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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA-FESP CURSO DE BACHAREL EM DIREITO OSVALDO SANTOS DE OLIVEIRA A AUTORIDADE POLICIAL E AS EXCLUDENTES DE ILICITUDE JOÃO PESSOA 2015

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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA-FESP CURSO DE BACHAREL EM DIREITO

OSVALDO SANTOS DE OLIVEIRA

A AUTORIDADE POLICIAL E AS EXCLUDENTES DE ILICITUDE

JOÃO PESSOA 2015

O237a Oliveira, Osvaldo dos Santos. A autoridade policial e as excludentes de ilicitude. / Osvaldo Santos de

Oliveira. – Joao Pessoa, 2015.

28f. Orientadora: Profº. Esp. Ricardo Sérvulo Fonseca da Costa. Artigo Científico (Graduação em Direito).Faculdades de Ensino Superior

da Paraíba – FESP

1. Atribuições. 2. Autoridade Policial. 3. Excludentes de Ilicitude. I. Título

BC/Fesp CDU: 343 (043)

OSVALDO SANTOS DE OLIVEIRA

A AUTORIDADE POLICIAL E AS EXCLUDENTES DE ILICITUDE

Trabalho de Conclusão de Curso em forma de Artigo Científico apresentado à Coordenação do Curso de Bacharelado em Direito, pela Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Área: Direito Criminal. Orientador: Ricardo Sérvulo Fonseca da Costa

JOÃO PESSOA 2015

OSVALDO SANTOS DE OLIVEIRA

A AUTORIDADE POLICIAL E AS EXCLUDENTES DE ILICITUDE

Artigo Científico apresentado à Banca Examinadora de Artigos Científicos da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP, como exigência para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

APROVADO EM ____/____/____2015

BANCA EXAMINADORA

Prof. Esp. Ricardo Sérvulo Fonsêca da Costa

Orientador-FESP

Prof.ª Ms. Luciana Vilar de Assis

MEMBRO-FESP

Prof.ª Ms. Maria do Socorro de Menezes

MEMBRO-FESP

A minha esposa Rosana, a minha filha Sophia, e aos meus pais Reginaldo e Mª Bernadete que

com dedicação e suporte me fizeram chegar até aqui.

Dedico.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ter me fortificado para concluir

trabalho que tão arduamente enriqueceu minha vida e o meu conhecimento como

cidadão.

A minha esposa por sua paciência e amor, pois sem sua ajuda não teria

concluído mais esta etapa de minha vida.

Enfim, a todos que torceram seja de forma direta ou indireta pelo meu

sucesso.

SUMÁRIO

RESUMO ......................................................................................................... 07

1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 07

2 DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE................................................................ 08

3 DO FLAGRANTE DELITO............................................................................. 10

4 DA AUTORIDADE POLICIAL........................................................................ 12

5 DA DIVERGÊNCIA EXISTENTE ACERCA DA ATRIBUIÇÃO PARA A ANALISE

DAS DESCRIMINANTES NOS CASOS DE FLAGRANTE DELITO............. 15

6 DO PROCEDIMENTO A SER ADOTADO PELA AUTORIDADE POLICIAL

QUANDO DA ANÁLISE DAS DESCRIMINANTES...................................... 24

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 26

REFERÊNCIAS.............................................................................................. 27

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A AUTORIDADE POLICIAL E AS EXCLUDENTES DE ILICITUDE.

OSVALDO SANTOS DE OLIVEIRA*

RICARDO SÉRVULO FONSECA DA COSTA**

RESUMO

O presente artigo científico tem por escopo discutir a possibilidade de atribuir a

autoridade policial a análise da existência de excludentes de ilicitude nos casos dos

agentes que se encontram em situações de flagrante delito nas unidades policiais,

uma vez que o retardamento na constatação da existência das justificantes da

antijuridicidade traz prejuízos irreparáveis ao agente, a partir do momento em que

esse tem a sua liberdade privada injustamente por fato que não é considerado crime

de acordo com a legislação brasileira, o que fere diretamente princípios consagrados

pelo nosso ordenamento jurídico. A abordagem utilizada no presente estudo será o

método dedutivo, pois analisaremos fatos gerais com visão particular para obtermos

uma conclusão a respeito da análise das excludentes de ilicitude no flagrante delito.

Assim sendo, espera-se demonstrar os benefícios que poderiam ser advindos de um

flagrante delito. Dito de outra forma, por meio de uma simples atribuição pertencente

a um delegado de polícia.

Palavras-chave: Atribuições. Autoridade Policial. Excludentes de Ilicitude.

1 INTRODUÇÃO

Devido à existência de fatos emblemáticos envolvendo as excludentes de

ilicitude, que acontecem corriqueiramente em delegacias de todo o país, trazendo

__________________ *Aluno concluinte do Curso de Bacharel em Direito da Fesp Faculdades, semestre 2015.1, email:[email protected]. **Mestre em direito criminal, Professor da Fesp Faculdades, atua como orientador desse TCC, email:[email protected].

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muitas das vezes transtornos e dúvidas, no que diz respeito de fatos relacionados,

ao posicionamento, que deve ser tomado pelas autoridades competentes. É

observado também que, doutrina e jurisprudência vêm travando verdadeiros duelos

sobre o assunto aqui abordado, posicionando-se das mais variadas formas.

Nesse esteio, doutrinadores e juristas discutem sobre quem possui a

competência para analisar a caracterização das excludentes de ilicitude,

questionando ainda, se a análise realizada precipuamente pela autoridade policial

pode acarretar prejuízos à persecução penal.

Desta feita, vislumbra-se que há varias problemáticas que envolvem sobre a

análise das excludentes de ilicitude a serem discutidas, pois tendo em vista

princípios norteadores, das mais diversas e variadas questões constitucionais e

como também processuais, motivo pelo qual se propõem o presente trabalho.

É sob esta perspectiva que desenvolvemos este estudo elaborado com

fundamento na metodologia aplicada à pesquisa bibliográfica objetivando demonstrar

qual a relação entre a autoridade policial e as excludentes de ilicitude.

Assim sendo obviamente com clareza, espera-se demonstrar os benefícios

que poderiam ser advindos da possibilidade de atribuir a autoridade policial o dever

de analisar a existência das excludentes de ilicitude nos casos de flagrante delito.

Dito de outra forma, por meio de uma simples análise das atribuições

pertencentes a um delegado de polícia, nota-se que a autoridade policial tem que se

valer de notório saber jurídico para desempenhar sua atividade e função conforme á

lei, independentemente ao grau de complexidade existente nas situações que devem

enfrentar rotineiramente, como demonstrado nesse estudo.

2 DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE

Entende-se por delito todo ou qualquer ato que venha a ferir a lei já instituída

em um ordenamento jurídico penal, ou seja, considera-se crime todo o evento que

infrinja a ética, bem como o comportamento esperado por um determinado povo em

uma norma jurídica específica. Insta salientar que crime e delito são sinônimos, pois

possuem o mesmo significado para a língua portuguesa.

A doutrina majoritária prevê dois elementos essências para o delito, quais

sejam: tipicidade e antijuricidade. A tipicidade trata-se da previsão legal de

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determinada ação humana e do seu respectivo resultado, já a antijuricidade refere-se

a uma conduta injusta que fere o interesse social assegurado por lei. Caso não

exista um desses elementos, não há o que se falar em crime ou delito, conforme

expõe Reale Júnior (2000, p. 40):

[...] a tipicidade como identidade do fato ao que é descrito pelo tipo penal, não traduz integralmente antijuridicidade, que constitui contrariedade à norma de cultura, juridicamente reconhecida, mas apenas revela um indício de antijuridicidade, que legitima a dúvida sobre a ilicitude do fato.

No caso da exclusão de ilicitude, segundo doutrina majoritária, inexiste o

elemento antijuricidade, também denominado de ilicitude. Segundo o art. 23 do

Código Penal as hipóteses que retiram o caráter antijurídico de uma conduta

tipificada são:

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito

(BRASIL, 1940)

No que diz respeito ao estado de necessidade, de acordo com o art. 24 do

Código Penal, considera-se estado de necessidade quem pratica o fato típico

sacrificando um bem jurídico, para salvar de perigo atual direito próprio ou de

terceiro, cujo sacrifício, nas circunstancias, não era razoável exigir-se.

Já no que refere à legítima defesa, conforme se pode deduzir do próprio

conceito inserido no art. 25 do Código Penal, trata-se da defesa moderada e pelos

meios necessários de injusta agressão realizada contra direito próprio ou de terceiro.

Por outro lado, quanto ao estrito cumprimento do dever legal, conforme

explana Cunha (2014, p. 245), ocorre quando “o agente público no desempenho de

suas atividades é obrigado por determinação legal a violar um bem jurídico,

salientando-se que a referida violação deve ser realizada dentro de limites

aceitáveis”.

Por fim, em relação ao exercício regular de um direito, conforme entendimento

extraído do autor supracitado, este compreende ações do cidadão comum,

autorizada pela existência de direito definido em lei e condicionadas à regularidade

ao exercício desse direito.

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O Código Penal nas referidas justificantes prevê que o agente poderá agir

sem que lhe seja imputada uma ação criminosa, é tanto que a própria letra fria da lei

determina: “Não há crime [...]”. Deste modo, se a própria legislação determina, não

há que se falar em crime.

Nesse sentido, importante frisar entendimento do autor Miguel Reale Júnior,

vejamos:

Para que se qualifique uma ação como crime, é necessário, segundo a doutrina predominante, que não só haja identidade entre a conduta paradigmática e a conduta concreta, mas é preciso também que essa conduta seja antijurídica e culpável (REALE JR, 2000, p. 38).

Nesse contexto, conforme o referido autor, inexistindo conduta antijurídica e

culpavél em uma determinada ação, não há crime, de forma que as excludentes de

ilicitude caracterizam justamente hipóteses em que não se visualiza conduta

criminosa.

3 DA PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO

A prisão é o tolhimento da liberdade de uma pessoa que cometeu um delito, e

o flagrante é ação evidente e incontestável de que uma pessoa cometeu uma ação

tipificada ou não pelo ordenamento jurídico penal.

Portanto, a prisão em flagrante delito é a subtração da liberdade em sede de

medida cautelar, podendo ser realizada por autoridade policial, em caráter

obrigatório, ou qualquer cidadão, em caráter facultativo, de agente que esteja

cometendo ou acaba de cometer um crime, agente esse que perseguido fora

capturado ou foi encontrado com evidências relacionadas aos fatos ocorridos,

conforme dispõe o art. 301 e 302 do Código de Processo Penal:

Art. 301 - Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito (Brasil, 1940). Art. 302 - Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por

qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

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IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração (BRSIL, 1940).

Insta salientar que o auto de prisão em flagrante delito deve ser elaborado por

autoridade policial, que é agente do Estado, representante desse na aplicação da lei,

na proteção das pessoas, da propriedade, bem como da ordem pública. O artigo 304,

§ 1º, do Código de Processo Penal prevê:

Art. 304 - Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto. § 1º - Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja (BRASIL, 1940, grifo nosso).

Da escritura legal supracitada denota-se que a autoridade policial só deverá

lavrar o auto de prisão em flagrante delito no caso em que tiver plena convicção,

após escutar condutor, testemunha e interrogar o preso. Nesse sentido, faz-se mister

trazer à colação o entendimento de Lima, isso ocorre do seguinte modo:

Se de todo o apurado obtiver, na linguagem do parágrafo primeiro do mesmo dispositivo, fundada suspeita contra o conduzido, ou seja, se os fatos narrados constituírem infração penal, constando elementos que indiquem o conduzido provavelmente é o seu autor, e se a situação em que o conduzido foi encontrado configurar uma das hipóteses de flagrante admitidas na legislação deverá a autoridade policial determinar seu recolhimento à prisão. (LIMA, 2014, p. 880), (Grifo do autor).

Logo, a autoridade deve analisar todas as evidências existentes com o fim de

apurar pela necessidade de emprego ou não da prisão em sede de medida cautelar,

devendo realizar nessa oportunidade juízo de tipicidade, antijuricidade e

culpabilidade. Nesse contexto, corrobora ainda o respeitável autor acima citado:

Caso contrário, se das respostas do condutor e das testemunhas não resultar fundada suspeita contra o conduzido, interpretando a contra sensu o art. 304, §1º, CPP, a autoridade policial não poderá recolhê-lo à prisão, devendo determinar sua imediata soltura, sem prejuízo da instauração de inquérito policial ou lavratura de simples boletim de ocorrência. (Grifo do autor). (LIMA, 2014, p. 880).

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Por conseguinte, constata-se claramente que a legislação processual penal

atribuiu à autoridade policial o poder de analisar a pertinência ou não de infração

penal capaz de privar a liberdade do agente de acordo com as hipóteses de flagrante

admitidas no ordenamento jurídico.

Nesse passo, relevante se faz citar o entendimento de Capez (2012, p. 323)

que se traduz nos seguintes termos que expõe: “O auto somente não será lavrado se

o fato for manifestamente atípico, insignificante ou se estiver presente, com

clarividência, uma das hipóteses de causa de exclusão da antijuridicidade [...].”

Desse modo, Capez (2012) entende que a autoridade policial possui o poder

discricionário de decisão para a não lavratura do auto de prisão quando da

constatação acerca da inexistência de crime, diante da presença de uma das causas

de exclusão da antijuridicidade.

Portanto, com base no referido raciocínio, constatamos a existência de

correntes doutrinarias que defendem a possibilidade da autoridade policial se

posicionar negativamente a lavratura do auto de prisão em flagrante, de modo que

para os mesmos o Delegado de Polícia possui o poder de valorar os fatos que

consubstanciam a necessidade ou não da prisão em flagrante delito.

4 DA AUTORIDADE POLICIAL

Acerca das atribuições da polícia judiciária vejamos dicção do art. 4º do

Código de Processo Penal que diz o seguinte: “Art. 4º - A polícia judiciária será

exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e

terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria” (BRASIL, 1940).

De acordo com parecer de Tornaghi (2010), são autoridades policiais, os que:

“1.º) exercem o poder de público para consecução dos fins do Estado. 2.º) em

matéria de polícia judiciária.”

Logo, constata-se que são autoridades policiais os agentes públicos

pertencentes à polícia judiciária, que possuem o dever de apurar as infrações

penais, bem como a sua autoria. Acerca do presente assunto corrobora o autor

supracitado.

Mas o próprio emprego da palavra autoridade exclui qualquer dúvida, pois seria rematado absurdo que um particular ou um órgão-meio do Estado se

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arvorasse em autoridade. E a referência à polícia judiciária elimina a intromissão de qualquer autoridade, agente da autoridade ou mero funcionário pertencente a outros ramos da administração pública, ainda que policiais, seria abusivo que um mata-mosquitos, por pertencer à polícia sanitária, resolvessem abrir inquéritos, arbitrar fianças, fazer apreensões etc. Ou que um oficial da Força Pública resolvesse tomar a iniciativa de investigar crimes (TORNAGHI, 2010).

Atualmente para ser uma autoridade policial exige-se o título de bacharel em

direito, aprovação em concurso público de provas e títulos, bem como aprovação na

academia de ensino direcionado a atividade, consoante previsto no art. 3º da Lei

12.830 de 2013, in verbis:

Art. 3º - O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados (BRASIL, 2013).

Dessa forma, por meio de uma simples análise das atribuições pertencentes a

um delegado de polícia, nota-se que a autoridade policial tem que se valer de notório

saber jurídico para exercer as suas funções, devido ao grau de complexidade

existente nas situações que deve enfrentar rotineiramente, como esta demonstrado

nesse estudo.

Logo, a explanação acima nos leva a questionar o porquê que hoje existe

tamanha descrença na capacidade da autoridade policial, ao ponto dos legisladores,

doutrinadores e estudiosos serem contra a atribuição da primeira análise da

excludente de ilicitude ao Delegado de Polícia.

Fatos históricos podem explicar os motivos da existência de tamanho receio

acerca da atribuição de competências importantes a autoridade policial, senão

vejamos um texto que aborda o nascimento do sistema policial; onde está descrito

que:

Com a chegada ao Brasil, do então Príncipe Regente, Dom João VI, ao que parece em 10 de maio 1808, este, resolveu criar através de Alvará, no Rio de Janeiro, denominada na época, “Capital do Reino Unido de Portugal — Brasil e Algarves”, a Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil, aflorando o limiar da primeira instituição de Polícia Judiciária, inicialmente, nos moldes de Portugal, cuja direção estava à cargo do Intendente Geral, o desembargador e Conselheiro do Paço, Paulo Fernandes Viana, quando o sistema policial galgou um estágio progressivo na sociedade brasileira, (FRANCELIN, 2008).

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Como podemos observa a polícia civil existe a mais de 200 anos, passando

por grandes mudanças até os tempos atuais. A autoridade policial não surgiu com a

polícia judiciária, pois “há 200 anos, houve a criação da Polícia Civil, há 167 anos, a

função de delegado de Polícia e há 137 anos, a criação do Inquérito Policial e, há 64

anos, a Policia Federal.” (FRANCELIN, 2008).

Há uma grande descrença por parte dos legisladores, estudiosos e

doutrinadores na capacidade da autoridade policial, devido às máculas provocadas

por governos descumpridores das leis. Nesse sentido, vejamos como exemplo a

Paraíba, onde em sua lei constitucional aprovada desde 1988, prevê:

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (PARAÍBA, 1988).

Conforme lei supracitada, a investidura em cargo ou emprego público

depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos,

devendo-se salientar que para o cargo de delegado de polícia, conforme já

explicitado anteriormente, exige-se além desses requisitos, a aprovação na

academia de polícia.

Contudo, a Paraíba só veio cumprir está previsão legal em 2005, ou seja, 17

anos depois, quando o governador da época, Cássio Rodrigues da Cunha Lima,

nomeou nove Delegados de carreira e decretou a extinção da figura do delegado

comissionado.

Desta forma, existiam dois tipos de Delegado de Polícia até 2005 na Paraíba,

quais sejam: os de carreiras e os comissionados. Ocorre que, para ser delegado

comissionado naquela época não se exigia critério algum, de modo que muitas vezes

eram escolhidos os amigos dos prefeitos, os valentes da cidade, os que já

participavam da polícia e entre outros.

É justamente nessa fase histórica que encontramos um grande problema, pois

não se precisava de um notório saber jurídico por parte destes delegados

comissionados para exercer a função.

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Portanto, fatos emblemáticos e complexos, como os das excludentes de

ilicitude em casos de flagrância, não tinham qualquer possibilidade de ser

examinados pela autoridade policial desta época, uma vez que muitos desses

delegados comissionados nem sequer sabiam aplicar corretamente as leis penais, e

muito menos eram graduados no curso de Direito.

É por este motivo, que outrora acreditava ser correta e lógica a posição dos

legisladores, doutrinadores e estudiosos em não autorizar a análise das

descriminantes pela autoridade policial.

Porém, como na Paraíba, atualmente em nenhuma parte do País brasileiro

existe a figura do delegado comissionado, sendo todos delegados de carreira, ou

seja, todos hoje que exercem a função de autoridade policial são formados em

direito, aprovados em concurso de prova e títulos, bem como aprovados na

academia de ensino da entidade policial.

Portanto, a autoridade policial é cargo o qual o seu investimento exige notório

saber jurídico, comprovado através de diploma em bacharelado em direito, notório

saber jurídico este, que podemos claramente analisar na Lei 12.830/2013, em seu

artigo 2o, § 6o, que prevê:

Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. [...] § 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias (BRASIL,2013).

Nesse diapasão, vislumbra-se na própria legislação que a função de

autoridade policial exige notório saber jurídico, pois suas decisões devem ser

fundamentadas, “mediante análise técnico-jurídica”, motivo pelo qual podemos

concluir que atualmente o mesmo possui plena capacidade para analisar a existência

das causas excludentes da ilicitude nos casos de flagrante delito.

5 DA DIVERGÊNCIA EXISTENTE ACERCA DA ATRIBUIÇÃO PARA A ANÁLISE

DAS DESCRIMINANTES NOS CASOS DE FLAGRANTE DELITO

Com o advento da Lei 12.403 de 2011, as notórias autoridades brasileiras

voltaram a discutir sobre uma grande celeuma que aflige o direito processual penal

17

no que diz respeito à matéria atinente as causas de excludente de ilicitude quando

do recebimento pelo magistrado em casos de flagrante.

O magistrado com a criação da Lei 12.403/2011 de pronto deverá optar por

três medidas com relação aos procedimentos do auto de prisão em flagrante, quais

sejam: converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, relaxar a prisão ou

conceder liberdade provisória, fundamentando adequadamente a situação fática e

jurídica de acordo com o seu entendimento.

Nesse contexto, vejamos a nova redação do art. 310 do Código de Processo

Penal inserida pela lei acima mencionada:

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas

ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Parágrafo Único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do artigo 23 do Decreto-Lei nº2848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação (BRASIL, 2014).

Ocorre que, diversos estudiosos vêm divergindo acerca da autoridade que

deveria ser responsável para constatar a existência das descriminantes nos casos de

flagrante delito, uma vez que nessas situações o agente deve ser submetido à prisão

como medida cautelar até o momento em que o auto de prisão seja recepcionado

pelo magistrado, o que para parte da doutrina fere princípios basilares do nosso

ordenamento jurídico.

Para a doutrina tradicional só a autoridade judicial cabe constatar a presença

das causas excludentes da ilicitude, devendo outorgar a liberdade provisória após a

lavratura do auto de prisão em flagrante realizada pelo Delegado de Polícia, a quem

não caberia adentar nesse mérito (CABETTE, 2012).

Nesse contexto, Cabette (2012) com base em entendimento de Espínola Filho

expõe:

Espínola Filho, por exemplo, afirma que nessas condições cabe somente à Autoridade Policial prender em flagrante e apresentar o Auto de Prisão o

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mais rápido possível ao magistrado para que este delibere sobre a concessão da liberdade provisória.

Também por este prisma é o entendimento do nobre doutrinador Tonaghi, que

filia o mesmo pensar, ao expor que:

[...] a legislação brasileira foi prudente ao vedar a análise das excludentes pela Autoridade Policial executora do flagrante, devendo realmente tal mister caber somente ao Juiz. À Autoridade Policial só restaria comunicar a prisão ao magistrado, o qual procederia a devida avaliação (TONAGHI, 1990 apud CABETTE, 2012).

Insta salientar ainda que, Nucci (2008, p.61) preceitua que ao delegado de

polícia cabe somente o juízo de tipicidade, não podendo o mesmo adentrar nos

demais méritos acerca das excludentes do crime, vejamos:

[...] confirmado o fato, a autoridade policial deve lavrar, sempre, o auto de prisão em flagrante tão logo tome conhecimento da detenção ocorrida, realizando apenas o juízo de tipicidade, sem adentrar as demais excludentes do crime.

Por conseguinte, constata-se que os referidos autores entendem pelo não

cabimento da análise das causas excludentes de ilicitude pela autoridade policial, de

modo que os mesmos consideram prudente a legislação vetar essa avaliação,

cabendo tal somente a autoridade judiciária.

Contudo, outros doutrinadores, por exemplo, Cabette (2012) e Gomes (2011),

entendem que esse entendimento fere princípios basilares da Magna Carta, como da

liberdade e da dignidade da pessoal humana. Os autores supracitados baseiam seu

entendimento no fato de que não poderia a autoridade policial submeter uma pessoa

à prisão em flagrante nos casos em esteja presente as causas excludentes da

ilicitude, pois as ações praticadas sob a égide das descriminantes não são

consideradas crime de acordo com o Código Penal brasileiro, por faltar um dos

elementos para constituição do delito, qual seja: a antijuricidade.

Nesse sentido, já existem projetos de lei tanto do Senado Federal como da

Câmara dos Deputados com o intuito de mudar a legislação vigente no sentido de

atribuir a autoridade policial a análise da existência das causas excludentes da

ilicitude, como por exemplo, o Projeto de Lei n° 694 de 2011, proposto pelo senador

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Humberto Costa, rejeitado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que

dispõe:

Art. 283 [...] § 3º Se a autoridade policial verificar que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, não efetuará a prisão em flagrante, lavrando-se termo circunstanciado, com o encaminhamento ao Ministério Público em até 48 horas (BRASIL, 2011, p. 1).

De acordo com a referida alteração legislativa pretendida, uma vez ,identificadas as causas excludentes da ilicitude, a autoridade policial deixará solto o conduzido e em seguida lavrará termo circunstanciado, que deverá ser remetido no prazo de 48 horas para o Ministério Público.

Desta forma, o Ministério Público de acordo com Projeto de Lei n.º 694/2011,

poderá manter o entendimento do Delegado de Polícia ou realizar denúncia, com a

representação pela prisão preventiva do agente criminoso.

Neste mesmo entendimento é o Projeto de Lei nº 1.843 de 2011, proposto

pelo deputado João Campos, atualmente em trâmite, que pretende inserir um

parágrafo no artigo 304 do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

§ 4º Se a autoridade policial verificar, pelos elementos coligidos ao auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III, do art. 23, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao investigado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório ao juízo competente, sob pena de revogação (BRASIL, 2011, p.1).

Consoante o referido Projeto de Lei, a autoridade policial, ao constatar a

existência das causas excludentes da ilicitude nos casos dos agentes que se

encontram em situação de fragrante delito, deverá de forma fundamentada conceder

ao agente liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a autoridade

competente.

Deste modo, constata-se claramente que Projeto de Lei n.º 1.843/2011 atribui

ao Delegado de Polícia não somente a análise da tipicidade, bem como da

antijuridicidade, contrariamente do entendimento de Nucci (2008), já exposto

anteriormente no presente trabalho acadêmico.

Pois bem, a referida discussão nos leva a ponderar uma grande problemática:

sujeitar uma pessoa a prisão tendo-se certeza que todos os indícios levam a

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presunção de sua inocência, a tempo indeterminado a presídio, carceragem ou

cadeia pública, até que seja manifestada decisão por parte de um magistrado, que

poderá encontrar-se em regime de plantão, situação em que o judiciário funciona por

delimitado período de tempo, para que depois de constatada a ausência de ato ilícito

acione um oficial de justiça afim de que o mesmo comunique a expedição do alvará

de soltura em favor da pessoa que sequer praticou ato ilícito, uma vez que estava

amparado por uma excludente de ilicitude, é sensato?

Segundo Cabette (2012), “Não tem cabimento constranger uma Autoridade a

fingir que não percebe a inexistência de delito a ser imputado a alguém, prendendo

essa pessoa mesmo assim”. Logo, constata-se claramente o tão quanto é incoerente

não permitir que as autoridades policiais analisem a existência das descriminantes

nos casos de flagrante delito, pois os mesmos são operadores do direito, que como

já exposto, passaram por sérias exigências para ocuparem o referido cargo, de

modo que possuem plena capacidade para apurarem o caso em deslinde.

Deve-se salientar que realmente não cabe à autoridade policial julgar alguém,

contudo deveria caber ao mesmo a primeira análise sobre a atitude que a ser

tomada, já que o delegado de polícia possui o dever de preservar os princípios

norteadores do direito brasileiro ao instaurar o inquérito policial, que poderia ser feito

por portaria com o fim de resguardar os direitos dos cidadãos, em vez de auto de

prisão em flagrante.

Ademais, é irracional crer que a análise da existência das justificantes em

caso de flagrante delito por uma pessoa investida em um cargo que possui como

requisitos concurso de provas e títulos, formação em bacharelado no curso de

Direito, bem como função em carreira jurídica, ocasionaria detrimento a persecução

penal.

Nesse entendimento, constata-se que é demasiadamente injusto tolher a

liberdade de locomoção de um médico que perde paciente com risco de vida em

procedimento cirúrgico, bem como de atirador de elite que atira em transgressor com

o propósito de libertar o refém que se encontra em perigo de vida.

Quanto aos casos hipotéticos acima delineados, importante frisar ainda que

muitos desses acontecem durante a madrugada, bem como finais de semana,

ocasiões em não se pode acionar de imediato a autoridade judiciária, uma vez que

21

geralmente nestas situações esses cumprem plantão em regime de sobreaviso nas

unidades judiciárias.

Por outro lado, baseando-se ainda no problema supracitado, ou seja, nos

delitos que ocorrem durante a madrugada e finais de semana, constatamos que mais

racional e menos prejudicial para o agente seria se o procedimento para análise das

excludentes de ilicitude pudesse ser realizado pela autoridade policial nos casos de

flagrante delito, pois os Delegados de Polícia cumprem plantão em regime de

permanência, devendo permanecer 24 horas nas unidades policiais.

De acordo com Gomes (2009), é “um absurdo exigir que o indivíduo

respaldado pela excludente de ilicitude viva todo o constrangimento resultante de um

processo penal, apenas para que sejam atendidas formalidades meramente legais”.

Deste modo, Cabette (2012) realizando críticas acerca da análise das

excludentes de ilicitude só poder ser realizada pela autoridade judicial nos casos de

flagrante delito, assevera: “A lei determinaria e obrigaria uma autoridade constituída

a violar a própria lei para que depois outra autoridade consertasse essa violação,

mas obviamente sem ter o poder de obliterar a desonra do recolhimento de um

inocente ao cárcere”.

Com a referida crítica, demasiadamente sábia, o autor ressalta a aberração

prevista em nosso ordenamento jurídico vigente, pois atualmente a autoridade

policial, detentora de notório saber jurídico, é forçada a lavrar auto de prisão em

flagrante delito contra pessoa que não cometeu crime, conforme dicção do artigo 23

do próprio Código Penal, para cumprir meras formalidades legais.

Ademais, a burocracia do referido procedimento, ainda consoante o referido

autor, traz danos irreparáveis ao cidadão que detentor de conduta moral ilibada, é

obrigado a passar horas em uma prisão, locais totalmente inóspitos diante da

precária situação do sistema carcerário brasileiro.

Estudos indicam que os seres humanos são a espécie mais adaptável do

mundo, no entanto para que essa adaptação ocorra é necessário que esses passem

longos períodos em determinado local, a fim de que se tornem parte daquele meio,

contudo, mesmo assim, nem todos se adaptam.

Diante disso, imagine-se um cidadão que nunca foi preso, bem como nem se

quer um dia imaginou ser preso, pois é um garantidor e cumpridor das normas

22

vigentes, e se depara com criminoso tentando matar sua filha, de modo que em seu

instinto de pai, mata aquele em legitima defesa de sua prole.

Da referida situação hipotética, constata-se que de acordo com a legislação

penal brasileira vigente, o agente passará pelo constrangimento de ir à delegacia

para prestar horas de esclarecimento, bem como de ter a sua liberdade de

locomoção tolhida, com o fim de que sejam cumpridas meras formalidades legais,

horas as quais poderão lhe causar danos físicos e psicológicos irreparáveis.

Destarte, com o fim de demonstrar a importância acerca da alteração do

procedimento na análise das causas excludentes da ilicitude nos casos de fragrante

delito, mister se faz citar as críticas ao parágrafo único do artigo 310 do Código

Processo Penal da obra Prisões e Medidas Cautelares, nos seguintes temos:

O dispositivo fere até mesmo o senso comum. Tomemos alguns exemplos: Um atirador de elite, após suas negociações frustradas, mata o infrator que mantinha o refém sob a mira do revólver; o marido entra em luta corporal com o assaltante e consegue matá-lo quando o infrator prepara-se para executar a esposa; policiais, ante a recusa do morador, arrombam a porta (art.245 §2 do CPP) e prendem um perigosíssimo procurado, em cumprimento de mandado de prisão; o boxeador, dentro das regras do jogo, fere o adversário. A seguir a lógica do CPP, nessas hipóteses o Delegado de Polícia (que para parte da doutrina deve fazer apenas um juízo de tipicidade do fato), deve autuar em flagrante o atirador de elite (que agiu no estrito cumprimento do dever legal), o marido (que agiu em legítima defesa da esposa), os policiais (que agiram no estrito cumprimento do dever legal) e o boxeador (que agiu no exercício regular de direito). E somente depois o juiz é quem deve conceder a liberdade provisória ao preso, com compromisso de ele comparecer a todos os atos do processo, sob pena de revogação da liberdade (GOMES, et al, 2011, p. 137) .

Desta forma, de acordo com o entendimento extraído da referida obra, não

deve existir o retardamento na análise das descriminantes, pois fere o senso comum

submeter a cárcere uma pessoa que nem sequer cometeu crime, para só

posteriormente, após análise das justificantes pela autoridade judiciária, ter a sua

liberdade de locomoção devolvida. Nesse esteio, vejamos:

A verdade é que o Delegado de Polícia – autoridade com poder discricionário de decisões processuais - analisa se houve crime ou não quando decidir pela lavratura do Auto de Prisão. E ele não analisa apenas a tipicidade, mas também a ilicitude do fato. Se o fato não viola a lei, mas ao contrário, é permitida por ela (art. 23 do CP) não há crime e, portanto, não há situação de flagrante. Não pode haver situação de flagrante de um crime que não existe (considerando-se os elementos de informação existentes no momento da decisão da autoridade policial). O Delegado de Polícia analisa o fato por inteiro. A divisão analítica do crime em fato típico, ilicitude e

23

culpabilidade existe apenas por questões didáticas. Ao Delegado de Polícia cabe decidir se houve crime ou não. E o artigo 23, I a III, em letras garrafais, diz que não há crime em situações de excludentes de ilicitude. (GOMES, et al, 2011, p. 137) .

A autoridade policial é um agente que necessita tomar decisões, de modo que

tais decisões não devem ser realizadas pela metade, mas sim de forma completa,

não podendo aquele escusar-se da constatação acerca da existência ou não de

crime.

Por consequência, denota-se que a autoridade policial não só possui juízo de

tipicidade, mas também cabe a ela analisar o fato como um todo, para que não

incorra em injustiça, pois o seu dever como representante do Estado, conforme já

aludido, é também resguardar os direitos e garantias individuais dos cidadãos.

A autoridade policial cabe decidir se houve crime ou não, nesse passo se o

caso concreto estiver correlacionado com as causas excludentes da antijuridicidade,

a autoridade não deve lavrar auto de prisão em flagrante delito, uma vez que não

houve crime, de acordo com a própria letra fria da lei.

Desta forma, o ordenamento jurídico não pode ter como previsão a prisão de

pessoas que praticaram ações respaldas pelas causas de exclusão da ilicitude,

como médicos e policiais no exercício correto de sua função, pois deve-se punir

aqueles que são verdadeiros infratores.

Os agentes praticantes de ações amparadas pelas descriminantes não

sofreriam qualquer prejuízo se houvesse a ausência da lavratura do auto de prisão

em flagrante, presidida pela autoridade policial, uma vez que após surgimento de

fato novo que venha a perpetrar dúvidas, nada prejudicará a persecução penal se o

delegado de polícia abrir somente inquérito policial por portaria, dando

prosseguimento as investigações.

Como a primeira análise jurídica dos fatos ocorridos dar-se-á na delegacia, é

obrigação do delegado de polícia garantir a aplicação da lei, ou seja, determinar o

devido procedimento que venha a ser de direito não da autoridade policial ou

autoridade judiciária, mas sim de direito dos cidadãos. Ocorre que, a realidade

existente atualmente com a aplicação da lei vigente é que uma investigação resulte

em prisão e não uma prisão resulte em comprovação da ocorrência de um crime.

24

Sujeitar uma pessoa a um procedimento de flagrante delito, nos casos

amparados pelas causas excludentes da ilicitude, tendo plena convicção que a

mesma passou amarguradas horas de cárcere desnecessariamente, para que

posteriormente um sistema burocrático venha a só confirmar aquilo que era notório

aos olhos do primeiro operador do direito que o analisou, é destruir todas as

garantias existentes em nosso ordenamento jurídico, bem como ir de encontro com o

desenvolvimento, que busca atualmente a celeridade e a justiça na aplicabilidade do

nosso ordenamento jurídico vigente.

Deste modo, a legislação deveria de fato ser reformada, para que diante dos

casos em que fosse visível e notória a existência de excludente de ilicitude, o

delegado pudesse apenas instaurar inquérito policial por portaria, preservando,

portanto, a materialidade e conduzindo as investigações necessárias para a

conclusão dos autos.

Importante frisar que com a realização da referida reforma legislativa, nada

impedirá que em certos casos concretos a autoridade judiciária venha a representar

pela prisão preventiva ou demais medidas cautelares, caso entenda ser necessária e

apropriada à medida excepcional diante da existência de fatos novos que

demonstrem a não ocorrência das hipóteses de excludentes da ilicitude no fato

típico, oportunidade em que deferirá de pronto.

Ademais, nada obstará também que o magistrado ordene a autoridade policial

o cumprimento de mandado de prisão, caso posteriormente a instauração do

inquérito policial por portaria, esse entenda que não houve excludente de ilicitude e

sim um ato ilícito, conforme previsto no Código de Processo Penal:

Art. 13 - Incumbirá ainda à autoridade policial: I - fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos; II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público; III - cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias; IV - representar acerca da prisão preventiva (BRASIL, 2014).

Destarte, a prisão de um indivíduo que cometa um fato sobre o prisma das

excludentes de ilicitude é uma afronta à Constituição Federal, uma vez que fere

garantias fundamentais, como o direito a liberdade de locomoção, bem como o

princípio da dignidade da pessoa humana.

25

6 DO PROCEDIMENTO A SER ADOTADO PELA AUTORIDADE POLICIAL

QUANDO DA ANÁLISE DAS DESCRIMINANTES

Conforme já amplamente exposto, o ordenamento jurídico tornar-se-ia mais

garantidor dos direitos individuais das pessoas, caso a primeira análise acerca da

existência das descriminantes em caso de flagrante delito fosse realizada pela

autoridade policial.

Caso houvesse alteração legislativa acerca do referido procedimento, o

delegado de polícia ao se deparar com o fato concreto faria seu juízo de valor da

tipicidade e da antijuricidade, de modo que na falta de um desses elementos não

haveria crime, mas como o caso que abordamos diz respeito a excludente de

antijuricidade, será a falta dessa que a autoridade policial fará seu juízo de valor.

Nos casos de flagrante delito o delegado deverá tomar o depoimento de

todos, conforme prevê o art. 304 do Código de Processo Penal, que preceitua:

Art. 304 - Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto (BRASIL, 2014).

Em seguida, constatando a inexistência de antijuricidade ou ilicitude, deixará

de lavrar o auto de prisão em flagrante e lavrará a abertura de inquérito na

modalidade portaria, produzindo provas e realizando diligências necessárias para a

conclusão do inquérito que deverá ser concluído em até 30 dias.

No entanto, caso a autoridade policial entenda que no caso concreto a ação

praticada em situação de flagrante delito é típica, bem como antijurídica, dever-se-á

efetuar a prisão, e concluir o inquérito policial em 10 dias, conforme previsto no art.

10 do Código de Processo Penal:

Art. 10 - O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela (BRASIL, 2014).

26

Ato contínuo, a autoridade policial deverá remeter os autos do inquérito

policial ao titular da persecução penal, ou seja, o Ministério Público, que analisando

o caso concreto decidirá pela denúncia ou não.

O Ministério Público como Custos Legis, poderá desde logo, caso não

compactue com o posicionamento da autoridade policial, requisitar a autoridade

judiciária que expeça mandado de prisão contra o agente que entenda poder trazer

transtornos à persecução penal em andamento. Da mesma forma, a autoridade

judiciária ao tomar conhecimento do fato concreto, deverá de acordo com sua

convicção optar ou não pela expedição do mandado de prisão para a autoridade

policial.

Caso a autoridade policial constate que o fato cometido pelo agente em

situação de fragrante delito é ilícito, não se enquadrando nas hipóteses excludentes

de ilicitude, deverá submetê-lo a prisão cautelar até que a autoridade judiciária tome

conhecimento do caso concreto, que caso não entenda da mesma maneira,

concederá a liberdade provisória.

Importante salientar que, na hipótese do Ministério Público ao receber o

inquérito policial entender que não seja caso de prisão preventiva, divergindo acerca

do posicionamento adotado pela autoridade policial, por ser fiscal da lei, poderá

realizar requerimento à autoridade judiciária, para que esse decrete a liberdade

provisória do agente.

Nos casos em que houver dúvida sobre a existência da pertinência acerca da

excludente de antijuricidade, a autoridade policial deverá manter a liberdade do

agente atuado em flagrante delito, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa

humana, bem como da liberdade, e no caso de surgimento de fato novo que venha a

alterar o seu entendimento, deverá valer-se das medidas cautelares existentes para

a manutenção da ordem pública.

A autoridade judiciária sempre deverá analisar todas as hipóteses do fato

concreto a fim de garantir a aplicação do ordenamento jurídico de forma correta e

condizente com os princípios norteadores do sistema jurídico, de modo que a

atribuição à autoridade policial da análise acerca da existência das descriminantes

não lhe exime de também realizar este exame.

27

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto, observou-se que a reforma legislativa no sentido de inserir no

rol de atribuições da autoridade policial a análise das causas excludentes da ilicitude

nas hipóteses de flagrante delito, protegerá os direitos e garantias individuais dos

cidadãos, bem como se moldará a atual realidade que vivenciamos, onde o sistema

carcerário é precário e a criminalidade cresce a cada dia que se passa.

No presente trabalho acadêmico não se cogita a diminuição da competência

da autoridade judiciária, muito menos a atribuição da competência de julgar para a

autoridade policial, o intuito na realidade é buscar a justiça na aplicação do nosso

ordenamento jurídico.

A realização da análise em primeiro momento pelo Delegado de Polícia em

casos de flagrante delito das descriminantes, como já amplamente demonstrado,

não causará nenhum transtorno a persecução penal, haja vista que tanto as

autoridades judiciárias como os membros do Ministério Público poderão concordar

ou não com a decisão tomada pela autoridade policial, oportunidade em que caso

verifiquem equívoco do mesmo, poderão realizar os procedimento cabíveis para o

ajuste da conduta.

Ademais, importante salientar que o presente estudo não defende a

impunidade, e sim que toda prisão cautelar seja aplicada como medida necessária a

persecução penal, uma vez que percebe-se claramente que é injusto o tolhimento

desnecessário da liberdade de determinado indivíduo que pratica ação nitidamente

não considerada crime segundo a legislação penal brasileira, causando-lhe danos

irreparáveis.

Portanto, o verdadeiro objetivo do argumento desenvolvido no presente artigo

é demonstrar a necessidade de garantir aos cidadãos que possam se encontrar um

dia em situação de fragrante delito, por terem cometido ações amparadas no estado

de necessidade, legitima defesa, exercício regular do direito ou estrito cumprimento

do dever legal, não terem suas liberdades cessadas por atos que a própria lei

disciplina não ser crime.

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THE AUTHORITY OF THE POLICE AND THE EXCLUSIONARY WRONGFULNESS

ABSTRACT

This scientific article is scope to discuss the possibility of giving the police authority to

question whether there is exclusive of illegality in the case of agents who are in

situations of flagrante delicto in police units , since the delay in finding that the

documents in proof the no legal brings irreparable damage to the agent , from the

moment that have their private freedom unfairly by the fact that it is not considered a

crime in accordance with Brazilian law , which directly hurts the principles established

by our legal system . The approach used in this study is the deductive method, as we

analyze general facts with particular view to give a conclusion regarding the analysis

of the excluding wrongfulness in flagrante delicto. For this purpose, it is expected to

demonstrate the benefits that could be arising from the possibility of giving the police

authority a duty to investigate the existence of exclusionary illegality in tort cases

fragrant .

Keywords: Assignments. Police Authority. Exclusive of Illegality.

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