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1 EXTERIORIDADES DA CATÓLICA: UM ESTUDO SOBRE A SOCIABILIDADE DAS FESTAS DE LARGO E DAS PROCISSÕES DE 1850 A 1875 EM SÃO LUÍS Milena Rodrigues de Oliveira 1 RESUMO Este estudo pretende investigar as festas de largo e procissões de 1850 a 1875 em São Luís do Maranhão, utilizamos como referência compromissos, que eram documentos que regulavam a administração das irmandades e jornais que ajudavam na divulgação dessas festas, depois de escolhida a documentação partimos para uma pesquisa bibliográfica que nos ajudou a fundamentar melhor o nosso objeto. As festas religiosas englobavam três etapas, a primeira era a missa que acontecia dentro da Igreja, a segunda era a procissão e a terceira envolvia a festa do largo, esta pesquisa resolveu estudar de forma mais detalhada a festa do largo e a procissão, quanto ao recorte temporal delimitamos este período pela disponibilidade de documentação e pelo “processo de romanização” que estava em vigor no século XIX. Os compromissos e os jornais possibilitam uma infinidade de pesquisas sobre os mais variados assuntos, pretendemos divulgar os seguintes documentos e preencher uma lacuna que ainda continua existindo sobre as festas religiosas em São Luís do Maranhão no século XIX, a partir desses documentos percebemos também que nem todos que acompanhavam esses ritos estavam interessados na devoção popular, isso foi comprovado a partir de alguns jornais pesquisados que ridicularizavam algumas festas religiosas. Percebemos tendo em vista esses comentários que as festividades eram a única possiblidade de diversão para grande parte da população, portanto nem todos que acompanhavam os ritos estavam totalmente envolvidos com o lado religioso. PALAVRAS-CHAVE: Catolicismo. Festas de largo. Procissões. Compromissos. Jornais. INTRODUÇÃO Este artigo tem por objetivo analisar a sociabilidade das festas de largo e das procissões de 1850 a 1875 em São Luís, na nossa concepção as festas religiosas englobavam três etapas, a primeira era a missa que acontecia dentro da Igreja, a segunda era a procissão e a terceira envolvia a festa de largo. Em conformidade com Mary Del Priore, “as festas nasceram das formas de culto externo, tributado geralmente a uma divindade protetora das plantações, realizado em determinados tempos e locais” (2000, p.13), o que necessariamente não configura um pressuposto para a conhecida classificação das festas como “sagradas”/“religiosas” ou “profanas”. Percepção dicotomizada que vem sendo colocada em causa, uma vez que retira a complexidade das vivências dos homens e das mulheres, uma vez que enquanto: 1 Mestranda em História Social pela Universidade Federal do Maranhão. E-mail: [email protected]

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EXTERIORIDADES DA FÉ CATÓLICA: UM ESTUDO SOBRE A

SOCIABILIDADE DAS FESTAS DE LARGO E DAS PROCISSÕES DE 1850 A

1875 EM SÃO LUÍS

Milena Rodrigues de Oliveira1

RESUMO

Este estudo pretende investigar as festas de largo e procissões de 1850 a 1875 em São

Luís do Maranhão, utilizamos como referência compromissos, que eram documentos

que regulavam a administração das irmandades e jornais que ajudavam na divulgação

dessas festas, depois de escolhida a documentação partimos para uma pesquisa

bibliográfica que nos ajudou a fundamentar melhor o nosso objeto. As festas religiosas

englobavam três etapas, a primeira era a missa que acontecia dentro da Igreja, a segunda

era a procissão e a terceira envolvia a festa do largo, esta pesquisa resolveu estudar de

forma mais detalhada a festa do largo e a procissão, quanto ao recorte temporal

delimitamos este período pela disponibilidade de documentação e pelo “processo de

romanização” que estava em vigor no século XIX. Os compromissos e os jornais

possibilitam uma infinidade de pesquisas sobre os mais variados assuntos, pretendemos

divulgar os seguintes documentos e preencher uma lacuna que ainda continua existindo

sobre as festas religiosas em São Luís do Maranhão no século XIX, a partir desses

documentos percebemos também que nem todos que acompanhavam esses ritos

estavam interessados na devoção popular, isso foi comprovado a partir de alguns

jornais pesquisados que ridicularizavam algumas festas religiosas. Percebemos tendo

em vista esses comentários que as festividades eram a única possiblidade de diversão

para grande parte da população, portanto nem todos que acompanhavam os ritos

estavam totalmente envolvidos com o lado religioso.

PALAVRAS-CHAVE: Catolicismo. Festas de largo. Procissões. Compromissos.

Jornais.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo analisar a sociabilidade das festas de largo e

das procissões de 1850 a 1875 em São Luís, na nossa concepção as festas religiosas

englobavam três etapas, a primeira era a missa que acontecia dentro da Igreja, a segunda

era a procissão e a terceira envolvia a festa de largo.

Em conformidade com Mary Del Priore, “as festas nasceram das formas de

culto externo, tributado geralmente a uma divindade protetora das plantações, realizado

em determinados tempos e locais” (2000, p.13), o que necessariamente não configura

um pressuposto para a conhecida classificação das festas como “sagradas”/“religiosas”

ou “profanas”. Percepção dicotomizada que vem sendo colocada em causa, uma vez que

retira a complexidade das vivências dos homens e das mulheres, uma vez que enquanto:

1 Mestranda em História Social pela Universidade Federal do Maranhão. E-mail: [email protected]

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Expressão teatral de uma organização social, a festa é também fato político,

religioso ou simbólico. Os jogos, as danças e as músicas que a recheiam não

só significam descanso, prazeres e alegria durante sua realização, eles têm

simultaneamente importante função social (2000, p.10).

Como as procissões, invariavelmente, faziam parte das festas religiosas

organizadas pelas irmandades, é importante observar que não são eventos de natureza

puramente religiosa, uma vez que, de acordo com a historiadora Deolinda Maria Veloso

Carneiro, esses:

Cortejos que reflectem uma natural tendência do homem para realizar

marchas, ou desfiles de caráter ritual e comunitário, com carácter sagrado,

que se encontra em todas as religiões, mas que também podem se revestir de

uma motivação política, civil ou corporativa (2006, p.57).

Com relação ao recorte espaço-temporal, é importante registrar que

limitamos nosso olhar à cidade de São Luís no período de 1850 a 1875 pela

disponibilidade da documentação, com certeza, mas, principalmente, o fizemos porque

nesses meados do século XIX o “processo de romanização” atravessava um período de

grande tensão entre os empenhos das autoridades eclesiásticas em subordinarem os fiéis

às suas determinações e a resistência destes a se enquadrarem nos ideais da Igreja

Católica.

Um estilo de documento selecionado foram os compromissos das

irmandades, Fritz Teixeira de Salles definiu a natureza específica dessas instituições

como se segue:

1. As associações de fieis que tenham sido eretas para exercer alguma obra de

piedade ou caridade, se denominam pias uniões; as quais, se estão

constituídas em organismo se chamam irmandades. 2. E as irmandades que

tenham sido eretas ainda mais para o incremento do culto público, recebem o

nome particular de confrarias (1963, p.16).

No que diz respeito aos compromissos, são eles definidos como “estatutos

de criação das irmandades religiosas laicas, conservados em livros, os quais descreviam

as restrições quanto à aceitação de membros, o seu objectivo e as suas regras”

(MULVEY, 1994, p.196). Traços que João José Reis esclarece ao informar que estes

documentos, “além de regularem a administração das irmandades, [...] estabeleciam a

condição social ou racial exigida dos sócios, seus deveres e seus direitos” (1991, p.50).

Os jornais também foram selecionados nesta pesquisa porque constituíam

um veículo de informação entre os membros das irmandades e possíveis associados,

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além de representarem mecanismos de formação de “opinião pública”, ou seja, de

promoção da “operação simbólica de transformar vontades individuais ou setoriais em

opinião geral” (GALVES apud MOREL, 2010, p.27).

A SOCIABILIDADE NAS FESTAS DE LARGO E NAS PROCISSÕES DE 1850

A 1875 EM SÃO LUÍS

A ideia de celebração habita um campo lúdico, ou seja, no momento da festa

as fantasias e liberdades se tornam reais, as hierarquias vigentes na sociedade habitam

um campo fluido que pode ser quebrado a qualquer momento. Com o advento do

cristianismo o catolicismo se apoderou desses rituais e os transformou, ou seja, os dias

de festas agrícolas passaram a fazer parte do calendário da Igreja. Podemos dividir essas

festividades em dois grupos: “as festas do Senhor (Paixão de Cristo e demais episódios

de sua vida) e os dias comemorativos dos santos (apóstolos, pontífices, virgens,

mártires, Virgem Maria e padroeiros)” (DEL PRIORE, 2000, p.13).

A festa faz parte do cotidiano da sociedade e tem vários elementos:

Uma festa é uma produção social que pode gerar vários produtos, tanto

materiais como comunicativos ou, simplesmente, significativos. O mais

crucial e mais geral desses produtos é, precisamente, a produção de uma

determinada identidade entre os participantes, ou, antes, a concretização

efetivamente sensorial de uma determinada identidade que é dada pelo

compartilhamento do símbolo que é comemorado e, portanto, se inscreve na

memória coletiva como um afeto coletivo, como a junção dos afetos e

expectativas individuais, como um ponto em comum que define a unidade

dos participantes. A festa é, num sentido bem amplo, produção de memória e,

portanto, de identidade no tempo e nos espaços sociais. (GUARINELLO,

2001, p.972)

As festas religiosas se tornaram muito importante depois do Concílio de

Trento que ocorreu de 1545 a 1563, este Concílio tinha como objetivo reafirmar o poder

da Igreja Católica nas suas mais variadas instâncias, após o Concílio de Trento a Igreja:

Numa reação à adoração aos santos por parte dos protestantes incentivou

ainda mais a devoção porque segundo pregava, através dela se manifestava

ao povo os benefícios e mercês que Cristo lhes concede e expõe aos olhos

dos fiéis milagres que Deus opera pelo seus santos e seus saudáveis exemplos

( MIRANDA, 2000, p.16).

Nos séculos XVII e XVIII os leigos eram figuras importantes dentro dessas

festividades, “na Colônia, as irmandades e confrarias destacavam o papel das

comunidades na participação e organização das festas religiosas e de suas procissões”.

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(DEL PRIORE, 2000, p.24). Os leigos participavam da organização e do financiamento,

porém não eram os únicos, quando não havia patrocínio a Coroa portuguesa poderia

arcar com os custos.

Na Colônia as festas eram ligadas ao rei de Portugal e a Igreja, portanto para

fazer parte delas era necessário estar ligado a uma dessas instâncias direta ou

indiretamente. Os padres eram um exemplo de autoridade eclesiástica que se fazia

frequente nessas festividades, “apesar das proibições, as festas de santos continuaram a

ser realizadas por todo o Brasil, porque os próprios padres, solidários com os fiéis,

costumavam participar pessoalmente dessas alegres oportunidades de lazer”

(TINHORÃO, 2000, p.138).

No século XIX as festas religiosas continuaram existindo, porém houve

modificações principalmente na segunda metade do século.

Algumas autoridades policiais e municipais condenaram as festas nas ruas,

com suas barracas e diversões por serem locai de jogo e vagabundagem; os

médicos, por sua vez passaram a considerar as festividades religiosas como

bárbaras, perigosas, vulgares e ameaçadores da “família higiênica”, e ,

finalmente, a liderança religiosa começou a se preocupar mais

sistematicamente com as ditas deficiências do catolicismo brasileiro,

marcado pelo despreparo do clero e pela prática religiosa distante dos

cânones oficiais ( ABREU, 1999, p.35).

Estas festas foram perseguidas porque não correspondiam a doutrina oficial

da Igreja Católica, a exteriorização da fé também foi frequente no século XIX, João José

Reis define essa exteriorização como catolicismo barroco:

Pomposas missas, celebradas por dezenas de padres e acompanhadas por

corais e orquestra, nos funerais grandiosos,procissões cheias de alegorias, e

nas festas, onde centenas de pessoas das mais variadas condições se

alegravam com a música, dança, mascaradas e fogos de artifício (REIS, 1991,

p.49).

O catolicismo barroco abarcava uma grandiosidade que também fazia parte

do culto oficial, percebemos na passagem acima referências a pomposas missas

celebradas por dezenas de padres, corais, orquestras, ou seja, o catolicismo em algumas

ocasiões era o responsável por essa grandiosidade e em outras incentivava as camadas

populares a fazer o mesmo. Essa perspectiva somente foi modificada com o “processo

de romanização” que incentivou os cultos menos pomposos.

O catolicismo barroco teve a sua maior expressão nas irmandades

organizadas pelos leigos, essas associações tinham festas anuais para reverenciar os seus

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santos de devoção e eram divididas de acordo com a classe social de seus membros. Em

algumas associações estava estipulado em seu estatuto que deveriam existir cargos

especialmente para cuidar dos detalhes da festa do santo, ou seja, na concepção dos

membros da irmandade quanto mais dedicação e pompa houvesse no festejo, mais

estariam agradando o santo.

O calendário religioso era repleto de festas importantes, abaixo temos

alguns exemplos de comemorações que aconteciam no século XIX:

As procissões do padroeiro São Sebastião, Cinzas, Semana Santa (Passos,

Endoenças, Enterro) e Corpo de Deus; as festas em homenagem aos Santos

Reis, Santana, São Jorge, Santo Antônio, São João e, a maior delas, a do

Divino Espírito Santo (ABREU, 1994, p.3).

O sagrado e o profano eram interligados no Brasil oitocentista, inclusive

várias reuniões sobre os mais variados assuntos eram marcados dentro do recinto da

Igreja, o espaço considerado sagrado acabou por se tornar ponto de encontro, a

sociabilidade era também incentivada quando havia muita comida nas festividades, os

mais ricos contribuíam financeiramente, já os mais pobres coletavam dinheiro para a

realização dos banquetes.

As danças também eram constantes nas festas no largo e tinham uma sólida

tradição que se perpetuou ao longo dos anos, um exemplo de dança popular de

influência africana e europeia muito conhecida no Brasil oitocentista era o congo:

Os congos, um bailado tradicional com entretrecho dramático, misturava

tradições africanas e elementos de bailados e representações populares luso-

espanholas. Aí fundidos encontram-se o costume africano dos cortejos, a

celebração das lutas contra os mouros e elementos da vida marítima (DEL

PRIORE, 2000, p.56).

As danças conhecidas como congos eram organizadas da seguinte forma,

“envolvia a morte de um filho do rei e da rainha, que exigiam a sua ressurreição, obtida

por meio de rituais mágicos executados pelo feiticeiro” (SOUZA, 2002, p.256),

inclusive vários personagens paramentados executavam este ritual. O congo geralmente

era apresentado uma vez no ano, sendo a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário a

principal responsável pela festividade.

Outra festa que também envolvia o momento no largo era a do Divino

Espírito Santo, esta acontece cinquenta dias após a Páscoa e comemora a descida do

Espírito Santo sob os apóstolos, esse festejo era tão popular que Martha Abreu comenta,

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que entre as irmandades que pediam autorização para realização de festejos no século

XIX, o Divino foi o mais homenageado.

As irmandades eram as grandes responsáveis pela realização desses festejos,

porém não eram as únicas, tivemos casos de particulares e do próprio governo que

poderia se envolver neste financiamento. A colaboração de particulares vinha de todos

os segmentos sociais, inclusive essa ajuda era incentivada principalmente pelas

irmandades (ABREU, 1999).

As festas no largo e as diversões populares eram controladas pela Câmara

Municipal da cidade, isto é, os pedidos de licença deveriam ser dirigidos exatamente

para essa instância, temos um exemplo desse poder:

Por intermédio das Câmaras um grupo de fiéis encaminhava ao bispo

episcopal o pedido de remédio para suas aflições, traduzido muitas vezes na

vinda de Nossa Senhora da Penha para que com sua vinda passe a epidemia

de bexiga e mais moléstia (DEL PRIORE, 2000, p.27).

Observando a passagem acima percebemos que um grupo de fiéis pedia

encarecidamente um remédio para suas aflições, este remédio seria a “vinda de Nossa

Senhora da Penha” que seria intermediada pela Câmara através da aprovação de uma

festa que os fiéis queriam fazer para a citada Nossa Senhora.

Depois de aprovada pelas autoridades competentes, era necessário chamar

as pessoas para participarem. Esse anúncio era feito nos principais jornais locais e

tentavam descrever as principais características da festividade, estas informações nos

jornais eram constantes e a maioria dos festejos religiosos se utilizavam dele.

A aglomeração em torno destes locais passou a preocupar as autoridades,

por isso a Câmara passou a impor limites, o Código de Posturas de 1838 da cidade do

Rio de Janeiro tentou cercear algumas festividades existentes na cidade, podemos

exemplificar com a postura que impedia a prática de soltar fogos de artifício sem licença

da Câmara e injúrias ou gestos indecentes contra a moral em locais públicos (ABREU,

1999).

As festas de largo tinham várias atrações, pesquisamos no jornal “O

Publicador Maranhense” um anúncio que divulgava a festa de Nossa Senhora dos

Remédios e convidava o público em geral para se fazer presente. Esse anúncio queria

enfatizar as atividades que seriam desenvolvidas naquele ano.

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Haverá uma banda militar no arraial: estará ali aberta huma magnífica Galeria

Optica para os amadores das bellas astes, queimar-se-há na véspera da festa

hum variado fogo de artifício onde brilharão algumas peças novas

(PUBLICADOR MARANHENSE, 10/10/1850).

Os fogos de artifício seriam mostrados na hora correspondente ao cair da

tarde, esta atividade era habitual no Brasil desde o século XVII e eram utilizados

“abrindo a celebração da festa, os fogos anunciavam a partida dos cortejos

processionais, mas também à sua chegada à igreja ou à praça onde se davam os

principais eventos da festa” (DEL PRIORE, 2000, p.38).

Doze dias depois foi publicado um anúncio no mesmo jornal sobre o desvio

de uma relação de pessoas que compraram medalhas de Nossa Senhora dos Remédios, o

jornal explicou o seguinte, “sabe-se que por engano se embrulharão nela duas medidas e

duas medalhas; porém ignora-se o nome da pessoa que a levou” (O PUBLICADOR

MARANHENSE, 22/10/1850). O jornal suspeitava que a relação tinha sido embrulhada

por engano em alguma medalha que foi vendida, porém até aquele momento não havia

informações e a irmandade estava preocupada com o destino daquela lista.

As medidas eram fitas de uma vara de comprimento, de várias larguras e de

todas as cores em que vinham estampadas em ouro ou prata o nome e a imagem de

Nossa Senhora, na época várias pessoas compravam e enfeitavam o peito com elas. João

Lisboa (1992) explicou que antigamente as medidas eram riquíssimas e custavam até

vinte patacas, porém naquele ano de 1850 as mais caras custavam no máximo quatro

patacas. Cruzando os informes do jornal e do livro sobre as medalhas e as medidas

percebemos que eram tradicionais na festa de largo e os devotos as compravam com

certa regularidade, por isso o sumiço da lista mencionado anteriormente foi tão

preocupante.

A Festa dos Remédios foi descrita por João Lisboa (1992) no ano de 1851,

segundo ele esta festa era a mais popular da cidade, por isso um grande público das

mais variadas classes e condições queria se fazer presente. Os preparativos começavam

até um mês antes da festa e as senhoras imaginavam um jeito de estarem bem elegantes

para a ocasião.

O Publicador Maranhense também comentou sobre fogos de artifício

lançados durante a festa de largo, João Lisboa (1992) especificou sobre um balão que

foi anunciado nos grandes jornais e foi lançado no dia 5 de outubro de 1851, este foi

criado por uma associação de artistas.

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João Lisboa mencionou que havia de quatro a cinco mil pessoas assistindo o

balão, outro traço da festa foram os bailes que o autor criticou, “reprovo estes abusos,

desvios, excrescências e superfetações, que desnaturam a festa, e contrariam a sua

índole e caráter todo popular, universal e sem exclusões” (1992, p.45). Percebemos

pelos escritos de João Lisboa que o baile precisava de convite, inclusive ele comenta

que não sabia o que tinha acontecido nos bailes porque para nenhum ele tinha sido

convidado.

Na festa de São Pantaleão também houve fogos de artifício, porém com um

adicional, “e no fim rematarão com fogos de vista inventado por um novo artista que

pretende mostrar ao Respeitável público sua firma em uma das pessoas em letra de

fogo” (O PUBLICADOR MARANHENSE, 06/08/1850). Os fogos de artifício como foi

comentado anteriormente eram constantes nos cortejos religiosos, estes estimulavam a

participação do público na festa que acontecia no largo, mas também mostrava a

propaganda do artista.

O largo estava totalmente enfeitado com bandeiras de várias cores e alguns

estavam com as suas melhores roupas que foram confeccionadas especialmente para a

ocasião, “são casacas, paletós, jaquetas, calcas modernas, antigas martinicas, vestidos,

saias, quinzenas, mantas, visitas, sapatos” (LISBOA, 1992, p.48). Haviam também

várias pessoas que não podiam comprar roupas, mas mesmo assim estavam presentes na

festa com suas ‘chinelas e pés descalços’.

A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário também era uma grande

apreciadora de festividades e fazia duas festas de santo durante o ano, uma era no

primeiro domingo de outubro e a outra em 6 de janeiro que contava com um elemento

diferenciado que servia durante um ano, o Rei . Essas duas festas tinham como objetivo

separar os irmãos negros dos brancos, “compete fazer a festividade da Senhora do

Rosário na primeira dominga de outubro, cuja festividade pertence aos Irmãos brancos,

faze-la com novenas e toda a grandeza possível” (MARANHÃO, Lei n° 302, 1851).

Os reis eram figuras importantes nas irmandades de negros e cumpriam

papéis rituais e sociais.

As raízes africanas eram visíveis no processo de escolha dos reis e se

manifestavam na comemoração festiva da eleição e coroação, com ritmos

próprios, ao som de instrumentos de origem africana, acompanhando danças

nas quais a postura do corpo era marcada pela velocidade dos passos e

independência entre membros superiores e inferiores (SOUZA, 2002, p.181).

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A irmandade pesquisada por nós, não tinha somente o rei, percebemos no

compromisso mais três personagens que fariam parte da festa anualmente: a rainha, o

princípe e a princesa. O rei e a rainha seriam os grandes financiadores da festa daquele

ano, já os príncipes e as princesas “seriam nomeados dentre os irmãos, ou irmãs, os

quais darão de joia a quantia de dous mil reis” (MARANHÃO, Lei n° 302,10/11/1851).

Um jornal que fazia vários comentários irônicos sobre as festas religiosas

em São Luís era O Jardim das Maranhenses, percebemos através destas notícias a

ligação que este pretendia fazer com os leitores estabelecendo uma comunicação mais

informal. Em um número do Jardim percebemos referências as comemorações de Ano

Bom e Reis. A primeira festa religiosa ocorria em 1 de janeiro e a segunda acontecia no

dia 6 e simbolizava os Reis Magos que vinham oferecer tributos a Jesus, “ os padres da

Igreja vêem no ouro o símbolo da realeza de Jesus; no incenso, a sua divindade; e na

mirra, a paixão de Cristo” ( ALVES, 1990, p.17). Na festa de Ano Bom o jornal

encontrou moleques trajados que se intitulavam pastores e entoavam canções até

“indecentes” (O JARDIM DAS MARANHENSES, 02/12/1861), este costume não era

bem visto pelo periódico e era até motivo de risos.

No que diz respeito a festa de Reis o periódico não gostou dos grupos que

causavam um desagradável efeito de vozes e entoavam alguns versos como este aqui

que foi reproduzido no Jardim, “ Glória ao Deus Menino, Glória ao Onipotente, que esta

nossa gente, só querem cachaça” (O JARDIM DAS MARANHENSES, 02/12/1861). O

jornal ainda complementou de forma irônica que este foi o melhor verso entoado pelos

cantadores.

No ano seguinte o jornal explicou que a festa de largo de Santa Severa teve

pouca participação nos primeiros dias e enumera os possíveis motivos, “ attribuindo

uns, a escassez da lua, outros a areia do caminho que impedindo o tranzito, submerge o

devoto até a barriga” (O JARDIM DAS MARANHENSES, 13/01/1862).

Ainda encontramos um poema neste periódico sobre a missa de domingo,

A Capella

No domingo corre a missa, tudo quanto é moça bella, senão é para rezar,

para que vão à Capella? É pra ver o Santo Padre, conduzindo sua umbella,

senão é para rezar, não voltem para a Capella.

Senhor, eu vou à Capella, vou me entregar toda a Deus. Vou ouvir o Santo

Padre, a dizer os contos seus, vou beijar a Santa Virgem, com os tristes lábios

meus, para subirmos aos Ceos, vou pedir, rogar a Deos...

Janeiro, 1862. C.G

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O poema trazia um questionamento sobre a presença das mulheres na igreja,

senão é para rezar porque iriam para a missa. Na segunda estrofe percebemos uma

espécie de redenção desta mulher, isto é, o padre e a Virgem Maria ajudariam no

processo de subir aos céus.

Um jornal diferente do Jardim das Maranhenses veio a ser O Eclesiástico,

este se definia como um periódico dedicado aos interesses da religião e era escrito pelo

clero maranhense. O jornal relata em especial sobre uma visita que o bispo do

Maranhão Dom Manoel Joaquim da Silveira fez a cidade de Rosário em 1860, o bispo

falou sobre a festa de São Sebastião e que esta estava tomada pela população que queria

“satisfazer à devoção particular, que geralmente se tem nesta província ao glorioso

Mártir São Sebastião. A tarde houve procissão, e depois que ella se recolheu , fui para a

Igreja e chrismei 334 pessoas” (O ECLESIÁSTICO, 18/12/1860).

O bispo explica pouco sobre a festa de São Sebastião que ocorreu na cidade

de Rosário, mas conseguimos perceber que a presença dele ocasionou um bom público

principalmente para o sacramento da crisma, apesar de não termos como objeto de

estudo outras cidades do Maranhão, gostaríamos de comentar algumas informações que

foram encontradas sobre as festas no largo e as procissões destes locais.

Em outra edição do Eclesiástico percebemos uma crítica a situação das

Igrejas no Maranhão. O clero explicitou que na corte e em algumas capitais da província

existiam templos em que se podiam celebrar com esplendor as festas religiosas, porém

na maior parte das freguesias do Maranhão o culto católico era incompatível porque

faltava a maior parte dos paramentos (O ECLESIÁSTICO, 03/09/1861). Os paramentos

são os ornamentos usados pelo clero nas funções sagradas, era essencial para o culto

católico que estivessem em bom estado.

O jornal continuou explorando o assunto dizendo que em vários lugares se

observava Igrejas em ruínas e as que estavam em processo de construção dificilmente

conseguiam ser terminadas sem um grande número de interrupções (O

ECLESIÁSTICO, 03/09/1861), isso acontecia porque a reforma dessas Igrejas custava

uma grande quantidade em dinheiro e nem sempre a comunidade dispunha dessas

somas.

O mesmo periódico explicou que em tempos antigos os próprios fiéis

erigiam templos suntuosos, porém naquele momento não era mais assim:

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Ainda hoje não é de todo improfícuo o recurso à piedade dos fiéis, porém só

em casos especialíssimos se pode prescindir do auxílio dos cofres gerais ou

provinciais (O ECLESIASTICO, 03/09/1861).

Outro momento importante da festa era a procissão que acontecia entre a

missa solene e a festa de largo, na sua origem foram instituídas para substituir antigos

cortejos considerados pagãos e outras tiveram seu início a partir de datas cristãs. A

partir da Alta Idade Média as procissões passaram a ter uma nova identificação, “no

século VII estabeleceu-se que a celebração eucarística dos dias de festa e das férias da

Quaresma fossem precedidas de uma procissão saindo de uma igreja de reunião para as

igrejas ‘estações’, com celebração de missa pontifical” (CARNEIRO, 2006, p.59).

As procissões religiosas são a representação de passagens bíblicas, as

pessoas comuns desde o século XVI queriam se fazer presentes nessas manifestações

(TINHORÃO, 2000), estas conseguiram com as festividades públicas que envolviam as

próprias pessoas da comunidade.

No Brasil estes cortejos tiveram o seu início desde o século XVI, Mary Del

Priore (2000) especifica que o padre Manoel da Nóbrega em 9 de agosto de 1549

anunciou ter realizado duas procissões solenes uma no dia do Anjo Custódio e a outra

no dia de Corpus Chisti. Na Colônia as procissões também eram ligadas ao rei de

Portugal e a Igreja, essa característica fez com que essa celebração perpetuasse os ideais

da Coroa.

No século XIX as procissões foram muito controladas, isto ocasionou

projetos em 1855 no Rio de Janeiro que visavam controlar palavras de baixo calão que

eram cantadas na procissão do Corpo de Deus (ABREU, 1999), portanto buscava-se um

ideal de civilidade em todas as esferas da sociedade e a procissão também deveria seguir

esse modelo.

Enquanto as festas no largo aconteciam em um local específico, as

procissões aconteciam em um espaço essencialmente público, isto é, a rua. Esta

manifestação passava os valores da sociedade vigente, portanto ela exagerava alguns

aspectos e negligenciava outros, “Seja no seu aspecto religioso, quanto civil, as

procissões reforçavam a obediência e a devoção à Igreja e ao Estado, por meio de seu

soberano” (FURTADO, 1997, p.255).

As procissões hierarquizavam o público, permitindo perceber quem eram as

figuras principais e secundárias, o primeiro poderia ser o rei ou alguma figura

importante católica e o segundo fazia referência as outras camadas sociais, quando o

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principal financiador dessas festividades era uma irmandade de negros ou mulatos havia

um processo de inclusão social, no qual esses grupos também mostravam seu poder

ampliando sua ostentação nas procissões. Podemos enumerar dois estilos principais de

procissões que eram recorrentes na época:

Ora para coroar as procissões ordinárias (acompanhamento de grandes

cerimônias, desfiles, datas da agenda real, canonizações), ora para atender

necessidades constrangedoras (saúde do rei, falta de chuvas, epidemias)

(DEL PRIORE, 2000, p.23).

As procissões ordinárias eram os eventos oficiais que faziam parte da

agenda da Igreja ou do Estado, já as necessidades constrangedoras eram invocadas em

situações específicas que no momento estavam causando um grande problema para a

população em geral, por isso era necessário um ritual que tentasse diminuir um pouco

esse constrangimento.

Outra característica das procissões era a necessidade de uma licença, a

Irmandade de Santa Efigênia solicitou a licença do ordinário da diocese para a

realização do seu cortejo (MARANHÃO, Lei n° 369, 26/05/1855), ou seja, a procissão

envolvia uma grande quantidade de pessoas envolvidas e esse ajuntamento poderia ser

perigoso para a sociedade, por isso a licença era importante.

A Irmandade de Nossa Senhora da Conceição também queria fazer uma

procissão á tarde para maior esplendor da festividade, para isso a Mesa também

solicitou licença do Bispo Diocesano, esta irmandade especificou ainda sobre o giro da

procissão que não poderia ser alterado em tempo algum, “salvo havendo desarranjos nas

ruas determinadas na licença, para o primeiro giro” (MARANHÃO, Lei n 397,

27/08/1856).

O giro da procissão obedecia um trajeto específico todos os anos, mas esse

cortejo poderia ser mudado de acordo com as circunstâncias, um exemplo foi a

Irmandade de Bom Jesus dos Navegantes que estipulava esta possibilidade em seu

compromisso,

O giro da procissão será o mesmo que se observa presentemente, e só poderá

ser alterado pela mesa de accordo com o ordinário quando o estado das ruas

não permittirem um bom e decente transitto (MARANHÃO, Lei n° 621,

25/09/1861).

As irmandades tinham como meta reunir o maior número de pessoas em

torno das suas festas e procissões, portanto o estado das ruas poderia prejudicar o livre

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trânsito das pessoas e consequentemente o esplendor da celebração. O giro da procissão

também veio especificado no compromisso de Bom Jesus da Coluna, esse trajeto era

longo e envolvia a participação de todos os associados juntamente com o público,

Rua de Santo Antônio, da Cruz, do Sol, Largo do Carmo, rua Grande, Largo

dos Quartéis e ruas do Sol e de Odorico Mendes ao recolher-se, e todos os

irmãos são obrigados a assistir a estas solenidades com suas vestes

(MARANHÃO, Lei n° 759, 1866).

A rua de Santo Antônio foi inaugurada no século XVIII juntamente com

outros caminhos que se alargaram na época, já o largo do Carmo era conhecido como

uma parte central da cidade com feiras e mercados onde João Lisboa residiu durante

grande parte da sua vida (FILHO, 1962), no que diz respeito ao largo do Quartel este

tinha esse nome, “ depois que, nas primeiras casas levantadas, foi mandado aboletar a

tropa de linha” ( MEIRELES, 2012, p.133).

O largo do Quartel é conhecido na atualidade como Praça Deodoro e no

século XIX era ponto de encontro nos três dias de carnaval, inclusive nesta época “o

carnaval de rua dominava soberano e dava gosto participar do movimento corso e sair

pelas ruas engrossando o bando de mascarados” (FILHO, 1962, p.45). A rua que

finalizava a procissão era a de Odorico Mendes, esta também era conhecida como a

antiga rua de São João ( FILHO, 1962, p.21).

A procissão obedecia um trajeto que poderia ser modificado de acordo com

as circunstâncias, no que diz respeito aos associados eles respeitavam uma hierarquia

dentro da procissão, a Irmandade de Bom Jesus da Cana Verde explicitou de forma

detalhada como era a organização dos irmãos no cortejo,

Acabado o Sermão do Pretorio, que o Provedor e a Mesa encomendarão ao

melhor Pregador que houver, começará pelo Guião da Penitência, o qual será

levado pelo Procurador. Ao Guião se seguirá o Pendão, o qual será levado

pelo Thesoureiro, ou em sua falta por outro Irmão da Mesa; e desta serão os

irmãos que pegarem nas Guias (MARANHÃO, Lei n° 324, 02/10/1852).

Pretório era uma tribuna no qual o sacerdote pregava aos fiéis, já o guião da

penitência era uma bandeira que era levada na frente da procissão, o pendão também

era uma bandeira, mas vinha logo atrás e por último vinham as guias que eram

carregadas pelos membros das irmandade. O procurador que era o principal financiador

vinha na frente e as outras funções seguiam logo atrás dele.

Na Irmandade de Nossa Senhora da Conceição os mesários tinham uma

função especial, que era “carregarem o andor da Virgem Senhora da Conceição,

podendo eles cederem unicamente aos irmãos” (MARANHÃO, Lei n° 397,

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27/08/1856). O andor é uma espécie de tabuleiro retangular usado para levar os santos

em procissão.

A Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos não era acompanhada

somente pelo público devoto, percebemos também variadas autoridades.

Acompanhada pelo Exm. Sr. Presidente da Província, seu secretário, ajudante

de ordens, e muitos officiais militares, bem como por um grande número de

irmãos com tochas acesas, e um considerável concurso do povo, fechando

este cortejo solene duas bandas de música marcial com uma guarda de honra

do contigente destacado da guarda nacional, e o corpo de educandos artifícies

(O ECLESIÁSTICO, 04/03/1861).

O jornal mencionou duas procissões da irmandade citada, uma acontecia

na noite do dia 21 de fevereiro e levava a imagem do Convento do Carmo até a Catedral

e a outra transcorria na tarde do dia 22 enfatizando os passos de Jesus até o Calvário (O

ECLESIÁSTICO, 04/03/1861).

A festa de Corpus Cristhi também era celebrada duas vezes em São Luís, o

bispo do Maranhão Dom Manoel mencionou duas festividades, uma celebrada na

Catedral e outra feita pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, a primeira aconteceu

no dia 30 de abril com presença de orquestra e do bispo diocesano e a segunda sucedeu

em 2 de maio sendo bem mais simples. (O ECLESIÁSTICO, 03/06/1861). O Corpus

Chisthi celebra o sacramento da Eucaristia que acontece na quinta-feira santa, neste dia

segundo a concepção cristã a última ceia foi realizada por Jesus Cristo e seus apóstolos.

A solenidade da Catedral enfatizou as figuras importantes que participaram da

procissão:

Em presença do Exm. e Revm. Sr. Bispo Diocesano, seguio-se a procissão,

levando o mesmo Exm. Sr. Bispo Diocesano o S.S.Sacramento sob o palio,

cujas varas forão carregadas, desde a porta da Cathedral, e durante todo o

transito, pelo Exm. Sr. Presidente da Província, e pelos Srs.Presidentes e mais

membros da Ilm. Camara Municipal, chefe da Estação naval, com os

respectivos officiais, Comandante do 5 de fuzileiros com sua oficialidade,

empregados públicos e muitos outros cidadãos grados (O ELESIASTICO,

03/06/1861).

O pálio é uma espécie de cobertura portátil sustentada por varas, é muito

usado para cobrir a pessoa festejada, percebemos que várias autoridades queriam se

fazer presentes na festividade de Corpus Cristhi, isto acontecia porque:

Eram de responsabilidade da Câmara de São Luís as celebrações das

seguintes festas: São Sebastião, Anjo Custódio, Corpus Chisthi, Nossa

Senhora da Vitória e a aclamação de D. João IV, também conhecida como

Restauração (CORRÊA, 2010, p.234).

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O bispo comentou ainda que não houve nenhum tipo de desordem durante a

comemoração, portanto esse foi um dos motivos para a seguinte situação, “Ao recolher-

se a procissão concedeu S. Exm. Revm 40 dias de indulgência a todos, que a

acompanharão”(O ECLESIÁSTICO, 03/06/1861). A indulgência vem a ser a remissão

total ou parcial dos pecados, dessa forma notamos que alguns cortejos propiciavam

recompensas para seus fiéis.

Havia outra festa de Corpus Chisthi organizada pela Irmandade de

Santíssimo Sacramento que acontecia no dia 2 de junho, esta era bem mais simples com

as tradicionais vésperas e missa com música:

Na véspera à noite esteve a porta da Igreja a banda de música militar dos

Educandos, cujo corpo com sua musica acompanhou a procissão, com a

guarda de honra e a banda de música do 5 de fuzileiros (O ECLESIÁSTICO,

03/06/1861).

A Casa dos Educandos Artifícies foi criada na segunda metade do século

XIX e tinha como objetivo servir de abrigo para jovens, porém este local também tinha

outra meta, “na medida em que retirava das ruas, dava abrigo e uma profissão aos

meninos andarilhos” (CASTRO, 2006, p.2). Os mais variados ofícios eram ensinados

neste estabelecimento inclusive o aprendizado da música.

João Lisboa (1992) explicou no seu folhetim que no alpendre de Nossa

Senhora tocavam de forma alternada os Educandos e a banda do Corpo Fixo, esta era

uma guarnição federal sediada em São Luís. Imaginamos que a banda militar

mencionada no jornal acima era a mesma intitulada Corpo Fixo, isto é possível porque a

banda de Corpo Fixo era militar e os relatos são respectivamente de 1850 e 1851.

A Santa Casa de Misericórdia promovia uma procissão que era

responsabilidade desta irmandade, esta era conhecida como procissão dos ossos e

ocorria no dia primeiro de novembro. Este cortejo tem a seguinte história:

Em Portugal, em 1498, determinou o rei Dom Manuel que á irmandade da

Misericórdia fosse permitido todos os anos, no dia de todos os santos, retirar

dos patíbulos os restos ainda pendentes dos justiçados para lhe dar sepultura

(COARACY, 1998, p.1).

No século XIX a procissão dos ossos não tinha mais essa função, porém

ainda continuava sendo uma atividade valorizada dentro da irmandade, a sua trajetória

era seguinte, “sahira do Cemitério deste estabelecimento a procissão dos ossos com toda

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a solenidade do estylo – e fará o mesmo giro do ano passado -, tendo lugar o respectivo

sermão no Largo do Cemitério” (PUBLICADOR MARANHENSE, 19/10/1850).

CONCLUSÃO

Em termos de seus resultados, esta pesquisa possibilitou o delineamento de

um panorama das formas de sociabilidade presentes nas festas de largo e nas procissões,

no período de 1850 a 1875 em São Luís. A leitura e análise dos compromissos de

irmandades e matérias publicadas em jornais que então circulavam na cidade nos

permitiram perceber, dentre outros aspectos, a hierarquia social vigente; os critérios

étnico-raciais, de classe e jurídicos que instituíam as demarcações sociais; o dado de que

em detrimento dos ideais da Igreja no seu projeto ultramontano, as festas religiosas

cobriam um extenso calendário ao longo do ano, recobrindo as mais diferentes datas da

cristandade, por fim percebemos também a indissociabilidade entre o sagrado e o

profano nas formas de cultuar e festejar os santos no tempo e no espaço que recobrem

esse estudo.

Com efeito, apesar das festas de largo e das procissões desse período serem

consideradas manifestações exteriores, puras “exterioridades” da fé católica,

constituíam um importante espaço de sociabilidade, pois eram, quase sempre, muito

concorridas, mobilizando esforços e reunindo pessoas de perfis diversos, a exemplo de

eclesiásticos, civis, militares, ricos, pobres, mulheres, homens, crianças, idosos, livres,

forros e escravos.

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