
micro e macrossociais, que se diferenciam e se articulam”. Na sua forma típica, a violência
doméstica envolve atos repetitivos, que vão se agravando em freqüência e intensidade
(Soares, 2005). Hirigoyen (2005), citando Sluzki, descreve que os efeitos da violência
variam em função de dois elementos: o nível de ameaça percebido e a freqüência do
comportamento violento. De acordo com Monteiro e Souza (2007, p. 4), “a violência é
uma escalada perigosa que tende a crescer e no geral inicia com agressões verbais,
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passando para as físicas e / ou sexuais, atingindo seu ponto máximo no homicídio”. O
fenômeno da escalada será explicado no conteúdo referente ao subtítulo seguinte.
Grande parte das mulheres em situação de violência tem dificuldade de sair da
relação abusiva. Isto não pode de forma alguma ser percebido de maneira simplista e
preconceituosa. Existe um conjunto complexo e interligado de razões para uma mulher não
conseguir romper com a relação abusiva. Soares (2005) destaca algumas destas: o fato de
que, muitas vezes, a mulher ama o seu agressor (o que ela odeia é a violência), e de que
sempre resta a esperança de que este mude; a mulher em situação de violência, muitas
vezes está isolada da sua rede de apoio (como amigos, familiares, etc); o medo e vergonha
da mulher em procurar ajuda (sendo que muitas vezes a violência piora quando a mulher a
denuncia); o fato da nossa sociedade ainda estar despreparada para lidar com a violência
contra a mulher; concretamente, há obstáculos que impedem o rompimento (como críticas,
julgamentos, preconceitos, falta de apoio, riscos, dependência econômica, etc).
Outra razão importante para que mulher permaneça na relação de abuso, ressaltada
por Hirigoyen (2005), é que as mulheres em situação de violência passam por um processo
de “lavagem cerebral” e coerção (talvez este seja o motivo predominante), por meio do
abuso psicológico. Inclusive, muitas vezes, a mulher sente-se até mesmo culpada pelas
agressões. Na maioria das vezes sua auto-estima está tão baixa, a submissão e a
dependência são tantas, e ela está tão envolvida e emocionalmente abalada, que já não se
acha mais capaz de viver sem aquele homem, se acha uma “ninguém”, e não se acha mais
capaz de encontrar soluções para os seus problemas. Isto é característico da “impotência
aprendida”, produzida quando as agressões são imprevisíveis e incontroláveis. A mesma
autora (p. 105) afirma que “a violência aumenta gradativamente, e a resistência da mulher
diminui até tornar-se simplesmente uma luta pela sobrevivência”. Miller (1999, p. 121),
citando Walker, explica que a mulher desenvolve um padrão de “desamparo aprendido”,
uma vez que “presa num padrão de abuso, com o tempo, torna-se passiva”. Lembrando que
isto não ocorre isoladamente, mas em paralelo com as outras variáveis citadas acima.
4. Formas / tipos de violência
A mulher está sujeita a diversas formas de violência. A maioria dos autores que
escrevem sobre o tema aponta três formas principais de violência contra a mulher: o abuso
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físico, sexual e psicológico. Sendo que as três formas envolvem o abuso de poder e estão
interligadas.
A violência psicológica começou a ser reconhecida como forma de violência
recentemente; por ser um tipo de maltrato sutil e subjetivo (Hirigoyen, 2005; Day et al,
2003). Este tipo de violência está também presente no abuso físico e sexual, uma vez que
também afetam emocionalmente a mulher que os sofre; e porque, no caso da violência
conjugal, para que se chegue a eles houve por algum tempo o abuso psicológico. Segundo
Hirigoyen (2006, p. 44), “na maior parte das vezes, a violência física só surge quando a
mulher resiste à violência psicológica, ou seja, quando o homem não conseguiu controlar
como desejaria uma mulher demasiado independente”.
De acordo com a Lei Maria da Penha – Capítulo II, Art. 7º (Brasil, 2006), a
violência psicológica é entendida como qualquer conduta que cause dano emocional e
diminuição da auto-estima, que prejudique e perturbe o desenvolvimento; ou que vise
degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões da mulher, mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante,
perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularizarão, exploração e limitação do
direito de ir e vir. Assim como qualquer outro meio que cause a mulher prejuízo à saúde
psicológica e à autodeterminação. “O abuso emocional assume muitas formas diferentes no
caminho para o objetivo do poder e todos eles destroem aos poucos o auto-respeito e a
auto-estima da mulher” (Miller, 1999, p. 34). Além do abuso “direto” contra a mulher,
muitas vezes o agressor o faz por intermédio dos filhos, usando estes como “armas”.
Enquadra-se também no fenômeno do abuso psicológico a violência patrimonial, por
exemplo, a negação do pagamento de pensão alimentícia, ou de qualquer outro bem ou
benefício de direito, assim como a destruição de objetos, documentos pessoais, etc.
Soares (2005), destaca como manifestações da violência psicológica: diminuir a
mulher, xingar, fazê-la sentir-se mal consigo mesma ou pensar que está louca, provocar
confusão mental, fazê-la sentir-se culpada, desqualificar, criticar continuamente, ironizar
publicamente, coagir, usar os filhos para fazer chantagem, isolar a mulher de amigos e
parentes, controlar ou tirar-lhe o dinheiro, caluniar, difamar (estas duas características da
violência moral), entre outros.
Como já citado, a violência não ocorre em suas formas mais graves de uma hora
para outra, mas sim através de escaladas de intensidade e freqüência. Na sua forma mais
típica, ela começa de maneira muito sutil, com um comentário, uma ameaça, ou uma
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manifestação de ciúme (que chega a ser encarado pela mulher como manifestação de
amor), etc. Então começam a ocorrer estes ou outros episódios de maneira mais visível e
cada vez mais freqüente; a situação toda vai se tornando tal, que muitos comportamentos
de abuso são percebidos pela mulher como normais, “naturais”. Assim sucessivamente até
a violência física. Até mesmo alguns abusos físicos, por ocorrerem ocasionalmente, não
são percebidos pela mulher como agressão, sendo até “justificáveis” para ela. Em relação
aos atos de violência física que passam a ocorrer de acordo com o fenômeno da escalada,
Hirigoyen (2006, p. 45) afirma que “é suficiente, a partir daí, fazer lembrar a primeira
agressão por meio de ameaças ou de um gesto, para que, a memória reative o incidente na
vítima, levando-a a submeter-se novamente”. A autora afirma (p. 86) que o abuso físico é
possível “porque, desde o início da relação, o terreno estava preparado e as defesas da
mulher, suspensas”. Isto, através de “uma longa história que envolve pequenos atos,
gestos, sinais e mensagens subliminares, usados, dia após dia, para manter a vítima sob
controle” (Soares, 2005, p. 19).
Segundo a Lei Maria da Penha – Capítulo II, Art. 7º (Brasil, 2006), a violência
física é caracterizada por qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da
mulher agredida. Destaca-se entre as manifestações de violência física: beliscões,
empurrões, tapas, socos, pontapés, mordidas, atirar objetos, sacudir, provocar queimaduras,
mutilar, perfurar, torturar, torcer os braços, tentativas de estrangulamento, agressão com
arma branca ou com arma de fogo, entre outros (Audi et al, 2008; Soares, 2005; Hirigoyen,
2005). Geralmente, a violência física não ocorre diariamente. É isto que faz com que a
mulher “tolere-a” mais facilmente. Muitas vezes, o agressor apresenta comportamentos
amorosos, intercalados com os fenômenos agressivos; e é este reforço intermitente que
condicionada o fato de a mulher aceitar estas agressões, pois ela sabe que existe também a
“parte boa” do relacionamento, além de sempre ter a esperança de que as agressões cessem
por completo. Hirigoyen (2005, p. 88) comenta:
Se as mulheres aceitam agüentar tais comportamentos, é porque as agressões físicas não chegam de repente, “como uma trovoada em um céu sereno”, mas são introduzidas por micro-violências, por uma série de palavras de aviltamento, por pequenos ataques verbais ou não-verbais que se transformam em assédio moral, diminuem a resistência delas e as impedem de reagir. A dominação e o ciúme são, de início, aceitos como prova de amor.
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Por sua vez, a violência sexual muitas vezes passa em silêncio, pois muitas
mulheres têm a crença errônea que é sua “obrigação” de esposa ceder aos desejos sexuais
do cônjuge. Hirigoyen (2005, p. 48) afirma que “a violência sexual tem duas maneiras de
se manifestar: pela humilhação ou pela dominação”. A autora afirma que este tipo de abuso
vai desde o assédio sexual até a exploração sexual, passando pelo estupro conjugal. A
violência sexual é definida, de acordo com a Lei Maria da Penha – Capítulo II, Art. 7º
(Brasil, 2006), como qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, manter ou
participar de relação sexual indesejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da
força; que induza a utilização ou comercialização, de qualquer modo, de sua sexualidade,
que impeça a mulher de usar qualquer método contraceptivo; ou que force a mulher ao
matrimônio, ao aborto, ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício da mulher de seus direitos sexuais e
reprodutivos. Ressaltando, segundo Soares (2005), que a violência não é só o estupro
cometido por desconhecidos, mas que o marido também pratica esse tipo de violência se:
forçar a mulher a ter relações sexuais quando esta não quer, quando está dormindo ou
doente; forçar a prática de atos que acusam desconforto ou repulsa; obrigar a mulher a
olhar imagens pornográficas quando esta não deseja; obrigá-la a fazer sexo com outras
pessoas, etc. Contudo, Hirigoyen (2005, p. 49) comenta que “a violência sexual é,
sobretudo, um meio de sujeitar o outro. O que não tem nada a ver com desejo; é
simplesmente, para o homem, um modo de dizer: “Você me pertence.””
É importante deixar claro que quando se fala em formas “graves” de violências,
estas não se referem apenas aos abusos físicos e sexuais. Muitas vezes a violência
psicológica é ainda mais grave do que estes. Pois é esta, através da coerção, que faz com
que a mulher em situação de violência tenha tanta dificuldade de romper com esta situação
(independentemente do tipo de abuso).
5. “Tipos” de agressores
Como já citado, na maioria das vezes, os agressores das mulheres são seus
companheiros íntimos. Cortez, Padovani, e Williams (2005) fizeram uma revisão de
literatura sobre o tema e destacaram como características dos agressores conjugais: ciúme,
insegurança, baixa auto-estima, minimização e negação da violência, visões estereotipadas
sobre papéis de gênero, uso de álcool e drogas, entre outros. Os autores ainda afirmam (p.
18
13) que “um aspecto muito característico dos agressores é a tendência à minimização da
agressão e negação do comportamento agressivo, culpando a vítima pelo comportamento
emitido”. Ao se analisar o perfil do agressor, observa-se que este não faz parte de um
grupo homogêneo.
Dentre os agressores pode-se observar inclusive, segundo Hirigoyen (2005), que as
diferenças de perfis psicológicos / personalidades também variam as modalidades de
agressão. Existem homens que agridem devido a uma dificuldade de controlar seus
impulsos (que é o caso dos psicopatas e dos borderline); enquanto outros agridem
instrumentalmente, com maldade e perversidade (que são as personalidades perversas
narcisistas), “em que as condutas agressivas são friamente executadas com o objetivo de
ferir” (p. 139). Contudo, a autora ressalta que, todo e qualquer modo de violência,
independente do tipo de personalidade do agressor, deve ser considerado e analisada, pois
nunca é inofensivo. A mesma autora afirma (p. 138), que “na realidade, segundo a
estrutura psíquica de seu parceiro, não são os mesmos pontos que vão deter a vítima a
impedi-la de reagir”.
6. Impacto da violência contra a mulher
De acordo com Marin (2002), “os dados da mídia apontam sem cessar os índices
crescentes da violência, oferecendo não só números como também cenas espetaculares
relativas à questão”. “As implicações da violência conjugal na saúde da mulher ganham
magnitude à medida que, através de pesquisas, os atos de agressão começam a sair da
invisibilidade” (citado em Monteiro e Souza, 2007, p. 3). Com isto, destaca-se a
importância de pesquisas e estudos referentes ao tema.
Por diversas razões, a real extensão da violência doméstica é ainda difícil de ser
averiguada. Destaca-se entre estas o fato de que, geralmente, as mulheres não buscam
ajuda, e, principalmente, o fato de que os profissionais de saúde não estão em geral
habilitados para diagnosticar a presença da violência (Menezes et al, 2003).
Através de relato obtido por uma escrivã de uma Delegacia da Mulher (DDM),
Debert e Oliveira (2007) comentam que dentre as mulheres que sofrem violência e
realizam a denúncia, destacam-se as “decididas” (que vão até o fim com os processos
contra agressores); as que recorrem apenas ocasionalmente a DDM (pois são agredidas em
19
virtude de circunstâncias raras), e as recorrentes (que sempre são agredidas, mas nunca
levam até o fim sua queixa contra os parceiros). Soares (2005, p. 20) comenta:
Segundo dados da Fundação Perseu Abramo, em 2001 as mulheres só denunciaram a violência sofrida dentro de casa a algum órgão público (quase sempre delegacias policiais) quando se sentiram ameaçadas em sua integridade física: ou por armas de fogo (31%), ou quando os espancamentos deixaram marcas, fraturas ou cortes (21%) ou ainda diante de ameaças de espancamento contra si mesmas ou contra os filhos (19%). Nas outras situações, como xingamentos, tapas, empurrões, quebradeira, relações sexuais forçadas e assédio sexual, o percentual de registro em delegacia ou outros órgãos públicos, não ultrapassou os 10%.
Os números a respeito da violência contra a mulher são alarmantes em todo o
mundo. Mesmo que, geralmente, esta forma de violência aconteça dentro do âmbito
familiar e não seja registrada em sua totalidade, o número de casos averiguados em
pesquisas e estudos mostra a dimensão e gravidade deste problema que a sociedade
enfrenta. Pelo menos uma em cada três mulheres, em todo mundo, já foi espancada,
coagida ao sexo ou sofreu alguma outra forma de abuso durante a vida; sendo que,
geralmente, o agressor é um membro de sua própria família (Day et al, 2003). Sendo que,
segundo Castro e Ruíz (2004), as mulheres que foram maltratadas por seus pares tem um
risco maior de serem agredidas novamente dentre dos seis meses seguintes, em
comparação com aquelas que são agredidas por desconhecidos. De acordo com Lima et al
(2008, p. 4), “o risco de uma mulher ser agredida em sua própria casa pelo pai de seus
filhos, ex-marido ou atual companheiro, chega a ser oito vezes maior que sofrer algum
ataque violento na rua ou no local de trabalho”.
“Segundo Heise (1994), a violência doméstica e o estupro são considerados a sexta
causa de anos de vida perdidos por morte ou incapacidade física em mulheres de 15 a 44
anos superando as estatísticas de todos os tipos de câncer, acidentes de trânsito e guerras”
(citado em Deeke, 2007, p. 2).
De acordo com ilustrações de Hirigoyen (2006) a respeito de dados internacionais
referentes à violência observou-se que: nos Estados Unidos mais de 25% dos casais norte-
americanos vivenciaram violência doméstica; no Canadá, assim como na Inglaterra, uma
em cada quatro mulheres sofreu violência doméstica; a autora ainda afirma, citando
Romkens (1989), que na Holanda 20,8% das mulheres entre 20 e 60 anos sofreram
violências físicas por parte de seus parceiros. Em um estudo com 384 mulheres casadas, de
20
uma cidade no México, Day et al (2003) encontraram em relação a estas uma prevalência
de: 42% de violência sexual, 40% de violência física e 38% de violência emocional.
Ao citar um estudo de McFarlane, Hirigoyen (2005) comenta que dentre 148
mulheres vítimas de violência no casal, 68% destas relataram ter sofrido violências sexuais
conjugais, além de pancadas e ferimentos. Sendo que estas mulheres apresentavam,
significativamente, mais sintomas psicológicos pós-traumáticos que as mulheres que
haviam sofrido apenas violência física.
No Brasil, os números não são diferentes, e mostram que a mulher vem sofrendo
deste mal constantemente. Um estudo realizado pela OMS com 2645 mulheres, com idade
entre 15 a 49 anos, entrevistadas na cidade de São Paulo e em Pernambuco, mostra que
29% das mulheres de SP e 37% das mulheres em PE relataram algum episódio de violência
física ou sexual cometida pelo parceiro (Lima et al, 2008).
Por meio de um estudo realizado no Recife, que analisou a associação entre a
violência física e fatores relacionados à mulher, Menezes et al (2003), ilustram que existe
um risco significativamente maior de que esta ocorra com mulheres com níveis mais
baixos de escolaridade, sendo quase 10 vezes maior para quem tinha até três anos de
estudo em comparação a 11 ou mais anos. Os autores comentam que não houve diferença
na freqüência de violência entre as mulheres com ou sem trabalho remunerado. Afirmam
ainda que a história familiar de violência apresentou associação estatisticamente
significativa com a freqüência da violência, implicando risco quase três vezes maior. Na
mesma análise, foi destacado dentre as agressões físicas: empurrão (ocorrência em 56,
4%), tapa (43, 6%), manchas rochas (16,4%), bofetada (7,3%), murro (5,5%), e
perfurações (3,6%). “O padrão de violência alterou-se durante a gravidez, tendo cessado
em 43,6%, diminuído em 27,3% e aumentado em 11% dos casos” (Menezes et al, 2003, p.
1).
7. Conseqüências
As conseqüências da violência intrafamiliar podem ser físicas e / ou psicológicas.
As seqüelas físicas são decorrentes da violência física e sexual; enquanto que as
psicológicas e emocionais são decorrentes dos três tipos de abuso (físico, sexual e
psicológico). Porém, em muitos casos a violência psicológica por si só acarreta também
seqüelas físicas.
21
A violência doméstica resulta, em diferentes intensidades, em diversos danos à
saúde. Dentre as seqüelas físicas destacam-se: cefaléia, dores, distúrbios de sono e/ou
alimentação, queixas ginecológicas e de esfera sexual, lesões abdominais e torácicas,
síndromes de dores crônicas, incapacitações físicas parciais ou permanentes, fibromialgia,
fraturas, doenças do aparelho digestivo, síndrome do cólon irritável, lesões oculares,
ferimentos, escoriações, hematomas, fraturas, alcoolismo, dependência química, doenças
sexualmente transmissíveis, esterilidade, dor pélvica crônica, gravidez indesejada,
natimortalidade, disfunção sexual, complicações na gravidez, aborto espontâneo, aborto
praticado em condições perigosas, danos auto-infligidos, transtornos psicossomáticos,
entre outros. Em relação às seqüelas psicológicas as mais freqüentes são: depressão,
síndrome de estresse pós-traumático, ansiedade crônica, fobias, síndrome do pânico,
sensação de perigo eminente, ideação suicida, tentativa de suicídio, homicídio, baixa auto-
estima, sentimentos de culpa e de vergonha, isolamento social, medo, temor, dificuldade de
tomada de decisão, dependência ao extremo, hábito de fumar, comportamento sexual de
risco, entre outros. (Menezes et al, 2003; Monteiro e Souza, 2007; Krug, Dahlber, Mercy,
Zwi, Lozano, 2002; Williams, 2005).
“De acordo com Grossi (1996), mulheres que sofrem violência doméstica estão
cinco vezes mais predispostas a apresentarem problemas psicológicos em relação às
mulheres que não vivenciam essa situação” (Galvão e Andrade, 2004).
Destaca-se aqui a dificuldade que as mulheres agredidas têm de sair da situação de
violência. Silva et al (2007, p. 6) comentam:
Faz parte da própria situação de violência que a mulher interiorize opiniões do companheiro sobre si reforçando, ainda mais, sua baixa auto-estima, agravando sua situação. Outras não só interiorizam as opiniões do companheiro, como absorvem desejos e vontades que a ele pertencem, anulando os seus. Quando chega nesse ponto, ela e o companheiro são um só.
É importante ressaltar que a violência intrafamiliar não ocorre isolada, ela gera
conseqüências negativas a curto, médio, e longo prazo; tanto na pessoa que sofre a
violência, quanto em quem, direta ou indiretamente, presencia esta. Por exemplo, no caso
de filhos de mulheres abusadas; a criança para ser afetada pela agressão não precisa nem
mesmo observá-la (Jouriles, McDonald, Norwood e Ezell, 2001, apud Brancalhone et al,
2004). Segundo a WHO (2008), a violência exercida contra a mulher tem repercussões que
22
vão além do dano imediato causado à vítima; tem conseqüências devastadoras para as
mulheres que a experimentam, e um efeito traumático para os que a presenciam, em
particular os filhos. Isto porque o fato de presenciar a violência já caracteriza uma das
formas da criança ser abusada psicologicamente.
Percebe-se então a gravidade do fenômeno, e as seqüelas que a violência causa em
todos os aspectos da vida dos envolvidos. Vale ressaltar a análise de Arthur (2004):
A violência contra as mulheres não pode ser analisada somente de maneira circunscrita ao domínio familiar e isolada do resto da sociedade, como simples manifestação privada, porque isso nos impede de apreendê-la em todo o seu significado. Por outro lado, mesmo quando a violência contra as mulheres ocorre no domínio privado, ela repercute-se em toda a sociedade.
8. Fatores de risco
De acordo com Soares (2005, p. 36), “a violência doméstica é um fenômeno tão
generalizado que não basta procurar suas origens nas perturbações individuais”. Segundo a
autora, pode-se dizer que a violência conjugal é resultante da integração dos seguintes
fatores: história pessoal, traços de personalidade, e fatores culturais e sociais.
Algumas situações de vida da mulher têm sido descritas, como fatores associados à
violência doméstica: baixo nível socioeconômico e baixo nível de suporte social (Audi,
Segall-Corrêa, Santiago, Andrade, e Pérez-Escamilla, 2008). Contudo, como já citado
anteriormente, a violência pode ocorrer independentemente destas variáveis. Soares (2005)
afirma que, muitas vezes, a violência doméstica vem acompanhada de outros problemas
como: pobreza, alcoolismo, uso e abuso de drogas, problemas mentais etc, porém, esses
não são a causa da violência, mas sim problemas adicionais; pois há muitos indivíduos
nessas situações que não se tornam agressores por isto.
Embora o uso e abuso de álcool não justifiquem o ato agressor, pesquisas
compravam que existe relação entre um fenômeno e outro; sendo que, tanto o alcoolismo,
quanto a violência são fenômenos de desequilíbrio pessoal e social. Segundo Coloma
(2001), o processo de alcoolização é um fenômeno que acompanha um conjunto de
problemas, a maioria das vezes como catalisador de atos agressivos. Guimarães e Grubits
(2007), afirmam que o alcoolismo está relacionado diretamente à problemática da violência
em geral. O mesmo acontece nos casos em que o agressor é usuário de drogas. De acordo
23
Leukefeld (2003), dentre o uso dos variados tipos de drogas que tem relação com atos
agressores, a cocaína é ainda mais relacionada à violência e agressão.
Segundo Hirigoyen (2005), outro aspecto que facilita a relação abusiva é grau de
vulnerabilidade das mulheres em situação de violência, seja essa de ordem social (ligada à
condição da mulher), ou de ordem psicológica (ligada ao histórico pessoal ou à
personalidade). A autora (p. 72) comenta:
Toda e qualquer mulher, seja qual for sua personalidade ou sua posição social, pode vir a sofrer violência por parte de seu cônjuge, mas alguns fatores de vulnerabilidade prejudicam as defesas da mulher. Falar de vulnerabilidade não significa que, em virtude de uma patologia, uma mulher atraia ou provoque esse tipo de situação, mas simplesmente que, diante desse tipo de agressão, algumas delas vão apresentar uma resistência menor.
Aqui é muito importante ressaltar a questão da intergeracionalidade da violência.
Segundo Nunes, Sarti, e Ohara (2008) muitos profissionais entendem que os atos violentos
fazem parte de um ciclo intergeracional, que decorre de experiências agressivas
vivenciadas no passado no convívio familiar, que são naturalizas ou repetidas
inconscientemente. Ou seja, uma mulher que vive situação de violência no seu histórico de
vida, provavelmente, verá essa como natural, e terá grandes chances de viver relações
abusivas fora da família de origem ou ser conivente com estas. Assim como se pode dizer,
que os indivíduos que praticam violência, muito provavelmente, também foram, de alguma
forma, abusados na sua família de origem. Conseqüentemente, os filhos destes, têm
grandes chances de também se tornarem abusadores.
9. Políticas Públicas voltadas para as mulheres
As Políticas Públicas devem ser baseadas nos princípios da igualdade e da
eqüidade; e são entendidas como um conjunto de normas que orientam práticas e apóiam
os direitos dos indivíduos em todos os setores e níveis da sociedade, disseminando assim o
sentido de justiça social. (Silveira et al, 2007).
Ao longo dos anos, a violência nas relações interpessoais e institucionais vem
ganhando atenção e mobilização por parte das políticas públicas, sendo que estas têm um
papel muito importante no enfrentamento da violência doméstica. Porém, estas não são de
fato incorporadas no cotidiano dos serviços de saúde ou de ensino (Gomes et al, 2007).
24
Segundo Rifiotis (2004), em muitos países, é o recurso aos serviços de polícia e de modo
geral ao sistema judiciário que caracteriza as políticas públicas contra a violência contra a
mulher. Contudo, estas devem ir além disto para serem realmente efetivas. Ao citar
Macedo et al, Sharaiber et al (2006) afirmam que um dos principais determinantes da
violência é a ausência de políticas públicas integradas e condizentes com as necessidades
da população em relação à saúde, educação, moradia e segurança. Silveira et al (2007)
afirmam que as Políticas Públicas surgem como uma necessidade em respostas aos
problemas sociais, por isto, devem refletir soluções às necessidades identificadas na vida
coletiva, nas suas diversas áreas (educação, saúde, trabalho, social, entre outras).
No ano de 2004 foi apresentado no Brasil o Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres (PNPM), tecido a partir das diretrizes definidas na I Conferência Nacional de
Políticas para as Mulheres (CNPM), reafirmando o compromisso do Governo Brasileiro
com o enfrentamento e a superação das desigualdades de gênero e raça no país. No ano de
2008 foi criado o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (II PNPM).
São indicadas nos Planos as políticas e linhas de ação propostas para a promoção da
igualdade de gênero. “O Plano está estruturado em torno de quatro áreas estratégicas de
atuação: autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania; educação inclusiva e não
sexista; saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; e, enfrentamento à
violência contra as mulheres” (Brasil, 2004, p. 13). Em relação a estas áreas contemplam-
se as políticas e ações que devem ser desenvolvidas, ou aprofundadas, para que mudanças
se efetivem na vida das mulheres brasileiras. Os princípios destes Planos são: igualdade e
respeito à diversidade; eqüidade; autonomia das mulheres; laicidade do estado;
universalidade das políticas; justiça social; transparências dos atos públicos; participação e
controle social.
Estes Planos trazem benefícios não apenas para as mulheres, mas para toda a
sociedade. Valle (2008) comenta que para que o II PNPM seja implementado, é
imprescindível a parceria entre a União, governos estaduais e governos municipais; assim
como é fundamental que a sociedade civil, em especial as mulheres, conheça as ações
propostas para que possa acompanhar e exigir sua execução. (Brasil, 2004; Valle, 2008).
10. Lei Maria da Penha – Lei 11.340/06
25
Maria da Penha Fernandes é uma brasileira, professora, de classe média alta, que
protagonizou um caso simbólico de violência doméstica e familiar contra a mulher. Em
1983, por duas vezes, seu marido tentou assassiná-la; na primeira vez (enquanto dormia)
por arma de fogo e na segunda por eletrocussão e afogamento. As tentativas de homicídio
resultaram em lesões irreversíveis à sua saúde, uma delas a paraplegia. Maria da Penha
transformou dor em luta e tragédia em solidariedade. A punição do agressor só ocorreu 19
anos e 6 meses após o ocorrido. Esta situação injusta provocou a formalização de denúncia
à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (órgão internacional responsável
pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação desses acordos
internacionais), pelo Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelo Comitê
Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a
vítima. É à luta dessa mulher e de tantas outras que devemos os avanços obtidos nos
últimos 20 anos; uma vez que foi através da Lei Maria da Penha que ocorreu um avanço na
proteção da mulher vítima da violência doméstica, assim como no enfrentamento desta.
(Brasil, 2006; Rabelo e Saraiva, 2006).
A Lei Maria da Penha – Lei 11.340/06 (Brasil, 2006), foi sancionada pelo
Presidente da República no dia 07 de Agosto de 2006, e entrou em vigor no dia 22 de
Setembro de 2006. A lei explica que durante muitos anos as mulheres lutaram para dispor
deste instrumento legal, e para que o Estado brasileiro passasse a enxergar a violência
doméstica e familiar contra a mulher (Brasil, 2006). A lei regulamenta muitas coisas que
até então não eram especificadas, ou que o eram de forma errônea e ineficaz. Por exemplo,
em relação aos procedimentos judiciais e à autoridade policial, ao cumprimento de penas
ou punições, à tipificação dos crimes de violência, entre outros. Antes da aprovação desta
lei ocorriam tantos “absurdos” relacionados ao entendimento da questão, que muitas vezes,
o agressor tinha como punição de violências graves cometidas realizar o pagamento de
cestas básicas.
Em relação às responsabilidades, atribuições e competências, a Lei Maria da Penha
(Brasil, 2006) estabelece as seguintes inovações: a tipificação / formas (física, psicológica,
sexual, patrimonial e moral) e definição da violência doméstica e familiar contra a mulher;
a determinação que a violência doméstica contra a mulher independe de sua orientação
sexual; a determinação de que a mulher somente poderá renunciar à denúncia perante o
juiz; estabelece que ficam proibidas as penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas
básicas) como forma de punição ao agressor; determina que é vedada a entrega da
26
intimação pela mulher ao agressor; estabelece que a mulher vítima de violência doméstica
será notificada dos atos processuais (especialmente quando o agressor for preso ou sair da
prisão); afirma que a mulher deverá estar acompanhada de advogado(a) ou defensor(a) em
todos os atos processuais; e retira dos juizados especiais criminais (lei 9.099/95) a
competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher.
Dentre várias outras condições, a Lei Maria da Penha (Brasil, 2006) ainda prevê um
capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial para os casos de violência
doméstica contra a mulher, além de permitir que a autoridade policial prenda o agressor em
flagrante sempre que houver qualquer forma de violência doméstica contra a mulher. A Lei
também registra o boletim de ocorrência e instaura o inquérito policial; altera o código de
processo penal para possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver
riscos à integridade da mulher; altera a lei de execuções penais para permitir o juiz que
determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e
reeducação; determina a criação de juizados especiais de violência doméstica e familiar
contra a mulher com competência civil e criminal para abranger as questões de família
decorrentes deste tipo de violência. No caso de violência cometida à mulher com
deficiência, a Lei afirma que a pena será aumentada em 1/3. Além disso, fica estabelecido
que a autoridade policial pode requerer ao juiz, e este conceder, em 48h, diversas medidas
protetivas de urgência (como suspensão do porte de armas do agressor, afastamento do
agressor do lar, distanciamento da vítima, dentre outras) para a mulher em situação de
violência; e solicitar ao juiz a decretação da prisão preventiva com base na nova lei que
altera o código de processo penal.
27
MÉTODO
Esta é uma pesquisa documental, realizada em prontuários arquivados de 850
mulheres, com idade entre 14 e 83 anos, usuárias de uma instituição que presta
atendimentos a mulheres em situação de violência. Os prontuários consultados foram
preenchidos na instituição pesquisada no período de 08 de Março de 2006 a 27 de Agosto
de 2008.
Local
A pesquisa foi realizada em uma instituição governamental da região metropolitana
da cidade de Curitiba, que tem parceria com a Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres, com a Presidência da República e com a Prefeitura de Curitiba.
Através de um trabalho multi e interdisciplinar, gratuito, que conta com a
contribuição da Rede de Proteção à Mulher em Situação de Violência, a instituição
mencionada oferece orientações e serviços psicológicos, jurídicos e de assistência social,
assim como realiza encaminhamentos a órgãos e instituições conveniadas ou de parcerias.
Procedimento
No dia 10 de Junho de 2008 foi realizada uma reunião entre a psicóloga do local
onde foi realizada a pesquisa, com a orientadora responsável pelo estágio de Psicologia
Social Comunitária da FEPAR, e com as autoras do presente trabalho. Isto com o objetivo
de comunicar a instituição da intenção de realizar um levantamento do perfil das mulheres
usuárias desta e do perfil de seus agressores. Após a proposta ter sido aprovada pela
psicóloga, foi obtida uma autorização por escrito da coordenadora do local.
Após, foi então definido que só seriam coletados os dados objetivos dos
prontuários, e quais seriam esses. Qualquer dado que tornasse possível a identificação das
usuárias foi ignorado. Os dados selecionados em relação às usuárias foram os seguintes:
data de atendimento; município e bairro de residência; data de nascimento; estado civil;
escolaridade; cargo / função de trabalho; salário; número de filhos; possibilidade de
gestação; uso de métodos contraceptivos; situação habitacional. Os dados relacionados aos
agressores foram: data de nascimento; sexo; vínculo com a usuária; se reside com a
usuária; escolaridade; se é usuário de álcool ou droga; cargo / função de trabalho; salário.
Em relação ao histórico da violência foram selecionados: tempo de relação entre a usuária
28
e o agressor; tipo de violência; tempo da violência; quem é o provedor da família. Também
foi selecionado o item que consta que encaminhamentos foram realizados em cada caso.
Todas as informações que constam nos prontuários foram cedidas pelas usuárias do
serviço, nenhuma pelos seus agressores.
Definido isso se deu início a coleta, que foi realizada pelas autoras do presente
trabalho. A coleta ocorreu entre os dias 17 de Junho e 03 de Setembro de 2008, (nenhum
prontuário foi retirado do local). Todos os dados obtidos foram dispostos em tabelas do
Excel.
Concluída a etapa de coleta foi então realizada uma padronização dos itens
coletados, e iniciada a contagem destes; assim como estabelecido o percentual das
informações obtidas. Algumas informações coletadas não constam nos resultados do
presente trabalho, pois não havia amostra estatística significativa.
Por fim foi realizada a análise dos resultados.
29
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Por meio dos dados coletados nos prontuários, foi possível observar características
tanto das mulheres em situação de violência que são usuárias da instituição utilizada para a
pesquisa, como de seus agressores. Os dados a seguir apontam estado civil destas
mulheres, grau de instrução, situação sócio-demográfica, e histórico da violência.
Em relação ao estado civil (Fig. 1), os resultados demonstraram que, apesar de
sofrerem violência, a maioria das mulheres permanecia casada (41,2%). As demais
situações compreendiam as mulheres que eram separadas ou divorciadas (11,7%), solteiras
(16,3%), que permaneciam em união estável (19,7%) e outros 6%. Sendo que este engloba
as situações: amasiada (0,8%), amigada (0,2%), convivente (2,8%), e viúva (2,1%).
41%
12%16%
20%
6% 5%
Casada Separada/Divorciada Solteira União estável Outros Dado não coletado
Fig. 1: Estado civil das usuárias.
Pelo fato de que as mulheres permaneciam em uma relação conjugal, observa-se a
dificuldade que têm de se separarem “de fato” de seus companheiros, motivo que leva a
continuidade de convivência com seus agressores (57,8%). Isso pode ser explicado pelo
fato de a mulher não conseguir romper com a situação abusiva; segundo Soares (2005), a
mulher ama o seu agressor (o que ela odeia é a violência).
As demais mulheres (31,5%) não residem com os seus agressores, mas não é
possível afirmar se houve a separação ou se estes já não moravam junto quando ocorreu a
agressão, pois os prontuários utilizados como fonte de coleta não descrevem esta situação.
30
Em 218 prontuários (26,3%) não constava esta informação. Esses dados podem ser
observados na Figura 2.
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
Sim Não Dado não coletado
Fig. 2: Mulheres que residiam, ou não, com seus agressores
Em relação ao tipo de vínculo entre a vítima da violência e o agressor (Tabela 1)
observou-se que os principais agressores destas mulheres eram parceiros íntimos (80,2%),
incluindo ex-namorado, ex-marido, ex-convivente. Outros responsáveis pela agressão eram
familiares, como mãe, pai, filho (a) e cunhado (6,7%). Os demais (1,4%) incluem pessoas
que não tinham nenhum tipo de vínculo, familiar ou afetivo, com a vítima. Os dados não
informados neste item compreendem 11,4%. Esse resultado assemelha-se com o estudo de
Deslandes e Galvão (2004), que apontam o companheiro como responsável por 91,9% das
agressões. Segundo Cardoso (apud Deslandes, Gomes e Silva, 2000), baseado no relatório
Injustiça Criminal - A Violência Contra a Mulher no Brasil, do America's Watch, em
grande parte das violências domésticas, o responsável pela agressão é o marido ou o
amante.
Tabela 1. Tipo de vínculo entre agressor e vítima.
Tipo de vínculo Nº %
Parceiro íntimo 682 80,20%
Familiares 57 6,70%
Outros 12 1,40%
Dado não coletado 97 11,40%
31
Com relação à faixa etária das mulheres (Tabela 2), que varia entre 14 e 83 anos,
foi observado que a maioria das mulheres que procurou atendimento na instituição
encontrava-se com idade entre 30 e 39 anos (32,2%), correspondendo à idade produtiva,
em que as mulheres tendem se casar, ter filhos e trabalhar; seguida por usuárias com idade
entre 40 e 49 anos (23,6%).
Com relação à faixa etária dos agressores (Tabela 3), a maior parte destes tinha
idade entre 30 e 39 anos (29,8%). Os demais entre 16 e 86 anos.
Tabela 2. Faixa etária – usuárias / mulheres.
Idade Nº %
13 a 19 anos 14 1,60%
20 a 29 anos 193 22,70%
30 a 39 anos 279 32,80%
40 a 49 anos 201 23,60%
50 a 59 anos 98 11,50%
60 a 69 anos 31 3,70%
Acima de 70 anos 10 1,20%
Dado não coletado 22 2,50%
Tabela 3. Faixa etária – agressores.
Idade Nº %
13 a 19 anos 9 1%
20 a 29 anos 118 13,80%
30 a 39 anos 254 29,80%
40 a 49 anos 200 23,50%
50 a 59 anos 113 13,20%
60 a 69 anos 37 4,30%
Acima de 70 anos 6 0,70%
Dado não coletado 113 13,20%
No que se refere ao número de filhos (Fig. 3), foi observado que a maioria das
mulheres (30,9%) tinha dois filhos, seguidas por usuárias que tinham filho único (21,7%).
32
Este dado pode ser compreendido quando comparado com a taxa de crescimento
populacional divulgada pela Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD), de
acordo com o lnstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2007), que aponta
para uma queda de fecundidade da mulher brasileira, mais especificamente no Paraná,
onde a taxa de fecundidade encontra-se em 1,8 filhos, em média, por mulher.
4%
22%
30%
21%
16%
7%
Nenhum Um filho Dois filhos Três filhos Mais de quatro filhos Dado não coletado
Fig. 3: Número de filhos das usuárias da instituição.
O número de usuárias grávidas (Tabela 4) encontrado na presente pesquisa pode
parecer pequeno (2,4%), mas em relação com a violência deve ser considerado importante,
pois demonstra que nem a situação de gestante livra a mulher de sofrer algum tipo de
maus-tratos. “Gestantes não estão livres de violência doméstica: em revisão de literatura,
foram observadas prevalências entre 0,9% e 20,1%” (Audi, Celene, Santiago, Andrade e
Escamila, 2008, p. 878).
Tabela 4. Gestantes que buscaram atendimento na instituição pesquisa.
Gestante N° %
Sim 20 2,40%
Não 721 87,20%
Dado não coletado 85 10,20%
33
Em relação ao uso ou não uso de método contraceptivo (Fig. 4) a maioria das
mulheres (47,3%) fazia uso de algum método. Sendo o mais utilizado o método de
anticoncepção hormonal (23,1%), que engloba pílulas, injeção, implante de hormônio, anel
vaginal e adesivo. Em seguida, o método definitivo (17, 1%), ou seja, laqueadura (130
usuárias da instituição) e vasectomia (11 parceiros das usuárias). E os métodos de barreira
(preservativos masculinos e femininos e Dispositivos Intra-uterinos – DIU), representando
5,5%. O total de mulheres que não faziam uso de nenhum método de prevenção de
gestação era de 30,9%. Os prontuários que não continham este dado informado
representam 21,5% do total pesquisado.
6%
23%
17%30%
22%2%
Método de barreira Método hormonal Método definitivoNão faz uso Não consta Sim - sem especificação
Fig. 4: Uso de método contraceptivo
Quanto à escolaridade das usuárias (Fig. 5), a maioria destas tinham ensino
fundamental completo (21,8%) e ensino médio incompleto (16,7%). As demais mulheres
eram analfabetas (1,45%), tem ensino fundamental incompleto (8%), ensino médio
completo (5,6%), ensino superior completo (3,1%) ou ensino superior incompleto (5,7%).
Os prontuários que não continham este dado representam 37,4% do total.
Com relação à escolaridade dos agressores, a maioria tinha ensino fundamental
incompleto (23,8%). Os demais eram analfabetos (1,2%), tinham ensino fundamental
completo (19,24%), ensino médio completo (19,17%), ensino médio incompleto, (4,58%),
34
ensino superior completo (5,8%) ou ensino superior incompleto (2,8%). Os dados não
informados totalizam 23%.
Embora a literatura relacione o baixo nível de escolaridade à situação de violência,
os resultados da presente pesquisa representam uma taxa de estudo relativamente alta (Fig.
5). Corroborando assim os dados apresentados pelo IBGE (2007), que demonstram que
existe uma tendência no aumento da escolarização e queda da taxa de analfabetismo, sendo
que o nível de instrução das mulheres continua mais elevado que o dos homens. Menezes
et. al (2003), ilustram um risco significativamente maior de ocorrer violência física contra
mulheres com níveis mais baixos de escolaridade. Mas a presente pesquisa demonstra que
a violência pode ocorrer em todos os níveis.
0
50
100
150
200
250
300
350
Analfabeto Ens.Fundamentalincompleto
Ens.Fundamental
completo
Ens. Médioincompleto
Ens. Médiocompleto
Ens. Superiorincompleto
Ens. Superiorcompleto
Dado nãocoletado
Usuárias Agressores
Fig. 5: Escolaridade das usuárias e dos agressores.
Outro dado possível de relacionar às causas da violência é o consumo de álcool ou
drogas feito pelos agressores (Tabela 5). Dentre os dados de 850 prontuários, o número de
homens que fazia uso de substância alcoólica é 421 (49,5%), sendo que destes 135 (15,8%)
combinavam o uso com outras substâncias tóxicas, como crack, cocaína, maconha e / ou
cola de sapateiro. E os que não consumiam nenhum tipo de substância alcoólica ou ilícita
eram 256 (30,1%). Relacionando com os dados coletados, segundo Kyriacou, Anglin,
Taliaferro (citado por Amorim, Santos e Faundes, 2003) “pode-se dizer que o álcool parece
corroborar a conduta violenta, não de forma direta, mas provavelmente por interferir nos
padrões de comportamento facilitando a violência”. Entretanto, os verdadeiros mecanismos
responsáveis por essa associação ainda estão por serem esclarecidos, não estando claro se o
abuso de álcool funciona como causa direta ou indireta da violência, ou ainda como um
35
modificador do efeito de outros fatores (Corsi J., apud Amorim, et. al, 2003). De acordo
Minayo e Deslades (citado por Rosa, Boeing, Oliveira e Coelho, 2008), o consumo de
álcool ou drogas pode acontecer antes ou depois de atos violentos. Já para Gomes e
colaboradores (apud Rosa et al, 2008), o álcool é a substância mais ligada às mudanças de
comportamento, desencadeando a violência, provocadas por efeitos psicofarmacológicos.
Leukefeld (2003) afirma que as drogas e o álcool têm relação com atos agressivos e
violentos.
Tabela 5. Agressores usuários, e não usuários, de substância alcoólica ou ilícita.
Usuários de álcool ou drogas N° %
Usuários de álcool 286 33,64%
Usuários de álcool e substância ilícita 135 15,88%
Não usuários 256 30,11%
Dado não coletado 173 20,35%
Como resultado socioeconômico, verificou-se que a renda, tanto das mulheres
quanto dos agressores, encontrava-se entre um e três salários mínimos (Fig. 6). Com
relação a valores de salários acima de cinco salários mínimos, o maior valor encontrado
para as mulheres estava em torno de R$ 7.000,00 (sete mil reais) e para os homens chegava
a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Percebe-se então que, embora a literatura relate que a
pobreza conduza à violência, esta pode estar inserida também em classes mais abastadas.
Adeodato, Carvalho, Siqueira e Sousa (apud Rabello e Caldas Junior, 2007) relatam que
mulheres de maior poder aquisitivo dispõem de recursos políticos e econômicos para
ocultar a violência doméstica, surgindo, então, a sub-representação nos dados de violência
denunciada.
36
0
50
100
150
200
250
300
350
400
Até 1 saláriomínimo
De 1 a 3saláriosmínimos
De 3 a 5saláriosmínimos
Acima de 5saláriosmínimos
Não temsalário fixo
Não consta
Mulheres Homens
Fig. 6: Faixa salarial das usuárias e dos agressores
Em relação a situação empregatícia (Fig. 7) observou-se que a maioria das
mulheres em situação de violência (59,8%) desenvolvia algum tipo de trabalho
remunerado. Este compreende não apenas os empregos ditos formais (com carteira
assinada), mas todos aqueles que geram algum tipo de renda (por exemplo, manicure
autônoma, diarista, vendedora autônoma, etc). A parcela correspondente a mulheres
usuárias da instituição que não estavam trabalhando é de 7,7%. Aquelas que se dedicavam
ao cuidado da casa representam 9,4%, e as que já estavam aposentadas 4,1%.
Ao se relacionar a violência doméstica com a situação empregatícia (Fig. 7),
Menezes et. al (2003) afirmam que não há diferença na freqüência de violência entre
mulheres com ou sem trabalho remunerado. Isto é corroborado com os resultados da
presente pesquisa, embora a porcentagem do número de mulheres que trabalhavam (60%)
seja maior do que as que não trabalhavam (32%). É importante destacar aqui que a
dependência ou independência financeira não são causas determinantes da ocorrência da
violência. Ao analisar a situação empregatícia dos agressores dessas mulheres (Fig. 8)
observou-se que 68% possuíam emprego remunerado, enquanto que 11% eram
desempregados e 5% já estavam aposentados; sendo que 16% corresponde a dado não
coletado.
37
60%
8%
4%
9%
19%
Empregada Desempregada Aposentada Do lar Dado não coletado
Fig. 7: Situação empregatícia das usuárias da instituição.
Fig. 8: Situação empregatícia dos agressores
No que diz respeito à situação habitacional (Fig. 9), os resultados apontam que a
situação que prevalecia era da casa própria (50,7%), seguida por locada (19%). As
demais situações compreendiam casa cedida, financiada, invasão, ou moradia com
outras pessoas (sogra, pais, irmãos), que totalizam 24,2%. Os dados não coletados
compreendem 6%.
68%
11%
5%
16%
Empregado Desempregado Aposentado Dado não coletado
38
Fig. 9: Situação habitacional das usuárias da instituição.
No que se refere ao histórico da violência (Fig. 10), os resultados da relação entre o
tempo de relacionamento e a situação de violência foram prejudicados pelo fato da
informação não constar em 584 prontuários. Mas dentre aqueles prontuários que continham
este dado informado (266 prontuários), observou-se que a violência ocorreu em
relacionamentos de maior duração, entre cinco e vinte anos de convivência. Os demais
compreendem o seguinte: entre um e cinco anos de relacionamento (2,25%); entre seis e 10
anos (20,3%); entre 11 e 15 anos (20,3%); entre 16 e 20 anos (19,1%); entre 21 e 25 anos
(9,02%); e acima de 26 anos de relacionamento (12,7%). Silva et. al (2007) afirmam que a
dificuldade de a mulher sair da situação de violência deve-se ao fato desta interiorizar as
opiniões do companheiro sobre si, reforçando sua baixa auto-estima, agravando sua
situação. Outras absorvem os desejos e vontades do companheiro, ignorando os seus
próprios; até que chega ao ponto em que ela e o parceiro “são um só”. Em síntese, destaca-
se aqui o fato de que, por conviverem com seus agressores, a coerção que estas mulheres
sofrem torna-se cada vez mais grave com o passar do tempo, e estas têm cada vez mais
dificuldade de romper com a situação de abuso.
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
Própria Locada Demais situações Dado não coletado
39
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
Menos de 1ano
De 1 a 5anos
De 6 a 10anos
De 11 a 15anos
De 15 a 20anos
De 20 a 25anos
Mais de 25anos
Fig. 10: Tempo de relacionamento entre vítima e agressor
Quanto aos tipos de violência (Fig. 11), o que prevaleceu foi a combinação de
violência física e psicológica (53,1%), seguido por violência psicológica (25,4%). Os
demais tipos relatados pelas mulheres usuárias da instituição foram: física/sexual/
psicológica (8,7); física (2,9%); sexual (1,6%); psicológica/sexual (1,4%); física/sexual
(0,5%). Os prontuários que não continham este dado representam 8,4% do total.
Com base nestes dados, pode-se concordar com Silva, Coelho e Caponi (2007, p.
99) quando estes afirmam que “o autor de violência, em suas primeiras manifestações, não
lança mão de agressões físicas, mas parte para o cerceamento da liberdade individual da
vítima, avançando para o constrangimento e humilhação”. Como mostra Miller (apud
Silva et. al, 2002, p.16), o agressor, antes de "poder ferir fisicamente sua companheira,
precisa baixar a auto-estima de tal forma que ela tolere as agressões". Lembrando que a
violência psicológica mesmo quando não percebida pela mulher, persiste em todos os tipos
de abuso.
40
3%
51%
9%1%
25%
1%2% 8%
Física Física/Psicológica Física/Psicológica/SexualFísica/Sexual Psicológica Psicológica/SexualSexual Dado não coletado
Fig. 11: Tipos de violência sofrida pelas mulheres.
Por fim, observou-se o tempo que a situação de violência perdura (Fig. 12). Sendo
que 23,6% das mulheres afirmaram que estavam em situação de violência em um período
entre um e cinco anos. As demais, entre seis e 10 anos (11,88%); entre 11 e 15 anos
(7,88%); entre 16 e 20 anos (3,64%); entre 21 e 25 (4,47%); e mais de 26 anos (3,52%).
Percebe-se assim, que a questão da violência vai aos poucos sendo “incorporada” na rotina
da mulher, e, segundo Andrade e Galvão (2004, p. 95), “as agressões vão se tornando cada
vez mais freqüentes, e as seqüelas, que podem ser visíveis como as resultantes da agressão
física, ou emocional, vão aos pouco se agravando”.
41
8%
24%
12%8%4%4%4%
36%
Menos de 1 ano De 1 a 5 anos De 6 a 10 anos De 11 a 15 anosDe16 a 20 anos De 21 a 25 anos Mais de 26 anos Dado não coletado
Fig. 12: Tempo que a usuária vinha vivenciando a violência
42
CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como objetivo demonstrar, através dos resultados da
pesquisa realizada e da revisão de estudos relacionados ao tema, as amplas dimensões do
problema da violência contra a mulher, e o quanto esta afeta negativa e significativamente
a vida de todos os envolvidos e a sociedade como um todo. A violência de gênero sempre
existiu, mas atualmente tem ganhado maior notoriedade devido aos sistemas mais
diferenciados de comunicação (como jornais, televisão, etc). É através desses e de
pesquisas realizadas que se torna possível a percepção do quão grave e absurda é a
naturalização desse tipo de violência.
Atualmente, percebem-se esforços nos âmbitos político, de saúde, social e
educacional na mobilização para atuar no enfrentamento da violência contra a mulher.
Contudo, ainda há um longo caminho a ser percorrido; uma vez que este inclui mudanças
de paradigmas, abandono de preconceitos, e conscientização da população em geral a
respeito do seu papel e responsabilidade na luta a favor dos direitos de igualdade entre
seres humanos.
Considerando-se os principais resultados obtidos com a pesquisa realizada,
destacam-se as seguintes conclusões.
A maioria das mulheres em situação de violência vivencia esta em casa, sendo que
os agressores são, na maioria das vezes, parceiros íntimos. E é esse fato, que de acordo
com a literatura, faz com que aumente a possibilidade de que ocorram novas agressões, e
que a mulher tenha grande dificuldade de mudar a situação de violência. Isto é
comprovado pelo fato de que a maioria das participantes do estudo vivia em situação de
violência por um período de tempo maior do que cinco anos, o qual pode ser considerado
longo. Outro aspecto muito importante observado foi que a dependência econômica não é
um fator que liga as mulheres ao seu agressor, uma vez que grande parte das destas tinha
trabalho remunerado, sendo muitas vezes provedoras (sozinhas) da família e da casa. Fato
este que contrapõe o mito de que a mulher não se separa devido à dependência financeira
que tem do marido.
Outro dado que se deve prestar atenção é o fato de que a violência não se manifesta
em sua forma mais “grave” de uma hora para outra, mas sim através de escaladas. Começa
sutilmente, até chegar a ápices quase impossíveis de suportar. Percebe-se isso através do
resultado da pesquisa que mostra que, em geral, um tipo de violência (psicológica, física e
43
sexual) não ocorre isoladamente, mas em paralelo com outro. Destaca-se aqui a grande
incidência e a gravidade da violência psicológica. Esta chama a atenção, pois, embora não
haja a ocorrência de marcas físicas, acarreta em profundos danos à auto-estima da mulher e
saúde geral desta. Sendo que, em síntese, este tipo de violência é a principal variável que
faz com que a mulher permaneça na relação de abuso.
Com isso, ressalta-se que a violência contra a mulher jamais deve ser percebida de
forma simplista, linear e preconceituosa, uma vez que existem muitas variáveis envolvidas
no fenômeno e na dificuldade que essa tem de sair da relação abusiva. Dentre estas
variáveis destacam-se a dificuldade da mulher em romper o ciclo da violência e a
dependência emocional dessa. Ressaltando que o processo chamado de “rotinização da
violência” acaba acontecendo, dentre vários outros fatores, devido à vergonha que a
abusada sente da situação, à falta de uma rede de apoio, e, principalmente, devido a
coerção constante que a mulher sofre pelo seu agressor.
Por se tratar de um tema complexo, ainda observa-se a dificuldade de alguns
profissionais de detectarem pistas que indicam que uma mulher, ou até mesmo criança,
está vivendo situações de violência, principalmente quando se trata de uma “vítima
silenciosa”, ou seja, aquela que não verbaliza sua situação. Por isto a importância dos
serviços especializados no atendimento à mulher em situação de violência, e,
principalmente, do preparo adequado dos profissionais que atuam não somente nestes
serviços, mas também nos serviços de saúde em geral.
Assim, percebe-se que é com “urgência” que se faz necessário que o tema
“violência contra a mulher” seja mais pesquisado e refletido. Pois é somente através de
conhecimento, pesquisas e informação, que se obtêm subsídios para atuar na prevenção,
enfrentamento, e processo de erradicação deste tipo de violência. Com base nisso que se
sugere para pesquisas futuras a realização da coleta de todos os dados dos prontuários das
mulheres usuárias do centro pesquisado, não apenas dos dados objetivos. Devido à falta de
tempo adequado, a pesquisa do presente trabalho deu ênfase somente a estes dados; mas ao
final dessa foi concluído o quanto os resultados seriam mais “integrais” e fidedignos se os
dados descritivos de cada caso também fossem averiguados. Isto porque muitas
informações objetivas não haviam sido coletadas pelo profissional responsável por esta
função (prejudicando assim a real percepção da realidade da variável estudada em cada
dado). Sugere-se também a realização de projetos que visem intervenções com mulheres
44
em situação de violência, assim como orientações aos profissionais para que coletem todos
os dados solicitados pelos prontuários.
Conclui-se que o presente trabalho é de grande importância para a sociedade, pois
esclarece dúvidas a respeito do tema através de pesquisa científica; deixando claro que o
fenômeno da violência contra a mulher deve ser sempre percebido através de uma
perspectiva sistêmica e não linear.
Por fim, destaca-se o quanto é imprescindível o processo de conscientização de
cada indivíduo na percepção de que também é responsável pelo enfrentamento da violência
contra a mulher, ou outros tipos de violência.
As violências conjugais têm um impacto sobre a saúde das mulheres e das crianças, e, a esse título, são não só uma questão de saúde pública, como também uma questão de toda a sociedade e dos valores que ela quer estabelecer. Comportamentos que ferem a dignidade das pessoas não poderiam ser banalizados ou considerados um simples assunto privado. Se quisermos que esta sociedade seja formada por indivíduos responsáveis, será preciso modificar os valores sociais a fim de construir uma sociedade mais igualitária e mais respeitosa. (Hirigoyen, 2005, p. 242).
45
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