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EXMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 8ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE
GOIÂNIA – GO
Ref. Processo N.º 92083-52.2012.8.09.0175
THIAGO BUENO NOGUEIRA DA SILVA, Apelante no processo
criminal que lhe move, perante este augusto Pretório, o Douto Representante do
Ministério Público do Estado de Goiás, – partes qualificadas nos autos referenciados à
epígrafe – VOLTA, por intermédio de seu Procurador, infra-assinado, à digna presença
de V. Ex.ª, para, com fulcro no art. 600 do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; e, em
cumprimento à intimação publicada em 17 de março de 2015, no “Diário da
Justiça” Eletrônico do Egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS,
APRESENTAR, TEMPESTIVAMENTE, suas RAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO
interposto contra a r. sentença de fls. 400 usque 428 dos autos, REQUERENDO sejam
remetidas, na forma da Lei, ao Egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
GOIÁS, para apreciação e julgamento.
Termos em que,
P. Deferimento.
Goiânia (GO), 25 de março de 2015.
GUELBER CAETANO CHAVES
OAB/GO 20.772
ANEXO:
Razões ao Recurso de Apelação.
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
COLENDA CÂMARA CRIMINAL
APELANTE: THIAGO BUENO NOGUEIRA DA SILVA
APELANDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
RAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO
Nobre Desembargador Relator,
Eméritos Desembargadores Julgadores
Inobstante o inequívoco saber jurídico do ilustre Magistrado prolator da sentença recorrida, deve, a mesma, ser reformada, pois contrária a Legislação, a Doutrina e a Jurisprudência pertinentes, conforme adiante se demonstra!
I – SÍNTESE DO PROCESSO
1.1. Da Sentença
A sentença recorrida aduz, em síntese, que:
a) “durante a fase instrutória restaram comprovadas a autoria e a materialidade” (fls. 403 dos autos);
b) “restou comprovado o elemento subjetivo do tipo na ação delitiva ou a inequívoca intenção do acusado Thiago em obter indevida vantagem em desfavor da vítima induzindo a vítima em erro” (fls. 416 dos autos);
c) restou inconteste a consumação do crime, posto que o artifício de que se valeu o acusado foi apto a enganar a administração municipal, no abono irregular de faltas ao serviço, gerando dano ao patrimônio público (fls. 417 dos autos);
d) a “qualificadora prevista no § 3º, do artigo 171, do Código Penal, está manifestamente configurada neste delito, conforme relato das
testemunhas e a confissão do próprio acusado, vez que o crime foi cometido em detrimento de entidade de direito público” (fls. 418 dos autos);
e) “a pluralidade de ações (nove condutas)” enseja “o reconhecimento da continuidade delitiva, e de consequência,” autoriza o aumento de pena previsto no artigo 71 do Código Penal” (fls. 418 dos autos);
f) não se faz possível acolher o pedido de reconhecimento do princípio da insignificância, ante a ausência de tipicidade material, “por se tratar de patrimônio público” (fls. 419 dos autos) grifou-se;
g) não se faz possível o acolhimento do princípio da irrelevância penal do fato, pois o acusado praticou o estelionato contra entidade de direito público, evidenciando, assim, o grau de reprovabilidade da conduta do agente (fls. 412 dos autos);
h) o parágrafo terceiro do artigo 171 do Código Penal pretende agravar a pena da pessoa que comete delitos em desfavor da instituição de direito público, sendo portanto incompatível com a figura privilegiada (fls. 422 dos autos);
i) julga procedente a ação penal oferecida pela Justiça Pública,
condenando o acusado como incurso nas penas do art. 171, § 3º, c/c artigo 71, ambos
do Código Penal (fls. 424 dos autos);
j) fixa a pena base em 02 (dois) anos e (06) meses de
reclusão, a qual diminui em 06 (seis) meses tendo em vista o reconhecimento da
atenuante da confissão espontânea, resultando na pena de 02 anos de reclusão (fls.
425);
k) com fundamento na causa de aumento prevista no artigo 171, §
3º, do Código Penal, aumenta a pena em 1/3, ou seja, 08 (oito) meses, resultando na
pena de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão (fls. 425 dos autos);
l) “tendo em vista o reconhecimento da continuidade delitiva (art.
71, do CP), considerando que as penas são idênticas, aplico a pena de um só dos crimes,
aumentada em 1/6 (um sexto), ou seja, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias,
resultando em 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, a qual
torno definitiva, ante à ausência de outras circunstâncias que a minorem ou agravem”
(fls. 425 dos autos). Grifo no original.
m) condena o acusado ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, a
qual aumenta em 1/6, chegando-se a 35 (trinta e cinco) dias-multa, fixando o dia multa
em um trigésimo do salário mínimo (fls. 426 dos autos).
n) estabelece o regime aberto como o inicial da execução da pena
(fls. 426 dos autos);
m) substitui a pena privativa de liberdade por 02 (duas) penas
restritivas de direitos (fls. 426 dos autos).
1.2. Da Instrução Processual
Conforme devidamente relatado pelo ilustre julgador a quo, a
denúncia foi recebida em 03 de abril de 2012 (fls. 329), a defesa escrita foi apresentada
e devidamente juntada às fls. 336/348; realizada a audiência de instrução e julgamento
foram inquiridas 03 (três) testemunhas, sendo 01 (uma) arrolada pela acusação e 02
(duas) arroladas pela defesa; o acusado foi devidamente interrogado (CD às fls. 376);
não houveram postulações das partes na fase diligencial; as alegações finas foram
devidamente apresentadas pela acusação e pela defesa.
II – DO DIREITO
2.1. Do princípio da insignificância
A sentença de primeiro grau aduz que “restaram comprovadas a
autoria e a materialidade”, bem como, o elemento subjetivo do tipo. Ressalte-se que,
desde o primeiro momento o Réu confessou a prática da conduta a ele imputada,
prestando, assim, efetiva colaboração com a apuração dos fatos.
Realmente, no caso em foco, não resta dúvida quanto à subsunção
formal da conduta praticada pelo Réu na descrição típica constante do art. 171 do Código
Penal. Porém, as provas trazidas aos autos evidenciam, irrefutavelmente, a
ausência de tipicidade material no caso sub judice.
A doutrina e a jurisprudência modernas são uníssonas no sentido de
que a tipicidade do crime depende não apenas de uma subsunção formal, consubstancia
na prova de autoria e materialidade, mas, também, de seu conteúdo material, ou seja, a
conduta deve possuir um lesividade efetiva.
Trata-se do princípio da insignificância, instrumento de
interpretação restritiva do Direito Penal, que não deve ser considerado apenas em
seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas em seu conteúdo material, no
sentido da efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado, consagrando os postulados
da fragmentariedade, da dignidade da pessoa humana e da intervenção mínima.
A sua aplicação exclui da incidência da norma penal condutas
cujo valor da ação e/ou do resultado impliquem uma ínfima afetação ao bem
jurídico tutelado, no caso presente, o patrimônio, pois, embora a vítima seja a
Administração Pública Municipal, não se trata de crime funcional.
Com efeito, a Doutrina e a Jurisprudência, consolidando a concepção
utilitarista que se vislumbra modernamente nas estruturas típicas do Direito Penal, tem,
cada vez mais, acolhido o princípio da insignificância ou da bagatela para determinar
a atipicidade (material) da conduta.
Neste sentido, as lições da melhor Doutrina.
“A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens
jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens
ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo
esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio da
bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a
gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da
intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a
determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam
nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar
liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico
não chegou a ser lesado.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de
Direito Penal. 15ª ed., pg. 51. São Paulo: Saraiva, 2010).
“Para concluirmos pela tipicidade penal é preciso, ainda, verificar a
chamada tipicidade material. Sabemos que a finalidade do Direito
Penal é a proteção dos bens mais importantes existentes na
sociedade. O princípio da intervenção mínima, que serve de norte
para o legislador na escolha dos bens a serem protegidos pelo Direito
Penal, assevera que nem todo e qualquer bem é passível de ser por
ele protegido, mas somente aqueles que gozem de certa
importância. Nessa seleção de bens, o legislador abrigou, a fim de
serem tutelados pelo Direito penal, a vida, a integridade física, o
patrimônio, a honra, a liberdade sexual, etc. [...] Assim, pelo critério
da tipicidade material é que se afere a importância do bem no caso
concreto, a fim de que possamos concluir se aquele bem específico
merece ou não ser protegido pelo Direito Penal.” (GRECO, Rogério.
Curso de Direito Penal, Parte Geral. 11ª ed., pg. 161-162. Rio de
Janeiro: Impetus, 2009).
“Ligado aos chamados ‘crimes de bagatela’ (ou ‘delitos de lesão
mínima’), recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica,
somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade,
reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações
jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material). Esse
princípio tem sido adotado pela nossa jurisprudência nos casos de
furto de objeto material insignificante, lesão insignificante ao Fisco,
maus-tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena
monta, lesão corporal de extrema singeleza etc. Hoje, adotada a
teoria da imputação objetiva, que concede relevância à afetação
jurídica como resultado normativo do crime, esse princípio apresenta
enorme importância, permitindo que não ingressem no campo penal
fatos de ofensividade mínima.” (JESUS, Damásio E. de. Direito Penal,
Parte Geral. 27ª ed., pg. 10. São Paulo: Saraiva, 2003).
Inclusive, o Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, buscando
evitar que a apreciação concreta da insignificância do comportamento fique adstrita
exclusivamente à dimensão econômica do prejuízo sofrido pela vítima, exige, para a sua
configuração, a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos, quais sejam, a
conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o
reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica
inexpressiva.
No caso em foco todos os requisitos estabelecidos pelo STF
estão presentes. Senão, vejamos.
A conduta do Réu, consubstanciada no fato de abonar suas faltas
ao trabalho, utilizando o carimbo de seu chefe imediato, revela ofensividade mínima.
Mesmo considerando que a vítima seja a Administração Pública Municipal, no
caso concreto, a probidade da função exercida não foi afetada, o Réu não se
aproveitou do exercício da função para a realização da conduta, de modo que o
dano à probidade da Administração Pública foi irrelevante.
A potencialidade lesiva do ato perpetrado pelo Réu se restringiu
a ausência de desconto em sua remuneração, não se vislumbrando a possibilidade,
ainda que ínfima, de qualquer outro dano à vítima, o que caracteriza a ausência de
periculosidade social da ação.
As provas carreadas aos autos evidenciam que a ação sub judice
não configura prática contumaz do Réu, primário e de bons antecedentes. Ao
contrário, tanto a testemunha de acusação, quanto as testemunhas de defesa afirmaram
que o Réu é um excelente profissional, dedicado e cumpridor de suas obrigações,
bem assim, salientaram que o seu comportamento, no caso em foco, foi influenciado
por graves problemas pessoais – a doença da mãe, que culminou com a perda da
visão em um dos olhos; o término do relacionamento amoroso; a morte do avô;
não reconhecimento profissional – que causaram no Réu um estado psicológico
depressivo seguido de grave desmotivação e, de consequência, faltas ao trabalho.
Diante desde quadro, o Réu, conforme esclarecido em seu interrogatório, praticou a
conduta em foco por medo de que as faltas ao trabalho pudessem agravar sua
já complicada situação familiar (mídia fls. 376 dos autos).
Conforme declarado pela testemunha de acusação EVELYN
LETISCEWA DA BELA CRUZ ARANTES (mídia fls. 376 dos autos) a situação acima,
devidamente comprovada, foi considerada pela Comissão de Processo Administrativo
Disciplinar para abrandar a pena aplicada ao Réu no mencionado processo. Portanto, tais
fatos evidenciam o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do Réu,
não podendo ser, simplesmente, ignorados por esta colenda Turma Julgadora.
A vantagem obtida pelo Réu está consubstanciada na não
realização de descontos em sua remuneração em razão dos 09 (nove) dias em que
o Réu faltou ao trabalho e abonou as próprias faltas. As consultas financeiras
juntadas às fls. 289/291 dos autos demonstram que, nos meses de junho, julho e
agosto de 2010, o Réu percebeu uma remuneração bruta de R$ 715,16
(setecentos e quinze reais e dezesseis centavos), R$ 733,64 (setecentos e trinta e três
reais e sessenta e quatro centavos) e R$ 747,62 (setecentos e quarenta e sete reais e
sessenta e dois centavos), respectivamente.
Portanto, no mês de junho/2010, onde consta 01 (uma) falta,
seria descontado o valor de R$ 23,83 (vinte e três reais e oitenta e três centavos); no
mês de julho/2010, onde constam 04 (quatro) faltas, o desconto seria de R$ 97,81
(noventa e sete reais e oitenta e um centavos) e no mês de agosto, também com 04
(quatro) faltas, R$ 99,68 (noventa e nove reais e sessenta e oito centavos). Logo, o
valor total a ser descontado do réu em razão de suas faltas ao trabalho seria de
R$ 221,32 (duzentos e vinte e um reais e trinta e dois centavos), aproximadamente.
Finalmente, considerando o fato de que a própria administração
pública desconsidera maiores prejuízos a seu patrimônio, mesmo em relação a
tributos, para descaracterizar, por atipicidade, certos crimes, à conta de
insignificância da ação, o valor não descontado da remuneração do Réu, qual
seja, R$ 221,26 (duzentos e vinte e um reais e trinta e dois centavos), revela a
inexpressividade da lesão jurídica provocada.
A sentença recorrida sequer analisou as argumentações
acima expendidas, simplesmente afastou a ocorrência da atipicidade material,
pelo reconhecimento do princípio da insignificância, sob a argumentação de
que, “por se tratar de patrimônio público tem se entendido pelo não cabimento
do princípio da insignificância” (fls. 419 dos autos). Grifou-se.
O douto Magistrado de primeiro grau apresentou dois julgados de
tribunais superiores para sustentar seu entendimento (fls. 419/421 dos autos). De fato, o
Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em muitos de seus julgados entendeu não ser
possível a aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra a Administração
Pública, pois em crimes contra a Administração Pública, ainda que o valor da lesão possa
ser considerado ínfimo, a norma busca resguardar não somente o aspecto patrimonial,
mas a moral administrativa, o que tornaria inviável a afirmação do desinteresse estatal à
sua repressão, principalmente em relação aos crimes funcionais contra a
Administração Pública.
Contudo, em recentes decisões, considerando as peculiaridade do
caso concreto, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça decidiu pela a aplicação do
princípio da insignificância, mesmo em caso de crime funcional contra
administração pública. Vejamos:
“DELITO DE PECULATO-FURTO. VALOR INSIGNIFICANTE.
BAGATELA. 1. Res furtiva de valor insignificante. Periculosidade não
considerável do agente. Circunstâncias relevantes. Crime de
bagatela. Caracterização. Dano à probidade da administração.
Irrelevância no caso. Aplicação do princípio da insignificância.
Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para
esse fim. 1. Verificada a objetiva insignificância jurídica do
ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o
réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por
atipicidade do comportamento (HC n. 112.388, Ministro Ricardo
Lewandwski, DJe 14/9/2012). 2. Habeas corpus não conhecido.
Ordem concedida de ofício, para, cassando o acórdão impugnado,
restabelecer a sentença que absolveu sumariamente o paciente”.
(HABEAS CORPUS Nº 246.885 - SP (2012/0131692-5), Relator para
o Acórdão Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, j. 24.04.2014).
Com a devida vênia, face às suas esclarecedoras conclusões, cito o
voto do Excelentíssimo Ministro SEBASTIÇÃO REIS JÚNIOR, relator para o
Acórdão:
“Srs. Ministros, confesso que tinha, no primeiro momento,
manifestado minha concordância com a Sra. Ministra Maria Thereza
de Assis Moura, mas, vendo as observações tanto do Sr. Ministro Nefi
Cordeiro quanto do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz, resolvi fazer
uma pesquisa, inclusive no Supremo Tribunal Federal, e
encontrei três precedentes.
Um deles refere-se a quantia muito semelhante a deste caso, era um
valor de R$ 13,00 (treze reais). O Relator foi o Ministro Ricardo
Lewandowski, que ficou vencido, sendo Relator para o acórdão o
Ministro Cezar Peluzo. Foi um voto curtíssimo, dizendo simplesmente
o seguinte:
‘[...] levo em consideração o fato de que a própria Administração
Pública desconsidera maiores prejuízos a seu patrimônio, mesmo em
relação a tributos, para descaracterizar a prática de atipicidade de
certos crimes a conta de insignificância da ação. [...]’
O caso é análogo. Foi no HC n. 112.388/SP (DJe 14/9/2012).
Pesquisei outros ainda, para ver se não era uma posição isolada.
Houve também o HC n. 107.638/PE (DJe 29/9/2011), Relatora
a Ministra Cármen Lúcia, em que S. Exa. reconheceu também a
insignificância no caso de furto de alimentos da caserna, no
Ministério do Exército, de R$ 215,22 (duzentos e quinze reais e
vinte e dois centavos), e o HC n. 104.286/SP (DJe 20/5/2011),
em que o Relator, Ministro Gilmar Mendes, considerou a
insignificância no caso de um prefeito que se utilizou de
equipamento da prefeitura para fazer terraplanagem numa
propriedade sua.
Vou ousar divergir da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura,
reconhecendo a insignificância, mesmo tratando-se de
peculato.
Assim, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de
ofício, para cassar o acórdão impugnado e restabelecer a sentença,
que absolveu sumariamente o paciente”.
Nestes termos, o entendimento do nobre Julgador a quo, no
sentido de que, sempre, de forma genérica, independentemente das peculiaridades do
caso concreto, é inaplicável o princípio da insignificância aos fatos praticados
contra a Administração Pública, se encontra superado pelos tribunais
superiores, tanto STJ, quanto STF.
Assim, o simples fato de se tratar de patrimônio público não
é suficiente para afastar a aplicação do princípio da insignificância, – mesmo
em crimes funcionais contra a administração pública, e, ainda, com mais
propriedade em crimes contra a administração pública não classificados como
funcionais –, faz-se necessário, sempre, verificar a presença dos requisitos de
aludido princípio no caso concreto. O que não foi feito pela sentença recorrida.
Nestes termos, diante da mínima ofensividade e da ausência de
periculosidade social da ação, do reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento do Réu e da inexpressividade da lesão jurídica provocada,
inegável a atipicidade (material) do fato ora sub judice.
2.2. Do Princípio da Irrelevância Penal do Fato
Conforme salientado nas alegações finais do Réu, a mais moderna
Doutrina e Jurisprudência, embasadas num conceito funcional de culpabilidade
consubstanciado na ideia de “necessidade e suficiência” da sanção penal, traz à
baila princípio que exclui a culpabilidade no comportamento praticado, denominado
princípio da irrelevância penal ou princípio da bagatela imprópria.
Eis o que diz acerca do tema o prestigiado escólio de LUIZ FLÁVIO
GOMES.
Verbis.
“(...) Infração bagatelar imprópria é a que nasce relevante para
o Direito penal (porque há relevante desvalor da conduta bem como
desvalor do resultado), mas depois se verifica que a incidência
de qualquer pena no caso concreto apresenta-se totalmente
desnecessária (princípio da desnecessidade da pena
conjugado com o princípio da irrelevância penal do fato).
Sintetizando: o princípio da insignificância está para a infração
bagatelar própria assim como o da irrelevância penal do fato está
para a infração bagatelar imprópria. Cada princípio tem seu
específico âmbito de incidência.
O fundamento da desnecessidade da pena (leia-se: da sua
dispensa) reside em múltiplos fatores: ínfimo desvalor da
culpabilidade, ausência de antecedentes criminais,
reparação dos danos, reconhecimento da culpa, colaboração
com a justiça, o fato de o agente ter sido processado, o fato
de ter sido preso ou ter ficado preso por um período etc. Tudo
deve ser analisado pelo juiz em cada caso concreto. Lógico que todos
esses fatores não precisam concorrer (todos)
conjugadamente. Cada caso é um caso. Fundamental é o juiz
analisar detidamente as circunstâncias do fato concreto
(concomitantes e posteriores) assim como seu autor.
O princípio da irrelevância penal do fato tem como pressuposto a não
existência de uma infração bagatelar própria (porque nesse caso
teria incidência o princípio da insignificância). Mas se o caso era de
insignificância própria e o juiz não a reconheceu, nada impede que
incida o princípio da irrelevância penal do fato. Há, na infração
bagatelar imprópria, um relevante desvalor da ação assim
como do resultado. O fato praticado é, por isso, penalmente
punível. Instaura-se processo contra o agente. Mas tendo em
vista todas as circunstâncias do fato (concomitantes e
posteriores ao delito) assim como o seu autor, pode ser que
a pena se torne desnecessária.
Em outras palavras: as circunstâncias do fato assim como as
condições pessoais do agente podem induzir ao
reconhecimento de uma infração bagatelar imprópria
cometida por um autor merecedor do reconhecimento da
desnecessidade da pena. Reunidos vários requisitos favoráveis,
não há como deixar de aplicar o princípio da irrelevância penal do
fato (dispensando-se a pena, tal como se faz no perdão judicial). O
fundamento jurídico para isso reside no art. 59 do CP (visto
que o juiz, no momento da aplicação da pena, deve aferir sua
suficiência e, antes de tudo, sua necessidade)”.
(http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2006020709
40139, acessado em 25-09-2012). Grifou-se.
Conforme especificado no item anterior, a defesa entende que a
conduta realizada pelo Apelante, por não constituir ataque significativo ao bem jurídico,
bem como, face à ausência de periculosidade e idoneidade ofensiva relevante, constitui
infração bagatelar própria, autorizando a aplicação do princípio da insignificância e, de
consequência, a atipicidade material da conduta.
Contudo, caso não seja este o entendimento de Vossas Excelências,
não há como afastar o reconhecimento da infração bagatelar imprópria e, de
consequência, a incidência do princípio da irrelevância penal do fato. Senão, vejamos.
Conforme salientado na Doutrina de LUIZ FLÁVIO GOMES, acima
citada, o princípio da irrelevância penal do fato tem lugar quando, pelas circunstâncias
do caso concreto, bem como, pelas condições pessoais do agente se verifica a
desnecessidade da pena, conforme ocorre no caso em foco.
O fato sub judice foi objeto de Processo Administrativo Disciplinar
que culminou com a aplicação ao Réu de punição administrativa de suspensão por 90
(noventa) dias, com sugestão de encaminhamento do Réu ao Departamento de Assistência
ao Servidor da SMARH, para acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais.
Conforme salientado pela testemunha de acusação EVELYN LETISCEWA DA BELA
CRUZ ARANTES (mídia de fls. 376), mesmo considerando que o fato praticado pelo Réu
indicaria a punição administrativa de demissão, a Comissão Permanente de Inquérito
Administrativo, considerando as peculiaridades do caso, com fulcro no artigo 152 da Lei
Complementar 011/92, optou por aplicação de punição menos gravosa. Eis o que diz
mencionada decisão.
“Entendemos que apesar de ser indicada a Demissão para infração
do referido Artigo, como no caso em tela, trata-se de servidor doente,
em visível transtorno psicológico, passível de tratamento, a Comissão
Processante entende que deve ser considerado o preconizado no
Artigo 152 da Lei Complementar nº 011/92 citado acima, devendo
ser aplicada ao servidor Thiago a punição administrativa de
Suspensão por 90 (noventa) dias, e sugerimos que posteriormente o
servidor seja encaminhado ao Departamento de Assistência ao
Servidor da SMARH, para acompanhamento de psicólogos e
assistentes sociais em seu local de trabalho e em sua casa pelo
tempo necessário”. (fls. 111 dos autos).
O Réu cumpriu a punição administrativa, bem assim, realizou
o acompanhamento psicológico no Departamento de Assistência ao Servidor –
SMARH, conforme comprova a DECLARAÇÃO de fls. 287 dos autos, firmada pela
Psicóloga MELISSA PEREIRA DAVID SOUSA, inscrita no CRP sob o nº 09/4151 e,
ainda, o depoimento de testemunha de defesa HUMBERTO SANCHEZ MACIEL
NETO (mídia fls. 376).
As declarações do Sr. HUMBERTO SANCHEZ MACIEL NETO,
que exerceu a função de chefe imediato do Réu na Divisão de Transporte – SMARH,
após a ocorrência dos fatos, evidenciam que o Réu tem exercido as funções que
lhe são atribuídas com muita assiduidade, pontualidade, dedicação, zelo e
presteza, sendo, mesmo imprescindível para a realização dos trabalhos a ele
imputados. Salienta, ainda, a dedicação do Réu, bem como a confiança nele
depositada.
Verbis.
“Que desde quando o Thiago assumiu, ele veio lotado na minha
divisão, cumpriu sempre suas obrigações, nunca tive problema com
o Thiago de forma alguma, muito pelo contrário; Que como o Thiago
era da minha confiança determinei, juntamente com meu diretor e
essa missão foi dada por ele, no qual ele esteve fazendo esse
trabalho todo, em sigilo (...); Que todas as missões a ele passadas
foram cumpridas a risca; Que o que eu tenho para falar do Thiago é
profissionalmente, cumpridor das suas obrigações, um menino
educado, todos os nossos colegas de serviço não tivemos problema
nenhum no transporte (...); Que sempre foi cumpridor de seus
horários; Que foi sempre cumpridor de suas obrigações”. (CD às fls.
376).
Na Avaliação de Desempenho dos Servidores em Estágio Probatório,
referente ao período de 24/04/2011 a 24/10/2011, juntada às fls. 310 dos autos, o Réu
obteve nota máxima, ou seja, 10,0 (dez) pontos. Os resultados de todos os fatores
avaliados (Competência de Comprometimento – Assiduidade, Disciplina,
Responsabilidade e Ética; Competência Interpessoal – Cooperação,
Comunicação e Interação; Competência Técnica – Capacidade de Iniciativa,
Produtividade e Qualidade) foram considerados ÓTIMOS.
Por outro lado, consoante peças acostadas aos autos às fls. 384,
verifica-se que o Réu é primário, não havendo qualquer outro registro criminal em seu
desfavor. Evidenciado, assim, como ressaltado pelo próprio Autor, o desinteresse do
Réu pela prática delitiva.
Aqui, também, a sentença a quo ignorou as argumentações
do Réu, afastando a aplicação do princípio em foco com o argumento de que “o
acusado praticou estelionato contra entidade de direito público, evidenciando
assim o grau de reprovabilidade da conduta do agente, que atinge, como visto,
a coletividade como um todo”. (fls. 421).
Ressaltando o respeito que merece o douto julgador a quo,
entendemos, com a devida vênia, ter havido, em sua decisão, um equívoco na
compreensão do sentido teleológico do princípio da irrelevância penal do fato. O grau de
reprovabilidade da conduta do agente é requisito a ser observado para a verificação da
tipicidade material da conduta – princípio da insignificância – segundo orientação do
Egrégio Supremo Tribunal Federal. Conforme salientado pelo ilustre LUIZ FLÁVIO
GOMES, em doutrina acima mencionada, “há, na infração bagatelar imprópria, um
relevante desvalor da ação assim como do resultado. O fato praticado é, por
isso, penalmente punível. Instaura-se processo contra o agente. Mas tendo em vista
todas as circunstâncias do fato (concomitantes e posteriores ao delito) assim
como o seu autor, pode ser que a pena se torne desnecessária”.
Neste termos, – sem adentrar novamente na discussão de que a
circunstância isolada de ter sido o fato praticado contra entidade de direito público não é
suficiente para caracterizar elevado grau de reprovabilidade da conduta, posto que já
discutido em linhas volvidas,– impende ressaltar que, embora o patrimônio, especialmente
de entidade de direito público, possua demasiada relevância para o Direito Penal, a
liberdade e a preservação das relações trabalhistas também se afiguram como objeto de
tutela do ordenamento jurídico, respaldada inclusive de forma expressa pela ordem
constitucional, ex vi arts. 5º e 6º da Carta Magna.
Mesmo aduzindo que o evento sub judice materialize fato típico, há
o interesse tanto do Réu, quando da suposta vítima, a Administração Pública Municipal, na
manutenção das relações trabalhistas, conforme evidenciado na decisão do Processo
Administrativo Disciplinar, que afastou a punição administrativa de demissão, bem como,
na declaração de fls. 286 dos autos e na Avaliação de Desempenho (fls. 310), onde fica
patente a integração do Réu ao serviço público, com estrita obediência a todos os princípios
da administração pública. Portanto, totalmente desnecessária a intervenção do
Estado no sentido de impingir eventual pena, cuja execução é notoriamente
indesejada até mesmo pela própria vítima, Administração Pública Municipal.
Ressalte-se que, nessa hipótese, a condenação transmudar-
se-á em verdadeiro transtorno social. O Réu se encontra totalmente reinserido
às atividades da administração municipal, revelando o sucesso da punição
administrativa já aplicada, estando totalmente superada a causa geradora do
conflito.
Diante disso, não resta outra alternativa senão submeter a questão
à ponderação de valores, pois in casu definitivamente não mais se mostra razoável a
solução do conflito mediante os instrumentos disponíveis no âmbito criminal,
fazendo-se necessário observar que o Direito Penal é, na sua essência, fragmentário,
somente legitimando sua atuação em ultima ratio. A questão foi
satisfatoriamente solucionada no âmbito do Direito Administrativo, que se
revelou eficaz na tutela ao bem jurídico lesionado.
Na hipótese, a incidência de qualquer pena, mesmo restritiva
de direitos, revela-se totalmente desnecessária, notadamente em face do
reconhecimento do postulado da mínima intervenção do Estado, tornando
injustificada a imposição de eventual sanção penal.
Dessa forma, restando patente a desproporcionalidade da imposição
de uma sanção penal de cunho preventivo especial e de caráter retributivo, imperativo se
torna o reconhecimento da infração bagatelar imprópria, a aplicação do princípio da
irrelevância penal do fato e a consequente isenção da pena, mediante a exclusão da
culpabilidade.
Por derradeiro, saliente-se que reconhecimento da infração bagatelar
imprópria e a consequente aplicação do princípio da irrelevância penal do fato tem sido
reconhecido pela jurisprudência nacional.
Verbis.
“EMENTA – APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA –
LESÃO CORPORAL – PRELIMINAR DE NULIDADE POR FALTA DE
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO – REJEITADA –
EXPRESSA VEDAÇÃO LEGAL – MÉRITO – ABSOLVIÇÃO POR
INSUFICIÊNCIA DE PROVAS – DESCABIMENTO – CONJUNTO
PROBATÓRIO SEGURO – PRINCÍPIO DA BAGATELA
IMPROPRIA – APLICABILIDADE – PECULIARIDADES DO
FATO – RECONCILIAÇÃO FAMILIAR EVIDENCIADA – RÉU PRIMÁRIO
SEM QUALQUER ANOTAÇÃO NA FICHA CRIMINAL – RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
III – Afigurando-se desnecessária a imposição de sanção corporal
aflitiva, haja vista a completa e harmoniosa reconciliação familiar,
aliada à constatação de que o acusado é primário e não possui
qualquer outra anotação em sua ficha criminal, de rigor tonar-se a
aplicação do princípio da bagatela imprópria, porquanto
desproporcional a aplicação de pena.
IV – Recurso parcialmente provido para, mantendo a condenação,
afastar a pena aplicada em observância ao princípio da bagatela
imprópria. (TJMS, Primeira Câmara Criminal, Apelação Criminal -
Detenção e Multa - N. 2012.015901-8/0000-00 - Campo Grande,
Relator Exmo. Sr. Des. Francisco Gerardo de Sousa, j. 23/07/2012,
publicação 09/08/2012, DJ nº 2704).
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, considerando a
desnecessidade da pena para o caso concreto, autorizou, com fulcro no art. 59 do CP, a
não aplicação da pena.
Verbis.
“RESP – PROCESSO PENAL – EXECUÇÃO DA PENA – O art. 59 do CP
indica o sentido, a finalidade da pena: “necessária e suficiente para
reprovação e prevenção do crime”. Assim, se não reprovável a
conduta (v.g. princípio da insignificância para a corrente doutrinária
que o tem como mera exclusão de culpabilidade, embora melhor,
pela estrutura do delito, dizer – exclusão de tipicidade) e não se fizer
necessária porque dispensável no caso concreto, o magistrado
poderá deixar (deverá fazê-lo) de aplicar a pena. O Direito Penal
moderno não se restringe a raciocínio de lógica formal. Cumpre
considerar o sentido humanístico da norma jurídica. E mais. Toda lei
tem significado teleológico. A pena volta-se para a utilidade”. (REsp
112.600/DF, Rel. Ministro ANSELMO SANTIAGO, Rel. p/ Acórdão
Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, SEXTA TURMA, julgado em
21.05.1998, DJ 17.08.1998 p. 96).
2.3. Do Privilégio
Alternativamente, caso não reconhecidos nenhum dos princípios
acima explicitados (insignificância ou irrelevância penal do fato), a defesa requereu o
reconhecimento do privilégio disposto no art. 171, § 1º, do Código Penal.
Verbis.
“Art. 171, § 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o
prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155,
§ 2º”.
Porém, o nobre julgador a quo afastou a incidência do
privilégio, sob o argumento de que a conduta do acusado gerou prejuízo à
coletividade. Afirmou, ainda, a sentença a quo, que o § 1º do art. 171 do Código
Penal é incompatível como § 3º do mesmo dispositivo legal.
No caso em foco o prejuízo foi de R$ 221,32 (duzentos e vinte e
um reais e trinta e dois centavos), o que, mesmo considerando o fato de a vítima ser a
Administração Pública Municipal e, desta forma, referido prejuízo ter sido
suportado pela coletividade, não descaracteriza o pequeno valor. Conforme a
Doutrina e Jurisprudência uníssonas, o pequeno valor do prejuízo deve ser
avaliado a luz de critério puramente objetivo, sendo assim considerado aquele
que não ultrapassar um salário mínimo, como ocorreu no caso em foco.
A Certidão de Antecedentes Criminais juntada às fls. 384 dos
autos evidencia que o Réu é primário e, todo o conjunto probatório colacionado
aos autos, evidenciam seus bons antecedentes.
Ressalte-se que, não há que se falar em incompatibilidade entre o
privilégio constante do art. 171, § 1º do Código Penal e a causa especial de aumento de
pena prevista no § 3º do mesmo dispositivo.
O privilégio (art. 171, § 1º, CP) tem como requisitos as circunstâncias
objetiva, consubstanciada no prejuízo de pequeno valor, e subjetiva referente a
primariedade do Acusado. Já a causa especial de aumento de pena (art. 171, § 3º, CP)
considera a qualidade da vítima (entidade de direito público ou de instituto de economia
popular, assistência social ou beneficência). Assim a qualidade da vítima não torna
impossível o prejuízo de pequeno valor, bem como, nada tem a ver com a primariedade
do réu. Não existe pois incompatibilidade.
Assim, presentes, no caso em foco, todos os requisitos para o
reconhecimento do privilégio, o que gera para o Apelante o direito subjetivo à
aplicação de uma das providências estabelecidas na parte final do art. 155, §
2º, do CP.
2.4. Da redução da pena e do bis in idem
A sentença recorrida fixou a pena base em 02 (anos) e 06
(seis) meses de reclusão, quantidade extremamente alta e incompatível com
as circunstâncias judiciais verificadas no caso sub judice. O que revela violação
aos princípios constitucionais da individualização da pena, da razoabilidade e
da proporcionalidade.
Conforme se depreende da própria sentença, das circunstâncias
judiciais estabelecidas no art. 59 do Código Penal, duas circunstâncias judiciais foram
consideradas pelo douto julgador a quo desfavoráveis.
O douto julgador de primeiro grau afirmou que o Apelante
apresentava bons antecedentes, o que foi valorado favoravelmente; que a conduta social
foi considerada em favor do Apelante; que os motivos do crime favoreceram o réu; que
as circunstâncias do delito foram indiferentes, inerentes ao tipo, e o comportamento da
vítima não teve reflexos na ocorrência delituosa, portanto, também, consideradas
favoráveis ao Apelante.
Como já dito, a sentença a quo considerou apenas duas
circunstâncias judiciais, quais sejam, a culpabilidade e as consequências do
crime, desfavoráveis ao réu. Assim, evidenciado que a exasperação da pena
mínima em 01 (um) ano e 06 (seis) meses contraria o disposto no art. 59 do
Código Penal, bem como, os princípios constitucionais da individualização da
penal, da razoabilidade e da proporcionalidade, autorizando, sem qualquer outra
argumentação, a redução da referida pena base.
Ao tratar da fixação da pena base, o ilustre doutrinador CÉZAR
ROBERTO BITTENCOURT ensina.
Verbis.
“Se todas as operadoras do art. 59 forem favoráveis ao réu, a pena-
base deve ficar no mínimo previsto. Se algumas circunstâncias
forme desfavoráveis, deve afastar-se do mínimo; se, contudo, o
conjunto for desfavorável, pode aproximar-se do chamado termo
médio, que, segundo a velha doutrina nacional, é representado pela
média da soma dos dois extremos, quais sejam, limites mínimo e
máximo. De regra, o cálculo da pena deve iniciar a partir do limite
mínimo e só excepcionalmente, quando as circunstâncias do art. 59
revelarem especial gravidade, se justifica a fixação da pena-base
distanciada do mínimo legal.
Não se pode olvidar, por fim, que o art. 59 reúne oito moduladores
que orientam a definição da pena-base, podendo-se atribuir,
hipoteticamente, de um total máximo de dez pontos para o
conjunto, apenas um e vinte e cinco para cada um, significando que
duas operadoras desfavoráveis, por exemplo, representam dois e
meio negativos, restando sete e meio em favor do acusado. Enfim,
esses critérios devem orientar o julgador, que não pode ignorar o
total de elementos relacionados no dispositivo referido, que, repita-
se, devem ser analisados no seu conjunto”. (in Tratado de Direito
Penal: parte geral 1. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 673/674).
Evidenciado, portanto, que a fixação da pena base, no caso sub
judice, não considerou os critérios explicitados pela melhor doutrina. Mesmo
considerando apenas duas circunstâncias judiciais desfavoráveis ao Apelante,
a r. sentença fixou a pena base em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de
reclusão, ou seja, muito próxima do termo médio, o que somente poderia
ocorrer se todo o conjunto fosse desfavorável.
De fato, considerando os critérios doutrinários acima especificados,
no presente caso, tratando-se do crime de estelionato, cujos limites abstratos da pena
são de 01 (um) a 05 (cinco) anos de reclusão, e, portanto, o termo médio é de 03 (três)
anos de reclusão, cada circunstância desfavorável deveria exasperar a pena em
04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, aproximadamente. Assim, como a sentença
considerou apenas duas circunstâncias judicias desfavoráveis, a pena base não
poderia ter sido fixada em quantidade superior a 01 (um) ano e 09 (nove)
meses.
Contudo, no caso em foco, devemos esclarecer, ainda, que todas
as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal deveriam ter sido
consideradas favoráveis ao Apelante. Senão, vejamos.
Com referência a culpabilidade aduziu a r. sentença.
Verbis.
“Atendendo à CULPABILIDADE do réu e considerando que já se
pacificou nos tribunais superiores que a culpabilidade prevista no
art. 59 do Código Penal se refere exclusivamente ao agente,
dizendo respeito à censurabilidade/reprovabilidade de sua
conduta. Considerando ainda que a circunstância judicial da
culpabilidade deve, hoje, ser entendida e concretamente
fundamentada na reprovação social que o crime e o autor do
fato merecem (...) é que entendo ser a conduta do acusado de
alta reprovabilidade, pois atuou em crime que atinge, como
visto, a coletividade como um todo”. (fls. 424).
Depreende-se, pois, que o douto julgador a quo considerou a
culpabilidade como circunstância desfavorável porque entendeu “ser a conduta do
acusado de alta reprovabilidade, pois atuou em crime que atinge, como visto, a
coletividade como um todo”. Grifou-se.
A alta reprovabilidade da conduta do Apelante, segundo a r.
sentença, se deu em razão de o crime ter sido praticado contra a Administração
Pública Municipal (“em crime que atinge, como visto, a coletividade como um todo).
Ocorre que, ao considerar a culpabilidade como
circunstância desfavorável ao Apelante, e exasperar a pena mínima prevista
no tipo penal, única e exclusivamente, em razão de o fato ter sido praticado
contra a Administração Pública, (atingindo a coletividade como um todo), nos
termos da fundamentação da r. sentença, o nobre julgador a quo incorreu em
inegável bis in idem.
Ora a pena base foi aumentada em 1/3 porque o crime foi
praticado contra a Administração Pública Municipal – entidade de direito
público –, com fundamento no art. 171, § 3º do Código Penal (fls. 425).
Não resta dúvida de que, na sentença recorrida, a mesma
circunstância, qual seja, o fato de o crime ser praticado contra a Administração
Pública Municipal, atingido a coletividade como um todo, foi utilizada para
aumentar a pena mínima, como circunstância judicial desfavorável, quando da
fixação da pena base (1ª fase) e, após, para aumentar em 1/3 a pena base,
como causa especial de aumento (3ª fase).
Como se sabe, “não se pode, porém, levar em conta duas vezes
uma só circunstância em face do princípio do non bis in idem” (MIRABETE, Julio Fabbrini.
Manual de direito penal, volume I: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. São Paulo:
Atlas, 2012, p. 304). Portanto, no caso em foco, não tendo trazido a sentença a quo
qualquer outro motivo para considerar a conduta do Apelante altamente
reprovável e, de consequência, a culpabilidade desfavorável, referida
circunstância judicial deverá, também, ser considerada favorável ao réu.
Com referência as consequências do crime, ao fundamentar a
sentença, o nobre julgador de primeiro grau, aduziu, apenas:
“As CONSEQUÊNCIA EXTRAPENAIS foram danosas, vez que
o acusado recebeu os proventos sem ter trabalhado”. (fls.
425). Grifou-se.
Essa foi a única fundamentação trazida pela r. sentença para
considerar as consequências do crime como circunstância judicial
desfavorável ao Apelante.
A Doutrina é uníssona no sentido de que a fundamentação
individualizada de cada umas das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código
Penal é indispensável.
Verbis.
“É indispensável, aliás, sob pena de nulidade ou de redução ao
mínimo em grau de recurso, a fundamentação da quantidade da
pena, devendo o magistrado esclarecer expressamente quais as
circunstâncias que levou em consideração na dosimetria da pena”.
(MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, volume I:
parte geral, arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas, 2012, p.
304).
Ao tratar do assunto CEZAR ROBERTO BITENCOURT, aduz com
bastante propriedade:
“Embora formem um conjunto, devem ser analisados
individualmente, sendo insuficiente, consoante reiterada
jurisprudência, considerações genéricas e superficiais, ou mesmo
conclusões sem embasamento legal.
A ausência de fundamentação ou de análise das circunstâncias
judiciais ou mesmo a sua análise deficiente gera nulidade absoluta
da decisão judicial”. (in ob. cit. p. 673).
Não há dúvidas de que, no caso em foco, a análise das
consequências do crime foram deficientes, o que, de consequência, restringe
a possibilidade de se considerar referida circunstância em prejuízo do
Apelante.
Por outro lado, conforme salientado pelo já citado CÉZAR ROBERTO
BITENCOURT, as consequências do crime “não se confundem com a
consequência natural tipificadora do ilícito praticado. (...) Importa, é verdade,
analisar a maior ou menor danosidade decorrente da ação delituosa praticada
ou o maior ou menor alarma social provocado, isto é, a maior ou menor
irradiação de resultados, não necessariamente típicos, do crime” (in ob. cit. p.
666). Grifou-se.
O magistrado a quo considerou as consequências do crime
em foco danosas, “vez que o acusado recebeu os proventos sem ter
trabalhado”. Ora, trata-se, o crime em foco, de estelionato, ou seja, crime patrimonial
cujo resultado típico é a obtenção de vantagem indevida em prejuízo alheio, mediante
fraude. Conforme salientado pela própria sentença, ao tipificar a conduta do Apelante, a
fraude perpetrada pelo Réu teria consistido no uso do carimbo e falsificação da assinatura
do chefe com o intuito de abonar as faltas em seu cartão de ponto e consequentemente
receber seus proventos sem desconto.
Logo, no caso sub judice, o fato de o Apelante ter recebido
os proventos integrais, mesmo tendo faltado ao serviço nove dias, em três
meses, constitui a obtenção da vantagem indevida, ou seja, a consequência
natural tipificadora do estelionato.
Conforme já mencionado, no presente caso, a vantagem
indevida obtida pelo Apelante foi de R$ 221, 32 (duzentos e vinte e um reais e
trinta e dois centavos), o que constitui danosidade ínfima, insignificante. Portanto, as
consequências do crime são, também, favoráveis ao réu.
Neste termos, todas as circunstâncias judiciais estabelecidas
no art. 59 do Código Penal são favoráveis ao Apelante, devendo a pena base
fixada na r. sentença ser reduzida ao mínimo previsto no preceito secundário
do art. 171 do Código Penal, ou seja, 01 (um) ano de reclusão.
2.5. Do Prequestionamento
A fundamentação apresentada nos tópicos anteriores demonstra que a manutenção da decisão recorrida constitui nítida violação da Constituição Federal, sobretudo aos princípios da insignificância e da irrelevância penal do fato, bem como aqueles que lhes são diretamente relacionais, dignidade da pessoa humana, legalidade, fragmentariedade do direito penal, intervenção mínima, e, ainda, da individualização da pena, razoabilidade e proporcionalidade.
A manutenção do decisum viola, ainda, os arts 59 e 171, § 1º, ambos do Código Penal.
III – DO PEDIDO
3.1. Do Pleito
Isto posto, REQUER, o Apelante, se dignem Vossas Excelências,
nobre Relator, eméritos Julgadores, CONHECEREM e PROVEREM o presente recurso para,
de consequência, reformando a sentença ora apelada:
a) reconhecerem a incidência do princípio da insignificância e,
face à atipicidade material da conduta, absolverem o Apelante com fulcro no art.
386, III, do CPP;
b) caso, entretanto, entendam pela tipicidade da conduta,
determinarem a ocorrência, no caso em foco, da infração bagatelar imprópria e,
aplicando o princípio da irrelevância penal do fato, deixarem de aplicar qualquer
sanção penal ao Apelante, com fulcro no art. 59 do CP.
c) não prosperando as principais teses defensivas, ora apresentadas,
determinarem a redução da pena base e, de consequência, da pena fixada em
definitivo.
3.2. Do Privilégio
REQUER, também, o Apelante, não prosperando as principais teses
defensivas, e não havendo a absolvição, seja a sentença apelada reformada para,
reconhecerem a ocorrência do privilégio estabelecido no art. 171, § 1º, do CP, com a
aplicação apenas da pena de multa, nos termos do art. 155, § 2º, do CP.
3.3. Da substituição de eventual pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos
Por derradeiro, caso o presente apelo seja provido tão somente para,
reformando a sentença a quo, determinarem a redução da pena privativa de liberdade,
seja a substituição por pena restritiva de direito, já concedida no decisum recorrido,
adequada a eventual redução, nos termos do art. art. 44, incisos II e III do CP.
3.4. Do Prequestionamento
Na hipótese de manutenção do julgado, o que não acredita ser
possível, REQUER, o Apelante, se dignem, Vossas Excelências, manifestarem-se,
expressamente, quanto a todos os princípios e normas abordados e/ou ventilados no
presente recurso, com vistas ao prequestionamento da matéria e o consequente
cumprimento de formalidade ensejadora do positivo juízo de admissibilidade de eventuais
recursos dirigidos às instâncias superiores
Por ser de inteira Justiça!
Termos em que,
Pede deferimento.
Goiânia (GO), 24 de março de 2015.
GUELBER CAETANO CHAVES
OAB/GO 20.772