faces e fontes multiescrita: fundamentos e critérios de design

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SÉRGIO LUCIANO DA SILVA FACES E FONTES MULTIESCRITA: FUNDAMENTOS E CRITÉRIOS DE DESIGN TIPOGRÁFICO Belo Horizonte 2011

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  • SRGIO LUCIANO DA SILVA

    FACES E FONTES MULTIESCRITA: FUNDAMENTOS E CRITRIOS DE DESIGN TIPOGRFICO

    Belo Horizonte 2011

    CAPA OK

  • SRGIO LUCIANO DA SILVA

    FACES E FONTES MULTIESCRITA: FUNDAMENTOS E CRITRIOS DE DESIGN TIPOGRFICO

    Dissertao apresentada Escola de Design da

    Universidade do Estado de Minas Gerais para

    obteno do ttulo de Mestre em Design.

    rea de Concentrao: Design, Inovao e

    Sustentabilidade

    Linha de Pesquisa: Design, Cultura e Sociedade

    Orientador: Prof. Dr. Srgio Antnio Silva

    Co-orientadora: Prof. Dr. Sebastiana Luiza

    Bragana Lana

    Belo Horizonte 2011

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    S586f Silva, Srgio Luciano da Faces e fontes multiescrita : fundamentos e critrios de design tipogrfico / Srgio Luciano da Silva. - - Belo Horizonte, 2011. 154 f. (enc.) : il. color. tabs. ; 31 cm.

    Orientador: Srgio Antnio Silva Co-orientadora: Sebastiana Luiza Bragana Lana

    Dissertao (Mestrado) Universidade do Estado de Minas Gerais / Escola de Design / Mestrado em Design, 2011.

    1. Desenho grfico Tipo (impresso) Teses. 2. Famlia Tipogrfica Teses. 3. Projeto Grfico (tipografia) Teses. I. Silva, Srgio Antnio. II. Lana, Sebastiana Luiza Bragana. III. Universidade do Estado de Minas Gerais. IV. Ttulo.

    CDU: 766

  • Srgio Luciano da Silva Faces e fontes multiescrita: fundamentos e critrios de design tipogrfico

    Dissertao apresentada Escola de Design da

    Universidade do Estado de Minas Gerais para

    obteno do ttulo de Mestre em Design.

    rea de Concentrao: Design, Inovao e

    Sustentabilidade

    Linha de Pesquisa: Design, Cultura e Sociedade

    Aprovado em:

    Banca Examinadora

    Prof. Dr.:____________________________________________________________________

    Instituio: ______________________________ Assinatura: __________________________

    Prof. Dr.:____________________________________________________________________

    Instituio: ______________________________ Assinatura: __________________________

    Prof. Dr.:____________________________________________________________________

    Instituio: ______________________________ Assinatura: __________________________

    Prof. Dr.:____________________________________________________________________

    Instituio: ______________________________ Assinatura: __________________________

  • Para Alice e Janana, que me aguardam no Mungongo

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, que transformaram seus sonhos e projetos nos meus. Maria Alice Couto dos Reis, pelas leituras atentas, crticas isentas e apoio incondicional. Janana Reis de Faria, por continuar acreditando. Mirian S. A. Ferreira, ao Thiago Couto dos Reis e Luciana Guizan, por torcerem em silncio.Ao Professor e amigo Srgio Antnio Silva, por toda generosidade, estmulo e orientao.Ao querido amigo Alaor Jos da Cunha, pelo suporte. minha turma, Cssio, Cludio, Joca, Marcelo, Paulo, Ricardo e Sandro Bill, por existirem. tia Martinha, pelo carinho e pelos livros.Ao Nlio Ribeiro, por seu incentivo irrestrito. Camila Zyngier (Camilinha), pelas conversas e discusses sobre hebraico.Ao Felipe Domingues, pelos dois anos de intensa reflexo e proteo.Ao Pedro Campos, pelas crticas rigorosas. Fernanda Mouro, pelas tradues.Ao Professor Roberto Brant, que despertou meu interesse pelas cincias.Ao Professor Ricardo Valrio Fenati, que me despertou do sono dogmtico para a epistemologia. Professora Virginia de Araujo Figueiredo, que abriu meus olhos para o mundo de Aristteles.Aos Professores Gustavo Araujo, Ana Araujo e Raquel Teles Yehezkel, pelos ensinamentos de grego, latim e hebraico. Professora Ktia Xancho, que me iniciou, com todo carinho, na caligrafia. Professora Rita Aparecida da Conceio Ribeiro, por ajudar-me a enfrentar as audincias. Professora Sebastiana Luiza Bragana Lana, primeira a acolher meu projeto.Ao Professor Paulo Bernardo Ferreira Vaz, pelas valiosas sugestes, incluindo a expresso design tipogrfico. Professora Lia Krucken Pereira, pela mediao.Ao Professor Bruno Guimares Martins, por ler e avaliar meu projeto, mesmo durante uma viagem.Ao Rodrigo Stenner, pela dedicao, competncia e carinho. Miriam Nadim Abou-Yd, pelas fotos da Lbia. Valquria Aparecida de Moraes Paula, pela sabedoria, por acreditar e me incentivar.Ao Samy Lansky, por alertar-me sobre a importncia das lacunas.Ao Glauco Teixeira, Nadja Mouro e Srgio Lemos, pelas vises diferenciadas do design. Snia Queiroz, Maria Dulce Barbosa e Ana Utsch, por abraarem o Projeto Titivillus.Aos queridos participantes da Oficina de Caligrafia do Centro Cultural da UFMG, Alice, Csar, Ivete, Lcia Latorre, Lcia Toledo, Maria da Gloria, Madu, Mrio Vincius, Mirian, Pedro e Rina, pela rica troca de saberes e emoes.Aos meus primeiros alunos, Jonathan Soares, Laurent Porto e Lus Fernando Tavares, por tudo que me ensinam.Ao Internet Arquive (www.archive.org) e aos seus parceiros pela distribuio gratuita dos livros que forneceram as imagens contidas nas figuras 18, 22, 23, 24 e 25. Oak Knoll Press, em especial ao Sr. Robert Fleck Jr., Bob, e a Sra. Laura R. Williams, que gentilmente cederam os direitos de reproduo das imagens contidas nas figuras 19, 20, 21, 26, 27, 28, 30 e 31.

  • Esta dissertao foi realizada com o auxlio financeiro da CAPES.

  • Estudar e reproduzir o design de uma letra grega ou copta, derivada de um hierglifo egpcio,

    ou qualquer uma das milhares de outras formas escritas, entender o que um (a) colega viu com

    os olhos da mente quando modelou aquela mesma forma h milhares de anos. como trabalhar

    atravs da lgica do teorema de Pitgoras, ciente de que se est seguindo os pensamentos de

    um gemetra de um passado distante. A forma torna-se no mais uma sombra inerte em uma

    pgina, mas uma ideia viva.

    Charles Bigelow & Kris Holmes The design of a Unicode Font

  • RESUMO

    SILVA, S. L. Faces e fontes multiescrita: fundamentos e critrios de design tipogrfico. 2011.

    154 f. Dissertao (Mestrado) Escola de Design, Programa de Ps-Graduao em Design da

    Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.

    Esta dissertao trata dos critrios e fundamentos que subsidiam o design tipogrfico multiescrita

    (especificamente nas escritas latina e grega), oferecendo suporte terico e prtico atividade

    de designers nessa categoria de trabalho. Ela se divide em quatro eixos principais inter-rela-

    cionados. O primeiro identifica as influncias que os designers de escrita latina e as suas faces

    de tipo exercem sobre a tipografia grega, apontando as consequncias dessas influncias para

    que novos designers possam consider-las na tomada de decises de seus projetos. O segundo

    avalia os diversos nveis de conexes entre a caligrafia e a tecnologia atual de produo de fon-

    tes tipogrficas e extrai os elementos conceituais derivados dessas conexes que so relevantes

    para o design tipogrfico. O terceiro estabelece critrios, parmetros e limites para que fontes

    multiescrita (produzidas a partir de faces multiescrita) preservem a harmonia em seu conjunto

    sem a perda da identidade histrica, cultural e visual de cada escrita particular. O ltimo busca

    compreender e explorar os novos recursos contidos nas tecnologias do codificador Unicode e

    do formato OpenType, subsidirios produo de fontes multiescrita. Alguns destes recursos

    so cruciais para o design tipogrfico que busca a excelncia, uma vez que retomam e permitem

    reincorporar elementos primordiais da tipografia, que haviam sido abandonados com o advento

    das tecnologias mais recentes da linotipia e da fotocomposio.

    Palavras-chave: Design tipogrfico. Fontes multiescrita. Tipografia latina. Tipografia grega.

  • ABSTRACT

    SILVA, S. L. Multi-script typefaces and fonts: typeface design fundamentals and criteria.

    2011. 154 f. Dissertation (Masters Degree) Escola de Design, Programa de Ps-Graduao

    em Design da Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.

    The present dissertation is about the criteria and fundamentals that support multi-script typeface

    design (specifically in Latin and Greek scripts), providing theoretical and practical aid to the

    the work of designers in this field of activity. It is divided into four interrelated main lines.

    The first identifies the influences that the designers of Latin script and its typefaces have had

    on Greek typography, pointing out the consequences of such influences so that new designers

    may consider them in the decision taking process of their projects. The second evaluates the

    several levels of connection between calligraphy and the present production technology of

    typographic fonts, bringing out the conceptual elements derived from such connections that are

    relevant to typeface design. The third sets criteria, parameters and limits for multi-script fonts

    (produced from multi-script typefaces) to preserve their harmony as a whole without losing

    the historical, cultural and visual identity of each particular scprit. The last tries to understand

    and to explore the new resources found in the Unicode Encoding and the OpenType format

    technologies, subsidiary to the production of multi-script fonts. Some of those resources are

    crucial for typeface design in search of excellence, as they bring back and allow to reincorporate

    paramount typeface elements that had been put aside with the coming of the most recent linotype

    system and photocomposition technologies.

    Key words: Typeface design. Multi-script fonts. Latin typography. Greek typography.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Ilustraes dos captulos

    Figura 1. Exemplos de faces de tipo que formam uma famlia. 30

    Figura 2. Formas fsicas de uma face de tipo. 31

    Figura 3. Parte do cdigo de programao de uma fonte. 31

    Figura 4. Pares de variaes de glifos para um mesmo caractere. 32

    Figura 5. Amostra de ligaduras baseadas em dois e trs glifos. 32

    Figura 6. Equivalncia entre paicas, polegadas e milmetros. 34

    Figura 7. Diferena entre paicas PostScript e paicas americanas. 34

    Figura 8. Representao de tipos de liga de metal. 35

    Figura 9. Representao de tipos digitalizados. 35

    Figura 10. Instrues digitais contendo medidas dos glifos de uma fonte. 36

    Figura 11. Principais medidas e distncias das partes das letras. 37

    Figura 12. Linhas que definem a entrelinha. 37

    Figura 13. A palavra Sntesis, em grego, apresenta trs diferentes glifos (indicados pelas setas) para o mesmo caractere sigma. 41

    Figura 14. Duas letras de uma mesma face com detalhes diferenciados no acabamento, para usos em tamanhos distintos. 43

    Figura 15. Organograma dos sistemas de escrita. 46

    Figura 16. Runas romanas do norte da Lbia (stio arqueolgico de Leptis Magna). 51

    Figura 17. Runas romanas do norte da Lbia (stio arqueolgico de Leptis Magna). Detalhe. 51

    Figura 18. Trecho do manuscrito de Nithardus, De dissensionibus filiorum Hludovici Pii libri escrito entre 900 e 1.000 dC no estilo Carolngio. 52

    Figura 19. Face grega ortptica de Nicolas Jenson, 1472. 53

    Figura 20. Face grega chanceleresca baseada na forma das letras manuscritas de Manuzio, 1502. 54

    Figura 21. Face Grecs du Roi de Claude Garamond, 1550. Os crculos destacam trs elaboradas abreviaturas, complexas para serem produzidas em tipos de metal. 55

    Figura 22. Face de Alexander Wilson. Trecho da edio de Robert e Andrew Foulis, da obra Iliad, de 1756. 56

    Figura 23. Face de John Baskerville. Trecho da obra Novum Testamentum juxta exemplar Millianum, de 1763. 56

    Figura 24. Simulao das principais linhas de auxlio na construo de glifos usando parte das imagens das figuras 22 e 23. 57

  • Figura 25. Face Porson Greek. Trecho da edio de Cambridge da obra The Oresteia of Aes-chylus, de 1920. 58

    Figura 26. Face Otter Greek, de Robert Proctor. Trecho da Oresteia, de 1904. 58

    Figura 27. Face New Hellenic, baseada no desenho de Victor Scholderer. Trecho de Thucidydes The funeral oration of Pricles, de 1929. 59

    Figura 28. Face grega de Giambattista Bodoni. Trecho de Longus, 1786. As setas indicam curvas pouco apropriadas para uma face de tipo feita para textos corridos. 60

    Figura 29. Face GFS Didot. Verso digital de 1994 produzida para a Greek Font Society. Esta verso preserva as espessuras dos traos originais de Firmin Didot, no coerentes com traos de origem caligrfica. 61

    Figura 30. Faces Romulus Greek (1937) e Romulus Latin (1931) de Jan van Krimpen, com punes de Paul Rdisch. 63

    Figura 31. Faces Perpetua Greek e Perpetua Latin de Eric Gill. A verso latina foi originalmente desenhada para a Monotype em 1925. 64

    Figura 32. Maisculas e minsculas gregas e latinas da face Euler. As maisculas latinas tm um nmero reduzido de serifas. 66

    Figura 33. Exemplo de texto multiescrita em harmonia na face Euler. 66

    Figura 34. Uniformidade e regularidade das letras gregas na face Euler. 66

    Figura 35. Comparao entre a deficincia no traado de algumas letras na face GFS Didot (esquerda) e o equilbrio nas linhas das mesmas letras na face Euler (direita). 66

    Figura 36. Simulao por meio de setas do movimento de uma caneta de ponta larga e da va-riao de espessura do ducto na face Euler. 66

    Figura 37. Distino de letras, formalmente semelhantes, no alfabeto latino e grego, dentro da face Euler. 67

    Figura 38. Iluso de ptica de crculos ao lado de quadrados. 70

    Figura 39. Iluso de ptica de crculos sobre crculos. 70

    Figura 40. Iluso de ptica de diagonais que se cruzam. 71

    Figura 41. Iluso de ptica do Efeito Osso. 72

    Figura 42. Iluso de ptica de verticais conectadas a horizontais. 73

    Figura 43. Curvas, retas e diagonais j ajustadas para parecerem de mesma espessura. Medidas expressas em pontos tipogrficos. 74

    Figura 44. Simulao de letras posicionadas verticalmente em um plano horizontal, para avaliar sua estabilidade. 75

    Figura 45. Exemplos relacionados ao princpio de estabilidade. 76

    Figura 46. Exemplos relacionados ao princpio de obstruo. 77

    Figura 47. Exemplos relacionados ao princpio de densidade. 77

    Figura 48. Exemplos relacionados ao princpio de demarcao. 78

    Figura 49. Detalhes de elementos que distinguem letras com estruturas similares. 80

  • Figura 50. A importncia das partes superiores das letras no alfabeto latino. 80

    Figura 51. Os 80 glifos da face EM -2000 ( FHWA), adotada na sinalizao de trnsito nos Estados Unidos e no Brasil. 93

    Figura 52. Exemplos de letras com sinais diacrticos sugeridos pelo Guia Brasileiro de Sinali-zao Turtisca (1 linha) e a soluo adotada no projeto da BR Sans (2 linha). 94

    Figura 53. Exemplo de uso da fonte EM-2000, adaptada com os sinais diacrticos para a sina-lizao de trnsito na cidade de Belo Horioznte. 95

    Figura 54. Ajustes nas formas para assegurar a compensao ptica dos glifos. 95

    Figura 55. Demonstrao do ajuste de algumas letras. A rea em preto foi eliminada no desenho final da BR Sans. 96

    Figura 56. Exemplo de letras que aumentam sua legibilidade com a reduo do negrito em suas formas. 98

    Figura 57. O conjunto completo dos 694 glifos, de um dos 8 estilos da BR Sans. 99

    Figura 58. Nove classes de elementos da BR Sans. 100

    Figura 59. Letras maisculas gregas na BR Sans. As letras em cinza tem a mesma forma das latinas. 102

    Figura 60. Letras gregas gamma, delta e xi minsculas em trs faces gregas, comparadas com a BR Sans. As formas das letras das duas primeiras linhas so fac-smiles e serri-lharam ao serem ampliadas na composio da figura. Optamos por mant-las assim para preservar seu traado original. 102

    Figura 61. Exemplos de consistncia de diversos elementos que compem as letras gregas da BR Sans. 104

    Figura 62. Exemplo de texto multiescrita na Face BR Sans. 106

    Figura 63. Composio de texto em grego e latim usando a BR Sans em seus estilos. 106

    Figura 64. Composio de texto em grego e latim usando a BR Sans em seus estilos. 107

    Ilustraes dos apndices

    Figura B.1. Terminologia bsica associada s partes das letras. 135

    Figura B.2. Detalhes relativos ao eixo, estresse e forma das serifas. 136

    Figura B.3. Termos relacionados s diversas classes de elementos contidas em uma fonte. 137

    Figura B.4. Os diversos estilos da famlia de faces Deja Vu. 138

    Figura D.1. Quatro primeiros passos da etapa de criao de uma face de tipo. 142

    Figura D.2. Detalhe do redesenho da letra X, usando a referncia da letra desenhada em papel e digitalizada. Este desenho vetorizado, quinto e ltimo passo da etapa de criao, a base para a etapa seguinte de produo da fonte. 143

  • Figura D.3. Trecho da janela da matriz de composio de um programa de edio de fontes. 144

    Figura D.4. Janela do mesmo programa da figura anterior mostrando a letra S montada em sua matriz de composio. Cada um dos elementos como letras, nmeros e sinais de pontuao, tem sua prpria janela de edio. 144

    Figura D.5. Diagrama representativo de um projeto tipogrfico. 145

    Figura D.6. Do item A at o item E temos as cinco circularidades do diagrama indicadas de R1 a R5 e no item F a representao destes processos simplificados. 148

    Figura D.7 Realimentao R1. 149

    Figura D.8 Realimentao R2. 149

    Figura D.9 Realimentao R3. 149

    Figura D.10 Realimentao R4. 150

    Figura D.11 Realimentao R5. 150

    LISTA DE TABELAS

    Tabelas dos apndices

    Tabela E. 1. Trs variaes de nomes das letras na escrita grega. 152

    Tabela E. 2. Frequncia da letras na constituio das palavras de escrita latina. 153

    Tabela E. 3. Frequncia da letras na constituio das palavras de escrita grega. 153

  • SUMRIO

    1 INTRODUO 16

    1.1 Cuidados com a nomenclatura 16

    1.2 Trajetria da tipografia multiescrita 18

    1.3 Escolha do tema 22

    1.4 Objeto e objetivos 23

    1.5 Reviso bibliogrfica e metodologia 24

    1.6 Design tipogrfico, inovao e sustentabilidade 27

    2 CONCEITOS E PRINCPIOS 29

    2.1 Faces de tipo, tipos e fontes tipogrficas 29

    2.2 Caracteres e glifos 31

    2.3 Unidades de medidas absolutas e relativas 32

    2.4 Codificadores de caracteres 38

    2.5 A linguagem PostScript de descrio de pgina 39

    2.6 Fontes OpenType 41

    2.7 Sistema de escrita, escrita e multiescrita 43

    3 CAMINHOS DA MULTIESCRITA NA TIPOGRAFIA LATINA E GREGA 48

    3.1 Surgimento e expanso do alfabeto 50

    3.2 Diferenciaes a partir do nascimento: a primazia das chancelerescas 53

    3.3 Giro e a trajetria britnica: a retomada das ortpticas 55

    3.4 Desdobramentos de uma nova concepo italiana e francesa 59

    3.5 Latinizao versus uma abordagem no predatria de projetos multiescrita 61

    4 APARNCIA E ESSNCIA: DOIS ASPECTOS COMPLEMENTARES EM

    MULTIESCRITA 68

    4.1 Tipografia e aparncia: iluso de ptica e compensao formal dos glifos 69

    4.1.1 Quatro princpios pticos: Estabilidade, Obstruo, Densidade e Demarcao 744.1.2 Legibilidade, leiturabilidade, percepo e compreenso 794.1.3 Organizando os conceitos pticos para estabelecer critrios 81

    4.2 Tipografia e essncia: possibilidades e limitaes metodolgicas de projetos multiescrita 824.2.1 Limites de classificao de faces em escrita latina 834.2.2 O desafio das fronteiras em multiescrita 85

  • 4.2.3 A escolha das escritas 864.2.4 Design simultneo ou incremental: qual metodologia utilizar? 88

    4.3 Complementaridade entre aparncia e essncia 90

    5 FONTE BR SANS: UM EXEMPLO CONCRETO 92

    5.1 Origem do projeto 92

    5.2 Caractersticas, modificaes e adaptaes 93

    5.3 Conjunto dos glifos 99

    5.4 Design incremental das letras gregas 1015.4.1 Estrutura das letras 1015.4.2 Composio de texto 105

    CONSIDERAES FINAIS 108

    REFERNCIAS 110

    APNDICE A GLOSSRIO 115

    APNDICE B ANATOMIA DO TIPO 136

    APNDICE C FONTES TYPE 1 E FONTES TRUETYPE 140

    C.1 Guerra das Fontes 140

    C.2 Type 1 versus TrueType 141

    APNDICE D PANORAMA DAS ETAPAS DE UM PROJETO TIPOGRFICO 143

    D.1 A criao da face de tipo 147

    D.2 A produo da fonte tipogrfica 147

    D.3 A produo dos documentos e a criao do canal de distribuio 148

    D.4 Realimentao positiva e Loop 148

    APNDICE E PARTICULARIDADES DAS LETRAS NAS ESCRITAS GREGA E

    LATINA 152

  • 16

    1 INTRODUO

    Este captulo, por seu carter preliminar, tem por funo delimitar o tema, objetos e objetivos,

    assim como estabelecer a metodologia e reviso bibliogrfica que d suporte a esta dissertao.

    Como parte deste prembulo fornecemos tambm um mnimo embasamento histrico e termi-

    nolgico com o propsito de explicitar conceitos, que sero aprofundados em outros captulos,

    mas que j se encontram, pela exigncia do prprio tema, includos aqui.

    1.1 Cuidados com a nomenclatura

    A tipografia, como qualquer rea do conhecimento humano, tem um vocabulrio prprio

    que vem se ampliando e se especializando desde a sua constituio, em 1454, com a criao

    dos tipos mveis ocidentais por Gutenberg. No entanto, termos que foram cunhados em alemo,

    ingls ou francs, ou que retroagem Idade Mdia e at mesmo ao tempo do Imprio Romano,

    muitas vezes no tm correlato em nossa lngua. Desta maneira, para um claro entendimento

    do tema, algumas definies so exigidas. Consideramos como parte dos objetivos do primeiro

    captulo da dissertao definir termos e conceitos bsicos (sem esquecer o contexto histrico)

    apoiando-nos em (ECKERSLEY et al., 1994), (FELICI, 2003), (HARALAMBOUS, 2002,

    2003, 2007), (ROSSI FILHO, 2001), (UNICODE, 2009) e (THING, 2003). Quanto ao restante

    das expresses, optamos por no defini-las dentro do texto principal, para facilitar a fluncia

    do contedo da dissertao, apresentando seu significado em um glossrio separado ao final.

    Alm disso, nos sentimos obrigados a criar neologismos, em circunstncias em que no existe

    correlato de um termo em nossa lngua.

    Com a consolidao e a expanso da produo tipogrfica em meio digital, nas ltimas

    trs dcadas, uma srie de conceitos j estabelecidos neste campo vem sofrendo alteraes.

    Como consequncia, a terminologia especfica vem sendo adaptada e ampliada, para subsidiar

    o discurso dos profissionais da rea. Obviamente, a quantidade de expresses, que j grande,

    tende a crescer juntamente com a complexidade da tecnologia. Alm disso, a expanso do uso

    da tipografia digital na comunicao escrita mundial obrigou este campo a incorporar conceitos

    relacionados lingustica e gramatologia. Assim, atentos a essas circunstncias, necessrio,

  • 17

    antes de enfrentarmos o tema da dissertao, definir quatro termos includos no ttulo da mesma:

    face, fonte, multiescrita e design tipogrfico.

    O termo face de tipo, ou simplesmente face, tem um significado preciso: uma coleo de

    sinais grficos (letras, sinais diacrticos, nmeros, pontuao e smbolos) desenhados para terem

    uma forma e estilo comuns (FELICI, 2003, p. 29; THING, 2003, p. 893).

    Fonte tipogrfica, ou fonte, a estrutura que descreve uma face de tipo. Esta estrutura pode

    ser fsica, em blocos de liga de metal ou em filme fotogrfico, ou ainda digital, em cdigo de

    computador, como ocorre com a tecnologia atual. O termo fonte, em sua acepo mais recente,

    est associado a um arquivo digital que representa, com instrues de programao, as formas das

    letras e dos demais elementos de uma face de tipo (FELICI, 2003, p. 29; THING, 2003, p. 340).

    Uma maneira de distinguir fonte de face pensar seus conceitos metaforicamente. A fonte

    tipogrfica equivalente a um carimbo e a face de tipo sempre se mostra nas marcas feitas pelo

    carimbo, por exemplo, sobre folhas de papel.

    O termo multiescrita um neologismo de origem inglesa (multi-script), uma juno do

    antepositivo multi-, cujo significado o de algo numeroso, e escrita, cuja acepo aqui de um

    conjunto de signos que representa textualmente uma linguagem. So exemplos de escritas os

    alfabetos latino, grego e cirlico e os silabrios hiragana e katakana. Assim, multiescrita, em sua

    funo de adjetivo, significa: (diz-se daquilo) que possui vrias escritas. Portanto, se uma fonte

    tipogrfica multiescrita, ela contm mais de uma escrita em sua composio. Um exemplo

    de fonte multiescrita a Times New Roman, que inclui em seu arquivo digital as escritas latina,

    grega, cirlica, hebraica e arbica.

    No nosso entendimento, o design tipogrfico, devido s particularidades de seus processos

    internos, necessita de uma caracterizao singular, que fazemos nos apoiando em dois outros

    conceitos: criao e produo. Os conceitos de criao e de produo tm acepes comuns e

    costumam ser considerados equivalentes em diversas reas de atividades que incluem projetos.

    No entanto, dada a especificidade do nosso campo de pesquisa, consideramos os mesmos com

    sentidos distintos, com o propsito de tornar mais preciso o conceito de design tipogrfico.

    Assim, criao aqui entendida como o trabalho primordial do designer tipogrfico. Est rela-

    cionada diretamente cristalizao de conceitos e estilos que este profissional concebe e que

    iro caracterizar formalmente uma face de tipo. Na atualidade, esta cristalizao pode acontecer

    atravs do desenho das letras concludas em papel ou executadas diretamente no computador.

    Por outro lado, produo no tem aqui o carter inventivo da criao. Assim, diz respeito ao

    processo de composio (montagem) da fonte tipogrfica a partir dos desenhos das letras criados

  • 18

    pelo designer. Neste processo, compem-se todos os elementos desenhados em um documento

    de estrutura matricial, dentro de um programa especfico de edio de fontes. O documento

    matriz o cerne gerador dos arquivos finais do produto fonte e o trabalho de produo pode ser

    executado pelo designer tipogrfico ou por um profissional especializado em composio, desde

    que supervisionado pelo designer. O que importa saber que as etapas de criao e de produo

    esto includas num conceito mais amplo, o de design tipogrfico. O fundamento deste conceito

    est em projetar tanto a forma, enquanto face de tipo desenhada, quanto a estrutura digital que

    suporta o desenho, isto , a fonte tipogrfica. O Apndice D (Panorama das etapas de um proje-

    to tipogrfico) aprofunda a anlise sobre os sentidos de criao, produo e design tipogrfico

    estabelecidos aqui. Definidos esses termos, passemos ao tema da dissertao.

    1.2 Trajetria da tipografia multiescrita

    Desde as ltimas dcadas do sculo XX vem ocorrendo um crescimento no interesse da

    produo de fontes tipogrficas com capacidade multiescrita, voltadas para o mercado multilin-

    gual. Designers tipogrficos de todo o mundo tm cada vez mais participado de projetos desta

    natureza. O avano exponencial da globalizao justifica em parte o envolvimento da comuni-

    dade tipogrfica neste campo especfico. No entanto, se voltarmos nosso olhar para o passado,

    encontraremos razes de uma produo multiescrita, muito antes do advento da tipografia, j na

    Idade Mdia Europeia, com o trabalho manuscrito dos monges copistas. A atividade de repro-

    duo dos textos antigos exigia, alm do domnio da caligrafia e do conhecimento das lnguas

    clssicas, o mximo de cuidado e ateno na redao dos textos. Principalmente quando tais

    obras incluam mais de uma escrita, como no caso de alguns textos bblicos produzidos em grego

    e latim1. O esforo desses monges de copiar tais manuscritos estava sempre acompanhado do

    risco de erro. A igreja, detentora do poder de guarda, produo e reproduo de obras escritas,

    tinha entre seus mecanismos de controle de qualidade uma histria curiosa para os dias de hoje,

    mas ameaadora para a poca medieval: Titivillus, segundo a tradio crist, seria o demnio

    que estaria sempre atento aos enganos dos escribas. Ele os anotava, juntamente com o nome do

    1 importante distinguir o que bilngue ou trilngue do que multiescrita. Uma obra redigida, por exemplo, em portugus e ingls bilngue, mas no multiescrita, uma vez que faz uso apenas de uma escrita (a latina), para produzir seu contedo. Um exemplo de manuscrito multiescrita o Codex Bezae em grego e latim. Um fac-smile do mesmo, contendo o evangelho de Lucas encontra-se disponvel em http://ia600407.us.archive.org/11/items/morecodexbezae/CodexBezaeLuke.pdf

  • 19

    monge que os cometera, para apresent-los em cobrana como pecado, no dia do julgamento

    final (DROGIN, 1980, p. 17-20). Com o surgimento das universidades, a partir do sculo XII, e o

    aumento da procura por textos, principalmente das tradues das obras de Aristteles e Plato, os

    escribas sobrecarregados apontavam Titivillus como aquele que os induzia ao erro. Este demnio,

    no entanto, tendo tornado-se justificativa para as erratas, passou com o tempo a ter o seu poder

    mitigado e terminou, na Renascena, por ser considerado patrono dos escribas e da caligrafia.

    Neste contexto, poderamos entender que a inveno da imprensa de tipos mveis de Gu-

    tenberg permitia um avano em relao a dois pontos problemticos da produo inteiramente

    manual de livros. Resolvia a questo da oferta de obras, em face da crescente demanda, mantendo

    a excelncia na produo. E, em princpio2, reduzia o nmero de erros com economia de tempo:

    uma pgina montada para impresso tipogrfica, mesmo depois de exaustivamente revisada,

    ainda assim poderia ser reproduzida centenas ou milhares de vezes, em cpias idnticas e num

    prazo muito mais curto do que sua equivalente no processo manual. Mas, o mais importante, em

    termos de contedo, que o avano tecnolgico da imprensa preservava as condies necessrias

    para a continuidade de uma produo multiescrita, agora em larga escala.

    No entanto, para que a imprensa fosse bem-sucedida era preciso adaptar-se a um mer-

    cado exigente. A escrita manual, em sua matriz estabelecida ao final da Idade Mdia, apesar

    de suas limitaes, desfrutava de prestgio entre os leitores do sculo XV. E esta preferncia

    apoiava-se numa tradio cultural que preservara, para a escrita latina, estilos compostos de

    letras maisculas advindas ainda do Imprio Romano (Sculo I dC) e minsculas do Imprio

    Carolngio (Sculo IX dC). Esta predileo, da qual Gutenberg tinha conscincia, foi um dos

    motivos que fizeram com que ele e sua equipe utilizassem um grande nmero de variaes de

    letras na impresso de seu primeiro livro, em 1454. Alm disso, conforme afirma James Felici

    (2003, p. 5), sua empresa manteve a mesma estrutura de pginas, o mesmo projeto dos livros e

    preservou as convenes caligrficas j secularmente estabelecidas. A inteno era convencer,

    aos provveis e potenciais compradores, que seus tipos mveis poderiam imitar razoavelmente

    as elegantes formas da arte caligrfica e que as obras produzidas em sua oficina tipogrfica no

    eram inferiores s confeccionadas nos mosteiros e abadias, que contavam com a tecnologia e

    padres medievais.

    O fato de que com a Renascena agua-se o interesse dos leitores (principalmente nobres,

    cortess, estudiosos e estudantes) por temas e autores da antiguidade clssica (no s latina

    mas tambm grega), transfere as exigncias da escrita manual grega, de carter mais cursivo e

    2 Em princpio porque, como ocorre ainda atualmente, se a reviso no for rigorosa, um nico erro se replica por todas as cpias.

  • 20

    intrincado, para o mundo da impresso. Construir fontes gregas com esses critrios, para aten-

    der ao mercado humanista em crescimento e com obras multiescrita, torna-se uma tarefa mais

    complexa, mas rentvel. No sem razo que um professor de grego, como Aldo Manuzio,

    to bem-sucedido comercialmente, como editor, ao produzir em torno 150 obras, entre 1495 e

    1515, entre clssicos em grego e latim, e com edies incorporando ao mesmo tempo essas duas

    escritas. Marca emblemtica da multiescrita nesse perodo (15141517) a impresso da Bblia

    Poliglota Complutensiana, editada pelo cardeal Francisco Ximenes, incluindo trs escritas em

    suas pginas: grego, latim e hebraico.

    Assim, foi necessrio, juntamente com a nova tecnologia de tipos mveis, que os tipgrafos

    ampliassem seu espectro de atuao para alm de suas escritas nativas. Isto, na verdade, no era

    um esforo descomunal, uma vez que, com a conquista da Grcia pelo Imprio Otomano, os

    experientes escribas gregos que se exilaram compartilharam suas habilidades e conhecimentos

    com os tipgrafos do restante da Europa e deram sua contribuio para uma produo tipogrfica

    multiescrita. E ao longo dos sculos que se seguem assistimos a uma profuso de tipgrafos no

    gregos que se especializam e se dedicam criao de faces em escrita latina e grega: Nicolas

    Jenson (c. 142080), Claude Garamond (c. 14901561), William Caslon (16921766), John

    Baskerville (170675), Giambattista Bodoni (17401813), Ambroise Firmin Didot (17901876),

    Jan van Krimpen (18921958), Eric Gill (18821940), Hermann Zapf (1918) e Matthew Carter

    (1937) so apenas alguns dos nomes de diversas nacionalidades que ganharam renome inter-

    nacional realizando este trabalho.

    No entanto, a crescente mecanizao que ocorreu ao longo dos ltimos cinco sculos

    procurou atender muito mais s exigncias de um mercado em expanso do que preservar a

    qualidade e os critrios dos primeiros tempos da tipografia. O sculo XX, por todas as trans-

    formaes tecnolgicas prensadas num curto perodo histrico, foi aquele que mais sofreu o

    impacto das mudanas. A passagem da produo dos tipos de metal de forma manual para o

    modo mecanizado do pantgrafo (final do sculo XIX), seguida pela gerao de fontes em filme

    fotogrfico e destas para a tecnologia digital, possibilitou a proliferao da tipografia de maneira

    extraordinria. Porm, o preo que se pagou foi o abandono de uma srie de recursos, ajustes e

    refinamentos que deixaram de ser incorporados pelos equipamentos mais recentes.

    No mbito da produo de fontes tipogrficas, um exemplo de recuo e perda de qualidade

    foi a eliminao das sutis variaes nas formas das letras, para cada tamanho de fonte, na me-

    dida em que o uso do pantgrafo permitiu a produo de diversos tamanhos de letras a partir de

    um nico modelo desenhado. O pantgrafo, como mostra Malou Verlomme (2005, p. 19) foi

  • 21

    somente o gatilho tecnolgico, uma vez que poderiam, ainda com este instrumento, ser utilizados

    mais de um modelo de letras para os diferentes tamanhos. Mas essa no foi a opo da indstria,

    privilegiando os prazos e custos em detrimento da qualidade.

    Na rea de edio e impresso a tecnologia tambm avanou e os mercados se ampliaram

    enquanto operava-se um retrocesso na qualidade dos elementos tipogrficos bsicos, isto ,

    os glifos. Com o crescimento da alfabetizao e da indstria de jornais, na Europa e Estados

    Unidos, mquinas de composio de textos como a Linotype e a Monotype encurtaram os

    prazos para a produo de uma pgina impressa, graas padronizao em um nmero redu-

    zido e fixo de larguras das letras e sua montagem a partir de um teclado. A impresso ofsete,

    cujas bases foram estabelecidas no final do sculo XVIII, com a inveno da litografia aliada

    tecnologia da fotocomposio, se firma na metade do sculo passado, tornando obsoletas

    as Linotype e as Monotype.

    Ora, a produo de fontes a partir do processo fotogrfico reforou o caminho j percorrido

    pela indstria, no perodo anterior em que se utilizava o pantgrafo. Com um nico filme servin-

    do de modelo era possvel gerarem-se os diversos tamanhos de letras necessrias composio

    dos textos. Foi assim que uma estrutura reduzida e empobrecida de fontes foi transferida para o

    mundo dos computadores. No fim da dcada de 1980 as fontes tipogrficas em formato digital

    j haviam se estabelecido firmemente dentro do territrio do design grfico e nas mais diversas

    formas de comunicao em meio eletrnico. Os custos para produzir fontes e gerar material

    impresso reduziram-se tanto que se tornou possvel ter uma editora dentro de casa. Alm disso,

    diversas limitaes dos formatos das fontes Type 1 e TrueType foram superadas com o advento de

    padres como o formato OpenType e o codificador Unicode, desenvolvidos ao longo da dcada

    seguinte. Um dos progressos foi a capacidade de incorporar milhares de elementos, inclusive

    multiescrita, em um s arquivo digital. Paralelamente a esses avanos, as novas tecnologias

    tornaram-se cada vez mais acessveis aos designers tipogrficos, dando mais liberdade de ao

    e ampliando as possibilidades de inovao em seus projetos. Como consequncia disso, tanto

    empresas produtoras de fontes quanto designers interessados em diferenciarem-se do lugar-

    comum e estabelecerem seu nicho (como j havia feito Manuzio cinco sculos antes) retoma-

    ram a pesquisa histrica em busca dos antigos recursos e elementos tipogrficos e caligrficos

    abandonados ao longo do tempo e investiram na sua reincorporao ao mundo da tipografia,

    incluindo em tudo isso a multiescrita.

  • 22

    1.3 Escolha do tema

    As novas condies e possibilidades da tecnologia digital tornaram o processo de produo

    de fontes mais intrincado e com um maior nmero de etapas, principalmente quando o propsito

    inclui a multiescrita. Isto exige o domnio de reas do conhecimento e de tcnicas que no eram

    necessrias a quem trabalhava apenas no mbito da sua escrita nativa. Em decorrncia disso,

    nos ltimos 15 anos cresceu o debate internacional em torno do tema das fontes tipogrficas

    multiescrita. O assunto tratado em cursos universitrios, congressos e fruns na Internet. Se a

    literatura em portugus sobre tipografia amplia-se cada vez mais, no entanto, a discusso sobre

    questes relacionadas multiescrita ainda escassa em nossa lngua. E o volume de informao

    disponvel em ingls e francs sobre o tema da multiescrita, apesar de mais expressivo, est

    pulverizado em artigos de revistas especializadas, dissertaes, captulos de livros de designers

    tipogrficos e de tericos da tipografia.

    Assim, apesar da crescente discusso, dos estudos de caso e dos trabalhos j publicados,

    ainda existem lacunas na produo terica sobre design multiescrita. Uma delas a falta de

    material no somente descritivo e analtico, mas propositivo, que norteie os designers tipo-

    grficos na produo dessa categoria de fontes tipogrficas. Esta lacuna justifica e indica o

    tema desta dissertao.

    O tema diz respeito aos critrios e fundamentos tericos e prticos que possam orientar

    a produo de fontes multiescrita. Sua relao com a linha de pesquisa Design, Cultura e So-

    ciedade se d em pelo menos dois nveis. Num nvel mais geral a tipografia sabidamente um

    dos pilares do design grfico. Num nvel mais especfico o design tipogrfico sempre esteve

    fundamentado no binmio tcnica e arte e consequentemente indissocivel da cultura e da

    sociedade. Assim, por um lado a criao sempre se deu fazendo uso da tecnologia disponvel

    no momento histrico da produo (desde as punes e pantgrafos at os atuais computadores).

    Por outro, as diversas faces de tipo criadas ao longo dos mais de 500 anos de imprensa vm de

    uma tradio caligrfica e sempre estiveram inseridas nos movimentos culturais e artsticos de

    seu tempo, como o renascentista, o rococ, o barroco, o neoclssico e todos os demais.

  • 23

    1.4 Objeto e objetivos

    O objeto de pesquisa circunscreve a escrita latina e a grega, no mbito do design tipo-

    grfico, procurando identificar, analisar e estabelecer algumas condies necessrias para que

    as letras desses alfabetos possam ser adequadamente incorporadas a uma fonte tipogrfica. A

    questo que est na base da dissertao : quais os fundamentos, critrios e requisitos, tericos

    e prticos, necessrios criao de faces e produo de fontes em multiescrita? A escolha das

    escritas grega e latina se deve a trs fatores:

    1 proximidade cultural e estrutural destes dois alfabetos, mas que foram submetidos a

    diferentes condies histricas que enriquecem o estudo.

    2 importncia sabidamente universal que a escrita grega sempre teve e ainda tem na pro-

    duo de fontes tipogrficas ocidentais.

    3 possibilidade de serem feitas extrapolaes a partir do referencial do grego para a criao

    de faces que incluam outras escritas como o cirlico ou o hebraico.

    O objetivo geral elaborar critrios que auxiliem o design tipogrfico multiescrita, subsi-

    diando designers nessa categoria de trabalho. Os objetivos especficos so:

    1 Identificar as influncias que os designers de escrita latina e as suas fontes exercem na pro-

    duo de fontes gregas, apontando as consequncias destas influncias, para que designers

    iniciantes em tipografia possam consider-las na tomada de decises em seus projetos.

    2 Avaliar as conexes entre a tcnica histrica da caligrafia e a tecnologia atual de produo

    de fontes tipogrficas e extrair os elementos conceituais derivados dessas conexes que

    so relevantes para o design tipogrfico.

    3 Estabelecer critrios, parmetros e limites para que fontes multiescrita (produzidas a partir

    de faces multiescrita) preservem a harmonia em seu conjunto sem a perda da identidade

    histrica, cultural e visual de cada escrita particular.

    4 Compreender e explorar os novos recursos3 contidos nas tecnologias do codificador Uni-

    code e do formato OpenType, subsidirios produo de fontes multiescrita.

    3 Alguns destes recursos so cruciais para o design tipogrfico que busca a excelncia, uma vez que retomam e permitem reincorporar antigos elementos da tipografia que haviam sido abandonados em favor de tecnologias mais recentes como a da fotocomposio.

  • 24

    1.5 Reviso bibliogrfica e metodologia

    A maior parte da bibliografia est baseada em obras impressas. No entanto, alguns documen-

    tos mais recentes, relacionados a pontos especficos dos temas tratados, apenas esto disponveis

    em sua forma digital. Tratam-se de dissertaes de mestrado, artigos apresentados em congressos

    e disponibilizados em jornais eletrnicos ou stios e fruns especializados na rea tipogrfica.

    Assim, a relevncia e at o ineditismo das questes abordadas justificam a incluso destes arqui-

    vos PDF. Porm, se uma das caractersticas inovadoras da Internet permitir o debate, a livre

    circulao e troca de ideias de maneira rpida, devemos tomar cuidado com a procedncia das

    informaes veiculadas atravs da rede. Deste modo, todos os documentos includos tm como

    origem de distribuio stios de instituies e/ou empresas confiveis, como The Type Directors

    Club (TDC), The TEX Users Group (TUG), The Comprehensive TEX Archive Network (CTAN),

    The Summer Institute of Linguistics (SIL) e Greek Font Society (GFS).

    Quando pesquisadores debatem questes sobre multiescrita, temas acerca do cirlico, do

    hebraico e do arbico costumam aparecer junto com os de grego, por se tratarem de escritas

    difundidas na produo tipogrfica ocidental. Alm disso, entendemos que alguns conceitos e

    critrios elaborados para aplicao dentro do universo de uma escrita podem ser estendidos a

    outras, por analogia, abrindo caminho para solues inusitadas de problemas. Assim, apesar de

    no pertencerem ao tema especfico desta dissertao, pesquisamos, lemos e inclumos na bi-

    bliografia os seguintes autores: (HARALAMBOUS, 1994), (LALOU, 2004), (YARDENI, 2002).

    As obras The worlds writing systems (DANIELS et al., 1996), Medieval calligraphy

    (DROGIN, 1980), Fonts and encodings (HARALAMBOUS, 2007), Writing and illuminating and

    lettering (JOHNSTON, 1977), Digital formats for typefaces (KAROW, 1987), Letters of credit

    (TRACY, 2003) e The book of hebrew script (YARDENI, 2002) no foram lidas em toda a sua

    extenso, uma vez que foram utilizadas principalmente como fonte de consulta e pesquisa pontual.

    Duas obras particularmente relevantes para a dissertao so: Language culture type

    (BERRY, 2002), que, de mbito mais geral, discorre sobre a tipografia atual no contexto das

    escritas grega, cirlica, hebraica, arbica, japonesa e bengali e Greek letters (MACRAKIS, 1996),

    que rene mais de 20 ensaios especficos sobre a tipografia grega, tratando desde a histria e

    antiguidade deste alfabeto at os seus problemas e desafios na atualidade. importante observar

    que o referencial terico da bibliografia se mescla com nossos estudos de lnguas (grego, latim

    e hebraico), estudo e prtica da caligrafia medieval e renascentista e da anlise da aplicao de

    conceitos no design de uma famlia de fontes com recursos multiescrita.

  • 25

    Os principais tericos em que a dissertao se baseia so: Charles Bigelow e Kris Holmes

    (BIGELOW; HOLMES, 1993), Gerry Leonidas (LEONIDAS, 2002), Hermann Zapf (ZAPF,

    1996), John H. Bowman (BOWMAN, 1996), Matthew Carter (CARTER, 1996), Maxim Zhukov

    (ZHUKOV, 2006), Takis Katsoulidis (KATSOULIDIS, 1996) e Yannis Haralambous (HARA-

    LAMBOUS, 1994, 2002, 2007). Em torno desses autores se juntam os demais da bibliografia.

    Todos esto contemplados a seguir, a partir dos temas em que os mesmos mais esto associados.

    Como afirmamos anteriormente, os temas relacionados ao design tipogrfico multiescrita

    encontram-se pulverizados sobre a forma de artigos de revistas especializadas, algumas poucas

    dissertaes, teses e captulos de livros. Assim, temos como principal referncia autores que, na

    maior parte dos casos, no consagram uma obra inteira aos assuntos tratados. Em alguns casos a

    contribuio do autor sobre uma determinada questo encontra-se concentrada em apenas poucos

    pargrafos. Acreditamos que esta condio tenda, com o tempo, a se reverter, tanto pelo aumento

    do interesse dos pesquisadores em questes de multiescrita quanto pelo amadurecimento desta rea,

    ainda incipiente enquanto campo de estudo. No entanto, para o momento presente, foi necessrio

    pensar uma estratgia metodolgica hbrida para a abordagem dos diversos temas e seus objetivos.

    O objetivo especfico 1 tem como fundamento a anlise da histria e das estruturas das

    escritas e lnguas envolvidas na criao tipogrfica, em particular as escritas latina e grega.

    Assim, a abordagem, nesse caso, tem um carter diacrnico e comparativo, estando atenta s

    influncias de autores e conceitos sobre a produo de fontes gregas. A parte da bibliografia de

    apoio que est mais ligada histria das escritas e da tipografia : (BOWMAN, 1996), (CHENG,

    2006), (DANIELS, 1996), (HALEY, 1995), (MAN, 2002, 2004) e (TRACY, 2003). A parte que

    est envolvida diretamente no debate sobre produo tipogrfica latina e grega : (BIGELOW;

    HOLMES, 1993), (CARTER, 1996), (GAULTNEY, 2001, 2002), (HARALAMBOUS, T; HA-

    RALAMBOUS, Y, 2003), (KATSOULIDIS, 1996), (LEONIDAS, 2002), (SATU, 2004), (ZAPF,

    1996) e (ZHUKOV, 2006). Todos os autores envolvidos no debate sobre produo multiescrita

    (tanto os de origem grega quanto os de origem latina e at eslava, como Zhukov) so unnimes

    com relao influncia da escrita e tipografia latinas na produo tipogrfica grega. No entan-

    to, dentro deste quadro de concordncia geral, cada autor tem um posicionamento especfico

    sobre o nvel de influncia, bem como sobre os benefcios e danos produzidos na tipografia

    grega. Nossa inteno extrair a posio de cada autor e confront-las apontando as vantagens

    e desvantagens de cada orientao, problematizando a questo. Em seguida, tomando posio

    prpria, mostrar que a influncia latina, apesar de impor regras externas tipografia grega, tem

    sido bem-sucedida na criao de faces de qualidade, quando os designers apoiam-se firmemente

    nos conhecimentos histricos e culturais.

  • 26

    O objetivo especfico 2 est baseado na discusso em torno da importncia do conheci-

    mento e domnio da tcnica da caligrafia. Como a abordagem circunscreve o tempo presente,

    nesse caso tem um carter sincrnico e comparativo. A bibliografia de apoio para este tpico

    : (BERLINER, 2003), (DROGIN, 1980), (HARRIS, 1995), (JOHNSTON, 1977), (LALOU,

    2004), (YARDENI, 2002) e (ZAPF, 1996). O cerne da questo saber como preservar atributos

    como a correta forma dos traos manuscritos, sua vivacidade e o seu vigor na converso para

    um produto digital como uma fonte tipogrfica. Nossa inteno demonstrar que, mesmo atu-

    almente, num contexto informatizado e digital de produo, no se pode abrir mo da caligrafia

    e de sua constituio histrica e cultural como elementos estruturadores das formas bsicas da

    tipografia, que so as letras.

    O objetivo especfico 3 apropria-se das concluses dos dois objetivos anteriores, sendo de

    carter menos descritivo e mais prescritivo. A bibliografia de apoio a este tema : (BIGELOW;

    HOLMES, 1993), (BRINGHURST, 2005), (CELSO, 2000), (FARIAS, 1998), (HARALAM-

    BOUS, 2002, 2007), (SILVA; FARIAS, 2005), (VERLOMME, 2005) e (ZHUKOV, 2006). Sua

    abordagem, uma vez que procura estabelecer parmetros para produo de fontes multiescrita,

    mais reflexiva e de sntese e se desdobra em dois caminhos.

    O primeiro caminho investigado (voltado para a aparncia) apresenta algumas parti-

    cularidades da percepo visual humana, assim como possveis estratgias de construo de

    glifos que burlem os efeitos pticos indesejveis, no design tipogrfico. A anlise se apia,

    especificamente, nos estudos realizados por Peter Karow (1987) e Karen Cheng (2006) sobre

    iluso de ptica aplicada tipografia e nas interpretaes que Walter Tracy (2003) e Victor

    Gaultney (2001) oferecem sobre os conceitos de legibilidade e leiturabilidade. A partir disso,

    uma exposio textual e ilustrada de alguns fenmenos pticos conhecidos serve de base

    para o que consideramos uma das contribuies especficas dessa dissertao para o design

    tipogrfico: a elaborao de quatro princpios (estabilidade, obstruo, densidade e demar-

    cao) e a organizao de conceitos, cuja finalidade propor critrios de correo e ajuste

    na forma dos glifos.

    O segundo caminho investigado (voltado para a essncia) refere-se a dois tipos de processos

    de design tipogrfico multiescrita: o simultneo (em que o desenho das diversas escritas feito

    sincronicamente) e o incremental (em que o desenho das letras de uma escrita e inteiramente

    produzido antes de desenhar a outra). Nossa inteno defender a ideia de que os processos

    simultneos e incrementais de criao de faces multiescrita devem ser escolhidos tendo por base

    principalmente a distncia cultural que separa as escritas includas em um projeto. Assim, em

    escritas culturalmente prximas como a latina e a grega criar os elementos de maneira incremental

  • 27

    no acarreta danos para o conceito geral da face. Por outro lado, em escritas mais distantes cul-

    turalmente, a simultaneidade de criao dos elementos deve ser a regra, para garantir unidade

    interna a um projeto, sem perda da identidade de cada escrita em particular.

    O objetivo especfico 4 apia-se nas concluses dos trs primeiros objetivos e procura

    compreender a estrutura e os recursos de uma fonte tipogrfica latina e grega, com nfase em

    aspectos formais e tcnicos. A bibliografia de apoio, utilizada em parte na criao da fonte

    analisada, composta principalmente de manuais e guias tecnolgicos: (ADOBE, 1990, 1999),

    (CABARGA, 2004), (MOYE, 1995), (PFIFFNER, 2003), (PHINNEY, 2004) e (TOLEDO; RO-

    SENBERG, 2003). Esta bibliografia tambm foi utilizada na produo dos apndices C (Fontes

    Type 1 e Fontes Truetype) e D (Panorama das etapas de um projeto tipogrfico), apndices esses

    que suplementam o entendimento do objetivo 4.

    A proposta utilizar como suporte emprico os dados referentes produo da famlia de

    fontes BR Sans (projeto tipogrfico no comercial desenvolvido por ns entre os anos 2003 e

    2007) em conjunto com a fundamentao j estabelecida a partir dos objetivos anteriores, a fim

    de avaliar at onde esta famlia incorpora tais fundamentos e o quanto ela capaz de desempenhar

    suas funes tipogrficas. As propriedades desta famlia incluem oito estilos sem serifa (prprios

    para textos e ttulos), alfabeto latino, alfabeto grego politnico e refinamentos tipogrficos como,

    opes para nmeros de texto e de ttulo, versaletes verdadeiras para os dois alfabetos e ligaduras

    automticas. Cada estilo contm um total 694 glifos e 965 pares de crenagem finalizados em

    formato OpenType. Todas essas caractersticas esto em consonncia com o que existe de mais

    atual em tecnologia digital, ao mesmo tempo em que resgatam qualidades clssicas da tipografia,

    visando atender s necessidades estruturais de um possvel modelo de produo de fontes, que

    alie inovao, tradio e cultura.

    1.6 Design tipogrfico, inovao e sustentabilidade

    necessrio justificar a relao da tipografia (especificamente no mbito da criao de

    faces de tipo e da produo de fontes tipogrficas) com a rea de concentrao (Design, Inova-

    o e Sustentabilidade) na qual esta dissertao foi elaborada. Como vimos, o sculo passado

    foi um perodo de grandes mudanas tecnolgicas para a tipografia, tanto na maneira de gerar

    novas fontes quanto na de produzir material impresso com o uso delas. As diversas mudanas

    que ocorreram, passando dos tipos fsicos em liga de metal at chegar aos tipos digitalizados

  • 28

    atuais, colocam o design4 tipogrfico entre os campos que mais se desmaterializaram, inovaram

    e consequentemente garantiram seu lugar entre os que geram produtos sustentveis.

    Se, no entanto, concordarmos que sustentabilidade deve ser um atributo fundamental e no

    simplesmente um elemento a ser adicionado ao design, muito ainda resta ser feito neste campo.

    O lado positivo que a produo de fontes tipogrficas em multiescrita no se restringe hoje a

    empresas e profissionais visando exclusivamente fins comerciais. Algumas organizaes sem fins

    lucrativos tm se envolvido em projetos de criao de faces com distribuio gratuita de fontes,

    sistemas alternativos de processamento de textos e documentos sobre tipografia. Seus objetivos

    vo desde a pesquisa e divulgao da tipografia, como ocorre com o CTAN (Comprehensive

    TEX Archive Network) e com a GFS (Greek Font Society), at um trabalho de maior amplitude

    social, apoiando a preservao de linguagens e o desenvolvimento de escritas para povos menos

    favorecidos no mundo globalizado, como ocorre com o SIL (Summer Institute of Linguistics).

    Particularmente o SIL, fundado em 1934 nos Estados Unidos, inclui entre os seus objetivos

    promover treinamento e pesquisa em lingustica e alfabetizao, realizar estudos descritivos e

    comparativos de lnguas indgenas e produzir uma forma escrita para estas lnguas. Esta orga-

    nizao oferece cursos em todos os continentes em parceria com diversas universidades, alm

    de cursos individuais e oficinas. Em mais de 70 anos de existncia o instituto j trabalhou com

    mais de 2.000 linguagens, acumulando uma vasta bibliografia de seus pesquisadores. Assim, a

    despeito da polmica questo antropolgica da disseminao de textos bblicos em culturas que

    esto adquirindo, atravs desse instituto, uma forma escrita para sua linguagem, esta organizao

    desenvolve um trabalho de lingustica relevante. O SIL tambm disponibiliza fontes tipogrfi-

    cas que so produzidas por profissionais com conhecimentos multidisciplinares em tipografia,

    alfabetizao e escritas de minorias, como o caso de Victor Gaultney (citado nas Referncias).

    Em torno dessas organizaes esto se agrupando cada vez mais designers tipogrficos

    interessados em contribuir para a democratizao do acesso s tecnologias da informao. Assim,

    independentemente do uso que se faz de rtulos como software livre ou aberto, incluso digital,

    sustentabilidade ou desenvolvimento auto-sustentvel, uma parte da comunidade tipogrfica

    mundial vem se dedicando a tornar os recursos mais atuais de comunicao escrita acessveis

    a um maior nmero de pessoas no mundo. A inteno garantir a sobrevivncia de escritas e

    culturas minoritrias e reduzir a desigualdade entre as naes.

    4 Infelizmente, o mesmo no pode ser dito para a rea da tipografia relacionada impresso ofsete que, apesar de todos os avanos tecnolgicos, ainda consome muitos recursos naturais, energia e gera poluio ao produzir contedo impresso.

  • 29

    2 CONCEITOS E PRINCPIOS

    Este captulo ocupa-se da anlise e delineamento de termos bsicos da tipografia: caracte-

    res, glifos, tipos, faces de tipo e fontes tipogrficas, definidos em suas acepes mais recentes.

    Examina tambm as mudanas ocorridas nas unidades de medidas tipogrficas, com o advento

    das tecnologias digitais. A partir disso, investiga algumas tecnologias subsidirias da atual tipo-

    grafia digital: os codificadores de caracteres, a linguagem PostScript de descrio de pgina e o

    formato de fontes OpenType. Por ltimo, descreve uma nomenclatura apropriada compreenso

    dos sistemas de escrita.

    O objetivo deste captulo duplo. Primeiro, propiciar o domnio de conceitos e o entendimento

    bsico de algumas estruturas, mecanismos e recursos utilizados na atualidade, por pesquisadores

    e profissionais de criao de faces e de produo de fontes, procurando eliminar equvocos e

    ambiguidades do vocabulrio tipogrfico. Segundo, introduzir a defesa de que a tipografia deve

    incorporar as novas tecnologias sem prescindir do seu passado, isto , da cultura e da histria.

    2.1 Faces de tipo, tipos e fontes tipogrficas

    A expresso face de tipo, que vem da expresso inglesa typeface, uma coleo de

    sinais grficos (letras, sinais diacrticos, nmeros, pontuao e smbolos) desenhados para

    terem uma forma e estilo comuns (FELICI, 2003, p. 29; THING, 2003, p. 893). Um termo

    derivado de face de tipo famlia de faces de tipo que congrega a forma e estilo de uma face

    em variaes que podem se caracterizar por letras mais grossas (negrito), cursivas e inclinadas

    (itlico), mais estreitas (condensado), ou mais largas (expandido). A figura 1 apresenta alguns

    dos membros da famlia de faces de tipo Deja Vu Serif desenvolvida pela empresa produtora

    de fontes Bitstream. Cada um desses membros (Deja Vu Serif Book, Serif Italic, Serif Bold,

    Bold Italic e ExtraLight) uma face. Todas as faces juntas formam a famlia de faces de tipo

    Deja Vu Serif.

    Os tipos so os elementos individuais de uma face de tipo, ou seja, um tipo tem o significado

    da unidade mais elementar que compe uma face de tipo. Em uma face, cada letra do alfabeto, cada

    nmero, cada ponto, um tipo. No entanto, o termo tipo, quando compe as expresses design

    de tipos (type design) e designer de tipos (type designer), utilizado, no nosso entendimento,

  • 30

    de modo equivocado. Se um profissional se ocupa de criar toda uma coleo de sinais grficos

    garantindo aos mesmos uma forma e estilos comuns, consideramos mais apropriado design-lo

    como designer de faces e ao seu trabalho design de faces.

    Fonte tipogrfica, ou simplesmente fonte, a estrutura que descreve uma face de tipo. Esta

    estrutura pode ser fsica, em blocos de liga de metal ou em filme fotogrfico, ou ainda digital,

    em cdigo de computador, como ocorre com a tecnologia atual. O termo fonte, em sua acepo

    mais recente, est associado a um arquivo digital que descreve, com instrues de computador,

    as formas das letras e dos demais elementos de uma face de tipo (FELICI, 2003, p. 29; THING,

    2003, p. 340).

    A definio de face muitas vezes confundida com a de fonte, mesmo em textos na ln-

    gua inglesa e at em autores especializados. As figuras 2 e 3 baseadas em ilustraes de James

    Felici (2003, p. 30) ajudam a entender melhor a distino que existe entre face de tipo e fonte

    tipogrfica. Na figura 2 temos as formas fsicas (desenhos) dos diversos elementos com o esti-

    lo que caracteriza a face de tipo BR Sans. Na figura 3 temos uma pequena parte do cdigo de

    computador que constitui a fonte tipogrfica BR Sans. Um ponto que contribui tambm para

    esta mistura e confuso de conceitos o fato de que, na atualidade, o produto fonte tipogrfica

    perdeu sua caracterstica concreta (fsica) das tecnologias anteriores, sendo agora intangvel:

    uma sequncia de cdigos numricos armazenados dentro de um computador.

    BITSTREAM DEJA VU SERIF BOOK

    A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y zBITSTREAM DEJA VU SERIF ITALIC

    A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y zBITSTREAM DEJA VU SERIF BOLD

    A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y zBITSTREAM DEJA VU SERIF BOLD ITALIC

    A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z z

    Figura 1. Exemplos de faces de tipo que formam uma famlia. Fonte da ilustrao: autor.

  • 31

    2.2 Caracteres e glifos

    O caractere a menor unidade de uma linguagem escrita. Etimologicamente, caractere

    est associado ao conceito de carter e vem do substantivo grego , que significa sinal

    gravado, impresso. No entanto, ele diz respeito ao significado abstrato e no forma. Quando

    pensamos no caractere A, como se ele fosse a referncia para todas as formas de a que j foram

    escritas e para todas aquelas que ainda iro se escrever. claro que necessitamos ter sempre uma

    forma de representao para apresentarmos um caractere fisicamente, quando nos referimos a

    ele. Mas na verdade o caractere abstrato.

    A definio de glifo complementar de caractere e, portanto, ajuda na compreenso

    daquele. A palavra glifo tambm vem do grego , verbo que significa cinzelar, esculpir,

    gravar. Os glifos so a forma e representam as diversas possibilidades fsicas dos caracteres. Cada

    glifo nico, mesmo quando mais de um pode representar um mesmo caractere. Por exemplo,

    algumas faces de tipo tm glifos alternativos para um mesmo caractere. A figura 4, produzida

    com a fonte Alexander, apresenta dois diferentes glifos para as letras b, d, g, h, m, e z. Existem

    casos em que a relao de um caractere para um ou mais glifos se inverte: o A maisculo latino,

    %!PS-AdobeFont-1.0: BRSans 002.000%%CreationDate: Tue Feb 09 14:55:59 2010%%VMusage: 120000 15000011 dict begin/FontInfo 15 dict dup begin/version (002.000) readonly def/Copyright (Fonte baseada no Alfabeto Serie E modified 2000 do Standard Highway Signs Book 2002) readonly def/Notice (Copyright (c) 2007 by Sergio Luciano. All rights reserved.) readonly def/FullName (BR Sans) readonly def/FamilyName (BR Sans) readonly def/ItalicAngle 0 def/isFixedPitch false def/UnderlinePosition -100 def/UnderlineThickness 50 def/Weight (Regular) readonly defend readonly def/FontName /BRSans def/Encoding 256 array0 1 255 {1 index exch /.notdef put } fordup 32 /space putdup 33 /exclam putdup 34 /quotedbl putdup 35 /numbersign putdup 36 /dollar putdup 37 /percent putdup 38 /ampersand putdup 39 /quotesingle put

    ! " # $ % & ( ) * + , - . / 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 : ; < = > ? @ A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z [ \ ] ^ _ a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z { | } ~ ' fi fl `

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    Figura 2. Formas fsicas de uma face de tipo. Fonte da ilustrao: autor.

    Figura 3. Parte do cdigo de programao de uma fonte. Fonte da ilustrao: autor.

  • 32

    o A (alfa) maisculo grego e o A maisculo cirlico tem o mesmo glifo, isto a mesma forma,

    para os trs diferentes caracteres destes alfabetos. Ocorrem tambm casos em que vrios carac-

    teres se juntam para formar um nico glifo, como no caso das ligaduras, produzidas com a fonte

    Doulos Sil e apresentadas na figura 5.

    A essncia abstrata do caractere e a materialidade do glifo tm, portanto, mltiplos des-

    dobramentos que dificultam suas definies e tornam complexas suas mtuas relaes, como

    alerta-nos Yannis Haralambous (2007, p. 54-55). Tais desdobramentos mostram a importncia

    da conexo desses dois conceitos com outros campos de estudo e possibilitam inclusive uma

    aproximao do conceito de caractere com o de ideia, e o de glifo com o das coisas sensveis

    na metafsica platnica1.

    2.3 Unidades de medidas absolutas e relativas

    Controlar o tamanho, as distncias e os espaos uma das necessidades fundamentais

    tanto no trabalho de design tipogrfico quanto na composio de textos. Da a importncia do

    conhecimento de algumas unidades de medidas especficas da rea tipogrfica. Uma primeira

    delimitao deve ser feita. As unidades de medidas tipogrficas se dividem em absolutas e re-

    lativas. Tomemos o centmetro como exemplo de unidade de medida absoluta. Isto porque um

    1 O provocativo artigo de Yannis Haralambous, Unicode et typographie: un amour impossible bem como a seo Philosophical issues: characters and glyphs do livro Fonts and Encodings, do mesmo autor, ampliam os hori-zontes dessa questo.

    b | d | g | h | m | zFigura 4. Pares de variaes de glifos para um mesmo caractere. Fonte da ilustrao: autor.

    fi ff fl ffi fflFigura 5. Amostra de ligaduras baseadas em dois e trs glifos. Fonte da ilustrao: autor.

  • 33

    centmetro um valor invarivel. Desta maneira, se temos, por exemplo, uma fruta medindo

    um centmetro de comprimento e seu tamanho dobra, esta fruta passa a ter, obviamente, dois

    centmetros. Este um caso tpico para uso de uma unidade de medida absoluta e mesmo sendo

    banal a base para um grande nmero de clculos que estruturam o mundo tecnolgico atual.

    J com as unidades relativas no existe um valor fixo e a chave para a sua compreenso

    a proporcionalidade. Tomemos como exemplo dois objetos, um medindo uma unidade de

    altura qualquer e outro medindo duas unidades desta altura. Ao escalarmos estes objetos para

    qualquer valor, pressupondo que a proporcionalidade entre eles ser mantida, o primeiro sempre

    ser 50% menor que o segundo. Neste caso ocorre que a unidade relativa cresce (ou decresce)

    proporcionalmente junto com os objetos. No trabalho com fontes, quando a inteno manter a

    proporo entre as diversas dimenses dos objetos, as unidades de medida relativas ganham em

    economia e simplicidade, em comparao com as unidades absolutas, como veremos adiante.

    A unidade de medida absoluta mais importante o ponto tipogrfico (point) ou ponto ame-

    ricano2 (american point). O ponto j existia h centenas de anos, quando, em 1883, nos Estados

    Unidos, a entidade U.S. Type Founders Association estabeleceu e regulamentou sua medida igual

    a 0,0138 polegadas, o que equivale a aproximadamente 1/72 polegadas (FELICI, 2003, p. 22).

    Como uma forma de facilitar os clculos e permitir uma melhor correspondncia entre unidades

    tipogrficas e medidas inglesas, a Adobe (empresa desenvolvedora da linguagem de programao

    PostScript e do formato de fontes Type 1, derivado dessa linguagem), nos anos de 1980, definiu

    o que passou a ser conhecido como ponto PostScript. Nessa definio, o tamanho do ponto foi

    arredondado para exatamente 1/72 polegadas. A unidade acima do ponto a paica (pica). Cada

    12 pontos perfazem 1 paica e 6 paicas equivalem a 1 polegada. A paica uma unidade usada para

    medio de dimenses maiores que incluem pginas e elementos de pginas, como comprimento

    de uma linha de texto, margens e mancha de texto, principalmente em pases de lngua inglesa

    que ainda no aderiram ao sistema mtrico. Na figura 6 (em tamanho ampliado) na parte supe-

    rior temos uma rgua graduada em paicas com a subdiviso em pontos PostScript. Ao centro,

    sua equivalncia em polegadas. Note como 6 paicas PostScript equivalem precisamente a uma

    polegada. Na parte de baixo da figura temos o valor quebrado correspondente a 25,4 milmetros.

    A rgua em paicas leva vantagem sobre a rgua em milmetros por ter um maior nmero

    de subdivises. Entretanto, para todos os pases que fazem uso de unidades mtricas, incluin-

    do o Brasil, necessrio um esforo para acostumar-se a trabalhar numa unidade de medida

    incomum ou suportar as converses para valores quase sempre quebrados na unidade mtrica.

    Conforme pode ser visto na figura 7, a diferena entre paicas (derivadas do ponto americano) e

    2 Existe tambm o ponto Didot, correspondente a 0,3759 mm, criado por Franois-Ambroise Didot, usado na Europa continental e tambm na Amrica do Sul.

  • 34

    paicas PostScript (derivadas do ponto PostScript), apesar de pequena, cumulativa e, portanto,

    no deve ser desconsiderada. fundamental estabelecer antes com qual escala deve-se traba-

    lhar e mant-la do incio ao fim de um projeto. Para o propsito de produo de fontes digitais,

    entretanto, o ponto tipogrfico (especialmente o PostScript) deve ser a referncia fundamental,

    uma vez que se tornou padro. O seu valor igual a 0,3528 mm aparentemente pequeno. Mas s

    aparentemente, porque, quando consideramos que um texto para leitura, normalmente, confi-

    gurado com um tamanho entre 9 e 12 pontos, dcimos de milmetros passam a fazer diferena.

    To importante quanto o conceito de ponto o de tamanho de ponto, tambm conhecido

    como tamanho de corpo. Este termo tem a ver com o antigo sistema de tipos mveis de metal

    criado por Gutenberg. Cada letra estava moldada em um bloco separado, sendo cada bloco

    10 2 3 4 5 6PAICAS POSTSCRIPT

    POLEGADAS

    MILMETROS100 20

    10

    12 PONTOS

    25,4 mm

    Figura 6. Equivalncia entre paicas, polegadas e milmetros. Fonte da ilustrao: autor.

    PAICAS POSTSCRIPT

    10 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 1 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36PAICAS AMERICANAS

    10 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 1 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36

    Figura 7. Diferena entre paicas PostScript e paicas americanas. Fonte da ilustrao: autor.

  • 35

    maior que a letra moldada nele. Isto evitava que, quando fossem montadas em linha, as letras

    tocassem umas nas outras. Desta maneira, o tamanho de ponto foi definido como a medida da

    altura que vai da borda superior borda inferior do bloco de metal que suporta a letra. Na figura

    8 temos uma representao de dois blocos de liga de metal para impresso tipogrfica. Como

    era caracterstico desta estrutura, as letras eram moldadas espelhadas, para ao serem impressas

    (como no processo de um carimbo) no aparecerem invertidas no papel. No sistema de Guten-

    berg, em uma mesma fonte, somente a largura de cada bloco variava. Note, ainda na figura 8,

    como o bloco da letra B mais largo que o da letra p. O chanfro na parte inferior, na frente do

    bloco, era uma indicao para ajudar o compositor a distinguir, por exemplo, letras semelhantes,

    como o p e o d minsculos.

    Com o advento da tipografia digital e das fontes derivadas dessa tecnologia, o critrio

    formal foi mantido, s que virtualmente. O tamanho do ponto passou a ser a altura da caixa

    invisvel que contorna cada letra, conforme a figura 9. De maneira anloga figura anterior,

    numa fonte digital os retngulos pontilhados so os limites das letras. Num tamanho de ponto

    especfico, somente a largura varia, para acomodar uma letra mais larga ou estreita. Devido s

    caractersticas do sistema de impresso atual (normalmente ofsete), as letras so montadas

    sem espelhamento.

    A contrapartida do ponto, como unidade de medida absoluta, a do eme (em), como uni-

    dade de medida relativa. O eme (tambm conhecido como quadratim) pode ser definido com

    a unidade de medida que sempre equivalente ao valor definido para o ponto do tipo, numa

    determinada configurao (ECKERSLEY, 1994, p. 36). Apesar de comumente associado

    largura da letra M, por causa do som do seu nome, essa correspondncia no correta, como

    TAM

    ANH

    O DO

    PON

    TO

    Figura 8. Representao de tipos de liga de metal. Fonte da ilustrao: autor.

    Figura 9. Representao de tipos digitalizados. Fonte da ilustrao: autor.

  • 36

    afirma James Felici (2003, p. 24). Se temos o ponto do tipo estabelecido em 10, o eme tambm

    ser de 10. Se ajustarmos o ponto para 14, o eme passa para 14, ou seja, a unidade relativa est

    ancorada unidade absoluta.

    Uma das medidas que expressa em emes a largura dos glifos. Dentro de uma fonte, esta

    medida estabelecida em fraes de emes, que podem alcanar a casa dos milhares. Se a unidade

    empregada fosse absoluta e desejssemos, por exemplo, digitar um texto, necessitaramos de uma

    lista com as larguras absolutas de cada caractere para cada tamanho de tipo que utilizssemos.

    No entanto, com as medidas relativas, necessrio apenas uma lista de larguras incluindo todos

    os caracteres em uma fonte. Na figura 10 aparece parte da lista de um arquivo de medidas de

    uma fonte digital, contendo instrues para as letras minsculas de a at f. As medidas relativas

    simplificam o processo de armazenamento de dados em uma fonte. Uma nica linha contm o

    cdigo correspondente a um caractere especfico seguido de sua largura relativa e da rea que o

    seu glifo correspondente ocupa em coordenadas cartesianas. Assim, quando um usurio digita

    um texto e define o tamanho da fonte para 12 pontos o sistema operacional do computador ir

    acessar esta lista e calcular a proporo entre o tamanho do ponto utilizado e a frao de emes

    definida para cada letra.

    Os diversos ajustes do espao entre as letras tambm seguem esta regra, isto , so medidos

    em fraes de eme. E desta forma tambm o espao ene (en) definido como a metade do espao

    eme, e o espao fino (thin), que em geral de 1/4 do eme. O espao de palavra (word) mais um

    a ser estabelecido em fraes de eme, mas pode ser alterado, isto , comprimido ou expandido

    no momento da composio de um texto, no processo conhecido como justificao. Por ltimo,

    faz parte desta lista o quadrado eme (em square), que a rea na qual todos os glifos de uma

    fonte so criados e subsistem. Conforme a figura 11, dentro deste espao situam-se cinco linhas

    de referncia fundamentais.

    Estas linhas formam o que denominamos de pauta tipogrfica, sendo a linha de base

    aquela em que as letras iro se assentar. A linha mdia passa pelo topo da letra x minscula e a

    C 9 7 ; W X 4 8 7 ; N a ; B 5 5 - 8 3 8 7 3 7 3 ;

    C 9 8 ; W X 4 8 5 ; N b ; B 1 0 0 - 8 4 3 0 5 0 8 ;

    C 9 9 ; W X 4 4 2 ; N c ; B 5 5 - 8 3 8 7 3 7 2 ;

    C 1 0 0 ; W X 4 8 5 ; N d ; B 5 5 - 8 3 8 5 5 0 8 ;

    C 1 0 1 ; W X 4 4 1 ; N e ; B 5 5 - 8 3 8 6 3 7 3 ;

    C 1 0 2 ; W X 3 2 1 ; N f ; B 5 0 0 2 6 6 5 0 8 ;

    Figura 10. Instrues digitais contendo medidas dos glifos de uma fonte. Fonte da ilustrao: autor.

  • 37

    distncia entre a linha de base e o topo desta letra recebe o nome de altura x, sendo referncia

    de altura para construo das demais letras minsculas. A altura da ascendente e a profundidade

    da descendente marcam respectivamente at onde alcanam as ascendentes e descendentes das

    letras minsculas. Para um mesmo tamanho de ponto, as distncias das linhas podem variar de

    face para face. Ainda na figura 11, no exemplo de cima, a face SIL Gentium tem uma grande

    distncia entre a linha das ascendentes (item 5) e a linha das maisculas (item 4). O mesmo

    no ocorre no exemplo de baixo, na face Bitstream Vera Sans Roman. A altura x maior em

    relao altura das ascendentes, na face Vera. J a altura das ascendentes expressivamente

    maior na Gentium.

    Ao digitarmos um texto, a entrelinha calculada na unidade absoluta de pontos. Conforme

    a figura 12, a entrelinha se mede a partir da linha de base de uma linha de texto em relao

    linha de base da linha que a precede.

    linha das descendentes

    linha de base

    linha mdia

    linha das maisculas

    linha das ascendentes

    altura x altura dasmaisculas

    altura da ascendente

    altura da descendente

    Figura 11. Principais medidas e distncias das partes das letras. Fonte da ilustrao: autor.

    Duo ergo illa tempora, prteritum et futurum, quomodo sunt,

    quando et prteritum iam non est et futurum nondum est?entrelinha

    Figura 12. Linhas que definem a entrelinha. Fonte da ilustrao: autor.

  • 38

    Todo esse conjunto de medidas pode parecer numeroso e complexo, mas, na verdade, sua

    compreenso deriva diretamente do entendimento de como operam apenas duas medidas: o ponto

    (medida absoluta) e o eme (medida relativa). Uma vez apreendidos seus conceitos, os demais

    termos que advm deles podem ser vistos como desdobramentos em mltiplos e submltiplos,

    que permitem simplificar as medies e os clculos em escalas maiores e menores.

    2.4 Codificadores de caracteres

    Para facilitar a interao entre homem e mquina necessrio que os computadores sejam

    capazes de associar internamente os nmeros com os quais trabalham s mais diversas formas

    de comunicao a que ns, seres humanos, estamos acostumados. Isto o que garante que no

    apenas matemticos e especialistas sejam capazes de oper-los, como ocorria no passado. Entre

    as diversas formas de comunicao, a escrita a que nos interessa aqui. Assim, grosso modo, os

    computadores so concebidos de forma a associar os caracteres a nmeros, para process-los e

    armazen-los. Depois, a partir dessa associao, essas mquinas so capazes de fazer o cami-

    nho inverso e apresentar em monitores, impressoras, ou qualquer outro dispositivo de sada e

    comunicao, a representao dos caracteres correspondentes aos nmeros armazenados. Para

    que isso ocorra de maneira adequada ao entendimento humano, estruturas de mapeamento ou

    codificadores so incorporados aos sistemas operacionais com a funo de designar um nmero

    especfico para cada caractere.

    Em 1963, nos Estados Unidos, o orgo American National Standards Institute (ANSI)

    props um codificador de caracteres que foi finalizado em 1967, recebendo o nome de American

    Standard Code for Information Interchange e que passou a ser conhecido pelo seu acrnimo

    ASCII (HARALAMBOUS, 2007, p. 29-31; THING, 2003, p. 57). Este sistema permitia ende-

    rear at 128 elementos. Com to pouca capacidade, o ASCII era insuficiente para acomodar os

    elementos necessrios comunicao internacional. Tendo 128 opes, incorporava somente os

    caracteres latinos para a lngua inglesa.

    Na dcada de 1980 surgiram os sistemas operacionais Windows e Mac OS. Ambos tinham,

    na poca, dois esquemas de codificao de caracteres diferentes entre si, mas com disponibilida-

    de de endereamento para at 256 caracteres. Tanto a Microsoft quanto a Apple aproveitaram a

    estrutura comum do ASCII para os primeiros 128 caracteres j definidos e acrescentaram mais

    128, de suas prprias escolhas, chegando ao total disponvel de 256. Estes ltimos 128 caracteres

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    designados (e que ficaram conhecidos como High-Bit ASCII) no tinham a mesma correspon-

    dncia numrica nos dois sistemas operacionais. Por exemplo, o minsculo, que no Windows

    estava designado pelo nmero 231, era no Mac OS correspondente ao nmero 141. Alm disso,

    cada um destes codificadores (Mac Roman no Mac e Win Ansi no Windows) continha caracteres

    que no existiam no outro. Como consequncia, os documentos gerados em uma plataforma

    podiam aparecer com caracteres substitudos incorretamente quando abertos em computadores

    da outra. Para tornar possvel o uso de escritas alm do alfabeto latino (como o grego, cirlico,

    hebraico e arbico) foi necessrio introduzir variantes dos codificadores, chamadas pginas de

    cdigo (code page) (HARALAMBOUS, 2007, p. 45). Entretanto, com as fontes tipogrficas

    sendo baseadas nestes codificadores e geradas a partir de um mesmo arquivo matriz, somente

    podiam ser disponibilizados grupos de 256 elementos para os usurios.

    Em 1988, iniciou-se o projeto Unicode, para o desenvolvimento de um novo sistema de

    codificao de caracteres. Em 1991, foi lanada a primeira verso deste novo codificador. O

    Unicode definiu trs formas de codificao, de acordo com as possibilidades de menor ou maior

    capacidade de armazenamento de um dado sistema. Estas trs formas de codificao permitem

    enderear mais de um milho de elementos, o que suficiente para mapear todos os caracteres

    das lnguas conhecidas. Digno de ateno o fato de que a cada nova edio o Unicode vem

    incluindo formas histricas de escritas, sem deixar de incorporar as muitas colees de caracteres

    internacionais e padres corporativos, alm dos 128 caracteres que fazem parte do ASCII e os

    128 das demais pginas de cdigo j existentes. Com todas estas capacidades latentes, o Unicode

    tomou grande impulso nos ltimos anos (apoiado inclusive por grandes empresas, instituies

    na rea de informtica e at governos de pases), passando a fazer parte dos principais sistemas

    operacionais de computadores pessoais. Obviamente que ele tambm passou a ser um recurso

    incorporado na produo de fontes digitais que suportam mais de uma escrita (UNICODE, 2009).

    2.5 A linguagem PostScript de descrio de pgina

    Em meados dos anos 1980 uma aliana entre empresas criou a editorao eletrnica tor-

    nando possvel aos designers, editores e tipgrafos escaparem dos caros sistemas dedicados da

    gerao anterior. Tal aliana uniu:

    o computador Macintosh da Apple e seu sistema operacional inspirado em conceitos do

    centro de pesquisa da Xerox que tambm permitia uma visualizao na tela aproximada

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    das pginas impressas. Esta caracterstica ficou conhecida como wysiwyg (what you

    see is what you get) que em traduo livre seria aquilo que voc v aquilo que voc

    obtm. Este novo modo de operar liberou os designers da tarefa de aprender uma enorme

    quantidade de comandos via teclado, como ocorria nos sistemas anteriores;

    o programa de editorao eletrnica Aldus PageMaker, primeiro aplicativo de leiaute de

    pgina para computadores pessoais;

    a impressora Apple Laser Writer de baixo custo e com tecnologia similar s Imagesetters

    de produo de filmes de alta resoluo, que substituiram as mquinas baseadas em tubos

    de raios catdicos;

    o PostScript da Adobe: uma linguagem de programao para descrio de pgina, inde-

    pendente de dispositivo e de resoluo.

    O PostScript, no nosso entendimento, talvez seja o item mais importante dessa lista e o

    que produziu mais frutos. Pouco tempo depois de seu lanamento, esta linguagem sobrepujou

    suas concorrentes e se disseminou, ao longo das ltimas trs dcadas, como base para progra-

    mas de ilustrao vetorial e de editorao, sistemas de visualizao, de impresso digital e de

    pr-impresso ofsete. Mas o mais relevante para o nosso tema que o PostScript tambm o

    fundamento das fontes tipogrficas Type 1 (ver Apndice C) que a Adobe lanou para alimentar o

    mercado digitalizado. Ou seja, o PostScript est no cerne das ferramentas com as quais designers

    de face e outros profissionais da rea tipogrfica trabalham.

    Indo alm do fato de ter sido a mais promissora (em termos de tecnologia) dentre as lin-

    guagens de descrio de pgina, o aspecto que provavelmente mais influenciou a sua expanso

    foi o fato dela ser totalmente independente de dispositivo (ADOBE, 1999). Isto significa que,

    teoricamente, uma pgina em PostScript pode ser criada em qualquer computador e pode se

    comunicar com uma ampla gama de dispositivos de entrada e sada: escneres, monitores e

    impressoras. Para conseguir este nvel de compatibilidade os engenheiros da Adobe tomaram

    certos cuidados no seu desenvolvimento. Em primeiro lugar, uma pgina PostScript pode ser

    escrita, transmitida e interpretada em formato de texto, ou seja, toda a linguagem pode ser des-

    crita em caracteres imprimveis e espaos em branco. Isto simplifica para quem cria o cdigo,

    tanto quanto para quem precisa interpret-lo ou alter-lo. Isto tambm facilita o armazenamento

    e a transmisso dos arquivos entre diferentes plataformas e sistemas operacionais. Em segundo

    lugar, os grficos (inclusive texto) so tratados como objetos baseados em vetores e controlados

    pelos operadores grficos da linguagem, o que os torna tambm independentes de resoluo. Um

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    arquivo contendo ilustraes e texto pode ser enviado para diferentes impressoras que imprimem

    em diversas resolues. Por ltimo, cada nova implementao da linguagem acrescenta novos

    recursos na forma de extenses, sem no entanto alterar o seu modelo bsico, isto , sem modi-

    ficar a essncia do PostScript. Isso tambm garante a compatibilidade com os diversos sistemas

    baseados nas implementaes anteriores.

    2.6 Fontes OpenType

    O formato de fontes OpenType o mais recente desenvolvimento elaborado conjuntamente

    pela Microsoft e Adobe, a partir de 1996 (PHINNEY, 2004, p.7). Mas, na verdade, no pode

    ser considerado novo no sentido estrito do termo, na medida em que um hbrido dos anterio-

    res formatos TrueType e Type 1(ver Apndice C), reconciliando diferenas e permitindo a sua

    coexistncia dentro