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Quando o acesso à informação ultrapassa a barreira da privacidade Discussão sobre a constitucionalidade e necessidade de escancarar os detalhes da vida financeira de servidores públicos divide adversários e apoiadores da divulgação Págs 4 a 7

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Adverso 198

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Quando o acesso à informação

ultrapassa a barreira da privacidade

Discussão sobre a constitucionalidade

e necessidade de escancarar os detalhes da

vida financeira de servidores públicos

divide adversários e apoiadores da

divulgação

Págs 4 a 7

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Sindicato dos Professores dasInstituições Federais de Ensino Superior POAUFRGS | UFCSPA | IFRS-Campus Porto Alegre e IFRS-Campus Restinga

Presidente - Maria Luiza Ambros von Holleben 1º Vice-Presidente - Claudio Scherer2º Vice-Presidente - Lúcio Olímpio de Carvalho Vieira1ª Secretária - Maria da Graça Saraiva Marques2ª Secretária - Marilda da Cruz Fernandes3º Secretário - Ricardo Francalacci Savaris1º Tesoureiro - Daltro José Nunes2º Tesoureiro - Vanderlei Carraro3ª Tesoureira - Gloria Isabel Sattamini Ferreira

Rua Otávio Corrêa, 45 - Porto Alegre/RSCEP 90050-120 - Fone/Fax: (51) [email protected]

Publicação bimestralTiragem: 5.000 exemplaresImpressão: Ideograf

Alfredo Storck – Departamento de Filosofia/UfrgsGloria Ferreira – Fabico/UfrgsLúcio Vieira – IFRS - Campus POAPaulo Machado Mors – Instituto de Física/UfrgsRegina Helena van der Laan – Fabico/UfrgsRicardo Schneiders da Silva – Fabico/Ufrgs

Conselho Consultivo

Edição: Adriana LampertReportagens: Ana Esteves, Araldo Neto, Marco Aurélio Weissheimer, Michelle Rolante e Patrícia ComunelloProjeto Gráfico: Eduardo Furasté Diagramação: André Lacasi e Eduardo FurastéCapa: André Lacasi

Produção e Edição

SUMÁRIO

EDUCAÇÃO

08Remuneração pode ser decisiva para fazer ensino decolar

por Patrícia Comunello

ARTIGO

14Concepções em disputa na eduçação profissional e o papel do estado brasileiro

por Lúcio Vieira, professor do IFRS-POA

PESQUISA

20Fapergs poderá ter orçamento inflado em 40%por Araldo Neto

EM FOCO

25Livro a Era Vargas revisita Getúliopor Ana Esteves

VIDA NO CAMPUS

30Parque Científico e Tecnológico da Ufrgs implementa novos laboratórios

HOMENAGEM

33Adufrgs-Sindical comemoraDia do Professor com grande jantar

por Michelle Rolante

04REPORTAGEMTransparência invade território pessoal e gera polêmicapor Patrícia Comunello

10PING-PONG Caroline Proner“Disputa pelo direito autoral decorre muito do monopólio de sociedades arrecadadoras”por Marco Aurélio Weissheimer

18ESPECIALEsporte brasileiro sofre com ausência de gestão por Michelle Rolante

22DEBATEEncontro de professores aposentados daAdufrgs muda de formato em 2013por Michelle Rolante

27ENSINODesafio das instituições de ensino superior será evitar evasão de cotistaspor Araldo Neto

32RECONHECIMENTOAnomalia na água pode ajudarno tratamento de doençaspor Araldo Neto

34 JURÍDICO

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EDITORIAL

Adufrgs 2012 rumo a 2013

Ao longo dos últimos anos a Adufrgs-Sindical tem atuado como protago-nista na luta pela transformação da universidade pública brasileira em espaço privilegiado de construção de conhecimento comprometido com os interesses sociais e democráticos. Buscamos as necessárias adequações para o Sindicato, como legítimo representante dos anseios dos professores, superar os limites das lutas corporativas, articulando os interesses dos docentes com os da Educação Superior Pública.

Com o princípio de que a democracia se fundamenta na expressão da von-tade autônoma dos indivíduos em um espaço público de deliberação e é sub-metida ao interesse coletivo, temos recorrido à consulta eletrônica, sempre precedida de muitos debates e informações. Foi assim que procedemos na assi-natura do Termo de Acordo, em agosto de 2012, na deflagração de greve e no seu encerramento.

Realizamos 27 reuniões dentro do programa Adufrgs Vai até Você, indo às unidades, na Ufrgs, na UFCSPA, e nos campi Porto Alegre e Restinga do IFRS, debatendo com os professores em seus respectivos locais de trabalho. Man-tivemos os docentes informados sobre todos os passos das negociações, seus resultados parciais, os avanços conseguidos, os limites e obstáculos que se apresentavam, por meio dos informativos e das reuniões do Conselho de Repre-sentantes. Quando necessário, aumentamos a pressão, participando das mobili-zações de milhares de professores em Brasília, realizando assembleias gerais e deflagrando a greve.

As consultas eletrônicas nos mostraram a posição da maioria de nossos filia-dos. A assinatura do Termo de Acordo que levou ao final da greve contou com o apoio de 1.097 votos dos 1.367 professores que participaram do processo. Com este resultado, sinalizamos ao Proifes-Federação a assinatura do Termo de Acor-do em 3 de agosto do corrente ano e o encerramento da greve, que foi ratificada em Assembleia Geral Extraordinária.

Produto desta luta, o melhor acordo entre todos os servidores públicos fe-derais ainda necessita de ajustes, que estão sendo tratados em grupos de tra-balho. Em novembro, juntamente com colegas de todo o País, participamos da Audiência Pública na Câmara Federal para discutir o Projeto de Lei resultante do acordo, buscando a sua aprovação imediata, para garantir que em março de 2013 já tenhamos os primeiros ganhos salariais e as modificações na carreira. Também participamos de Oficinas com o MEC e o MPOG para tratarmos dos itens pendentes no acordo.

Ao final deste ano de 2012, colhemos vitórias. Negociamos e alcançamos o consenso do que deve ser defendido. Nosso quadro de associados continua crescendo, ampliamos nossas atividades assistenciais, sociais e jurídicas, reali-zamos a modernização da administração do Sindicato, concluímos os projetos construtivos da nova sede da Adufrgs-Sindical e a da Casa do Professor no Campus do Vale. Nestes 18 meses muito fizemos, mas muito ainda precisa ser feito, tanto em âmbito nacional como em âmbito local, na defesa dos direitos e interesses dos docentes da IFES.

Recebamos o novo ano com a satisfação do dever cumprido e com forças renovadas para continuar lutando para a realização de nossos objetivos.

Parabéns professores! Feliz e Próspero 2013!

Diretoria Adufrgs-Sindical

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REPORTAGEM

Transparência invade território pessoal e gera polêmica

por Patrícia Comunello

Quem não deu uma olhadinha para descobrir quanto ga-nha o colega ou o vizinho no serviço público? A divulgação com nome, CPF, valor bruto ou líquido da remuneração dos servidores federais é candidata a ser o fenômeno do ano na internet brasileira. A razão é simples: poucos sites tiveram tanto acesso como o da transparencia.gov.br, que, até se-tembro somou mais de 110 milhões de páginas visitadas – e a grande atração foi a área onde a vida financeira funcional foi exposta. De cada dez acessos ao portal, seis foram à área dos servidores e seus vencimentos. Este mega sucesso de público ajudou a elevar a temperatura do debate sobre o al-cance da Lei de Acesso à Informação de 2011, que inspirou o decreto da presidente Dilma Rousseff, com abrangência na esfera federal, e que pretendia regular a conduta a outros âmbitos e unidades federativas. Mesmo que a curiosidade tenha reduzido, mantém-se a discussão sobre a constitucio-nalidade e necessidade de escancarar os detalhes.

A fronteira entre o público e o privado divide adversários e apoiadores da divulgação. A tese de quem é contra, em ge-ral, agarra-se ao artigo da Constituição Federal que preserva e protege a privacidade. Também alegam que a Lei de Acesso não foi tão longe. O decreto de Dilma teria avançado o sinal, regulamentando mais que o necessário. A divergência se ma-terializou em interpretações e argumentos, muitos baseados

em leis estaduais, que acabaram livrando parte do funcio-nalismo de ter seu DNA funcional aberto ao mundo. Longe de estar sacramentada, a discórdia pode ainda ganhar mais provocação, pois tramita no Senado uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), do paranaense Roberto Requião, que transforma em lei o que é ainda regra apenas para a esfera federal. A ONG Contas Abertas, uma das principais institui-ções que se mobilizou na construção da Lei de Acesso, já criou uma espécie de “acessômetro”, para medir os diferentes graus de transparência. Não expor os dados completos dos servidores já rebaixou conceitos, por exemplo, do Rio Grande do Sul, como eleva o de outros níveis. O portal do governo federal, organizado e gerenciado pela Controladoria Geral da União (CGU), está entre os mais elogiados.

"O Poder Executivo foi todo devassado. E foi uma questão de interpretação. Quem entende a divulgação não está in-comodado", opina o chefe-regional da CGU no Estado, Fabio Valgas da Silva. "Pessoalmente, acho também que é uma in-vasão de privacidade. Não gosto de saber que o síndico, um vizinho ou até um desafeto saibam quanto eu ganho, mas é um sacrifício que estou fazendo em benefício à sociedade", confessa. "O que é íntimo tem de ser protegido." O chefe da AGU local cita que a liberação das informações escreveu um novo estágio no acesso ao portal da transparência. Até

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maio, o volume de visitas era um: somou 1,4 milhão na área de servidores. Veio junho e a vigência do decreto federal e as visitações explodiram, alcançando 14,2 milhões naquele mês, depois 21,5 milhões em julho. A partir de agosto, que registrou 14,6 milhões, ocorreu um refluxo, mas mesmo as-sim a vigilância passa a outro patamar. "Já havia os dados de funcionários em outros sites, mas no portal ficou fácil a consulta. O maior motivador é saber quanto ganha o colega ou um conhecido. Mas isso já passou", aposta Silva, que co-bra a divulgação de outras esferas. O especialista em Lei de Acesso demarca que a transparência abrange tudo que tem relação com o cargo público.

Se a febre de “dar uma espiadinha” ficou mais estável, nem assim a professora e diretora da Faculdade de Biblio-teconomia e Comunicação (Fabico) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Regina Helena van der Laan, esquece as situações por que já passou. "É constrangedor. Simplesmente botam a totalidade da folha dos vencimentos. O salário sempre foi sigiloso, que me pertence, por isso vem em contracheque nominal e lacrado", recorda a professora universitária, que se ressente de ver a publicidade e bur-burinho que gera. "No começo, as pessoas acessavam nos departamentos. Os alunos vinham comentar sobre as remu-nerações. Os comentários eram do tipo: 'Vamos ver quanto fulano ganha'. Há uma maldadezinha no ser humano." Para a diretora da Fabico, a forma como os dados são abertos não assegura qualidade na leitura do usuário da rede. "Ninguém pergunta como chegou àquela condição. No meu caso, sou professora associada 1, com doutorado e função de direção. Ninguém precisa saber quanto eu ganho", reage Regina, que avisa ser totalmente favorável à Lei de Acesso, mas conside-ra que divulgar o cargo e o nível do servidores já daria conta da transparência buscada. "O cidadão poderia ter isso com a

divulgação dos gastos da Ufrgs, por exem-plo. O importante é saber o desempenho, e se cumpre seu papel."

O chefe-regional da CGU argumenta que o maior ganho para a sociedade está em flagrar se há desproporção entre o salário e os gastos exteriorizados. "Como alguém que recebe R$ 22 mil ao mês pode comprar imóvel de R$ 2 milhões? Mesma coisa em relação à jornada – se é 20 ou 40 horas, como é o cumprimento?" O dirigente do órgão aposta que, passada a curiosidade da população, ganhe espaço o interesse para o que é público. "Reclamar que expõe da-dos acaba sendo irrelevante. Hoje compra--se este tipo de informação em mercados informais", alerta Silva. "Quanto mais transparente é o processo para as relações

humanas de forma geral é mais fácil atender as demandas."Para o presidente do Proifes-Federação, Eduardo Rolim

de Oliveira, a Lei não deixa claro se deve incluir o valor a ser divulgado. "O decreto foi interpretativo", adverte Ro-lim, que considera as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) contra liminares judiciais obtidas por sindicatos em algumas regiões, uma exacerbação de seu papel. No Estado, servidores do município de Porto Alegre perderam no STF o direito, que era em caráter liminar, de ter preservados os valores das remunerações. A federação dos sindicatos de docentes de instituições federais foi contra a divulgação prevista na regulamentação de Dilma. Rolim esclarece que a categoria defende a exposição de classes e níveis. "A nossa assessoria jurídica chegou a avaliar o mandado judicial, mas após o STF se posicionar em favor da divulgação, decidimos não ingressar. Seria apenas para perder", justifica o profes-sor do quadro da Ufrgs.

Os acessos da discórdia

A busca de informações no site da Transparência, do governo federal:

Ano Páginas vistas dos servidores

Total de páginas visitadas do site

2010 3.027.741 30.941.913

2011 3.341.587 32.171.397

2012* 69.231.219 110.745.557

Fonte: Site da Transparência do governo federal

(*) Janeiro a setembro

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Fabio Valgas, chefe do CGU/RS: “sacrifício” em benefício à sociedade

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REPORTAGEM

"Divulgação é afronta à liberdade individual. Defendemos a transparência, mas salário é de foro íntimo, da mesma ma-neira que existe sigilo fiscal. Um dos motivos é a segurança da pessoa", acrescenta o presidente do Proifes-Federação. "Quem garante que não vai ter sequestros em massa de pro-fessores?", ilustra Rolim, que nega exagero do exemplo.

O dirigente do segmento docente contrasta a disposição da União em liberar os dados com a reserva em disponibili-zar informações nas mesas de negociação com as categorias de servidores. "Nosso salário tem de ir para a rede, mas não se sabe o orçamento para educação, ciência e tecnolo-gia. O governo recusa fornecer planilha de quanto paga ao pessoal, de qual é a despesa com ganhos judiciais. Falta simetria na transparência", cobra o dirigente. Rolim retoma a discussão do cargo público versus informação pessoal do funcionário concursado. "Servidor não está no serviço de favor, mas porque passou no concurso público", lembra o presidente do Proifes-Federação.

Rolim busca a Constituição Federal em um de seus as-pectos mais caros aos brasileiros, o de que todos são iguais perante a lei. "Se isso é válido, a divulgação deveria ser esta-belecida a qualquer outro trabalhador - público ou privado. Temos direito de saber quanto cada um ganha." Fabio Valgas da Silva compartilha da opinião de Rolim. "Até a esfera priva-da que desempenha papéis públicos ou mesmo atos privados deveriam ter informações conhecidas. O que elas fazem e dizem têm impacto para toda a sociedade."

Consenso está longe, e isonomia também A professora da Ufrgs e diretora da Fabico,

Regina Helena van der Laan, lança o questiona-mento: "Por que o nosso vencimento tem de estar lá (portal), e o de outros poderes ou esferas não está?" Para Regina, é preciso fazer uma revisão da atual divulgação na União ou então adotar uma conduta única. "Se é para abrir, que seja para to-dos. Ou coloca só as faixas", sugere a docente. Ela critica a simplificação do debate, que acaba fican-do apenas "no quanto ganha um ou outro". "Os dinheiros grandes saem por outros lados", atenta a professora.

A observação de Regina atinge em cheio po-deres como o Judiciário gaúcho, Estado e Legis-lativo estadual. Nenhum deles colocou na rede os nomes e os valores dos salários. Limitaram-se a disponibilizar cargos, níveis e matrículas. O juiz de Primeiro Grau e diretor do Departamento de Assuntos Constitucionais da Associação dos Juí-zes do RS (Ajuris), Gilberto Schäfer, segue a tese de que transparência é importante, mas "divul-

gar os salários nominalmente não está na Lei de Acesso". "É uma forma demasiada de exposição pública e que não protege a intimidade e privacidade do servidor", defende o juiz e dirigente da entidade de magistrados. Para Schäfer, a liberação de detalhes pode expor um servidor a pessoas que possam ter a intenção de atentar contra a vida dele. "Houve uma interpretação e a resolução disciplinou neste sentido. Mas tem de interpretar protegendo os bens envol-vidos", ressalta o magistrado, que considera possível prestar informação adequada que não coloque em risco a privaci-dade do cidadão.

O diretor da Ajuris discorda que os critérios usados pela Justiça Gaúcha e demais poderes do Estado possam ter des-respeitado a legislação de 2011. Segundo o juiz, a conduta se baseou em uma lei estadual. A opção, explica o dirigen-te, reflete a interpretação. "O cargo é público, mas a pessoa

Informação para o Cidadão

Legislação que embasa a divulgação ou não dos dados:• Constituição Federal de 1988:Artigo 3o: estabelece o direito fundamental de acesso à informação para todos.Artigos 4o e 6o: garante a preservação da intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.

Professora Regina, da Fabico, não concorda com divulgação de valores

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não. Quero saber quanto ganha o posto, já o servidor é ca-ráter pessoal", reforça o magistrado. "Claro, que presidente da República é o único cargo. Deve haver maior divulgação eletivo, mas o de carreira não", acrescenta o diretor da As-sociação.

Schäfer observa ainda que a divergência entre maior ou menor regulamentação se desfaz com uma simples cons-tatação. Para o diretor da Ajuris, a lei principal, em vigor desde maio, foi genérica de forma proposital. Os legislado-res não queriam ir tão longe, adverte o magistrado. "Isso poderia comprometer a sua vigência, pois se chocaria com os artigos da Constituição Federal sobre privacidade", vin-cula o juiz. "Mas há conflito sobre até onde deve ir e isso ainda vai render muito debate", acredita o representante do Judiciário. O segmento deve ser um dos alvos desta discussão. O caminho seguido pelo Tribunal de Justiça es-tadual contrariou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que mandou abrir tudo.

No Estado, servidores da Prefeitura de Porto Alegre ten-taram evitar a abertura dos dados. O Sindicato dos Munici-pários (Simpa) ingressou com ação na Capital, e manteve a acolhida contra a colocação dos dados no site da transpa-rência do Município. Na época, o desembargador do TJ-RS, Irineu Mariani, ressaltou que a Lei de Acesso à Informação não referia, nem ao menos implicitamente, que o princípio da publicidade abrange os nomes, e ressalvou que a publi-cação deve respeitar o direito à intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Durou pouco a reserva. O ministro e ex-presidente do STF, Ayres Britto, cassou a liminar local e afirmou: “A remuneração dos agentes pú-blicos constitui informação de interesse coletivo ou geral, nos exatos termos da primeira parte do inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal”, que estabelece: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsa-bilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”

A diretora do Simpa, Maria José da Silva, reforça que a medida judicial não foi contrária à legislação sobre acesso ao público. Maria José questiona os critérios e a abrangên-cia, que não preserva os trabalhadores. "Muitos atuam em áreas de grande vulnerabilidade social, que pode expor a riscos com a informação sobre a vida da pessoa", explica a dirigente do Simpa. Na briga para impedir a divulgação, Maria José viu como vitória a supressão do CPF da lista. O chefe-regional da AGU admite que a regulamentação nas esferas regionais e até municipais é necessária para evitar questionamentos e uma prática que muda conforme o gosto do gestor.

Uma transparência e diversas interpretações

A conduta de cada poder na hora de divulgar infor-mações sobre servidores:• Executivo federal: decreto 7.724, de maio de 2012, da presidente Dilma Rousseff, determina a divulgação de listagem nominal e demais dados.• Congresso Nacional: apresenta os dados de servido-res, mas pede identificação de quem for fazer a consulta com nome, CPF e endereço. A exigência é alegada para prevenir uso indevido da informação. • STF: divulga com nomes, valor bruto e líquido. Acesso pela página da Lei de Acesso. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou o mesmo procedimento a todas as demais instâncias e áreas de atuação.

Rio Grande do Sul• Executivo: divulga salários e vantagens sem os nomes. • Legislativo: só divulga códigos de cada servidor, sem nomes. Recorreu à lei estadual 3.507/2010 que veda a divulgação nominal. • Judiciário: só divulga cargos e remuneração, sem nomes. Recorreu à lei estadual 3.507/2010 que veda a divulgação nominal. • Prefeitura de Porto Alegre: Sindicato dos Municipários (Simpa) conseguiu suspender a divulgação, mas durou pou-co tempo. O STF manteve efeitos do decreto federal.

Gilberto Schäfer, da Ajuris, discorda que os critérios usadospela Justiça gaúcha tenham desrepeitado a lei de 2011

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EDUCAÇÃO

O fator remuneração pode ser decisivo para fazer o ensino decolar

por Patrícia Comunello

Já virou rotina. Das avaliações da educação básica ao desem-penho do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Rio Grande do Sul perde posições no País. Mas mesmo quem está melhor não significa que chegou lá. A questão que permanece é: para fazer a educação brasileira decolar, quanto a valorização do professor e o fator remuneração dentro do conjunto desta obra podem ser decisivos? Da academia que forma os profissionais para ensinar as gerações do futuro, passando pelos jovens universitários prestes a encarar a sala de aula, aos veteranos das carreiras do magistério e dirigentes que fazem a gestão do setor, não há dúvida de que pagar melhor passa a ser o fiel da balança.

Problema é que falta convencer quem dá as cartas neste jogo da vida real. O experiente professor do Instituto de Física (IF) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Paulo Mors avisa: "Não adianta criar programas novos com a promessa de revolucionar a educação básica se isso não vier junto com remu-neração mais atrativa", associa o docente, que está em contato direto com professores de escolas que fazem o mestrado profissio-nal no Instituto. "Eles vêm de todo o Estado fazer a qualificação. É incrível como tem gente com todo este profissionalismo mesmo com a pouca importância que a sociedade dá", reconhece Mors, que considera o nível de remuneração das carreiras estaduais e municipais, que hoje são as que pagam menos, um efeito da baixa valorização social.

"Vejam a área médica. O curso dura seis anos, dificilmente al-guém desiste e há reconhecimento de seu papel. Já a licenciatura em Física forma 10% dos que entram a cada turma. Eles são os resistentes", encara o professor, que já coordenou as graduações na sua área de ensino na Ufrgs e percorre os corredores do IF apontando os "sobreviventes" e chamando todos pelo nome. Mors também é recompensado, ao ouvir das alunas Marina Sanfelice Valenzuela e Josiane de Souza que o mestre as inspirou para se-guir o destino de docentes do Ensino Médio. Marina conclui o curso na metade de 2013 e já escolheu onde dará aula. Será em uma escola privada, mas admite que terá de ter alternativas de fonte de renda, como aulas particulares.

"A situação nas escolas públicas é sofrida. Vou para escola particular, porque oferece melhores condições", projeta a jovem, que confessa não ter nada mais recompensador que presenciar a evolução dos alunos. "Criamos um clube de astronomia na escola onde faço estágio. Uma das alunas postou no Facebook que as ses-sões no clube fazem as tardes dela mais felizes. Não posso desis-tir", emociona-se. A colega Josiane começou a fazer bacharelado e descobriu que o seu negócio era ensinar. A universitária recebe

o diploma em janeiro, ao lado de outros três, os sobreviventes citados por Mors. Prestes a assumir turmas profissionalmente, ela acumula algumas pérolas para seu currículo-semente de estreante. "Uma delas é a clássica frase: 'Além de dar aula, você trabalha em quê?'", registra, para emendar com a mais original, pois partiu de um aluno durante seu estágio na rede estadual. "Ele me encarou e lascou: 'Professora, quer mesmo dar aula? Não vai passar fome, hein!" Com o salário mínimo pago nos contratos emergenciais, Jo-siane já se prepara para cumprir mais de uma jornada e amenizar a remuneração, que é “indecente”. "Pior que demoram quatro meses para começar a pagar. O aluguel não espera, né?"

O rebaixamento do papel de professor, expresso na condição de trabalho, é o que mais gera inconformidade. O professor uni-versitário defende que um caminho para reencontrar a valoriza-ção seria aplicar aos segmentos estadual e municipal o modelo do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), que passou por mu-danças desde 2008, com a equiparação ao padrão de vencimen-tos da carreira de docentes do Ensino Superior federal. O novo padrão premia quem tem titulação (mestrado e doutorado), mas agregará até 2015 a Reconhecimento de Saberes e Competências, que permitirá avanços e melhor vencimento para quem se dedica mais à sala de aula. "Foi uma das maiores vitórias recentes do movimento, e virou referência", acredita Mors, que previne para o gradativo e agudo esvaziamento das graduações. O Vestibular 2013 da Instituição estampou novamente as baixas concorrências pelas vagas. Nas transferências e ingresso de não diplomado, os cursos lideram na oferta de vagas.

Mors defende valorização da remuneração no ensino médio, a exemplo do novo modelo de certificação do EBTT

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O efeito da nova composição dos vencimentos do EBTT pode ser conferido com a maioria dos professores do Colégio Aplicação. O concurso de 2010 registrou uma forte disputa por 33 cargos de docente em diversas disciplinas. Para a única vaga de Física, havia 40 candidatos. Professor do segmento, João Luiz Alexan-dre, da Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD) da Ufrgs, reconhece que houve um salto, mesmo que uma das etapas de elevação dos valores tenha ficado para janeiro de 2013. "Hoje está mais compatível, ainda não é excelente, mas a busca da isonomia era fundamental, mais do que só brigar por aumento", opina.

Colega de Alexandre, Fabiana Fattore ingressou na última se-leção e experimenta um choque no ganho mensal. Ela dava aula de matemática na rede pública municipal de Novo Hamburgo, onde recebia R$ 900,00 por 20 horas. A vaga no Aplicação anun-ciava cerca de R$ 4 mil para 40 horas. "É dedicação exclusiva, mas aqui tenho espaço para pesquisa e extensão. Hoje oriento docentes de séries iniciais em programas de EAD da universidade. Preenchemos 60 vagas, e outros 120 ficaram em lista de espera." Fabiana já cursa doutorado para se credenciar a um novo patamar de vencimento, que pode chegar a R$ 15 mil brutos em 2015. "Muitos conhecidos querem entrar aqui, pena que isso ainda es-teja longe da realidade deles."

Piso para uma carência máximaO piso nacional para professores não virou solução, mas mais

um foco no impasse de pagar de forma decente quem tem a tarefa de moldar a mão de obra do futuro. O governo federal estabeleceu em lei o valor que em 2012 é de R$ 1.451,00 para 40 horas sema-nais. Para 2013, a correção deve ser de 21,78%, que soma inflação e correção do Fundeb. Difícil é colocar em prática. A remuneração teve impacto estrondoso em regiões como interior do Nordeste e Norte, onde dar aula era quase que uma ação voluntária, mas em estados ricos, como o Rio Grande do Sul, está longe de ser regra. O Estado está no grupo que não cumpriu até hoje a lei e um dos cinco que foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a imposição do valor.

"O governo assinou a lei do piso e não cumpre. Promete chegar em 2014 com valor de R$ 1.260,00. Vamos entrar 2013 brigando pelo que é de direito", avisa a presidente do Centro dos Professo-res do Rio Grande do Sul (Cpers-Sindicato), Rejane de Oliveira. A dirigente, cuja entidade representa uma base entre 45 mil e 50 mil ativos concursados, aponta que a situação é muito pior para os contratos emergenciais. "Eles ganham salário mínimo, pouco mais de R$ 700,00 brutos para 20 horas semanais e hoje somam 26 mil professores", informa. O governo abriu concurso para 10 mil vagas, só 6 mil foram aprovados, e apenas 1,2 mil foram chamados para assumir, segundo Rejane. "Houve mudança no edital, e achamos que é só desculpa para manter mais emergenciais."

O sindicato do magistério estadual também já mediu o impac-to da combinação adversa: salário insuficiente e condição precária de trabalho. Pesquisa com a área de Educação da Ufrgs revelou, em 2011, que este quadro gerava adoecimento mental em quase 50% dos professores estaduais. "A profissão é encantadora, mas não permite que se sobreviva. Há cada vez menos jovens seguindo os passos da carreira", alerta Rejane. O sindicato gaúcho critica ainda a negociação firmada entre a Confederação Nacional dos Trabalha-dores em Educação (CNTE), a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o Ministério da Educação (MEC) para cortar em mais da metade da correção do piso nacional.

O motivo é a limitação do caixa de prefeituras em pagar o rea-juste total. “A CNTE não tem direito de renegociar o que conquis-tamos como categoria”, contrapõe a presidente do centro dos pro-fessores. Até o fechamento desta edição, a reportagem da Adverso não havia conseguido falar com o presidente da CNTE, Roberto Franklin de Leão. A presidente da Undime-RS, Márcia Adriana de Carvalho, argumenta que os orçamentos dos executivos não serão corrigidos no nível da elevação prevista e bancar o novo piso é um problema. O acordo foi levado à direção da Câmara dos Deputados em busca de apoio, mas precisará ser aceito pelos parlamentares. Márcia cita que a solução para o caixa curto é dinheiro novo para o setor. “O governo federal tem de aplicar 10% do PIB na educação pública, hoje são 5,2% para tudo, incluindo o privado.”

Pesquisadora e professora da Faculdade de Educação da Uni-versidade de São Paulo (USP), Adriana Bauer observa que salário adequado é um dos fatores para qualificar o aprendizado, mas não o único. “Inclui ainda condições de trabalho, oportunidade de educação continuada e estruturação da carreira”, detalha. “A pre-ocupação com a remuneração deve ser prioridade em uma política que busque elevar o nível da qualidade do ensino, pois expressa a possibilidade de valorização de uma carreira cada vez mais des-prestigiada”, detecta a pesquisadora da USP. Adriana previne que atrair e manter bons profissionais é um desafio de muitos países, mesmo entre economias desenvolvidas com carreiras estruturadas. Mas o ambiente para atuação do magistério brasileiro, que agrega baixos salários e condições de trabalho, gera hoje desvalorização. “A pouca procura tende a agravar, se não for foco de políticas que busquem elevar o status da carreira”, sentencia a especialista da universidade paulista.

Alexandre e Fabiana são professores do Colégio Aplicação e estão satisfeitos com a remuneração, apesar da mesma ainda não ser considerada “excelente”

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PING-PONG

O Brasil vive um processo histórico de definição dos marcos de propriedade intelectual e a possibilidade de rever compromissos nesta área e da cultura de um modo geral como um direito humano. Assim como em outras áreas do Direito, atualmente há maior percepção de que na década de 1990 – período de maior incidência neoliberal nas políticas públicas do País – houve demasiada e indevida concessão da dimensão pública e social aos marcos jurídicos de interesse ligados ao comércio internacional e, especialmente, aos grandes temas como investimentos, serviços e propriedade intelectual. A avaliação é da doutora em direito, Caroline Proner, coordenadora do Procad - Democracia e Inclusão Tecnológica, projeto que reúne parceria da UFSC, UniBrasil, PucPR e Unisantos.

Autora dos livros Propriedade intelectual e direitos humanos: Sistema Internacional de Patentes e Direito ao Desenvolvimento (Fabris, 2007), Propriedade Intelectual: para uma outra ordem jurídica possível (Cortez, 2008) e Inclusão Tecnológica e Direito à Cultural (Org. Funjab, 2012), Caroline Proner é uma crítica da ofensiva privatizadora na área da propriedade intelectual e da cultura de um modo geral.

“O marco ideológico patrimonial é o mesmo, tendente a não permitir qualquer objeção de ordem social à lógica prevalecente da privatização sem limites”, afirma. Em entrevista à revista Adverso, ela provoca: “Quem é o dono do conhecimento e da cultura?”

“Muito da disputa pelo direito autoral decorre do monopólio de sociedades arrecadadoras”

Caroline Proner

por Marco Aurélio Weissheimer

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Adverso: Qual sua avaliação sobre o atual estágio do debate sobre pro-priedade intelectual e direito autoral no Brasil? Estamos caminhando para uma legislação mais restritiva ou mais flexível?

Caroline Proner: A pergunta exi-ge uma breve recuperação histórica do processo de revisão da Lei de Di-reito Autoral (LDA – Lei nº 9.610/98). Quando, já em 2007 e, em especial, na gestão do Ministro Juca Ferreira, se discutia a possibilidade de revisão e modernização da LDA, havia grande expectativa quanto ao surgimento de um marco vanguardista em matéria de inclusão cultural, acesso ao conhe-cimento e direito à cultura, valores que são a priori incompatíveis com modelos clássicos de livre iniciativa na comercialização de bens culturais. O debate tomou rapidamente grande proporção, tendo o governo contabili-zado mais de mil contribuições apenas no primeiro mês de consulta pública. O processo foi amplo e participativo, com reuniões periódicas, e também apresentou resultados qualitativamen-te surpreendentes, com propostas cria-tivas e inéditas quando comparadas à legislação de países europeus. Ainda que muitas das propostas não tenham sido incorporadas na versão final do anteprojeto, havia espaço político e institucional para a discussão e a dis-puta de valores e direitos que supõem a grande propriedade do século XXI: a propriedade intelectual.

Adverso: O que isso representou?Caroline: Obviamente que o gover-

no não estava estimulando a sociali-zação da propriedade intelectual, mas havia uma tentativa de correção de rumos e assimetrias na concepção do direito de autor e na ideia de Indús-tria Cultural, bem como na identifica-ção do intermediário, dos direitos do consumidor e da dimensão coletiva da cultura, do conhecimento, dos direitos

de cidadania. Então, a proposta foi a de construção de um novo marco le-gal capaz de compatibilizar a relação entre autores, investidores, usuários e cidadãos, com o fim de estimular as criações e os investimentos, ampliar o mercado dessas obras e diminuir o número de processos judiciais que até hoje evidenciam os problemas decor-rentes dessas assimetrias.

Nesse sentido, a gestão Ana de Hollanda foi desconcertantemente diferente. A partir de então, como é sabido, produziu-se um desânimo generalizado em razão da brusca in-terrupção do debate democrático e, no lugar, passou a prevalecer uma desconfiança a respeito dos atores privilegiados do Ministério. Na gestão da ministra deu-se seguimento ao an-teprojeto de lei de Modernização da Lei de Direito Autoral, embora tendo resultado em uma versão menos fle-xível que a proposta do ministério anterior. Atualmente, o anteprojeto segue na Casa Civil desde outubro de 2011 e, após essa etapa, seguirá para avaliação do Congresso Nacional. Um ponto relevante é que com a nomea-ção da nova ministra Marta Suplicy, surgiu de novo a esperança do debate democrático, uma vez que ela já ma-nifestou o desejo de rediscutir o tema e de estudar as opiniões que desde 2007 (gestão do então ministro Gil-berto Gil) foram defendidas por gru-pos diversos. Há expectativa para que o debate da flexibilidade ganhe força, bem como um adensamento da parti-cipação de atores e movimentos dei-xados de fora nos últimos dois anos.

Adverso: Quais seriam as prin-

cipais ameaças hoje decorrentes da pressão pela adoção de leis mais res-tritivas nesta área. É possível citar alguns exemplos?

Caroline: Além do anteprojeto de lei de Modernização da Lei de Direi-to Autoral, decorrente da gestão de

Ana de Hollanda, que está na casa civil, é preciso lembrar que existem outros dois projetos em andamento e em disputa: um na Câmara dos De-putados, com base no projeto do ex--ministro Juca Ferreira e outro que resulta do relatório da CPI do ECAD, que está no Senado e ainda não virou PEC. Um dos principais pontos desta disputa decorre do monopólio de so-ciedades arrecadadoras, em especial as polêmicas envolvendo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), sociedade civil, de natureza privada, instituída pela Lei Federal nº 5.988/73 e mantida pela atual Lei de Direitos Autorais brasileira – 9.610/98.

Adverso: As denúncias contra o Ecad, por um lado, expõem as irre-gularidades diante da falta de fis-calização (CPI do Ecad realizada em 2011)...

Caroline: Exatamente. E, por ou-tro lado, mostram a crise deste órgão obsoleto diante das possibilidades de comunicação advindas da Internet. Além disso, a polêmica do Ecad sim-boliza outras disputas e problemas mais específicos, como a ausência de política adequada para o exercício de fiscalização e controle dos direitos autorais e, em decorrência, a natura-lização de abusos, irregularidades e crimes cometidos por entidades não legitimadas. Também simboliza a au-sência de políticas que estabeleçam limites ao privado ao mesmo tempo em que defenda a função social da propriedade intelectual, e a prática de uma cultura elitista de direitos autorais em contraposição a alter-nativas democráticas, socializantes e de compartilhamento da cultura e do saber, das quais são exemplos as Licenças Gerais Públicas, os Creati-ve Commons, entre outras formas de transferência dos bens derivados do direito autoral.

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Adverso: As possibilidades de compartilhamento são cada vez maiores e a pressão das grandes empresas por fechar conteúdos também. Quem ganha essa queda de braço?

Caroline: A notícia mais recente é o adiamento da votação pela Câmara, pela 6ª vez, do Marco Civil da Internet (PL 2126/2011). Trata-se do projeto de lei que visa estabelecer direitos e deveres na utilização da rede mundial de computadores. Pode-se imaginar as tensões que decorrem deste processo, que visa definir as condições de uso da Internet em relação aos direitos e deve-res de usuários, prestadores de serviços e provedores de conexão, bem como a adequação do papel do poder público nesse contexto, um verdadeiro campo minado! E o processo de construção do Marco Civil da Internet no Brasil é modelo de vanguarda quanto à forma. Este documento foi construído com am-pla participação democrática, de forma aberta, transparente e acessível, utili-zando os debates e as propostas apre-sentadas na consulta pública e outros espaços promovidos nos últimos três anos, o que justifica a perplexidade dos atores que participaram do processo democrático diante das alterações de último minuto.

Adverso: Qual o principal temor deste grupo?

Caroline: Um dos pontos polêmi-cos está no tema da liberdade de ex-pressão. Há temores, principalmente a partir das modificações de última hora feitas ao artigo 15º, quanto à possibi-lidade de censura prévia e da abertura para punir conteúdos. Na redação an-terior estabelecia-se que seria proibido que qualquer provedor de Internet reti-rasse do ar conteúdos de seus clientes sem mandato judicial. Já o novo texto abre, como exceção, a possibilidade de retirada de conteúdos por meio de de-

núncia de direito autoral, transferindo a responsabilidade sobre o julgamento a respeito do conteúdo para o provedor da Internet. Os próprios provedores são contrários a essa mudança trazida pela nova redação do artigo 15º (conf. po-sição da Associação dos Provedores de Internet).

Adverso: Qual a principal desvan-tagem desta alteração?

Caroline: O temor reside na cone-xão com a polêmica Lei Azeredo, pro-posta que está atualmente na Câmara dos Deputados e que visa estabelecer punições para determinados crimes na web. No plano internacional há iniciativas em sintonia, como o pro-jeto de lei em discussão nos Estados Unidos conhecido como SOPA (Stop Online Piracy Act, ou Lei de Combate à Pirataria Online), iniciativa apoiada pela Motion Pictures Association of America (MPAA) e pela Recording In-dustry Association of America (RIAA), que alegam prejuízos na indústrias cinematográfica e fonográfica. Outro tema de desgosto está na questão da neutralidade da rede. De acordo com este princípio, todas as informações que trafegam na internet devem ser tratadas da mesma forma, navegando a mesma velocidade. É isso que garan-te o livre acesso a qualquer tipo de informação na rede. O modelo a que se chegou no Marco Civil da Internet foi o de que, via de regra, prevalece a neutralidade dos conteúdos e que, por exceção, haveria interferência do poder público em consulta ao Comitê Gestor, órgão composto por múltiplos representantes, inclusive da sociedade civil. Na queda de braço com as opera-doras de telecomunicações houve mo-dificação de última hora no artigo 9º, fazendo prever a Anatel como respon-sável pela regulação da neutralidade.

Na visão do representante da Asso-ciação SoftwareLivre.org (Marcelo Bran-

co) a Anatel é o setor que mais tem in-teresses em quebrar a neutralidade “no mundo inteiro”. Além disso, segundo ele, há também uma quebra grave de expectativa com relação ao princípio de participação e de construção do texto, submetido à consulta pública durante um ano e que agora é desrespeitado por modificações por lobby de interesses. E eu tendo a concordar com o Marcelo Branco, não apenas no conteúdo, como também na forma, pois as consultas públicas são uma ferramenta das mais fundamentais quanto à participação da sociedade no processo de constru-ção legislativa e de políticas públicas. O desrespeito ao processo de consulta pública – nesse caso em temas estrutu-rais como a questão da liberdade de ex-pressão e o princípio da neutralidade – acarreta necessariamente um problema de legitimidade ao texto imposto fora das regras do jogo democrático.

Adverso: Em que medida, as evo-

luções tecnológicas e de comporta-mento na internet, especialmente a partir da explosão das redes sociais, podem influenciar a definição de no-vas leis?

Caroline: São tantas as possibili-dades de exemplificar o fenômeno da Internet na participação social e po-lítica, mas acho que o melhor e mais atual pode ser o papel das redes nas recentes eleições municipais, conside-radas históricas justamente por isso. As redes sociais foram usadas como estratégia de campanha pela maioria dos candidatos, inclusive para corrigir vantagens de tempo de televisão e rá-dio. Ao mesmo tempo, a possibilida-de livre de manifestação de opinião a respeito dos candidatos, propostas, partidos, faz da rede um espaço ini-gualável de participação livre quando comparado com às mídias tradicionais nas quais, entre tantos problemas, o espectador é passivo e inativo. Essas

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são razões suficientes para reafirmar as preocupações manifestadas ante-riormente, quanto à censura prévia e ao cuidado com o princípio de neutra-lidade na rede (até, nesse caso, por preocupações quanto à censura polí-tica). Além disso, a Internet também favorece processos de participação fo-mentados pelo Governo, entre os quais está a ferramenta de consulta pública online, fazendo parte das chamadas Tecnologias da Informação (TICs) na administração pública. Como visto com a LDA e o Marco Civil da Inter-net, trata-se de uma tendência de am-pliação da participação democrática que acompanha os melhores e mais avançados princípios da administração pública, favorecendo a transparência e o controle social. No entanto, esses “convites à participação” devem vir acompanhados do respeito ao processo participativo de elaboração de propos-tas, argumentos e considerações sem o qual o instrumento passa a se trans-formar no exato oposto, na demagogia cruel da ilusão participativa.

Adverso: Em que medida o deba-

te sobre Direitos Humanos entra na questão da propriedade intelectual?

Caroline: A propriedade intelectu-al e a propriedade tradicional de bens experimentaram a mesma trajetória jurídica. No entanto, a primeira, por ser invisível, levou mais tempo para se projetar como elemento essencial na di-visão de direitos e valores da sociedade moderna. Passou por fases de pouco ou nenhum reconhecimento até se des-tacar como fator essencial para o de-senvolvimento da economia capitalista internacional. É necessário entender que a categoria propriedade intelectual envolve múltiplas temáticas associadas e, por consequência, inúmeros efeitos nas necessidades humanas: pode ver-sar sobre direitos autorais, desenhos e processos industriais, marcas, patentes

de invenção, denominações de origem, contratos de transferência de tecnolo-gia, saberes tradicionais, costumes po-pulares, artes reproduzidas em pintura e escultura, música, enfim, estamos fa-lando da grande propriedade do século XXI cujas consequências são complexas e necessariamente afetam os direitos humanos, o direito ao desenvolvimen-to, o acesso a bens resguardados por sistemas de exclusividade e monopólios industriais.

No momento da tese doutoral mi-nha preocupação maior era identificar as normativas internacionais – e os es-pelhos de legislação interna – que oca-sionaram um sentido único de proteção jurídica de PI e suas implicações ao de-senvolvimento ou não desenvolvimento de economias de Estados e regiões, se-guindo a hipótese de que a dependência tecnológica gera dependência econômi-ca e esta, por sua vez, gera pobreza e miséria capazes de violar a plenitude dos direitos humanos. No campo do direito autoral a reflexão possui peculiaridades, é necessariamente diferente da que é

feita no campo do direito da patentes e invenções industriais, mas o marco ideológico patrimonial é o mesmo, ten-dente a não permitir qualquer objeção de ordem social à lógica prevalecente da privatização sem limites.

Adverso: Esse debate está sendo

feito hoje dentro da Academia, no Brasil?

Caroline: Na academia, vivemos processos de disputa permanente pelo modelo de sociedade que se deseja cons-truir, entre os quais está também a re-leitura do recente processo histórico de definição dos marcos de propriedade in-telectual e a possibilidade de rever nos-sos compromissos na área de Proteção Intelectual e da cultura como um direito humano. Assim como em outras áreas do Direito, atualmente há maior percepção de que na década de 1990 (período de maior incidência neoliberal nas políticas públicas do País) houve demasiada e in-devida concessão da dimensão pública e social aos marcos jurídicos de interesse ligados ao comércio internacional e, es-pecialmente, aos grandes temas, como investimentos, serviços e propriedade intelectual. A sociedade brasileira ama-durece ao perceber que o passado auto-ritário não foi apenas o período militar, mas também o dos mercados em sintonia com governos subservientes. Os centros de direito são, normalmente, mais con-servadores nas críticas aos marcos legais hegemônicos na área de Propriedade In-telectual, mas há iniciativas importantes que estão trabalhando o tema da demo-cratização cultural como linha prioritá-ria de investigação e de realização de direitos fundamentais. Nesse sentido, as recentes iniciativas governamentais de políticas públicas são animadoras, como as formuladas pelo Sistema Nacional de Cultura e também propostas, como a PEC 150 que propõe o Vale Cultura, que visa fornecer renda aos trabalhadores para o consumo cultural.

“O passado autoritário não foi apenas o período militar, mas também o

dos mercados em sintonia com governos

subservientes”

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ARTIGO

Concepções em disputa na educação profissional e o papel do estado brasileiro:

período de 1996 a 2011 por Lúcio Olímpio Vieira,

professor do IFRS-Campus Porto Alegre, 2º vice-presidente da Adufrgs-Sindical, doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação da Unisinos

As políticas públicas para a educação profissional técnica de nível médio, adotadas nas duas últimas décadas, expõem os conflitos e contradições entre seus proponentes, a socie-dade e os interesses do mercado. Em qualquer das diferentes proposições estão presentes as disputas entre os programas internacionais para esta modalidade de ensino e as ações de adaptação e resistência interna.

Concepções em disputaAs formas escolhidas pelo País para a organização da edu-

cação profissional técnica de nível médio variaram ao lon-go do tempo e de acordo com as orientações ideológica de cada governo. Nos últimos 15 anos, em especial pós-LDB, foram adotadas políticas para esta modalidade de ensino que oscilaram entre a centralização e a descentralização da sua oferta pela União, caracterizando ações híbridas, de adesão e resistência aos programas internacionais.

Podemos distinguir dois períodos e um possível tercei-ro em construção neste ínterim: o primeiro, que se estende de 1997 a 2003, caracteriza-se pela redução do estado como ofertante principal da educação profissional, redistribuindo essa tarefa entre as unidades federadas, o sistema S e o setor comunitário; o segundo período começa em 2004 e termina em 2011 com a retomada da centralização na definição das políticas e na ação direta da oferta dessa modalidade de ensi-

no, procurando dar à rede federal protagonismo no processo. Por fim, um novo período parece se iniciar em 2011 tendendo novamente à descentralização direcionada para a prática de financiamento público que tanto serve à esfera estatal, in-clusive a própria rede, quanto às redes estaduais, ao sistema S e às escolas privadas.

Procurando identificar as bases que sustentaram as mu-danças nas políticas, em cada momento histórico, vamos encontrar no primeiro período como marcos regulatórios, o decreto 2208/97, que separa o ensino médio da formação profissional e a Lei 9.640/98, que redefine o papel da rede federal na oferta dessa modalidade de ensino. A partir dessa data a expansão da rede só poderia ocorrer em parceira com as unidades federadas, municípios, setor produtivo ou com organizações não governamentais (escolas comunitárias).

Os cursos passaram a ser organizados em áreas profissio-nais e seus currículos estruturados a partir das competências próprias de cada uma destas áreas. Assim procura estabelecer um novo padrão de formação profissional que se descolava do ensino médio regular e se direcionavam para uma forma-ção flexível, adaptável às variações do mercado.

O governo de então seguia as orientações emanadas dos organismos internacionais para o setor tanto sob o aspecto do papel que o estado assumia, como regulador da oferta pú-blica, quanto ao tipo de formação requerida para os mercados

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emergentes e consumidores de tecnologia. Os recursos para a implementação dessa política tiveram origem em parte no Banco Mundial e constituíram juntamente com os recursos do MEC e do FAT/MTE, o montante que deu forma ao Progra-ma de Expansão da Educação Profissional (Proep).

O estado brasileiro assumia o papel de gerenciador das políticas voltadas à formação profissional tanto técnica, de nível médio, quanto às de nível superior, sob a forma de tec-nólogos bem como àquelas que dispensavam escolarização, os chamados cursos de qualificação.

Há um claro empenho em estabelecer uma grande rede de escolas públicas estaduais e comunitárias que após o aporte inicial de recursos, são orientadas a prestarem serviços e se remunerarem por eles. Constitui-se em um momento marcan-tes na política brasileira de ingresso nos padrões internacio-nais de transformação do serviço público em um modelo do tipo “quase-mercado”I. A exemplo do que já acontecia nos Estados Unidos e na Europa este movimento, há algumas dé-cadas, se orientava do welfare stateII em direção ao workfare regimeIII.

Mesmo num espectro político partidário de viés conser-vador, importantes setores vinculados ao governo e à educa-ção em especial disputavam a concepção de que era possível construir uma alternativa que não necessariamente passava pela desestatização total desse tipo de serviço. O primeiro esforço foi o de incentivar as unidades federadas a criarem as suas redes por meio do financiamento tanto físico - como a construção de escolas, quanto de equipamentos e formação de professores. O segundo foi pelo forte investimento nas escolas comunitárias como forma de reduzir a presença do estado e ampliar o caráter público das escolas.

É também neste período, em especial a partir de 1999 se estendendo até 2002, que são transformadas em Cefets as escolas técnicas federais, reforçando a presença do estado na oferta da educação profissional, em especial direcionado aos cursos tecnológicos e bacharelados. Foram mais de 20 instituições com este novo status, expondo as contradições presentes no interior do governo.

O período que se segue, com a eleição de um governo de espectro mais progressista apoiado pelos setores da esquer-da nacional, descortina novas expectativas, principalmente alimentadas pelos grupos que se opunham tanto à descen-tralização da oferta dos cursos técnicos quanto aos aspectos ligados ao currículo.

Este período guarda dois momentos distintos: um que expõe o confronte entre os reformadores e os contrarrefor-madoresIV. Ou seja, os que defendiam a organização da edu-cação profissional separada do ensino médio, a estrutura curricular por competência e a União assumindo o papel de reguladora e normatizadora, e os que defendiam a retomada pela rede federal da oferta desta modalidade de ensino, a in-tegração entre o ensino médio e técnico e a qualificação pro-fissional como orientadora dos currículos. Este segundo gru-po identificava nas competências a submissão aos interesses do mercado. O primeiro resultado deste embate levou, em 2004, a revogação do decreto 2208/97 e a sua substituição pelo decreto 5154. A partir desse novo decreto é retomada a possibilidade da oferta da educação profissional integrada com o ensino médio sem, no entanto, alterar os dispositivos que sustentavam as competências profissionais como orde-nadoras dos currículos.

No ano seguinte, a Lei 11.195 altera o dispositivo legal de 1998 que impedia a rede federal de se expandir sem o estabeleci-mento de parcerias com outras esferas administrativas, trocando a palavra exclusivamente por preferencialmente. Assim, a partir de 2005 inicia um novo programa de expansão da Rede Federal com o anúncio de criação de 60 novas unidades, sob a forma de novos Cefets ou suas Unidades de Ensino Descentralizadas (Une-ds). Neste mesmo ano o Cefet/PRV se transforma em Universidade Tecnológica afastando-se do projeto governamental que propu-nha o aumento de vagas nos cursos técnicos de nível médio.

I A expressão quase-mercado refere-se a introdução da lógica e valores de mercado no interior do sistema público estatal.II Walfare state refere-se ao Estado do Bem Estar Social ou Estado-provi-dência, que orientava as políticas públicas na Europa nas décadas pós--segunda guerra. Abandonado na década de 80 com o avanço do neoli-beralismo.III Workfare regime: ideário do regime neoliberal com forte influência norte--americana. Baseia-se no atendimento das necessidades sociais pelo estado tendo o cidadão que dar em troca trabalho direto ou o cumprimento de metas estabelecidas pelo governo para fazer jus aos benefícios.

Ano Rede Federal Total

2001 56.579 462.258

2002 72.249 565.042

2003 79.484 589.383

2004 82.293 676.093

2005 83.762 707.263

2006 79.878 744.690

2007 82.573 693.610

2008 77.074 795.459

2009 86.634 861.114

2010 89.218 924.670

2011 97.610 993.187

IV A expressão reformadores é utilizada para identificar aqueles que pro-puseram as reformas a partir de 1997 e a expressão contrarreformadores refere-se àqueles que se opunham as mudanças sem ainda constituírem–se como grupo com proposta alternativa, que só vem a ocorrer a partir de 2004.V Em 1978 foram criados três Centros Federais e Educação e Tecnologia (CE-FET): Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Estas instituições reivindicaram a transformação em Universidades Tecnológicas. Apenas o Paraná obteve esta autorização. Os Cefets criados desde então e as escolas técnicas federais foram instados a aderirem ao projeto dos Institutos Federais. Os Cefets de Minas e do Rio resistem até hoje assim como algumas escolas vinculadas.

Matrículas na educação profissional no Brasil, to-tal e na rede federal, de 2001 a 2011

Fonte: Inep/MEC

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ARTIGO

A falta de clareza ou de consenso entre os diferentes gru-pos que disputavam a hegemonia, quanto ao caminho a ser trilhado, levou a uma grande dispersão de esforços. Enquan-to de 2001 a 2004 tivemos um crescimento nas matrículas da educação profissional em mais de 200 mil (ver quadro 1) sendo que em torno de 26 mil são da rede federal no perío-do entre 2004 a 2007 praticamente manteve-se estagnado o número de matrículas, expondo as dificuldades do sistema.

Os primeiros dados obtidos no primeiro momento do se-gundo período colocaram em cheque as políticas que vinham norteando as ações do MEC para a educação profissional. A ausência de resultados significativos, a resistência das redes estaduais em adotar as políticas produzidas no âmbito do MEC e a baixa adesão da rede federal a essas políticas acaba-ram por redirecionar os programas.

A queda da eficiência das escolas federais contribuiu para a construção de uma nova hegemonia. Indicador importante dessa mudança é a aceitação pelo governo dos pleitos apre-sentados pelos gestores da educação profissional das unidades federadasVI alterando as bases do Programa Brasil Profissio-nalizado que vinha sendo construído. O segundo momento inaugura-se em 2007 com a promoção de novas ações: o Pro-grama Brasil Profissionalizado, exclusivamente para promover o financiamento da expansão da educação profissional nos estados, a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF) e o Termo de acordo com o sistema SVII, que exigia o oferecimento de cursos técnicos gratuitos.

Essas ações constituem a base das modificações operadas nas políticas para a educação profissional e reforçam a inter-venção do governo federal no setor. Não só pela centralização na definição dos parâmetros para a aplicação dos recursos fi-nanceiros, mas também pela exigência à adoção das políticas emanadas pelo MEC, em especial no que se refere à oferta da educação profissional integrada ao ensino médio e o ProejaVIII.

Paradoxalmente, frente a sua intenção de firmar a sua in-dependência, o governo estabelece a exigência da adesão dos estados e municípios, interessados em ter suas redes finan-ciadas pelo poder central, ao Plano de Metas Compromisso Todos pela EducaçãoIX.

O Programa Compromisso Todos pela Educação, criado por iniciativa da FIESPX, em 2006, é, em parteXI, a expressão

local das definições das conferências internacionais patro-cinadas pela Unesco, em Jomtien, Tailândia, em 1990 cuja continuidade se deu em Dakar, no Senegal, em 2000, deno-minada Education for AllXII.

Aqui parece que observamos um reforço do comportamen-to híbrido. Por um lado ações definidas a partir de determi-nantes externos, oriundos das agências internacionais, tanto de fomento quanto patrocinadora de políticas que orientam o estado como regulador dos serviços, exigindo o cumprimento de metas de qualidade e por outro, ações apontando para medidas de recuperação da rede federal no papel de agente ativo na oferta destes serviços e definidora das estruturas de funcionamento e organização da sua rede.

A expansão observada entre 2007 e 2011 ilustra a nova tentativa do governo federal, em sua política centralizadora, de fazer com que a sua rede passe a ter importante participa-ção na oferta da educação profissional técnica de nível mé-dio. O primeiro ato foi a de converter os Cefets em IFs, bus-cando trazer estas instituições para o seu controle político.

Há um aumento no número de matrículas, em especial nas modalidades subsequente e concomitante, embora as duas não privilegiadas pelo governo que optava pela forma integrada. Foram 300 mil novos alunos no total, sendo desses cerca de 15 mil nas escolas federais.

Os Institutos Federais ganharam visibilidade com o anuncio, em 2007, de 354 novas unidades de escolas federais que acabam por exercer um forte apelo à educação técnica, muito por conta da interiorização desses estabelecimentos. Por seu turno, o sis-tema S passou a oferecer milhares de vagas gratuitas.

No entanto, paulatinamente a rede federal foi se afastando da oferta privilegiada da educação profissional. Os novos Institutos Federais assumem cada vez mais a função de ofertar cursos tec-nológicos de nível superior, licenciaturas na área das ciências da natureza e bacharelados, em especial nas engenharias, a exemplo do que orientava as políticas de criação dos Cefets, em 1999.

Os institutos passam a questionar o seu papel, ganhando força a posição pró-ensino superior e sua identidade com as universidades, algo que o projeto inicial rejeitava. As pró-prias políticas de exigência de titulação em nível de pós--graduação strictu senso ajudam a conformar este novo perfil dos professores.

VI Em janeiro de 2007, os gestores da educação profissional dos es-tados reuniram-se com o Ministro da Educação, Fernando Haddad, reivindicando o respeito às políticas locais de oferta dessa modalida-de de ensino sem prejuízo ao financiamento do Brasil Profissionali-zado. O Ministro, contrariando a posição da Secretaria da Educação Profissional e Tecnológica (Setec) do MEC, aceitou as ponderações apresentadas. VII Este acordo foi firmado em 2008. O sistema S é constituído principalmen-te pelo Senai, Senac, Senar, Sesi, Sesc. VIII Programa de Educação de Jovens e Adultos integrado à formação profis-sional, instituído pelo governo federal em 2006.IX Decreto 6.094 de 24 de abril de 2007.X Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

XI A Unesco propunha uma grande mobilização mundial em direção à garan-tia do acesso e permanência na escola para todos enquanto o Compromisso Todos pela Educação focava na melhoria dos indicadores educacionais.

XII Estas conferências tinham com principal objetivo o acesso à educação a todos. A meta era atingir os compromissos assumidos pelos países até 2015. Este encontro assumiu para si alguns das metas traçadas no encontro das nações denominado Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) desta-cando, a partir de encontro de Dakar, as 6 metas para a educação: expandir cuidados na primeira infância e educação; fornecer obrigatório e gratuito o ensino primário para todos; promover a aprendizagem e habilidades para a vida para os jovens e adultos; aumentar a alfabetização de adultos em 50 por cento; alcançar a paridade de gênero até 2005 e a igualdade de gênero, em 2015; melhorar a qualidade da educação.

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Esta mudança que observamos nos Institutos ganha ex-pressão num possível novo período que se apresenta a partir de 2011 acompanhado pela aprovação do PronatecXIII. Este novo programa redireciona boa parte dos recursos públicos para o sistema S e outras instituições de caráter não gover-namental incumbido-as da oferta, principalmente, dos cursos de qualificação profissional. Também retribui financeiramen-te as escolas públicas, inclusive as federais, na oferta de cur-sos técnicos de nível médio, criando uma espécie de relações de mercado dentro do próprio sistema. Assim são trazidas para o âmbito da educação profissional as experiências de fi-nanciamento público às instituições privadas já presentes no ensino superior. Espécie de voucher que permitirá a escolha dos cursos a serem seguidos por parte dos alunos, independen-te da rede ofertante. É interessante notar que a ideia do Pro-natec, como espécie de Prouni do ensino técnico fazia parte do programa do candidato de oposição José Serra, em 2010XIV.

Considerações FinaisO grande crescimento no número de matrículas na Rede Federal

se dá no período de 2001 a 2005 com mais de 27 mil novas matrí-culas. No período subsequente, de 2006 a 2008, temos a estagnação do setor, que só volta a crescer a partir de 2009.

Identificados estes dois períodos e a possibilidade da inaugu-ração de um terceiro, que possa estar retomando de forma mais criativa as ações impetradas no final da década de 1990 para a educação profissional e seu papel na configuração de um estado capitalista moderno.

O período de resistência operado de 2004 a 2007 parece ter sido insuficiente, tanto na capacidade de perceber aspectos positivos que se apresentavam nas políticas anteriores e, a partir delas avan-çar no reforço do público acima do estatal, quanto na formulação de uma nova política que superasse os limites da formação técnica, submissa aos interesses do mercado.

A alternativa que se apresentava orientava-se na direção da articulação da formação profissional com o ensino médio regular para a formação para o mundo do trabalho, aqui entendido como parte da construção do homem omnilateral.

De qualquer sorte, há um espaço importante a ser ocupado por múltiplas forças que se comprometem com a educação profissional.

Em Porto Alegre, dois campi do IFRS foram criados. Um a partir da escola técnica da Ufrgs e outro no bairro Restinga. O primeiro apresentou-se como porta-voz da tendência já observada de opção pelo ensino superior. De 2008 em diante foram criados cinco cursos superiores e um técnico de nível médio, cujo projeto já existia. O número de matrículas nos cursos técnicos praticamente se manteve desde 1998. A novidade se localiza na Restinga, que por sua condi-ção de campus novo adere a todas as exigências do MEC, oferecendo cursos técnicos integrados ao ensino médio, ensino técnico subse-quente ao ensino médio, Proeja, cursos vinculados ao Pronatec, em parceria com as escolas estaduais.

Os Institutos Federais, caso se confirme a sua vocação para o ní-vel superior, podem assumir a responsabilidade com a formação de profissional para atuação nas instituições que oferecerão os cursos profissionais técnicos de nível médio na perspectiva da formação emancipatória do jovem trabalhador.

Neste caso, caberia ao governo federal a retomada, com agili-dade e eficiência dos programas de incentivo às unidades federadas para expandir suas redes, assumindo essa tarefa como um direito da cidadania, além de programas específicos para as organizações não governamentais dirigidas coletivamente sob a supervisão das unidades federadas.

XIII Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego criado em 2011). Este programa incorpora outros programas tais como Brasil Profissionalizado, Rede E-tecBrasil, Acordo de gratuidade com o sistema S, Bolsa-Formação, Expansão da Rede Federal e Fies técnico e Empresas.XIV Na eleição presidencial de 2010 o candidato do PSDB, José Serra prometia criar um milhão de novas matrículas na educação profissional, em parcerias da rede federal, estaduais e escolas particulares, e por meio da criação do ProUni do ensino técnico e tecnológico.

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ESPECIAL

Em época de Olimpíadas, a maioria dos brasileiros fica ansio-sa em saber quantas medalhas o País irá conquistar e em quais modalidades. Nas Olimpíadas de Londres 2012 não foi diferente. E apesar de o Brasil encerrar sua participação nos jogos alcançando um número recorde de medalhas, com certeza este não foi seu melhor desempenho. Sempre que uma “decepção” destas ocorre, a grande mídia e os torcedores costumam atrelar o mau resultado à falta de investimentos no esporte. Mas, segundo o vice-diretor da Faculdade de Educação Física da Ufrgs, Alberto Reinaldo Rep-pold Filho, na verdade o problema não está no volume, mas sim na gestão dos recursos financeiros destinados ao setor.

Reppold Filho afirma que depois da aprovação da Lei Agnelo/Piva, em 2001, o argumento de que não existem investimentos no esporte brasileiro não poderá mais ser utilizado para justifi-car performances negativas dos atletas nos Jogos Olímpicos. Esta lei estabelece que 2% da arrecadação bruta de todas as loterias federais sejam repassados ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e ao Comitê Paraolímpico Brasileiro. Dessa forma, começaram a ser destinados recursos financeiros para o setor. O COB distribui os recursos para as confederações esportivas. Além disso, há o orça-mento do Ministério do Esporte que tem aumentado sistematica-mente. Empresas Públicas, como Banco do Brasil, Caixa Econômi-ca Federal, Petrobras, entre outras, também investem nos atletas brasileiros. “Há muito dinheiro no esporte do País atualmente”, garante o vice-reitor. Ele diz que, para alcançar resultados efe-

tivos, um dos aspectos fundamentais é a profissionalização da gestão esportiva. “Na estrutura esportiva do Brasil, os atletas são formados, em grande parte, nos clubes, além de entidades como Sesc e Sesi, que têm projetos de esporte comunitário e recreativo até de alto rendimento.”

Com dinheiro em caixa, a profissionalização das federações, confederações, clubes e do COB vem acontecendo, porém ainda não como o esperado, critica o vice-reitor da Faculdade de Edu-cação Física da Ufrgs. “Ainda existe a necessidade da qualificação das pessoas que atuam na área do esporte dentro do setor público também”, frisa, destacando que principalmente as secretarias es-taduais e municipais de esporte e lazer precisam focar a profissio-nalização da gestão esportiva e lembrando que há uma série de fatores que são reconhecidos mundialmente como determinantes para um bom desempenho nas competições internacionais. “O Brasil deixa de atender em muitos desses aspectos”, observa.

Outros fatores também são importantes e estão ligados a gestão, como o número de praticantes, por exemplo. “Algumas modalidades esportivas contam com um grande número de prati-cantes, como é o caso do futebol masculino (o mesmo não ocorre com o futebol feminino). E no voleibol, tanto masculino, quan-to feminino, há um bom número de praticantes. Mas existem aquelas modalidades que a participação é muito reduzida. Nesse caso, quando se pensa em um cômpito geral de medalhas, espor-tes como badminton, hóquei de grama, tiro de arco, e vela, que

Esporte brasileiro sofre ausência de gestãoQualificação dos profissionais atrelados ao setor em âmbito público e

privado alavancaria desempenho de atletas em jogos olímpicos, diz especialista

por Michelle Rolante

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ainda é um esporte muito elitizado no Brasil, são muito pouco praticados”, detalha Reppold Filho. Ele explica que um dos objetivos do novo momento do setor é ampliar a base de participantes em todas as modalidades esportivas. “Ainda há quase que uma monocultura no País, que se concentra em poucas modalidades”, justifica. Novamente, uma boa gestão é importante para desenvolver práticas esportivas que não são tão populares.

Infraestrutura precária nas escolas

A infraestrutura das instalações adequadas para o desenvolvimento de diferentes esportes é um pon-to importante para este setor. Em Porto Alegre, por exemplo, apenas uma pista (a da Sogipa) é consi-derada pela Confederação Internacional de Atletismo como apta para receber competições internacionais.Uma vez que, para desenvolver o atletismo de alto rendimento, é necessário um local apropriado não há como con-tar com outros espaços, como a Puc/RS e a Unisinos, onde tam-bém existem boas estruturas, porque somente a da Sogipa tem reconhecimento internacional. “Isso poderia ser multiplicado em termos de ginásios esportivos e de equipamentos que dão apoio na preparação dos atletas”, destaca Reppold Filho, lembrando que para desenvolver qualquer modalidade esportiva, é necessária uma sala de musculação adequada, e os equipamentos e as insta-lações disponíveis para o esporte de rendimento não são satisfa-tórios na Capital. “Nas escolas, as instalações para ensino e prática de Educação Física são muito precárias, não há como desenvolver, mesmo tendo investimentos financeiros, se não houver uma infra-estrutura qualificada”, aponta.

O vice-reitor acredita que a solução seria investir em progra-mas eficientes de identificação e promoção de talentos espor-tivos, como o (programa nacional de identificação de talentos esportivos) que a Ufrgs coordena. “Nós temos uma base de dados enormes de crianças listadas. Porém, mesmo estando disponível na internet, este banco de informações não é consultado pelos clubes para selecionar estes jovens e desenvolvê-los”, lamenta o vice-diretor. Ele destaca que talvez isso se deva à falta de di-vulgação do projeto, que é do Ministério do Esporte (órgão que solicitou a pesquisa à Universidade). “Talvez fosse necessário um projeto que articulasse a identificação desses talentos com ações efetivas para promovê-los”, enfatiza Reppold Filho.

Outro aspecto importante, na visão do vice-reitor, é o apoio que deve ser dado aos esportistas, como o Bolsa-Atleta, incenti-vo do Governo Federal gerido pelo Ministério do Esporte, que visa garantir a manutenção pessoal dos atletas de alto rendimento que não possuem patrocínio, para que os mesmos possam se dedicar ao treinamento e participar de competições. Porém, grande parte deles reclama que não tem apoio médico, psicológico, de fisioterapia e de nutrição – e é impossível formar um atleta sem este suporte.

“Para uma boa gestão de suas carreiras, os esportistas devem receber todo apoio possível”, reforça Reppold Filho. Segundo ele, muitos com potencial abandonam suas carreiras, porque não existe uma “profissão” efetivamente de atleta no Brasil. “Os jovens se de-param com um dilema, que é optar entre ingressar na universidade e trabalhar, ou dedicar-se ao esporte”, revela. O nosso sistema não concilia de uma maneira adequada essas duas possibilidades. Por isso, um dos desafios atuais seria fazer com que esses atletas em potencial não abandonassem o esporte para trabalhar. Na maioria dos casos, eles abandonam a carreira esportiva, porque têm que ajudar financeiramente a família. Grande parte destes esportistas é oriunda de classes sociais muito pobres. “Aqueles com um pouco mais de oportunidades tentam ascender à universidade”. Em mode-los bem sucedidos, os atletas são profissionalizados e conseguem construir uma carreira depois que saem do esporte.

No caso de adeptos da ginástica e do atletismo, para que te-nham alto rendimento é necessário que comecem muito jovens. Eles devem ter contato com esportistas internacionais, o que envolve muito investimento, uma vez que para isso precisam participar de competições no exterior em todas as modalidades. “É necessária uma quantidade muito grande de recursos para in-vestir nos atletas, desde pequenos”, argumenta Reppold Filho. “Por exemplo, uma menina da ginástica rítmica que pretenda ser uma atleta olímpica deve participar de competições internacio-nais desde os 10 anos. Porém, ela não poderia viajar sozinha, por causa da sua idade, e o custo para transportar uma esportista e seu treinador para uma competição é alto.” E, como no circuito mundial são várias competições, é preciso vários atletas, por isso são necessários muitos recursos. O vice-reitor da Faculdade de Educação Física da Ufrgs também destaca que, quando se pensa em resultados, deve se levar em conta no mínimo dois ciclos olím-picos, período de oito anos, contando com uma gestão eficiente. “Não é o caso do Brasil, e isso indica que não teremos bons resul-tados em 2016, no Rio de Janeiro”, sentencia.

Reppold Filho lembra que as instalações para ensino e prática de Educação Física nas escolas da Capital são muito precárias

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PESQUISA

Perto de completar 50 anos de história, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Fapergs), vincu-lada à Secretaria de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico (SCIT) do Estado, projeta um crescimento sig-nificativo nos investimentos para o ano que vem. O oti-mismo é resultado das negociações com o governo gaúcho. O orçamento da entidade poderá ter um acréscimo de 40% comparado ao exercício anterior, totalizando cerca de R$ 51 milhões. O percentual foi apresentado pelo secretá-rio de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico, Cleber Prodanov, em setembro. O montante está previsto no projeto da lei orçamentária estadual e, agora, aguarda aprovação da Assembleia Legislativa em sua totalidade.

A diretora-presidente da Fapergs, Nádya Pesce da Sil-veira, afirma que o governo do Estado está prevendo a re-cuperação da entidade em médio prazo. A receita prevista para 2013 é maior que a média dos últimos dez anos. “É um motivo de comemoração, porque é uma sinalização de que há uma intenção do governo do Rio Grande do Sul de,

efetivamente, recuperar a Fundação”, declara. No entanto, o investimento na Fapergs está longe de ser o ideal, pon-dera a gestora, mesmo afirmando que encara o aumento como um marco. “No ponto de vista relativo, é um bom aumento. Mas de maneira absoluta, fica muito aquém da verba necessária para fazer jus à excelência da pesquisa gaúcha.”

De acordo com a Lei 9.103/90, o Rio Grande do Sul deveria destinar 1,5% da receita líquida de impostos à pesquisa. Se fosse cumprida, o orçamento reservado para a Fapergs deveria ser R$ 264,4 milhões no ano que vem. Porém, a situação esteve bem mais crítica nos últimos anos. Em 2008, por exemplo, a entidade recebeu apenas R$ 4,7 milhões, um investimento pelo menos dez vezes inferior ao projetado para 2013. Os recursos reduzidos acabam comprometendo alguns dos programas da Fapergs. Um exemplo é o edital universal Pesquisador Gaúcho, que tem o objetivo de valorizar os projetos que visem contri-buir significativamente para o desenvolvimento científico,

Fapergs poderá ter orçamento 40% maior em 2013

Entidade comemora aceno do governo de aumentar receita para R$ 51 milhões e já planeja investimentos

por Araldo Neto

Nádya Pesce diz que objetivo para o próximo ano é “resgatar a fundação para os pesquisadores”, disponibilizando acesso a mais recursos

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tecnológico e inovador do Rio Grande do Sul, em qualquer área do conhecimento. Em 2012, o programa teve uma demanda de R$ 41 milhões, sendo que havia disponível apenas R$ 6 milhões para este fim. Com o acréscimo na receita para 2013, a Fapergs projeta dobrar o recurso para o edital do Pesquisador Gaúcho. “Nós queremos ampliar esta verba dos atuais R$ 6 milhões para, pelo menos, R$ 12 milhões”, calcula Nádya.

O aumento de investimentos para o ano que vem tam-bém irá possibilitar a criação de outros programas em áre-as de interesse para o Estado. É o caso do Biota-RS, cujos estudos irão permitir a sustentabilidade dos pampas. “Para isso, nós precisamos ter conhecimento da flora e da fauna e o mapeamento completo do bioma pampa, para que não haja uma depreciação dessa riqueza natural”, destaca.

A Fapergs pretende ainda trabalhar com um novo edi-tal dentro do Programa de Pesquisas para o SUS e com pro-gramas de apoio à Paleontologia, bem como popularização da ciência. De acordo com a diretora da Fundação, as pes-quisas para o SUS são feitas por pesquisadores ligados à área da saúde e são importantes para trazer mais conhe-cimento para a gestão pública deste setor. O programa é feito em parceria com o Ministério da Saúde. Para popula-rizar a ciência, o objetivo é criar maneiras de transferir os conhecimentos para o público em geral, bem como fazer propaganda desta área do saber, de forma que a mesma faça parte do dia-a-dia das pessoas. “Nossa ideia é fazer uma conexão entre ciência e tecnologia, principalmente para que a população entenda que, sem ciência, não pode haver tecnologia”, afirma Nádya.

Ao todo, a Fapergs irá disponibilizar em torno de 3 mil bolsas de pesquisa em várias categorias para 2013. O nú-mero representa um incremento de 20% em relação a 2012. Estão previstas 2,6 mil bolsas de iniciação científica e cerca de 100 bolsas de mestrado no Estado. A entidade pretende ainda lançar um edital para bolsas de doutorado para o ano que vem. Segundo a gestora, o objetivo é “resgatar a funda-ção para os pesquisadores” para o próximo ano, disponibili-zando acesso a mais recursos. Para 2014, quando a Fapergs completa 50 anos de existência, o desejo é que a progressão nos investimentos continue. “A ideia é ter uma política de Estado consolidada que vá, independentemente do governo, trabalhar para que a Fundação volte a ter a credibilidade, a visibilidade e a importância que já teve na manutenção da pesquisa gaúcha”, destaca Nádya.

As visões diferenciadas dos partidos políticos, que se sucederam no governo gaúcho nos últimos anos, são apontadas pela direção da Fapergs como o principal mo-tivo para a queda de investimento em pesquisa no Rio Grande do Sul. Para a diretora-presidente da Fundação, a manutenção de uma política para fomentar a pesquisa, independente das preferências partidárias, é vital para o crescimento da economia do Estado. Nádya cita Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Amazonas, Bahia e Per-nambuco como exemplos de estados que reconheceram e fomentaram a comunidade científica e, hoje, colhem fru-tos com excelência em suas indústrias. “O Rio Grande do Sul tem este potencial, só necessita fazer essa conexão entre a política de governo, a ciência e tecnologia. Não se pode retroceder. A ciência e tecnologia deveriam ser uma das prioridades do Estado”, conclui.

“A Fapergs ainda necessita ter olhar mais profundo em nível de Estado, para que volte a ter o protagonismo que teve há duas décadas na pesquisa gaúcha”, diz a gestora

Histórico da FundaçãoA Fapergs foi criada em 1964 com a

finalidade de ser uma agência de fomento ao desenvolvimento científico e tecnoló-gico do Rio Grande do Sul, de acordo com as políticas fixadas para o setor. Vinculada

à Secretaria estadual da Ciência, Inovação e Desenvolvi-mento Tecnológico, é mantida por recursos do Tesouro do Estado e também por verbas provenientes de convê-nios ou de parcerias. A Fapergs tem a finalidade de fo-mentar a pesquisa em todas as áreas do conhecimento. Entre suas atribuições, está promover a inovação tecno-lógica do setor produtivo, o intercâmbio e a divulgação científica, tecnológica e cultural, estimular a formação de recursos humanos e seu fortalecimento e a expansão da infraestrutura de pesquisa no Rio Grande do Sul.

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DEBATE

A partir do ano que vem, a Adufrgs-Sindical realizará Encontros de Assuntos de Aposentadoria, com uma te-mática que compreenderá todos os casos, incluindo os de docentes que formam a nova base do sindicato. O evento substituirá o Encontro de Professores Aposentados Adu-frgs-Sindical, cuja oitava edição se realizou no último dia 17 de outubro, na Sociedade de Ginástica de Porto Alegre (Sogipa). Além de propor a reflexão sobre a atua-ção e rumos da política sindical docente, o acontecimen-to serviu de reencontro de amigos entre os associados. A presidente da entidade, Maria Luiza Ambros von Hol-leben, destaca que o novo formato do evento (e a nova postura do sindicato) visa trabalhar por uma aposenta-doria digna para os professores contratados que ingressa-ram após 2004. “Eles, diferentemente de nós, não terão a aposentadoria integral. Com isso, encerramos um ciclo de encontros que olhou exclusivamente o nosso caso, dos professores aposentados com ganhos integrais”, ressalta Maria Luiza.

A dirigente observa que o sindicato conta com a pre-dominante participação de professores aposentados nas

votações, consultas, campanhas, mobilizações e nos eventos, inclusive fora do Estado. “Desta forma, a Adufr-gs mostrou sua força ao governo e aos colegas ativos, de que defender a lei e a constituição que dá o direito que hoje é usufruído é o que dá segurança jurídica a todo ci-dadão brasileiro.” A presidente do Sindicato afirma que, para os docentes aposentados, a eliminição da ameaça de inclusão na carreira da classe de professor associa-do, a incorporação de gratificações ao salário básico e o tratamento partário entre ativos e aposentados, são as principais conquistas do Termo de Acordo, assinado em 3 de agosto de 2012, posteriormente incluído no Projeto de Lei 4368. “Se não do agrado de todos, foi o melhor termo acordado por servidores públicos com o governo”, frisou Maria Luiza na abertura do 8º Encontro dos Professores Aposentados. Ela destacou ainda que os docentes devem permanecer atentos à votação do Projeto de Lei no Con-gresso Nacional e nas futuras mesas de negociação com o governo. Além disso, a presidente da Adufrgs alerta que os servidores devem estar disponíveis para novas bata-lhas e defender o que já foi conquistado. “Agora a reali-

Encontro de professores aposentados da Adufrgs muda de formato em 2013

Principal alteração servirá para contemplar docentes que formaram a nova base do sindicato

por Michelle Rolante

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Projeto de lei no Congresso Nacional que trata da Carreira foi um dos destaques apontados na exposição do Sindicato

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dade mudou: há uma nova situação para os professores”, afirmou Maria Luiza.

Esta última edição do encontro no antigo formato contou com a palestra A Aposentadoria dos Professo-res das Ifes - ontem, hoje e amanhã, ministrada pela professora aposentada Ana Christina Kratz, do Sindi-cato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (Adufg-Sindicato) e pelo professor Eduardo Rolim, presi-dente do Proifes-Federação. Ele avaliou a atual situação da aposentadoria e também a importância de uma nova forma de ação do Sindicato. “Não podemos pensar como anteriormente, que a paridade e a integralidade são uma bandeira nossa e que isso é o mais importante. Devemos, sim, preservar esses professores que já estão aposenta-dos, mas há uma grande parcela de docentes que não tem essa aposentadoria integral”, ressaltou, afirmando que o Sindicato “não deve permanecer apenas no discurso antigo”, defendendo a paridade, pois precisa agora falar para os jovens.

O presidente do Proifes destacou que essa nova for-ma de ver as diferenças entre os docentes é importante, pois é preciso que todos pensem sobre o tema, inclusive aqueles que estão fora da atividade e não sabiam que a aposentadoria havia mudado tanto. “Desta forma, o sin-dicato se renova, e as pessoas que estão a mais tempo e acham que a defesa dos seus direitos é a mais importante terão que entender que é necessário esta nova linguagem também.” A partir de agora, as demandas de cada grupo

terão que ser feitas em instâncias diferentes, inclusive o reajuste dos docentes que não têm integralidade deverá ser feito no Congresso Nacional junto com os trabalhado-res da iniciativa privada.

Neste caso, é preciso entender a importância das cen-trais sindicais e saber que os trabalhadores do serviço público cada vez mais deverão se integrar aos trabalha-dores da iniciativa privada, observou o dirigente. “As de-mandas serão muito semelhantes e serão as mesmas ins-tâncias, e as mesmas lutas. Por tanto, a central sindical se reveste agora de uma importância muito maior do que já possuía antes”, ressaltou.

Outra exposição relevante apresentada no Encontro foi a palestra Processo jurídico e processo administrati-vo - quando, como e onde, que contou com a participa-ção de Francis Bordas, responsável jurídico da Adufrgs, e Marcelo Soares Machado, diretor do Departamento de Administração de Pessoal da Pró-Reitoria de Gestão de

Bordas explicou processos jurídicos e administrativos

Ana Christina Kratz, da Adufg-Sindicato (Goiás), parti-cipou de uma das palestras da programação do encontro

Pessoas da Ufrgs. O advogado destacou a distinção do momento que os professores devem buscar seus direitosna via administrativa, ou seja, diretamente na univer-sidade, ou na via judicial. Assim, Bordas explicou que, em geral é necessário esgotar as possibilidades na esfera administrativa para depois ingressar na judicial.

Nessa etapa, mesmo que a universidade seja conde-nada, o cálculo apresentado pelo jurídico pode ser im-pugnado. “Essa discussão sobre valor vai percorrer as mesmas instâncias pelas quais passamos anteriormente para conseguir a condenação”, explica Bordas. Ou seja, é como se o processo tivesse um espelho e reiniciasse, po-dendo chegar até Brasília discutindo essa parte. Por isso, a demora que muitas vezes as pessoas não conseguem

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DEBATE

compreender, porque elas imaginam que se o processo está sendo executado, a ação judicial será rápida.

Por sua vez, Machado colocou a questão da insegu-rança das ações do Tribunal de Contas da União (TCU) que deixam os professores ansiosos em relação à homo-logação de aposentadorias em função de entendimentos no TCU. “Do mesmo modo, tem as questões do contra--cheque que é um assunto delicado e polêmico do qual as pessoas sempre têm dúvidas. Também ocorrem casos de consignatários e corretores, por exemplo, ligarem para os professores oferecendo empréstimos ou outros pro-dutos”, alertou. “Essas situações deixam os aposentados muito preocupados, por isso foi importante um encontro como este promovido pelo Sindicato, que servirá para orientá-los constantemente”, salientou.

Participantes valorizaram o debateA oitava edição do Encontro promovido pela Adufrgs

aos docentes que já concluíram sua caminhada no ensino foi “excepcional”, nas palavras do professor aposentado Luiz Glock, do Departamento de Estatística da Faculdade de Matemática da Ufrgs. “Esclareceu dúvidas e também oportunizou a consagração para um grande número de colegas que não se viam há muito tempo.” “Quero cum-primentar a organização do evento e dar os parabéns pelo

conjunto de palestras que somou muito nas nossas vidas. Tenho certeza que o compromisso do próximo Encontro será muito maior, porque sempre queremos nos superar”, concordou Francisco Fuchs, aposentado da Faculdade de Medicina Veterinária da Ufrgs.

Segundo a professora Ana Christina, da Adufg, mes-mo com a apresentação de alguns temas mais amenos, a reunião foi extremamente política. “Também achei mui-to bacana os aposentados ficarem no final para discutir uma aposentadoria que não é a deles e sim a dos novos docentes”, elogiou. A representante da Adufg destacou a importância do convite que recebeu da Adufrgs-Sindical para participar do Encontro. “Parece que o aposentado não tem papel a desempenhar no Sindicato, mas, pelo contrário, a referência do aposentado para os novos é im-portante. A situação em que o docente se aposentou e as garantias que foram dadas são concretamente bandeiras de luta para quem está na ativa.”

A reunião também contou com a palestra Conscienti-zação ambiental: O que cada um pode e deve fazer pela preservação do meio ambiente, ministrada pelo profes-sor doutor Curt Henrique Sommer (aposentado do ICBS/Ufrgs). Ele destacou a importância de reduzir os efeitos prejudiciais ao planeta. Já a professora Beatriz Soares Machado Tenius, aposentada do Instituto de Química da Ufrgs, falou sobre Bionergias e qualidade de vida, expli-cando como o equilíbrio energético influencia na saúde do corpo.

Homenagens pela luta em defesa dos aposentadosO 8º Encontro dos Professores Aposentados da Adu-

frgs-Sindical contou com almoço de confraternização, e com homenagens ao presidente do Proifes-Federação, Eduardo Rolim de Oliveira e ao professor Lúcio Hage-mann, que atualmente assessora a diretoria da entida-de em assuntos jurídicos. Hagemann, que foi diretor da Adufrgs em várias gestões, recebeu homenagem que a diretoria tradicionalmente concede a um professor apo-sentado pela sua intensa atividade na Adufrgs. Rolim re-cebeu da professora Nilcéa Duarte uma homenagem em nome dos professores aposentados filiados a Adufrgs-Sin-dical por sua dedicação na luta em defesa dos direitos dos aposentados e conquistas na liderança do Movimen-to Docente. “Estou grato pela lembrança e significa que gostaram do meu trabalho. Claro que na política nada é fácil, nem sempre conseguimos ter unanimidade. Mas ter meu trabalho reconhecido em um encontro deste nível é muito importante e fico muito feliz”, discursou o presi-dente do Proifes.

Maria Luiza entregou homenagem ao professor apo-sentado Lúcio Hagemann, em reconhecimento à sua intensa atividade na Adufrgs

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EM FOCO

Livro A Era Vargas revisita Getúliopor Ana Esteves

Se o Brasil é hoje a sétima economia do mundo, muitos fatores que levaram o País a chegar nesse patamar se origina-ram da mente de Getúlio Vargas. Esse é o mote do livro A Era Vargas: desenvol-vimento, economia e sociedade, lançado em meados deste ano, cuja organização ficou a cargo do economista e professor da Faculdade de Economia da Universida-de Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Pedro Fonseca, que defende – guardadas as devidas críticas – a importância da Era Vargas no processo de desenvolvi-mentismo no Brasil. A obra traz compi-lados vários artigos de especialistas de todo o território nacional, organizados por Fonseca e pelo professor Pedro Paulo Zahluth Bastos, da Unicamp. “São arti-gos diversos, mas com uma unidade entre eles e um objetivo em comum: recuperar algumas das ações de Vargas que, por muito tempo, foram criticadas e taxadas de populistas”, ex-plica Fonseca.

O especialista destaca que o livro faz uma releitura das ações de Vargas, sem esquecer o tom crítico, sem ignorar a existência da ditadura, instaurada durante o Estado Novo. “Foi na era Vargas que começou o desenvolvimento brasileiro com a criação de entidades e estatais que, até hoje, contribuem para o crescimento do Brasil: “Getúlio criou a Companhia Siderúr-gica Nacional, a Petrobras, o CNPQ. E todas essas instituições, por mais que não tivessem logrado o objetivo de desenvolver o País naquela época, plantaram sementes importantes que vieram a dar frutos no presente.”

A ideia de compilar uma série de artigos científicos em um livro também teve como objetivo permitir uma maior aproxi-mação do público leigo dos temas tratados pelos especialistas. “São textos que tinham sido publicados em revistas de econo-mia que não chegam ao grande público, ficando muito em um nicho especializado de economistas”, justifica Fonseca. Além da organização do livro, ele também é autor de alguns dos artigos: Desenvolvimento, Economia e Sociedade na Era Vargas (escrito em parceria com Pedro Paulo Zahluth Bastos) e Gênese e Precursores do Desenvolvimento no Brasil e Do Progresso ao Desenvolvimento: Vargas na Primeira República. “Conto a história desde os seus primórdios, quando Vargas era um estu-dante de Direito, e como suas ideias passaram a ser divulgadas

nacionalmente, antes mesmo de ele ser governo.” O professor da Ufrgs também foi o responsável pelo artigo Instituições e Política Econômica: crise e crescimento do Brasil na década de 1930. “Nele, defendo que a política deste ano foi consciente a favor da industrialização. Muitos autores argumentavam que esse processo foi consequência da crise de 1929 e que não existia projeto claro por parte do governo. Acreditavam que tudo foi acontecendo espontaneamente. Mas, ao meu ver, esse argumento não tem sentido, pois ninguém cria a Companhia Siderúrgica Nacional sem querer, ninguém cria as leis traba-lhistas sem ter uma intenção”, opina.

O livro conta também com os trabalhos do economista Luiz Carlos Bresser Pereira, que escreveu o artigo Getúlio Vargas: o estadista, a nação e a República. A historiadora Ângela Castro Gomes participou com o texto Autoritarismo e Corporativismo no Brasil: o legado de Vargas. “Estes autores focaram na época que Vargas assumiu o governo, com pinceladas sobre a crise de 1929, e o papel da mesma na mudança”. Lígia Osório escre-veu sobre “A Política do Exército no primeiro governo”. Pedro Paulo Zahluth Bastos contribuiu com dois artigos, entre eles A Construção do Nacionalismo Econômico de Vargas. A crise de 1929 é dissecada por Wilson Cano e pelos organizadores, com foco na passagem de uma economia ortodoxa para um projeto de desenvolvimento dinâmico. Os obstáculos financeiros dessa remodelação são discutidos por Francisco Luiz Corsi. Jorge Fer-reira trata do trabalhismo, política que foi adotada em vários países a partir de 1930.

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EM FOCO

O professor Fonseca relembra que, por muito tempo, as medi-das e o modo de governar de Vargas foram criticadas, sendo o es-tadista taxado de demagogo e populista. “A legislação trabalhista sempre foi vista de forma depreciativa, se dizia que Getúlio havia dado os anéis para não perder os dedos. Entre as instituições cria-das pelo estadista e exaltadas por Fonseca está, por exemplo, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), considerado como um grande marco e que até hoje tem importância cabal na eco-nomia brasileira. “Só quem faz financiamento a longo prazo (uma vez que o sistema financeiro brasileiro privado não financia nes-ses termos) é o BNDES e o Banco do Brasil. Além disso, em 1937 foi criada a Carteira de Crédito Agrícola Industrial no País, que financiava a produção. Trata-se de um antecessor do BNDES e do Banco Regional de Desenvolvimento (BRDE), que perduram até hoje. Essa carteira de crédito evoluiu para uma grande ferramenta de financiamento da agricultura e produção do Banco do Brasil e mais tarde do BNDES”, lembra o organizador do livro.

da globalização e, sem querer, o ex-presidente da República Fer-nando Henrique Cardoso ajudou a enterrar a Era Vargas”. Fonseca recorda que Vargas era tido como o “pai dos pobres”, nomenclatu-ra que carrega intrínseco o rótulo de paternalista, de um presiden-te que fazia concessões, sempre com segundas intenções. “Hoje, há depoimentos de pessoas da época que declaravam que votavam em Getúlio Vargas porque nenhum outro político havia feito algo pelos pobres. Essas pessoas nunca tiveram férias e passaram a ter férias. Frente a isso, não adianta dizer que dar férias se trata de uma demagogia burguesa. Muita gente do Partido Comunista per-dia votos com essa bandeira, o que fez com que o partido ficasse em minoria. Como se vai colocar na cabeça de um líder sindical que uma jornada de oito horas de trabalho e férias é coisa de bur-guês e que o que importa é fazer a revolução?”, questiona.

Fonseca destaca ainda a importância da criação da Previdência Social. Na época, um trabalhador que quebrasse um dedo parava de trabalhar e ficava sem salário e sem amparo do governo. Com a Previdência, por mais defeituosa que ela seja, os trabalhadores passaram a contar com uma conquista social: “Férias, décimo ter-ceiro, jornada decente de trabalho não é demagogia, é conquista da civilização”. O economista diz que essas medidas eram bom-bardeadas pelos liberais, porque queriam liberdade de mercado, e férias e décimo terceiro eram empecilho ao capitalismo. De outro lado, muitos achavam que era demagogia “essa história de dar os anéis para não perder os dedos”. “E tudo não passa de um grande equívoco, porque nunca houve ameaça de revolução socialista no Brasil. O governante até poderia pensar: vou dar umas conces-sões para impedir a revolução, mas não era o caso, a esquerda era muito pequena para colocar em cheque. Isso é um mito, isso aconteceu apenas na Europa com a força do movimento sindical.”

Fonseca adianta que o livro propõe uma releitura das ações de Vargas fazendo um contraponto com as teses que vigoraram nos anos 1970, 1980 e 1990. Para ele, a própria ideia de populismo é depreciativa, pois é uma forma de negligenciar a experiência de democracia que o Brasil viveu dos anos de 1946 a 1964. “É claro que havia problemas também nessa época, pois não há democra-cia perfeita. Mas pelo menos era uma época de pluripartidarismo, existia liberdade de imprensa, um projeto popular que estava evoluindo – tanto que os militares resolveram derrubar toda essa construção com o golpe de 1964. Quer dizer, a direita do Brasil sabia muito bem o que estava acontecendo e impediram esse pro-cesso”, afirma. Fonseca ressalta que tratava-se de um projeto in-teressante, que apesar de estar alicerçado em ideias capitalistas, trabalhava com foco em uma maior distribuição de renda, com mais pessoas ingressando no mercado de trabalho e no mercado consumidor, caminhando para o estabelecimento de um país de classe média. “Era o que estava acontecendo nos anos de 1950, com uma perspectiva de mudança para uma sociedade mais desenvolvida, tudo muito parecido com o que vivemos hoje, com o governo de Lula e agora de Dilma Rousseff.”

Fonseca ressalta que as ações de Vargas rumavam para estabelecer um país de classe média

O economista destaca ainda o papel da Petrobras, considerada por ele como “a maior empresa brasileira da atualidade”, assim como a Embraer e a Embrapa, como órgãos de pesquisa. Algumas das companhias criadas por Getúlio, como a Vale do Rio Doce, foram privatizadas, outras remodeladas e em cima delas foram criadas outras empresas, mas que, apesar da mudança de perfil continuam contribuindo para a economia nacional. Fonseca lem-bra que havia uma certa convicção, à época, que bastava haver o crescimento com mais produção e emprego que a renda natural-mente se distribuiria. Em toda a América Latina se acreditava nis-so. “Depois, se foi ver que não era bem assim, era uma convicção do meio intelectual”, diz.

O professor afirma que a esquerda tinha visão mais ácida, um pouco porque se vivia na ditadura e grande parte desses artigos mais críticos foram escritos durante o período militar. “Eu mesmo quando escrevi minha tese nos anos 1980 fazia essas críticas. De-pois desse momento, nos anos 1990 se viveu uma era neoliberal

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ENSINO

Desafio das instituições de ensino superior será evitar evasão de cotistas

Nova legislação indica que alunos oriundos de escolas públicas terão direito a metade das vagas nas universidades e institutos federais até 2016

por Araldo Neto

Agora é lei. Todas as universidades e institutos federais terão que reservar 12,5%, ou seja, 1/8 das suas vagas para alu-nos oriundos das escolas públicas em 2013. Em quatro anos, o percentual aumentará gradativamente, devendo chegar a 50% até 2016. A mudança é consequência da Lei Federal 12.711 publicada em outubro pela presidente Dilma Rousseff. Com a oficialização das cotas nas universidades federais, o novo desafio será o investimento em políticas de permanência, evi-tando a evasão dos cotistas. O coordenador-executivo da Co-ordenadoria de Acompanhamento das Ações Afirmativas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Edilson Nabarro, afirma que, com a nova lei, as instituições públicas de ensino superior terão que criar mecanismos e estratégias para que os alunos que vieram de uma situação de vulnerabi-lidade maior possam ter condições de crescimento idênticas às daqueles que tiveram uma educação melhor. Segundo ele, a diplomação é o alvo do capital escolar necessário para que as famílias pobres vejam seus integrantes, oriundos de colégios públicos, não somente entrarem em uma universidade federal, mas concluindo os cursos. “Agora, o esforço das instituições será com a permanência destes grupos. É preciso fazer com que a largura da porta de saída aumente na mesma proporção que foi alargada a porta de entrada”, compara.

De acordo com Nabarro, o relatório dos cinco primeiros anos do sistema de cotas já forneceu indicadores sobre o desempenho acadêmico dos ingressantes. O levantamento mostra que há uma vulnerabilidade mais acentuada entre os autodeclarados negros.

Nabarro: preocupação é reter cotistas no Ensino Superior

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ENSINO

Com o aumento para 50% da reserva de vagas para cotis-tas nos próximos quatro anos, a Coordenadoria irá priorizar a política de permanência. Segundo Nabarro, será necessário mais investimento em assistência estudantil e novos meca-nismos para dar suporte para esses alunos. “Esta é a nossa grande meta. O desafio é evitar que este estudante evada”, afirma. Diferentemente da opinião popular, o coordenador diz que uma vaga em uma universidade pública não é de graça. “É extremamente cara e alguém paga. Nós temos que valorizar a vaga.”

Quatro modalidades no processo da UfrgsPara se adaptar à nova legislação, a Ufrgs promoveu alte-

rações para o próximo concurso vestibular, que será realizado de 13 a 16 de janeiro, mas continuará reservando 30% das vagas de todos os cursos de graduação para o Programa de Ações Afirmativas – que já vigora há cinco anos dentro da Universidade. A reserva, porém, será dividida entre quatro modalidades, introduzindo mudanças nos critérios de ingres-so às vagas de cotistas, conforme determina a legislação.

De acordo com o reitor da Universidade, Carlos Alexan-dre Netto, a nova lei foi recebida com muita tranquilidade, pois a Ufrgs “está adiantada na implementação da política de cotas” para estudantes oriundos de escolas públicas. “O modelo proposto é semelhante ao que a Universidade adota desde 2007. Como a nova legislação prevê quatro anos para adequação, e já largamos com 30%, os primeiros anos estarão garantidos”, afirma Netto.

Uma mudança importante com a Lei Federal 12.711 é que, antes, a Ufrgs exigia que o aluno tivesse cursado metade do Ensino Fundamental e todo o Médio na rede pública. Agora, para habilitar-se às cotas, basta a conclusão do Ensino Médio completo em instituição pública para dis-putar vaga de cotista. Carlos Alexandre Netto informa que o percentual de 30% é válido exclusivamente para o Concurso Vestibular 2013. “A partir de março pró-ximo, faremos revisões na decisão, com vistas aos demais concursos vestibulares, para atender integralmente às exigências da legislação federal de reservar no míni-mo 50% das vagas até 2016”, reitera.

O candidato que disputar os lugares re-servados às cotas terá que optar por uma das seguintes modalidades: egressos do Ensino Médio de escola pública com ren-da familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita; egressos do En- sino Médio de

escola pública com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita, autodeclarados negros, pardos ou índios; egressos do Ensino Médio de escola pública com ren-da familiar bruta superior a 1,5 salário-mínimo per capita; e egressos do Ensino Médio de escola pública com renda familiar bruta superior a 1,5 salário-mínimo per capita, com autodecla-rados negros, pardos ou índios. A nova legislação prevê ainda que os critérios de cor e raça devem ser levados em conta, seguindo dados estatísticos do IBGE em cada estado.

Ao todo, são 5.424 vagas em disputa no próximo vestibu-lar da Ufrgs. Veja como fica a distribuição e as modalidades.

• Acesso Universal – 3.746 vagasEgressos do Ensino Médio de escola pública com renda

familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita – 444 vagas

• Egressos do Ensino Médio de escola pública com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário-míni-mo per capita, autodeclarados negros, pardos ou índios – 444 vagas

• Egressos do Ensino Médio de escola pública com renda familiar bruta superior a 1,5 salário-mínimo per ca-pita – 395 vagas

• Egressos do Ensino Médio de escola pública com ren-da familiar bruta superior a 1,5 salário-mínimo per capita, com autodeclarados negros, pardos ou índios – 395 vagas

Estudante de Engenharia, Nonenmacher Jr., é contrário ao sistema de cotas

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Melhorias na escola públicaA nova legislação que obriga todas as universidades fe-

derais a reservar metade das vagas para estudantes da rede pública pode provocar mudanças no Ensino Médio do País.

O professor adjunto da Ufrgs, Juca Gil, acredita que parte dos alunos que hoje estuda na rede privada migrará ao ensino público por conta da concorrência. “Será uma população com poder de pressão, com renda e acesso aos meios de comunicação, que vai forçar o governo a refor-çar a escola pública. Este é um efeito paralelo, que não vem se discutindo em relação à política de cotas, que tende a ser forte”, observa. Para Gil, a mudança do per-fil dos alunos na escola pública deve ter impacto muito mais forte e rápido em relação ao resto que a legislação de cotas prevê. “Vai atingir os pobres, por atrair uma parte rica da população para dentro da escola pública. Esse talvez seja o maior e melhor substrato da política de cotas: reforçar a escola pública de educação básica. Indi-retamente, vai ter mais impacto do que a vaga concreta e direta”, analisa.

O estudante de Engenharia Mecânica da Ufrgs, Luiz Antônio Nonenmacher Junior, é contrário ao sistema de cotas, pois, segundo ele, “mascara a realidade do ensino público básico”. “Em vez de facilitar a entrada na univer-sidade para os alunos que não teriam condições de passar

no vestibular, seria mais útil investir na educação básica. Se as escolas públicas tivessem um nível parecido com a particular não teria diferença se tu és negro, índio ou se tem baixa renda, teria uma condição parecida de entrar no ensino superior”, afirma. Oriundo de escola pública e autodeclarado negro, Juliano Marchant ingressou na Ufrgs através das cotas. Ele garantiu a vaga no curso de Jorna-lismo e admite que o fato de ter sido beneficiado pelo sis-tema foi determinante para ter conseguido o espaço. “Pelo acesso universal, eu poderia ter tentado outro curso, mas no Jornalismo eu não conseguiria ter entrado”, observa. Marchant considera o sistema de cotas necessário para a atual situação do ensino público e também pela desigual-dade que algumas etnias foram tratadas ao longo do tem-po no Brasil, mas adverte que o tema não pode ser pensa-do como uma ação isolada. “Essa política foi colocada na universidade sem estar acompanhada de planejamentos de assistência do aluno, para que o mesmo possa desenvolver sua graduação com qualidade. É um estudante que tem um perfil diferente daquele para o qual a universidade está preparada. O ensino superior público muitas vezes não está pronto para um aluno que tem que trabalhar, e ajudar no sustento da família. A política de cotas é necessária, mas ainda não atingiu a perfeição”, sentencia.

Marchant garantiu vaga no curso de Jornalismo através do sistema de cotas e admite que isso foi determinante para conquistar o espaço

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VIDA NO CAMPUS

A construção de cinco novos laboratórios a serem im-plementados no Parque Científico e Tecnológico da Uni-versidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) deverá ser iniciada nos próximos meses. Os projetos já foram apro-vados pela Prefeitura de Porto Alegre e têm recursos as-segurados. As obras dos laboratórios dão continuidade ao planejamento iniciado no dia 9 de abril de 2010, quando o Conselho Universitário da Ufrgs aprovou a criação do em-preendimento destinado à transferência do conhecimento para a sociedade e que o mesmo fosse instalado na Uni-versidade. Concretamente, essa decisão significou o início de um processo de instalação de laboratórios de pesquisa e desenvolvimento de instituições de base tecnológica no interior do campus universitário.

Além dos laboratórios, será construído um prédio de 7,5 mil metros quadrados onde deverá funcionar a sede administrativa do Parque, com restaurante, auditório, es-tacionamento e uma incubadora. Nesse espaço também de-verão atuar as empresas que quiserem realizar projetos em parceria com a Universidade. A expectativa da Reitoria da Ufrgs é que essa área do Parque possa estar em operação até 2014. Segundo a decisão do Conselho Universitário, empreendimentos de qualquer porte e que apresentem interação com laboratórios ou grupos de pesquisa da ins-

tituição voltados à inovação podem se instalar no local, desde que atendam alguns requisitos básicos, como inte-resse social; preceitos da ética, bioética e biossegurança; e condições de sustentabilidade de médio prazo em sua área de atuação.

No dia 3 de outubro deste ano, durante visita ao reitor da Ufrgs, Carlos Alexandre Netto, o titular do Mi-nistério da Ciên-cia, Tecnologia e Inovação (MCTI), Marco Antonio Raupp, tratou de questões re-lativas à obten-ção de verbas para o Parque. Naquela oportu-nidade, Raupp confirmou que o MCTI terá recur-sos da ordem de R$ 7 bilhões para

Parque Científico e Tecnológico da Ufrgs implementa novos laboratórios

ÁREA RESERVADA AO PARQUE

CAMPUSDO VALE

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Estruturas que serão construídas contemplarão departamentos vinculados à Escola de Engenharia

Laboratório de Metalurgia Física

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investimentos em pesquisa no País em 2013 (este ano, o montante foi R$ 5 bilhões). O ministro ainda orientou a Ufrgs sobre como proceder para obter recursos do Pro-grama Nacional de Apoio às Incubadoras de Empresas e Parques Tecnológicos do MICT, que deverá ser aberto em março do ano que vem.

O projeto também tem recursos do Estado do Rio Gran-de do Sul. O Programa Gaúcho de Parques Científicos e Tecnológicos (PGTec) destinou cerca de R$ 890 mil para implementação de infraestrutura laboratorial no Parque. Estes recursos estão destinados à aquisição de equipa-mentos para a instalação do Centro Multiusuário de Pro-totipagem Rápida nas dependências da Incubadora Hés-tia; de um laboratório para desenvolvimento de produtos biotecnológicos na Incubadora Empresarial do Centro de Biotecnologia; e de uma sala de videoconferência no Cen-tro de Empreendimentos em Informática. Administrado pela Secretaria de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico (SCIDT) do Estado, o PGTec integra as ações do Programa RS-Tecnópole e tem por objetivo apoiar o desenvolvimento das atividades dos parques científicos e tecnológicos no Rio Grande do Sul.

Conforme o diretor do Parque Científico e Tecnológico da Ufrgs, professor Flavio Wagner, ainda não há nenhum laboratório corporativo instalado na área, mas esse segue sendo um objetivo do projeto. “Há muitas empresas que fazem pesquisa e geram inovação aqui no Estado. Nossa expectativa é que as estas comecem a se instalar no centro tecnológico da Universidade”, diz o gestor do empreen-dimento. Ele destaca que as atuais estruturas que estão sendo construídas são vinculadas à Escola de Engenharia, mas estão atreladas a diferentes departamentos. Os novos laboratórios serão: Grupo de Intensificação, Modelagem, Simulação, Controle e Otimização de Processos (GIMSCOP), que atenderá a Engenharia Química; Laboratório de Pavi-mentação (Lapav), voltada à Engenharia Civil; Laboratório de Polímeros (Lapol), para a Engenharia de Materiais; Nú-cleo de Excelência em Redes de Comunicação Industriais (Nerci), com foco em trabalhos da Engenharia Elétrica, e Laboratório de Metalurgia Física (Lamef), onde funcionará o núcleo de Excelência em Fadiga de Risers e Componentes Estruturais em Ambientes Agressivos, para contemplar a Engenharia Metalúrgica.

Transformar excelência em riquezaO início oficial das atividades no Parque Científico e

Tecnológico da Ufrgs se deu no dia 8 de setembro de 2011, com a posse do professor Flavio Wagner (oriundo do Ins-tituto de Informática) no cargo de diretor do empreen-dimento. Naquele dia, Wagner resumiu o objetivo estra-

tégico da iniciativa: “A meta é transformar a excelência científica e tecnológica da Ufrgs em riqueza econômica e social para o Rio Grande do Sul e o Brasil, através de um trabalho de cooperação com os mais diversos agentes da sociedade.” Mais de um ano depois, o gestor destaca que o projeto ainda está em sua fase inicial, “faltando muito o que fazer”.

O futuro centro tecnológico está planejado para ser construído em duas etapas, em duas áreas de 15 hectares cada. A primeira parte já está em execução, em um terreno localizado no Campus do Vale, com investimentos de apro-ximadamente R$ 6 milhões para a preparação do espaço e início das obras dos primeiros prédios que abrigarão os laboratórios de pesquisa nas áreas de polímeros, combus-tíveis, corrosão de materiais e redes de telecomunicações. Esses projetos envolvem recursos e parcerias com empre-sas públicas, como a Petrobras e recursos federais por meio do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério da Ciên-cia, Tecnologia e Inovação (MCTI).

A segunda parte ainda está dando seus primeiros passos. Inicialmente deve ser realizado um trabalho de urbanização e de instalação de redes de energia, água e esgoto. Toda a infraestrutura desta segunda área (de 15 hectares) precisa ser implementada. Além disso, o espaço precisa passar por um processo de licenciamento ambiental. “A previsão é de que este trabalho leve em torno de quatro anos para ser finalizado”, prevê o professor Flávio Wagner.

Flavio Wagner é diretor do empreendimento

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RECONHECIMENTO

Relevância da pesquisa rendeu prêmio de ciência da Unesco para professora da Ufrgs

Pela primeira vez, o Estado faturou o prêmio L'Oréal--Unesco para as Mulheres e a Ciência. A dona da façanha foi a professora Marcia Barbosa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Ela liderou uma pesquisa científica que descobriu uma anomalia da água que pode ajudar no tratamento de doenças. A cerimônia de entrega do prêmio será realizada em 28 de março de 2013, na sede da Unesco em Paris, na França.

De acordo com a docente, o trabalho vem sendo rea-lizado desde 2000, com o objetivo de analisar o “com-portamento anômalo da água”. Através de simulações no computador (conhecidas cientificamente como dinâmica molecular) foi observado um processo chamado anomalia na difusão. “À medida que se aumenta a densidade (número de partículas) da água, a mesma anda mais rápido”, explica a pesquisadora.

Marcia informa que é possível medir essa anomalia em laboratório, observando que a substância difunde mais rápi-do. No computador, porém, é a ação das partículas que pode ser visualizada. “A água faz uma espécie de voleibol com os elétrons do hidrogênio. Estes, que são fracos, ficam jogando elétrons para o oxigênio do vizinho. Isso faz uma ligação de hidrogênio”, ilustra. A medida que o número de partículas no sistema aumenta, este “jogo de voleibol” começa a ter “mais parceiros”, compara a professora. Desta forma, as partículas se movem mais depressa, em razão da ampliação do número de parceiros para compartilhar os elétrons. “Isso é o que a gente chama de anomalia na difusão da água.”

A descoberta revelou que o exercício da substância sobre as proteínas do organismo pode ajudar a compreender a cau-sa de doenças, já que a falta de proteínas no sangue pode debilitar a saúde humana. “A maior parte do nosso corpo é composta por água. Compreender como podemos trabalhar essa anomalia na água nas proteínas nos ajuda a entender mecanismos que levam a uma doença e a partir daí procurar solucioná-la”, argumenta Marcia.

O professor do Instituto de Química da Ufrgs, Paulo Augusto Netz, acompanhou de perto o trabalho científico da professora. Para ele, a pesquisa da docente possui um grande potencial de aplicação, pois muitas características

do comportamento das proteínas, como as peculiaridades do seu dobramento e suas interações com moléculas como ligantes, substratos e inibidores, dependem da mediação via moléculas de água. “Neste sentido, o estudo das pecu-liaridades da água nos possibilita uma melhor compreensão destes processos microscópicos, o que pode nos ajudar a en-tender doenças como as falhas de dobramento de proteína e a desenvolver novos e melhores fármacos”, afirma.

Atualmente, Marcia é diretora do Instituto de Física da Ufrgs, vice-presidente da International Union of Pure and Applied Physics e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. O prêmio L'Oréal-Unesco para as Mulheres e a Ciência é entregue para cinco cientistas, representantes de cada continente. Cada premiado recebe US$ 100 mil. “O prêmio não é só meu. Cerca de 20 pessoas ajudaram no desenvolvimento da pesquisa, entre alunos de mestrado e doutorado e colaboradores por todo o Brasil e no exterior”, valoriza a professora.

Também serão agraciadas as cientistas Reiko Kuroda (Ja-pão), Nneka Okeke (Nigéria), Deborah Jin (EUA) e Pratibha Gai (Inglaterra). O programa da Unesco já premiou 77 mu-lheres em 15 anos. Antes da professora Marcia Barbosa, da Ufrgs, outras quatro cientistas brasileiras já haviam sido premiadas: Mayana Zatz e Beatriz Barbuy, da USP, e Belita Koiller e Lucia Previato, da UFRJ.

Anomalia na água pode ajudar no tratamento de doenças

por Araldo Neto

Marcia Barbosa é a quinta brasileira a receber o prêmio L’Oréal-Unesco para as Mulheres e a Ciência

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aberto com o governo, através de um Grupo de Trabalho (GT), frisou Maria Luiza. “Agora, devemos permanecer atentos du-rante a votação do Projeto de Lei (PL) no Congresso Nacional, e acompanhar as discussões do GT e as futuras negociações com o governo”, ressaltou a dirigente. A presidente da Adu-frgs encerrou seu discurso lembrando que os docentes devem estar disponíveis para novas lutas para defender o que já foi conquistado e manter a união que levou a essas vitórias.

O ex-tesoureiro da diretoria do Sindicato, professor Dal-tro José Nunes, destacou a importância da celebração do Dia do Professor com a categoria “unida”. “Essa festa mostra o interesse da comunidade acadêmica em se reunir, e pelas feições dos presentes, podemos notar a alegria das pessoas em festejar este momento”, valorizou Nunes.

Após o jantar, o vice-presidente do Sindicato, professor Lúcio Vieira, realizou um sorteio com o auxílio da segunda--secretária da diretoria da Adufrgs, professora Marilda Fer-nandes. Entre os agraciados, o professor associado do Ins-tituto de Química da Ufrgs, Hubert Stassen comemorou ter ganho uma TV Samsung, 3D, 40 polegadas. “Fico muito feliz por ter sido um dos felizardos e recebido um dos prêmios. Adoro quando o Sindicato oferece jantares como este”, res-saltou Hubert. Após o jantar, o grupo de professores, anima-do com a homenagem, aproveitou a pista de dança do clube, encerrando a festa com muita alegria.

HOMENAGEM

Adufrgs-Sindical comemora Dia do Professor com grande jantar

por Michelle Rolante

Em um dos maiores eventos já realizados pela Adufrgs--Sindical, que contou com a presença de aproximadamente 600 pessoas, o Dia do Professor foi comemorado pela enti-dade e seus associados com um jantar realizado no final de outubro, no Clube Farrapos. A confraternização foi marcada pela alegria de encontros e reencontros de amigos e docentes da Ufrgs, UFCSPA e IFRS.

Em breve discurso, a presidente do Sindicato, Maria Luiza Ambros von Holleben, parabenizou os professores presentes e deu boas vindas a todos em nome da diretoria. Ela tam-bém destacou que o momento é importante para os docentes avaliarem suas responsabilidades na educação e na formação de jovens, além da atuação na sociedade. “Com dedicação, estamos elevando a qualidade do ensino superior das nossas instituições. Atualmente, a Ufrgs e a UFCSPA estão entre as melhores universidades do País, graças ao nosso esforço”, sa-lientou Maria Luiza.

Com a postura política assumida pelo Sindicato de pro-por e negociar as demandas da categoria, a Adufrgs definiu novos rumos no movimento sindical docente, observou a di-rigente. Ela frisou que, desta forma, foi possível chegar ao melhor Termo de Acordo entre servidores públicos e o gover-no federal, referindo-se ao documento assinado em agosto de 2012. Através deste ato os docentes recuperaram perdas e conquistaram avanços, além de manterem a negociação em

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JURÍDICO

BOAS FESTAS! BOAS FESTAS!

Impossibilidade de incidência acumulada do abate-teto constitucional

sobre pensão e proventospor Francis Campos Bordas, advogado

Não são raros os casos de servidores públicos casados en-tre si. Em se tratando de servidores federais, quando do fale-cimento de um dos cônjuges, o outro passa a receber pensão por morte, além de, evidentemente, manter os ganhos do seu cargo, seja como servidor ativo ou aposentado.

Inicialmente, é preciso esclarecer que a percepção simul-tânea de proventos de aposentadoria (ou vencimentos) com os rendimentos de pensão é perfeitamente legal, na medida em que se trata de vantagens de natureza absolutamente dis-tinta. Os proventos de aposentadoria decorrem da jubilação do servidor e dos recolhimentos por ele feitos à seguridade social durante sua trajetória funcional; já os rendimentos de pensão foram custeados com os recolhimentos do servidor falecido e o fato gerador de seu pagamento é justamente a morte. Portanto, foram dois recolhimentos previdenciários feitos por pessoas distintas visando benefícios diferentes, de maneira que perfeitamente acumuláveis. Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou: Inexiste ve-dação legal relativa à acumulação dos benefícios de pensão por morte e aposentadoria por idade. A acumulação de bene-fícios vedada expressamente pelo texto legal é a percepção simultânea, de duas ou mais prestações de igual natureza. A pensão por morte e a aposentadoria por idade, são be-nefícios previdenciários de naturezas distintas. Enquanto o primeiro é prestação garantida aos dependentes, o segundo é prestação garantida ao próprio segurado, podendo ser per-cebidos simultaneamente. (RE 289.915/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini)

Portanto, uma professora universitária aposentada pode perfeitamente receber o pagamento da pensão instituída por seu falecido esposo, ex-servidor federal. Apesar dos benefí-cios possuírem natureza distintas, a Administração Federal considera o somatório de ambos para fins de incidência do abate-teto previsto no artigo 37, inciso XI da Constituição Federal:

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos (...) e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, (...) não poderão exceder o subsídio mensal, em es-pécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (...)

Contudo, por se tratar de proventos distintos e cumulá-veis entre si, para aplicação do limite remuneratório cons-titucional do art. 37, inciso XI, da Constituição Federal, o benefício de pensão deveria ser considerado isoladamente; o mesmo ocorrendo com os proventos de aposentadoria.

No caso hipotético referido acima, a aposentadoria e a pensão recebidas pela professora são constitucionalmente cumuláveis entre si, além de terem natureza jurídica distin-tas, não sendo razoável considerá-las cumulativamente para aplicação do limite estipulado para o teto constitucional. In-clusive já existem precedentes jurisprudenciais e até mesmo entendimento do Tribunal de Contas da União no sentido de considerar equivocada a conduta do poder público ao somar os valores dos benefícios de pensão e proventos de aposenta-doria para aplicação do limite do abate-teto.

Na raiz deste entendimento favorável à incidência “em se-parado” do abate-teto está o raciocínio bastante simples: todas as restrições previstas na Constituição se referem a um único servidor público. Em se tratando de uma pensão recebida acu-muladamente com uma aposentadoria, não se pode olvidar que se trata de benefícios oriundos de dois vínculos estatutários.

Mesmo que atualmente preponderem entendimentos fa-voráveis à tese aqui defendida da incidência do abate teto de forma isolada em cada rendimento, o fato é que os descon-tos seguem ocorrendo mensalmente nos rendimentos destas pessoas, o que faz com que as mesmas devam buscar no Ju-diciário uma solução. O resultado de uma demanda judicial pode trazer a suspensão (ou diminuição) do valor do abate, bem como a devolução do que foi indevidamente descontado no passado.

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35ADVERSO 198 | Novembro / Dezembro 2012

Comemorando as vitórias alcancadas para a categoria no decorrer deste ano que termina,

a diretoria da Adufrgs-Sindical deseja que, em 2013,as conquistas do movimento docente se multipliquem!

Aspiramos que o próximo ano seja repleto de realizacões de forma coletiva e no dia-a-dia de cada um.

BOAS FESTAS! BOAS FESTAS! BOAS FESTAS! BOAS FESTAS! BOAS FESTAS!

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BOAS FESTAS!

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