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SumárioExpEdiEntE

REdE GovERno ColaboRativo Em SaúdE

Coordenador Geral Alcindo Antônio FerlA

Coordenação Administrativa liAnA Flores

Equipe Administrativa elenise coelho MineiA MAttos dAniel FernAndes JonAs GoMesMArinA BurAlde

Redação e Edição AnGélicA seGuídeMétrio rochA PereirA

ColaboraçãoAlessAndrA X. Bueno BrunA sArAivA FABiAno BruFFAtoMAriAnA MArtins

Projeto Gráfico e DiagramaçãocorAl Michelin

Fotografias deMétrio rochA PereirAFernAndA cArdoso FeiJó lennon MAcedo MAriAnA MArtins

Foto de CapauniversidAde de BolonhA - Acervo dA rede Governo

AgradecimentosAlessAndrA X. BuenorenAtA Flores trePteGABriel cAlAzAns

Jornalista Responsável AnGélicA seGuí

Contatowww.redegovernocolaborativo.org.brcomunica@redegovernocolaborativo.org.brAv. João Pessoa, 155 - centro históricoPorto Alegre/rs

02 EDitoriAlpor Alcindo Ferla

04 #nósnArEDEA equipe do Comunica e Rádio Web

06 #ProjEtosOficina discute serviços de saúde

08 #links#susconecta

11 #uFRGSEntrevista com Rui Oppermann

35 #ExPEriênciAExperiência internacional, por Bruna Saraiva

16 #EvEntosComo foi o Congresso da Rede Unida

22 #EntrEvistAEntrevista com Naomar Almeida Filho

26 #PArcEirosUFRGS e UNIBO, por Ardigò Martino

28 #capa Cooperação Brasil-Itália

38 #PErFilEntrevista com Maria Augusta Nicoli

42 #PEsquisA Rede-Observatório do Prograna Mais Médicos

46 #linksBrincação com Cléo Lima

52 #vivênciANa tribo indígena Terena

56 #livrosDicas de leituras

58 #AGEnDAPróximos eventos

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e para organizar modelagens de trabalho mais inclusivas para o ensino e para os serviços. A diferença é mobilizadora da capacidade de compreender e formular políticas inclusivas. esse não é apenas um desafio da universidade contemporânea, é também um desafio para a democracia contemporânea.

nesse número da revista da rede Governo, seguimos com entrevistas e matérias que nos ajudam a compreender o trabalho realizado, mas, sobretudo, a refletir sobre temas importantes para a integração ensino e serviços, para a uni-versidade e para o cotidiano. chamo a atenção para a entrevista com o Prof. rui opermann, que fala da experiência de elaboração do Pdi na uFrGs, do Prof. naomar de Almeida Filho, com a experiên-cia dos Bacharelados interdisciplinares e a inclusão, e da dra. Maria Augusta nicoli, comentando a experiência de colaboração entre a itália e o Brasil no campo da saúde coletiva. A divulgação das matérias e en-trevistas é para estimular novas ideias e mais inovações para o fortalecimento do sus e das mudanças na formação dos profissionais de saúde, na direção do com-promisso ético e político com a saúde das pessoas e coletividades, e mais democra-cia, porque, como diz o slogan da reforma sanitária Brasileira, “saúde é democracia”!

Boa leitura e muita inspiração para todos e todas!

Definitivamente, as fronteiras transna-cionais não representam mais um limite de circulação na maior parte dos países; representam um desafio às políticas pú-blicas e aos nossos modos de compreen-der a organização da vida.

os conceitos de estado e território são fundantes da nossa capacidade de analisar e compreender a cultura, as po-líticas. Mas esses conceitos são constru-ção datada e, cada vez mais, não suprem a necessidade de analisar fenômenos na saúde. Já não é nova a constatação de que doenças e vetores não respeitam os limites territoriais e as barreiras físicas e alfandegárias dos países. tampouco que o complexo produtivo da saúde se move por interesses, regras e determi-nações que transcendem as fronteiras e a autonomia das nações. o que é novo é que, com o conceito ampliado de saúde, que redimensiona a compreensão neces-sária para as respostas às demandas e necessidades das pessoas, o fenômeno dos fluxos internacionais toma outra di-mensão. As diferenças culturais, étnicas, de configuração de sistemas e serviços, mas, sobretudo, o reconhecimento que os direitos humanos são atributos das pessoas e coletividades, e não conces-são de territórios e países, constituem um desafio muito grande para as políti-cas e para os governos, é verdade. Mas constitui também uma oportunidade singular: a compreensão dessas dife-renças é também insumo para pensar políticas mais generosas, para produzir conhecimento mais útil e mais oportuno

frequentes; no trabalho de campo das pesquisas avaliativas da atenção básica e do Programa Mais Médicos, o contato com profissionais de outros países é frequente; nos corredores da sede na uFrGs, é quase cotidiano o encontro e a conversa com parceiros de outros países em atividades de mobilidade docente e discente; nas atividades culturais, do Xirú ao churrasco domingueiro, fala-se até em português do sul do Brasil, mas também os diversos outros do país e em Portugal, italiano, espanhol, inglês, francês, crioli .... e hibridismos entre todos, num esperanto artisticamente de-senhado para a comunicação intensiva e para compor a saudades dos encontros.

Temos fluxos internacionais o tempo todo. Mas não é só nas atividades da Rede Governo. Os fluxos entre frontei-ras tornaram-se cotidianos no país, não apenas nas regiões fronteiriças. o Brasil, por decorrência de um deslocamento rápido nas referências do cenário inter-nacional, tornou-se local de chegada de migrantes de diferentes localidades e de diferentes modalidades: docentes e discentes em mobilidade acadêmica, trabalhadores de diversos países buscan-do condições mais dignas de trabalho e de vida, refugiados buscando abrigo humanitário, turistas e homens e mu-lheres buscando intercâmbios diversos.

POR ALCINDO FERLA

o cotidiano dos diferentes participan-tes da rede Governo colaborativo em saúde é atravessado por questões com repercussão internacional: nas pesquisas avaliativas, as experiências internacionais são sempre fonte de busca para resolver questões teóricas e metodológicas nos projetos desenvolvidos; na elaboração de artigos e informes científicos, a revisão bibliográfica inclui compreender o cenário em que são desenvolvidas as pesquisas e ensaios nos quais buscamos conceitos e teorias; nas caixas de mensagens, com frequência encontramos arquivos e trocas com interlocutores das nossas parcerias internacionais e, nas últimas semanas, pedindo informações sobre o cenário po-lítico brasileiro, incompreensível para os defensores das democracias modernas; os eventos internacionais já se tornaram destino frequente de colaboradores para trocas além das fronteiras; no planejamen-to dos eventos que fazemos no Brasil, a interlocução com parceiros internacio-nais é usual; a elaboração de projetos de fomento para pesquisas, eventos e ativi-dades de extensão normalmente inclui um componente internacional; reuniões virtu-ais que conectam interlocutores em dife-rentes países são corriqueiras; pesquisas e atividades de ensino transnacionais são

4 #EditoRial

Cooperação internacional e desenvolvimento do trabalho: onde estamos?

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rGcs, colaborando também na gestão das mídias sociais e na geração e edição de imagens do núcleo de comunicação da rede.

Lennon MaCedoGraduando em Jornalismo pela Fabico/uFrGs, trabalha com produção e edição de vídeo para o núcleo de comunicação da rede. nas horas vagas, escreve críticas de cinema para o fanzine zinematógrafo.

Mariana MartinsMestranda em saúde coletiva, concentra seus estudos na área da saúde Global. é formada em relações internacionais e, atualmente, cursa também o último se-mestre do Bacharelado em saúde coletiva. na rede Governo, atua no comunica e na rádio Web saúde uFrGs.

coletiva, Fernanda é militante, extensio-nista, bolsista e mãe de dois lindos “guris”, mãe de duas cadelinhas resgatadas e dois gatos. nas horas vagas escreve seu tcc. na rede Governo, atua no comunica e na rádio Web saúde uFrGs.

FaBiano BruFatto Lopescursando Bacharelado em saúde coletiva, tem formação técnica em sistemas para internet. Atualmente desenvolve o App da rede Governo, faz cobertura de eventos e é desportista nas horas vagas.

deMétrio roCha pereiraFormado em Jornalismo e mestrando em comunicação e informação pela Fabico/uFrGs. trabalhou como repórter em ve-ículos como o portal terra e o jornal zero hora. Apura e produz textos para a revista

na foto, da esquerda para a direita: lennon, demétrio, Angélica, coral, Fabiano e Mariana

Foto

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Conheça as pessoas que cuidam da parte visual e sonora dos projetos da RGCS.

As várias expertises docomunica

lham com paixão e fazem de tudo para cumprir prazos. integrada por estudantes de saúde coletiva, desig-ner e jornalistas, a equipe tem uma visão ampla do universo da comuni-cação e ajuda a divulgar os projetos de pesquisa em saúde da rede.

angéLiCa seguÍJornalista graduada pela Pucrs, empre-endedora cultural e ativista digital desde a época da internet discada. na rede Governo atua na coordenação da comuni-cação e marketing.

CoraL MiCheLinDesigner gráfica especializada em iden-tidade visual, branding e design edito-rial; mestranda em design estratégico pela unisinos; artista, calígrafa e artesã nas horas vagas, quando elas existem. Gerencia a identidade visual da rGcs e faz toda parte gráfica da rede, seus proje-tos e eventos.

Fernanda Cardoso da siLva FeijóNa reta final do Bacharel em Saúde

divulgar as atividades, os simpó-sios, congressos e afins, colaborar na comunicação dos grupos de pes-quisa e registar os diversos eventos com áudio e vídeo são algumas das atribuições do setor de comunica-ção da rGcs. Além dessas incum-bências, o grupo também planeja, entre um trabalho e outro, ofici-nas com assuntos de seu domínio, que possam agregar conhecimen-tos aos estudantes dos cursos de saúde a fim de dividir técnicas da comunicação - este foi o caso da palestra sobre marca e identidade visual que rolou durante a 1a Jornada da rede Governo colaborativo em saude, em 2015.

esta é a equipe do comunica que junto às integrantes da Radio Web saúde uFrGs se divertem, traba-

#nóSnaREdE

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benefícios de conhecer especificidades locais:– somos uma área de rios, temos

muitas populações quilombolas, indíge-nas, assentados, garimpeiros. A pesquisa já gerou efeitos interessantes, como a estratégia de saúde da Família ribeirinha, que é diferente da fluvial – observa Regina.

Para elen rose lodeiro castanheira (Faculdade de Medicina de Botucatu – unesp), o trabalho de campo ajudou na formação de profissionais de saúde que trabalham na área de avaliação.

– os efeitos sobre a universidade foram muitos bons. deu a oportunidade de formar experimentando, conhecendo a realidade da ponta – conclui

Programas incentivaram a produção de trabalhos de conclusão de curso e dissertações.

x

“Foi possível mapear os equipamentos de saúde disponíveis no

SUS, refletir sobre as potencialidades

e desafios para a organização da rede de atenção

na região.”

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Pesquisadores de diversas regiões do Brasil estiveram em Porto Alegre para dividir experiências e resultados da pesquisa

nascimento (Faculdade de Medicina do ABc), que atualmente coordena a avalia-ção dos programas no ABc Paulista e em municípios da região metropolitana de são Paulo, considera proveitoso o contato que professores e alunos vêm tendo junto aos gestores locais.

– Foi possível mapear os equipamen-tos de saúde disponíveis no SUS, refletir sobre as potencialidades e desafios para a organização da rede de atenção na região e produzir pesquisas no sentido de aprofundar o conhecimento sobre o modelo de atenção à saúde – diz Vânia, acrescentando que muitos dos pesquisa-dores têm sido convidados a integrar as equipes profissionais.

um dos impactos destacados pela pro-fessora regina Feio (universidade Federal do Pará) é a multiplicação de trabalhos de conclusão de curso e dissertações inspira-das nos programas. ela também destaca os

A Oficina de Rede Científica de Avaliação de Serviços discutiu, no fim de fevereiro, estratégias para avaliar e aper-feiçoar o trabalho das equipes de atenção básica, com a participação de represen-tantes das universidades responsáveis por articular regionalmente a integração entre ensino e serviço, no âmbito do Programa nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) e do Programa nacional de Avaliação dos serviços de saúde (PnAss).

A professora Vânia Barbosa do

oficina discute a avaliação científica dos serviços de saúde

#pRojEtoS

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comunidades. em vez de induzir as pessoas a utilizarem a tecnologia, nós reconhece-mos as pessoas dentro do sus, no campo do trabalho e da educação, promovendo a integração delas com o que chamamos de ecossistemas – explica o professor ricardo valentim, pesquisador do lAis.

na prática, em vez de criar várias contas em sistemas diferentes, o usuário acessa o #susconecta e recebe acesso aos serviços ali agregados. Conforme o perfil de cada usuário, o site irá recomendando conteúdos e itinerários de formação. o aproveitamen-to (ou não) dessas recomendações serve para refinar a construção do perfil digital e fornecer uma experiência cada vez mais personalizada. A identificação dinâmica dos

“Temos vários sistemas em que os profissionais e

estudantes precisam interagir, e daí veio a

ideia do #susconecta, que permite

integrar redes, sistemas, pessoas,

comunidades.”

De acordo com Ricardo Valentim, o maior desafio é dar sentido para grandes volumes de dados.

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Agregador de conteúdos se transformou em plataforma de pesquisa e contribui para a criação de dados sobre o sistema

#linkS

buscar “Azerbaijão” no Google, e logo a web estará lhe oferecendo promoções de passa-gens aéreas para o cáucaso e livros sobre o mundo muçulmano e a ex-união soviética. Se esse serviço interessa tanto à identifica-ção de demandas específicas de mercado, por que não se valer de tecnologia similar para compreender os percursos individuais que costuram um dos maiores sistemas de saúde do mundo?

A ideia surgiu no laboratório de inovação tecnológica em saúde (lAis), da universidade Federal do rio Grande do norte (uFrn), que a partir de 2009 criou os núcleos potiguar e paraibano do progra-ma telessaúde, desde então tendo amplia-do a parceria com o Ministério da saúde para o desenvolvimento de tecnologias como a Plataforma nacional de recursos humanos em saúde e o Ambiente virtual de Aprendizagem do sus (AvAsus). não por acaso, ali mesmo se percebeu a pos-sibilidade de agrupar todos os atores da área da saúde em um único ambiente.

– temos vários sistemas em que os profissionais e estudantes precisam intera-gir, e daí veio a ideia do #susconecta, que permite integrar redes, sistemas, pessoas,

POR DEMéTRIO ROChA PEREIRA

começou como um agregador de con-teúdos: reunir, em um só lugar, informações de diferentes portais relevantes para quem trabalha, estuda e utiliza o sus. Mas, para a fase seguinte do #susconecta, já não basta fornecer acesso ao conhecimento, se hoje o usuário de internet passa a maior parte do tempo online não só consumindo, mas também produzindo dados.

do Google ao Facebook, os gigantes da internet prosperam construindo perfis de preferências pessoais a partir de dados infor-mados pelos próprios usuários. experimente

uma rede social para quem faz o SuS

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#UFRGS

para avaliar os quatro anos de vigência do primeiro Plano de desenvolvimento institucional (Pdi) da universidade, apro-vado em dezembro de 2010.

naquela ocasião, a comunidade aca-dêmica participou da elaboração do “livro verde”, depois sintetizado para aprecia-ção do conselho universitário (consun). em 2015, o processo amadureceu e se abriu ainda mais à construção coletiva. A revista rGcs conversou com o vice-reitor rui vicente oppermann, coordenador do comitê do Pdi, para saber como a uFrGs se projeta para a próxima década. o vi-ce-reitor também falou sobre a recente “capilarização social” da violência no país. No fim de março, atos em defesa da de-mocracia hospedados pela universidade motivaram uma moção de repúdio apro-vada no plenário da Câmara Municipal de Porto Alegre. A moção, proposta por um vereador, foi anulada após acordo.

A uFrGs está escrevendo a sua “constituição” para os próximos 10 anos, após meses de consultas públicas, se-minários, painéis, rodas de discussão e e-mails convocando a participação online, no que culminou em mais de 12 mil sugestões oriundas tanto da comuni-dade interna quanto de fora da institui-ção. o processo sucedeu uma consulta

Em entrevista, vice-reitor explica a elaboração do segundo Plano de Desenvolvimento institucional (PDi) da universidade e demonstra preocupação com “capilarização do autoritarismo” nos campi

rui oppermann: PDi assegura uFrGs gratuita e ações afirmativasMinistério da educação, valendo para vários

setores, especialmente no campo da gestão.

o laiS ____________________

o fortalecimento das universidades a partir de 2003, com o Programa de Apoio a Planos de reestruturação e expansão das universidades Federais (reuni), foi especial-mente sentido na uFrn, que expandiu sua quantidade de cursos e seu espaço físico, vindo a tomar, em 2004, a decisão de se firmar como polo na área de tecnologias da informação e da comunicação.

criado em 2010 dentro do departamento de engenharia Biomédica, o laboratório de inovação tecnológica em saúde conta hoje com 1000m² de área no hospital universitário onofre lopes, reunindo pro-fissionais da saúde e das engenharias, mo-bilizados na construção de tecnologias e processos em benefício da saúde pública. todas as pesquisas são voltadas para o sus, seja no campo da gestão do tra-balho, seja na educação permanente em saúde, desde sistemas de informação e comunicação até dispositivos biomédicos. Atualmente, o lAis soma 34 projetos e uma equipe de 22 professores doutores.

profissionais, com reputação e habilidade reconhecida na comunidade online, pode vir a balizar, no futuro, convites para minis-trar cursos, por exemplo. o próprio sistema produz indicadores que reconhecem os pro-fissionais mais aptos para participar de uma determinada atividade.

biGdata __________________

Por enquanto, o site reúne os relatos e experiências da comunidade de Práticas, o AvAsus e o Portal saúde Baseada em evidências, com ampliação projetada para a inclusão da Plataformarh, dos observa-tórios de microcefalia e do Aedes aegypti, entre outros sistemas.

de acordo com o prof. valentim, o maior desafio é dar sentido para grandes volumes de dados, dispersos em plataformas hetero-gêneas, ou seja: as informações nem sempre “batem” umas com as outras.

– Qual o sentido disso para a formação do trabalhador? Qual o efeito desses dados na melhoria da matriz de competenciabi-lidade dos profissionais de saúde? Qual o impacto no serviço? são dados que têm valor semântico importante e que precisam ser discutidos com gestores e com a comu-nidade, para a melhoria da qualidade dos serviços de saúde – diz valentim.

como o problema do manejo de dados não é exclusivo da saúde, a invenção de soluções tecnológicas se abre ao aproveita-mento em outros âmbitos.

– Para o gestor, vai ficar muito mais fácil dimensionar a força de trabalho e que tipos de curso ele precisa para melhorar a forma-ção para o serviço. Muitas vezes a gente forma sem se preocupar com o impacto no serviço. então o trabalho que estamos fazendo pode interessar, inclusive, ao x

O maior desafio é dar sentido para grandes volumes

de dados, dispersos em plataformas heterogêneas.

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sugestões dentro de eixos direcionais. sugestões sobre lentidão, burocracia e trâmites se uniram no cluster “aperfeiçoar as práticas de governança pública”. todos terão acesso online a cada uma das su-gestões feitas. o reitor pode ir ao sistema buscar as contribuições da comunidade. é muito bonita a gestão pública baseada num plano estratégico institucional. A gente tem que usar esse plano dentro de um ambiente democrático, e não mais como um senhor das palavras. A gestão administrativa está sendo democratizada. o Pdi de uma universidade tão complexa, ampla e plena como a uFrGs só será legi-timado pela participação popular. A nossa opção foi corajosa. Abrimos a consulta. tanto quanto eu saiba, isso nunca tinha sido feito numa universidade federal.

rgCs Quais foram as sugestões mais frequentes?prof. oppermann A palavra que mais frequentemente foi “transversalidade”. A universidade entende que só vai con-seguir crescer em excelência, qualidade, inclusão, expansão, se começarmos a colaborar mais entre nós mesmos. não como indivíduos, mas como política insti-tucional. temos que aproximar diferentes unidades, laboratórios, departamentos, para que eles promovam essa integra-ção. Hoje uma nova profissão não vai mais nascer das instituições tradicionais. A odontologia, sozinha, não vai produ-zir outra coisa senão dentistas. Mas, se ela se juntar com a enfermagem, com a Farmácia, com a Biotecnologia, ela pode produzir pessoas capacitadas a trabalhar com bioengenharia aplicada à odontolo-gia. o sujeito que quebrou a mandíbula em três lugares daqui a pouco pode ter uma tecnologia nova de consolidação

usar em seus planos de governo. A mesma lógica funciona no Pdi.

rgCs Que desenho de universidade podemos dizer que o pdi atual decide sustentar, a despeito das mudanças de gestão e de governo?prof. oppermann A reafirmação da uni-versidade como pública e gratuita está no Pdi. se algum governo quiser cometer a loucura de privatizar o ensino público, a universidade vai dizer que não. não é o reitor que vai dizer que não, mas a uni-versidade, o que tem uma outra força. se você disser que o ensino universitário no Brasil será agora voltado para pesquisa e inovação, espere aí: nós não temos essa visão. temos a visão de que formação e recursos para professores, licenciaturas e para a graduação são essenciais, então vamos continuar priorizando isso. o Pdi tem políticas norteadoras que poderão ser ajustadas no tempo, mas na sua essência não serão modificadas, porque são o fun-damento da universidade.

rgCs entre mais de 12 mil colabora-ções, como uma sugestão específica se formaliza como meta da universidade?prof. oppermann O PDI é suficientemen-te genérico. se sou o diretor de uma facul-dade onde há licenciaturas, incluo no meu plano de gestão o fato de o Pdi dizer que as licenciaturas devem ser promovidas. Quando eu for na reitoria buscar recurso, estou legitimado. o Pdi talvez não mencio-ne ampliação da moradia estudantil, mas fala em melhoria da assistência estudan-til, que consta ali devido à quantidade de solicitações. se sugeri que os processos de compra da minha unidade fossem mais ágeis, se o protocolo de papel demora muito, isso é governança. Aninhamos

de diferentes setores? prof. oppermann não é uma amarração definitiva. O PDI deixa abertura suficiente para que o reitorado possa, a partir dele, construir o seu plano de gestão, deixan-do amplitude para políticas inovadoras, plurais. o plano de gestão da reitoria é a primeira consequência direta do Pdi, que será referência para os planos de desenvol-vimento das unidades acadêmicas. é uma referência: não amarra, não determina. e o Pdi será avaliado a cada dois anos. seria muita ousadia imaginarmos que podemos prever o que vai acontecer dali a quatro anos, quem dirá 10 anos. Precisamos saber se as políticas escolhidas hoje para os próximos 10 anos continuam atuais ou se outras surgiram que a gente precise adaptar. o Pdi não é imutável.

rgCs por que a decisão de ampliar este pdi para 10 anos, em vez de manter o período anterior, de quatro anos?prof. oppermann A vantagem é que nós isolamos o Pdi do plano de gestão da reitoria. isso é muito importante. o plano da próxima reitoria será feito com o Pdi vigente. na primeira vez, os dois foram feito juntos, o que mistura as coisas, e daqui a pouco você tem dificuldades. São instrumentos diferentes. entre 2016 e 2026 vão caber duas gestões e meia.

rgCs seria como criar uma separação entre uma chefia de governo, da reito-ria vigente, e uma chefia “de Estado”, ditada pelo pdi?prof. oppermann isso. o próprio governo federal tem o seu plano plurianual, que é diferente do plano de governo. o plano plurianual, construído pelo congresso em conjunto com o governo, estabelece linhas que os governos que sucedem deverão

rgCs Qual é a diferença entre o pdi e as políticas de gestão de cada reitor?prof. rui vicente oppermann A universi-dade nunca teve Pdis. ela tinha plano de gestão da reitoria, o que não é a mesma coisa. Quando construímos o primeiro Pdi, já houve um grande debate, mas ao longo da vigência as pessoas perceberam que ele era um instrumento importante de gestão da universidade. não é só para a reitoria, mas desde o chefe de departamento, o co-ordenador de uma disciplina, eles têm que se colocar dentro da perspectiva que o Pdi está alinhando para a universidade, os seus projetos e planos. Isso facilita a identifica-ção do que está sendo feito com o que a universidade pensa que deve ser feito.

rgCs o que garante a efetivação das metas previstas no pdi? em que sentido ele é mais que apenas uma “carta de intenções”?prof. oppermann o Pdi é também um instrumento legal. Qualquer avaliação externa que se faça de um curso, de uma unidade acadêmica, das contas da univer-sidade, todas essas avaliações do Mec, do Ministério do Planejamento, do tcu, elas partem do Pdi. A pessoa abre o Pdi e diz, por exemplo: “vocês tinham r$ 10 milhões para investir em inclusão, mas não inves-tiram, portanto há um desvio do Pdi. isso não é uma boa gestão.” examina-se a po-lítica do Pdi para ver se há coerência com o que está sendo realizado. A universidade deposita o seu Pdi no Mec, e qualquer gestão terá que respeitá-lo. Se não o fizer, estará prejudicando a universidade.

rgCs numa instituição tão grande e diversa, como elaborar um plano de va-lidade universal sem “engessar” a admi-nistração ou comprometer a autonomia

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como universidade de Porto Alegre. depois nos tornamos universidade do rio Grande do sul, e agora Federal do rio Grande do sul. Mas é uma universi-dade porto-alegrense no seu dia a dia. é uma coisa muito preocupante. A câmara vai reverter, como sinal de entendimento, mas o princípio autoritário do problema está aí, no dia a dia, no próprio campus. não sei o que vai acontecer no futuro, mas nós vamos com a democracia até o fim. Se é um elogio ou não, vou esperar alguns meses para dizer.

moveu uma grande inclusão, que estava dentro do Pdi. Foi uma política de inclu-são. A uFrGs estabeleceu como respon-sabilidade institucional para os próximos 10 anos: “inclusão, ações afirmativas e sustentabilidade.”

rgCs por último: ser objeto de uma moção de repúdio capitaneada pelas camadas mais conservadoras da política local chega a ser um motivo de orgulho?prof. oppermann Algumas coisas não posso falar por estarem em sigilo. A moção é só uma parte do problema. tem uma parte mais séria que a gente não pode comentar, e faço votos para que não ocorram. é muito preocupante como está se capilarizando a instituição do autoritarismo dentro da socieda-de brasileira. eu não o vivi, mas leio e estudo muito tudo o que aconteceu na europa no século XX, onde processos se deram de forma semelhante ao que está acontecendo do Brasil. o autoritarismo está se capilarizando e se empoderando em todas as instâncias, a ponto de uma Câmara Municipal aceitar uma nota de repúdio à promoção da democracia. Eu não entendo como. se viesse de uma as-sociação, de um sindicato, do que fosse, eu até entenderia, mas de uma Câmara Municipal, que vive ou deveria viver da democracia, não pode. é uma questão de princípio. A UFRGS ficou absoluta-mente indignada. eu, como gestor, assim como o reitor, espero que essa situação se reverta para o bem da universidade, mas principalmente para o bem de Porto Alegre, porque a Câmara será responsa-bilizada por um estranhamento entre a uFrGs e a sua cidade. tenho certeza de que a cidade não aceita isso. surgimos x

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indígena, as testemunhas, fazendo uma avaliação que vai dizer o que aconteceu e qual é a sentença. o documento legi-tima. A questão da intolerância é hoje muito grave na universidade e não vai encontrar guarida em ninguém que faça administração aqui. duvido que uma ins-tância da universidade venha a justificar esse pessoal que picha banheiros com “Fora negros” ou aquela coisa horrorosa da estrela. São coisas injustificáveis. A gente tem todos os instrumentos e a polí-tica para buscar aquilo. se alguém que faz aquilo acha que pode representar a uni-versidade, não encontrará guarida no Pdi.

rgCs O PDI firma compromisso com as ações afirmativas?prof. oppermann Fui diretor da odonto, onde não havia nenhum aluno ou pro-fessor negro. hoje temos curso noturno, negros, indígenas, 50% de alunos oriun-dos da rede pública. A universidade pro-

que, sozinho, o dentista não faz. isso é transversalidade, não apenas transdis-ciplinaridade. no futuro, certamente as profissões que vão estar na ponta não estão agora na universidade. como as de agora não estavam 10 anos atrás.

rgCs recentemente, alunos da uni-versidade agrediram um colega indí-gena na frente da Casa do estudante. também se espalham cartazes aber-tamente racistas e machistas. o pdi pode servir para orientar uma tomada de posição da uFrgs nesses casos?prof. oppermann [Apontando para o do-cumento] Aqui em “inclusão”: “promover e aperfeiçoar práticas de convívio e de cidadania, incluindo segurança, valores humanos e respeito às diferenças”. Aqui está o fundamento de por que posso dizer que o que aconteceu com o in-dígena exige uma comissão disciplinar para examinar, chamar os agressores, o

“A questão da intolerância é

muito grave e não vai encontrar

guarida em ninguém que faça

administração aqui.”

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Aluno indígena é agredido em frente à Casa do Estudante

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(*) Mariana Martins é Mestranda em saúde coletiva e Bacharel em relações internacionais(**) Fernanda cardoso Feijó é graduanda em saúde coletiva na uFrGs, integrante do Projeto de extensão radio Web saúde.

parteiras e o brasilALESSANDRA X. BUENO*

o encontro contou com a presença

de parteiras tradicionais da região norte e nordeste do Brasil e aconteceu em diferentes momentos do congresso. A roda girou, especialmente, na escuta das experiências das parteiras que contavam “causos” sobre a assistência ao parto em regiões que não tem unidades de saúde. também os “causos” da luta das mulheres pela inclusão das parteiras no sistema de saúde, começando em nível local (na cidade). Algumas cidades rece-beram apoio e colocaram “no sistema” as parteiras como profissionais (como o agente de saúde), mas conservando a sua atuação no parto.

Foi lindo de ver o poder e o conhe-cimento daquelas mulheres, (que pra mim, muitas vezes, era difícil de enten-der pelas diferenças de linguagem) com histórias reais de parto e do quanto elas tem experiência para enfrentar problemas comuns que, nos hospitais das regiões sul e sudeste especialmente, caracterizam como motivo para cesárea.

(*) Alessandra é Mestre em ciências do mo-vimento humano, especialista em educação em saúde Ambiental coletiva

“Saúde em todas as políticas”MARIANA MARTINS* E

FERNANDA CARDOSO FEIjó**

A abertura do 12º congresso internaci-

onal da rede unida ocorre ocorreu dia 21 de março de 2016, no Auditório da universidade católica dom Bosco, mas o campus da universidade já estava agitado com as dezenas de atividades pré-congres-so, entre elas a oficina “Saúde em Todas as Políticas (stP)”. Proposta pela oMs, “saúde em todas as Políticas” é uma abor-dagem que visa promover a colaboração entre os diferentes setores para maximizar os benefícios das políticas e reduzir as iniquidades em saúde.

A ideia da oficina surgiu das discus-sões sobre a stP durante as aulas da graduação em saúde coletiva/uFrGs através da iniciativa da professora cristianne Famer rocha, das estudantes iasmin carneiro, Bruna saraiva e da mes-tranda liara saldanha.

Os participantes da oficina reconhece-ram a importância de entender a saúde em um conceito mais amplo e que é in-fluenciada, não apenas por ações do setor saúde e que abordagens que ignorem esse aspecto intersetorial têm menos possibi-lidade de serem exitosas. Profissionais, estudantes e conselheiros municipais e estaduais de saúde recordaram questões de educação, saneamento, cultura, econo-mia, mobilidade urbana e habitação, por exemplo que têm impacto na qualidade de saúde das populações. Além disso, a participação da sociedade na formulação das políticas também foi identificada como indispensável para a saúde dos povos.

12º CRU enfatizou a importância da democracia e dos direitos civis.

Foi aprovada, ainda, a carta de campo Grande, documento oficial do Congresso reafirmando o compromisso de defender a democracia e combater a violência física, moral ou institucional, a intolerância, o preconceito, a discriminação ou qualquer retrocesso nas políticas sociais.

com todo o movimento no campus da ucdB, não seria possível acompanhar tudo o que rolava no congresso, mas trou-xemos recortes de percursos pessoais no evento. Confira a seguir relatos de noss@s colaboradores.

Boa leitura!

entre os dias 21 e 24 de março de 2016 aconteceu, em campo Grande (Ms), o 12º congresso internacional da rede unida, o maior evento de educação e saúde da América latina. Foram cerca de 4 mil pessoas, vindas de todo o Brasil e do exte-rior, apresentando trabalhos, participando de atividades culturais e visitando territó-rios sul-matogrossenses.

o tema diferença, sim, desigualdade, não: pluralidade na invenção da vida deu o tom dos encontros, do início ao fim. Já na abertura, a etiqueta da solenidade deu lugar à ética da rua em militância, e o corredor central do auditório do Bloco c da universidade católica dom Bosco (ucdB) foi percorrido por um comício de placas e cânticos em defesa da democra-cia. Já no encerramento, o ator e diretor teatral Amir haddad conversou sobre as relações entre a arte e saúde e a atuação antidemocrática dos grandes veículos de comunicação brasileiros.

Diferença, sim, Desigualdade, não

#EvEntoS

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sua vez a medicalização rotula como “pato-lógicas” questões anteriormente definidas por outras áreas e de duvidosa natureza médica. o encontro desses caminhos é cos-turado pela mercantilização que transforma as “soluções” em produtos, sejam judiciais ou médicos, e os vende prejudicando assim ou futuro das crianças que posteriormente viraram adultos com problemas.

(*) Fabiano Brufatto cursa o 7º semestre de saúde coletiva da universidade Federal do rio Grande do sul.

ativismo social e a saúde dos povos

MARIANA MARTINS

Ativismo social foi um dos temas

de debate do iii Fórum internacional de cooperação e Políticas Públicas, realiza-do no dia 23 de março de 2016, no 12º congresso internacional da rede unida. A távola intitulada “Ativismo social e a saúde dos Povos” reuniu ativistas do Movimento

pela saúde dos Povos (MsP) oriundos do Brasil, da Argentina, da Bolívia e da Palestina para discutir sobre questões de saúde de seus países e sobre a atuação do MsP nesses contextos.

A médica peruana da nação Quéchua, vivian camacho, falou sobre o Movimento pela saúde dos Povos e sobre a saúde dos Povos na América latina sob a ótica da luta dos povos tradicionais e do Bem viver.

Julio Monsalvo, chefe do programa de saúde comunitária do Ministério da comunidade de Formosa (Argentina), seguiu trazendo experiências na América latina de saúde Popular e apresentou o conceito de Alegremia, ou o índice de alegria no sangue de um indivíduo.

A palestina Muna Muhammad odeh, professora da universidade de Brasília, abordou a luta das mulheres palestinas no contexto do conflito arábe-israelense. A mesa foi coordenada pela professora cristianne rocha, da universidade Federal do rio Grande do sul, que também relatou a experiência do MsP no Brasil.

radas já que cada universidade que monta a sua grade curricular. os egressos que já estão atuando no mercado de trabalho deram seu depoimento a respeito de suas experiências no exercício da profissão de sanitarista e o que poderia ser acrescido na formação para que o profissional possa trabalhar com mais efetividade em nos setores da saúde.

Na távola Cartografias dos proces-sos de medicalização e judicialização nos contextos multiprofissionais em interfa-ce com a saúde a professora titular do departamento de Pediatria da Faculdade de ciências Médicas da unicamp, Maria Aparecida Affonso Moysés, falou sobre o seu ponto de vista sobre o transtorno do Déficit de Atenção Hiperatividade e o uso do metilfenidato (ritalina) por crian-ças e como a medicalização e judicializa-ção e quanto isso pode ser maléfico para elas. Para a professora, a judicialização se transforma em uma política de vida e realiza uma divisão da infância, que passa a ser alvo de atenção/controle, recebendo os papéis de “vítima” e “delinquente”. Por

Experiências e vivências no #12CRU

FABIANO BRUFFATO*

Durante a oficina “O Bacharel em Saúde coletiva: da formação para a atuação” que ocorreu durante o #12cru, foram trata-dos de assuntos relacionados a graduação de saúde coletiva em diferentes pontos de vista de egressos dos cursos de saúde coletiva dos estados do rio Grande do sul, rio Grande do norte, distrito Federal, Bahia e rio de Janeiro além de estudan-tes que estão no processo de formação do curso além de profissionais da saúde e outros participantes do congresso. Foi colocado em debate pelos participantes a importância em haver gestão hospitalar na grade curricular dos cursos de saúde coletiva para preparar o sanitarista para atuar no campo da alta e média comple-xidade levando em conta a educação per-manente, outro debate foi a importância dos assuntos trabalhados nas grades cur-riculares dos cursos serem parecidas, há certa diferença nas grades quando compa- x

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turma noturna tem aquele espírito de ser a turma pioneira e até um certo orgulho de estar participando desse processo. não temos nenhuma conexão direta com essas movimentações [em são Paulo], até porque a realidade social, política e ecomômica de são Paulo é quase a de outro país. o interior profundo do sul da Bahia não é aquele da costa, das praias bonitas que as pessoas veem eventual-mente passando por lá em período de férias. é uma região muito pobre, muito desigual, e com uma tradição de ruralida-de muito forte. As conexões com o resto do país são muito recentes, tanto que não existia educação superior nenhuma antes de chegarmos lá. existia apenas uma universidade estadual atuando em dois municípios e uma outra quase que sitiada, porque é uma universidade de campus tradicional. então a gente en-controu uma carência geral, muito dife-rente do cenário do centro-sul do Brasil, onde algumas dessas discussões chegam até a parecer muito distantes da nossa realidade. sobre isso, acho que tem um elemento que unifica, que é o tema da otimização. equipamentos públicos, ins-tâncias públicas, processos de políticas públicas precisam perder um pouco de preconceito em relação à questão da eficiência. Tem toda uma discussão de que as instituições públicas terão um tempo social distinto do tempo social da realidade concreta, e não é, não. A gente tem urgência, tem necessidade de desempenho. Às vezes se produz uma certa ideia de que o lugar da universida-de é fora da sociedade.

rgCs a experiência dos Colégios universitários é também um fator de pareamento da universidade a esse

rgCs Como funciona o Bacharelado interdisciplinar?naomar almeida Filho A ideia funda-mental é que os alunos entrem na uni-versidade e não em faculdades, institutos ou escolas isoladas, como é a regra na maioria das universidades atualmente. isso faz com que eles escolham as suas trajetórias e não aceitem processos já pré-definidos, pré-fixados. O Bacharelado interdisciplinar é a organização dessa entrada na universidade em grandes áreas - ciências, saúde, humanidades, Artes. depois os alunos, tendo informa-ção substantiva e maturidade, podem fazer escolhas orientadas e informadas. É um sistema que permite definir a car-reira profissional pela saída, e não pela entrada, que é mais lógico do que aquilo que se pratica atualmente. diante da per-gunta quase intuitiva sobre a possibilidade de todo mundo querer ir para o mesmo curso, dei aqui o exemplo de que, no caso que estamos operando, isso não aconte-ceu. tivemos um certo sucesso em dialogar com os sujeitos e fazer com que eles cons-truíssem suas próprias opções, que não são necessariamente as mais aparentes.

rgCs o projeto da uFsB tem contri-buído para o exercício efetivo da au-tonomia estudantil? Como sintoma de um mesmo período histórico no Brasil, as pautas dos manifestantes secunda-ristas em são paulo encontram alguma relação com o surgimento de um currí-culo universitário mais “aberto”? naomar A primeira turma, que entrou em setembro do ano passado, se apro-priou muito do projeto da universidade, tal que, em alguns momentos, há um protagonismo no processo educativo dos professores. isso está ocorrendo, e essa

#EntREviSta

Gestão inovadora realizada por Naomar Almeida Filho permite crescimento do acesso ao ensino superior.

o estudante que ingressa no Bacharelado interdisciplinar (Bi), por exemplo, passa por um primeiro ciclo cons-tituído por cursos de graduação ofereci-dos não só nos três campi (itabuna, Porto seguro e teixeira de Freitas), mas também em uma rede de colégios universitários que se capilarizam interior adentro, per-mitindo que populações de baixa renda e distantes dos grandes centros acessem a educação superior pública. e isso sem cimentar um tijolo sequer, já que uFsB se vale de instalações da rede estadual de ensino médio. colhido esse primeiro diploma do Bi, o aluno pode rumar para formações profissionais e acadêmicas de segundo ciclo nos campi principais da uFsB. no terceiro ciclo, predominam mestrados profissionais.

Para entender como têm sido os primeiros anos de implementação desse projeto, a revista rede Governo colaborativo em saúde conversou com o reitor naomar Almeida Filho, que visitou Porto Alegre em dezembro de 2015 para participar do seminário A forma-ção na saúde e a saúde na formação, na Faculdade de Farmácia da uFrGs.

naomar Almeida Filho tem conduzido uma das experiências mais originais em educação superior no país. em 2013, o médico e ex-reitor da uFBA foi nomeado reitor da recém-criada universidade Federal do sul da Bahia (uFsB) e assumiu, de saída, o educar como ato po-lítico. o currículo foi organizado em ciclos que avançam do geral para o específico, a estrutura aproveita salas ociosas em escolas do interior do estado, e o modelo institucional acha alicerce conceitual sem trocar de idioma, recorrendo a Anísio teixeira (universidade popular), Paulo Freire (pedagogia da autonomia), Milton Santos (geografia nova) e Boaventura de sousa santos (ecologia dos saberes).

o sul da Bahia reinventa a universidade

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alunado, em maioria, estaria a favor de ações afirmativas. Porque são pessoas que já estão na instituição. constatamos que a maioria do corpo docente da uFBA não era favorável, quando eu era reitor. e com base em conceitos que, como você falou, são aparentemente avançados, mas que estão sendo utilizados para uma contenção do papel social da instituição. defendo, em qualquer cenário, que, se trazer mais gente para dentro da univer-sidade é criar problema, é preciso criar esse problema. Problema maior é ter a juventude brasileira fora da educação superior, para a sua formação profissio-nal, tecnológica, crítica, política. e trazer esses sujeitos para dentro da instituição tem até uma conotação de que eles, ao entrar, vão fazer com que os muros da instituções sejam explodidos ou implodi-dos. realmente, se você pensar que a instituição social, que tem a finalidade de construção da cultura, precisar se es-tender… Esse próprio conceito significa que ela está fechada, que ela não está cobrindo os territórios. daí que o con-ceito de colégio universitário, na minha opinião, torne ociosa a ideia de extensão. A gente não precisa se estender - a gente já está lá. se a gente conseguir, como está previsto, ter em todos os municípios unidades descentralizadas, ativas na cap-tação da juventude nativa do território, para que você entre na universidade sem sair de onde mora… Alguém me pergun-tou assim: “Qual é a ação comunitária que os estudantes estão fazendo?” o que eles estão fazendo já é ação comunitária. não precisa criar uma coisa nova, separada. o próprio processo de formação deles é isso.

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naomar Almeida Filho durante palestra em Porto Alegre

a gente está com uma demanda explosi-va de mais colégios universitários. e está se criando já uma tensão não só interna e que exige do corpo docente uma mili-tância social. E o corpo docente, como corporação, não está disposto a uma militância social, pois tem uma militân-cia própria: suas condições de trabalho, salário, carreira etc. nossa questão é como atender, da melhor maneira pos-sível, o maior número de sujeitos, sem se submeter àquela lógica velha de que massificar é necessariamente perder

“tempo social”, um acelerador de transformações sociais?naomar Acho que está sendo. transformação rápida, inclusive, para a própria universidade. o sucesso disso já está produzindo uma procura muito maior do que a nossa capacidade de atendimen-to. se isso entra no cenário evolutivo das universidades federais (fala-se em cinco, dez anos para alguma expansão tímida),

qualidade. O desafio é como massificar - porque é necessário -, como ampliar, como expandir, mantendo ou até aumen-tando qualidade. Porque ninguém pode me dizer que uma universidade que não repõe as suas vagas estudantis seja uma universidade de qualidade. na verdade, está sendo uma instituição que não está cumprindo o seu papel social, ao permi-tir, por exemplo, que, de cada 100 alunos que entram numa licenciatura de Física, graduem-se dois, três, cinco… é um es-perdício de função, da própria finalidade como instituição pública.

rgCs a diluição das fronteiras entre instituição e sociedade pode acabar revelando que conceitos como “ex-tensão” e “controle social” funcionam ainda como membranas de proteção da universidade, contra a novidade que vem de fora para dentro?naomar eu assinaria embaixo do que você acabou de falar. esse é um grande argumento, totalmente convergente com as coisas que estamos pensando e avan-çando. Pego um exemplo a partir daí: se fala muito de autonomia universitária. eu acho que a autonomia está produzindo uma conservação da universidade. ela está sendo regressiva, em vez de progres-siva. isso situa a universidade no Brasil num espaço que não é o espaço real da dinâmica social. A universidade está se protegendo num conceito de autono-mia para, por exemplo, ter resistido por quatro, cinco anos à implantação de ações afirmativas. “Lei federal não pode, porque temos autonomia universitária”. Se fizeres qualquer enquete interna nesta ou em qualquer outra universidade federal, uma hipótese interessante é a de que nenhum

“é um sistema que permite definir a carreira profissional pela saída, e não pela entrada, que é mais lógico do que aquilo que se pratica atualmente.”

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ficos diferentes, pos-sibilitando a troca de experiências e o em-poderamento mútuo. dessa forma a pesqui-sa-intervenção coloca em análise a produção dos cuidados em saúde nos contextos locais e possibilita, por meio das conexões interna-cionais, reflexões sobre as influências da globa-lização no cotidiano de vida e trabalho e sobre os problemas comuns que afetam a produção de cuidado em saúde e a saúde da comuni-dade, independente-mente do lugar geográ-fico. O conhecimento produzido através do processo pode ser uti-lizado como dispositivo de problematização voltado à análise, ava-liação e formação, seja em contexto universi-tário, seja nos serviços ou em atividades volta-das a comunidade.

Portanto a coope-ração entre rede Governo e uniBo se coloca como um dispositivo experimental de defesa e expansão do direito à Saúde, em um contexto global, que possibilita a afirmação da subjetividade dos atores locais, valorizando as diferenças, com a construção de pontes internacionais, na formação de um novo processo de globali-zação mais solidário e equitativo.

comum nos campos da organização, avaliação e gestão de serviços de atenção primária em saúde. A coopera-ção trabalha a partir do quadro da pesquisa in-tervenção participativa em saúde, e tem como alvo das intervenções profissionais, traba-lhadores, gestores, universidade e comu-nidade. A rede colabo-rativa tem incluído aos poucos vários atores institucionais italianos e brasileiros, e definido de forma participativa subtemas de trabalho: avaliação em contextos de atenção primária e formação em saúde. A presença das universi-dades na rede facilita as conexões interse-toriais, multisserviços a nível, seja local ou internacional.

tanto a uFrGs quanto a uniBo são universidades com grande experiência in-ternacional, que possuem corpo docente envolvido em inúmeras atividades de pesquisa fora do pais e estruturas orga-nizacionais, que possibilitam a internacio-nalização e a cooperação técnica nesse processo. Assim, as duas universidades contribuem na rede de cooperação, faci-litando o contato e a criação de pontes entres gestores, profissionais, trabalha-dores e comunidades de lugares geográ-

A cooperação entre Rede

Governo e UNIBO se coloca como um dispositivo experimental de defesa e expansão do

Direito à Saúde

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#paRCEiRoS

Construindo pontes em defesa do direito à saúde

tem contribuído para o rápido crescimento das atividades:

• a reforma da saúde brasileira foi influenciada pela reforma do sistema italiano, como exemplo temos a reforma Psiquiátrica pela lei Basaglia, criando assim uma proximidade entre os dos sistemas de saúde;

• o sistema de saúde italiano está sendo reformado, se adaptando a pers-pectiva da atenção primária em saúde. Portanto, podendo se beneficiar da ex-periência brasileira. e ao mesmo tempo, o sistema de saúde brasileiro está pas-sando por um processo de regionaliza-ção, como o da itália. sendo assim o diálogo e cooperação em saúde trazem a possibilidade de produções conjuntas que beneficiem ambos os contextos.

o centro de estudos e Pesquisa em saúde internacional e intercultural do departamento de ciências Médicas e cirúrgicas da uniBo e a rede Governo tem constituído um espaço de trabalho

POR ARDIGò MARTINO*

devido a vários fatores históricos e cul-turais, Brasil e itália, desde sempre têm apresentado uma forte conexão: no Brasil houve uma relevante migração italiana; vários artistas brasileiros viveram na itália na época da ditadura militar brasileira, dis-seminando a cultura e a arte brasileira na itália; muitas instituições e organizações italianas têm realizado projetos de coo-peração para desenvolvimento nas áreas mais desprovidas do país; e mais recen-temente as repercussões do Fórum social Mundial de Porto Alegre, na sociedade civil italiana, fazendo com que muitas entida-des se envolvam e participem do processo.

A universidade de Bolonha historica-mente tem mantido uma forte coopera-ção com instituições Brasileiras, e com a eleição do reitor ivano dionigi em 2009 o Brasil tem se tornado uma prioridade para o Ateneo Bolonhese.

entre as demais áreas de cooperação (economia, engenharia, agronomia, arte e literatura) a área da saúde tem ocupado um lugar de destaque. e várias condições * Médico e pesquisador da universidade de Bolonha

(uniBo)

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contava com aulas do professor Alcindo Antônio Ferla. As boas avaliações dos alunos motivaram um convite em 2009 para que Alcindo fosse à Itália, onde, na condição de docente na uFrGs, ele propôs uma parceria que despertaria o interesse de Ardigò Martino, pesquisador do csi.

é que o mesmo sus que hoje volta na bagagem dos italianos foi também resulta-do de uma das nossas mais abrangentes e radicais antropofagias. o movimento cien-tífico e político que culminou na criação do sus pela constituição de 1988 deglutiu à brasileira a reforma italiana dos anos 1970, encampada por movimentos popu-lares, sindicatos e partidos de esquerda. naquela década, intelectuais italianos como Giovanni Berlinguer já defendiam

cina hegemônica. o estudante italiano não visitara o Brasil sob a missão de ensinar a expertise europeia para o terceiro Mundo: o percurso obedeceu uma via de duas mãos que começou a ser aberta e culti-vada a partir de 2009. o universsi pode ser listado como um dos resultados con-cretos de uma cooperação que já conta meia década entre a uFrGs e a unibo, passando por um número crescente de in-terlocutores de outras instituições.

GiRo ConCEitUal____________

A unibo sediava em Buenos Aires um mestrado em Análise comparada de Políticas Públicas que eventualmente

entusiasmo dos estudantes tem sido um dos motores da cooperação

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na universidade Federal de Pernambuco. Por orientação de colegas do centro de saúde internacional (csi) da universidade de Bolonha (unibo), canini rumou antes para Porto Alegre, onde participaria do pro-grama vivências e estágios na realidade do sistema Único de saúde (ver-sus).

Canini acompanhou equipes multiprofis-sionais das unidades Básicas de saúde em visitas aos moradores da restinga, se sur-preendendo com o entusiasmo de colegas brasileiros tomados pelo sentimento de in-tegrar um movimento coletivo que vazava as fronteiras das instituições universitárias e dos países. “entendi que era possível criar conexões entre universidades, serviços e territórios em uma ótica de participação de-mocrática e transformação recíproca”, narra.

De volta à casa, sentindo a necessida-de de traduzir o ver-sus para o contexto italiano, canini ajudou a elaborar o projeto vivi e vedi sistema de saúde italiano (universsi), que busca enriquecer a forma-ção de estudantes, pesquisadores e pro-fessores para além do hospital e da medi-

Para Andrea canini, a vinda ao Brasil não estava programada como uma expe-riência fundamental para a escrita da seu trabalho de conclusão sobre a atenção pri-mária. Mas foi por aqui que ele começou a perceber o quanto conhecia mal o sistema sanitário do seu próprio país, que até então tomava como um dado natural.

“Por que o meu percurso formativo me havia feito passar repetidamente por espaços microscópicos da fisiopatologia de doenças raras sem me mostrar algo tão básico quanto o sistema ao qual eu seria chamado a trabalhar?”, se pergunta canini.

o estudante italiano chegou no recife no verão de 2012 para conduzir a pesquisa

uFRGS e universidade de Bolonha abrem sistemas de saúde para o estrangeiro e colhem conhecimento no cotidiano do trabalho

#Capa

Cooperação Brasil-itália ensina a universidade a aprender saúde

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laboRatóRio dE ExpERiênCiaS

Graduado em Medicina em julho do ano passado pela unibo, Andrea Maurizzi decidiu ampliar sua formação logo no mês seguinte com uma experiência internacio-nal. elegeu o Brasil como destino e, por meio do ver-sus, acompanhou estudan-tes de Medicina em oficinas e visitas nas unidades de estratégia de saúde da Família (esF) de Passo Fundo e de Pontão, onde acampou em uma fazenda com assen-tados do Movimento dos trabalhadores rurais sem terra (Mst).

“conheci a realidade do movimento e a luta pela reforma agrária e pelas condi-ções de vida no meio rural. Acompanhei também uma aula com o movimento das mulheres camponesas sobre a evolução do movimento feminista na história bra-sileira”, conta. em Palmeira das Missões, Maurizzi participou de movimentos estu-dantis. em Marau, visitou a esF de santa

“o referencial teórico da saúde coletiva surge da medicina social italiana, mas a gente faz a síntese com a corrente fran-cesa, que não vinha por dentro da saúde, mas por dentro da filosofia. Quando junta essas duas coisas, vai criando outra coisa. Definir o problema que cabe ao sistema de saúde pela taxa de glicose ou pelo conjun-to de perturbações que o diabetes produz não é só uma questão organizativa, mas também de pensar o que é a doença na vida das pessoas. essa crítica é tão pesada que não dá mais para sustentar a produ-ção teórica com base na medicina social”, observa Alcindo.

A reformulação crítica, que assinala as regulações culturais e políticas que fabri-cam historicamente a saúde pública, volta agora a alimentar o interesse italiano, já que a medicina social ainda não bastava para, por exemplo, colocar em crise o próprio estatuto da doença.

Simultaneamente à tramitação buro-crática para formalizar a cooperação com a Unibo, Alcindo firmava outra ponte, entre o Ministério da saúde do Brasil e a uFrGs, com a criação da rede Governo colaborativo em saúde. na itália, a mobi-lização se estendeu à agência sanitária da região da emilia-romana “o encontro com o Brasil disparou uma série de potências afetivas-intelectuais que dão uma força e um entusiasmo incríveis. tudo se faz com grande facilidade porque há uma base forte, de fraternidade”, diz Augusta nicoli, referência da agência na cooperação.

Alcindo também menciona o “tesão de aprender e de fazer coisas” como motor da cooperação, que não só permitiu mul-tiplicar publicações científicas e recuperar o vigor intelectual da reforma sanitária ita-liana, como também aproximar serviço de saúde e universidade.

“O referencial teórico da Saúde Coletiva surge da medicina

social italiana, mas a gente faz a síntese

com a corrente francesa, que não vinha por dentro

da saúde, mas por dentro da filosofia.”

quer sistema de saúde, público ou privado. Ainda nos anos 1970 surgem as primeiras experiências de “medicina comunitária” em departamentos de Medicina Preventiva de universidades paulistas. um grande movimento de luta desemboca na 8ª conferência nacional de saúde, em 1986, com mais de 4 mil participantes de todos os estados e os primeiros esboços de um texto constitucional que reconheceria a saúde como direito de todos.

A medicina social italiana foi bandeira nesta batalha, mas o conceito de saúde não deixou de ser pensado e retrabalhado pela América Latina, que enfim produziu a noção de saúde coletiva, problema-tizando a noção de saúde pública, ainda fundada no naturalismo, na medicalização do espaço social e no controle da popula-ção pelo estado.

transformações contínuas e amplas para melhorar a qualidade de vida das pessoas, para além da criação de um sistema de saúde público. “essa foi a última grande crítica ao modelo de pensamento que tem como base o biológico para explicar e ofe-recer respostas para a saúde das pessoas e das coletividades. A doença é produção social, e a loucura não é disfunção bioló-gica do indivíduo, mas o desajuste desse indivíduo numa escala de valores e pro-cedimentos que não foi ele que propôs. desloca-se o foco”, explica Alcindo.

no Brasil, o acesso aos serviços era restrito a trabalhadores com carteira as-sinada, num tempo de população majori-tariamente rural, proliferação do trabalho informal, e em completa desassistência a crianças e idosos. cerca de 80% dos brasileiros não tinham cobertura de qual-

Intercâmbio cultural: pesquisadoras italianas saboreiam chimarrão brasileiro.

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perseguição de fins predeterminados, con-segue perceber problemas novos conforme eles se apresentam, em toda a sua imprevisi-bilidade, no cotidiano do mundo do trabalho.

da pauta das tecnologias de avaliação em saúde, que levou ao aperfeiçoamento do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), a pesquisa se abriu para a importância da participação social, atualmente um dos vetores de investigação do laboratório.

“A avaliação continua entre as preocu-pações, mas a participação social tem ‘bri-lhado’, e daqui a pouco pode surgir outra coisa. o fato é que há uma construção de redes com muitos parceiros, que não ne-cessariamente se conhecem todos entre si, mas que se comunicam e criam dife-rentes pesquisas e suportes. As coisas se misturam, são dinâmicas. As demandas se movimentam”, explica Alessandra Bueno, cuja pesquisa no campo das práticas cor-porais tem atraído para o Brasil estudan-tes de educação Física da unibo.

o tRabalho Em REdE_________

de acordo com o vice-reitor da uFrGs, rui vicente oppermann, o curso de saúde coletiva mostra como o trabalho em rede pode produzir referências nacionais e inter-nacionais. “Fui testemunha da importân-cia da cooperação com Bolonha. Alguém já me questionou: ‘o que a universidade ganha fazendo extensão no exterior?’ Bem, existe um exemplo muito bonito de extensão em que a gente exporta conhe-cimento e experiências. o próprio reitor da universidade de Bolonha me disse que precisava da saúde coletiva da uFrGs para implementar a sua saúde coletiva em Bolonha. isso é muito bonito. A rede não tem uma via só”, comenta oppermann.

hêider Aurélio Pinto, que comandou a secretaria de Gestão do trabalho e da educação na saúde (sGtes) do Ministério da saúde durante o período de imple-mentação da parceria, também destaca o caráter horizontal da cooperação. “normalmente, nossas cooperações com a europa ou com a América do norte não tinham essas características. os países do norte costumam apresentar modelos para os países do sul. e eu acho que a coopera-ção Brasil-itália supera isso. ela consegue colocar um perfil do que tem dirigido as cooperações sul-sul”, avalia hêider, em menção à orientação diplomática brasileira dos governos lula e dilma.

Para Alcindo, a análise comparada das duas realidades fornece um novo tipo de inteligência na produção de conhecimento, já que o olhar do brasileiro sobre o Brasil pode sempre deixar de notar possibilidades de problematizar a realidade. A generosida-de de “oferecer a própria ignorância como objeto de aprendizagem” envolve também uma postura que, em vez de algemada na

“Os países do norte costumam apresentar

modelos para os países do sul. E eu acho que a cooperação Brasil-Itália supera isso. Ela consegue

colocar um perfil do que tem dirigido as

cooperações sul-sul”

que se formou em educação Física da unibo e hoje cursa o mestrado em saúde coletiva na uFrGs.

o acordo que formalizou a coopera-ção entre csi e rede Governo foi assi-nado em fevereiro de 2014, durante um workshop em Bolonha sobre ferramentas e métodos de trabalho para a saúde e o bem-estar das comunidades locais. dois meses depois, no Xi congresso internacional da rede unida, foi ce-lebrado o lançamento do laboratório ítalo-Brasileiro de ensino, Pesquisa e Prática em saúde coletiva. desde então, o trabalho do laboratório tem chamado a atenção de pesquisadores de outras instituições e países.

em outubro do ano passado, o laboratório foi um dos destaques de um seminário internacional no reino unido. os integrantes Brigida Marta (csi) e luciano Gomes (uFPB) enfatizaram a valorização de práticas do cotidiano por meio da apro-ximação de profissionais, gestores e estu-dantes em nível nacional e internacional, além de uma perspectiva que aborda o in-tercâmbio como catalizador de processos de transformação social.

“o público, composto de reitores e assessores de relações internacionais das universidades brasileiras e membros de universidades e instituições euro-peias, ficou positivamente impressiona-do com a metodologia e o tamanho das atividades da cooperação, possibilitando novas parcerias e novas atividades con-juntas. eventos como este representam oportunidades preciosas de troca recí-proca de conhecimento, abrindo novos caminhos no campo da cooperação in-ternacional”, relata Brigida.

rita e a rede de saúde do município, para depois observar, em Porto Alegre, o papel de agentes comunitários na esF santa Anita e a complexidade do trabalho na comunida-de. Antes de voltar para a itália, Maurizzi ainda passou uma semana em uma unidade de saúde fluvial no Amazonas, atendendo a comunidades ribeirinhas.

A cooperação não se esgota na troca de conhecimentos acadêmicos. Propiciar a experiência do mundo do trabalho em cada sistema de saúde tem igual ou maior importância, já que municia a produção de um tipo de conhecimento vocacionado a incidir de volta no cotidiano das equipes multidisciplinares. desde a graduação, os estudantes têm adquirido bagagem profis-sional e científica, com a oportunidade de viajar e conhecer soluções diferentes para problemas que também afetam as popula-ções de seus respectivos países.

“A cooperação é uma oportunidade para descobrir uma maneira diferente de fazer pesquisa, uma forma diferente de viver a universidade em nível acadêmico, mas também de coletar experiências em um outro país”, reforça leonardo tonelli,

“A cooperação é uma oportunidade para descobrir uma maneira diferente de fazer pesquisa, uma forma diferente de viver a universidade a nível acadêmico”

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#ExpERiênCia

característica dessa coperação é a troca entre instituições e atores. durante todo o workshop, em todas as atividades pro-postas, as falas interagiam com uma pro-posta colaborativa para o fortalecimento dos sistemas de saúde nos países e a qualificação da formação. O foco principal dá-se na troca de saberes, horizontalmen-te, a proposta é não se estabeleçam re-lações verticais entre os saberes e entre os participantes, sejam eles do serviço, da sociedade ou da academia. imergir em uma vivência de alguns dias em outro país não permite, nem tem pretensão, de fazer uma análise comparativa dos sistemas de saúde, cujas complexidades políticas, cul-turais, teóricas e metodológicas exigem estudos bem mais aprofundados, mas me permite, na condição de estudante, des-locar o pensamento e discutir, sob novas perspectivas, alguns pontos do processo brasileiro de reforma sanitária. há algum tempo, no sistema Único de saúde (sus) brasileiro, se discute a configuração das modelagens tecnoassistenciais e diluição da relação saber-poder hegemônica da medicina, como por exemplo, trabalhar os serviços de saúde como rede, não sendo o hospital o ponto ou serviço principal. Além das discussões, há mudanças visíveis nas políticas, apontando a interligação de di-

POR BRUNA SARAIvA

Participar do “iii Workshop internacional Participação social, estratégia de Formação e Avaliação em Primary health care: uma perspectiva colaborativa” foi vivenciar e entender diversas discussões que acontecem no curso de Bacharelado em saúde coletiva e nos sistemas de saúde, que são o campo de trabalho pre-dominante dos sanitaristas. sou estudante da universidade Federal do rio Grande do sul do Bacharelado em saúde coletiva e bolsista da rede Governo colaborativo em saúde, e, a partir da cooperação interna-cional no laboratório ítalo-Brasileiro de Formação, Pesquisa e Práticas em saúde coletiva, tive a oportunidade de participar dessa experiência, que incluiu a progra-mação do evento e o contato, intensivo e curto, com serviços e redes de atenção, que caracterizo como uma curta ativida-de de mobilidade acadêmica centrada na extensão. Para entendimento, a principal

Estudante da Saúde Coletiva relata sua experiência internacional.

Saberes compartilhados

também serão exploradas as possibi-lidades de suportar experimentações de formação de base para a atenção básica. somente a universidade de Parma deve enviar pelo menos três alunos por ano para atividades da cooperação concernentes ao serviço social e às relações internacionais. Quanto ao tema da participação social, já se prepara um programa de educação permanente sobre atenção básica em centros urbanos, diante da necessidade de que os diferentes atores tenham pro-tagonismo na produção de conhecimento e do conjunto de práticas que compõem a sua atuação. é como uma máquina de tra-dução, atenta aos mais variados idiomas, cada um formado por uma trama complexa de relações. haverá uma fonética de pajé, outra de antropólogo, de psicólogo, de en-fermeiro, de médico, de usuário do sus, uma fonética mais brasileira e outra mais italiana, entre tantas falas já ditas e ainda por dizer, e decerto haverá uma tecnologia colaborativa capaz de ouvi-las, criticá-las, conjugá-las - e traduzir: “saúde”.

Além dos avanços no inventário de semelhanças e diferenças entre as rea-lidades de cada país, o laboratório vem experimentando inovações epistemológi-cas e descobrindo a necessidade de consi-derar fenômenos como o impacto cultural de profissionais estrangeiros nas equipes do Programa Mais Médicos e o recente influxo de migrantes haitianos e africanos no Brasil, o que aponta em direção a uma antropologia da saúde.

o iii Workshop internacional da coope-ração, realizado em fevereiro de 2016 em Bolonha, encaminhou os eixos que devem orientar as pesquisas daqui em diante. uma das tônicas deve ser a articulação entre ensino e trabalho, com a oferta, a partir de setembro, de um curso de formação para trabalhadores, gestores, educadores e movi-mentos sociais em ambos os países.

“o curso deve incluir videoconferências para discussão de matérias e documen-tos de referência. A base é o confronto de ideias, e o principal agora é conseguir identificar os elementos para discussão”, diz Augusta nicoli. x

Augusta, Ardigò e Alcindo durante o Workshop internacional da cooperação, na itália.

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nificado diferente às leituras e informações que recebo daquele país. e, acredito que é um profissional com vivências e possui-dor de olhares ampliados que precisamos formar, um profissional que se atente a configuração do sistema de saúde e o que a saúde representa, entendendo sempre que todo sistema de saúde deve atender as demandas da sua população.

Gostaria de destacar também outros dois exemplos de troca de experiências muito interessantes nesta cooperação, uma é a pesquisa cuja temática é Participação social em saúde e a outra é a experiên-cia do universi. A pesquisa na temática da Participação social está sendo feita junto ao laboratório ítalo-Brasileiro a partir de todo o histórico que a ítalia produziu sobre Participação social. sendo assim uma roda de debates baseada em todo contexto his-tórico, social e cultural da Itália junto às experiências brasileiras. A experiência do universi foi bastante marcante, pois, no Brasil, há o versus, que iniciou em 2011, e o universi, que teve seu início em 2014 e foi inspirado no versus. Ambas as propos-tas tem o objetivo de oportunizar vivências para os estudantes nos serviços, visando o trabalho em equipe e estabelecendo uma relação crítica com o que fazemos e com o que aprendemos. Assim, o debate sobre essas experiências foi fundamental para o compartilhamento das vivências e para a reflexão dos estudantes sobre sua forma-ção e sobre todo o contexto. Enfim, agra-deço pela oportunidade da mobilidade e de participar da integração, conhecimento e troca de experiências científicas e culturais, pelo investimento que a uFrGs faz na mo-bilidade como dispositivo de aprendizagem e na acolhida a projetos que fomentem esse tipo de atividade.

2006 se instituiu a Política nacional da Atenção Básica. então, nessa oportunida-de de mobilidade acadêmica pude perceber a semelhança entre serviços Brasil-itália, visitei as chamadas casa della salute, ou, em português, “casa da saúde” que tem como objetivo princípios parecidos com as estratégias da Atenção Básica brasileira, claro que, moldado à realidade italiana. As casas da saúde integram ações de pre-venção e promoção, também tem a refe-rência territorial e buscam a interação com a comunidade. As estratégias das casas da saúde fazem parte da Atenção Primária em saúde italiana, que teve seu o processo de implementação iniciado em 2006, mas foi só em 2010, por mobilização da gestão da região emilia-romagna, que os primei-ros serviços foram inaugurados. com essa vivência pude entender na prática a troca de experiências com essa cooperação e a importância de se fortalecer espaços de troca de saberes para que possamos estar em constante aprendizado e evolução. A mobilidade acadêmica pode contribuir muito mais que percepções na prática do que estudamos, troca de saberes e prá-ticas. A mobilidade acadêmica contribui para a formação do futuro do profissional. eu, como estudante e futura sanitarista, me sinto mais experiente para me inserir dentro de serviços de gestão da saúde, políticas públicas, educação permanente, entre outros. Me sinto mais experiente no sentido de ter vivenciado o que estudo, re-pensado o que estudo e aprendido novas formas de buscar soluções para os proces-sos de trabalho com um olhar ampliado dos serviços. A vivência permitiu construir um olhar para analisar sistemas e serviços de saúde também a partir da experiência italiana, mesmo que com contato mais pontual com aquela realidade, que dão sig- x

atenção básica brasileira e na integração entre o ensino e o serviço.

vivenciar essa experiência foi um novo marcador na minha formação, a partir desta, pude entender em novo contexto algumas relações debatidas dentro da graduação. Aconteceram diversas discus-sões importantes, e uma delas foi sobre a “reflexão de quais profissionais queremos formar?”. cotidianamente dentro da gra-duação pensamos sobre qual o perfil que o profissional da saúde deve ter, e, este

perfil pode ser construido, alterado, instigado através da gestão da saúde e de política públicas de forma-ção implementadas. esses fatos são as estratégias e princípios que o sistema de saúde preza, assim, gostaria de destacar as discussões e estratégias semelhantes entre os sistemas de saúde bra-sileiro e italiano. o Brasil tem investido na Atenção Básica como estratégias de cuidado, baseado nos princípios doutrinários do sus: equidade, integrali-dade e universalidade. A

Atenção Básica é a porta de entrada dos usuários no sus e tem como objetivo o cuidado da população dentro desses prin-cípios, promovendo a saúde, sendo uma referência de atendimento para o territó-rio de forma acolhedora e aberta para par-ticipação/contribuição da comunidade e também para o aumento dos profissionais com o território e comunidade. Formas de execução da Atenção Báscia acontecem no Brasil desde os anos de 1994 com o início dos agentes comunitários, e, em

versos serviços, sendo a Atenção Básica a ordenadora do cuidado e, também, a aposta na multidisciplinaridade das equipes com estratégias de co-gestão e de valo-rização e horizontalização das diferentes profissões e trabalhos. Nas vivências e dis-cussões do workshop pude perceber que o sistema de saúde italiano esta fortemente organizado em um modelo hegemômico biomédico, no qual a figura do profissio-nal médico é central e representa o “saber dominate” sobre saúde. reconhecer, no sistema de saúde que ins-pirou, na década de 1980, a reforma sanitária brasi-leira, que algumas discus-sões e avanços que temos feito no Brasil são perti-nentes à realidade italia-na, permite passar a olhar para esta realidade de forma desidealizada, pro-duzindo um aprendizado crítico e reflexivo. Todas as experiências e sistemas de saúde têm a contribuir com os demais sistemas. e a análise e compreen-são das diferenças entre os sistemas fortalece a formação do sanitarista. Por muitas vezes acreditamos que os países ditos “menos desenvolvidos” só tem o que aprender com países europeus ou países ditos desenvolvidos, mas isso é uma pers-pectiva colonialista, afinal, podemos sim nos basear em muitas estratégias de outros países e adaptá-las para nossa realidade, porém o sistema Único de saúde Brasileiro tem muito a contribuir, trocar e ensinar com base na sua experiência, e, pude vivenciar e perceber isso claramente. nesse momento, a experiência italiana também se inspira na

Todas as experiências e sistemas de saúde têm a

contribuir com os demais sistemas.

E a análise e compreensão das diferenças entre os sistemas fortalece a formação do

sanitarista.

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os três lances de escada para carregar a bicicleta de cice de volta para cima, sob a ameaça de apanhar. cice não batia apenas na mulher. certa noite, Augusta observa pela janela, sobre a fachada da casa defronte à sua, um terrível teatro de sombras: é cice que tenta, logo acima, atirar uma das filhas janela abaixo. Chama-se a polícia, cice é encarcerado, mas logo tita retira a denúncia, e o homem volta para casa. “era um grande caos, e eu, como criança, vivia no meio disso. era um tráfico de miscelâneas.”

Augusta coloca um dos pés para fora de san Giovanni no primeiro ano do ensino Médio, quando a reprovação em italiano lhe abre “uma ferida pessoal enorme”. sentindo a necessidade de “mudar com-pletamente”, ela pede para que os pais a enviem para um internato em Bolonha.

Para Augusta, estar na rua é também uma forma de respirar longe dos problemas de casa, que remontam ao nono paterno. tanto parava para beber na estrada entre san Giovanni e Bolonha, o avô levou seu negócio de fretes à falência e terminou por se suicidar. Ficou para o pai de Augusta resgatar a empresa e a honra da família.

não que fosse tarefa fácil. A casa abrigava um grupo bastante diferente de uma família tradicional. no primeiro andar, viviam Augusta, pai, mãe, irmão, nona, uma tia solteira e uma prima cujos pais moravam no patamar de cima, com outros três filhos. Para toda a gente, apenas um banheiro. e o terceiro piso inteiro alugado para uma família com quatro filhos chefia-da por cice, um breaco que, toda noite, chega bêbado, gritando pela mulher: “titaaaaaaaa!!”. então tita precisa descer

Augusta apresenta trabalho durante o 12º congresso da rede unida, em campo Grande (Ms)

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após volta amaciando o chão de pedras me-dievais até sentir que não pode mais. “eu contava a quantidade de voltas no quartei-rão para provar o meu grau de força.”

observar sem ser observada e colo-car-se em testes de resistência, ainda ex-perimentos solitários. Mas, aos 12 anos, Augusta aproveita os dias de rosário para apresentar espetáculos para a comunida-de. À reza do povo diante da figura da Madonna, Augusta adiciona canções de protesto, traduzidas do inglês e distri-buídas em folhetos para que as crianças possam fazer cantoria. “sem dúvidas, era uma experiência derivada da vida em um contexto comunitário, que hoje em dia, no meu país, já não existe mais. era muito precioso, viver em um contexto de fora da família.”

Augusta explora as ruas de san Giovanni com amigos de diversas classes sociais, sintoma não só da miudez da cidade (cerca de 18 mil habitantes), como do período de reorganização econômica nas décadas imediatamente seguintes ao pós-Guerra. sem a pressão dos adultos, as crianças têm relativa liberdade para regular as distâncias e os horários que se deixam afastar de casa (avizinhar-se do cemitério à noite, por exemplo, vale como experiên-cia-limite para os mais destemidos).

na caçamba do caminhão, escondida entre mercadorias, vai a pequena Maria Augusta nicoli. desde san Giovanni in Persiceto, são mais de 20 km até Bolonha, onde o pai de Augusta já não poderá pro-testar quando descobrir que a menina lhe acompanhou na viagem. enquanto o pai abastece o comércio bolonhês, Augusta fica liberada para perambular na cidade grande. “A vontade era aventurosa. hoje, o trabalho que faço tem esse aspecto da viagem: não do turismo, mas de caminhar, me mover, não estar fixa.”

de volta, em san Giovanni, o trajeto da pequena Augusta já não é especulativo nem almeja desvendar a paisagem urbana. é que ela traça sempre o mesmo circui-to em torno de uma mesma quadra, volta

A trajetória de Maria Augusta nicoli, representante da agência sanitária da Emilia-romagna na cooperação Brasil-itália, passa por ruas cada vez mais distantes de casa

#pERFil

Perambulante

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da uFrGs Alcindo Ferla e ricardo ceccim, então em viagem a Bolonha. “o que me interessou, de súbito, foi a grandíssima similaridade entre os trabalhos brasileiro e italiano no âmbito da atenção básica.”

nesta altura, aprender fora de terri-tório já se tornara um hábito, e Augusta insere a agência sanitária da emilia-Romagna na cooperação científico-a-cadêmica entre Brasil e Itália, firmada

entre a rede Governo colaborativo em saúde/uFrGs e a universidade de Bolonha. ela traduz a transformação atual-mente em curso como uma nova experiência de conexão: “Aqui vejo uma atividade intelectual não abstrata ou especulati-va, mas vinculada aos processos de trabalho e feita não com sisudez, mas com júbilo. digamos que o encontro com o Brasil disparou uma série de potências afetivas-in-telectuais que dão uma força e um entusiasmo incríveis. tudo se faz com grande facilidade porque há uma base forte, de

fraternidade, de estar-no-mundo.” Augusta hoje vive com o marido e os

dois filhos em Bolonha. Poucos moradores para uma casa, em comparação com o velho sobrado de san Giovanni en Persiceto. Mas é que agora ela enlaça o mundo todo nos seus giros e, de volta em volta, volta sempre mais habitada, como uma casa sempre mais aberta, perambulada de ruas.

de auto-ajuda, que faz multiplicarem-se grupos autônomos em várias regiões do país. com a mostra itinerante “vida de louco”, a coordenadora concebe interven-ções comunitárias em parceria com um cenógrafo que inventa uma estrutura ex-positiva desmontável para a apresentação da história dos manicômios. Algumas das cidades que hospedam a mostra decidem promover atividades paralelas, e festivais maiores vão tomando forma em torno do projeto. vira um case de sucesso. “Algumas cidades começaram a repetir o evento de forma espontânea. Muitas das cidades que continuam fazendo o evento talvez hoje não se lembrem como começou.”

o centro de estudos vai se transformando em uma instituição de pes-quisa, com uma gama de atividades muito maior em relação à que Augusta havia encon-trado. Quando Augusta propõe a realização de um filme, acentua-se um conflito com o gestor da saúde, que sentia ameaçado o controle centralizado sobre a instituição. Augusta prefere, então, andare via, e ingressa no novo século com um novo trabalho e uma nova casa. A agência sanitária da emilia-romagna passava por reestruturação, e ali Augusta herda uma sala vazia com uma escrivaninha, onde inventa a própria função, criando uma área antes inexis-tente. é nessa abertura para criar que Augusta trava diálogo com os professores

“O encontro com o Brasil disparou

uma série de potências afetivas-intelectuais que dão uma força e um entusiasmo

incríveis. Tudo se faz com grande

facilidade porque há uma base forte, de fraternidade, de

estar-no-mundo

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maio de 1968, ferramentas para enfrentar uma luta que ela agora protagonizava e que culminaria no maio de 1978, com a lei 180, que fechou os manicômios na itália.

Quatro anos de especialização em psi-quiatria despertam o interesse pelas rela-ções entre os trabalhadores da saúde, e em seguida Augusta vai para a inglaterra fazer um doutorado em psicologia social. “encontrei o meu papel no mundo”, resume, sobre os seis meses que passou na inglaterra, onde chegou sem conhecer ninguém. longe da pátria, como que de-sembarcada numa cidade desconhecida e por ser perambulada, algo adormecido vem à luz. “A tia do meu pai, que também se chamava Augusta nicoli, era uma par-teira. Minha mãe me deu esse nome por pensar que eu também me tornaria partei-ra. e eu me tornei uma parteira mesmo.” na frieza de um laboratório de psicologia experimental, sob o céu nublado de uma nação pouco conhecida pelo calor humano, Augusta acorda para uma dimensão afetiva que não havia desenvolvido ou considera-do no fervor da itália. “Precisei me mostrar mais, aprendi a ser mais expansiva e dispo-nível para falar. Aprendi a dançar.”

concluido o doutorado, entre a carrei-ra universitária e uma oferta de trabalho “precário e incerto” como coordenadora de um centro de estudos sobre a história da psiquiatria e das desigualdades sociais, Augusta toma a segunda via, assumindo a gestão da biblioteca de um velho hos-pital, cheia de material guardado desde a segunda metade do século XiX.

estamos no começo dos anos 1990 e, como coordenadora do centro de estudos, Augusta inicia um ciclo de encontros chamado “Fora do tema”, que articula debates e apresentações artísticas. outra iniciativa envolve a formação de grupos

de aluna desmotivada em uma classe de meninas da média-burguesia do país, Augusta se torna uma estudante aplica-da em um colégio de freiras que ensina até etiqueta e boas maneiras. durante os dois anos de internato, voltando quinze-nalmente para casa, Augusta desenvolve a capacidade de preparar espetáculos e apresentar eventos musicais.

O período de florescimento é interrom-pido pelo liceu científico em Bolonha. “Eu não me entrosava com o ambiente, sobre-tudo em aula”, de modo que, ao chegar do maio de 1968, Augusta se sente isolada. “eu não conseguia entrar nos movimentos de contestação, nos grupos feministas… não me era fácil adotar aquela forma de linguagem, de exposição.”

Muito exame interior até Augusta per-ceber que desejava investigar a psique humana. embora Medicina seja o curso escolhido na universidade de Bolonha, Augusta vai estudando psiquiatria “por fora”, ao longo dos seis anos de faculda-de. “não me recordo de nada das matérias que estudei em Medicina. nada. é como se tivesse entrado por um ouvido e saído pelo outro.” Augusta compara essa rotina de estudar sem recordar ao filme Karate Kid: o aprendiz pinta a cerca do mestre em um exercício repetitivo de tenacidade. uma faculdade cursada como quem dá voltas incessantes numa mesma quadra…

é como se todo um aprendizado mus-cular a tivesse fortalecido para o último ano do curso, quando seu estágio no hos-pital psiquiátrico coincide com a reforma psiquiátrica na itália. chegara a hora de tomar parte ativa nos acontecimentos, firmando contato com os grandes pensa-dores do movimento antimanicomial. Por meio da leitura e do trabalho, Augusta encontra finalmente os interlocutores de

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Graduação em saúde coletiva e diretor do centro de Pesquisa em odontologia social da uFrGs, os achados da pes-quisa realizada por pesquisadores das onze universidades que integram a rede observatório apontam que o programa foi capaz de impactar de forma positiva a saúde da população, conforme pode ser verificado na análise de tendências temporais e contribui para a criação de políticas públicas de saúde.

“A presença dos médicos de família permitiu à comunidades historicamente negligenciadas acesso aos cuidados em

Comportamento da cobertura de Médicos/40h na Atenção Básica no Brasil, entre janeiro de 2010 e Dezembro de 2015

taxa de internações por condições sensíveis à AB

Verifica-se que os municípios que aderiram ao Programa tinham mais baixa oferta de médicos na AB no período pré-implantação do PMM (linha vermelha). Mas a partir da chegada desses médicos (linha de corte vertical) houve uma redução significativa na diferença de cobertura AB entre os grupos com e sem PMM

O gráfico acima indica o histórico das taxas observadas de internação (linha azul) e as linhas de tendência geradas a partir do modelo ajustado (Prais-Winstein) para os anos 2013 (vermelho), 2014 (verde) e 2015 (rosa). destaca-se que, independente dos efeitos sazonais, houve diminuição da tendência de internações, com queda acentuada a partir do final de 2015.

A avaliação do programa pela

Rede-Observatório demonstrou, ainda,

a ampliação dos investimentos em infraestrutura em

postos de saúde em todo o país

Média de M/40hs por 3500 habitantes - municípios sem MMMédia de M/40hs por 3500 habitantes - municípios com MM

observadoAjustado - 2013

Ajustado - 2014Ajustado - 2015

mais favorável também ao atendimento hospitalar”, afirmou Dilma.

um dos principais objetivos do Programa Mais Médicos é diminuir a ca-rência de médicos nas regiões prioritárias para o sus. o principal critério para a definição da quantidade de vagas para os municípios solicitarem é a cobertura da população sus exclusiva.

Com o impulso dado pelo programa à provisão de médicos, foi possível expandir significativamente a Estratégia de Saúde da Família, impactando diretamente na tendência de internações por condições sensíveis à Atenção Básica. Esse estudo investiga as tendências de redução ou aumento de internações por condições sensíveis à Atenção Básica a partir da análise histórica da cobertura AB e pre-sença do Programa Mais Médicos.

de acordo com Fernando neves hugo, professor do Programa de Pós-

Pesquisadores da rede-observatório do Mais Médicos participaram no mês de abril de solenidade no Palácio do Planalto em que a presidenta da república, dilma rousseff, anunciou a prorrogação dos contratos dos profissionais do programa Mais Médicos.

durante o evento, a presidenta chamou atenção para a redução das taxas de inter-nação por condições sensíveis à atenção básica, conforme aponta estudo condu-zido pela Rede-Observatório. “Significa que a presença dos médicos baseados na atenção básica cria uma situação muito

Avaliação do programa chega a mais uma etapa e pesquisadores ressaltam avanços.

#pESqUiSa

Pesquisa aponta que Mais Médicos impactou internações por condições sensíveis à Atenção Básica

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A pesquisa utilizou como metodologia a análise de tendência das taxas de inter-nação (por 10 mil habitantes) por condi-ções sensíveis à Atenção Básica, con-forme definidos no Art. 2º da Portaria 221/2008 – sAs/Ms20, a partir da evo-lução da cobertura da Atenção Básica e efeitos nas redes de atenção à saúde. os indicadores apresentados foram qualificados com o “Programa Mais Médicos”, o que permite analisar seu efeito nos período pré e pós implantação do Programa.Foram utilizados também dados dos sistemas de informação hospitalares (sih).

tendências das taxas Globais de internações por condições sensíveis à AB em Municípios categorizados entre o percentil 10-25% de cobertura de Médicos da AB antes e entre o percentil 50-75% depois da implementação do PMM

Conforme os dados da Rede-Observatório, o

Mais Médicos também expandiu

a cobertura de atenção básica em

favor dos municípios e localidades

onde a oferta de profissionais era

escassa.

observa-se, uma vez mais, uma tendências de aumento das internações no período anterior ao programa (linha verde), uma estabilidade na implantação do programa (linha preta) e uma queda mais acentuada no período Ago/2014-Jul/2015 (linha cinza).

taxaAgo/2011 - Jul/2014Ago/2011 - Jul/2013

Ago/2013 - Jul/2014Ago/2012 - Jul/2015Ago/2014 - Jul/2015

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tação. esse resultado aponta para o cum-primento de um compromisso histórico do sus, que é o de acesso universal aos cuidados em saúde”, enfatizou.

coordenada nacionalmente pelo pro-fessor da uFrGs Alcindo Antônio Ferla, a rede-observatório do Mais Médicos é formada por 14 instituições, incluindo 11 universidades federais.

saúde, de modo que doenças que são responsivas a presença dos médicos de família fossem resolvidas perto de onde as pessoas vivem. Isso significa não apenas melhores condições de saúde, mas uma pressão menor sobre os serviços hospita-lares. veja que há um efeito importante, mesmo que os resultados sejam de cerca de dois anos de acompanhamento, um tempo pequeno se pensarmos que muitas das internações que formam a lista de condições sensíveis sejam por doenças crônicas, de maior latência e que depen-dem de atenção integral, ao longo do tempo”, ressalta o pesquisador.

Ainda segundo neves hugo, as próxi-mas análises devem permitir identificar tendências para grupos específicos de in-ternações, especialmente os que agrupam internações por condições que respondem mais rapidamente à presença de médicos nos serviços de saúde da Família.

“resultados adicionais sugerem que o programa cumpriu com o objetivo de expandir acesso. diferenças históricas na cobertura de médicos de atenção básica foram praticamente zeradas com a im-plementação do PMM, principalmente a partir de seu segundo ano de implemen-

tendências das taxas Globais de internações por condições sensíveis à AB em Municípios categorizados entre o percentil 0-10% de cobertura de Médicos da AB antes e entre o percentil 26-50% depois da implementação do PMM

O número de consultas aumentou 33% nos municípios onde os médicos da iniciativa atuam, contra 15% nos demais municípios.

A maior parte das vagas do programa está em localidades remotas e de difícil

acesso.

observa-se a tendência de aumento das internações no período anterior ao programa (linha verde) e uma queda após a implantação do programa (linhas rosa, preta e cinza).

taxaAgo/2011 - Jul/2014Ago/2011 - Jul/2013

Ago/2013 - Jul/2014Ago/2012 - Jul/2015Ago/2014 - Jul/2015

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Escutar a indignação dos moradores

culminou em conversas da Secretaria de Saúde com os comandos que

estavam no Alemão, para que parassem de

colocar portas abaixo e jogar fora os alimentos

das pessoas.

complexo do Alemão não só com um nariz vermelho e uma armação de óculos, mas com ouvidos especialmente abertos.

– A comunidade chega gritando socorro de uma outra forma, não pelo processo medicamentoso. eles precisam de um lugar de escuta, onde possam expressar seus medos. uma personagem como a dra. Borboleta ouve coisas que o outro jamais pensou que falaria, desde relatos de abusos até “tenho vários parceiros e não me previno”, e tantas outras coisas com implicações para o serviço de saúde, ainda que eu não faça nenhuma pergun-ta sobre saúde. A gente entra em jogo, no jogo do outro, porque o outro também joga contigo.

Borboleta desenvolveu o cochicho como método de colecionar segredos.

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alguns deles redescobrindo, entre tintas, pipas e bolas, uma chance de deitar e dormir.

– o que me motivava, todos os dias, era perceber que eles vinham com uma bagagem muito cansada. Quase como se carregassem um saco de cimento nas costas.

baGaGEnS__________________

cléo trabalhou como palhaça e brin-quedista durante nove anos na emer-gência de um pronto-socorro em Barueri (sP). como não existe roteiro certo para alegrar um público ferido, a pedagoga aprendeu a improvisar.

– eu não coloco o outro na situação do ridículo. nem todo mundo se agrada desse aspecto do palhaço. tem palhaço que usa o outro como ferramenta. Melhor é despertar o desejo no outro, a potência de que ele pode brincar também.

tanto funcionou que o nome da palhaça foi brincado por um outro, que certo dia a chamou de “dra. Borboleta”. cléo aceitou o nome como um “presente”, o que já era um jeito de ir desencavando ferimentos invisíveis, que sequestram a fala da gente. Anos depois, a dra. Borboleta chegaria no

Quando a guerra subiu o morro, em novembro de 2010, cléo lima tocou para o complexo do Alemão, munida de um nariz de palhaço e um óculos sem lente. Desfilavam tanques, rifles e capacetes da PM, do Bope, da Marinha, da PF, numa percussão austera de coturnos e hélices de helicóptero, por onde passaria, intruso, o nariz vermelho e rechonchudo de cléo. o que é um nariz onde um nariz não foi chamado? ele logo bota a gente nas janelas. o beco vai enchendo. Forma-se um cortejo, e a rua desfila, de novo, um pouco de povo.

Assim acolhida no sopé dos tiroteios fluminenses, Cléo montou uma tenda e espalhou brinquedos pelo chão. A ideia era atrair as crianças da comunidade, mas o chão puxou também adultos e idosos,

Em uma tenda no Complexo do Alemão, a pedagoga cléo lima ajuda crianças e adultos a vencer os exércitos do medo e da tristeza

Brincar para longe a violência

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os profissionais e a Secretaria Municipal de saúde do rio de Janeiro reconhecerem que ela não servia apenas para acalmar ânimos em situações de violência.

A pompa universitária participa dessa premiação da seriedade, mas as repres-sões adultistas atravessam todos os espaços, com eventuais respiros quando o brincar parece permitido: piscina de boli-nhas é exclusividade da criança, a não ser que seja montada dentro do shopping e cobre ingresso, abençoando a criancice com a graça do consumo. Para a dra. Borboleta, é preciso alargar as fronteiras do brincável.

– eu brinco com o teu imaginário, e o brincar aparece de zero a 100 anos. são sensações guardadas com a gente, a

esse trabalho sobre o corpo de quem joga cléo chama de “brincação”, palavra ela própria lúdica, inventada para dar conta do agir do jogo. Porque não é passa-tempo: uma pedagoga tornada borboleta, um emudecido tornado tagarela.

a opRESSão é adUltiSta____

cléo estreou como palhaça em uma pediatria, onde a primeira coisa que ouviu foi que não havia carência de palhaços, mas de um novo aparelho de ultrassom. na igreja da ciência, a brincação ocupa espaço minoritário. A tenda de cléo agora tem espaço permanente dentro de uma clínica da Família, mas levou tempo até

cléo expôs trabalhos das crianças no 12º congresso da rede unida, em campo Grande (Ms)

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Ara como exercício de afirmar capacidades. cléo reparou que, de acordo com o jogo, o comportamento das crianças pode contra-

riar sentenças médicas. um “disléxico” começa a compor gibis… um rapaz com “déficit de atenção”, com prescrição para tomar ritalina, aprende a passar horas diante de um tabuleiro, e agora disputa campeonatos de xadrez…

os pais de ricardo, por exemplo, chegaram na tenda informando que o filho não sabia falar. A fonoaudióloga sancionou: ricardo não fala. cléo cismou que o menino devia ir para um coral. em sua terceira apresentação, ricardo estava cantando.

– onde houve a troca da chave? Fecharam um diagnóstico, um não-possível. “ele não fala,

ponto”. da forma como abordaram, ele não iria falar mesmo. o ricardo é um ado-lescente com retardo mental, e a gente percebe o retardo, mas não as limitações. é muito hostil querer limitar o outro, a po-tencialidade de vida que tem ali dentro.

Quem diria que ricardo seria capaz de se alfabetizar? Bastou satisfazer seu interesse - antes desatendido - por letras de música, e em pouco tempo ricardo descobriu uma forma própria de aprender a ler e escrever. A fala também nasceu manifestando uma vontade. um dia a tenda recebeu uma porção de gibis, mas não entregaram o volume deseja-do por ricardo, que articulou: “eu não gosto disso, eu quero aquele”.

segundo cléo, cinco minutos de cochi-cho às vezes revelam mais do que cinco anos de análise. Ainda insatisfeita com o que encontra nos livros (ela cita Jung, Benjamin, deleuze e Guattari), a pedagoga vem tentando achar respostas próprias para explicar a intimidade-relâmpago da palhaçaria. uma pista: cochicha-se para a fantasia, e não para a pedagoga. cléo deve desaparecer para que a Borboleta venha acordar, no outro, os mais dormentes relatos. em contrapartdida, quando é a cléo quem concede a entrevista, a Borboleta fica na terceira pessoa:

- ela é muito ousada. cria trejeitos, trocas de olhares que já tentei imitar, mas a cléo não vai pra esse olhar. A Borboleta usa um óculos sem lente, para enxergar melhor, e brinca o tempo todo com isso. ela vai te convidando para uma intimidade. Quando a personagem se desfaz, a pessoa já me olha com outra cara, e eu pergunto: “Por que tu respon-deu isso pra ela?”, e a pessoa diz: “eu res-pondi pra ela, não para ti!”

CoiSaS qUE a bRinCadEiRa Faz______________________

num mesmo corpo, então, cabem cléo e dra. Borboleta. A transformação acon-tece a olhos vistos, com poucos acessó-rios, o que de imediato mostra a brincadei-

“Brinquedotecas hospitalares estão previstas em lei,

mas é uma lei muito mal-cumprida.

Faltam pesquisas mostrando a

redução do tempo que a criança fica

internada. Em Barueri, de cinco dias, a internação caiu para três.”

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depois, em junho de 2011; Alan souza de Lima, 15 anos, que filmava uma brincadei-ra enquanto era executado por policiais na favela da Palmirinha (honório Gurgel), em fevereiro de 2015; eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos, atingido na porta de casa por um tiro de fuzil na cabeça, enquanto brincava com o celular, no complexo do Alemão, em abril de 2015.

bagagens que chegam adultas na tenda

– e a leveza: eles deixavam a bagagem na tenda. Brincavam, corriam, inventa-vam, faziam pipa, jogavam bola. Aquela bagagem foi ficando, e você sentia corpos leves indo embora e perguntan-do: “Amanhã, a que horas começa?”

pode cuidar deles também. A pedagoga reconhece um “agravo”

em Porto Alegre, em função da disputa de território por grupos rivais, e se pre-ocupa especialmente com a quantidade de crianças cooptadas, reforçando que a criança traficante não raro se percebe como valete da comunidade. As forças do Estado ratificam essa percepção cotidia-namente, entrando na comunidade para matar Alana ezequiel, 12 anos, durante operação policial no morro dos Macacos (vila isabel), em março de 2007; Matheus rodrigues carvalho, 8 anos, atingido no pescoço por um policial quando saía de casa para comprar pão, na Baixa do sapateiro (favela da Maré), em dezem-bro de 2008; Juan Moraes, 11 anos, da favela danon (nova iguaçu), cujo corpo foi atirado ao rio e encontrado 10 dias x

violência no campus, assaltos no centro. o aluno deve ter o direito de escolher onde trabalhar, mas precisa ao menos da expe-riência no território, antes que produza um corpo medroso. Quando o professor diz que o aluno não deve se sujeitar a trabalhar na comunidade, o que ele está querendo dizer? “vou produzir pessoas que só trabalham para um certo nicho”? é quase como dizer que, por ele, a comu-nidade pode terminar.

Em visita à Vila Cruzeiro, em Porto Alegre, cléo defendeu que as unidades de saúde devem permanecer abertas em epi-sódios de violência, em que a população procura o posto para se proteger.

– eu nunca vi a comunidade invadir um posto de saúde para danificar alguma coisa. o próprio poder paralelo tem crité-rio, entende que é um local que inclusive

gente quer acioná-las. tu acessas no teu hd a “pasta” do brincar e começa a sentir outra sensação, corpórea, que vem para o campo do prazer. A pelada é diferente do futebol competitivo. As sen-sações são outras, é correr sem compro-misso, ser brincante.

como diz o conceito, a brincação não se limita a disparar o prazer e a criativi-dade nem deve ser escanteada para as alturas do “artístico”, o que teria conduzi-do cléo para o teatro ou o circo, em vez do hospital, a atenção primária e a favela. A brincação é militante e trabalha a reali-dade lá onde o ensino tradicional gostaria de manter as coisas como estão.

– o meu maior receio hoje, dentro da saúde, é a criação de corpos medrosos. As universidades criam alunos que veem um território de violência, sem vida. Mas há

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na década de 1980, para obter reco-nhecimento da Funai, os terena rema-nescentes na região se reconheceram como grupo e estabeleceram a Aldeinha. hoje, sem terra onde plantar ou criar bichos, os terena que não vão estudar ou trabalhar na cidade acabam achando sustento no artesanato.

“tivemos que nos adaptar a um sistema de artesão. não temos área para lavoura. e, para aposentar, o indígena precisa de uma ocupação”, explica o ex-cacique elias, que quer imprimir uma cartilha sobre ervas medicinais: “tenho diabetes e não tomo in-sulina. tomo raizada. vou no posto medir a glicose, e está tudo normal.”

A falta de espaço faz com que muitos dos jovens decidam deixar a aldeia. entre as novas gerações, quase ninguém fala a língua terena, que entrou no currículo escolar há apenas quatro anos, no lugar do inglês, em atendimento a reivindicação

reram defendendo o território brasileiro”. os sobreviventes voltaram para encon-

trar aldeias invadidas. Foram impedidos de lavrar a terra dos seus antepassados e sofreram perseguição de colonizadores cada vez mais hostis. recolheram-se, enfim, a montes e bosques, esparra-mados e desunidos. viviam nas matas, criavam galinhas, cabritos, carneiros, vacas. A partir das décadas de 1950 e 60, perderam esse pouco de terra produtiva que havia sobrado.

“tivemos um prefeito chamado Alarico Medeiros. ele tinha um cartório. ele ia medindo os terrenos e ia vendendo para quem vinha chegando de outros estados. Foi jogando os indígenas para uma área só. nós nos aglomeramos aqui. A maioria das nossas terras nós perdemos por essas questões. Foi indo até chegar nesse ponto de ter somente cinco hectares de terra que conseguimos segurar”, conta o cacique.

lideranças da Aldeinha responderam perguntas de professores e estudantes universitários

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letivo. um arco cravejado de varetas une os pilares da fachada, como se o telhado fosse cabeça ornada com um cocar. uma caixa de som toca sucessos do sertanejo e repaginações de hits do pop nacional.

“nossa aldeia nasceu aqui. ela não veio para a cidade, mas a cidade veio até nós. hoje estamos encurralados num pequeno espaço, onde sobrevive-mos. Aqui é uma história muito sofrida. nossos antepassados foram muito enga-nados”, diz o cacique enéias.

A aldeia Aldeinha ocupa cinco hecta-res do município de Anastácio, 140 km a oeste da capital sul-matogrossense. Vivem ali 420 indígenas, filhos de uma terra que lhes foi tomada durante a Guerra do Paraguai. os homens da etnia terena lutaram pelo império brasileiro. Ainda hoje, as duas principais festivida-des da aldeia lembram a participação na guerra: a dança do bate-pau (ou “dança dos homens”) e a dança das mulheres, que o cacique enéias descreve como “dança de tristeza e alegria, porque, dos esposos que lutaram na Guerra do Paraguai, alguns voltaram, e outros mor-

o cenário é argila. Mesmo os cachorros imitam, no pêlo, a cor do barro em que vagam mansos, sem dar pela comitiva de desconhecidos que acaba de chegar de campo Grande. o gradiente suaviza para o alto: terra avermelhada, paredes laran-jas até a meia-altura das janelas, tinta amarela dali até o forro. há cinza na laje da quadra poliesportiva e no caminho de cimento que leva, da entrada do terreno, a uma área coberta, espécie de varanda no encontro de dois corredores perpendi-culares, um conduzindo às salas de aula, o outro ao refeitório e um alinhado de torneiras que compõem um bebedouro co-

Reduzidos a um terreno de cinco hectares no município de anastácio (mS), 420 indígenas lutam para preservar a cultura do povo terena

No bairro indígena

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nesta manhã, os líderes da aldeia respondem a questões lançadas por estudantes e professores de diversas universidades do país: e os nomes de vocês em língua indígena? Por que não os registram como nome de batismo? Quem a comunidade costuma procurar para resolver problemas de saúde?

um pesquisador da área da Farmácia se diz mais representado pelo modo de vida indígena do que pela cultura oci-dental. há também sugestões, como perseverar na defesa das tradições e construir a cartilha de ervas medicinais em parceria com universidades locais. Alguns visitantes tiram selfies com o mister e a miss da aldeia, que, adorna-dos de penas e riscos de jenipapo, ali representam a beleza do povo terena.

uma menina indígena é chamada para cantar na língua terena. é um canto carregado de vogais alongadas e firmes, entremeadas por choques velozes entre consoantes que estalam em cantos misteriosos para bocas trei-nadas no português. em meio a esse fluxo sonoro indiscernível, o ouvido urbano só consegue distinguir a palavra “Jesus”. A tradução dos versos, depois, confirma: “Renova-me, senhor Jesus / Põe em mim teu coração”.

são servidos biscoitos e sucos. A comitiva começa a voltar para o ônibus. há outra aldeia a se visitar, no município vizinho de Aquidauana. O amplificador toca Mc Bin laden. dá tempo de pergun-tar para o cacique Enéias o que significa termos encontrado, aqui, um ex-cacique e um vice-cacique. “democracia”, ele responde, “hoje cacique tem mandato de quatro anos. hoje a democracia está no meio de nós.”

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o mister e miss da aldeia tiram fotos com os visitantes.

“nossa aldeia não veio para a cidade. A cidade veio até nós”, diz o cacique enéias

“tivemos que nos adaptar a um sistema de artesão”, pontua o ex-cacique elias.

jenipapo: “é coletado o jenipapo verde, retirado do pé. descasca como laranja, rala no ralador, fica igual coco ralado. É só apertar, sai o caldo, o sumo. só tem

que tomar cuidado, porque mancha a mão”, alerta, mostran-do as marcas do fruto nas próprias mãos.

o professor reinaldo “sassá”, que ensina história, ressalta que a etnia terena, segunda maior no Mato Grosso do sul, atrás da Guarani-Kaiowá, foi en-golida pela urbanização e permanece agrupada para ser lembrada: “Pessoas vieram de

várias regiões do Brasil durante a moder-nização. estamos resistindo até hoje para que a nossa cultura não se perca”.

dos líderes da comunidade.“um povo sem a sua língua, sem a

sua cultura, ele não existe”, enfatiza o vice-cacique José carlos.

segundo o profes-sor Jessé, que ensina a língua terena na escola estadual indígena Guilhermina da silva, um dos maiores pro-blemas é o desinte-resse dos jovens em aprender o idioma. “os únicos falantes do terena são anciãos, pessoas de idade. A ju-ventude não fala mais”, lamenta Jessé, que vem tentando incentivar as crianças a participar das danças e brincadeiras tradicionais. referência da aldeia em pintura corpo-ral, Jessé dá a receita para tirar tinta do

os pintores terena extraem sua tinta do jenipapo.

“Pessoas vieram de várias regiões do Brasil durante a modernização.

Estamos resistindo até hoje para que a nossa cultura não se perca”.

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REviSta REdE GovERno Col aboRativo Em SaúdE | númERo 3 | ano 2016

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Mais MédicosAutor: Araquém Alcântara

o livro ‘Mais Médicos’ é um registro que reúne imagens que retratam o coti-diano de médicos que atuam no Programa Mais Médicos. durante cerca de um ano, Araquém Alcântara acompanhou os médicos em consultas e visitas domici-liares, capturando as imagens da relação solidária entre médicos e pacientes nos rincões do Brasil.

atenção básica: olhares a partir do programa nacional de melhoria do acesso e da qualidade – (pMaQ-aB)Organizadores: Luciano Bezerra Gomes, Mirceli Goulart Barbosa e Alcindo Antônio Ferla

o presente livro procura agregar di-versas reflexões sobre o atual momento da atenção básica (AB) no sistema Único de saúde (sus), tomando por eixo central a implementação do Programa nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), do departamento de Atenção Básica do Ministério da saúde. os textos deste livro foram produzidos a partir do trabalho em rede científica que se interligou para produzir e realizar a avaliação externa do PMAQ-AB. essa parceria articulou-se em torno da ideia de que a construção do co-nhecimento se dá a partir do diálogo, pela capacidade de refletir sistematicamente sobre os contextos e pela articulação de diferentes perspectivas de análise e visões singulares sobre o assunto abordado, ou seja, a atenção básica à saúde.

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REviSta REdE GovERno Col aboRativo Em SaúdE | númERo 3 | ano 2016

história de uma indiazinha guarani- kaiowá e de seu avô na luta contra a doença e a injustiçaAutora: Stela Nazareth Meneghel

esta é a história de uma menina guara-ni-kaiowá que vive com sua família à beira de uma rodovia no Mato Grosso do sul e de seu avô doente de hanseníase. ela se destina a jovens que gostam de ouvir e contar histórias. A ideia surgiu durante a organização do 13º congresso da rede unida e do seminário rotas críticas vii. esta história está pautada na realidade do povo guarani-kaiowá e busca mostrar a luta pela terra e as iniquidades que his-toricamente os indígenas sofrem no Brasil, mas pretende alavancar potência para mudar e para o resguardo da memória co-letiva dos povos originários de nossa terra.

a educação permanente em saúde e as redes Colaborativas: conexões para a produção de saberes e práticas Organizadores: Luciano Bezerra Gomes, Mirceli Goulart Barbosa e Alcindo Antônio Ferla

este livro nasce da instigação dos seus autores sobre os vários modos de a educação Permanente se apresentar como um aspecto constitutivo do trabalho em saúde. Mais ainda, pela constatação de que sua operação se dá em redes de cooperação, as quais têm apresentado ar-ranjos cada vez mais sofisticados. E para além de desafios organizacionais, esses ar-ranjos demandam formulações no campo da produção do conhecimento, reconhe-cendo o plano das complexidades. os esforços consolidados nos textos que se seguem tentam contribuir nesse sentido.

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REVISTA REDE GOVERNO COL ABORATIVO EM SAÚDE | NÚMERO 3 | ANO 2016

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REVISTA REDE GOVERNO COL ABORATIVO EM SAÚDE | NÚMERO 3 | ANO 2016

- endereço: Acesso para uFMt - vila do ipase, cuiabá - Mt, 78068-600inscrições:www.cshs.com.brPor que é importante estar lá?o congresso pretende reunir pesquisadores, do-centes, profissionais, estudantes de pós-gradua-ção e graduação nas áreas de ciências humanas e sociais voltadas para a saúde e participantes de movimentos sociais envolvidos.

68O cBEn cOngrEssO BrasilEirO dE EnfErmagEm

Apresentamos o 68° CBEn, atentos à conjuntura da saúde pública, como território de fortaleci-mento de nossa mobilização pela garantida do direito à saúde no Brasil e pela defesa do Sistema Único de saúde (sus). e, nesse sentido, aborda-remos os desafios desde nosso campo de práti-cas, diante do cenário político do setor, buscando identificar as situações limites que se apresentam e, traçar estratégias para superá-las.

data:27-30 de outubro de 2016local:centro de convenções ulysses Guimarãeseixo Monumental, Ala sul, Brasília/dF, ceP: 70070-350inscrições: www.abeneventos.com.br/68cbenPor que é importante estar lá?A programação científica será perpassada por três conexões temáticas – linhas de cuidado e Políticas de saúde; Formação e Produção do conhecimento; e, organização Política da enfermagem – com conferências, plenárias, rodas de conversa, relatos de experiência, grupos de trabalho, talk show, cursos, oficinas, apresentação de trabalhos e pôsteres, feira de exposição tecnológica e de livros.

15º fórum sOcial mundial

com a temática “um otro mundo é necessário, juntos é possível”, o maior encontro da sociedade civil ocorre pela primeira vez no hemisfério norte. o FsM, através de centenas de atividades, como oficinas, rodas de conversa, debates e apresen-tações artísticas, busca soluções para problemas do nosso tempo nos campos do desenvolvimento social, da economia solidária, do meio ambiente, dos direitos humanos e da democratização.

data:9-14 de agosto de 2016local:A sede do FsM 2016 será na cidade de Montréal, canadá, mas estão programadas ati-vidades concomitantes por cidades do mundo todo, conformando uma grande rede global de ativistas e de movimentos sociais.inscrições:https://fsm2016.org/esPor que é importante estar lá?As discussões do FsM são inspiradoras e motiva-doras. Globalmente, o contexto político, econô-mico e social é delicado e iniciativas que busquem saída focadas no bem-estar das pessoas, não no capital, são essenciais para seguir trabalhando por um outro mundo.

7O cOngrEssO BrasilEirO dE ciências sOciais E Humanas Em

saúdE

o congresso tem como tema central: Pensamento crítico, emancipação e alteridade: agir em saúde na (ad)diversidade

data:9-12 de outubro de 2016local:universidade Federal do Mato Grosso (uFMt)

#aGEnda

local:hyatt regency Miami, Miami, Floridainscrições:http://epicongress.org/Por que é importante estar lá? o encontro oferece a oportunidade única de interação com um grupo diversificado de epide-miologistas. inclui sessões plenárias com a par-ticipação de lideranças visionárias; simpósios voltados para questões emergentes e temas atuais; e premiações para uma variedade de realizações no campo.

3O cOngrEssO paranaEnsE dE saúdE púBlica/cOlEtiva

o 3º congresso Paranaense de saúde Pública tem como objetivo contribuir para a expansão e a qualificação da saúde no Paraná, propiciando opor-tunidade para os participantes aprofundarem seus conhecimentos, aprimorarem competências, discu-tirem as temáticas prioritárias de saúde do estado.

data: 27-30 de julho de 2016local:universidade Federal do Paraná, campus litoralrua Jaguariaíva, 512 – caiobá-Matinhos/Prinscrições:www.congressosaudepublica.org.brPor que é importante estar lá? o 3º congresso deve ser entendido como um momento apropriado para a apresentação de relatos de experiências de estudantes de gra-duação, de discussão sobre o andamento de projetos aplicativos ou de intervenção realiza-dos durante cursos de pós-graduação. Enfim, o evento representa oportunidade para potencia-lizar ações de educação permanente em saúde.

i cOngrEssO BrasilEirO dE ciências da saúdE

o i congresso Brasileiro de ciências da saúde discutirá a temática “Perspectivas e desafios do cuidado em saúde humana na contemporaneida-de”. será promovido pelo centro Multidisciplinar de estudos e Pesquisas (ceMeP), universidade estadual da Paraíba (uePB) em parceria com a Realize Eventos Científicos & Editora.

data:15-17 de junho de 2016local:centro de convenções raymundo Asfora rua Antenor navarro, 151 – Bairro da Prata, campina Grande/PB, ceP 58400-520.inscrições:www.conbracis.com.brPor que é importante estar lá? o congresso irá oportunizar aos participantes discussões acerca de estudos colaborativos e tendências em ciências da saúde. Proporcionar diálogos com profissionais de diferentes insti-tuições sobre os desafios do cuidado em saúde e estimular a produção de conhecimento rela-cionado ao melhoramento nas práticas acadê-micas e profissionais em saúde

4O cOngrEssO dE EpidEmiOlOgia das américas

A cada cinco anos, o congresso de epidemiologia das Américas reúne os principais pesquisadores, cientistas, docentes e estudantes de mais de 20 países do continentes, além de convidados da europa, África e Ásia. o tema da quarta edição é: Fazendo a diferença através das populações.

data: 24-26 de julho de 2016

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Evento organizado pelo grupo de pesquisa Rede Internacional de Políticas e Práticas de Educação e Saúde Coletiva (Rede Interstício) em parceria com a Rede Governo Colaborativo em Saúde e apoiado pelo grupo de pesquisa POLIFES da UFRGS.

Busca contribuir para o diálogo no campo da promoção da saúde, especialmente em relação à construção de políticas públicas de saúde, a partir da imagem conceitual das práticas corporais no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

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