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InTech 130 59 reportagem ENERGIA NUCLEAR ENERGIA NUCLEAR: BENEFÍCIOS E RISCOS O terremoto no Japão, que danificou o complexo das usinas de Fukushima, coloca a energia atômica em questão. Por Silvana Nuti (*) (*) Jornalista, roteirista e escritora. Trabalhou como repórter na TV Globo (filial Ribeirão Preto), repórter na Folha de S. Paulo e editora da Disney Explora por dois anos, revista semanal do grupo Folha da Manhã. Durante uma estada de quatro anos na Europa, colaborou como roteirista de documentários na Teleroma 56 e Rai 3 e repórter no jornal italiano La Repubblica e na revista francesa Nova. Em Nova York, especializou-se em roteiro e imagem na mídia na The New School for Social Researches. A energia nuclear está em pauta. Gerando polêmica e impulsionando os investimentos. Hoje há no mundo 53 usinas nucleares em construção, com previsão de entrarem em operação até 2017, aumentando então a capacidade global de geração de energia nuclear em 12,7%%, de acordo com os dados da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). No Brasil, o governo planeja construir de quatro a sete usinas nucleares até 2030. O Plano Nacional de Energia 2030 (PNE 2030) aponta a necessidade da implantação de 4.000 MW (megawatts) nucleares adicionais após a implantação de Angra 3, prevista para 2015. Aprovado em 2007, o PNE 2030 é um estudo que subsidia o governo na formulação de sua estratégia para a expansão da oferta de energia econômica e sustentável em longo prazo. De acordo com o estudo, 2.000 MW serão implantados no Nordeste - com sítios potenciais nas regiões do médio e baixo São Francisco-, e os 2.000 MW restantes vão para o Sudeste. Outros cenários analisados pelo plano consideram necessidades de 6.000 MW e 8.000 MW para o mesmo período, que se estende de 2015 a 2030. Para entender a relação megawatts versus geração de energia elétrica, as usinas Angra 1 e 2 são exemplos representativos. Atualmente em funcionamento no Estado do Rio de Janeiro, elas, juntas, geram cerca de 2.000 MW Foto: Acervo de Imagens/Eletrobras. Angra 1 e Angra 2.

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InTech 130 59

reportagem ENERGIA NUCLEAR

ENERGIA NUCLEAR: BENEFÍCIOS E RISCOS

O terremoto no Japão, que danificou o complexo das usinas de Fukushima, coloca a energia atômica em questão.

Por Silvana Nuti (*)(*) Jornalista, roteirista e escritora. Trabalhou como repórter na TV Globo (filial Ribeirão Preto), repórter na Folha de S. Paulo e editora da Disney Explora por dois anos, revista semanal do grupo Folha da Manhã. Durante uma estada de quatro anos na Europa, colaborou como roteirista de documentários na Teleroma 56 e Rai 3 e repórter no jornal italiano La Repubblica e na revista francesa Nova. Em Nova York, especializou-se em roteiro e imagem na mídia na The New School for Social Researches.

A energia nuclear está em pauta. Gerando polêmica e

impulsionando os investimentos. Hoje há no mundo 53

usinas nucleares em construção, com previsão de entrarem

em operação até 2017, aumentando então a capacidade

global de geração de energia nuclear em 12,7%%, de

acordo com os dados da Agência Internacional de Energia

Atômica (AIEA).

No Brasil, o governo planeja construir de quatro a sete

usinas nucleares até 2030. O Plano Nacional de Energia

2030 (PNE 2030) aponta a necessidade da implantação

de 4.000 MW (megawatts) nucleares adicionais após a

implantação de Angra 3, prevista para 2015. Aprovado em

2007, o PNE 2030 é um estudo que subsidia o governo na

formulação de sua estratégia para a expansão da oferta de

energia econômica e sustentável em longo prazo.

De acordo com o estudo, 2.000 MW serão implantados

no Nordeste - com sítios potenciais nas regiões do médio

e baixo São Francisco-, e os 2.000 MW restantes vão

para o Sudeste. Outros cenários analisados pelo plano

consideram necessidades de 6.000 MW e 8.000 MW para

o mesmo período, que se estende de 2015 a 2030.

Para entender a relação megawatts versus geração de

energia elétrica, as usinas Angra 1 e 2 são exemplos

representativos. Atualmente em funcionamento no Estado

do Rio de Janeiro, elas, juntas, geram cerca de 2.000 MW

Foto: Acervo de Imagens/Eletrobras.

Angra 1 e Angra 2.

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reportagem ENERGIA NUCLEAR

médios. Isso equivale a cerca de 3% da energia elétrica

nacional e a 30% do consumo total do Estado do Rio- que

gira em torno de 6.000 e 7.000 MW médios. Cada 1.000

MW de usina nuclear corresponde a 1,7% da energia

gerada no sistema elétrico nacional.

Segundo o PNE 2030, com a entrada de Angra 3 em 2015,

o parque nuclear brasileiro passaria a ter 3.300 MW. Já

com as outras quatro usinas, a capacidade de geração de

energia nuclear em 2030 chegaria a 7.300 MW. Para fazer

os cálculos, o estudo considerou um aumento do Produto

Interno Bruto (PIB) de 4,1% ao ano e um crescimento

da demanda por energia de 3,5% ao ano até 2030.

“Atualmente, as usinas nucleares de Angra fornecem cerca

de 3% da energia elétrica do Brasil. Devido à expansão

da potência instalada no país, mesmo com construção

das usinas nucleares planejadas, o percentual da energia

nuclear ficará perto deste valor, com um máximo de

5% do fornecimento de energia de origem nuclear”,

afirma o presidente da Comissão Nacional de Energia

Nuclear, o físico Odair Dias Gonçalves, Segundo ele, os

benefícios serão em múltiplas áreas. “No fornecimento de

energia localizada onde não há possibilidade de construir

hidroelétricas, como no Nordeste; o desenvolvimento

do parque tecnológico e o aproveitamento das nossas

reservas de urânio, entre outros, como a geração de 10.000

empregos em cada obra.”

Foto: Divulgação CNEN.

Gonçalves: benefícios em múltiplas áreas.

A Eletronuclear, responsável pela operação e construção

das usinas termonucleares no Brasil, juntamente com a

Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE/PR), o Ministério

de Minas e Energia (MME), a Eletrobras e a Empresa de

Pesquisas Energéticas (EPE) vêm desenvolvendo estudos

com consultoria do Instituto Alberto Luiz Coimbra de

Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe-UFRJ)

para encontrar sítios adequados à instalação de usinas

nucleares no país. Já foi concluída a primeira etapa de

seleção de sítios nucleares no Nordeste, em duas regiões

do rio São Francisco. O próximo passo seria aprofundar

os estudos nessas regiões, mas, segundo a Eletronuclear,

o governo solicitou a ampliação dos estudos preliminares

de localização para todo o território brasileiro. O objetivo

desse mapeamento nacional é ter áreas já identificadas

caso o governo decida construir uma usina nuclear em

qualquer área do país.

RESERVAS DE URÂNIO EM ALTA

O ritmo crescente das prospecções do solo brasileiro pode

elevar o país à segunda posição no ranking mundial das

reservas de urânio. Hoje o Brasil possui a sexta maior

reserva de urânio do mundo, com 5,9% da disponibilidade

mundial, o que corresponde a 309.370 toneladas de

U3O8, de acordo com o Balanço Energético Nacional

2009, do MME. Mas apenas um terço do território

nacional foi prospectado, portanto as projeções indicam

que o número de reservas vá aumentar. “Ainda há 50% do

território nacional como área geologicamente promissora

remanescente, revela o coordenador de Comunicação e

Segurança da Eletronuclear, José Manuel Diaz Francisco.

“Só na região Norte do país, o potencial estimado é de

500 mil toneladas. Sendo assim, as reservas nacionais

poderão alcançar 800 mil toneladas, o que levará o Brasil

a ocupar a 2ª ou a 3ª posição nesse ranking. Vale ressaltar

que somente as cerca de 250.000 toneladas das jazidas de

Caetité (BA) e Santa Quitéria (CE) correspondem ao dobro

de todas as reservas de gás da Bolívia ou a 40 anos de

operação do gasoduto Venezuela-Brasil”, compara.

Traduzindo em cifras, esses reservas de urânio ainda

inexploradas podem render US$ 100 bilhões ao país,

conforme comunicado pelo Ministério de Minas e Energia

durante o lançamento do Plano Nacional de Mineração

2030, em fevereiro deste ano. Em 2010, o faturamento da

mineração no Brasil foi de US$ 157 bilhões, representando

25% das exportações brasileiras. No Brasil, 99% da

utilização do urânio são destinados à geração de energia.

O restante é usado na medicina e na agricultura.

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SEGURANÇA ENERGÉTICA

Enquanto o Brasil avança em seu programa nuclear, o

terremoto ocorrido no Japão em março último reacende o

debate sobre o uso da energia nuclear e a segurança nas

usinas. O “chacoalhão” no solo oriental resultou, além da

morte de milhares, a danificação no complexo das usinas

de Fukushima Daichii. O acidente, que já fez a companhia

operadora da usina nuclear despejar no Pacífico cerca de

11.500 toneladas de água radioativa, gera protestos na

França, na Alemanha e na Itália contra usinas atômicas. No

Brasil, o ministro de Minas e Energia, Edson Lobão declara

que o país não precisa rever seus programas nucleares,

informando que as usinas de Angra foram feitas com a

melhor tecnologia e portanto oferecem maior segurança.

“O Ministro Edson Lobão está mal informado. A segurança

dos reatores de Angra dos Reis é tão boa ou tão ruim como a

dos demais reatores do mesmo tipo e já foi objeto de acidentes

de grande porte como em 1979 nos Estados Unidos em

“Three Mile Island”. Em Fukushima, 200.000 pessoas foram

removidas em poucos dias de uma área de exclusão de 20 km

de raio em torno da usina. Alguém acredita que isto poderia

ser feito em Angra dos Reis?”, questiona o físico e professor

do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de

São Paulo (USP), José Goldemberg, ex-ministro da Ciência

e Tecnologia. “Mesmo antes do desastre de Fukushima no

Japão, era bastante claro que a expansão do sistema elétrico

nacional não tinha necessidade de novas usinas nucleares

tendo em vista outras opções mais atraentes, tanto do ponto

de vista econômico, como ambiental. Após o desastre ficou

evidente que os riscos de acidentes nucleares são maiores

do que se supunha e podem ter consequências muito sérias.

Avançar com programas nucleares nestas condições é

imprudente”, avalia Goldemberg.

A CNEN defende o desempenho de segurança do

complexo nuclear de Angra, sustentando que as usinas

nunca tiveram qualquer problema significativo que

ameaçasse a segurança dos trabalhadores, da população

e do meio ambiente. “Além disso, o Brasil participa

do chamado Sistema Global de Segurança Nuclear,

tem a adoção de padrões de segurança recomendados

pela Agência Internacional de Energia Atômica e o

processo de revisão entre as partes, que se implementa

por troca de visitas de especialistas para avaliar as

instalações mutuamente, para comparar com as práticas

internacionais,” afirma o presidente do órgão, Odair

Dias Gonçalves.

Para o engenheiro Rafael Schechtman, Angra foi de fato

construída com dificuldade de plano de emergência.

Estradas com deslizamentos de encosta em razão das

chuvas constantes são um obstáculo em caso de acidente

que indique a evacuação do local. “Tanto para o Norte,

como para o Sul, a evacuação seria complicada”,

afirma. Doutorado pelo Massachussets Institute of

Technology (MIT) em energia nuclear e sócio-diretor do

Centro Brasileiro de Infraestrutura, Schechtman apoia

a utilização da energia nuclear e acredita que o Brasil

está muito bem com relação à segurança energética

nessa área comparado aos outros países. Mas pondera:

“A maior fonte de acidente em energia nuclear é o erro

humano.” O problema no Brasil, segundo ele, é de o

país não ter técnicos treinados para o setor nuclear.

“É preciso especializar essa mão de obra. Pode ocorrer

um evento que se inicia devido à falha no sistema e a

atuação do homem pode agravá-lo.” A falta de mão-de-

obra especializada também se constata no setor nuclear

do Japão. Virou inclusive manchete no diário francês

Foto: Divulgação USP.

Goldemberg: imprudência no avanço de programas nucleares.

Foto: Divulgação Eletronuclear.

Francisco: reservas nacionais de 800 mil toneladas.

ENERGIA NUCLEAR reportagem

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reportagem ENERGIA NUCLEAR

L’Express, que revela que 80% dos empregados no setor

nuclear japonês são subcontratados, recrutados na

camada mais pobre da população. O título da matéria?

“Os mendigos do nuclear”.

OPÇÕES DE ENERGIA

A bandeira da energia limpa é um dos principais

argumentos dos que apoiam a opção nuclear frente

às outras fontes de energia. Uma usina nuclear não

emite gases que contribuem para a chuva ácida

(óxidos de enxofre e nitrogênio) ou para o efeito

estufa (CO2, metano etc.) e nem metais cancerígenos,

entre outros poluentes.

Há outras fontes de energia limpa no Brasil, e renováveis,

como a solar e a eólica, mas que ainda carecem

de investimentos por parte do governo. Na matriz

energética brasileira, 52,7% da oferta interna de energia

é de natureza não renovável, enquanto os 47,3%

restantes são de natureza renovável, de acordo com o

Balanço Energético Nacional, da EPE, com referência do

ano de 2009.

“Há incentivo fiscal para energia eólica, mas o

equipamento tem de ser totalmente produzido no

Brasil, explica Schechtman. “Seria ótimo se o governo

reduzisse os impostos de importação, já que as

empresas europeias encontram-se ociosas em razão da

crise que atravessam.”

O físico e professor da Universidade Federal de

Pernambuco (UFPE), Heitor Scalambrini, defende a

utilização das energias renováveis como possibilidade

de criar um padrão de desenvolvimento sustentável

com uma matriz energética menos agressiva ao meio

ambiente – à base da água, do vento, das marés,

das ondas do mar e da biomassa. E de sol. Depois

do Saara, o Brasil é o país com o maior índice de

insolação do planeta. “Se há um país que goza das

melhores oportunidades ecológicas e geopolíticas

para ajudar a formular outro mundo necessário para

toda a humanidade, este país seria o nosso. Ele é a

potência das águas, possui a maior biodiversidade

do planeta, as maiores florestas tropicais. O setor

de eletricidade solar cresce 45% ao ano, em média,

no mundo; isso significa que ele dobra de tamanho

praticamente a cada dois anos, gerando uma

diminuição de 20% nos custos de produção. No

Brasil é insignificante a quantidade de sistemas

fotovoltaicos conectados à rede elétrica”, afirma.

Por quê? “Falta de vontade política nesse setor”,

responde Scalambrini. “Existe um projeto de Lei o

630/20032 chamado ‘Lei das Energias Renováveis’,

que dorme no Congresso Nacional. Creio que se esta

lei for votada, aprovada e regulamentada, teremos

uma redução apreciável nos preços da eletricidade

solar e eólica”, diz.

Schechtman: “a maior fonte de acidente em energia nuclear é o erro humano”.

Foto: Alberto Jacob Filho

Foto: Divulgação UFPE.

Scalambrini: em defesa da utilização das energias renováveis.