extensão do art. 940 do código civil a erros inescusáveis e dívidas inexistentes

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no site, comunicando que havia sido feita uma revisão em dois importantes documentos, a "Declaração de Direitos e Responsabilidades" e a "Política de Uso de Dados". Segundo ela, a revisão foi necessária para dar melhor explicação sobre como o nome do usuário, sua foto do perfil e outros dados pessoais podem ser usados em conexão com anúncios ou conteúdo comercial, para ficar claro que "está dando per- missão ao Facebook para esse uso".17 Logosurgiram pressões para que o Facebook desistisse das alterações propostas. Várias entidades de proteção da privacidade, lideradas pela EletronicPrivacy lnformation Genter (EPIC),enviaram carta 18 à Federal Trade Comission (FfC), que vem a ser uma espécie de agência reguladora do Governo dos Estados Unidos, encar- regada da proteção de direitos dos consumidores. Na carta, grupos de defesa da privacidade digital argumentam que as alterações possibilitarão que o Facebook utilize as fotos e 'homes de seus usuários para fins comerciais, sem que eles, quando se registraram no site, tivessem dado consen- timento para tal. Argumenta-se, também, que as alterações são especialmente perniciosas para os menores de idade, pois a nova redação do documento propõe a seguinte repre- sentação fictícia: Sevocêtivermenosde 18(dezoito)anos,outivermenosde qualquer idade aplicável à maioridade,você declaraque pelo menos um de seus pais ou responsáveislegaistambém con- cordou com os termos desta seção (e com o uso do seu nome, imagemdo perfil,conteúdo e informações)em seu nome. Ou seja, através dessa enunciação o Facebook consi- dera ter obtido uma autorização parental com o simples ingresso do menor no site, o que se afigura representação meramente fictícia, despida de valor jurídico, pois não exige o consentimento expresso dos pais ou responsáveis legais. Para utilizar dados de menores, o Facebook teria que ter se utilizado de uma ferramenta que mantivesse os pedidos de registro pendentes até que os pais manifestassem sua concordância com a política de uso. O envolvimento de crianças e adolescentes na questão é realmente elemento fundamental quando se trata de examinar a legalidade da publicidade na forma de histó- rias patrocinadas no Facebook. Existem muitas páginas e comunidades fazendo publicidade ou apologia do consumo de cigarros e bebidas, outras com orientação política, ideo- lógica e sexual. Permitir que menores de idade possam não só ter acesso a esse tipo de material informacional como também vincular sua imagem a determinados conteúdos inadequados viola as leis e princípios de proteção a esse grupo de pessoas mais vulnerável. Nos Estados Unidos, a FIC já anunciou que vai abrir investigação contra o Facebook. 19 No Canadá, também foi proposta ação coletiva contra o sUe, incitada por uma mulher que se sentiu lesada ao ver sua imagem e nome sendo utilizados para fins comerciais sem seu consenti- mento específico. 20 Com isso, não é difícil imaginar que a questão da legalidade das histórias patrocinadas do Face- book, em breve, assome também nos tribunais brasileiros. 11 NOTAS 1 Cf. Faceboolc mostra o raio-x de 1 bilhão de usuários. Folha de S. Paulo. de 4 de outubro de 2012. 2 Cf. Faceboolc divulga número de usudrios diários dos EUA e Reino Unido. Disponível em: <http://tecnologia.terra.com.brlfacebook-diwlga-numero-de- -usuarios-diarios-dos-eua-e-reino-unido.625c7a5568870410VgnCLD2000000dc6ebOaRCRD.html>. 3 Cf. Faceboolc passa Orlcut e vira maior rede sociol do Brasil. Disponível em: <http://gl.globo.comltecnologialnoticial2012101Ifacebook-passa-orkut-e- -vira-maior-rede-social-do-brasil-diz-pesquisa.html>. 4 CF.Faceboolc alcança marca de 76 milhões de usudrios no Brasil. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticialvida-digitaVfacebook-alcanca-marca- -de-76-milhoes-de-usuarios-no-brasil> . 5 Cf. Faceboolc libera publicidode nas feeds e chama de "destaques~ Disponível em: <http://tecnologia.terra.com.brlintemetlfacebook-Iibera-publicidade- -nos-feeds-e-chama-de-destaques,2668fe32cdbda31 OVgnCLD200000bbccebOaRCRD.html>. Acesso em: 19.04.12. 6 O feed de notícias é a coluna central da página inicial do usuário do Facebook. " uma lista em constante atualização de publicações das outras pessoas e páginas que um determinado usuário segue no Faceboolc. As publicações no feed de notícias incluem atualizações de status. fotos, vfdeos, links. atividade de aplicativos e opções "curtir~ 7 Informações contidas na "Central de Ajuda" do Faceboolc. Disponível em: <https:l/www.facebook.comlhelp/294671953976994>. 8 Cf. Como funcionam os anúncios e as histórias patrocinadas. Disponível em: <https:l/www.facebook.comlaboutlprivacy/advertising>. 9 Para tanto. basta utilizar a configuração de Editar anúncios sociais. 10 Isso está expressamente consignado na política de uso de dados pessoais do Faceboolc. na parte que informa sobre "Como funcionam os anúncios e as histórias patrocinadas":"Sua configuração Mostrar minhas ações sociais em Anúncios do Faceboolc controla somente os anúncios com contexto social. Ela não controla Histórias patrocinadas. anúncios nem informações sobre os serviços e recursos do Faceboolc ou outros conteúdos do Fac~ 11 Cf. Ferramentas para pais e educadores. Disponível em: <https:l/www.facebook.comlhelp/parents>. 12 Cf. Fíve million Faceboolc users are 10 or younger. ConsumerReparts.or9. 10 de maio de 2011. 13 US. District Court. Northem District of califomia. 14 Fraley. et ai. v. Faceboolc.lnc. et aI.. case nOCV-ll'()1726 RS. 15 Disponível em: <http://www.pcworld.com/article/2047520/judge-approves-2o-million-facebook-fund-to-settle-advertising-suithtml>. 16 Disponível em: <https:l/www.facebook.comllegaVterms>. 17 Inteiro teor do texto divulgado a respeito da revisão das políticas de uso de dados pessoais e declaração de direitos e responsabilidade disponível em: <https:l/www.facebook.comlnoteslfacebook-síte-governance/atualiza%C3%A7%C3%85es-propostas-para-os-documentos-de-goveman%C3% A7a110153197317185301 >. 18 Disponível em: <http://epic.orgtprivacy/ftcIPrivacy-Grps-FTC-tr-9-13.pdf>. 19 Cf. jomal The New York Times. de 11 de setembro de 2013. Disponível em: <http://www.nytimes.coml2013/09/12/technology/personaltechlftc- -looking-into-facebook-privacy-policy.html?_r=l&>. 20 Disponivel em: <http://www.cbc.ca/newslcanadalbritish-columbialb-c-woman-sues-facebook-for-using-her-photo-l.1192457>. DEMÓCRITO REINALDO FILHO é Juiz de Direito da 32" Vara Cível do Recife (PEj. 62 REVISTA JURíDICA CONSULEX - ANO XVII - N' 404 - 15 DE NOVEMBRO/20B HERNANI ZANIN JUNIOR E ROGÉRIO DONNINI A EXTENSÃO DO ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL ERROS INESCUSÁVEIS E DíVIDAS INEXISTENTES O Judiciário nacional tem sido unânime em aplicar a penalidade do art. 940 do Código Civil apenas quando o devedor conseguir provar má-fé do credor na sua cobrança judicial por dívida já paga, total ou parcialmente. Entretanto, julgado recente do Superior Tribunal de Justiça nos fez refletir acerca do alcance do art. 940 do Código Civil. Assim dispõe excerto da ementa: "Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Sanção prevista no art. 940 do Código Civil em caso de erro inescusável. Inaplicabilidade. Súmulas STJnOS7 e 83 [... 1." (AgRg no AREsp nO302.306-Sp, Terceira Turma, ReI. Min. Sidnei Beneti, DJe 04.06.13). Acaso esse dispositivo legal não tutelaria também os casos de cobranças judiciais por dívidas inexistentes ou naquelas em que ocorreu erro inescusável do credor ao postular sua cobrança indevida? Esses dois pontos, da maior importância, merecem nota. O art. 1.531 do Código Civil de 1916, cujo teor foi man- tido no art. 940 do atual Código Civil, era claro em prever penalidade aos que demandassem por dívida já paga ou em valor maior do que era devido, silenciando sobre qual seria o elemento subjetivo desse tipo civil. A vétusta jurisprudência do STJ pacificou que, no caso do art. 1.531 do Código Civil de 1916, era indis- pensável a prova pelo devedor de que o credor estaria com má-fé na sua demanda por dívida já paga ou em excesso, apesar de a Lei não exigir a prova pela vítima da má-fé do seu algoz como requisito jus- tificador para aplicação da penalidade. Confira-se o excerto do julgamento datado de 1990, proferido sob o escólio doutrinário do saudoso Professor Washington de Barros Monteiro: PROCESSUAL CIVIL. LITIGANTE DEMA-F~.BUSCAEAPRE- ENSÃO. I - Sem a prova inconcussa e irrefragável do dolo. não há como se impor ao litigante a condenação de que trata o disposto nos arts. 1.531 e 1.532 do Código Civil,quando promove lide dita temerária. 11- Razoabilidade da propositura da busca e apreensão de veículo vendido sob a modalidade de alienação fiduciária para garantir-se contra eventual inadimplência da parte em relação a qual foi celebrada a transação. 111- Negativa de vigência dos arts. 1.531 e 1.532 do Có- digo Civilnão caracterizada. Dissídiojurisprudencial não comprovado. Recurso não conhecido. (REsp nO1.964-RN,Terceira Turma, ReI. Min. WALDEMAR ZVEITER, DJ02.04.90.) Ainda que a jurisprudência pudesse e devesse inte- grar o conteúdo do prefalado art. 1.531, de acordo com os princípios e ideologia da sua época, é evidente que, com o nascimento, em 1988, do nosso novo Estado de Direito, os valores da legislação civil de 1916 passaram a ser outros, tanto é que toda essa nova carga principiológica foi acolhida no edito do Código Civil de 2002, movimento conhecido como "civilização do Direito Constitucional" ou "constitucionalização do Direito Civil". É certo, portanto, que a responsabilidade civil l vem se transformando sobremaneira nas últimas décadas no Brasil e em vários outros países. A razão principal dessa mudança sucedeu, inegavelmente, entre nós, a partir da Constituição Federal de 1988, com o advento do Código de Defesa do Consumidor e com o Código Civil de 2002, que enalteceram a pessoa humana, sua dignidade e pro- teção. De uma posição eminentemente patrirnonialista do Código Civil de 1916, preocupada fundamentalmente com a circulação de riquezas e o desenvolvimento econômico, o ordenamento jurídico, sem se esquecer da noção desen- volvimentista, passou a privilegiar um comportamento honesto, ético, correto, protetivo da pessoa, baseado no aspecto humanístico, na chamada justiça protetiva (ius- titia proctetiva), que privilegia uma vida digna, centrada no princípio neminem laedere, na ideia, portanto, de não lesar a outrem e na prevenção de danos. Aliás, já Clóvis Beviláqua, escrevendo sobre o Código Civilde sua lavra, esclareceu que "ao aplicador da lei cumpre recorrer aos princípios gerais do Direito, com os quais o jurista penetra em um campo mais dilatado, procura apa- nhar as correntes diretoras do pensamento jurídico e cana- lizá-la para onde a necessidade social mostra a insuficiên- cia do direito positivo. É, então, que o Direito melhor se lhe deve afigurar como a ars boni et aequi. Supor que, em qualquer desses momentos, o juiz deve procurar a von- tade do legislador, é de todo injustificável, pois que ele vem, iluminado pela doutrina e estimulado pelas neces- sidades da vida, justamente fazer o que o legislador não soube ou não pôde querer".2 Por essa razão, depois de 1988 há que se fazer uma releitura do instituto do art. 1.531 (anterior) e do art. 940 do (atual) Código Civil, este último notadamente informado pelos princípios hoje em voga no Estado de Direito brasileiro, entre eles a dignidade humana. E isso REVISTA JURíDICA CONSULEX - WWW.CONSULEX.COM.BR 63 et 2: - c: •••• :::J O C

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Page 1: Extensão do art. 940 do código civil a erros inescusáveis e dívidas inexistentes

no site, comunicando que havia sido feita uma revisão emdois importantes documentos, a "Declaração de Direitos eResponsabilidades" e a "Política de Uso de Dados". Segundoela, a revisão foi necessária para dar melhor explicação sobrecomo o nome do usuário, sua foto do perfil e outros dadospessoais podem ser usados em conexão com anúncios ouconteúdo comercial, para ficar claro que "está dando per-missão ao Facebook para esse uso".17 Logosurgiram pressõespara que o Facebook desistisse das alterações propostas.Várias entidades de proteção da privacidade, lideradas pelaEletronicPrivacy lnformation Genter(EPIC), enviaram carta 18

àFederal TradeComission (FfC), que vem a ser uma espéciede agência reguladora do Governo dos Estados Unidos, encar-regada da proteção de direitos dos consumidores. Na carta,grupos de defesa da privacidade digital argumentam queas alterações possibilitarão que o Facebook utilize as fotose 'homes de seus usuários para fins comerciais, sem queeles, quando se registraram no site, tivessem dado consen-timento para tal. Argumenta-se, também, que as alteraçõessão especialmente perniciosas para os menores de idade,pois a nova redação do documento propõe a seguinte repre-sentação fictícia:

Sevocêtivermenos de 18(dezoito)anos,ou tivermenosdequalquer idade aplicávelà maioridade,você declaraque pelomenos um de seus pais ou responsáveislegaistambém con-cordou com os termos desta seção (ecom o uso do seu nome,imagemdo perfil,conteúdo e informações)em seu nome.

Ou seja, através dessa enunciação o Facebook consi-dera ter obtido uma autorização parental com o simplesingresso do menor no site, o que se afigura representaçãomeramente fictícia, despida de valor jurídico, pois não exigeo consentimento expresso dos pais ou responsáveis legais.Para utilizar dados de menores, o Facebook teria que ter seutilizado de uma ferramenta que mantivesse os pedidosde registro pendentes até que os pais manifestassem suaconcordância com a política de uso.

O envolvimento de crianças e adolescentes na questãoé realmente elemento fundamental quando se trata deexaminar a legalidade da publicidade na forma de histó-rias patrocinadas no Facebook. Existem muitas páginas ecomunidades fazendo publicidade ou apologia do consumode cigarros e bebidas, outras com orientação política, ideo-lógica e sexual. Permitir que menores de idade possam nãosó ter acesso a esse tipo de material informacional comotambém vincular sua imagem a determinados conteúdosinadequados viola as leis e princípios de proteção a essegrupo de pessoas mais vulnerável.

Nos Estados Unidos, a FIC já anunciou que vai abririnvestigação contra o Facebook.19 No Canadá, tambémfoi proposta ação coletiva contra o sUe, incitada por umamulher que se sentiu lesada ao ver sua imagem e nomesendo utilizados para fins comerciais sem seu consenti-mento específico.20 Com isso, não é difícil imaginar que aquestão da legalidade das histórias patrocinadas do Face-book, em breve, assome também nos tribunais brasileiros. 11

NOTAS1 Cf. Faceboolc mostra o raio-x de 1 bilhão de usuários. Folha de S. Paulo. de 4 de outubro de 2012.2 Cf. Faceboolc divulga número de usudrios diários dos EUA e Reino Unido. Disponível em: <http://tecnologia.terra.com.brlfacebook-diwlga-numero-de-

-usuarios-diarios-dos-eua-e-reino-unido.625c7a5568870410VgnCLD2000000dc6ebOaRCRD.html>.3 Cf. Faceboolc passa Orlcut e vira maior rede sociol do Brasil. Disponível em: <http://gl.globo.comltecnologialnoticial2012101Ifacebook-passa-orkut-e-

-vira-maior-rede-social-do-brasil-diz-pesquisa.html>.4 CF.Faceboolc alcança marca de 76 milhões de usudrios no Brasil. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticialvida-digitaVfacebook-alcanca-marca-

-de-76-milhoes-de-usuarios-no-brasil> .5 Cf. Faceboolc libera publicidode nas feeds e chama de "destaques~ Disponível em: <http://tecnologia.terra.com.brlintemetlfacebook-Iibera-publicidade-

-nos-feeds-e-chama-de-destaques,2668fe32cdbda31 OVgnCLD200000bbccebOaRCRD.html>. Acesso em: 19.04.12.6 O feed de notícias é a coluna central da página inicial do usuário do Facebook. " uma lista em constante atualização de publicações das outras pessoas

e páginas que um determinado usuário segue no Faceboolc. As publicações no feed de notícias incluem atualizações de status. fotos, vfdeos, links.atividade de aplicativos e opções "curtir~

7 Informações contidas na "Central de Ajuda" do Faceboolc. Disponível em: <https:l/www.facebook.comlhelp/294671953976994>.8 Cf. Como funcionam os anúncios e as histórias patrocinadas. Disponível em: <https:l/www.facebook.comlaboutlprivacy/advertising>.9 Para tanto. basta utilizar a configuração de Editar anúncios sociais.10 Isso está expressamente consignado na política de uso de dados pessoais do Faceboolc. na parte que informa sobre "Como funcionam os anúncios e as

histórias patrocinadas":"Sua configuração Mostrar minhas ações sociais em Anúncios do Faceboolc controla somente os anúncios com contexto social.Ela não controla Histórias patrocinadas. anúncios nem informações sobre os serviços e recursos do Faceboolc ou outros conteúdos do Fac~

11 Cf. Ferramentas para pais e educadores. Disponível em: <https:l/www.facebook.comlhelp/parents>.12 Cf. Fíve million Faceboolc users are 10 or younger. ConsumerReparts.or9. 10 de maio de 2011.13 US. District Court. Northem District of califomia.14 Fraley. et ai. v. Faceboolc.lnc. et aI.. case nOCV-ll'()1726 RS.15 Disponível em: <http://www.pcworld.com/article/2047520/judge-approves-2o-million-facebook-fund-to-settle-advertising-suithtml>.16 Disponível em: <https:l/www.facebook.comllegaVterms>.17 Inteiro teor do texto divulgado a respeito da revisão das políticas de uso de dados pessoais e declaração de direitos e responsabilidade disponível

em: <https:l/www.facebook.comlnoteslfacebook-síte-governance/atualiza%C3%A7%C3%85es-propostas-para-os-documentos-de-goveman%C3%A7a110153197317185301 >.

18 Disponível em: <http://epic.orgtprivacy/ftcIPrivacy-Grps-FTC-tr-9-13.pdf>.19 Cf. jomal The New York Times. de 11 de setembro de 2013. Disponível em: <http://www.nytimes.coml2013/09/12/technology/personaltechlftc-

-looking-into-facebook-privacy-policy.html?_r=l&>.20 Disponivel em: <http://www.cbc.ca/newslcanadalbritish-columbialb-c-woman-sues-facebook-for-using-her-photo-l.1192457>.

DEMÓCRITO REINALDO FILHO é Juiz de Direito da 32" Vara Cível do Recife (PEj.

62 REVISTA JURíDICA CONSULEX - ANO XVII - N' 404 - 15 DE NOVEMBRO/20B

HERNANI ZANIN JUNIOR E ROGÉRIO DONNINI

A EXTENSÃO DO ART. 940 DO CÓDIGO CIVILERROS INESCUSÁVEIS E DíVIDAS INEXISTENTES

OJudiciário nacional tem sido unânime em aplicara penalidade do art. 940 do Código Civil apenasquando o devedor conseguir provar má-fé docredor na sua cobrança judicial por dívida já

paga, total ou parcialmente.Entretanto, julgado recente do Superior Tribunal de

Justiça nos fez refletir acerca do alcance do art. 940 doCódigo Civil. Assim dispõe excerto da ementa: "Agravoregimental. Agravo em recurso especial. Sanção previstano art. 940 do Código Civil em caso de erro inescusável.Inaplicabilidade. Súmulas STJ nOS7 e 83 [...1." (AgRg noAREsp nO302.306-Sp, Terceira Turma, ReI. Min. SidneiBeneti, DJe 04.06.13).

Acaso esse dispositivo legal não tutelaria também oscasos de cobranças judiciais por dívidas inexistentes ounaquelas em que ocorreu erro inescusável do credor aopostular sua cobrança indevida? Esses dois pontos, damaior importância, merecem nota.

O art. 1.531 do Código Civil de 1916, cujo teor foi man-tido no art. 940 do atual Código Civil, era claro em preverpenalidade aos que demandassem por dívida já paga ouem valor maior do que era devido, silenciando sobre qualseria o elemento subjetivo desse tipo civil.

A vétusta jurisprudência do STJ pacificou que, nocaso do art. 1.531 do Código Civil de 1916, era indis-pensável a prova pelo devedor de que o credor estariacom má-fé na sua demanda por dívida já paga ouem excesso, apesar de a Lei não exigir a prova pelavítima da má-fé do seu algoz como requisito jus-tificador para aplicação da penalidade. Confira-seo excerto do julgamento datado de 1990, proferido sobo escólio doutrinário do saudoso Professor Washingtonde Barros Monteiro:

PROCESSUALCIVIL.LITIGANTEDEMA-F~.BUSCAEAPRE-ENSÃO.I - Sem a prova inconcussa e irrefragável do dolo. não hácomo se impor ao litigante a condenação de que trata odisposto nos arts. 1.531 e 1.532 do Código Civil,quandopromove lide dita temerária.11- Razoabilidade da propositura da busca e apreensão deveículo vendido sob a modalidade de alienação fiduciáriapara garantir-se contra eventual inadimplência da parteem relação a qual foi celebrada a transação.111- Negativa de vigência dos arts. 1.531 e 1.532 do Có-digo Civilnão caracterizada. Dissídio jurisprudencial nãocomprovado. Recurso não conhecido.

(REspnO1.964-RN,Terceira Turma, ReI.Min.WALDEMARZVEITER,DJ02.04.90.)

Ainda que a jurisprudência pudesse e devesse inte-grar o conteúdo do prefalado art. 1.531, de acordo comos princípios e ideologia da sua época, é evidente que,com o nascimento, em 1988, do nosso novo Estado deDireito, os valores da legislação civil de 1916 passaram aser outros, tanto é que toda essa nova carga principiológicafoi acolhida no edito do Código Civil de 2002, movimentoconhecido como "civilização do Direito Constitucional"ou "constitucionalização do Direito Civil".

É certo, portanto, que a responsabilidade civill vemse transformando sobremaneira nas últimas décadas noBrasil e em vários outros países. A razão principal dessamudança sucedeu, inegavelmente, entre nós, a partir daConstituição Federal de 1988, com o advento do Códigode Defesa do Consumidor e com o Código Civil de 2002,que enalteceram a pessoa humana, sua dignidade e pro-teção. De uma posição eminentemente patrirnonialista doCódigo Civil de 1916, preocupada fundamentalmente coma circulação de riquezas e o desenvolvimento econômico,o ordenamento jurídico, sem se esquecer da noção desen-volvimentista, passou a privilegiar um comportamentohonesto, ético, correto, protetivo da pessoa, baseado noaspecto humanístico, na chamada justiça protetiva (ius-titia proctetiva), que privilegia uma vida digna, centradano princípio neminem laedere, na ideia, portanto, de nãolesar a outrem e na prevenção de danos.

Aliás, já Clóvis Beviláqua, escrevendo sobre o CódigoCivilde sua lavra, esclareceu que "ao aplicador da lei cumprerecorrer aos princípios gerais do Direito, com os quais ojurista penetra em um campo mais dilatado, procura apa-nhar as correntes diretoras do pensamento jurídico e cana-lizá-la para onde a necessidade social mostra a insuficiên-cia do direito positivo. É, então, que o Direito melhor selhe deve afigurar como a ars boni et aequi. Supor que, emqualquer desses momentos, o juiz deve procurar a von-tade do legislador, é de todo injustificável, pois que elevem, iluminado pela doutrina e estimulado pelas neces-sidades da vida, justamente fazer o que o legislador nãosoube ou não pôde querer".2

Por essa razão, depois de 1988 há que se fazer umareleitura do instituto do art. 1.531 (anterior) e do art.940 do (atual) Código Civil, este último notadamenteinformado pelos princípios hoje em voga no Estado deDireito brasileiro, entre eles a dignidade humana. E isso

REVISTA JURíDICA CONSULEX - WWW.CONSULEX.COM.BR 63

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Page 2: Extensão do art. 940 do código civil a erros inescusáveis e dívidas inexistentes

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é emblemático porque, não sem razão, o constituinteoriginário estabeleceu como fundamento do Estado deDireito aquilo que a sociedade tinha e tem em mais altograu, a saber, "a dignidade da pessoa humana". Destacadano art. 1°, inciso m, da Constituição Federal, trata-se deum sobreprincípio, cujo conteúdo abrange os subprin-cípios da vida, propriedade, liberdade, solidariedade,segurança/proteção e igualdade, que no texto constitu-cional recebem o status de direito fundamentaJ.3

Como já tivemos a oportunidade de escrever4, oart. 940 do Código Civil versa sobre a cobrança judi-cial indevida perpetrada com má-fé ou erro inescu-sável. A cobrança indevida prevê três modalidades: (i)dívidas inexistentes; (ii) dívidas quitadas totalmente; e(iH)dívidas quitadas parcialmente. Apesar de o verbete

\\tratar expressamente de demandas por dívidas quitadasou em valor maior, entendemos que também se integraà hipótese deste artigo a cobrança indevida de dívidasinexistentes (e não somente as quitadas), devendo opretenso credor incauto ser apenado na dobra do quecobrou indevidamente.

Aresponsabilidade é subjetiva, mas com uma particula-ridade, pois compete ao credor a demonstração de quea sua cobrança colocada em dúvida pelo devedor nãoé de má-fé ou que seu erro seria escusável. Há, dessemodo, uma presunção juris tantum contra o pretensocredor, que deverá demonstrar a ausência de má-fé ouerro justificável para que se desvie da penalidade do art.940. O devedor deverá fazer prova apenas de eventualpagamento ou de que a cobrança é excessiva, mas nãoé possível lhe imputar o dever de provar má-fé da parteadversa. Isso porque a exigência de prova por parte dodevedor das motivações ou circunstâncias próprias docredor, o que aliás é recorrente na nossa prática forense,inviabiliza a aplicação da penalidade na quase tota-lidade dos casos. Assim, contestada a cobrança pelodevedor por desconhecê-la, já estar quitada ou ser amaior, passa ao suposto credor o ônus de provar que asua postulação não estava inquinada de má-fé ou queseu erro seria justificável.

Do mesmo modo, o fato de uma ação de cobrançaser julgada improcedente não significa que tenha apli-cação esse artigo, assim como meros erros de cálculonão determinam a sua incidência. A finalidade desseartigo é evitar a cobrança, seja ela excessiva ou abusiva(replus petitur), de dívida inexistente, já solvida em parteou na sua totalidade. Portanto, se o credor demanda pordívida inexistente ou já paga, sem observar as importân-cias recebidas, ou pedir mais do que for, efetivamente,devido, deverá pagar em dobro no primeiro caso e, nosegundo, o equivalente do que exigir a mais do devedor,exceto se houver prescrição.

Ressalte-se que, mesmo logrando o credor demons-trar sua boa-fé e a escusabilidade do seu erro, não sefurtará ao pagamento das verbas sucumbenciais, bemcomo no pagamento dos gastos que o devedor incorreuextrajudicialmente para manejar a demanda (inclusive

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com honorários contratuais de advogado), já que serávencido na demanda e o único que a ela deu causa, nostermos do art. 20 do Código de Processo Civil combinadocom o art. 404 do Código Civil.

No tocante às hipóteses de incidência da penalidadedo art. 940 em comento, embora a maior parte da dou-trina e a integralidade da jurisprudência mantenham oentendimento antigoS, constante da Súmula nO159 doSupremo Tribunal Federal, de que a boa-fé eximiria ocobrador que agiu sem a devida cautela da penalidade,passando-se, a partir daí, a exigir que o devedor pro-vasse a má-fé desse suposto credor, não é essa a nossaposição. A nosso ver, essa situação enseja a aplicaçãodas penas do art. 940, a cobrança indevida realizadasem justificação plausível e que decorra da in cúria dopretenso credor.

Atualmente, em razão do amplo acesso e exposiçãoda informação, o manejo de processo judicial é extre-mamente sério e abala fortemente a vida de qualquerpessoa a ele vinculada, na condição de réu, principal-mente aqueles que nada devem e que terão que con-tratar advogado, perder precioso tempo de trabalho elazer, sob pressão e angústia, para reunir documentosou concatenar fatos, assim como aguardar considerávelperíodo com evidente ansiedade até que a demandatermine com o reconhecimento da inexistência total ouparcial da dívida. Para se notar a gravidade, basta lem-brar que o suposto devedor não poderá ter suas certi-dões negativas cíveis nem crédito nas Instituições finan-ceiras ou comércio em geral, para destacar o menos. Seo processo for executivo, estará diuturnamente apreen-sivo, com receio de mais dia ou menos dia ser atingidopor constrições indevidas de valores em contas bancá-rias ou bens diversos.

Dessarte, há que se imputar a penalidade ao deman-dante de má-fé ou que agiu sem as cautelas de praxee incorreu em erro inescusável, atingindo drástica einjustamente a esfera jurídica alheia. Não se pode fazerletra-morta do art. 940 do Código Civil, que determinaclaramente exemplar punição contra quem maneja pro-cesso judicial pleiteando o que não tem direito a receber.

Ademais, no dispositivo em comento, não se puneapenas quem propõe uma nova demanda de formainjusta, mas também aquele que, sabendo ou devendosaber que o devedor pagou extrajudicialmente o quedevia, prossegue indevidamente com a ação judicial.E isso pareceria absurdo se os exemplos práticos nãofossem vários: (i) quando a parte recebe o preço devidoextrajudicialmente diretamente do devedor e nãoinforma o seu advogado, com o intuito de não pagar oshonorários convencionais, o que faz com que a ação con-tinue; (H)quando há pluralidade de credores, podendocada um deles receber em nome de todos, por con-venção ou porque a obrigação era indivisível, mas, umdeles recebendo e nada informando aos demais, estescontinuam com a demanda mesmo depois de sereminformados do pagamento; (iii) quando o inventariante

primitivo recebe valores devidos ao espólio e não leva oproduto ao inventário, fazendo com que o novo inven-tariante prossiga indevidamente com a ação judicial decobrança já quitada, mesmo depois de informado do paga-mento ao inventariante anterior, entre outros exemplos.

previsão atualmente contida no art. 940 do Código Civilpara se abarcar nas hipóteses de cabimento de aplicaçãoda penalidade também as hipóteses de cobrança indevidamediante erros inescusáveis ou de dívidas inexistentes,sob pena de se negar vigência ao indigitado dispositivolegal, estimulando assim o manejo de cobranças judiciaisdespropositadas, quando a sua aplicação integral poderiaser eficazmente inibidora dessas nefastas práticas. 1\

CONCLUSÃODessa forma, é necessária a releitura constitucional da

NOTAS1 Responsabilidade,do latim respondere, de spondeo, é resultado da obrigação no DireitoRomanoarcaico,direito quiritário, na

época da Realeza,período compreendido entre as origens de Romae 510a.c.,em que o devedor, nos contratos verbais,se vin-culavaao credor por meio de uma indagação e resposta:Spondesne mihi dare Centum? Spondeo (Prometesdar-me um cento?Prometo).(Cf.AZEVEDO,ÁlvaroVillaça.Teoria geral das obrigações. Responsabilidade civil. 10.ed. SãoPaulo:Atlas,2004,p.276.)

2 BEVILÁQUA,Clóvis.Teoria geral do Direito Civil. Riode Janeiro: Paulo Azevedo, 1955, p. 35-36;46.3 Videnesse sentido FERRAZJÚNIOR,Tércio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito. São Paulo:Atlas,2009, p. 306-307.4 Nesse sentido: DONNINI,Rogério. In:Comentários ao Código Civil brasileiro. WIII.ALVIM,Arruda;ALVIM,Thereza (Coord.).

Riode Janeiro: Forense, p. 431-434.5 Vide nesse sentido: "Agravoregimental. Recurso especial. Art. 1.531do Código Civilde 1916. Prova da má-fé. Exigência.

Súmula nO159-STF.Súmula nO7-STJ.1.Aaplicação da sanção prevista no art. 1.531do Código Civilde 1916 (mantida peloart. 940 do CC/02)- pagamento em dobro por dívida já paga - depende da demonstração de má-fé, dolo ou malícia,por parte do credor. Precedentes. 2.Areversão do entendimento exposto pelo Tribunal de origem, com a verificação daeventual má-fé da parte credora, exigiria, necessariamente, o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado emsede de recurso especial, nos termos da Súmula n° 7-Sn 3.Agravoregimental a que se nega provimento:' (AgRgno REspnO601.004-SP,Quarta Turma, ReI."Min."Maria Isabel Gallotti,DJe 14.09.12.)

HERNANI ZANIN JUNIOR sócio e diretor do contencioso do escritório Donnini, Gail e Zanin Advogados.

ROG~RIO DONNINI é sócio etitulardo escritório Donnini,Gail e Zanin Advogados. Professor do Mestradoe Doutorado da PUC/SPeda Universidade de Nápoles/Itália.

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