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Governo Federal Dilma Vana Rousseff Presidente Ministério da Educação Aluísio Mercadante Ministro CAPES Jorge Almeida Guimarães Presidente Diretor de Educação a Distância João Carlos Teatini de Souza Clímaco Governo do Estado Ricardo Vieira Coutinho Governador UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA Antonio Guedes Rangel Junior Reitor José Ethan de Lucena Barbosa Vice-Reitor Pró-Reitor de Ensino de Graduação Eli Brandão da Silva Coordenação Institucional de Programas Especiais – CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEAD Eliane de Moura Silva Assessora de EAD Coord. da Universidade Aberta do Brasil - UAB/UEPB Cecília Queiroz falta atualizar EXPEDIENTES Sociolinguistica -.indd 1 03/07/2013 13:47:31

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Governo FederalDilma Vana Rousseff

Presidente

Ministério da EducaçãoAluísio Mercadante

Ministro

CAPESJorge Almeida Guimarães

Presidente

Diretor de Educação a DistânciaJoão Carlos Teatini de Souza Clímaco

Governo do EstadoRicardo Vieira Coutinho

Governador

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBAAntonio Guedes Rangel Junior

Reitor

José Ethan de Lucena BarbosaVice-Reitor

Pró-Reitor de Ensino de Graduação

Eli Brandão da Silva

Coordenação Institucional de Programas Especiais – CIPESecretaria de Educação a Distância – SEAD

Eliane de Moura Silva

Assessora de EADCoord. da Universidade Aberta do Brasil - UAB/UEPB

Cecília Queiroz

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB

EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBARua Baraúnas, 351 - Bodocongó - Bairro Universitário - Campina Grande-PB - CEP 58429-500

Fone/Fax: (83) 3315-3381 - http://eduepb.uepb.edu.br - email: [email protected]

Editora da Universidade Estadual da Paraíba

DiretorCidoval Morais de Sousa

Coordenação de EditoraçãoArão de Azevedo Souza

Conselho EditorialCélia Marques Teles - UFBADilma Maria Brito Melo Trovão - UEPBDjane de Fátima Oliveira - UEPBGesinaldo Ataíde Cândido - UFCGJoviana Quintes Avanci - FIOCRUZRosilda Alves Bezerra - UEPBWaleska Silveira Lira - UEPB

Universidade Estadual da ParaíbaMarlene Alves Sousa LunaReitora

Aldo Bezerra MacielVice-Reitor

Pró-Reitora de Ensino de Graduação Eliana Maia Vieira

Coordenação Institucional de Programas Especiais-CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEADEliane de Moura Silva

Cecília QueirozAssessora de EAD

Coordenador de TecnologiaÍtalo Brito Vilarim

Projeto GráficoArão de Azevêdo Souza

Revisora de Linguagem em EADRossana Delmar de Lima Arcoverde (UFCG)

Revisão LinguísticaMaria Divanira de Lima Arcoverde (UEPB)

Diagramação Arão de Azevêdo SouzaGabriel Granja

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Sociolinguística

Adriana Rodrigues Pereira de Souza Fabiene Araújo Batista

Francisca Maria de Mélo

Campina Grande-PB2013

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Sumário

I UnidadeSociolinguística: pressupostos teóricos, conceitos e objeto de estudo....7

II UnidadeSociolinguística Variacionista: pressupostos teóricos e metodológicos....21

III UnidadeSociolinguística Variacionista: comunidade de fala, variação, variantes e variáveis........................................................................39

IV UnidadeA norma culta, as variações e o erro linguístico...................................53

V UnidadeA Importância do Tratamento da Variação no Ensino de Língua Materna................................................................69

VI UnidadeA Sociolinguística na sala de aula....................................................87

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I UNIDADE

Sociolinguística: pressupostos teóricos, conceitos e objeto de estudo

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Apresentação

Nesta primeira unidade, nossa proposta é refletir sobre as relações entre linguagem e sociedade. Apresentamos os pressupostos teóricos, conceitos e objeto de estudo que figu-ra no âmbito da Sociolinguística. Ao chegar nesse momento do curso, você já deve ter com¬preendido que o fenômeno linguístico não recebeu o mesmo tratamento e que a própria linguística recebeu influência de outras áreas de estudo, tais como, a psicologia, a sociolo¬gia, a filosofia, entre outras. O reconhecimento de que a língua é um processo político--social, materializada no texto que pode ser oral ou escrito representativa de uma determinada comunidade, ficando a disposição dos falantes que, ao atualizá-la transmite o seu pensamento de forma cristalizada ao seu ouvinte, mostran-do seu falar com sotaque, regionalismo, entonação etc.

Por isso, contamos com a sua participação efetiva e inte-rativa para que juntos possamos construir o conhecimento. Em caso de surgimento de alguma dúvida durante o estudo do material, procure o tutor ou professor responsável pela disciplina. Para isso, envie mensagens a eles solicitando es-clarecimentos, bem como discuta com os colegas sobre os questionamentos em relação às leituras re¬alizadas.

Bom estudo!

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Objetivos

Para esta unidade, esperamos que você consiga:

• Dominar os conceitos de língua, dialeto e variedade linguística pertinentes à Sociolinguística.

• Distinguir os conceitos de língua, dialeto e variedade linguística, separando o campo de estudos da Socio-linguística e da Dialetologia.

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Breves considerações acerca da sociolinguística: pressupostos teóricos.

O termo “Sociolinguística” fixou-se em 1964, em um congresso organizado por William Bright, do qual participaram vários estudiosos da relação entre linguagem e sociedade, como John Gumperz, Einar Haugen, William Labov, Dell Hymes, John Fischer e José Pedro Rona, entre outros. Os trabalhos apresentados neste congresso partiam da hipótese de que a Sociolinguística deve demonstrar a co-variação sis-temática das variações linguísticas e social. Ou seja, relacionar as va-riações linguísticas observáveis em uma comunidade às diferenciações existentes na estrutura dessa mesma sociedade. A proposta inicial da área era identificar um conjunto de fatores socialmente definidos, com os quais se supõe que a diversidade linguística esteja relacionada. Na verdade, a sociolinguística é uma continuidade dos estudos do começo do século XX, de Franz Boas, Edward Sapir, Benjamin L. Whorf, em uma corrente chamada Antropologia Linguística, para a qual linguagem, cultura e sociedade são considerados fenômenos inseparáveis. Você encontrará um retrospecto mais amplo da emergência da Sociolinguís-tica em ALKMIN, Tânia. Sociolinguística. Parte I. In: Fernanda Mussalim, Ana Cristina Bentes (orgs.). Introdução à linguística: 1. Domínios e fron-teiras. São Paulo: Cortez, 2001. p. 21-47.

Em 1962, Dell Hymes propõe um novo domínio de pesquisa, a Etnografia da Fala, rebatizada mais tarde como Etnografia da Comu-nicação. De caráter interdisciplinar, buscando a contribuição de áreas como a Etnologia, a Psicologia e a Linguística, este domínio pretende descrever e interpretar o comportamento linguístico no contexto cultu-ral. A Etnografia da Comunicação desloca o enfoque tradicional sobre o código linguístico para definir as funções da linguagem a partir da observação da fala e das regras sociais próprias a cada comunidade. William Labov, em 1963, publica um estudo em que analisa comuni-dade da ilha de Martha’Vineyard, Massachusetts/Estados Unidos, des-tacando o papel decisivo dos fatores sociais na explicação da variação linguística, isto é, da diversidade linguística observada. Labov consegue evidenciar a relação entre fatores como idade, sexo, ocupação, origem étnica e atitude ao comportamento linguístico manifesto dos vineyar-denses, mais concretamente, à pronúncia de determinados fones do inglês. Em 1964, Labov realiza um estudo sobre a estratificação social do inglês em Nova York, a partir do qual fixa um modelo de descrição e interpretação do fenômeno linguístico no contexto social de comunida-des urbana – conhecido como Sociolinguística Variacionista ou Teoria da Variação, de grande impacto na linguística contemporânea.

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William Labov (pron.: lə-BOHV; born De-cember 4, 1927) is an American linguist, widely regarded as the founder of the dis-cipline of variationist sociolinguistics. He has been described as “an enormously ori-ginal and influential figure who has crea-ted much of the methodology” of sociolin-guistics. He is employed as a professor in the linguistics department of the University of Pennsylvania, and pursues research in sociolinguistics, language change, and dialectology.

Os estudos de Labov estão traduzi-dos para o português e publicados no livro Padrões sociolinguísticos (2008). Merece destaque o ramo de estudos conhecido como Sociolo-gia da Linguagem. Em um contínuo partindo do social ao linguístico, a Sociologia da Linguagem estaria mais ao final do social do que do início do linguístico. Este campo da Sociolinguística foca os estudos de atitudes linguísticas, plurilinguismo, planificação linguística e políticas de normativização linguística. No extremo do contínuo, mais próximo da linguística, ficariam a Sociolinguística Variacionista, os estudos de variação de registro, redes sociais, pidgins e crioulos. A Sociologia da Linguagem e a Sociolinguística são abordagens entrelaçadas, interdis-ciplinares. Assim, estes múltiplos enfoques que se abrigam sob o rótu-lo Sociolinguística cobrem uma grande variação de assuntos que têm atraído fortemente a atenção de estudiosos e pesquisadores e que po-dem em muito contribuir para a prática docente do profissional das Le-tras. Estas abordagens têm enriquecido as discussões sobre os estudos variacionistas relacionados principalmente com a mudança linguística, tanto no indivíduo como na comunidade, merecendo, assim, cada vez mais a realização de pesquisas empíricas, no sentido de contribuir para a definição do conjunto de variedades e normas que, de fato, constitui o chamado português do Brasil.

Nesta unidade, vamos discutir conceitos que são muito próximos, e por vezes até tomados por sinônimos, que causam certa confusão quando mal empregados. O que é uma língua? E o que é um dialeto? O que diferencia uma língua de outra? E quantos dialetos têm uma lín-gua? Como surgem as línguas? Estas e outras questões estão na esfera da Sociolinguística e também da Dialetologia. Veremos, então, como distinguir estes dois campos do saber, definindo os objetos de análise de cada um.

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Conceitos: língua e dialetoQuando observamos as relações entre língua e sociedade, frequente-

mente ouvimos avaliações sobre o falar diferente de outras pessoas: falar “arrastado”, “cantado”, “rápido demais”, “forte”, entre outras avaliações um tanto quanto subjetivas. Você já ouviu um português falando portu-guês? Se você ainda não teve esta oportunidade, entre no site do Instituto Camões e acesse o áudio e transcrição de alguns falares de Portugal. Nós, brasileiros, temos a impressão de que os portugueses falam “engolindo” as vogais. Mas se todos nós falamos o português (e foi assim que aprende-mos na escola), por que será que existem tantas diferenças? Quando nos deparamos com alguém que fala “diferente”, dizemos que esta pessoa tem “sotaque”. Sempre é o outro quem tem sotaque; é uma impressão subjeti-va da diferença, que faz com que julguemos o falar; daí as avaliações de “arrastado”, “cantado”, etc. A definição de sotaque é relacionada à pro-núncia característica de um dado país, uma dada região, um dado indi-víduo. O sotaque que percebemos são características supra-segmentais e fonéticas. Por exemplo, a entonação, a duração e a altura dos segmentos. Quando falamos em sotaque, falamos nos traços melódicos da realização linguística. Vemos isto com mais clareza quando nos deparamos com um estrangeiro falando outra língua que não a sua língua materna: tendemos a colocar o nosso padrão melódico, além de fazer adaptações fonéticas. Por exemplo, em inglês, a sequência ortográfica th, em “the”; “this”, “thoot”, tem realização fonética de uma fricativa dental, som que não é fonêmico no português. Por isso, quando um brasileiro está aprendendo inglês, faz algumas aproximações fonéticas para tentar realizar o som: falar um /d/ assoprando ou falar um /t/; seja qual for a tentativa, não é a mesma coisa que uma fricativa dental, e o falante nativo logo percebe o sotaque, ainda que a estrutura gramatical e as escolhas lexicais estejam impecáveis. Um sotaque costuma ser associado a um dado perfil de falante, normalmente associado à sua origem. Percebemos, por exemplo, o sotaque paulista, o sotaque baiano, o sotaque carioca. Muitas vezes, as características são es-tereotipadas: muitos pensam que, para falar “carioquês”, basta palatalizar as fricativas em posição de coda, como em “dois”, “pasta”, etc, ou para falar “caipirês”, basta realizar os /r/ em posição de coda como retroflexos. Você conhece alguém que passou três meses no Rio de Janeiro e voltou fa-lando mais carioquês que o próprio carioca? Neste caso, temos uma valo-ração positiva do estereótipo, pois o traço é adotado como um diferencial, um índice de pertencimento. Mas pode ocorrer o contrário, a valoração negativa: a discriminação e o preconceito linguístico em função dos traços. Mas as diferenças entre os falares são muito mais do que apenas a curva melódica. A seguir o quadro com os tipos de assaltantes brasileiros.

Humor - Os vários tipos de assaltantes brasileiros

Assaltante Cearense:“ Ei, bixim... Isso é um assalto... Arriba os braços e num se bula

nem faça munganga... Passa vexado o dinheiro senão eu planto a peixeira no teu bucho e boto teu fato pra fora...

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Perdão meu Padim Ciço, mas é que eu tô com uma fome da moléstia...”

Assaltante Mineiro:“Ô sô, prestenção... Isso é um assartin, uai... Levanto os braço e

fica quetin quesse trem na minha mão tá cheio de bala... Ói, passa logo os trocado que eu num tô bão hoje... Vai andando, uai, tá esperando o que, meu fi.”

Assaltante Gaúcho:“ O gurí, ficas atento... Báh, isso é um assalto... Levantas os

braços e te aquieta, tchê! Não tente nada e tome cuidado que esse facão corta que é uma barbaridade! Passa os pilas prá cá! E te manda a la cria, senão o quarenta e quatro fala!!”

Assaltante Carioca:“ Seguiiiinnte, bicho... Tu se f... isso é um assalto...Aí, passa a grana e levanta os braços rapá... Não fica de bo-

beira que eu atiro bem pac... Vai andando e se olhar pra trás vira presunto...”

Assaltante Baiano:“ Ô meu rei...(longa pausa)... isso é um assalto... Levanta os

braços, mas não se avexe não...(outra pausa) Se num quiser nem precisa levantar, pra num ficar cansado... Vai passando a grana (pausa), bem devagarinho... Num repara se o berro está sem bala, mas é pra não ficar muito pesado... Não esquento, meu irmãozi-nho, vou deixar teus documentos na próxima encruzilhada...

Assaltante Paulista:“ Ôrra, meu... Isso é um assalto, meu... Alevanta os braços,

meu... Passa a grana logo, meu... Mais rápido, meu, que eu ainda preciso pegar a bilheteria aberta pa comprar o ingresso do jogo do Curintia, meu... Pô, se manda, mano...”

BRASÍLIA - Assaltante Candango (QUE VIVE EM...) “ Caro povo brasileiro,no final do mês, aumentaremos as se-

guintes tarifas:energia, água, esgoto, gás, passagem de ônibus, iptu, ipva, licenciamento de veículos, seguro obrigatório, gasolina, álcool, imposto de renda, IPI, ICMS,PIS, COFINS”.

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Atividade I

SÓ QUEM É PARAIBANO ENTENDE!

Gente alta é galalau; Botão de som é pitôco;

Se é muito miúdo é pixototinho; Se for resto é cotôco;

Tudo que é bom é massa ; Tudo que é ruim é peba; Rir dos outros é mangar; Já faltar aula é gazear;

Quem é franzino (pequeno e magro) é xôxo; O bôbo se chama leso;

E o medroso se chama frouxo; Tá com raiva é invocado; Vai sair, diz vou chegar;

“Caba”(homem) sem dinheiro é liso; A moça nova é boyzinha; Pernilongo é muriçoca;

Chicote se chama açoite; Quem entra sem licença emburaca;

Sinal de espanto é “vôte”; Tá de fogo, tá bicado

Quando tá folgado, tá folote ou afolozado; Quem tem sorte é cagado; Pedaço de pedra é xêxo;

Quem não paga é xexêro; O mesquinho ou sovina é amarrado, muquirana, mão de Vaca, pirangueiro; Quem dá furo (não cumpre o prometido ou compromisso) é fulero;

Sujeira de olho é remela; Gente insistente é pegajosa;

Meleca se chama catota; Catinga de suor é inhaca;

Mancha de pancada é roncha; Briga pequena é arenga;

Perfomance ou atitude de palhaço é munganga; Corrente com pingente é trancilim;

Pão bengala é tabica; Desarrumado é malamanhado;

Pessoa triste é borocoxô, macambúzo; “É mesmo” é “ iapôi “;

Borracha de dinheiro é liga; Correr atrás de alguém é dar uma carrera;

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Fofoca é fuxico; Estouro aqui se chama pipôco;

Confusão é rolo. É assim que acontece, visse!

01. Como você define sotaque

02. O que caracteriza o “sotaque”?

03. Retire do texto intitulado: Só quem é paraibano entende, exemplos de características supra-segmentais e segmentais. Justifique explicando a realização fonética.

Objeto de estudos: sociolinguística e dialetologiaVamos refletir sobre a dialetologia e a sociolinguística

O conceito de dialeto apesar de ter adquirido contornos pejorati-vos, sendo entendido como uma espécie de corruptela da língua, na verdade se trata de apenas uma variedade linguística. Assim, na Socio-linguística, opta-se por tratar as realizações linguísticas em comunida-des específicas como variedades linguísticas.

A Dialetologia é o ramo da ciência linguística que trata do estudo dos dialetos e das fronteiras dialetais, tanto geográficas como sociais. A Sociolinguística, por sua vez, elege como objeto de estudo a variedade linguística, a coexistência das regras variáveis. Embora em princípio pareça a mesma coisa, a Sociolinguística e a Dialetologia têm aborda-gens metodológicas diferenciadas.

As diferenças linguísticas costumam ser reunidas em três tipos de variação: a variação regional ou geográfica (diatópica), a variação so-cial (diastrática), e a variação estilística ou de registro mais ou menos formal (diafásica). Podemos ainda considerar uma quarta variação, de-corrente da modalidade oral ou escrita da língua (diamésica). Todos os tipos de variação ocorrem nos diferentes níveis linguísticos: fonético--fonológico; morfológico; sintático; lexical e discursivo.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Uma vez que conhecemos a distinção entre sotaque e dialeto, e que adotamos o rótulo variedade linguística para abranger as diferentes reali-zações de uma língua em relação aos grupos de falantes específicos, va-mos passar à definição de língua propriamente. Uma língua é muito mais uma unidade política do que uma unidade linguística. A noção de língua está associada a uma nação, a um povo, a um território. Em muitos casos, variedades de uma mesma língua são tão ou mais diferentes do que duas línguas o são entre si. Quando falamos em língua, falamos em um traço pátrio, identitário e institucional. Assim, todas as línguas têm variedades. Tomemos o caso do português. O português é a língua oficial de oito pa-íses de quatro continentes, que compreendem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçam-bique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. O português falado no Brasil é diferente do português falado em Angola, assim como, dentro do Brasil, o português falado em Salvador/ BA é diferente do português falado em Rio de Janeiro/RJ. Assim, dizemos que a língua portuguesa é composta por variedades. Dando continuidade a nossa discussão focalizaremos as diferenças entre Sociolinguística e Dialetologia.

A Dialetologia surge no século XIX, tem interesse pelo mapeamento geográfico das variedades linguísticas; e pontua os traços linguísticos específicos – por exemplo, itens lexicais e aspectos fonológicos – são elencados e a partir dos quais são coletados dados dos informantes para que subsidiem o delineamento das isoglossas.

A Sociolinguística é mais recente, nasce na segunda metade do século XX. As variedades linguísticas também são seu objeto, mas sob uma pers-pectiva e tem como interesse investigar o modo como determinada varie-dade se comporta nas diferentes estratificações da comunidade de fala. Em síntese, a Dialetologia vê diferenças entre áreas dialetais tomando por base um traço linguístico específico. A abordagem Sociolinguística observa como este traço linguístico se comporta dentro de uma comunidade de fala: quando se faz uso deste traço (contexto formal ou informal?), quem faz uso deste traço (Homens ou mulheres? Jovens ou adultos?), entre ou-tros, com o intuito de definir as relações dentro da comunidade.

Atividade II

01. O que é uma língua?

02. O que é um dialeto?

03. Qual a diferença entre Sociolinguística e Dialetologia?

04. Registre abaixo exemplos de variação diatópica, variação diastrática, variação diafásica e variação diamésica.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Diversidade linguística: encontros & encantos

Quando os portugueses aportaram no Brasil, à época do desco-brimento, depararam-se com uma população autóctone que não fa-lava português.O que duas pessoas, cada uma falando uma língua diferente, fazem para se comunicar? Nestes contextos de comunicação emergencial, podemos tentar mímica, gestos, a associação dêitica en-tre uma forma fônica e uma entidade. O interesse em tentar aprender a língua do outro é proporcional ao interesse nos frutos da interação com o outro. As situações de contato linguístico dão-se principalmente nas situações de interação comercial e processos migratórios maciços (como a escravidão). Quando duas línguas entram em contato, uma assume a função de superestrato (língua do grupo dominante – geral-mente minoritário – imposta como veículo de comunicação ao grupo dominado a partir da qual se constitui o léxico da língua que pode se formar na situação de contato) e a outra assume a função de substrato (língua do grupo dominado – geralmente majoritários – que se adapta em termos de estrutura gramatical para receber a contribuição lexical da língua do grupo dominante), situação que pode vir a originar um pidgin. Um pidgin se forma nesta situação de interação, de contato lin-guístico emergencial, incorporando o léxico do superestrato linguístico à estrutura gramatical do substrato linguístico. A partir do momento que o pidgin passa a ser língua materna (pensemos nos casamentos interétnicos), configura-se um crioulo. Uma das línguas crioulas mais famosas é o tokpisin, falado na Nova Guiné, que tem o inglês como su-perestrato e uma língua aborígene como substrato. As línguas crioulas podem, ainda, sofrer um processo conhecido como “descrioulização”, em que os falantes assumem o superestrato linguístico como o padrão de correção gramatical, aproximando a estrutura gramatical do crioulo à da língua do superestrato.

Atividade III01. O que caracteriza os encontros & encantos na diversidade linguística?

02. Amplie seu universo de conhecimentos e pesquise exemplos de língua em que uma assume o papel de superestrato e a outra de substrato.

03. Registre com suas palavras, seu entendimento sobre o que é piding e crioulo.

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18 SEAD/UEPB I Teorias Linguisticas III

Leituras recomendadas

A publicação, em 1972, de Padrões sociolin-güísticos [Sociolinguistic Patterns] representou o nascimento oficial de uma área dos estudos da linguagem que, desde então, não tem parado de se desenvolver em todo o mundo: a sociolin-güística variacionista. Interessado, de início, em desvendar os enigmas da mudança lingüística,

William Labov acabou revelando a complexa relação desse fenômeno, diacrônico, com outro, sincrônico: a variação lingüística. As línguas mudam porque variam? foi a revelação trazida por ele, ao resgatar dos subterrâneos da Lingüística estruturalista os falantes e suas interações sociais, elementos tidos como “perturbadores” pela primeira grande escola de estudos lingüísticos do Ocidente, inaugurada por Ferdinand de Saussure na primeira década do século XX. As línguas mudam por-que não existem “línguas”: existem falantes de carne e osso, vivendo em sociedades complexas, hierarquizadas, heterogêneas, e que, eles sim, mudam as línguas? o que torna impossível desvincular os fatos de linguagem dos fatos sociais.

Este livro reafirma o princípio de que a lingüística só pode ser definida como o estudo da comunidade social em seu aspecto lingüístico e ocupa-se de tra-zer um pouco de ordem à profusão de abordagens que caracteriza o campo. A publicação de Sociolin-güística - uma introdução crítica, primeiríssima obra de introdução à sociolingüística que se imprime no Brasil, vem preencher uma lacuna inexplicada.

O livro é composto de uma coletânea de artigos e um CD encartado. A reunião dos trabalhos é uma contribuição expressiva para a Sociolinguística no Brasil, apresentada em estudos de cunho teórico e aplicado, nos quais são discutidas as questões de língua e sociedade, com especial atenção para os temas de variação fonética, gênero, bilinguismo e bilingualidade, diglossia, política e planificação linguística, línguas em / de contato, línguas de imigrantes e perda de línguas.

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Resumo

No estudo proposto para esta unidade refletimos sobre os pres-supostos teóricos da Sociolinguística, sobre os conceitos de língua e dialeto, os objetos de estudo da Sociolinguística e da Dialetologia, e as diferenças entre ambas. Vimos que, quando observamos a relação entre língua e sociedade, ouvimos avaliações referentes ao falar dife-rente de outras pessoas (“arrastado”, “cantado”, “forte”, etc.). A isto chamamos de sotaque, e o interessante disso é que sempre é o outro quem tem sotaque, quando falamos em sotaque, falamos de traços melódicos da realização linguística. Um sotaque costuma ser associa-do a um dado perfil de falante, normalmente associado à sua origem, percebemos, por exemplo, o sotaque baiano, o sotaque carioca etc. Um dialeto costuma ser definido como a forma como uma dada língua é realizada em dada região geográfica; não é só o contorno melódico e os supra-segmentos que são diferentes: os traços lexicais, morfofo-nêmicos, morfossintáticos e semântico-discursivos também apresentam diferenças. Assim, na Sociolinguística, opta-se por tratar as realizações linguísticas em comunidades específicas como variedades linguísticas. Vimos também que uma língua é muito mais uma unidade política do que uma unidade linguística; está associada a uma nação, a um povo, a um território. Vimos que, quando duas línguas entram em contato, uma assume a função de superestrato e a outra assume a função de substrato, podendo originar um pidgin. A partir do momento que o pidgin passa a ser língua materna configura-se um crioulo (como o tok pisin, falado na Nova Guiné). Cabe ainda mencionar que a Sociolin-guística e a Dialetologia são as áreas da Linguística que lidam com o falar, em perspectivas diferenciadas, pois a Sociolinguística foca as re-lações da comunidade de fala com dado traço linguístico e a Dialetolo-gia foca as fronteiras entre variedades a partir de dado traço linguístico.

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Autoavaliação

01. Registre em forma em forma de glossário as ferramentas da Sociolinguística considerando os pressupostos teóricos, os conceitos e o objeto de estudo.

ReferênciasALKMIN, Tânia. Sociolinguística. Parte I. In: Mussalim, Fernanda; Bentes, Ana Cristina Bentes (orgs.). Introdução à linguística I. Domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. p. 21-47.

BAGNO, Marcos. A linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2002.

KOCH, Ingedore Villaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.

LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008.

SAUSSURE, Ferdinand de. [1916] Curso de linguística geral. 24 ed. São Paulo: Cultrix, 2002.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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II UNIDADE

Sociolinguística Variacionista: pressupostos teóricos e metodológicos

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ApresentaçãoOlá! Iniciamos mais uma unidade cujo intuito é entender

de forma harmoniosa a relação entre linguagem e socie-dade. Essa relação será aqui subsidiada pelos pressupostos teórico-metodológico da Sociolinguística Variacionista.

Ao estudarmos a língua em uso numa comunidade de fala, nos defrontamos com a realidade de variação. Os falan-tes têm características distintas, variáveis (sexo, idade, profis-são, classe social, etc.) e estas diferenças, identificadas como fatores sociais ou externos, também atuam na forma de cada um se expressar. Porém, a variação será observada nos fala-res da comunidade, cujo recorte para efeito de informação/interação teórico-prática contemplará a comunidade de fala do Rio de Janeiro. Enfatizaremos, pois, que nem sempre a variação está ligada apenas aos fatores externos. Fatores in-ternos, inerentes ao sistema linguístico, também pressionam e possibilitam a ocorrência da variação. Estudaremos também um outro conceito inerente a linguagem, o de mudança lin-guística. Trata-se, portanto, de uma questão diacrônica. Por outro lado a variação linguística é de natureza sincrônica. Ar-regacemos as mangas, e mãos a obra.

Bons estudos!

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Objetivos

Para esta unidade, esperamos que você consiga:

• Conhecer os pressupostos teórico – metodológico que figura na Sociolinguística Variacionista.

• Compreender a peculiaridades, e a importância das naturezas da linguagem: variação e mudança linguís-tica na relação linguagem e sociedade.

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A Sociolinguística variacionista

A Sociolinguística Variacionista é um dos ramos da So-ciolinguística. Nesta unidade, vamos analisar detalhada-mente os estudos pioneiros de William Labov, pois é a partir deles que se firma este ramo de estudos da Sociolinguística. A Sociolinguística Variacionista é uma área muito produtiva no cenário brasileiro da pesquisa linguística, bem como traz contribuições significativas para o ensino de língua materna. Por isso, daremos especial atenção a este ramo da Sociolin-guística. Inicialmente, veremos os estudos que subsidiaram as bases teóricas e os princípios metodológicos da Sociolin-guística Variacionista. Em seguida, veremos os conceitos bá-sicos da Sociolinguística Variacionista: comunidade de fala, variáveis e variantes.

Os estudos pioneiros de William Labov

O estudioso William Labov é considerado o fundador dos estudos variacionistas da Sociolinguística. Esta linha de pesquisa busca estudar padrões sistemáticos de variação na sociedade, adotando o método de análise quantitativo. Para chegar a este modelo, as constatações de dois estu-dos foram essenciais: a realização dos ditongos na ilha de Marthas’s Vineyard e a realização do /R/ na cidade de Nova Iorque. Vamos refletir!

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A realização dos ditongos em marthas’s vineyard

A ilha de Martha’s Vineyards (Massachussets, Estados Unidos) ( Fontes: 01 http://www.world-guides.com, 02 http://www.balcells.com, 03 http://static.howstuffworks.com

Martha’s Vineyard é uma ilha pertencente ao Estado do Massachus-sets, na costa Atlântica dos Estados Unidos. Na época das observações de Labov, a ilha contava com cerca de 5.500 habitantes, dividida entre três grandes grupos étnicos: indianos, portugueses e ingleses. A parte oeste da ilha é onde se concentravam os moradores permanentes, e foi a área escolhida pelos veranistas, que compraram quase toda área da costa nordeste, conhecida como Ilha Baixa. A porção ocidental da ilha, Ilha Alta, onde residia a maioria dos nativos, tem características estritamente rurais, com pequenos vilarejos, lagoas salvadas e pânta-nos despovoados. É nesta região que fica Chilmark, vilarejo que vive de atividades pesqueiras, e que já foi sede de uma indústria de caça de baleias. Dos 2,5% da população ainda envolvidos na indústria de pesca à época da investigação de Labov, a maioria vivia na área de Chilmark. Os pescadores de Chilmark formavam o mais fechado grupo social da ilha, notadamente avesso à invasão dos veranistas. Os pesca-dores eram caracterizados pelos outros ilhéus como pessoas indepen-dentes, hábeis, fisicamente fortes, corajosos, sumarizando as virtudes daquilo que se considerava o “bom e velho Yankee”, em oposição aos veranistas, vistos como representantes da sociedade voltada ao con-sumo. O lugar é um cenário encantador, que, na época, atraia cerca de 40000 turistas de veraneio na temporada. Apesar do fluxo turístico, a ilha era a cidade mais pobre do Estado de Massachussets. É neste cenário socioeconômico e cultural que William Labov empreendeu sua investigação, que tinha como objeto as diferenças entre a variedade linguística dos nativos ilhéus e a variedade padrão do resto da região onde ficava a ilha. O foco da análise foi a realização dos ditongos /ay/ e /aw/ (como em mouse e mice), que são normalmente pronunciados no sudeste da região da Nova Inglaterra, mas em Martha’s Vineyard, Labov frequentemente ouvia e, o que aponta para o arredondamen-

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to ou centralização dos ditongos. Assim, para sua investigação, Labov entrevistou 69 pessoas. Para ter certeza de que os informantes usa-riam palavras que contivessem os ditongos, Labov elaborou um roteiro de entrevista que tornava provável o uso de palavras como “right” ou “life” nas respostas. Outra estratégia utilizada para ter uma base mais uniforme da variação foi a leitura de um texto, contendo palavras com os ditongos, por alunos de uma escola da ilha e também outras pes-soas. Sete das leituras foram gravadas para serem submetidas a uma análise espectográfica (a fim de analisar os formantes dos ditongos). A primeira constatação de Labov foi que as pessoas da faixa etária 30-45 anos tendem a centralizar os ditongos mais que a faixa etária mais jovem ou mais velha. Outra constatação foi que os habitantes da Ilha Alta costumam centralizar os ditongos que os habitantes da Ilha Baixa. Os pescadores de Chilmark centralizam /ay/ e /aw/ muito mais que qualquer outro grupo ocupacional. Falantes descendentes de ingleses e de indianos tendem mais a centralizar os ditongos do que descen-dentes de portugueses. Estes resultados pareciam evidenciar que gera-ção, ocupação e grupo étnico podem ser uma primeira categorização quanto à dimensão social do uso da língua. Para explicar o fenômeno das diferentes realizações dos ditongos em Martha’s Vineyard um novo critério foi adicionado: “atitude quanto à Martha’s Vineyard”. A hipóte-se para investigação era que pessoas orientadas positivamente quanto à Martha’s Vineyard tenderiam a centralizar mais que as pessoas com orientação negativa sobre a ilha. De fato, há uma ideia separativista quanto à língua entre os Vineyarders: “Vocês que vem para cá, para Martha’s Vineyard não entendem os costumes das velhas famílias da ilha... costumes e tradições estritamente marítimos... e aquilo que nos interessa, o resto da América, esta parte do outro lado aqui da água que pertence a vocês e com que nós não temos nada a ver, se esqueceu completamente” (LABOV, 2008, p. 49).

Pessoas da Ilha Alta em média tendem a centralizar os ditongos mais frequentemente que a média dos habitantes de Ilha Baixa. As pes-soas da Ilha Alta que definitivamente querem ficar na ilha mostram um significativo aumento na tendência de centralização, enquanto as pessoas de Ilha Baixa que querem emigrar quase não mostram centra-lização dos ditongos /aw/ e /ay/.

Já Pessoas que mostram uma atitude negativa em relação à Martha’s Vineyard e/ou querem deixar a ilha imitam o acento da variedade da Nova Inglaterra, enquanto as pessoas que querem ficar expressam sua atitude em relação à ilha – talvez inconscientemente – pela tendên-cia média a forte de centralização dos ditongos. Como resultados do estudo em Martha’s Vineyard, Labov formula algumas regras para a mudança linguística, definindo seu contexto.

Para investigar mais aprofundadamente o problema das condições sob as quais a mudança linguística toma lugar, Labov empreendeu um estudo sobre a estratificação do /R/ na cidade de Nova York. Fica como sugestão para aprofundar sobre o referido estudo a obra: LABOV. W. Padrões Sociolinguísticos. 2008.

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Atividade I01. Vamos pesquisar!!!

a) Escolha uma comunidade. Pode ser no seu bairro, ambiente de trabalho, grupo de amigos entre outros.

b) Nessas comunidades selecione um grupo de pessoas de acordo com a: idade, sexo e escolaridade.

c) Primeiro observe bem o falar dessa comunidade. Em seguida grave trechos de conversa. Após analise o que se pede, escolhendo uma das sugestões:

• a realização da concordância de plural • a realização do /r /, pode ser no meio, no final ou como ditongo.

d) Por fim registre os resultados da sua investigação e socialize com a turma. É bem interessante. Você verá.

Comunidade de fala, variável e variantes

É a partir dos estudos de William Labov na década de 1960 que se consolida um ramo da linguística conhecido como Sociolinguística Varia-cionista, o qual estuda padrões sistemáticos de variação na sociedade. Adota o método de análise quantitativo com o objetivo de descobrir como e por que os indivíduos “falam diferente”. A Sociolinguística Variacionista

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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parte do princípio de que a variação linguística é analisada em relação a fatores externos: classe sócio-econômica, faixa etária, gênero, grupo étnico, lugar de origem, grupo geracional, escolarização, redes de rela-ções sociais, e também quanto a fatores internos, inerentes ao sistema. Ou seja, a variação não ocorre de forma caótica e assistemática, mas sim corresponde à coexistência de diferentes normas linguísticas, que são estabelecidas em diferentes nichos sociais. Uma primeira noção impor-tante dentro da Sociolinguística Variacionista é a noção de comunidades de fala. Vamos relembrar: o objeto da Sociolinguística Variacionista é a língua, observada, descrita e analisada em seu contexto social, isto é, em situações reais de uso. Por isso, o ponto de partida da análise deve ser a comunidade de fala. Uma comunidade de fala se caracteriza não pelo fato de se constituir por pessoas que falam do mesmo modo, mas por indivíduos que se relacionam, por meios de redes comunicativas diver-sas, e que orientam seu comportamento verbal por um mesmo conjunto de regras, constituindo uma norma linguística. Por exemplo, podemos selecionar e descrever comunidades de fala como a cidade de Campina Grande -PB, dos estudantes do ensino básico de uma escola municipal da zona rural da referida cidade. É importante destacar que os indivíduos que compõem a comunidade de fala não falam igual, mas compartilham os mesmos juízos e crenças de valor em relação às normas linguísticas vigentes na comunidade, pois, toda comunidade se caracteriza pelo em-prego de diferentes modos de falar. Aos diferentes modos de falar, a Sociolinguística reserva o nome de variedades linguísticas. E o conjunto de variedades linguísticas utilizado por uma comunidade é chamado re-pertório verbal. Qualquer língua, falada por qualquer comunidade, exibe sempre variação, logo, a língua é representada por um conjunto de va-riedades. Por exemplo, concretamente o que chamamos de Língua Por-tuguesa engloba os diferentes modos de falar utilizado pelo conjunto de seus falantes do Brasil, em Portugal, em Angola, etc. E a Sociolinguística encara a diversidade linguística não como um problema, mas como uma qualidade constitutiva do fenômeno linguístico, que influencia o processo de ensino-aprendizagem de língua materna. Voltando à questão da va-riação: cada indivíduo tem um comportamento linguístico particular – há inovações –, mas não é um indivíduo que estabelece/muda as regras da língua e sim o grupo em interação social. A mudança só ocorre se a nova forma for adotada pela comunidade de fala, pois o indivíduo é um ser estratificado. Disso, resulta, a noção de heterogeneidade sistemática. Um sistema linguístico ideal, como o previsto pelos estruturalistas, seria regido apenas por regras categóricas, ou seja, regras que não têm exce-ções, não tem outra possibilidade de ocorrência. Uma regra categórica do português é que o artigo deve sempre preceder o nome, como em “o aluno”, e nunca o contrário (ninguém diz “aluna a”). O sistema linguís-tico real, porém, é regido por regras variáveis inerentes a ele (além das categóricas) e estas regras variáveis podem ser mais ou menos aplicadas, dependendo do ambiente linguístico e/ou social, o que define a nature-za do sistema como probabilística e pressupõe o emprego de técnicas quantitativas para a observação das regularidades que o regem. Um conceito que muitas vezes é confundido com variação linguística é o de mudança linguística. Passemos a tratá-lo a seguir.

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Atividade II01. Registre abaixo o seu entendimento sobre:

• variação• fatores internos e externos a variação• comunidades de fala• regras variáveis

Mudança linguística Sabemos que a língua é viva e que, consequentemente, ela muda

através dos tempos. Em termos linguísticos, as mudanças não são con-sideradas aperfeiçoamentos de uma língua. As mudanças, assim como as variações linguísticas, podem ocorrer em diferentes planos (sintáti-cos, fonéticos, morfológicos, semânticos)

Para a linguística, a língua de hoje não é melhor ou pior que a de ontem. Aqui é importante destacar que o português só existe hoje por-que o latim sofreu uma série de mudanças.

A mudança linguística está relacionada às evoluções de uma língua ao longo do tempo. Trata-se, portanto, de uma questão diacrônica. Por outro lado a variação linguística é de natureza sincrônica.

A mudança linguística ocorre de forma mais nítida e rápida na ora-lidade.

O ponto de partida para a reflexão é tentar explicar por que as lín-guas mudam. Afinal, se uma língua tem de ser estruturada de modo a funcionar eficientemente como as pessoas continuam a falar enquanto a língua muda, ou seja, enquanto passa por períodos de menor siste-maticidade? Se pressões forçam uma língua a mudar, e se a comunica-ção é menos eficiente nesse ínterim, por que tais ineficiências não são observadas na prática? Weireinch, Labov e Herzog ([1968]2006) bus-cam em Herman Paul, representante da corrente dos neogramáticos, a postulação o idioleto como o mais legítimo objeto de estudo linguístico. Ou seja, na língua do indivíduo. O estruturalismo estabelece a homo-geneidade, que é encontrada no idioleto, como pré-requisito básico para a análise linguística. Weireinch, Labov e Herzog propõem o rom-pimento da relação dicotômica estrutura igual homogeneidade, intro-duzindo a noção de heterogeneidade sistemática; argumentam que as mudanças linguísticas não ocorrem em idioletos, mas nas gramáticas

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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da comunidade mais ampla. Cada indivíduo tem um comportamento linguístico particular – há inovações –, mas não é um indivíduo que es-tabelece/muda as regras da língua e sim o grupo em interação social. A mudança só ocorre se a nova forma for adotada pela comunidade de fala. Assim, o ponto de partida de uma mudança é sempre um ambien-te mais favorecedor, e aos poucos, se propaga aos ambientes menos favorecedores. Este percurso é gradual que se manifesta nas alterações de frequências de aplicação da regra em cada contexto linguístico e so-cial. Logo, a mudança é questão de frequência1. Veremos, em seguida, como lidar com as frequências; muitos escolheram o curso de Letras porque não gostavam de matemática. A Sociolinguística trabalha com gráficos e tabelas, percentuais e probabilidades.

Segundo Weireinch, Labov e Herzog ([1968]2006), ao estudarmos um fenômeno de mudança linguística, nos depararemos com cinco problemas que precisam ser averiguados:

1. Problema das restrições: quais são os condicionamentos e as restri-ções linguísticas e extralinguísticas gerais à mudança que determi-nam as alterações possíveis e sua trajetória?

2. Problema da transição: como uma mudança acontece? Quais são seus caminhos e etapas? O sistema linguístico de um indivíduo muda ao longo de sua vida? Como as mudanças são difundidas na comunidade de fala? Como elas se movem de uma comunidade a outra? Como uma mudança é transmitida de uma geração a outra?

3. Problema do encaixamento: como as mudanças se encaixam no sis-tema das relações linguísticas e extralinguísticas das variantes? Que outras mudanças estão associadas com uma certa alteração de um modo que não possa ser atribuído à coincidência? Podemos postu-lar duas dimensões do encaixamento: o encaixamento da variável na estrutura linguística e as possíveis relações em cadeia; e o en-caixamento da variável na estrutura social, em que se identificam os grupos sociais aos quais as formas se vinculam.

4. Problema da avaliação: como os membros de uma comunidade de fala avaliam uma mudança particular? Avaliações negativas po-dem afetar o curso da mudança? Ela pode ser detida ou revertida como consequência do estigma social? O nível de consciência dos membros da comunidade de fala é uma característica essencial da mudança linguística e deve ser considerado na análise.

5. Problema da implementação: por que uma dada mudança linguís-tica ocorreu em certa época e lugar? O problema da implementa-ção está ligado às causas da mudança e aos demais problemas: em que parte da estrutura social e linguística a mudança se origi-nou, como se espalhou para outros grupos, que grupos mostraram maior resistência a ela?

1 Labov (1994, p.25)

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Atividade III

01. Mudança linguística é?

02. Registre exemplos de mudança linguística ocorridos nos níveis:

• sintáticos • fonéticos • morfológicos • semânticos

03. Imagine um diálogo sobre os cinco problemas que precisam ser averiguados,

que ocorrem no âmbito das mudanças linguística. Como você abordaria esta questão?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Na sequência trataremos sobre outro conceito importantíssimo na Sociolinguística: a variável linguística. Atenção,dedicação e persistên-cia são essenciais aos estudos. Persista pois.

Variável linguísticaA variável linguística ou regra variável é um conceito muito impor-

tante na Sociolinguística. Uma variável linguística é um “elemento vari-ável dentro do sistema controlado por uma regra singular”2. Podemos dizer que a variável linguística é um constructo teórico básico da socio-linguística variacionista. É o objeto ou o foco da pesquisa. A variável linguística costuma ser relacionada como variável dependente: “Uma variável é concebida como dependente no sentido que o emprego das variantes não é aleatório, mas influenciado por grupos de fatores de

2 Weireich, Labov e Herzog ([1968] 2006, p.167).

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natureza social ou estrutural”3. São exemplos de variável linguística a alternância entre nós e a gente; concordância verbal; realização do /s/, entre outros, no português. As variáveis independentes são as variáveis (ou grupos de fatores) que influenciam a ocorrência da variável depen-dente ou regra variável. O conjunto de variável dependente e variáveis independentes forma o que Tarallo (1985) chama de “envelope da va-riação”. As regras variáveis tendem a se tornar categóricas, generali-zando-se. Mas há casos de variação estável, ou seja, períodos em que as variantes co-ocorram, sem que uma sobreponha à outra. Uma vari-ável linguística, ou seja, regra variável comporta duas ou mais varian-tes. As variantes correspondem aos modos alternativos semanticamente equivalentes de dizer “a mesma coisa” (valor referencial ou represen-tacional) em um mesmo contexto. Ou seja, uma regra variável possui duas ou mais variantes (caso não tenha, não temos uma regra variável, mas sim uma regra categórica). As variantes são as formas linguísticas alternantes que configuram um fenômeno variável. As variantes podem permanecer estáveis nos sistemas ou podem mudar quando uma das variantes desaparecer. Vamos ver alguns exemplos do português para deixar os conceitos mais claros. Para nos referirmos à 1ª pessoa do plu-ral, em português, dispomos de duas formas pronominais: uma forma dita “canônica”, prescrita e registrada nas gramáticas normativas da língua portuguesa, que é o pronome pessoal nós, e outra forma, inova-dora, que aparece em algumas gramáticas normativas da língua por-tuguesa como observação restrita à fala coloquial, que é formada pela forma a gente. Assim, podemos dizer que a referência à 1ª pessoa do plural no português é uma regra variável, porque dispomos de duas va-riantes: as formas nós e a gente. Embora haja muitos estudos relativos a essa variável no português, podemos perceber intuitivamente algumas tendências de usos das duas formas: por exemplo, os jovens e as crian-ças tendem a utilizar muito mais a forma a gente do que a forma nós. Ou ainda, em situações mais formais, por exemplo, em uma audiência judicial, a forma nós predomina. Já em uma conversa entre amigos no bar, a forma a gente predomina. A faixa etária e o nível de formalidade são fatores de caráter externo, são fatores sociais que determinam/condicionam o uso de uma forma ou de outra. Temos, ainda, nesta regra variável, fatores internos ao sistema. Por exemplo, a forma verbal (desinência número pessoal) e o paralelismo. Se um falante diz “Saímos cedo”, a desinência número-pessoal do verbo fará com que sua frase seguinte também mantenha essa desinência, e se ele utilizar um prono-me para preencher a posição de sujeito, terá uma alta possibilidade de usar a forma nós: “mas ainda assim nós chegamos atrasados”. Esta é uma motivação estrutural, para respeitar o paralelismo. Além disso, as formas a gente chegamos e nós chegou são altamente estigmatizada, sendo alvo de preconceito linguístico. Outro exemplo de regra variável do português seria a expressão formal da concordância de número. A regra canônica da concordância de número no português diz que todos os elementos nominais de um sintagma plural devem receber marca explícita de concordância de número, como em “as pesquisas linguís-ticas” e os professores ensinam português”. Na fala, porém, notamos que apenas o 1º elemento de um sintagma nominal recebe a marca, sendo suprimida nos demais, como em as pesquisaØ linguísticaØ, os

3 MOLLICA; BRAGA (2003, p.11).

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professores ensinaØ português. A regra variável, neste caso, refere-se à expressão da marca de concordância de número. As variantes são a presença vs. a ausência da marca formal de concordância de número nos elementos nominais do sintagma.

Atividade IV

01. Qual a importância da variável linguística para a Sociolinguística?

02. O que caracteriza a variável linguística?

03. O que entende por variável dependente e variáveis independentes?

04. Retire do texto exemplos de variável dependente e de variáveis independentes.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadas

Você pode ler estes estudos na íntegra nos capí-tulos 1 e 2, respectivamente, do livro Padrões So-ciolinguísticos, de William Labov (2008), cuja tradução para o português foi feita por Marcos Bagno, Marta Scherre e Caroline Oliveira.

Uriel Weireich, William Labov e Marvin Herzog são os autores de um texto clássico, que é consi-derado uma das bases da Sociolinguística: “Fun-damentos empíricos para uma teoria da mudan-ça linguística”. Publicado em 1968, foi traduzido para o português por Marcos Bagno, em 2006. É uma leitura bastante densa, que faz um retros-pecto das propostas para explicar a mudança linguística, desde o movimento neogramático até o pós-guerra. Na edição brasileira, Carlos Alberto Faraco faz a “Apresentação de um clássi-co”, em que discorre sobre a história do texto e

propõe um roteiro de leitura. Aqui teremos uma sumarização breve e livre do texto, focando alguns pontos basilares da Sociolinguística. Cer-tamente, esta amostra irá despertar seu interesse pela leitura da obra integral.

Esta obra aborda as diferentes dimensões da So-ciolingüística quantitativa, contribuindo para o conhecimento da estrutura e o funcionamento do português no Brasil, e das relações entre língua e sociedade, enfatizando o impacto dessa análise para os problemas do ensino da língua.

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Resumo

O nosso propósito nesta unidade foi apresentar os pressupostos Teórico metodológico da corrente conhecida como Sociolinguística Variacionista, dando ênfase aos estudos pioneiros de William Labov (considerado o fundador dos estudos variacionistas da Sociolinguísti-ca), além de expormos alguns conceitos básicos, como: comunidade de fala, variáveis e variantes. Vimos que esta linha de pesquisa bus-ca estudar padrões sistemáticos de variação na sociedade, adotando o método quantitativo. Também vimos que, para que se chegasse a este modelo, as constatações de dois estudos de William Labov foram essenciais: a realização dos ditongos na ilha de Marthas’s Vineyard e a realização do /R/ pós-vocálico na cidade de Nova York. Em se tratando de conceitos básicos da Sociolinguística Variacionista, uma primeira noção básica é de comunidade de fala: cada indivíduo tem um comportamento linguístico particular, mas vale ressaltar que não é um indivíduo que muda as regras da língua e sim um grupo em inte-ração social – comunidade de fala. Vimos que variação é o processo em que duas ou mais formas ocupam o mesmo contexto com o mesmo valor de verdade/desempenham o mesmo significado na língua e que variantes são as formas envolvidas num processo de variação, como, por exemplo, tu/você; leiti/leite. Sumarizando, em toda comunidade de fala são frequente as formas linguísticas em variação, pois as formas mudam gradual e continuamente, podendo assumir múltiplos lugares, o que faz crescer as possibilidades de termos várias formas competindo pelos mesmos lugares. Então, podemos dizer que a Sociolinguística Va-riacionista tem como perspectiva estudar diferentes formas concorrendo para o desempenho de determinada função no sistema linguístico.

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Autoavaliação

Após estudar esta unidade, você capaz de definir os conceitos de comunidade de fala, variável e variantes. Será, também, capaz de identificar fenômenos variáveis do português? Faça as atividades sugeridas, pois elas foram pensadas exatamente para que reflita sobre o assunto abordado. Para revisar e ampliar seus conhecimentos realize a atividade a seguir. Se após ler sentir dificuldades troque ideias com os colegas, os tutores. Não guarde para dúvidas consigo!

1. Oswald de Andrade é um dos representantes do Modernismo no Brasil. Uma das características deste período é a valorização do nacional. Explore o conceito de variável e variantes a partir dos poemas: Vício na fala e Pronominais.

Vício na fala

Para dizerem milho dizem mioPara melhor dizem mió

Para pior pióPara telha dizem teia

Para telhado dizem teiadoE vão fazendo telhados.

PronominaisDê-me um cigarroDiz a gramática

Do professor e do alunoE do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom brancoDa Nação BrasileiraDizem todos os dias

Deixa disso camaradaMe dá um cigarro.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Referências

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LABOV, William. Principles of linguistic change – internal factors. Oxford: Blackwell, 1994.

MOLLICA, Maria Cecília, BRAGA, Maria Luiza. Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação. Rio de Janeiro: Contexto, 2003.

NARO, Antony Julius; SCHERRE, Maria Marta Pereira. Origens do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2007.

TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1985.

WEINREICH, Uriel; LABOV, William; HERZOG, Marvin. Fundamentos empíricos para uma teoria de mudança linguística. São Paulo: Parábola, 2006.

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Sociolinguística Variacionista: comunidade de fala, variação, variantes e variáveis

III UNIDADE

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Apresentação

Olá! Pessoal.

Bem vindos a mais uma unidade da nossa disciplina. Va-mos avante estudar sobre as ferramentas de investigação da Sociolinguística Variacionista: comunidade de fala, va-riação, variantes e variáveis. É preciso ter força, ter garra, é preciso ter gana sempre para ter êxito nos estudos. Vai ser bem divertido. Diversão com disciplina e compromisso.

Nas próximas páginas vamos viajar pelo universo linguís-tico da língua em uso, nos contextos de três comunidades linguísticas inscritas aqui sob a tutela de projetos, Programas de Estudos sobre o Uso da Língua, em território nacional denominados de PEUL – Rio de Janeiro, VARSUL – Santa Catarina e VALPB – Paraíba. Agora é chegada a hora de ler, reler, refletir e investigar.

Bom trabalho!

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Objetivos

Para esta unidade, esperamos que você consiga:

• Refletir sobre as ferramentas de análise da corrente conheci-da como Sociolinguística Variacionista, com ênfase nos estudos pioneiros de William Labov.

• Compreender alguns fenômenos variáveis no português brasi-leiro, considerando a comunidade de fala, a variação, as va-riantes e as variáveis.

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Agora que conhecemos o objeto da Sociolinguística e a orientação teórico-metodológica da Sociolinguística Variacionista, vamos atentar para o cenário brasileiro, refletindo, inicialmente, sobre como observar a variação em uma comunidade de fala tão ampla e diversificada como é a brasileira. Conheceremos alguns projetos de cunho sociolinguístico no Brasil que descrevem a variação em comunidades de fala menores. E, depois, atentaremos para alguns resultados destes projetos, descre-vendo variação no âmbito fonético-fonológico e morfossintático, com os pronomes.

A Comunidade de Fala Brasileira

Você se lembra do conceito de comunidade de fala adotado pela Sociolinguística Variacionista, tratado na unidade anterior? É um con-junto formado por falantes que antes de compartilharem traços linguís-ticos semelhantes, compartilham atitudes e valores, normas sociais. As-sim, no cenário socioeconômico e cultural brasileiro, fica difícil pensar em uma “comunidade de fala brasileira”, envolvendo toda a dimensão nacional. Pense-se por exemplo, nos valores compartilhados entre uma comunidade rural do interior da Paraíba e uma comunidade urbana, do Rio de Janeiro, capital; não só os traços linguísticos são distintos, mas os valores compartilhados em cada comunidade também o são. Além disso, os estudos variacionistas precisam verificar a dinâmica da variação e mudança, ou seja, como um processo se comporta dentro da comunidade. Para isso, é preciso que os falantes que compõem a unidade de análise “comunidade de fala” tenham interação entre si em uma taxa significativa. Isto se torna claramente impossível se definirmos uma comunidade de fala única composta por 192 milhões de falantes! Ainda assim, precisamos analisar a variação na comunidade de fala brasileira... Mas como? Para viabilizar metodologicamente a análise, os estudos sociolinguísticos no Brasil têm sido realizados em projetos que delineiam comunidades de fala menores. Estes projetos tentam, na medida do possível, seguir a mesma metodologia no que diz respeito à coleta de dados (usando o recurso da entrevista sociolinguística) e à forma de estratificação social. Isto faz com que os estudos realiza-dos possam posteriormente ser cotejados, a fim de promover estudos contrastivos entre as variedades do português. A comparação entre re-sultados obtidos para fenômenos variáveis é um método analítico que permite grandes avanços teóricos para a pesquisa linguística, uma vez que transcender os limites de uma única variedade linguística possibilita o estabelecimento, refinamento e fortalecimento de generalizações e princípios de variação e mudança universais.

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Vamos, a seguir, conhecer alguns dos principais projetos que ado-tam a metodologia da Sociolinguística Variacionista para a descrição do português falado no Brasil.

Atividade I01. O que caracteriza uma comunidade de fala?

02. Qual o método de investigação utilizado para estudar e compor uma comunidade de fala?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Projetos e Bancos de Dados do Português brasileiro

O projeto PEUL (Programa de Estudos sobre o Uso da Língua), conhe-cido originalmente como Projeto Censo da Variação Línguística do Estado do Rio de Janeiro, visa o estudo do português falado no Rio de Janeiro. Foi o projeto pioneiro a adotar a metodologia da Sociolinguística Variacio-nista no Brasil. O banco de dados do PEUL é composto por dois corpora: a amostra Censo 80, coletada na década de 1980, e a amostra Censo 00, coletada na década de 2000, ambos com 48 horas de gravação de falantes adultos, divididos por três faixas etárias (15-25 anos, 26-49 anos e mais de 50 anos) e uma amostra de crianças na faixa de 7 a 14 anos. O PEUL, além de controlar as variáveis sociolinguísticas clássicas – sexo, idade e escolaridade –, controla variáveis sociais não convencionais, tais como a relação dos informantes com produtos culturais (como mídia te-levisiva e escrita, cinema, teatro e outros), a sua posse de bens materiais disponíveis no mundo moderno (apartamentos, carros, telefones, viagens, etc.) e as suas expectativas em relação ao futuro. Esse procedimento é uma tentativa de mapear variação linguística na sociedade brasileira, na

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qual apenas a categorização por classe social segundo parâmetros como renda, local de moradia, escolarização e profissão não é claramente deli-mitada. Conjugadas às variáveis sociolinguísticas convencionais, essas va-riáveis mais refinadas permitem detectar tendências divergentes no interior da mesma comunidade de fala. (PAIVA, SCHERRE, 1999, p. 219).

Conheça o PEUL no site <http://www.letras.ufrj.br/peul/index. html>. No link “banco de dados”, você poderá acessar as amostras gravadas e transcritas, e perceber como fala o carioca.

Muitos trabalhos foram realizados com a Amostra Censo; como bem dizem Conceição Paiva e Marta Scherre, “foi possível contatar que, a depender da conjugação de fatores linguísticos e extralinguísti-cos, os carioca, em dias de sol, curte ir na praia e, depois, adora toma umas cervejinha, assistino o jogo de futebol.” (PAIVA; SCHERRE, 2005, p. 205). O PEUL serviu de modelo a outros projetos de descrição do português brasileiro, como o VARSUL e o VALPB.

O projeto VARSUL (Variação Linguística Urbana da Região Sul do Bra-sil) tem por objetivos o armazenamento e a disponibilização de amostras de fala de habitantes característicos de áreas urbanas representativas de cada um dos três estados da região sul do Brasil. A amostra foi coletada na década de 1990 e compreende as cidades de Porto Alegre, Flores da Cunha (colonização italiana), Panambi (colonização alemã) e São Borja (região de fronteira), no Rio Grande do Sul; Florianópolis, Lages (colo-nização sulista), Blumenau (colonização alemã) e Chapecó (colonização italiana), em Santa Catarina; e Curitiba, Irati (colonização eslava), Londrina (cidade mais importante da região norte do estado) e Pato Branco (cidade mais importante da região sudoeste do estado), no Paraná. Cada cidade é representada por um conjunto de 24 entrevistas, correspondentes a 12 perfis sociais (sexo masculino e feminino, três níveis de escolarização e duas faixas etárias) de duas entrevistas. Florianópolis é a única cidade do banco de dados que tem uma faixa etária a mais, totalizando 36 entrevis-tas correspondentes a 18 perfis sociais. Os entrevistados estão estratifica-dos em três níveis de escolarização: de 4 a 5 anos; 8 a 9 anos; e 10 a 11 anos. Quanto às faixas etárias, as entrevistas subdividem-se em: faixa A (25 a 49 anos, preferencialmente 25 a 45 anos); faixa B (mais de 50 anos, preferencialmente 55 a 75 anos); e somente em Florianópolis, jovens (15 a 24 anos, preferencialmente 15 a 20 anos). (KNIES; COSTA, 1996).

Você pode ver mais detalhes do projeto VARSUL, inclusive acessar as produções decorrentes da descrição do banco de dados, no site <http://www.pucrs.br/fale/pos/var-sul/index.php>

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O projeto VALPB (Variação Linguística no Estado da Paraíba) iniciou--se na década de 1990 e propõe-se a descrever e analisar a fala de João Pessoa, na Paraíba. É composto por entrevistas sociolinguísticas de 60 indivíduos, estratifi cados em sexo, faixa etária e escolaridade. A estratificação segue o modelo do projeto VARSUL, com a diferença de incluir uma faixa a mais de escolarização, a dos analfabetos (HORA; PEDROSA, 2001).

É em Sergipe, o Grupo de Estudos em Linguagem, Interação e So-ciedade – GELINS vem constituindo um corpus nos moldes da Socio-linguística Variacionista: com duas amostras Fala&Escrita e Entrevistas Sociolinguísticas, a fim de subsidiar as pesquisas variacionistas. Criado em 2007, o Grupo de Estudos em Linguagem, Interação e Sociedade (GELINS) busca instituir e consolidar a prática de pesquisa linguística no Agreste Central Sergipano, região onde está instalado o Campus Uni-versitário Prof. Alberto Carvalho da Universidade Federal de Sergipe. As ações do grupo estão voltadas para: (i) a investigação dos fenômenos da linguagem; (ii) a formação de recursos humanos; e (iii) a constitui-ção de banco de dados linguísticos. As linhas de pesquisa vinculadas ao grupo são: (i) Análise do Discurso; (ii) Estudos da Oralidade: Fala, Escrita e Ensino de Língua Materna; (iii) Pragmática dos Atos de Fala; e (iv) Variação e Mudança/Gramaticalização. Resultados das investi-gações desenvolvidas têm sido apresentados em eventos científicos da área e publicados em periódicos e coletâneas.

Conheça a equipe e a produção em:

http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0070801PW6I Y8

Assim, com cada projeto constituindo seu banco de dados em uma dada comunidade de fala, o mapeamento das variedades do portu-guês no Brasil vai se efetivando. É um trabalho de formiguinha, em que todos contribuem. A padronização dos procedimentos metodológicos permite posteriormente a realização de estudos contrastivos entre as variedades, para, então, possibilitar a descrição da regra variável do português brasileiro.

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Atividade II01. Quais os projetos que estudam a variação linguística do português falado

no Brasil?

02. Em quais regiões acontecem os projetos?

03. Quais as semelhanças e as diferenças entre os projetos: PEUL, VARSUL e VALPB?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Alguns traços variáveisDito de outro modo, descrever a totalidade dos fenômenos variáveis

da comunidade de fala brasileira é uma empreitada árdua, ainda inci-piente (lembremos que a Sociolinguística é uma ciência recente, ainda está em seus primeiros passos). Ainda assim, temos alguns resultados, que podem contribuir para uma visão panorâmica da variabilidade do português falado no Brasil. Vejamos.

Variação Fonético-FonológicaA variação fonético-fonológica é a mais saliente, mais perceptível,

e por isso, a mais marcada. Você se lembra, das aulas de Fonologia da Língua Portuguesa, das alofonias? As alofonias podem ser classificadas como posicionais (ocorrem em ambiente fônico específico) ou livres (ocorrem em qualquer ambiente). A “liberdade” da alofonia só se dá em termos fônicos, pois socialmente a alofonia não é livre: sabemos, por exemplo, que uma realização retroflexa do /R/ ocorre em determi-

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nada região do país (interior de São Paulo). Em suma, diferentes estudos sobre a variação fonético-fonológica no português do Brasil já foram realizados, e não vamos nos adentrar na descrição pormenorizada de cada um deles. Para uma visão panorâmica, recomendamos a leitura da obra organizada por Leda Bisol e Claudia Brescancini, Fonologia e variação: recortes do português brasileiro, dedicada ao tratamento da variação nos sistemas vocálico e consonantal, e na sílaba: síncope da postônica não-fi nal de proparoxítonas; vogais médias postônicas; harmonização vocálica; redução dos ditongos nasais átonos; epêntese; degeminação e elisão; realização do R de final de sílaba; transforma-ção do /l/ de lateral alveolar para velar e semivogal posterior /w/. Veja algumas sugestões de leitura a seguir no tópico; leituras recomenda-das. Na sequência trataremos de um campo altamente fértil para os estudos de variação linguística no nível morfossintático do português brasileiro: os pronomes.

Variação no quadro dos pronomes

Se você consultar uma gramática normativa, encontrará o seguinte quadro de pronomes pessoais:

1ª. Pessoa do singular Eu

2ª. Pessoa do singular Tu

3ª. Pessoa do singular Ele/ela

1ª. Pessoa do plural Nós

2ª. Pessoa do plural Vós

3ª. Pessoa do plural Eles/elas

Quadro 2: Paradigma dos pronomes pessoais do português

Em algumas gramáticas, você encontrará uma nota explicando que, em situações coloquiais, a forma a gente é utilizada como prono-me de 1ª pessoa do plural. As gramáticas normativas, como vimos na primeira aula, se espelham em um estado de língua cristalizado, e nem sempre acompanham o dinamismo das línguas. No caso dos prono-mes pessoais, em qualquer parte do Brasil, encontramos uma grande produtividade da forma a gente em relação à forma nós para se referir a 1ª pessoa do plural. Omena (1996, p. 313), ao analisar a fala do Rio de Janeiro, com dados do PEUL, encontrou a seguinte distribuição dos usos de a gente, em função das faixas etárias dos informantes. Tabela 3: Variação na referência à 1ª pessoa do plural na fala do PEUL em função da faixa etária.

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Ocorrências de a gente / total Percentual

7 a 14 anos 576/628 91%

15 a 25 anos 751/842 89%

26 a 49 anos 744/987 75%

51 a 71 anos 568/843 67%

Fonte: OMENA, 1996, p. 313

A tabela deve ser lida da seguinte maneira: na faixa etária de 7 a 14 anos, foram encontradas 628 ocorrências de referência à 1ª pessoa do plural; destas, 576 eram da forma a gente (e, portanto, 52 eram da forma nós: 52 + 576 = 628), o que corresponde a 91% dos casos. É muita frequência para ser ignorada pelas gramáticas.

E quem usa a forma vós hoje? Provavelmente só na igreja, em ser-mões e em trechos bíblicos, os líderes religiosos fazem isso... Ainda assim, lá está ela, no quadro dos pronomes pessoais, como a forma de referir a 2ª pessoa do plural. Pior ainda é que muitos professores insistem em ensinar esta forma na escola!

A variação nas formas de referência à 1ª pessoa do plural e tam-bém à 2ª pessoa do singular e do plural é decorrente de uma série de mudanças encaixadas que ocorreram desde o português arcaico. Menon (1995, p.93- 97) resume algumas das mudanças ocorridas no sistema pronominal do português, especificamente no que se refere à 2ª pessoa.

A primeira grande mudança se deu na representação da 2ª pessoa, ainda no português medieval. O pronome vós era a forma utilizada tanto quando havia mais de um (a segunda pessoa do plural efetivamente) ou um único interlocutor. Neste caso, vós era uma forma de tratamento respeitoso. O pronome tu era utilizado em situações de igualdade entre interlocutores, ou de superior a inferior. Novas formas mais respeitosas para tratar o rei foram introduzidas: Vossa Mercê, Vossa Senhoria, Vossa Alteza, Vossa Excelência, Vossa Majestade. Destas, a mais antiga é Vossa Mercê. Modificações na sociedade portuguesa fizeram com que as for-mas respeitosas passassem a ser utilizadas como formas de tratamento entre iguais e não íntimos, perdendo seu valor honorífico e por fim sendo utilizadas por qualquer um, nobre ou não. Paralelamente às mudanças no uso se deram mudanças de ordem fonética: a forma original, Vos-sa Mercê, deu origem ao pronome você, uma forma pronominal de se dirigir ao interlocutor, primeiramente de tratamento não íntimo, depois de tratamento íntimo. As formas você/vocês passaram a concorrer com tu/vós. A forma vocês suplantou a forma vós e as formas tu e você, em algumas regiões do Brasil, como em Florianópolis, co-ocorrem e concor-rem. Ainda conforme aponta Menon (1995), as formas você/vocês têm origem em uma locução nominal, constituídas por um pronome posses-sivo + substantivo, requerendo o verbo na terceira pessoa, que se gra-maticalizou em pronome de 2ª pessoa (o interlocutor). Outra alteração no sistema pronominal do português se deu com a entrada de a gente como forma de 1ª pessoa do plural. A locução a gente (artigo + nome) inicialmente entra como uma estratégia de indeterminação do sujeito e

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posteriormente se gramaticaliza como pronome de 1ª pessoa do plural, concorrendo com a forma nós, em todas as regiões do Brasil. Note-se que a gente, originalmente uma locução, também requer o verbo na ter-ceira pessoa. A forma a gente também é utilizada para referir à 1ª pessoa do singular, como estratégia de polidez e de modéstia. Assim, o quadro dos pronomes pessoais de caso reto (pronomes-sujeito) inicialmente pro-posto se altera:

1ª. pessoa singular eu/a gente

2ª. pessoa singular tu/você

3ª. pessoa singular ele/ela

1ª. pessoa plural nós/a gente

2a pessoa plural vós/vocês

3a pessoa plural eles/elas

Quadro 3: Paradigma dos pronomes pessoais com a entrada de você/ vocês e a gente.

A leitura do texto de Lopes e Duarte (2003) é muito esclarecedora, pois mostra a entrada de você no português.

Atividade III

01. Faça as leituras sobre variação fonológica. Como você percebe a realização destes fenômenos na fala de sua comunidade?

02. Qual a forma mais produtiva de referência à 2ª pessoa na fala de sua comunidade: tu ou você? Existem contextos específicos de uso de uma forma ou de outra? Comente.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadas

A neutralização das átonas (BISOL, 2003). A Revista Letras é publicada quadrimestral-mente, tanto em formato eletrônico quando em formato impresso. Política de Acesso Livre Esta revista proporciona acesso publi-co a todo seu conteúdo, seguindo o princí-

pio que tornar gratuito o acesso a pesquisas gera um maior intercâm-bio global de conhecimento. Tal acesso está associado a um crescimento da leitura e citação do trabalho de um autor. Para maiores informações sobre esta abordagem, visite Public Knowledge Project, projeto que desenvolveu este sistema para melhorar a qualidade aca-dêmica e pública da pesquisa, distribuindo o OJS assim como outros software de apoio ao sistema de publicação de acesso público a fontes acadêmicas.

A representação lexical das fricativas palato-alveola-res: uma proposta (BRESCANCINI, 2003). E Epêntese vocálica no português do sul do Brasil: variáveis ex-tralinguísticas (COLLISCHONN, 2003). LINGUÍSTI-CA; FONOLOGIA; PORTUGUÊS BRASILEIRO; LIN-GUA PORTUGUESA; VARIACAO FONOLOGICA; PROGRAMA VARBRUL 25; SISTEMA VOCALICO; SI-LABA; SISTEMA CONSONANTAL.

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ResumoNesta unidade, refletimos sobre o estudo da variação no português bra-

sileiro, a partir da discussão sobre a metodologia dos projetos de investiga-ção e analisando alguns resultados. Atentamos para o cenário brasileiro, re-fletindo, inicialmente, sobre como observar a variação em uma comunidade de fala tão ampla e diversificada como é a brasileira. Retomamos o conceito de comunidade de fala, para então entendermos a variação no português do Brasil. Vimos que é quase impossível fazer uma análise da variação do português no Brasil, pois temos cerca de 192 milhões de falantes, sendo as-sim é necessário que se delimite comunidades de fala menores. Também vi-mos alguns projetos e bancos de dados do português brasileiro, como: PEUL (Programa de Estudos sobre o Uso da Língua); o projeto VARSUL (Variação Linguística Urbana da Região Sul do Brasil); e o projeto VALPB (Variação Linguística no Estado da Paraíba). Em Sergipe, o GELINS (Grupo de Estu-dos em Linguagem, Interação e Sociedade) vem constituindo um corpus nos moldes da Sociolinguística Variacionista, com duas amostras: Fala&Escrita e Entrevistas Sociolinguísticas, a fim de subsidiar as pesquisas variacionistas. Foram elencados alguns resultados, que podem contribuir para uma visão panorâmica da variabilidade falado no Brasil, como: i) variação fonético--fonológica (ex: realização retroflexa do /R/ - interior de São Paulo); e ii) variação no quadro dos pronomes (ex: nós/a gente). Em suma, pudemos perceber que o cenário sociolinguístico brasileiro é complexo; portanto, para estudarmos a variação em uma comunidade tão ampla como a nossa é necessário mapear universos menores, e é assim que surgem os projetos de descrição do português, como os vistos nesta unidade.

AutoavaliaçãoVamos ousar!!! Desafios são necessários.

Escolha uma comunidade de fala, seja no seu bairro, na sua escola, ou use a criatividade e pense, pense em outros lugares/contextos sociais. Realize em torno de quatro horas de observação/gravação. Essa observação pode ocorrer em dias alternados. Contanto que o total seja de quatro horas. Registre via gravação o falar dessa comunidade. Em seguida selecione nessa fala/gravação um dos aspectos referentes ao uso: pronomes, concordância de número e uso do artigo. Por último registre o resultado de sua investigação e socialize com os colegas da turma. Você vai ver como é legal refletir sobre a língua em uso. Bom trabalho.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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BISOL, Leda; BRESCANCINI, Cláudia. Fonologia e variação: recortes do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.

BRESCANCINI, Cláudia Regina. A representação lexical das fricativas palatoalveolares: uma proposta. Revista Letras, Curitiba, n. 61, especial, p. 299-310, 2003.

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COSTA, Iara Benquerer; KNIES, Clarice Bohn. Manual do usuário Banco de Dados Linguísticos. VARSUL, 1995.

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A norma culta, as variações e o erro linguístico

IV UNIDADE

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Apresentação

A expressão ‘preconceito linguístico’ é mais ou menos corrente entre leitores de sociolinguística, disciplina que es-tuda o fenômeno da variação linguística, os fatores que a condicionam e as atitudes da sociedade em relação às va-riedades. Nesta unidade estudaremos sobre a norma culta, as variações e o erro linguístico sob a tutela dos mitos que configuram e reforçam o preconceito linguístico. Refletire-mos também sobre o círculo vicioso do preconceito linguís-tico, bem como as mudanças de atitudes que visam acabar com o referido preconceito. É necessária uma atitude de disciplina que envolva leitura, releitura e reflexão e muita vontade de seguir em frente. Por isso é preciso ter força, é preciso ter garra, é preciso ter gana sempre. Vamos então aos estudos, a reflexão.

Sucesso se conquista!

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Objetivos

Para esta unidade, esperamos que você consiga:

• Entender que os mitos reforçam o preconceito linguístico, e que é necessário uma mudança de atitude para acabar com ele.

• Compreender a relação entre norma culta, variação e “erro linguístico”.

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Iniciando a conversa...

Para iniciarmos esta reflexão sobre a norma culta, as variações e o “erro linguístico, partiremos do princípio de que a língua é viva. É como um rio que se renova. Vamos visualizar as imagens abaixo para estabelecermos uma relação delas entre a língua viva e a gramática normativa.

Rio – língua viva Igapó1 – gramática normativa

A língua é como uma rio que se renova, o igapó, a gramática normativa, envelhece, não gera vida nova. Eis a dinâmica da língua/rio e o apego às normas/igapó da língua culta que são guardadas, preservadas, e divulgadas de maneira conservadora, preconceituosa e prejudicial à vida social.

É esse apego que gera a noção de “erro linguístico”, cristalizada sob a denominação de preconceito linguístico. Trataremos nesta unidade sobre os oito mitos que constituem o preconceito linguístico, ver Bagno (1998). São esses mitos que revelam o comportamento preconceituoso de certos segmentos letrados da sociedade frente às variantes no uso da língua e as relações desse comportamento com a manutenção do poder das elites e opressão das classes sociais menos favorecidas, nor-malmente por meio da pseudopadronização imposta pela norma culta. Sigamos em frente conhecendo e refletindo sobre cada um dos mitos.

“A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreen-dente”. Eis o mito um, prejudicial à educação, por não reconhecer que o português falado no Brasil é bem diversificado, a escola tenta impor sua norma linguística como se ela fosse de fato comum a todos os brasileiros. As diferenças de status social em nosso país, explicam a existência do verdadeiro abismo linguístico entre os falantes das varie-dades não-padrão do português brasileiro que compõe a maior parte da população e os falantes da suposta variedade culta, em geral não

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muito bem definida, que é a língua ensinada na escola. Os meios ofi-ciais insistem em utilizar uma língua padrão, gerando uma espécie de incomunicabilidade entre poderes (constituídos ou não) e o povo.

A Língua Portuguesa deve ser vista como ela realmente é, uma lín-gua de alto grau de diversidade causado pela grandeza de nosso Bra-sil, fazendo com que ela se modifique em cada região, e “Esse caráter individual da fala é responsável pela diversidade e da língua…”,ou seja, o fato de que em grande parte do Brasil a língua predominante ser a Portuguesa, não quer dizer que ela tenha uma unidade, pois a idade, o grau de escolarização, a situação socioeconômica e outros fatores resultarão na fala de um indivíduo que é conseqüência desse emaranhado de coisas.

O mito dois diz que “Brasileiro não sabe português/ Só em Portugal se fala bem português”. Desse modo esse mito de que a língua é homono-gênea deve ser quebrado, afinal nem todos tem acesso à norma culta e os que chegam até ela se deparam com algo desconhecido, pois assim é ensinado para o aluno, como um outro idioma/e esse preconceito irá gerar outros dentre eles o complexo de inferioridade, sentimentos de dependência de um país mais antigo e civilizado. O brasileiro sabe português sim. O que acontece é que o nosso português é diferente do português falado em Portugal. A língua falada no Brasil, do ponto de vista lingüístico já tem regras de funcionamento, que cada vez mais se diferencia da gramática da língua falada em Portugal. Na língua falada, as diferenças entre o português de Portugal e o português fa-lado no Brasil são tão grandes que muitas vezes surgem dificuldades de compreensão. O único nível que ainda é possível numa compre-ensão quase totais entre brasileiros e portugueses é o da língua escri-ta formal, porque a ortografia é praticamente a mesma, com poucas diferenças. Logo, nenhum dos dois é mais certo ou mais errado, mais bonito ou mais feio: são apenas diferenças um do outro e atendem às necessidades lingüísticas das comunidades que os usam, necessidades lingüísticas que também são diferentes. Apesar de sua diversidade, a língua Portuguesa não deixa de ser nossa língua, porém cada indivíduo em seu meio/região, adapta-se à sua maneira de comunicação. Cada região tem suas qualidades e seus vícios de linguagem. No que respeito ao ensino de português no Brasil, o grande problema é que esse ensino até hoje, continua com os olhos voltados para a norma lingüística de Portugal. Passemos ao mito três.

É, “Português é muito difícil”. Será pessoal? O que vocês pensam so-bre essa afirmação mitológica? Bem, é uma afirmação preconceituosa é prima-irmã da idéia de que o “brasileiro não sabe português”. Vamos refletir!!! A língua que falamos segue uma regra que veio da Gramáti-ca Normativa de Portugal. Mas nós brasileiros vivemos uma realidade diferente da deles, isso faz com que o nosso português seja diferente e essas normas não fazem parte de nossa vida, virando assim um monte de imposições a serem decoradas. No dia em que nossa língua se con-centrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa no Brasil, é bem provável que ninguém continue a repetir essas bobagens. Todo falante nativo de uma língua, sabe essa língua, pois saber a língua, no

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sentido científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar com naturalidade as regras básicas de funcionamento dela. A regência verbal é caso típico de como o ensino tradicional da língua no Brasil não leva em conta o uso brasileiro do português. Por mais que o aluno escreva o verbo assistir de forma transitiva indireta, na hora de se expressar passará para a forma transitiva direta “ainda não assisti o filme do Zorro. Tudo isso por causa da cobrança indevida, por parte do ensino tradicional, de uma norma gramatical que não corresponde à realidade da língua falada no Brasil. Este mito gera um preconceito, porque o português falado é diferente do português escrito de forma culta. O falado está relacionando ao nível social, À região e ao nível intelectual. E o escrito é baseado na gramática normativa. As regras aprendidas nas escolas não correspondem à língua que realmente fa-lamos e escrevemos no Brasil, causando uma grande dificuldade atri-buída á língua. Porém, isto ocorre devido à diferença existente entre a língua ensinada e a língua usada. No momento em que o ensino de português se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa, é bem possível que ninguém mais continue a repetir que o português é difícil.

É o mito quatro que afirma que “As pessoas sem instrução falam tudo errado” além de trazer um preconceito linguístico, vem acompanhado de um social, de que as pessoas de menor aquisição não sabem falar o português, não importa o quão letrado ele é, mas o fato de ser pobre vai fazer com que as pessoas olhem como se ele de nada soubesse. E tem mais, podemos observar um outro preconceito, o regional e este está sempre sendo alimentado pela mídia que desmoraliza uma cer-ta região, como acontece com os interiores do Nordeste. Qualquer manifestação lingüística que escape do triângulo escola-gramática--dicionário é considerada, levando em conta o preconceito lingüístico, “errada”, feia estropiada, rudimentar, deficiente e não é raro a gente ouvir que isso não é português. Neste caso, o preconceito lingüístico é decorrência de um preconceito social. Do mesmo modo que existe o preconceito contra a fala de determinadas classes sociais, também existem preconceitos contra a fala característica de certas regiões. Qual o lugar onde melhor se fala português no Brasil?

A resposta a pergunta acima corresponde ao mito cinco: “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”. Essa idéia de que o Maranhão é o lugar onde se fala melhor português nasce do mito de que o português só ser falado corretamente em Portugal, pois verifica-mos lá no Maranhão o uso do pronome tu, seguido das formais verbais clássicas, muito utilizadas pelos portugueses. Não existe nenhuma va-riedade nacional e regional ou local que seja intrinsecamente “melhor”, “mais pura”, “mais bonita”, “mais correta” que outra. Toda variedade lingüística atende às necessidades da comunidade de seres humanos que a empregam. Quando deixar de atender, ela inevitavelmente so-frerá transformações para se adequar às novas necessidades. “Toda a variedade lingüística é também o resultado de um processo histórico próprio, com suas vicissitudes e peripécias particulares”. Pessoas cultas de qualquer região, que tiveram mais acesso à educação, expressarão igualmente bem “sob ótica da norma. É preciso abandonar essa ânsia

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de tentar atribuir a um único local ou a única comunidade de falantes o”melhor” ou “pior” e passar a respeitar igualmente as variedades da língua, que constituem uma preciosidade de nossa cultura. Todas elas têm o seu valor, são veículos plenos e perfeitos de comunicação e de relação entre as pessoas que as falam.” se tivermos de incentivar o uso de uma norma culta, não podemos fazê-lo de modo absoluto, fonte de preconceito. Devemos levar em consideração a presença de regras variáveis em todas as variedades, a culta inclusive. Assim podemos per-ceber que esse mito quebra outro debatido no início, o de a língua ser homogênea. Se o Maranhão o português é mais correto de que nas outras regiões é por que eles são diferentes não sendo possível uma língua única. É preciso ter força, é preciso garra, é preciso ter gana sempre. Continuemos, pois, com mais um mito.

O mito seis diz que: “O certo é falar assim porque se escreve assim”. Acreditar no mito acima é negar o fenômeno da variação. Ora, nenhu-ma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico.

A supervalorização da língua escrita, combinada com o desprezo da língua falada, é preconceito. Contudo é preciso escrever de acordo com a ortografia oficial, mas não se pode fazer isso tentando criar uma língua falada “artificial” e reprovando como “erradas” as pronúncias porque elas são resultados naturais das forças internas que governam o idioma.

Foi somente no século XX, com o nascimento da ciência lin-guística, que a língua falada passou a ser considerada como verdadeiro objetivo de estudo científico. Afinal, a língua fa-lada é língua tal como foi aprendida pelo falante em seu primeiro contato com a família e com a comunidade, logo nos primeiros anos de vida.

A fala tenta reproduzir a escrita através de códigos. Não há necessi-dades de a pessoa saber escrever e ler para se comunicar, pois existem milhões de pessoas que nascem crescem, vivem e morrem sem jamais terem sido alfabetizadas. No entanto, ninguém pode negar que são fa-lantes perfeitamente competentes de suas línguas maternas. Nenhuma língua do mundo consegue reproduzir a fala com fidelidade. Vamos, nós ao mito sete.

“É preciso saber gramática para falar e escrever bem”. A afirmação acima vive na ponta da língua da grande maioria dos professores de português e está formulada em muitos compêndios gramaticais. “A Gramática é instrumento fundamental para o domínio padrão culto da língua”. Este mito aborda uma das mais delicadas questões do ensino da língua que é a existência das gramáticas, que teriam como finalidade primeira a descrição do funcionamento da língua, mas que

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fatalmente se tornaram, no decorrer do tempo, instrumentos ideológi-cos de poder e controle social. A norma culta existe independente da gramática. Porém a manifestação desse mito concretiza uma situação histórica: a confusão existente entre língua e gramática normativa.

Finalmente o mito oito: “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”. Esse mito como o primeiro são aparentados por-que ambos tocam em sérias questões sociais. Pensemos... Se este mito fosse verdadeiro, os professores ocupariam o topo da pirâmide social, econômico e política do país. É urgente garantir a todos os brasileiros o reconhecimento da variação linguística. Caso contrário estaremos contribuindo para a manutenção do círculo vicioso do preconceito lin-güístico e do “irmão-gêmeo” dele o “círculo vicioso da injustiça social”.

Atividade I

01. O preconceito linguístico surge do dilema entre a norma, as variações e o “erro” linguístico, e são cristalizados através de oito mitos. Registre a seguir o que você entende sobre cada mito. Imagine informando para alguém a existência deles.

O que é o círculo vicioso do preconceito linguístico?

O círculo vicioso do preconceito lingüístico é formado pela gra-mática tradicional, pelos métodos tradicionais de ensino pelos livros didáticos.

A gramática tradicional inspira a prática de ensino, que por sua vez faz surgir a indústria do livro didático que novamente recorre a gramá-tica tradicional como fonte de inspiração e teorias sobre o ensino da língua, formando assim o círculo vicioso. E continua muito usada nas mais variadas práticas de ensino que variam muito de região, de escola e até de professor, de acordo com as normas pedagógicas adotadas, mas que hoje já estão menos rígidas, e o Ministério da Educação tem feitos esforços para provocar uma reflexão sobre os temas relativos à ética, para que se adote uma postura mais flexível no ensino da escrita e da língua padrão.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Os Parâmetros Curriculares Nacionais já estão ajudando para que a escola se livre de vários mitos, evitando assim que a cultura de fala de muitas pessoas seja apagada ou considerada inferior. Mas ainda precisamos esperar para ver todos esses esforços serem refletidos na prática, e para isso os livros didáticos já estão um pouco modificados para acompanhar as novas concepções.

Eis que surge um quarto elemento oculto dentre deste círculo: gra-mática tradicional, métodos tradicionais e livro didático. Os comandos paragramaticais, ou seja, arsenal de livros, manuais de redação de empresas jornalísticas, programas de rádio e de televisão, colunas de jornal e de revista, CD-ROMS, “consultórios gramaticais” por telefone etc. Eles propagam velhas noções de que “brasileiro não sabe portu-guês” e que “português é muito difícil”. Fica claro que o círculo vicioso do preconceito linguístico é composto por três elementos que na ver-dade são quatro.

O círculo vicioso que se forma ao redor do falante da língua por-tuguesa faz com que ele mesmo pense que nosso português é difícil, ou que ele não sabe falar sua própria língua corretamente. A mídia aproveita-se disso. Devia ser o contrário, aproveitar toda sua força para denunciar tantos preconceitos e não haver este mercado tão intenso que cresce em cima de tantos mitos.

É possível desconstruir o preconceito linguístico?

Atualmente o ensino da língua portuguesa passa por uma crise. Muitos ainda acreditam que a norma culta deve ser o principal objeto de ensino em sala de aula. Mas sabemos que por razões políticas, eco-nômicas, sociais e culturais, ela é reservada a uma minoria no Brasil. Podemos identificar três problemas básicos a esse respeito: o analfabe-tismo, a falta do hábito de ler e escrever e o dilema entre norma culta e tradição gramatical. Vamos dialogar e refletir sobre estes problemas? O principal problema é o analfabetismo, uma quantidade injustificável de pessoas analfabetas ou alfabéticas funcionais. O segundo proble-ma são por razões históricas e culturais, as pessoas plenamente alfa-betizadas não possuem o hábito de ler e escrever, e quando o fazem não cultivam, nem desenvolvem suas habilidades no nível da norma culta. Nota-se que este problema não está relacionado somente ao aluno, e sim naquilo que se ensina, e no modo de ensinar português. E o terceiro problema diz respeito ao dilema da norma culta usada pela tradição gramatical que não corresponde a língua falada pelas pessoas cultas de hoje, e sim aos ideais lingüísticos do português de Portugal, a

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gramática usada pelos escritores do passado, e as regras que se aproxi-mam da gramática latina ou do gosto pessoal do gramático, tornando a norma culta real distante da norma culta ideal. A tão falada norma culta que muitos escritores ainda querem impor, não se faz reconheci-da por muitos profissionais conhecedores da verdadeira norma culta falada no Brasil. Não se pode falar de erro, se a forma de linguagem usada é perfeitamente entendida e usada pela maioria. Esse abismo irá continuar enquanto os defensores da gramática tradicional se recu-sarem a acompanhar os avanços da linguagem. É preciso identificar a verdadeira língua falada e escrita pelas pessoas cultas do Brasil, e que ela seja acessível e útil aos professores, alunos e falantes em geral. Sem o acesso a esta forma de linguagem, ficaremos a mercê da gramática tradicional, cultuada pelos perpetuadores do preconceito linguístico.

Atividade II

01. E você: Acredita na desconstrução do preconceito linguístico? Justifique seu ponto de vista.

02. Qual o dilema entre a norma culta e a língua falada pela pessoas cultas hoje?

03. Qual a sua compreensão sobre o “erro” linguístico?

Mudança de atitude: o reconhecimento entre a norma, as variações e em vez de erro, as adequações linguísticas

Para acabar com o preconceito linguístico recorremos juntos(as) as indicações de Bagno (1998). Passemos a identificá-las.

Primeiro precisamos mudar de atitude e valorizar o saber de cada indivíduo, discordando das pessoas que menosprezam as diversas ma-neiras de falar. O professor também precisa ser mais crítico com a norma culta que ensina, refletir sobre o que está ensinando, ao invés de apenas repetir, tirando da gramática tradicional o que realmente é útil, e deixando de lado as informações preconceituosas e intoleran-tes. Essa nova postura crítica exige do professor constante atualização,

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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nova postura, ele deve ser um verdadeiro pesquisador, incentivando seus alunos a quebrarem os mitos em torno da língua portuguesa. De-vemos questionar a gramática tradicional, quando ela diz que a língua está pronta e acabada, sabemos que ela é viva e em constante trans-formação. Como tantas outras matérias mudam na escola, o ensino da língua portuguesa também necessita de revisão constante.

É urgente também compreendermos: o que é ensinar português? Tudo que é ensinado hoje da gramática normativa não é garantia de que o aluno faça bom uso da língua culta. Nos prendemos a ensinar regras, e esquecemos que o que vai fazer dele um bom falante é a maneira prática de empregar essas regras. Mas para que toda esta mudança seja aceita, é preciso que os professores se convençam de que basta a ele saber toda a técnica da gramática tradicional, ao aluno cabe aprender a usá-la. Sabe-mos porém, que em muitas áreas ainda é cobrada a gramática tradicional, mas cabe a todos o começo da luta para que haja mudanças, afinal não pode-se continuar com os velhos vícios, somente porque o aluno será co-brado no futuro. O que é erro? Para acabar com o preconceito lingüístico, é preciso reavaliar a “noção de erro”. Há grande confusão entre língua es-crita e falada, e muito dos “erros de português” são apenas erros de grafia. A ortografia dita correta, é ditada pela política, economia e idéias de uma determinada época, sendo que ela muda através do tempo sem mudar a intenção da palavra. Todo falante nativo de uma língua é plenamente competente e capaz de distinguir as regras de funcionamento de sua língua materna. O falante nativo de sua língua não comete erros, pois não forma frases que não respeitem as regras de funcionamento da língua, assim como ninguém comete erros ao andar ou respirar. Existe no nível da língua escrita, a confusão entre português e ortografia oficial da língua portugue-sa. No nível da língua falada os termos que se confundem são: português, gramática normativa e variedade padrão. E em relação a língua escrita, deveríamos substituir a noção de erro pela de tentativa de acerto. É preciso ter sempre em mente que tudo aquilo que é considerado erro ou desvio pela gramática tradicional, é usado com muita tranqüilidade pelos falantes da língua, e que os apelidos pejorativos são inaceitáveis, quando dizem respeito aos falantes de sua língua materna. Surgi um questionamento: Então vale tudo? Com a eliminação da noção de erro, muitos entendem que então vale tudo. Não é bem assim, é que em termos de língua, tudo vale alguma coisa. O que devemos entender é que a maneira de falar vai depender de vários fatores. É preciso encontrar o ponto de equilíbrio entre a adequabilidade e a aceitabilidade, tudo vai depender da situação de uso da língua em que nos encontramos.

É necessário, pois, que reconheçamos que preconceito lingüístico con-tinua muito forte, e nada vai mudar se a sociedade que estamos inseridos não tiver significativas mudanças. Mas podemos tomar algumas atitudes contra o preconceito lingüístico. Em primeiro lugar é preciso que nos tor-nemos pessoas críticas e investigadoras de nosso próprio conhecimento lingüístico, deixando de lado a atitude repetidora, e passando para uma atitude reprodutora, formando-nos e informando-nos. Em segundo, ser-mos mais críticos quanto a nossa prática diária de ensino. Ensinar sim o que nos é cobrado, mas sempre com uma atitude crítica, mostrando que esta é apenas uma parte do grande universo maravilhoso que é a lingua-

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gem. Terceira atitude é ensinar mostrando perante todas as cobranças que as ciências evoluem, assim como a ciência da linguagem também. Não podemos mais ensinar à moda antiga, precisamos nos atualizar, e até mes-mo inovar. E a quarta atitude seria assumir uma nova postura, tendo como base o que o autor chamou de DEZ CISÕES, porque representa um corte com todas as ultrapassadas normas da gramática tradicional. São elas: Conscientizar-se de que todo falante nativo de uma língua é um usuário competente dessa língua, dominando-a por completo, Aceitar a idéia de que não existe erro de português, apenas diferenças ou alternativas, Não confundir erro de português com erro de ortografia, que é artificial e pode mudar, ao contrário da língua, que é natural, Reconhecer que tudo que a gramática tradicional chama de erro é na verdade um fenômeno perfeita-mente explicado, se a maioria dos falantes usa uma norma que difere da tradicional, é porque já existe uma regra sobrepondo-se à antiga, Aceitar que toda língua muda e varia, o que é visto hoje como “certo”, já foi “erro” no passado, e assim sucessivamente, Conscientizar-se de que a língua por-tuguesa não vai nem bem , nem mal, ela apenas segue seu curso e sua evolução, respeitar a variedade lingüística de toda e qualquer pessoa, en-tender que a língua permeia tudo, e nós somos a língua que falamos, é ela que molda nosso modo de ver o mundo, e nosso modo de ver o mundo molda a língua que falamos, a língua está em tudo, e tudo está na língua.

Atividade III01. Quais as mudanças de atitudes necessárias para por fim ao preconceito linguístico?

02. Observe a imagem responda as questões a seguir;

a) Quais as variantes e variáveis que contribuem para que o personagem fale dessa forma.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadasNeste livro, a autora dedica-se a encontrar mui-tas formas de refletir sobre o português brasilei-ro e de convencer os leitores de que podem usá--lo com satisfação e segurança, em sala de aula e fora dela.

É evidente a existência de diversos modos de fa-lar português no Brasil, onde cada região tem seu próprio modo. Mas todos esses são de uma mesma língua, a língua portuguesa. Nenhuma região fala o português errado, como nenhuma fala corretamente.

Babel (2006). Drama, com Cate Blanchett, Brad Pitt e Gael García Bernal. Quatro mundos se unem para exibir um estudo sobre barreiras linguísticas, culturais e pessoais que abrange três continentes: uma família marroquina com-pra uma arma para proteger suas cabras; uma americana em férias no Marrocos é atingida por uma bala; uma babá tem problemas ao tentar cruzar a fronteira do México com os EUA; uma jovem japonesa surda-muda se rebela contra o pai.

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Resumo

Nesta unidade o nosso foco de reflexão incide sobre a norma culta, as variações e o “erro” linguístico. Essa tríade foi tratada sob a tutela do preconceito linguístico via os mitos que reforçam tal preconceito, são eles: “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”, “Brasileiro não sabe português / Só em Portugal se fala bem português”, “Português é muito difícil”, “As pessoas sem instrução falam tudo errado”, “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”, “O certo é falar assim porque se escreve assim”, “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”, e “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”. Vimos que o círculo vicioso do preconceito linguístico é formado por três elementos que são quatro: a gramática tradicional, os métodos tradicionais e o ensino, e o quarto elemento os comando paragramaticais: a mídia, a internet entre outros, responsáveis por reforçar o preconceito linguístico. Refletimos também sobre as maneiras de acabar com o preconceito linguístico e assim reconhecer o fenômeno da variação linguística como inerente a língua, abolindo assim a noção de erro linguístico, e adotando a noção de adequação linguística.

A expressão ‘preconceito linguístico’ é mais ou menos corrente en-tre leitores de sociolinguística, disciplina que estuda o fenômeno da variação linguística, os fatores que a condicionam e as atitudes da so-ciedade em relação às variedades.

AutoavaliaçãoRelacione os conteúdos estudados nesta unidade, e se posicione estabelecendo relação entre eles e linguagem presente na imagem acima.

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GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1985.

POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1998.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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A Importância do Tratamento da Variação no Ensino de Língua Materna

V UNIDADE

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Apresentação

Olá! Caro(a) aluno(a)

Desde que a Sociolinguística veio mostrar que a língua é heterogê-nea, e que comporta formas lin-guísticas semanticamente equiva-lentes, isto é, regras variáveis sujeitas a mudanças, os estudio-sos, preocupados com o ensino de

línguas, vêm defendendo a aplicabilidade dos postulados dessa teoria ao ensino.

Esta unidade aborda, pois, A importância do tratamento da variação no ensino de língua portuguesa e tem como ob-jetivo promover a reflexão sobre as contribuições de ordem teórico-práticas advindas da Sociolinguística que tenham re-percussões na formação dos professores de língua materna. No caso do português do Brasil, muitos dos pesquisadores brasileiros vêm mostrando nos seus trabalhos que o profes-sor de língua materna não pode deixar de levar em conta a compreensão da língua enquanto entidade concreta, he-terogênea, como tem postulado a sociolinguística. Não se pode ensinar o português do Brasil para um falante nativo ignorando aquilo que ele já sabe – a sua língua materna –, nem ignorando a diversidade de usos que a cerca. Assim, vamos aqui ver como as noções de erro e de diversidade po-dem contribuir para minimizar os efeitos do fracasso escolar.

Boa leitura!

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Objetivos

Para esta unidade, esperamos que você consiga:

• Compreender a importância da variação linguística no ensino de língua portuguesa.

• Aplicar a noção de heterogeneidade sistemática ao ensino de língua materna, fazendo uso das gramáticas internalizada, des-critiva e normativa e considerando a noção de erro na fala e na escrita, com vistas à bidialetalidade funcional.

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IntroduçãoConvido você para juntos fazermos uma retrospectiva sobre a no-

ção de variação postulada pela Sociolinguística Variacionista. Vamos adiante.

Variedade ou variante linguística se define pela forma pela qual determinada comunidade de falantes, vinculados por relações sociais ou geográficas, usa as formas linguísticas de uma língua natural. É um conceito mais forte do que estilo de prosa ou es-tilo de linguagem. Refere-se a cada uma das modalidades em que uma língua se diversifica, em virtude das possibilidades de variação dos elementos do seu sistema (vocabulário, pronúncia, sintaxe) ligadas a fatores sociais ou culturais (escolaridade, pro-fissão, sexo, idade, grupo social etc.) e geográficos (tais como o português do Brasil, o português de Portugal, os falares re-gionais etc.). A língua padrão e a linguagem popular também são variedades sociais ou culturais. Um dialeto é uma varieda-de geográfica. Variações de léxico, como ocorre na gíria e no calão, podem ser consideradas como variedades mas também como registros ou, ainda, como estilos - a depender da definição adotada em cada caso. Os idiotismos são às vezes considerados como formas de estilo, por se limitarem a variações de léxico.

A variação de uma língua é o modo pelo qual ela se diferencia, sistemática e coerentemente, de acordo com o contexto histó-rico, geográfico e sócio-cultural no qual os falantes dessa lín-gua se manifestam verbalmente. É o conjunto das diferenças de realização linguística - falada ou escrita - pelos locutores de uma mesma língua. Tais diferenças decorrem do fato de o sis-tema lingüístico não ser unitário, mas comportar vários eixos de diferenciação: estilístico, regional, sociocultural, ocupacional e etário. A variação e a mudança podem ocorrer em algum ou em vários dos subsistemas constitutivos de uma língua (fonéti-co, morfológico, fonológico, sintático, léxico e semântico). O conjunto dessas mudanças constitui a evolução dessa língua. A variação é também descrita como um fenômeno pelo qual, na prática corrente de um dado grupo social, em dada época e em dado lugar, uma língua nunca é idêntica ao que ela é em outra época e outro lugar, na prática de outro grupo social. O termo variação pode também ser usado como sinônimo de variante. Existem diversos fatores de variação possíveis - associados a as-pectos geográficos e sociolinguísticos, à evolução linguística e ao registro linguístico.

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Retrospectiva realizada. Passaremos a mostrar o tratamento da va-riação no ensino de língua materna, pontuando sobre a diversidade linguística e o fracasso escolar, as concepções de gramática, e fala e escrita: o estatuto do erro.

Atividade I01. Relembre, pense e responda.

a) O que é caracteriza uma comunidade de fala?

b) Qual a relação entre variedade, variação e variante linguística?

c) Quais as variáveis linguísticas descritas pela Socciolinguística Variacionista?

Diversidade linguística e o fracasso escolar

Na visão da Sociolinguística, o fracasso escolar está diretamente relacionado com a concepção de língua assumida pela escola. As ide-ologias que tentam explicar o fracasso da escola (SOARES, 2002) sem-pre estão associadas a uma concepção de língua(gem) e à busca de um culpado pelo problema. Vejamos.

A ideologia do dom concebe a escola como capaz de oferecer “igualdade de oportunidades”; o bom aproveitamento delas depende da cada aluno. Assim, não é a escola a responsável pelo fracasso esco-lar do aluno; a causa estaria na ausência, deste, de condições básicas para a aprendizagem. Por detrás dessa concepção está a ideia de ho-mogeneidade na estrutura linguística.

Já a ideologia da deficiência cultural apregoa que as desigualdades sociais é que seriam as responsáveis pelas diferenças de rendimento dos alunos; o aluno seria portador de déficits socioculturais, seguindo os pressupostos da teoria da deficiência linguística do sociólogo inglês

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Basil Bernstein. Os alunos das classes dominadas apresentariam des-vantagens – déficits – resultantes de problemas de deficiência cultural. Como consequência, a criança proveniente desse meio apresentaria deficiências afetivas, cognitivas e linguísticas que seriam responsáveis por sua incapacidade de aprender e por seu fracasso escolar. Assim, seria função da escola compensar as deficiências do aluno, resultantes de sua carência e privação cultural. A ideologia da deficiência cultural deu origem aos programas educacionais para as crianças das camadas populares, a fim de compensar as falhas de sua socialização no con-texto familiar (pré-escola). Também por detrás dessa concepção está a ideia de homogeneidade na estrutura linguística. As ideologias do dom e da deficiência cultural assumem uma concepção de língua homogê-nea e colocam a responsabilidade do problema do fracasso escolar no aluno. Quebrando a ideia de homogeneidade linguística, surgem a ideologia das diferenças culturais e a teoria do capital linguístico, que ao mudar a visão de linguagem, também mudam o foco da responsa-bilidade do problema do fracasso escolar.

A ideologia das diferenças culturais preconiza que a escola é a responsável pelo fracasso escolar, pois trata de forma discriminatória a diversidade cultural, transformando diferenças em deficiências. Por de-trás dessa concepção está a ideia de heterogeneidade na estrutura lin-guística. A heterogeneidade linguística apoia-se na ideia de que todas as línguas são adequadas às necessidades e características da cultura a que servem e igualmente válidas como instrumentos de comunicação social. É, portanto, inconcebível afirmar que uma língua ou variedade linguística é superior ou inferior a outra. Há diferenças geográficas e sociais que provocam diferenciação linguística, originando os falares ou dialetos regionais. A diferenciação social também leva a variedades sociais ou socioletos que ocorrem em grupos caracterizados pela idade, sexo, grupo étnico, grupo social e níveis de fala ou registros, determina-dos pelo uso que o falante faz da língua em diferentes circunstâncias ou contextos. As variedades linguísticas têm o mesmo valor como sistemas estruturados e coerentes, mas, da perspectiva social, uma é mais aceita que as demais: a variedade culta ou de prestígio.

A teoria do capital linguístico apoia-se nos pressupostos do soci-ólogo Pierre Bourdieu, para o qual, em determinados mercados lin-guísticos, algumas pessoas falam (ou escrevem) e são respeitadas, acreditadas, apreciadas e obedecidas, pois sua variedade linguística é apreciada e considerada legítima. Já outras pessoas podem falar, mas seu discurso não obterá o mesmo crédito, o mesmo valor, pois sua variedade linguística não é reconhecida como legítima. A escola, muitas vezes, reforça esta tese, ao contrário do que se esperaria, de que a escola funcionasse como instrumento de superação da marginalida-de social. Assim, o reconhecimento da língua como entidade plural e heterogênea é a chave para entender o fracasso escolar. Todas as va-riedades linguísticas são sistemas igualmente lógicos, complexos, estru-turados, porém quanto menos prestígio têm os seus falantes na escala social, menos valor tem sua variedade linguística. O papel da escola é proporcionar o contato entre as variedades: falantes de variedades não prestigiadas devem aprender a variedade de prestígio, para usá-la nas

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situações em que ela é requerida. A isto chamamos de bidialetalismo funcional. Em síntese a escola precisa reconhecer a variedade linguísti-ca que os seus estudantes trazem e proporcionar a estes o contato com a variedade dita de “prestígio”, e não tentar substituir uma pela outra, prática que ainda se vê na instituição escolar atualmente.

A comparação entre linguagem e roupa ajuda a compreender a ideia de bidialetalismo funcional: Não é a tarefa de fazer com que os educandos abandonem o uso de sua gramática ‘errada’ para substitu-írem pela gramática ‘certa’, e sim a de auxiliá-los a adquirirem, como se fora uma segunda língua. A noção essencial é a de adequação: existem usos adequados a um dado ato de comunicação verbal, e usos que são socialmente estigmatizados quando usados fora do contexto apropriado. A comparação com as regras de uso da vestimenta é es-clarecedora: assim como difere o tipo de roupa a ser usada segundo o tipo de ocasião social, também diferem segundo a ocasião social as características da linguagem apropriada. Ficam assim estigmatizados os falantes inadimplentes às regras do jogo, tal como as pessoas que não cumprem as convenções sociais do bem-vestir. (LEMLE, 1987, p. 62.)

Atividade II

01. Registre de forma interpretativa sobre as ideologias que tentam explicar o fracasso escolar.

02. O que entende por a teoria do capital linguístico?

03. O que é bidialetalismo funcional?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Concepções de lingua(gem) e ensino de língua materna

O ensino-aprendizagem de lingual materna está condicionado a concepção de linguagem adotado pelo professor. A seguir mostrare-mos as concepções de linguagem e sua relação com o ensino de lín-gua. São três as concepções de linguagem: linguagem como expressão do pensamento, linguagem como instrumento de comunicação e lin-guagem como forma de interação.

A linguagem como expressão do pensamento, é sustentada pela tradição grega, passando pelos latinos, pela idade média e alcança a idade moderna. Teoricamente esta concepção foi rompida no início do século XX de forma efetiva por Ferdinand de Saussure – lembram que já estudaram sobre ele? No tocante ao ensino prioriza os itens gramati-cais desvinculados da leitura e produção de textos, e prega a dicotomia do certo/errado na língua.

A língua é a-histórica, um código, concepção de linguagem pos-tulada como instrumento de comunicação. Tem como foco a organi-zação interna da língua. Os vínculos com o ensino estabelece uma relação de relevância com a gramática, a leitura e a produção de texto via os elementos da comunicação, cujos exercícios embora convoquem o código, a mensagem, o emissor, receptor etc, estuda os fatos linguís-ticos com foco em exercícios estruturais, morfossintáticos com ênfase na norma culta.

Já a concepção de linguagem como forma de interação, é de na-tureza sócio-histórica, realizada nas práticas sociais existentes nos dife-rentes grupos sociais, nos diferentes momentos da história. Os falantes são sujeitos constituídos; e os vínculos com o ensino de língua mater-na, postula a linguagem na perspectiva dialógica, cujo os recursos de análise consideram a mobilização dos recursos linguístico-expressivos usados pelo locutor só podem se concretizar por meio dos gêneros discursivos.

Concepções de gramática e ensino de língua materna

Na já vimos que o fracasso escolar está fortemente relacionado com uma visão homogênea de língua que a escola adota. Vimos, tam-bém as concepções de linguagem, língua aplicadas ao ensino. Agora, vamos ver como as concepções de gramática podem ser aplicadas ao ensino de língua portuguesa.

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Primeiramente, devemos refletir sobre como a escola trata a língua portuguesa em seu currículo. No Brasil, a maioria dos estudantes (não devemos esquecer dos falantes de línguas indígenas e de Libras) fala português! E parece que a escola ignora algo que é óbvio, mas que, de tão óbvio, é esquecido: quando chega à escola, o aluno já sabe – e muito bem – falar a sua língua materna. Os conteúdos curriculares mui-tas vezes parecem ignorar esta “obviedade”, e partem do princípio de que o ensino de gramática é o ensino de língua, como se a língua fosse somente gramática. Ao contrário do que propomos – bidialetalismo funcional –, a escola impõe uma variedade, sobrepujando aquela que os alunos trazem de casa. Mas, afinal, o que é mesmo gramática? É um “conjunto de regras” (POSSENTI, 1996). Esta parece uma definição bastante simplória, mas podemos fazer um conjunto maior ou menor, mais amplo ou mais restrito, aberto ou fechado, rígido ou maleável.

A gramática normativa/tradicional vê a língua como sistema homo-gêneo. Fundamenta-se nos estudos gramaticais gregos e no modelo la-tino sendo classicamente definida como “arte de falar e escrever corre-tamente”. É, pois, um conjunto de regras que impõem um modelo ideal de língua que deve ser seguido. Esta é a definição que se adota nas gramáticas pedagógicas e nos livros didáticos. Neste tipo de gramática, verifica-se a precedência da língua escrita sobre a falada, assim, só a variedade culta escrita deve ser objeto da gramática. Convém ressaltar que o critério de correção adotado não é linguístico, mas social.

A gramática descritiva vê a língua como sistema heterogêneo. Este tipo de gramática visa a descrição das regras de uma determinada va-riedade da língua que são seguidas, em um determinado momento no tempo, buscando explicitar qual a estrutura realmente utilizada por um grupo de falantes bem definido, a partir de dados coletados, na fala ou escrita, deste grupo. Não impõe normas ou modelos a serem seguidos, pois parte do princípio de que todos os que falam sabem falar, seguem regras. Não está preocupada em apontar erros, mas pode verificar, por exemplo, que as variantes são utilizadas por pessoas de diferentes grupos sociais, ou pelas mesmas pessoas em situações diferentes (va-riedades regionais, sociais e situacionais).

A gramática internalizada (ou natural) também parte da concep-ção de língua como sistema heterogêneo. A gramática internalizada refere-se ao conhecimento apreendido pelo falante durante a infância, mediante a simples exposição à língua falada. É, pois, um conjunto de regras que o falante domina intuitivamente e faz com que ele seja capaz de produzir naturalmente frases com sentido e reconhecer enunciados como pertencentes à sua língua. É também completa, pois compreende todas as regras de que o falante necessita para comunicar-se em diver-sas situações, e quanto mais o falante se expõe a diferentes variedades da língua, mais rica torna-se a sua gramática internalizada. As regras que o falante implicitamente domina são variáveis, expressam aspec-tos do conhecimento linguístico dos falantes. Será verdade? Então por que precisamos tanto estudar gramática? Há fortes argumentos para a existência de uma gramática internalizada na mente dos falantes. Embora não possamos “abrir a mente de um falante” para verificar

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se de fato existe esta tal de gramática internalizada, é no limite entre o aceitável e o não aceitável que estão os melhores materiais para ter acesso a supostas propriedades mentais. Por exemplo, uma frase como “O homem trabalha” não causa estranhamento a nenhum falante do português; podemos dizer que é uma frase bem formada na língua. Já uma frase como “trabalha homem o” soa estranho, mesmo um falante que nunca tenha passado pela escola e “estudado gramática” percebe que há alguma coisa errada. Esta é uma evidência de que se não preci-samos estudar gramática para saber gramática, é porque já possuímos este conhecimento. Uma versão sobre a aquisição do conhecimento diz que aprendemos por repetição. Ora, crianças em fase de aqui-sição da língua produzem formas e frases que nunca foram ouvidas antes. Por exemplo, “eu sabo”, “eu cabo”, “eu fazi”; quando as crian-ças produzem essas formas “erradas” mostram que têm uma gramática implícita – as crianças com as evidências de língua aprendem regras de conjugação verbal e é aplicando essas regras que produzem tais formas. Assim, ao chegar à escola, a criança não é uma “tábula rasa”: traz consigo uma bagagem gramatical considerável, a qual não pode ser ignorada. Mas, infelizmente, este conhecimento é ignorado pela escola. As aulas de língua portuguesa costumam ser reduzidas a aulas de gramática normativa, que é ensinada como se fosse uma língua estrangeira. Como vimos, a gramática normativa adota um padrão de idealidade pautado na escrita. E os problemas só aumentam...

Atividade III01. Estabeleça relação entre as concepções de linguagem e as concepções de gramática.

02. Quais os vínculos das concepções de linguagem e de gramática com o ensino de língua materna?

03. O que você entende por gramática internalizada?

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Fala e escrita: o estatuto do erro

Não é o objetivo desta unidade promover a discussão entre fala e escrita e suas relações, em outras disciplinas, haverá oportunidade para tal reflexão. Entretanto, se o ensino de língua portuguesa é nor-teado por um ideal de língua escrita, faz-se necessário pontuarmos aspectos relacionados com a diversidade linguística. Ao lidarmos com a relação entre fala e escrita, precisamos ter em mente as condições e uso da linguagem (KATO, 1987). Assim, falamos em aquisição de lín-gua falada (gramática internalizada) e aprendizagem da língua escrita (uma tecnologia). Fala e escrita devem ser vistas como modalidades contínuas: é equivocado associar a fala à informalidade e a escrita à formalidade, pois podemos observar tanto contextos em que a escrita é informal quanto em que a fala é formal. Por exemplo, um bilhete de re-cado a um amigo com quem se tem intimidade, ou conversar via MSN, configuram-se como usos mais informais, mais casuais da escrita. É di-ferente de uma petição de um advogado, ou então uma carta de inten-ções para emprego, em que a escrita é utilizada em sua variedade mais formal. Do mesmo modo pode-se dizer da fala: um juiz, ao proferir sua sentença, o fará na variedade formal da fala. Já um bate-papo com os amigos, no bar, tomando cerveja, certamente se dará na varieda-de falada casual, informal. Por conta desta distinção, as modalidades falada e escrita da língua configuram-se por diferentes condições de produção, apresentando diferenças funcionais facilmente verificáveis são elas: a) A escrita é menos dependente do contexto situacional. A escrita tem necessidade de trazer o contexto situacional para dentro do texto, por meio de expressões referenciais. Já a fala é essencialmente dêitica: não precisamos contextualizá-la porque ela já está no próprio contexto. b) A escrita permite um planejamento verbal mais cuidadoso. A fala é como pasta de dente: depois que sai do tubo, colocar de volta é tarefa impossível... A escrita permite revisão, reescrita, reelaboração do texto. Já a fala, em que o planejamento e a realização são simultâ-neos, não há possibilidade de “apagar” aquilo que foi dito. c) A escrita está sujeita às convenções prescritivas. Este é o ponto que nos interessa na abordagem sociolinguística: enquanto o “erro” na fala é visto como uma questão de inadequação ao contexto, na escrita, o erro é visto como um “desvio à norma”, pois há um registro do certo e errado con-sagrado – a gramática normativa. Voltaremos a este ponto na seção a seguir. d) A escrita é um produto permanente. Diz um provérbio latino “verba volant scripta manent”: as palavras voam, escritos ficam.

A escola elegeu uma variedade da língua – a dita norma padrão – como a variedade a ser ensinada. Porém, quando os alunos chegam à escola, já são capazes de falar com muita competência o portu-guês, que é a língua materna da maioria dos brasileiros (BORTONI--RICARDO, 2004, p. 267-8). Dizemos que a criança tem competência comunicativa e, à medida que cresce, vai ampliando essas habilidades.

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A tarefa da escola é, então, ajudar os alunos a refletir sobre sua lín-gua materna. Essa reflexão torna mais fácil para eles desenvolver sua competência e ampliar o número e a natureza das tarefas comunicati-vas que já são capazes de realizar, primeiramente na língua falada e, depois, também, por meio da língua escrita. A reflexão sobre a língua que usam torna-se especialmente crucial quando os alunos começam a conviver com a modalidade escrita da língua. É neste momento que nos deparamos com problemas ortográficos. Bortoni-Ricardo (2004) segmenta os problemas ortográficos em duas categorias: aqueles que são reflexos de interferências da pronúncia na produção escrita e aque-les que decorrem simplesmente do caráter arbitrário das convenções ortográficas (pela falta de familiaridade do alfabetizando com as con-venções da língua escrita).

O quadro a seguir mostra a seleção das palavras que fizeram parte dos de programas VARBRUL, foi observado o contexto fonológico com base em estudo do fenômeno de monotongação na perspectiva da língua falada. Dessa forma, foram levantadas doze palavras, distri-buídas como em (1):

(1) [aj] [ej] [ow]

Apaixonado caixa

beijo manteigadesleixo

maneirosolambareiro

roubocomprou

outra chabouco encalhou

Na seleção destes itens lexicais, foram consideradas a oposição forma nova versus forma dada, acreditando que para as formas novas haveria maior fidelidade à pronúncia. Forma nova aquela que não faz parte do vocabulário ativo do aluno, a exemplo de “desleixo”, “manei-roso”, “lambareiro”, “chabouco”, “encalhou”. Serviu como teste para a escolha das formas novas o senso comum dos alunos do Projeto VALPB (Projeto Variação Lingüística no Estado da Paraíba) que cursam Letras na Universidade Federal da Paraíba. Pelo fato de a monotongação do ditongo [aj] estar diretamente ligada ao contexto fonológico seguinte, a exemplo de “caixa” ~ “c[a]xa”, “baixa” ~ “b[a]xa”, entendemos que seria razoável optar apenas pelas formas dadas. É interessante situar a monotongação em relação aos segmentos que o originam, conside-rando a estrutura silábica do Português Brasileiro (PB).

A sílaba no PB pode ter a seguinte estrutura: ataque (A) e rima (R), esta, por sua vez, se bifurca em núcleo (N) e coda (Cd). Ao ataque e a coda correspondem o que as gramáticas trazem como aclive e declive. Importante salientar que, necessariamente, uma sílaba não precisa ter todas as posições preenchidas, mas uma delas, o núcleo, sempre o será. Segundo Bisol (1999, p. 723), “a regra de formação de coda é que dá conta do ditongo, pois a mesma posição das soantes, /n, l, r/, pode ser ocupada por uma vogal alta, atendendo aos requisitos de so-noridade”. A posição preenchida pela vogal “i”, em sílaba travada por consoante, poderia ter os segmentos soantes /n, l, r/ e ainda a fricativa /s/, como em exemplos do tipo “can.to”, “fal.ta”, “por.ta” e “pas.ta”.

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O PB, como podemos constatar, quando se trata da presença de duas vogais em uma mesma sílaba, conta com o que denominamos de ditongo. Uma dessas vogais, a de menor proeminência, é o glide. Se ele ocupa a posição anterior à vogal, origina o que chamamos de di-tongo crescente1; se ocupa a posição posterior à vogal, temos o diton-go decrescente. Como foi representados em 2a e 3b, respectivamente.

(2) a Ditongo crescente 2b Ditongo decrescente

Ciên.cia sé.rie ó.dio ar.duo

cai.xa fei.xe

te.sou.ro cau.da

Atividade IV

01. “...Fala e escrita devem ser vistas como modalidades contínuas”. Qual o seu ponto de vista acerca desta afirmação?

02. As modalidades falada e escrita da língua configuram-se por diferentes condições de produção. Quais são elas?

03. O que é monotongação? Registre casos de monotongação ocorrido no seu cotidiano familiar.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadas

Em seu novo livro, Marcos Bagno estuda 50 fenômenos linguísticos definitivamente incorporados na língua de todos os brasi-leiros cultos, mas que ainda são alvo da campanha persecutória e dogmática dos puristas. Não é errado falar assim defende explicitamente o português brasileiro con-temporâneo, com base nos resultados das pesquisas de centenas de linguistas nos úl-timos quarenta anos. Um de seus argu-mentos é que passou da hora de JORNA-LISTAS, PROFESSORES, GRAMÁTICOS, DICIONARISTAS, AUTORES DE LIVROS DIDÁTICOS, ELABORADORES E CORRE-

TORES DE PROVAS, REVISORES E OUTROS PROFISSIONAIS DA LIN-GUAGEM deixarem de considerar erradas opções linguísticas definiti-vamente incorporadas à gramática do português brasileiro, encontráveis inclusive na língua escrita mais monitorada . Essas formas vêm sendo consagradas pelas normas urbanas de prestígio, inclusive as literárias, há mais de cem anos. É hora de deixar de considerar erros de portu-guês formas lexicais ou gramaticais que ocorrem sistematicamente, o tempo todo.

Este livro que se apresenta como fruto da pesquisa sociolingüística realizada no Bra-sil, bem inspirada e inspiradoramente, a autora oferece aos leitores excelentes fun-damentação teórica e adequada exemplifi-cação de entrevistas sociolingüísticas, eventos de oralidade, análise de “erros”, episódios comunicativos reveladores de problemas sociais e comunitários. É indis-pensável para professores e formadores de professores de português - e outras línguas - e para todos os que atuam ou intencio-nem trabalhar na fascinante e desafiadora área que estuda as relações entre lingua-gem e sociedade.

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Este livro propõe uma pedagogia da língua materna que não perde de vista o fato funda-mental da heterogeneidade lingüística. Ao ampliarem a noção de alfabetização pela no-ção de letramento, bagno, Stubbs e Gagné se posicionam em prol de uma educação lingüís-tica que abandone o estudo da língua como objeto em si mesma e passe a incorporar o conceito de heterogeneidade como aspecto fundamental do ensino de língua nas escolas.

O livro discute os principais conceitos da So-ciolinguística e propões atividades práticas para o tratamento da variação em sala de aula.

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Resumo

Nesta unidade, foi nossa intenção promover a reflexão sobre as contribuições de ordem teórico-práticas advindas da Sociolinguística que têm repercussão na formação dos professores de língua mater-na, principalmente no tocante ao tratamento da variação no ensino de Língua Portuguesa. O professor de língua materna não pode deixar de levar em conta a compreensão da língua enquanto um sistema he-terogêneo, como tem postulado a Sociolinguística. Vimos que, para a Sociolinguística, o fracasso escolar está diretamente ligado à concep-ção de língua assumida pela escola. Conhecemos as ideologias que buscam explicar o fracasso da escola – ideologia do dom, ideologia da deficiência cultural, ideologia das diferenças culturais, teoria do capital linguístico, que estão associadas a uma concepção de língua e à busca de um culpado pelo problema. Vimos que o reconhecimento da língua como entidade plural e heterogênea é a chave para entender o fracas-so escolar. Sendo assim, o papel da escola é propiciar ao estudante o contato entre variedades, ou seja, falantes de variedades não prestigia-das devem aprender a variedade de prestígio, para usá-la nas situações em que ela é requerida; a isto, chamamos de bidialetalismo funcional. Vimos que os conteúdos curriculares das escolas parecem esquecer que o aluno, quando chega à escola, já sabe falar a sua língua materna, isto é, possui sua gramática internalizada. A escola impõe a gramática normativa – que concebe a língua como um sistema homogêneo – na tentativa de substituir a gramática que o estudante traz, ignorando que todos que falam sabem falar, seguem regras. Refletimos também sobre a fala e a escrita, e que devem ser vistas como modalidades contínuas sendo equívoco associarmos a fala à informalidade e a escrita à for-malidade, pois podemos observar tanto contextos em que a escrita é informal (bilhete) quanto em que a fala é formal (um juiz, ao proferir uma sentença) e vice-versa. Em suma, todo falante nativo é competente em sua língua materna e nela pode desempenhar variadas tarefas co-municativas. O erro, na fala, deve ser considerado tão-somente uma questão de inadequação da forma utilizada às expectativas do ouvinte, decorrentes das imagens que os interlocutores fazem uns dos outros, dos papéis sociais que desempenham e das normas e crenças vigentes na comunidade.

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Autoavaliação

Elabore em forma de esquema o perfil das reflexões propostas para esta unidade.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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ReferênciasANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. 4. ed. São Paulo: Parábola, 2009.

BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola, 2010.

________.(Org.). Linguística da norma. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

_________. Nós cheguemu na escola, e agora? 2. ed. São Paulo: Parábola, 2006.

_________. O estatuto do erro na língua oral e na língua escrita. In: GORSKI, E. M.; COELHO, I. L. (Orgs.). Sociolinguística e ensino: contribuições para formação do professor de língua. Florianópolis: EdUFSC, 2006, p. 267-276.

CALLOU, Dinah & LEITE, Yonne. Como falam os brasileiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

KATO, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. 2ª Ed. São Paulo: Ática, 1987.

LEMLE, Miriam. Heterogeneidade dialetal: um apelo à pesquisa. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro v. 53, n. 4, p. 60-94, abr./set. 1987.

MATTOS & SILVA, Rosa Virgínia. Variação, mudança e norma. In: BAGNO, Marcos (Org.). Linguística da norma. 2. ed. São Paulo, Edições Loyola: 2004.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras: ABL.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 8ª Ed. São Paulo: Ática, 2002.

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A Sociolinguística na sala de aula

VI UNIDADE

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Apresentação

Caro(a) aluno(a)!

Chegamos a última unidade das reflexões sobre a Sociolin-guística. Quantas leituras, quan-tas descobertas, dúvidas. Enfim é o final de mais uma etapa do cur-so. E fazendo uma breve retros-

pectiva, iniciamos a nossa viagem com a Sociolinguística e os pressupostos teóricos, conceitos e objeto de estudo. Na nossa primeira parada, fomos recebidos pelo pai da Sociolinguística Variacionista William Labov que nos apresentou os pressupos-tos teóricos e metodológicos, que relação perfeita entre a teoria e os métodos com suas respectivas ferramentas de análise. Par-timos rumo a novas descobertas e na nossa próxima parada conhecemos mais acerca das ferramentas de análise da Socio-linguística Variacionista: comunidade de fala, a variação, va-riantes e variáveis, e a visão sobre o “erro” linguístico na pers-pectiva dessa teoria. Continuamos nossa viagem. Desta vez a nossa parada incluiu um passeio longo sobre a importância do tratamento da variação no ensino de língua materna. Muitas descobertas aconteceram revemos as ferramentas de análise da Sociolinguística Variacionista, refletimos sobre a diversidade linguística e o fracasso escolar. Tratamos também das concep-ções de linguagem e de gramática e os vínculos com o ensino de língua materna. E ainda passamos e conhecemos sobre o estatuto do “erro” na fala e na escrita. Quantas informações. Quantas dicas de leituras... Bom! Como dito antes chegamos na nossa última parada da viagem feita pela Sociolinguística Variacionista e sua relação com a sala de aula. Aqui conhece-remos o percurso histórico das contribuições da sociolingüística

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para o ensino de língua portuguesa no Brasil, analisando as relações entre essa teoria e o momento histórico que permitiu sua introdução ao ensino de língua.

Depois de toda essa retomada, fica a certeza de que mui-to conhecemos, e muito temos a conhecer. Eis o encanto de aprender. Sempre começar, recomeçar e nunca concluir. Con-tinuemos, pois, esta viagem pela trilha em busca de novos co-nhecimentos. A todos o meu muito obrigado pela oportunidade de juntos construirmos conhecimento nesse percurso denomi-nado Sociolinguística.

Objetivos

Para esta unidade, esperamos que você consiga:

• Identificar os princípios norteadores da Sociolinguística presen-tes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).

• Entender o panorama da Sociolinguística no Brasil, via corren-tes teóricas.

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IntroduçãoA Sociolingüística no Brasil

No Brasil, transformações no ensino de língua portuguesa co-meçaram a se fazer sentir necessárias, a partir da década de 1960. Questões sobre a heterogeneidade lingüística foram postas em de-bate, quando aos filhos do analfabetismo foi concedido o direito à educação. Nessa década, o país enfrentava um momento de crise política, social e educacional. Mechi (2006) argumenta que o golpe militar de 1964, que instalou a Ditadura no país, produziu a chamada “democratização do ensino”, a rede física foi expandida e um grande contingente de pessoas, da classe trabalhadora, pôde freqüentar a escola. Como conseqüência, (conforme se poderá perceber a seguir) a escola que desde sempre esteve preparada para receber alunos da classe média, cuja variedade padrão da língua portuguesa haviam adquirido através da interação com seu grupo social letrado, ao qual também pertenciam seus professores, mergulhou num período de cri-se do ensino, fortemente ocasionado por causa da discrepância entre a variedade falada pelos professores, filhos da tradição gramatical, que compreendiam a escrita como um retrato irretocável da fala, e as variedades produzidas pelo alunado emergente. Na busca por so-luções para o ensino de língua portuguesa, o governo assinou a “Lei 5.692”, que expressava uma orientação para o ensino de língua que misturava idéias tradicionais da gramática normativa com idéias da “teoria da comunicação”. A disciplina de “língua portuguesa” passou a ser denominada de “comunicação e expressão”. Gregolin (2007, p. 64) argumenta que “fruto dessa miscelânea, uma vulgata do ‘esque-ma da comunicação’ de Jakobson passa a figurar em todos os manu-ais didáticos”. Além disso, essa autora afirma que além da teoria da comunicação, uma mistura de conceitos do estruturalismo e gerativis-mo americanos estava na base das propostas dos Guias Curriculares criados pela Lei antes mencionada. Esse período no país coincidia com um momento de forte repressão a qualquer forma de discordân-cia ao Regime que era logo taxada de “subversiva” ou “comunista”, e seu autor era banido dos meios acadêmicos. Em conseqüência, segundo Gregolin (op. cit., p. 65), do impedimento de se discutir os Guias Curriculares por causa do discurso autoritário do Regime, criou-se uma resistência generalizada às teorias lingüísticas por parte dos professores. Conforme citação: O silenciamento das motivações que acompanharam a introdução das ideias da teoria lingüística, nes-se primeiro momento, levou a vários equívocos no ensino de língua, a resistências à introdução de novas ideias em um campo dominado pela gramática normativa. Foi preciso esperar a abertura política, no início dos anos 1980, para que a heterogeneidade lingüística fosse colocada em debate (GREGOLIN, 2007, p. 65).

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Atividade I

01. Elabore um texto esquema sobre o percurso da Sociolinguística no Brasil e sua relação com a sala de aula.

A Abertura política: rediscussão do ensino de língua portuguesa

A abertura política possibilitou rediscutir o ensino de língua. As idéias lingüísticas definitivamente entram no debate e a gramática normativa foi questionada. Foi nesse cenário, marcado por intensas discussões teóricas e metodológicas do ensino, que a sociolingüística trouxe para o centro dos debates a heterogeneidade e a diversidade lingüística. Segundo Gregolin (op. cit., p. 66), As Novas propostas para o ensino de língua portuguesa, documento elaborado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo no início dos anos 1980, era um texto fundamentado nas teses da sociolingüística. A autora argumenta que a proposta do “estudo das variedades, dos níveis de linguagem, da relação entre oralidade e escrita, aponta para uma concepção profun-damente humanista e social do ensino”.

Os debates amadureceram, a partir dessa década, quando alguns professores, inseridos em programas de pós-graduação, desenvolve-ram estudos sobre o ensino de língua portuguesa que apresentavam alternativas para a melhoria do ensino. Entre esses professores, que serviram de fonte para a construção dos futuros PCN, estão grandes nomes da Lingüística na atualidade: Carlos Franchi, Sírio Possenti, Luiz Carlos Travaglia, João Wanderley Geraldi, Luiz Percival Leme Britto, Rodolfo Ilari, Magda Soares, entre outros. Esses debates seguiram seu curso, atingindo grande impulso com as publicações, respectivamente, em 1997 e 1998, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Lín-gua Portuguesa para os 1º/2º e 3º/4º ciclos do Ensino Fundamental e, posteriormente, pelas Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN + Ensino Médio. Observa-

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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-se que esses paradigmas educacionais, desenvolvidos pelo Ministério da Educação, assimilaram as idéias desenvolvidas pelas teorias lingüís-ticas emergentes, como a Sociolingüística, a Análise do Discurso, a Pragmática, a Semiótica, a Psicolingüística, a Lingüística Textual, etc. e apresentam sugestões sobre como e quando se deve fazer uso des-sas teorias de forma efetiva. Está escrito nos PCN dos 1º e 2º Ciclos (1997) que os avanços do conhecimento científico por si mesmos não produzem mudanças no ensino. Depende do momento histórico e da demanda existente na sociedade, conforme citação: As transformações educacionais realmente significativas – que acontecem raramente – têm suas fontes, em primeiro lugar, na mudança das finalidades da educa-ção, isto é, acontecem quando a escola precisa responder a novas exi-gências da sociedade. E, em segundo lugar, na transformação do perfil social e cultural do alunado: a significativa ampliação da presença, na escola, dos filhos do analfabetismo – que hoje têm a garantia de aces-so mas não de sucesso – deflagrou uma forte demanda por um ensino mais eficaz (BRASIL, 1997, p.21). Observa-se, através dessa citação, a situação caótica que o ensino de língua materna vivenciou com a inserção, na escola, dos filhos dos operários e dos contingentes rurais. Com a transformação do perfil social e cultural desse alunado – que anteriormente era constituído pelos filhos da classe média letrada – a elaboração de materiais didáticos e estratégias de ensino tiveram que ser repensadas.

Atividade II01. Qual a postura dos estudiosos abaixo elencados sobre a rediscussão do

ensino de Língua Portuguesa.

a) Bagno b) Bortoni-Ricardoc) Gregolind) Catilhoe) Magda Soares

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Prováveis soluções para o ensino de língua portuguesa

Na busca por soluções para a questão do ensino de língua por-tuguesa, a lingüística se apresentava como o espaço teórico que subsidiava o debate por transformações na prática do ensino dessa disciplina. Segundo Bagno (2002, p. 14), com a emergência das te-orias lingüísticas, como a sociolingüística, psicolingüística, lingüística textual, pragmática, análise da conversação, análise do discurso, etc. houve uma ampliação do objeto dos estudos da linguagem: a língua. Essa, não mais compreendida simplesmente como objeto de análise dentro dos limites da frase, considerada apenas em suas dimensões fonético-fonológicas, morfossintáticas e lexicais, mas, cada vez mais compreendida como um meio de comunicação e interação entre in-divíduos diversos, pertencentes a classes sociais diversas, em suas re-lações cotidianas. Diferentemente da realidade norte-americana, em que preocupações relacionadas com questões étnicas e a alfabetização promoveram o desenvolvimento de investigações sociolingüísticas na sala de aula, no Brasil, os primeiros estudos apontaram que a principal causa da crise escolar, que possibilitou a interferência da Sociolingüís-tica nos debates, em defesa das variedades dialetais na sala de aula, foi o grandioso aumento demográfico das regiões urbanas, ocasionado pelas migrações rurais, nas décadas de 1960 e 1970. Bortoni-Ricardo (2006, p. 91) diz que a sociologia tradicional no Brasil enfatiza as ca-racterísticas rurais da sociedade brasileira e sua urbanização tardia e desordenada. A autora argumenta que essas questões se deram dessa forma, “porque ao contrário do que ocorreu no Primeiro Mundo, no Brasil e em outros países periféricos, a urbanização não foi precedida pela industrialização, como nos países onde a revolução teve início no século XVIII”. A autora, examinando os dados dos sensos brasileiros, diz que o processo migratório campo-cidade começou a acentuar-se a partir do segundo quartel do século XX. Assim, dos 51.944.397 de pes-soas que constituíam a população do país, em 1950, 36,16% viviam em áreas urbanas. Em 1980, a população brasileira já era constituída de quase 120 milhões de pessoas, e a população urbana já represen-tava 67,60% desse total. Em razão disso, a vida e a cultura neste país foram profundamente alteradas e, por isso, tornou-se objeto de espe-cial interesse nas ciências humanas em geral. Ainda nos anos 1980, Bortoni-Ricardo (op. cit., p. 93) declarava que “surpreendentemente, a lingüística tem passado ao largo da questão e pouco se conhece do processo sociolingüístico de transformação dos dialetos rurais brasi-leiros em variedades urbanas”. Além disso, a autora apresentava as principais causas que ocasionavam e disseminavam a variação lin-güística no país, conforme citação: No Brasil, a variação está ligada à estratificação social e à dicotomia rural-urbano. Pode-se dizer que o principal fator de variação lingüística no Brasil é a secular má distribui-ção de bens materiais e o conseqüente acesso restrito da população pobre aos bens da cultura dominante. Diferentemente de outros paí-

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ses, como os Estados Unidos, por exemplo, a variação lingüística não é um índice sócio-simbólico de etnicidade, exceto nas comunidades bilíngües, sejam as de colonização européia ou asiática, sejam as das nações indígenas (BORTONI-RICARDO, p. 131-132). Além disso, para essa autora, no Brasil, o parâmetro geográfico, considerando-se a dimensão rural-urbano, sobrepunha-se aos parâmetros socioeconô-micos na caracterização das variedades populares, já que boa parte da população de baixa renda vivia na zona rural ou constituía o grande contingente de migrantes rurais, que permanecia razoavelmente margi-nalizado do sistema de produção nas cidades. Contudo, não se pode esquecer das investidas promovidas pela Ditadura Militar, nos anos 1960, pela “democratização do ensino”, que fez conviver no espaço da sala de aula experiências lingüísticas diversificadas. Assim, segundo Gregolin (2007, p. 62), “se antes havia a predominância de alunos que vinham das classes letradas, agora a heterogeneidade lingüística entra na sala de aula”. A questão que se quer enfatizar aqui, entretanto, relaciona-se, principalmente, com inserção dessas variedades na sala de aula, com a incorporação das crianças pertencentes às comunida-des pobres no ensino. Ataliba de Castilho (2000, p.10) diz que “com a incorporação de contingentes rurais alterou-se o perfil sócio-cultural do alunado de 1º e 2º graus”. As escolas tiveram que se readaptar para receber esse alunado, isso incluía a elaboração de material didático adequado à heterogeneidade lingüística que a sala de aula comporta-va. Bortoni-Ricardo (op. cit., p.144) diz que “essas especificidades não são devidamente contempladas nos livros didáticos nem tampouco nas propostas curriculares, cabendo aos professores de crianças provenien-tes de uma cultura iletrada a pesada tarefa de fazer a adequação dos conteúdos programáticos aos antecedentes culturais de seus alunos”. Entre os pesquisadores envolvidos no debate por uma educação lin-güística adequada à heterogeneidade lingüística brasileira, na década de 1980, estava Magda Soares (1986). Em pesquisas desse período, essa autora, apontava duas razões para os problemas que vinham afetando o sistema educacional brasileiro: em primeiro lugar, não ha-via escola para todos. Conforme apontava o senso de 1980, apenas 64,7% da população de 7 a 14 anos estava matriculada no ensino de 1º grau. Deve-se lembrar que o ensino de 1º grau, nessa faixa de idade, já era considerado obrigatório pela Constituição; em segundo lugar, a autora, argumentava que a escola que existia era antes contra o povo, que para o povo. A autora sustenta sua afirmação, novamente, com base no censo, que mostrava altas taxas de reprovação e evasão. Essa autora lembra que no Brasil o discurso em favor da educação popular é antigo, precedendo até mesmo a proclamação da república. Rui Barbosa, em 1892, denunciava a vergonhosa precariedade do en-sino para o povo no Brasil e apresentava propostas de multiplicação de escolas e de melhoria qualitativa no ensino.

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Atividade III

01. Quais as prováveis soluções, propostas pelos estudiosos citados no texto acerca do ensino de Língua Portuguesa.

02. Qual o seu ponto de vista sobre as propostas dos estudiosos sobre as prováveis soluções para o ensino de Língua Portuguesa?

A Democratização no ensino

Desde então, denúncias e propostas de educação popular têm es-tado sempre presentes no discurso político sobre a educação no país. Assim, diz a autora, “as expressões ‘igualdade de oportunidades edu-cacionais’ e ‘educação como direito de todos’ tornaram-se, no Brasil, lugares-comuns, num repetido discurso em favor da democratização do ensino, (...) (op.cit., p. 8)”. A esse respeito, Wanderlei Geraldi (1991, p. 115) argumentou que a democratização do ensino, ainda que falsa, mudou o perfil dos freqüentadores das salas de aula, a partir dos anos 1960, com a inserção de alunos das classes populares: “A democrati-zação, ainda que falsa, trouxe no seu bojo outra clientela. De repente, não damos aula só para aqueles que pertencem ao nosso grupo social. Representantes de outros grupos estão sentados nos bancos escolares”. Ainda no início dos anos 1980, Scliar-Cabral (1987) propôs a seus alunos da Pós-Graduação em Letras da UFSC, uma avaliação de carti-lhas destinadas à educação. As análises revelaram que um dos grandes desafios, para o encontro da melhor estratégia a ser adotada no ensino de português como primeira língua, era escolher qual a variedade e registros mais adequados em sala de aula. Além disso, a autora dizia que a razão dessa preocupação decorria da heterogeneidade com a qual se defrontava o professor em relação às variedades orais que seus alunos traziam dos respectivos contextos em que viviam. Para aqueles professores que lecionavam na periferia urbana ou nas regiões rurais, ocorria na maioria das vezes uma diferença acentuada entre sua pró-pria variedade e a dos alunos. Além disso, sobre a discrepância entre

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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os materiais elaborados para o exercício da alfabetização e o vernáculo dos alunos, a autora declarou que: A dificuldade reside no fato de que o distanciamento entre a variedade oral praticada pelos alunos pro-venientes da periferia e da zona rural e as normas a serem indicadas para a comunicação escrita é muito maior se comparado àquele que os alunos da classe média e média-alta urbana trazem para a sala de aula (SCLIAR-CABRAL, 1987, p. 134). Seguindo uma visão semelhante, nessa mesma década, estavam pesquisadores como Sírio Possenti e Rodolfo Ilari (1987). Esses autores argumentavam contra o uso da gra-mática normativa na sala de aula: “de todos os tipos de gramática que se podem hoje discriminar, a gramática normativa é sem dúvida a me-nos útil”. Diziam isso, não porque eram contrários ao ensino da norma padrão, mas porque reconheciam essa gramática como uma estratégia ruim para o domínio da variante padrão. Grandes avanços foram feitos nas pesquisas em sociolingüística, a partir dos anos 1970, no Brasil. São exemplos disso, as pesquisas feitas no Rio de Janeiro, sobre a co-ordenação de Anthony Naro; em São Paulo, com Fernando Tarallo, nos anos de 1980; na região sul do Brasil (Paraná, Santa Catarina, e Rio Grande do Sul) com o Projeto Varsul, que envolve dialetologia regio-nal, variação social e multiligüismo; e em Brasília com Bortoni-Ricardo, sobre a interação dialetal em falares urbano-rurais e sociolingüística educacional. Além disso, pesquisas isoladas estão em amplo desenvol-vimento em várias regiões do país. Conforme aponta Silva (1997, p. 46): “a orientação sociolingüística por todo o Brasil vem contribuindo não só para a formação de pesquisadores, mas de professores de lín-gua portuguesa e lingüística”. Contudo, segundo essa autora, embora parte dos professores que se forma em boas universidades, mesmo sem materiais pedagógicos adequados, e que vai atuar no ensino de 1º e 2º graus, esteja em condições de lidar com as variedades lingüísticas de seus alunos, a grande maioria dos professores de 1º e 2º graus passa por cursos superiores periféricos, afastados dos grandes centros universitários, ou mesmo no imenso mundo rural brasileiro. Disso de-corre que, diante da pluralidade dialetal com a qual esses professores se deparam, em sala de aula, e com a formação lingüística insuficiente que possuem, não dispondo de materiais didáticos adequados para o exercício de suas funções, condenam ao fracasso escolar os falantes de variedades não-padrão da língua. No interior dessa discussão, confir-ma-se a “falsa democratização escolar”, citada por Wanderley Geraldi. Existe um acarretamento óbvio que se inicia com a inserção de alunos vítimas de uma educação básica deficiente aos cursos de licenciatura. Esses, cursos por sua vez, quando localizados fora dos grandes cen-tros acadêmicos, padecem com a falta de professores com qualificação adequada. Em conseqüência disso, esses cursos inserem no mercado de trabalho, professores com conhecimentos insuficientes para o exer-cício da profissão. Como argumenta Silva (op. cit., p. 46), esses profis-sionais “são tão vítimas da sociedade quanto os seus alunos”.

A essa altura da discussão, tornam-se apropriados os conceitos apresentados por Pierre Bourdieu, sobre linguagem “legítima” e lin-guagem “não-legítima”, discutidos em Magda Soares (1986). Diante desses conceitos, postulados pelo sociólogo francês, a autora desen-

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volve sua argumentação sobre o padrão lingüístico como fonte de do-minação daqueles que o utilizam sobre aqueles que não o possuem. Dessa forma, Magda Soares (op. cit., p.61-62) diz que a escola cola-bora com a perpetuação da divisão de classes: fracassando na função de levar as camadas populares à aquisição dos bens simbólicos que constituem o capital cultural e lingüístico, condenam essas camadas a permanecerem na condição de ‘dominadas’. O uso da linguagem “legítima”, isto é, a língua-padrão, no ensino de língua materna, é um dos instrumentos mais eficientes na perpetuação da estratificação social. Assim, a autora diz que os alunos que possuem a linguagem “legítima”, pertencentes às classes dominantes, chegam à escola em condições de usá-la, uma vez que já a adquiriram através da intera-ção com o contexto social em que vivem. Por outro lado, os alunos pertencentes às camadas populares adquiriram outra linguagem, “não legítima”, isto é, não reconhecida socialmente, através da interação com seu grupo: “não possuem o capital lingüístico escolarmente ren-tável”. Conseqüentemente, os alunos das classes populares, que não possuem a linguagem “legítima”, utilizada no ensino, são condenados ao fracasso escolar. Por outro lado, é a posse desse capital lingüístico escolarmente rentável, que garante maiores possibilidades do sucesso escolar dos alunos pertencentes à classe dominante. Dessa forma, diz Bourdieu (apud Soares, 1986, p. 62): “A desigual distribuição, entre as diferentes classes sociais, do capital lingüístico escolarmente rentável constitui uma das mediações mais bem dissimuladas pelas quais se ins-taura a relação entre a origem social e o êxito escolar”. Magda Soares (1986) ainda ressalta que a escola apenas informa aos alunos das clas-ses populares que existe uma maneira de falar considerada “legítima”, diferente daquela que eles dominam, “mas não os possibilita o acesso a essas formas de falar e escrever. Nega-lhes, pois, o acesso ao capital lingüístico socialmente rentável, por cuja aquisição essa mesma escola seria responsável”.

Atividade IV

01. Registre abaixo o seu entendimento sobre a democratização da educação. Não esqueça de considerar o ponto de vista dos estudiosos citados ao longo do texto.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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ResumoEsta unidade teve o objetivo de traçar o percurso histórico das contri-

buições da sociolingüística para o ensino de língua portuguesa no Brasil, analisando as relações entre essa teoria e o momento histórico que permi-tiu sua introdução ao ensino de língua. Recorremos a literatura especiali-zada, que tratou dessas questões no momento em que demandava uma teoria que tratasse da questão da heterogeneidade que constituiu a sala de aula de língua portuguesa, após os anos 1960. Dessa forma, pôde-se perceber que só nos anos 1980, essas questões foram efetivamente colo-cadas em debate. A abertura política permitiu rediscutir o ensino de língua e a sociolingüística se apresentou com suas teorias em defesa da hetero-geneidade lingüística. Essas discussões amadureceram e mais tarde, no final da década de 1990, foram incorporadas aos Parâmetros Curriculares Nacionais de língua portuguesa. Sobre a variedade de registros existentes no país, e conseqüentemente nas salas de aula, esses paradigmas educa-cionais, apontavam que a questão não era falar certo ou errado, mas sa-ber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas. Além disso, os PCN direcionados aos 1º e 2º ciclos (1997) alertavam para o fato de que cabia à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situações comunicativas, especialmente nas mais formais, através de planejamento e realização de entrevistas, debates, seminários, diálogos com autoridades, dramatizações, etc. Isto é, propor situações didáticas nas quais essas atividades façam sentido de fato, pois seria descabido “treinar” o uso mais formal da fala, pois a aprendizagem de procedimentos eficazes tanto de fala como de escuta, em contextos mais formais, dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a tarefa de promovê-la. Sobre a aquisição da escrita, esses paradigmas, aponta-vam para a necessidade de se ter claro que as propostas didáticas difundi-das a partir de 1985, permitem considerar os erros cometidos pelo aluno como pistas para guiar sua prática, para torná-la menos genérica e mais eficaz. Dessa forma, a alfabetização, considerada em seu sentido restrito de aquisição da escrita alfabética, ocorre dentro de um processo mais am-plo de aprendizagem da Língua Portuguesa. A reflexão aqui pontuou sobre a necessidade um novo papel para o professor das séries iniciais: “o de professor de Língua Portuguesa”. Contudo, a investigação permitiu obser-var que essas questões continuam sendo uma realidade pouco praticada no ensino de português no Brasil. Vimos também que quando as teorias da variação lingüística são levadas para o ensino de língua, cumprem um pa-pel apenas esclarecedor da realidade lingüística no país. Isto é, informam os alunos que existem variedades lingüísticas que identificam geográfica e socialmente as pessoas e dos preconceitos decorrentes do valor social que é atribuído aos diferentes modos de falar. Fica claro também que a escola não está preparada para oferecer ao aluno condições de acesso ao “pa-drão lingüístico de prestígio”.

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Leituras recomendadas

Esta obra oferece aos professores a oportunida-de de aplicar os novos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), ferramenta indispensável para o novo ensino fundamental, apontando metas de qualidade para ajudar o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão.

Se a criança de 6 anos sabe que sabe português e o jovem uni-versitário aceita que não sabe e muitos adultos sabedores defendem esse não saber, o que está posto indica que o trabalho pedagógico para o ensino da língua portuguesa não vai pelo caminho adequado e que a escola descumpriu sua missão — em vez de fazer aprender, faz desaprender. E é essa a situação mais frequente. Por onde recomeçar, refazer? Das inquietações da Autora, durge uma ácida censura aos descaminhos da educação no Brasil e ao desconhecimento de que “o português são dois...”, se não são vários.

A Sociolinguística e a Língua Materna é uma obra desafiadora, que busca conduzir o leitor aos estu-dos de sociolinguística e de seus objetos, procuran-do definir qual é, de fato, o papel do professor no desenvolvimento da linguagem de uma criança. Partindo dessa premissa, Rita do Carmo Polli da Sil-va assina a obra com maestria, demonstrando como as concepções de nossa língua e suas varia-ções são fatores relevantes para a sua análise. Na obra, a autora aborda temas de grande interesse,

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como é o caso dos preconceitos linguísticos, dos quais define e diferen-cia a chamada norma padrão da norma culta. Em seguida, para orien-tar o leitor, a pesquisa sociolinguística é apresentada passo a passo, de maneira sucinta, de um modo que o leitor possa captar sua essência. De maneira prática e atualizada, você encontrará nesta obra as mais recentes pesquisas sobre linguagem falada, sobre como se dá o desen-volvimento da escrita e seu uso em sala de aula - por meio de análises literárias, poesias ou histórias em quadrinhos.

Autoavaliação

Convido você a identificar os princípios sociolinguísticos que estão presentes nos manuais e documentos de referência do ensino de Língua Portuguesa? Sugestões: ler os PCNs, agora com a lente sociolinguística, identificando os conceitos presentes nestes documentos que orientam a prática pedagógica no Brasil?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Referências

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CASTILHO, Ataliba Teixeira de. A língua falada no ensino de português. São Paulo: Contexto, 2000.

GERALDI, Wanderlei. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

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SILVA, Rosa Virgínia Matos e. O português são dois: novas fronteiras, velhos problemas. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

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