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Ministério Público Federal Procuradoria da República no Tocantins Excelentíssimo Senhor Juiz Federal da Vara Federal do Estado do Tocantins O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, no exercício de suas funções institucionais, pelo Procurador da República signatário, com supedâneo nos arts. 127, caput e 129, inc. III, da CF; nos arts. 5º, inc. I, alínea “h”; e 6º, inc. VII, alíneas “a” e “c”, da LC n.º 75/93; e nos arts. 1º, inc. II, e 4º, da Lei n.º 7.347/85, e nos arts. 796 e ss., do CPC, vem perante Vossa Excelência promover a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de: AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL), com sede em Brasília, DF, no endereço SGAN Quadra 603, Módulos “I” e “J”, CEP 70830-030, representada por sua procuradoria jurídica, nos termos do art. 32, parágrafo único, da Lei 9.472/97 e, no Estado do Tocantins, pela Procuradoria Federal,com endereço para citação na av. Joaquim Teotônio Segurado,Quadra 402, Sul,Conjunto 01, lote 13, centro,Palmas-TO, CEP 77021-622,telefone63-3212-8100, fax:63-32128192,e-mail:[email protected]; 1

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Ministério Público FederalProcuradoria da República no Tocantins

Excelentíssimo Senhor Juiz Federal da Vara Federal do Estado do Tocantins

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, no exercício de suas funções institucionais, pelo Procurador da República signatário, com supedâneo nos arts. 127, caput e 129, inc. III, da CF; nos arts. 5º, inc. I, alínea “h”; e 6º, inc. VII, alíneas “a” e “c”, da LC n.º 75/93; e nos arts. 1º, inc. II, e 4º, da Lei n.º 7.347/85, e nos arts. 796 e ss., do CPC, vem perante Vossa Excelência promover a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

em face de:

AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL), com sede em Brasília, DF, no endereço SGAN Quadra 603, Módulos “I” e “J”, CEP 70830-030, representada por sua procuradoria jurídica, nos termos do art. 32, parágrafo único, da Lei 9.472/97 e, no Estado do Tocantins, pela Procuradoria Federal,com endereço para citação na av. Joaquim Teotônio Segurado,Quadra 402, Sul,Conjunto 01, lote 13, centro,Palmas-TO, CEP 77021-622,telefone63-3212-8100, fax:63-32128192,e-mail:[email protected];

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COMPANHIA DE ENERGIA ELÉTRICA DO ESTADO DO TOCANTINS- CELTINS, concessionária de distribuição de energia elétrica neste Estado,pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 25.086.034/0001-71,na pessoa de seu Diretor-Presidente,com endereço para citação na quadra 104 Norte, Avenida LO4, Conjunto IV,lote 12-A, Palmas-TO, CEP: 77.006-032

DO OBJETO DESTA AÇÃO

A presente ação civil pública questiona judicialmente, por afronta à política tarifária estabelecida em lei e aos direitos dos usuários-consumidores, a metodologia de reajuste tarifário adotada pela ANEEL desde 2002, que ocasionou ganhos indevidos à concessionária ré em prejuízo dos consumidores tocantinenses de energia elétrica por ela distribuída, bem como a metodologia estabelecida a partir do último termo aditivo ao contrato de concessão firmado entre a Agência e a ré, que corrigiu apenas parcialmente as ilegalidades da metodologia anterior. Por consequência, questiona também os últimos reajustes autorizados pela ANEEL à concessionária ré por intermédio da Resolução Homologatória 1.024 de 29 de junho de 2010(reajuste anual de 2010) e da Resolução Homologatória nº 1.176 de 28 de junho de 2011(reajuste anual de 2011,com efeito médio de 7,67% a ser percebido pelo consumidor, depois corrigido para 7,36%),autorizado com base na metodologia estabelecida no referido termo aditivo.

Com relação ao reajuste anual de 2011, importante esclarecer que a ANEEL aprovou um reajuste médio de 13,06% para as tarifas da CELTINS. No entanto, com aceitação da própria concessionária,diferiu parcialmente os efeitos para o processo tarifário de 2012, de forma a

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atingir um reajuste com efeito médio de 7,67% para o consumidor(depois corrigido para 7,36%). Nesse quadro, ainda foi fixado o valor de valor de R$ 30.206.747,70, refente ao ativo regulatório diferido para o reajuste tarifário de 2012, a ser atualizado pelo valor do IGPM naquela data.

Resumidamente, a afronta à política tarifária prevista em lei está em permitir, com a metodologia objurgada, a apropriação pela concessionária de ganhos decorrentes exclusivamente do aumento do mercado consumidor sobre parcelas da tarifa (encargos setoriais e encargos de transmissão) que não constituem remuneração própria da concessionária pela prestação do serviço por ela prestado e em relação às quais a concessionária atua como mera arrecadadora e repassadora, sem que tal ganho encontre justificativa na eficiência ou competitividade da empresa. Tal metodologia afronta os arts. 14 e 15 da Lei 9.472/96, além de quebrar, a favor da concessionária, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato estabelecido no momento da contratação e renovado a cada revisão tarifária. Outra ilegalidade da metodologia está na afronta à neutralidade da Parcela A da tarifa, uma imposição da Medida Provisória n. 2227/2001(anexo 1), regulamentada pela Portaria Interministerial (Ministérios da Fazenda e Minas e Energia) n. 25/2002 (anexo 1). Por fim, digna de nota nesta apresentação é a violação ao princípio da modicidade tarifária com a oneração das tarifas de forma desnecessária, abusiva e injustificada,sem amparo na política tarifária prevista em lei.

Pretende o Ministério Público Federal, com esta ação, ajuizada em favor de todos os usuários da concessionária-ré, que a metodologia seja total e o mais brevemente possível adequada aos parâmetros legais e que os valores indevidamente apropriados pela ré concessionária ao

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longo dos anos sejam ressarcidos ou, de alguma forma, compensados neste ou nos reajustes futuros ou na próxima revisão tarifária, bem como que sejam corrigidos os últimos reajustes.

Liminarmente, pede que a ANEEL apresente o levantamento dos impactos da metodologia adotada desde 2002, como forma de possibilitar, viabilizar e resguardar (conteúdo cautelar) a defesa dos direitos dos consumidores ao ressarcimento, bem como que corrija (conteúdo antecipatório) os últimos reajustes autorizados para a CELTINS(anos de 2010 e 2011), afastando as ilegalidades remanescentes no termo aditivo ao contrato de concessão assinado recentemente, de modo a impedir que os consumidores, mesmo depois de quase três anos da falha detectada pela própria ANEEL, sigam pagando tarifas que permitem a referia apropriação ilegal pela concessionária.

A opção pela via judicial destina-se a assegurar um real equilíbrio de forças entre a concessionária e os consumidores lesados pela metodologia ilegal da ANEEL, além de transparência e imparcialidade na sistemática da Agência em corrigir sua própria falha metodológica em contrariedade a poderosos interesses econômicos.

Sob essa perspectiva, ainda que indiretamente, esta ação civil pública questiona a postura adotada pela ANEEL no cumprimento de sua competência legal para dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre as concessionárias e seus consumidores (art. 3º, V, da Lei 9.427/96), e o próprio modelo de atuação da agência, que demanda urgentes aprimoramentos para assegurar algum equilíbrio na relação entre os concessionários de serviço público e os usuários-consumidores, os quais, apesar de terem a incumbência de “pagar a conta”, acabam vendo reforçada sua hipossuficiência técnica e econômica pela

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postura da agência. Como sabido, não há julgamento, seja ele judicial ou administrativo, que seja verdadeiramente imparcial sem equilíbrio de armas, simetria de informação e igualdade de participação na construção da solução, no contraditório. Ficará evidenciado nesta ação que a postura da ANEEL está longe de assegurar equilíbrio na relação entre fornecedores e consumidores (princípio básico positivado no art. 4º, III, do CDC) e de facilitar a defesa dos direitos destes (direito básico positivado no art. 6º, VIII, do CDC), e desconsidera absolutamente a vulnerabilidade destes, reconhecida constitucional (art. 5º, XXXII e art. 170, V) e legalmente (art. 4º, I, do CDC).

Assim, são postos à análise do Poder Judiciário, por meio desta ação, concomitantemente a ilegalidades na metodologia do reajuste tarifário da ANEEL e a postura da Agência na correção dela e de seus efeitos.

1. DOS FATOS 1.1 – Do levantamento técnico realizado pela Secretaria de Fiscalização da Desestatização do Tribunal de Contas da União que revelou ilegalidades na metodologia de reajuste tarifário adotada pela ANEEL questionada nesta ação, da respectiva caracterização e da apuração do Ministério Público Federal

Desde o último trimestre do ano passado, é pública e notória a existência de grave ilegalidade (no dizer da ANEEL, “falha metodológica”) na metodologia do reajuste das tarifas de energia elétrica desde 2002.

Essa ilegalidade foi trazida a público pela diligente, técnica e fundamentada atuação da Secretaria de Fiscalização e Desestatização do Tribunal de Contas da União (SEFID-TCU), que embasou decisão daquela Corte de Contas tomada em 08/10/2008 (Acórdão n. 2210/2008, relator o Min. Benjamin Zymler – pág. 35/55 e no anexo 1) para

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determinar que a ANEEL ajustasse a metodologia de reajuste tarifário presente no contrato de concessão de concessionária de distribuição de energia elétrica de Pernambuco (CELPE), idêntica à que então constava do contrato de concessão da CELTINS, para corrigir inconsistências detectadas pela referida secretaria técnica, assim resumidas no dispositivo do acórdão: “1. a

parcela B calculada no reajuste tarifário absorve indevidamente os ganhos de escala

decorrentes do aumento de demanda; 2. os ganhos de escala, decorrentes do aumento de

demanda, não são repassados para o consumidor, provocando desequilíbrio econômico-

financeiro do contrato”. Também determinou a Corte de Contas que a Agência avaliasse o

impacto, no equilíbrio econômico-financeiro do contrato, da metodologia utilizada no

reajuste da concessionária desde o início da concessão até a presente data e que

estendesse os ajustes metodológicos às demais concessionárias de energia do país”1.

Em homenagem ao apuro do trabalho desenvolvido pela SEFID-TCU e à precisão com que descreve a sistemática de reajuste tarifário e a essência da falha metodológica, valendo-se de alguns conceitos que serão retomados no curso da inicial, transcreve o Ministério Público Federal, a seguir, trechos da análise técnica que embasou o referido(que faz parte da instrução do ICP), permeando-os com esclarecimentos entre colchetes relevantes para a compreensão futura das ilegalidades.

Metodologias de atualização tarifária adotadas pela ANEEL

1 Vislumbrando a existência de omissão e obscuridade no Acórdão nº 2.210/08-P, a ANEEL opôs Embargos de Declaração. Conhecidos e acolhidos os embargos opostos pela Agência, o TCU expediu o Acórdão no 2.544/08-P tornando insubsistente o julgado referido para determinar à SEFID que analisasse as alegações constantes dos embargos e promovesse a oitiva das concessionárias envolvidas acerca das irregularidades constadas nos autos. Após analisar os argumentos trazidos aos autos pelas concessionárias e pela Aneel, a Unidade Técnica do TCU concluiu que as determinações exaradas pelo Acórdão 2.210/08-P são devidas, ao entendimento de que “os ganhos de eficiência dentro de um ciclo tarifário, como os provenientes da redução de custos operacionais, devem ser repassados para as distribuidoras, em consonância com o modelo de serviço pelo preço e com as Leis no 8.987/95 e no 9.427/96. Entretanto, ganhos de escala que não derivam do incremento de eficiência da empresa, relacionados apenas a parcelas da receita na qual atua como agente arrecadador, devem ser integralmente repassados para os consumidores”, como consta da instrução técnica elaborada em 07/04/2010 (….) encaminhada ao Ministério Público Federal para a 3ª Câmara de Coordenação e Revisão.

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2. De acordo com a Lei 9.427/96, as atuais regras jurídicas e econômicas relativas ao regime tarifário dos contratos de concessão do serviço público de distribuição de energia elétrica no Brasil constituem uma vertente do regime de regulação por incentivos. Sua principal finalidade é o aumento de eficiência e da qualidade na prestação do serviço atendendo ao princípio da modicidade tarifária. 3. Nesse sentido, o modelo de remuneração das concessionárias de energia elétrica é baseado na premissa de que a tarifa aplicada à quantidade de energia vendida gera receita necessária para cobrir os custos da empresa. Contudo, compete ao ente regulador criar mecanismos de incentivos para que as empresas administrem seus custos de maneira eficiente, buscando o princípio da modicidade tarifária. 4. A ANEEL divide, metodologicamente, os custos de concessionárias de distribuição em duas parcelas: Parcela A e Parcela B. A primeira representa os custos não gerenciáveis da empresa, ou seja, aqueles que não dependem de sua operação [e constituem receita de transferência, visto que são arrecadados pela empresa e transferidos a terceiros]. A segunda parcela representa os custos gerenciáveis da empresa e devem abranger os custos operacionais e a remuneração do capital do investidor [receita própria, remuneração devida à concessionária pelo serviço prestado]. A tabela a seguir detalha os principais componentes de cada parcela.

Tabela 1: Detalhamento da composição das parcelas A e B

PARCELA A PARCELA B(Custos não-gerenciáveis)[receita de transferência]

(Custos gerenciáveis)[receita própria]

Encargos Setoriais

Despesas de Operação e Manutenção

Cota de Reserva Global de Reversão (RGR) PessoalCota de Conta Consumo Combustível Material

Taxa de fiscalização de Serviços de Energia Elétrica (TFSEE) Serviços de terceiros

Rateio de custos do Proinfa Despesas gerais e outrasConta de Desenvolvimento Energético (CDE)

[e outros]Encargos de Transmissão Despesas de Capital

Uso das instalações de Rede básica de Transmissão Energia Elétrica Cotas de depreciação

Uso das instalações de conexões Remuneração do capitalUso das Instalações de Distribuição

Transporte de energia elétrica proveniente de ItaipuOperador Nacional do Sistema (nos)

[e outros]Compra de energia Elétrica Outros

Energia de Itaipu P&D e Eficiência EnergéticaContratos Iniciais, Contratos Bilaterais de Longo Prazo ou

Leilões PIS/COFINS

5. Quando da assinatura dos contratos de concessão, as empresas reconhecem que o nível tarifário vigente, ou seja, o conjunto das tarifas definidas na estrutura tarifária da empresa, em conjunto com os mecanismos de reajuste e revisão das tarifas estabelecidos nos contratos, é suficiente para a manutenção do seu equilíbrio econômico-financeiro2. 6. Isso significa reconhecer que a receita anual é suficiente para cobrir os custos operacionais incorridos na prestação do serviço e remunerar adequadamente o capital investido, seja naquele momento, seja ao longo do período de concessão, na medida em que as regras de

2 É o que estabelece a Primeira Subcláusula da Cláusula Sétima do contrato de concessão da CELTINS (Contrato1, presente no anexo 1).

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atualização têm a finalidade de preservar, ao longo do tempo, o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato. Dessa forma, existem três métodos de atualização tarifária: reajuste tarifário anual, revisão tarifária periódica e revisão tarifária extraordinária. 7. O reajuste tarifário é realizado anualmente e busca restabelecer o poder de compra da receita obtido pelo concessionário. Para isso, as parcelas A e B são calculadas, possibilitando a determinação do Índice de Reajuste Tarifário (IRT), que é aplicado na atualização das tarifas vigentes. 8. A revisão tarifária periódica é um processo mais detalhado de atualização que, geralmente, ocorre a cada quatro anos. Busca manter o equilíbrio econômico-financeiro ao longo do contrato de concessão, realizando análises mais profundas e detalhadas na determinação dos valores de cada componente das Parcelas A e B. O objetivo desse processo é calcular o reposicionamento tarifário e estabelecer o Fator X.9. O cálculo do reposicionamento tarifário se baseia na definição da parcela da receita necessária para cobertura dos custos operacionais eficientes – para um dado nível de qualidade do serviço – e uma remuneração adequada sobre investimentos realizados com prudência. 10. O Fator X é um “número índice” fixado pela ANEEL, a cada revisão periódica, conforme definido nos contratos de concessão, com o objetivo de ajustar os valores da Parcela B (custos gerenciáveis) aos ganhos de escala do negócio não decorrentes de aumento da eficiência operacional. (...)Cálculo do índice de reajuste tarifário

25. O índice de reajuste tarifário é dado pela razão entre a Receita na Data de Reajuste em Processamento – DRP (receita capaz de manter o poder de compra da empresa após o reajuste) e a Receita na Data de Referência Anterior - DRA (receita auferida pela empresa no período anterior).26. A receita em DRA refere-se à receita efetivamente arrecadada nos últimos 12 (doze) meses que antecederam o reajuste tarifário. Por outro lado, a receita em DRP é calculada com base na soma dos valores estimados para as parcelas A e B da concessionária.27. A principal diferença entre as metodologias de revisão e reajuste reside na forma como é calculada a parcela B da receita. A metodologia do reajuste não utiliza os critérios definidos na Resolução n°236/06 da Aneel.28. O processo de definição do IRT passa, primeiramente, pela apuração da Receita em DRA conforme já explicado. O segundo passo consiste em determinar os gastos efetivamente incorridos com a Parcela A durante o período de 12 (doze) meses que antecedeu o reajuste. O valor da Parcela B é finalmente calculado como a diferença entre os valores da Receita em DRA

e da Parcela A.

Figura 2: Processo de definição das parcelas A e B da Receita em DRA no reajuste anual

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29. Por outro lado, a definição da receita em DRP começa pela determinação do valor da Parcela B, que é feita corrigindo a mesma parcela B calculada em DRA pela inflação e pelo Fator X.30. O último passo consiste em determinar a parcela A a partir dos custos não-gerenciáveis estimados, tomando como base a mesma demanda existente em DRA, ou seja, a dos últimos

12 (doze) meses anteriores à data do reajuste.

Figura 3: Processo de definição das parcelas A e B da Receita em DRP no reajuste anual

(…)

32. O método adotado no reajuste para o cálculo da Parcela B é feito com base no diferença entre a receita efetivamente arrecadada [que, naturalmente, incorpora o crescimento da demanda ou mercado] e os custos não-gerenciáveis efetivamente despendidos [Parcela A, cujos componentes, pela sua natureza, forma de cálculo, arrecadação e transferência não acompanham proporcionalmente o crescimento da demanda]

(…)

II – Inconsistências da metodologia de reajuste tarifário

34. A principal inconsistência metodológica do processo de reajuste tarifário é causada pelas duas diferenças já apontadas entre este processo e o de revisão: determinação do valor da Parcela B e desconsideração das variações futuras de demanda.35.Como já foi explicado, dentro do reajuste tarifário, o valor da Parcela B é calculado como a diferença entre os valores da receita efetivamente arrecadada e a Parcela A efetivamente despendida. (…) 36. O impacto dessa escolha (referente à sistemática de cálculo da Parcela B) [e a denominada “falta de neutralidade da Parcela A”, reconhecida como necessária pela própria ANEEL em razão da forma de cálculo da Parcela B] faz com que as variações de receita derivadas das variações de demanda, que não são consideradas no momento do reajuste, sejam absorvidas pela Parcela B do ano seguinte. Em um cenário de demanda crescente, a metodologia proporciona um ganho adicional da concessionária, que não é compartilhado com o consumidor.[Justamente para impedir esses ganhos adicionais, ilegais como demonstrado nesta ação, é que incumbia à ANEEL assegurar, por

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meio da metodologia de reajuste disciplinada em seus atos normativos, a referida neutralidade da Parcela A].

Figura 4: Efeitos da variação de receita devida ao crescimento da demanda no IRT.(...)45. Portanto, fica evidente que a metodologia utilizada para o reajuste tarifário desequilibra o contrato em favor das concessionárias de energia elétrica, gera ganhos ilícitos e prejudica o interesse público em favor do lucro privado indevido.46. A metodologia atual permite que as empresas se apropriem dos ganhos de escala do negócio, mesmo quando não decorram de um aumento de eficiência operacional. Esses ganhos, derivados do aumento do consumo, deveriam ser repassados aos consumidores em sintonia com o princípio da modicidade tarifária. Dessa forma, a metodologia utilizada desvirtua a finalidade do mecanismo de reajuste, que é manter o poder de compra da concessionária durante o período tarifário.

III. Estimativas de impactos sobre as tarifas (...)50. Considerando uma demanda total brasileira de energia elétrica de 375TWh e uma tarifa média de R$259,80, é possível estimar um impacto anual de R$1,8 bilhões no mercado nacional, utilizando as premissas de simulação acima.(...)52. Independente das premissas adotadas, é notório que o prejuízo causado aos usuários tem alta materialidade. Além disso, é importante alertar que o efeito dessa falha metodológica se propaga ao longo do ciclo tarifário, aumentando ainda mais seus impactos negativos. (...) Conclusões 60. Ao final das análises conduzidas por esta unidade técnica, conclui-se que os cálculos que suportam os reajustes tarifários da CELPE, entre os anos de 2002 e 2007, foram realizados com exatidão e de acordo com a metodologia em vigor. Contudo, foi constado que uma importante causa da evolução das tarifas acima da inflação é a incompatibilidade da metodologia adotada nos reajustes com os princípios que reagem a regulação por incentivos no setor, positivados pelas Leis 8.987/95 e 9.427/96.61. Como foi demonstrado ao longo das análises apresentadas, a citada falha metodológica remunera ilegalmente as concessionárias de energia elétrica em detrimento do interesse público e gera impactos de alta materialidade e prejuízos para o usuário de pelo menos R$1 bilhão ao ano.

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Tomando conhecimento do último reajuste tarifário anual autorizado para a CELTINS, que alçou a tarifa de energia elétrica do Tocantins para a mais cara do Brasil, bem como da referida auditoria técnica dos analistas do Tribunal de Contas da União e diante das notícias amplamente divulgadas na mídia de que a Agência Nacional de Energia Elétrica havia retrocedido na posição anteriormente sinalizada no sentido da possibilidade de correção unilateral da ilegalidade (para a ANEEL, da “falha metodológica”) e descartava a possibilidade de ressarcimento dos consumidores, o Ministério Público Federal instaurou, em 1º de julho de 2011, o Inquérito Civil Público cujos elementos instruem a presente ação, tendo por objeto apurar regularidade no reajuste de

energia elétrica no estado do Tocantins, bem como os

consequentes prejuízos dos consumidores da concessionária

CELTINS decorrentes da metodologia de cálculo das tarifas

de energia elétrica adotadas pela ANEEL, de modo a

buscar a correção da metodologia e assegurar o devido

ressarcimento aos consumidores.

No curso do Inquérito Civil, o Ministério Público Federal coligiu os subsídios que instruem esta ação, tendo obtido maiores esclarecimentos da ANEEL, do Tribunal de Contas e da própria concessionária, referidos nos tópicos apropriados.

1.2 – Da prévia constatação da falha pela ANEEL e da sua posição inicial em prol de uma solução unilateral para correção da falha por meio de alteração da Portaria Interministerial MME/MF n. 25/2002, dos Ministérios das Minhas e Energia e da Fazenda, que sustentaram ser desnecessária a alteração, cabendo a ANEEL adequar sua metodologia por meio de suas resoluções normativas

A ilegalidade apontada pelo Tribunal de Contas da União, descrita no item anterior, já era de conhecimento

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da ANEEL, por ela tratada como “falha metodológica decorrente da falta de neutralidade da Parcela A”, desde pelo menos outubro de 2007, só vindo a se tornar de conhecimento público, no entanto, depois dos trabalhos da CPI da Tarifa de Energia Elétrica criada na Câmara dos Deputados por provocação da Comissão de Defesa do Consumidor e da auditoria realizada pelo TCU. Esse prévio conhecimento é admitido pela própria Agência nos embargos declaratórios que opôs ao Acórdão n. 2.210/2008-TCU-Plenário (anexo 1):

É importante destacar que os “achados” da SEFID, na auditoria realizada

na metodologia de reajuste tarifário dos contratos de concessão de

distribuição de energia elétrica, não representam novidade. (...)

Neste sentido, em 11 de outubro de 2007, um ano antes do Acórdão n.

2.210/2008-TCU-Plenário (DOU 10/10/2008) , a Superintendência de

Regulação Econômica -SRE da ANEEL solicitou a abertura de processo

administrativo para tratar da falta de neutralidade da Parcela “A”.

(Grifos no original).

Nesse contexto, pertinente registrar, para bem caracterizar a postura da ANEEL diante da questão, que, apesar da falha ser do conhecimento da ANEEL desde outubro de 2007, em inspeção realizada pela referida unidade técnica em 05/03/2008 na Agência, foi perguntado pelos auditores do TCU se algum problema havia sido identificado na metodologia e a resposta obtida foi negativa3.

Ademais, embora a constatação tenha se dado em outubro de 2007, foi só em outubro de 2008, após a decisão do TCU que acolheu as conclusões da SEFID, que a Agência apresentou uma proposta de solução para a falta de neutralidade da Parcela A, sugerindo aos Ministérios das Minas e Energia e da Fazenda uma alteração unilateral à alteração da Portaria Interministerial n. 25/2002, de 24 de

3 Como consta do item 101 da Instrução Técnica de 07/04/2010, que instruiu a decisão no acórdão TCU-P n. 1268/2010, de 02/06/2010 .

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janeiro de 2002, para viabilizar alteração da Resolução ANEEL n. 89/2002. A diretoria da Agência, por unanimidade , acolhendo manifestação da Superintendência de Regulação Econômica (Notas Técnicas n. 059/2008 e 274/2008 – P e fundamentando-se em parecer jurídico da sua Procuradoria Federal (Parecer n. 650/2008-PF/ANEEL-anexo1-) na 42ª Reunião Pública Ordinária, realizada em 28/10/2008, com objetivo de introduzir o princípio da neutralidade da Parcela A no serviço público de concessão de distribuição de energia elétrica, decidiu: “(i) submeter ao Ministério de Minas e

Energia proposta de alteração da Portaria Interministerial n° 025, de 24 de janeiro de

2002, na forma da minuta elaborada pela Superintendência de Regulação Econômica - SRE,

de modo a possibilitar a implementação de aprimoramentos da metodologia de cálculo dos

reajustes tarifários, (...) e (ii) determinar que a Superintendência de Regulação Econômica -

SRE, em conjunto com a Superintendência de Mediação Administrativa Setorial - SMA,

tome as providências necessárias à realização de audiência pública com vistas a colher

subsídios para a revisão da Resolução ANEEL n° 89, de 18 de fevereiro de 2002, bem como

da metodologia de cálculo da CVA, após a publicação das alterações da Portaria

Interministerial MF/MME n° 025/2002, caso acolhidas pelos referidos Ministérios”.

Para cumprimento dessa determinação da Diretoria foi expedido o Ofício n. 267/08 (anexo 1), no qual se lê:

Após estudos efetuados pela Superintendência de Regulação Econômica

desta Agência, verificou-se que a fórmula paramétrica utilizada no

cálculo do IRT não assegura a neutralidade da “Parcela A”, pela seguinte

razão: não captura as diferenças de preços, e a CVA, que deveria

resolver esta situação, não apropria as variações de mercados.

(…)

Assim, visando mitigar eventuais efeitos tarifários incompatíveis com o

conceito de neutralidade da “Parcela A”, submetemos à apreciação desse

Ministério [de Minas e Energia], na forma da minuta em anexo, proposta e

alteração da Portaria Interministerial MF/MME n. 025/2002, com vistas

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a possibilitar a implementação de aprimoramentos da metodologia de

cálculo dos reajustes tarifário, para:

i) considerar, na apuração da CVA, a comparação das despesas pagas ou

vencidas com os valores efetivamente faturados pela concessionária;

ii) compensar os valores dos componentes financeiros adicionais,

considerados no cálculo tarifário anterior, levando em conta também o

comportamento do mercado da concessionária; e

iii) contemplar, no mecanismo da CVA, o novo Encargo de Energia de

Reserva -EER, de que trata o art. 4º do Decreto n. 6.353/2008.

No entanto, o Ministério das Minas e Energia, após análise da proposta da ANEEL pela sua assessoria econômica e jurídica, concluiu que a Portaria Interministerial MME/MF n. 25/2002, que regulamenta a Conta de Compensação de Variação de Valores de Itens da parcela A (CVA4), já previa que o cálculo deveria considerar a variação do mercado, sendo, portanto, desnecessária sua alteração. No Ofício n. 1957/2009/MME (anexo 1), o Ministério de Minas e Energia explicitou que “de acordo com a análise conduzida por este Ministério, foi concluído

que as disposições vigentes são suficientes para que a

ANEEL assegure a neutralidade da aplicação da CVA”.A assessoria econômica do Ministério de Minas e

Energia ressaltou, na Nota Técnica n. 051/2009( anexo 1) , após discorrer sobre os dispositivos da Portaria Interministerial n. 025/2002 e analisar as resoluções editadas pela ANEEL para regulamentar a metodologia de apuração dos saldos da CVA (Resoluções n. 491 a 495, de 2001; 089/2002; 184/2003; e 153 e 189 de 2005), que “a

4 A referida Conta de Compensação de Valores dos Itens da Parcela A foi instituída pela Portaria Interministerial MF/MME n. 296, de 25 de outubro de 2001 e posteriormente substituída pela Portaria n. 025/2002, regulamentando a Medida Provisória n. 2227/2001, com objetivo de minimizar distorções que ocorrem devido a variações verificadas nos preços dos encargos tarifários e da energia comprada no intervalo entre reajustes e de evitar sucessivas revisões extraordinárias. No tópico sobre a política tarifária estabelecida pela lei ficará melhor esclarecido qual a base normativa e finalidade da Conta de Compensação de Variação de Valores de Itens da Parcela A.

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razão da possibilidade de ausência de neutralidade ocorre em função da não consideração nas Resoluções Normativas editadas pela ANEEL dos efetivos da variação do mercado na apuração do saldo da CVA e da aplicação restritiva dos referidos efeitos no momento de compensação das diferenças acumuladas”. Vale esclarecer que as resoluções normativas referidas são editadas pela ANEEL, igualmente responsável pela “aplicação restritiva”.

A conclusão do Ministério da Fazenda externada à SEFID-TCU por meio do Ofício SE/MF n. 656/2009, embasada no Parecer PGFN/CAF 2541/2009, foi no mesmo sentido. Depois de ressaltar que “no cálculo do reajuste tarifário, em

observância ao princípio da legalidade, a criação de

normas regulatórias pela ANEEL deve estar em consonância

com as normas que disciplinam a política tarifária, em

especial com os princípios da modicidade tarifária e do

equilíbrio econômico financeiro previstos nos arts. 6º,

§1º, e 9º, §2º, da Lei 8.987, de 1995” e destacar outros pontos melhor explorados na análise jurídica da questão, concluiu o parecer que “não há necessidade de alteração da Portaria Interministerial MF/MME n. 25, de 2004, para

incorporar no cálculo do saldo da CVA a variável relativa

ao crescimento de mercado, haja vista que o detalhamento técnico da forma de apuração do saldo da CVA deve ser feita pela ANEEL, no exercício de sua função de regulação, por meio de edição de norma técnica sobre o assunto” (grifos ausentes do original). Note-se, antecipando a usual argumentação ad terrorem da Agência quanto ao aumento do “Risco Brasil” decorrente da “quebra” dos contratos, que o próprio Ministério da Fazenda, indiscutivelmente um dos órgãos do Governo mais preocupados com o assunto, concluíra pelo cabimento da correção unilateral da metodologia por meio de norma técnica da ANEEL.

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Nesse contexto, vale destacar desde logo, que o segundo artigo da lei de sua criação (Lei 9.427/96) estabelece que a ANEEL tem por finalidade “regular a distribuição de energia elétrica em conformidade com as

políticas e diretrizes do Governo Federal”. Dessas transcrições, fica evidente serem

incontroversas tanto a falta de neutralidade da Parcela A como razão da apropriação das concessionárias como a viabilidade de correção unilateral da metodologia. A única controvérsia entre a Agência e o Ministério das Minas e Energia residia na responsabilidade para a correção unilateral: enquanto para aquela cabia a este, por meio de alteração da Portaria n. 25/2002; para o Ministério cabia à Agência, por meio de suas resoluções que disciplinavam a aplicação da referida portaria.

1.3 – Da mudança de posicionamento da ANEEL após a posição dos Ministérios das Minas e Energia e da Fazenda, passando a optar pela alteração contratual (assinatura de termo aditivo ao contrato de concessão), do déficit de legitimidade do procedimento adotado pela Agência para elaboração desse termo aditivo e dos prejuízos aos consumidores decorrentes dessa opção

Ocorre que esse “jogo de empurra” de responsabilidades resultou em graves prejuízos aos consumidores e usuários do serviço. Com compreensível, mas inaceitável resistência para reconhecer sua própria responsabilidade na falha (que lhe era atribuída pelo Tribunal de Contas da União, pelo Ministério das Minas e Energia e pelo Ministério da Fazenda) e, ao que tudo indica, buscando um fato jurídico novo que dificultasse futuras pretensões dos consumidores ao ressarcimento a que tinham direito, a ANEEL optou por uma alteração bilateral do contrato de concessão por meio de termo aditivo contratual firmado com cada uma das grandes concessionárias no país, inclusive com a empresa ré. Dentre os efeitos

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nefastos dessa opção, objeto desta ação, pode-se citar o atraso, no mínimo, de cerca de dois anos na correção da falha, seu alcance parcial nos primeiros reajustes tarifários após o termo aditivo e a restrição de efeitos retroativos da correção (ressarcimento) que vem orientando a posição da Agência.

A correção da “falha metodológica” que inicialmente a própria Agência entendia que poderia se dar unilateralmente por ato normativo interministerial – certamente pela ilegalidade que lhe era inerente, embora não reconhecida, ou, no mínimo, por sua natureza não contratual e, portanto, sem qualquer risco de uma “quebra contratual” – passou a depender, por opção da ANEEL, de uma alegadamente necessária alteração contratual!

A ANEEL, negando-se a concordar com o posicionamento dos Ministérios das Minas e Energia e da Fazenda, passou a sustentar, entre outubro e novembro de 2009, de forma até então inédita, a necessidade de alteração dos contratos de concessão com anuência das 63 (sessenta e três) concessionárias de distribuição de energia elétrica do País. Essa posição jurídica está amparada em dois pareceres da Procuradoria Federal (n. 1.059/2009 e 1.161/2009 – anexo 1), cujos principais argumentos serão rebatidos nesta ação.

Enfim, a redação do termo aditivo aos contratos de concessão foi dada pela ANEEL no âmbito do processo n. 48.500.006111/2007-08, o mesmo instaurado ainda em 2007 por provocação da Superintendência de Regulação Econômica e antes referido. Seguindo esse termo-modelo, foi assinado termo aditivo ao respectivo contrato de concessão pela CELTINS em fevereiro de 2010.

Há, contudo, algumas peculiaridades do procedimento que resultou na elaboração do termo aditivo que merecem ser destacadas.

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Para instruir a decisão desse processo e por imposição do §3º do art. 4º da Lei 9.427/965, a Agência instaurou a Audiência Pública “por intercâmbio documental” (ou seja, sem participação presencial) n. 43/2009( aviso público da audiência no anexo 1), no período de 6 a 27 de novembro de 2009 (prazo de 20 dias) para “colher subsídios e informações dos agentes e da sociedade em geral, com

vistas à aprovação de modelo-padrão de aditivo aos

contratos de concessão de serviço público de distribuição

de energia elétrica, para aprimoramento dos procedimentos

de cálculo dos reajustes tarifários anuais, de modo a

assegurar a neutralidade dos itens de custos não

gerenciáveis da denominada “Parcela A” nas tarifas de

energia elétrica”.A referida audiência pública foi instruída,

dentre outros documentos e análises técnicas e jurídicas, com uma proposta de aditivo aos contratos de concessão (elaborada nos termos da Nota Técnica n. 366/2009 –anexo 1-) que previa nova fórmula de cálculo da Parcela B. Não foi apresentado pela ANEEL qualquer levantamento do impacto nas tarifas da constatada falta de neutralidade da Parcela A, vale dizer, do montante apropriado pelas concessionárias desde 2002 e estimado pelo TCU em R$ 10 bilhões. A brevidade do prazo disponibilizado (20 dias!), falta do levantamento referido e o detalhamento de que a proposta de aditivo constante da Nota Técnica n. 366/2009 assegurava efetivamente que à Parcela B não fossem acrescidos os ganhos indevidos constatados por dissociar seu cálculo da Parcela A são fatores que contribuem para explicar a pouca participação da sociedade em geral para tema de tamanha relevância: ao todo 15 contribuições, como consta da Nota Técnica n. 022/2010 da Superintendência de Regulação 5 § 3o O processo decisório que implicar afetação de direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou dos consumidores, mediante iniciativa de projeto de lei ou, quando possível, por via administrativa, será precedido de audiência pública convocada pela ANEEL.

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Econômica, na qual são analisadas as contribuições recebidas na AP 43/2009 (anexo 1). Dessas escassas 15 contribuições, a maior parte restringiu-se a apresentar argumentos em defesa da devolução ou ressarcimento aos consumidores, os quais foram desconsideradas pela ANEEL por serem objeto de outro processo administrativo na Agência (48.500.006802/2009-65), como registra a Nota Técnica n. 022/2010. O Ministério Público Federal não apresentou contribuições em razão dos fatores antes apontados, comprometedores da qualidade da participação e da incipiência da sua própria instrução.

A par dessas circunstâncias, contudo, outra compromete gravemente a legitimidade do procedimento, impondo-se a ser considerada pelo Poder Judiciário quando em causa o termo aditivo dele resultante.

Após a conclusão da audiência pública, reuniões da ANEEL com representantes das concessionárias determinaram uma total alteração do termo aditivo apresentado para audiência pública6. O modelo-padrão de termo aditivo ao final aprovado pela diretoria da Agência na reunião ordinária de 02/02/2010 e que acabou sendo assinado pela ré foi, assim, resultante dessas reuniões com as concessionárias e não da audiência pública. Foi, dessarte, suprimida qualquer possibilidade de os consumidores ou seus representantes manifestarem-se previamente sobre ele.

Destaque-se: uma só audiência pública, por mero “intercâmbio documental”, sem informações sobre o levantamento do impacto financeiro e com diminuto prazo (20 dias) foi a única oportunidade que os consumidores ou seus representantes tiveram para debater com a Agência os termos em que seria elaborado o termo aditivo apresentado como 6 Essa circunstância está registrada na Instrução Técnica da SEFID-TCU, elaborada em 07/04/2010, que subsidiou o acórdão n. 1268/2010, que faz referência a outros documentos constantes dos autos (tópico 74).

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solução do ente regulador para situação de reconhecida falha que fez com que eles pagassem, por cerca de 8 anos, valores que foram apropriados pelas concessionárias da ordem de R$ 10 bilhões de reais, na estimativa da SEFID-TCU!

A primeira e até hoje única oportunidade presencial que os consumidores, por intermédio de seus representantes, tiveram para debater com a Agência a redação do termo aditivo deu-se no dia 07 de maio de 2010 (portanto mais de dois meses depois de sua adoção como modelo e da sua assinatura por algumas dezenas de concessionárias) na sede da Procuradoria Geral da República. Dela participaram representantes do Ministério Público Federal (Coordenadores da Câmara de Coordenação e Revisão da atuação institucional na defesa dos consumidores e da ordem econômica e integrantes do Grupo de Trabalho em Energia), da Associação Nacional do Ministério Público, do Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça e do PROCON-SP. Nela, ou evidenciada a inadequação de terem os debates ocorrido somente após a elaboração e assinatura dos termos aditivos.

O déficit de legitimidade decorre de uma grave falta de simetria: quem pagou a conta e seguirá pagando teve tão-somente uma pífia e irrelevante participação, uma vez que a proposta de solução foi ao final descartada, e a oportunidade formal de participação na elaboração de termos contratuais fixados ocorreu depois da Audiência Pública pela agência reguladora e pelas concessionárias de distribuição de energia elétrica, que o assinaram.

Nessas circunstâncias, fica bem esclarecido porque a participação das concessionárias na audiência pública que representaria um impacto financeiro da ordem de R$ 1 bilhão anual se restringiu à única contribuição que a respectiva associação apresentou na Audiência Pública n.

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43/2009. Chega a ser curioso, nesse contexto, o registro feito pela SRE na Nota Técnica n. 022/2010 (anexo 1) ao “A despeito da importância do assunto para todos os agentes envolvidos e para a sociedade em geral, que inclusive vem merecendo ampla cobertura jornalística da imprensa, vale ressaltar que não houve qualquer contribuição para esta Audiência Pública por parte das concessionárias de distribuição de energia elétrica”. Por que contribuiriam em audiência pública, limitando-se a apresentar seus argumentos por forma escrita e sob escrutínio público se poderiam, em reuniões subsequentes, apresentar seu ponto de vista?

Qual o equilíbrio que um tal procedimento assegura aos consumidores em face das concessionárias? Foi possível verificar imparcialidade da Agência decorrente desse procedimento? A solução ultimada possui legitimidade.

São questões que se põem para todos os interessados em refletir sobre a postura da agência para solucionar administrativamente a questão que, ainda que indiretamente, merecem ser considerados pelo Poder Judiciário ao apreciar esta ação.

Desde logo, no entanto, convém deixar consignado que o Ministério Público Federal não questiona a legitimidade da opção da Agência pela via contratual ipso facto. Pelo contrário, reconhece a legitimidade da solução contratual (que tem a vantagem de evitar discussão judicial com as concessionárias) desde que – e aqui a insurgência do autor – a correção das ilegalidades fosse integral e não prejudicasse o legítimo direito dos consumidores ao ressarcimento, uma vez que, por cerca de oito anos, pagaram a mais nas tarifas de energia elétrica, ensejando ganhos indevidos às concessionárias. Com tal consignação, espera o Ministério Público Federal que a Agência não desvie o foco do objeto desta ação (centrado na discussão sobre legalidade da metodologia), repisando os conhecidos

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argumentos pela sua discricionariedade acerca da escolha do melhor meio regulatório para solucionar a falha e da impossibilidade de o Poder Judiciário afrontar tal discricionariedade. A controvérsia nesta ação não se dirige contra a opção pela via contratual para corrigir a “falta de neutralidade da Parcela A”, mas contra a insuficiência da correção empreendida pela via contratual ante o que se impunha à ANEEL para fiel cumprimento à lei.

De fato, a correção não foi integral pois ao menos duas ilegalidades maculam o reajuste dos anos de 2010 e 2011, e compõem o objeto desta ação: (i) a falta de neutralidade da Parcela A no que se refere aos encargos de transmissão e (ii) a limitação temporal dos efeitos da correção em fevereiro de 2010. Essas duas ilegalidades serão detalhadamente demonstradas no tópico próprio. Por fim, a opção pela via contratual, como se a correção dela dependesse, e o surgimento de um fato jurídico novo, a assinatura do termo aditivo, contrapõem-se ao direito dos consumidores a ressarcimento pois fazem parecer que a metodologia anterior não era ilegal e houve, apenas, como sustenta a ANEEL, um mero aprimoramento inserido na sua discricionariedade regulatória. Conquanto a forma de solução fosse, de fato, discricionária, a própria correção (seu resultado final) não era, dado que a “falha metodológica”, como será demonstrado nesta ação, era ilegal.

Daí a necessidade da ação: não para se insurgir contra a opção da ANEEL pela via contratual (a priori, legítima dentro da discricionariedade reconhecível ao ente regulador do sistema quanto ao modo de solucionar a ilegalidade), mas, sim, contra os efeitos negativos dela decorrentes, ligados à negativa da Agência em caracterizar a falha como ilegalidade, objeto central desta ação. Não havia discricionariedade da Agência para corrigir ou não a

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falha, de modo que sua correção não pode ser reconhecida como liberalidade ou mera opção da Agência nem se admitir que a correção seja parcial.

Reconhece o Ministério Público Federal, contudo, que o termo aditivo consubstancia significativo avanço no sentido da correção prospectiva das ilegalidades da metodologia. Com efeito, as duas ilegalidades subsistentes, antes referidas, produzem efeitos, em princípio, restritos aos reajustes deste ano e no ano passado.

1.5 Da postura da ANEEL quanto ao direito dos consumidores a ressarcimento ou à compensação decorrente da indevida apropriação pela concessionária desde 2002

Sem dúvida, a controvérsia mais relevante financeiramente para os usuários-consumidores, que serve de objeto a esta ação refere-se ao direito ao ressarcimento ou a outra forma de compensação pela indevida apropriação da CELTINS desde 2002, tópico indissociavelmente ligado à caracterização da ilegalidade da metodologia anterior.

Para subsidiar sua decisão administrativa no tema, a Agência optou por instaurar Processo Administrativo diverso do que apurou a “falha metodológica” (48.500.006111/2007-08), autuado sob o n. 48.500.006802/2009-65, no curso do qual recentemente abriu nova Audiência Pública, a de n. 33/2010, tendo por objeto “Obter subsídios e informações para a análise e decisão da ANEEL acerca do reconhecimento da legalidade da aplicação da fórmula

de Reajuste Anual das Tarifas constante dos contratos de

concessão de serviço público de distribuição, bem como sobre o

teor da Nota Técnica nº. 065/2010-SRE, dos Pareceres nº.

650/2008-PF, nº. 1.059/2009-PF e 1.161/2009-PF e demais

documentos apresentados pelos interessados.”

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Nesse processo, todas as 63 concessionárias são consideradas possíveis prejudicadas, assegurando-as, individualmente, direito de manifestação por último, ficando os órgãos e entes legitimados à defesa dos consumidores qualificados como interessados, com os direitos reconhecidos pelo art. 10 da Res. ANEEL n. 273/2008, dentre os quais o de formular alegações a apresentar documentos, em prazos normalmente exíguos (dez dias, de regra), ficando uns e outros submetidos necessariamente ao contraponto subsequente das concessionárias.

É incompreensível a separação dos processos, pois o direito ao ressarcimento ou compensação está dissociado da natureza da falha metodológica (ilegalidade ou mera deficiência dependente de aprimoramento pela via contratual) e da opção já feita pela Agência para corrigi-la: termo aditivo ao contrato de concessão. No entanto, tal separação, a opção pela via contratual e o conteúdo da Nota Técnica n. 065/2010 (anexo 1), da Superintendência de Regulação Econômica, permitem concluir que a Agência já firmou, direta ou indiretamente, sua posição pela legalidade da metodologia anterior.

Por outro lado, há evidente falta de equilíbrio num processo que opõe 63 concessionárias – amplamente mobilizadas na defesa dos seus bilionários interesses econômicos e com total domínio dos detalhes técnicos, operacionais e financeiros da questão – aos consumidores, tomados isoladamente ou por seus representantes, e que ainda reconhece àquelas a prerrogativa de manifestação por último, em flagrante contradição com o arcabouço constitucional e legislativo de proteção ao consumidor, em especial no que se refere à sua hipossuficiência técnica (no caso, também econômica). Há, igualmente, grave assimetria de informação, dado que a Agência nega-se a

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disponibilizar, para análise dos consumidores e viabilização da adequada defesa de seus direitos, os levantamentos feitos quanto ao impacto financeiro da questão e suas controvérsias, informações obviamente detidas pelas concessionárias.

Em atenção a essa negativa, importa considerar que em 05 de novembro de 2009, portanto cerca de seis meses antes da instauração da audiência pública n. 33/2010, o Diretor-Geral da ANEEL fez constar, no Memorando n. 221/2009( transcrição do memorando encontra-se no anexo 1, em documento do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor), encaminhado à Superintendência de Regulação Econômico, que

“4. Ainda que corretos os cálculos, importa saber qual o montante, positivo ou negativo, relativo a cada concessionária de distribuição, decorrente da não apropriação das variações de mercado pelas fórmulas constantes do contrato de concessão, de modo a subsidiar as análises técnicas e jurídicas posteriores.5. Destaco ainda que, após a apuração da SRE, as informações devem ser franqueadas a todos os interessados, em particular às entidades de defesa e proteção dos consumidores, bem como ao Ministério Público Federal, especialmente à 3.ª Câmara da Procuradoria Geral da República, para que após o contraditório das distribuidoras, possa ser submetido à apreciação e deliberação da Diretoria Colegiada.” ;

A instauração da Audiência Pública sem a disponibilização das informações determinadas no referido memorando, a grave assimetria de informação daí decorrente e outros fundamentos melhor analisados no pedido liminar para disponibilização dos referidos cálculos pela ANEEL levaram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, representado pelo Departamento Nacional de Defesa do Consumidor (da estrutura do Ministério da Justiça), pelo PROCON-SP, pela PROTESTE – Associação Nacional de Defesa do Consumidor e pela Defensoria Pública de São Paulo, a solicitar a suspensão da audiência pública n. 33/2010 para diligências da própria Agência no sentido de melhor

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instruí-la(documento referenciado como “metodologia de reajuste tarifário e recomposição de danos”, presente no anexo 1).

Todos esses fatores, somados a recente autorização de reajuste à CELTINS, amparada em um termo aditivo no qual subsistem algumas ilegalidades e que desconsidera o montante apropriado indevidamente pela concessionária desde 2002 (cujos valores ainda são desconhecidos por omissão da ANEEL), bem como a firme convicção do Ministério Público Federal pelas ilegalidades da metodologia antiga e as circunstâncias e preocupações antes descritas, neste e nos tópicos anteriores, justificam a opção do Ministério Público Federal pela imediata propositura desta ação.

A propósito do ressarcimento, importa informar nesta contextualização fática que a Unidade Técnica (SEFID-TCU), após todas manifestações da ANEEL e das concessionárias, firmou o entendimento pela ilegalidade da metodologia anterior e pelo direito dos consumidores a ressarcimento ou a alguma forma de compensação em razão dos valores indevidamente apropriados pelas concessionárias ao longo dos anos. O seguinte trecho, extraído de instrução técnica da SEFID-TCU, datada de abril de 2010 (pág. 35/55 e anexo 1), ilustra bem a afirmação:

85. Para suportar sua posição, a SRE relata que aplicou corretamente a fórmula paramétrica do reajuste presente nos contratos de concessão, com foco no desempenho global, sem se prender à análise de custo da distribuidora, de acordo com o regime do serviço pelo preço.

86. Esse argumento, no entendimento desta SEFID, não procede. Conforme já explanado, regime de serviço pelo preço deve se ater ao efetivo serviço prestado pela concessionária. Sendo assim, não repassar para os consumidores os ganhos de escala que não derivam do incremento de eficiência da empresa é ilegítimo e ilegal, pois vai de encontro ao disposto no art. 14, IV, da Lei no 9.427/96, e os princípios da modicidade tarifária e da eficiência positivados pelo art. 6º, § 1º, da Lei nº 8.987/95.

87. Os ganhos indevidos absorvidos pelas 63 distribuidoras do país são de alta materialidade e, segundo estimativas preliminares desta Unidade

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Técnica (fls.34-35), são da ordem R$ 1 bilhão anuais, com referência ao ano de 2008. Estimativas feitas pela Aneel apontam na mesma direção dos números da Sefid e, de acordo com o Ofício no 138/2009-DR/Aneel de 15/7/2009 (fl. 03 do Anexo 5 – CD ROM), as distorções somaram cerca de R$ 630 milhões no ano, considerando apenas 10 concessionárias que tiveram reajuste em 2009.

De qualquer modo, importa deixar consignado desde logo, para se evitar qualquer argumento de autoridade, impertinente dada a absoluta independência de instâncias da Corte de Contas e do Poder Judiciário e a diferente perspectiva de análise, que as referências e transcrições feitas ao posicionamento da unidade técnica do TCU devem-se à seriedade da auditoria realizada e à consistência dos argumentos jurídicos que embasam as respectivas conclusões, muitos deles reproduzidos no próximo capítulo desta ação. Sob essa perspectiva, as análises da SEFID se sustentam por seus próprios méritos e seu aproveitamento nesta ação independem da posição final do próprio tribunal.

1.6 - Dos reajustes tarifários anuais de 2010 e 2011 em favor da CELTINS: correção parcial da falha metodológica e total desconsideração dos valores indevidamente apropriados nos últimos anos

No dia 29 de junho de 2010, a Diretoria da ANEEL aprovou a resolução homologatória 1.024 de 29 de junho de 2010, autorizando o reajuste de 6,61% na tarifa de energia. De igual forma, em 28 de junho de 2011, foi aprovada a resolução homologatória nº1.176/2011, que autorizou o reajuste tarifário anual médio da concessionária ré e resultou em efeito a ser percebido pelos consumidores cativos de 12,75%. Diante desse índice, a Concessionária solicitou a ANEEL o diferimento para 2012

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do recebimento de parte de sua receita, de forma que o consumidor cativo passou a perceber um aumento médio de 7,36% que foi aplicado a partir de 4 de julho de 2011.

Nesse diapasão, faz-se necessária a referência à notícia veiculada pelo jornal do Tocantins de 29 de junho de 2011, de que : “CELTINS pleiteia reajuste de 7,67 na tarifa de energia”.

Independente dos índices exatos, mesmo porque esta ação não pretende a fixação judicial de um novo

índice, mas a correção do reajuste, pela própria ANEEL, à luz dos critérios ou parâmetros legais reconhecidos como tal pelo Poder Judiciário, é certo que o cálculo do reajuste tarifário homologado pela ANEEL baseou-se na fórmula prevista no 4º Termo Aditivo celebrado com a empresa ré. Como ficará demonstrado no tópico 2.4 desta ação, no referido termo subsistem parcialmente as ilegalidades da metodologia. Ademais, os último reajustes desconsideraram totalmente as indevidas apropriações ao longo dos últimos anos.

2. DO DIREITO 2.1 – Preliminares 2.1.1 – Da competência territorial da Seção Judiciária do Estado do Tocantins na capital

Os danos objeto desta ação são, evidentemente, de âmbito regional, uma vez que o reajuste autorizado pela ANEEL refere-se a toda área de concessão da empresa ré, que se estende por todos os municípios do Estado, dando ao dano âmbito regional.

O critério balizador da competência em ação civil pública, de natureza funcional (absoluta, portanto),

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é o local do dano (e não o domicílio da ré), a teor do que dispõe o art. 2º da Lei 7.347/85:

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Em se tratando de dano de âmbito regional, a competência deve ser fi-

xada na Capital, por força do art. 93, II, do CDC:

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:(...)II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente

Ao menos no que respeita ao pedido para corre-ção do índice de reajuste, o direito defendido é coletivo (art. 81, parágrafo único, II, CDC), portanto de natureza indivisível, demandando equacionamento em uma só ação. Mes-mo numa eventual condenação genérica (art. 95 do CDC) ao ressarcimento na conta de cada consumidor, se reconhecida judicialmente como a melhor solução para compensar os con-sumidores lesados, caso em que os direitos defendidos são individuais homogêneos, ainda assim, o tratamento isonômico de todos os usuários da concessionária ré justifica a pro-positura de uma só ação com abrangência para toda a área de concessão.

2.1.2– Do cabimento e da necessidade da judicialização da questão e do necessário aprimoramento do procedimento da agência reguladora para assegurar imparcialidade no seu equacionamento, bem como a devida consideração da hipossuficiência técnica e econômica dos consumidores no intuito de assegurar verdadeiro equilíbrio entre as partes

Não desconhece o Ministério Público Federal que a regulação econômica envolve, usualmente, muitas peculiaridades técnicas de natureza econômica ou de outra área do conhecimento que dificultam, quando não

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inviabilizam, a apreciação judicial, mormente porque abrangidas pela discricionariedade inerente à atividade regulatória.

Importa frisar, contudo, que este não é o caso desta ação .

Primeiro, porque a discussão é eminentemente jurídica, centrada na análise da legalidade (controvérsia jurídica, portanto) da metodologia de reajuste tarifário adotada pela ANEEL desde 2002. A tese do Ministério Público Federal sustentada nesta ação é de que a metodologia era ilegal, pelo que não dispunha a Agência de discricionariedade para optar por corrigi-la ou não. A correção, era, pois, um ato vinculado, determinado pelo ordenamento, e não uma faculdade discricionária, uma conveniência regulatória da Agência que poderia decidir não fazê-lo ou quando fazê-lo. Sobre o modo de corrigir a ilegalidade, é verdade, pode-se reconhecer considerável liberdade (discricionariedade) da Agência; não sobre o cabimento, amplitude e oportunidade de correção. Esta necessariamente exigia-se integralmente e o mais rápido possível (não dois anos e meio depois de descoberta a “falha”), com efeitos retroativos à origem. Inquestionavelmente, a ilegalidade da metodologia anterior e, sob a perspectiva legal, a incorreção (insuficiência) das soluções encaminhadas pela Agência são matérias que não podem ser suprimidas da apreciação judicial, sob pena de grave negativa da garantia constitucional de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF).

Daí que a principal controvérsia desta ação – de natureza jurídica – é se a “falha” na metodologia do reajuste tarifário adotada desde 2002 peca por mera

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deficiência sob a perspectiva da conveniência regulatória (e, portanto, poderia ser solucionada livremente pela Agência quando, como e na amplitude que bem entendesse) ou se contém ilegalidades que, então, podem ser corrigidas pelo Poder Judiciário por meio da fixação de parâmetros jurídico-legais a serem observados.

A sequência de pareceres jurídicos que analisam a questão, a começar pelas análises da SEFID-TCU, passando pelos pareceres da Procuradoria Federal da ANEEL e dos Ministérios das Minas e Energia e Fazenda, todos referidos nesta ação e todos adentrando no mérito da legalidade da metodologia anterior, evidenciam tratar-se de questão eminentemente jurídica.

Segundo, porque o Ministério Público Federal não pretende, com esta ação, que o Poder Judiciário estabeleça qual deverá ser o reajuste, mas sim quais são os critérios ou parâmetros jurídico-legais que devem orientar a metodologia da ANEEL, pautados, todos, na política tarifária prevista em lei e nos direitos dos consumidores-usuários. Quanto à atual metodologia (estabelecida pelo termo aditivo tido pela agência como correção da falha) pretende o autor, por exemplo, alcançar a procedência desta ação para que se determine à ANEEL que corrija o reajuste por ela autorizado à CELTINS para vigorar a partir de julho contemplando a neutralidade da parcela A (reconhecida como necessária pela própria Agência) também em relação aos encargos de transmissão (e não apenas aos encargos setoriais como previsto no termo aditivo) e afastando a limitação temporal que tornou parcial a correção para o reajuste vigente constante da cláusula quarta (deveria abranger todo o período dos últimos doze meses considerado para o reajuste, mas abrangeu apenas quatro meses), dando fiel cumprimento à Lei 9.427/95 (arts. 14 e 15), à MPv n. 2227/2001 e à Portaria MF/MME n. 25/2002. No tocante ao

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ressarcimento, pretende apenas que o Poder Judiciário declare a ilegalidade da metodologia anterior e determine, como consequência natural dessa declaração, que a Agência providencie, da maneira que demonstrar em juízo ser a mais adequada, o ressarcimento ou a compensação neste ou nos próximos reajustes ou na próxima revisão tarifária.

Terceiro, porque o procedimento que tem adotado a Agência reguladora para solucionar as ilegalidades que desde 2002 ensejam apropriações indevidas à concessionária ré está sendo/foi conduzido em acentuado desequilíbrio de “armas” e assimetria de informações entre as concessionárias interessadas (a ré dentre elas) e os consumidores-usuários. Desequilíbrio e assimetria considerados tanto sob o aspecto formal, vez que as concessionárias dispõem de uma interlocução mais próxima à Agência que os consumidores e de informações que a estes são suprimidas (como os montantes envolvidos); quanto material, dado que a Agência desconsidera em absoluto a hipossuficiência técnica e econômica dos consumidores .

Fica, sem dúvida, comprometida a imparcialidade da “juíza” administrativa (a agência reguladora), por mais isentos que tentem ser seus diretores e agentes públicos e por mais honestamente que se conduzam, quando se propõe a equacionar uma situação de elevadíssima repercussão financeira e antagônicos interesses entre as concessionárias e os consumidores, e assegura aquelas mais e melhores oportunidades de influir na sua decisão. É a conclusão a que se chega quando a agência mantém com aquelas e seus representantes contatos e reuniões profissionais para debater os termos da solução administrativa a adotar, ao tempo em que, com os órgãos de defesa dos consumidores – incluindo o Ministério Público Federal e o Departamento Nacional de Defesa do Consumidores do Ministério da Justiça – realiza uma única reunião mais

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de dois meses depois de assinados os termos aditivos, restringindo sua oportunidade de argumentação à via formal das audiências públicas, com prazos exíguos e assimetria de informações.

Dessarte, uma razão fundamental para o recurso do Ministério Público Federal ao Poder Judiciário é assegurar efetiva “igualdade de armas” e simetria de informações na solução da questão, bem como a devida consideração da hipossuficiência técnica dos consumidores e dos legitimados a defendê-los na questão (arts. 4º, I e III, do CDC) e do dever do Estado de, em razão de sua vulnerabilidade, protegê-lo (art. 5º, XXXII, CF). Uma tal intervenção, neste caso, é fundamental para o adequado funcionamento do Estado Democrático de Direito do País e, em especial, do modelo pátrio de agências reguladoras.

2.2 - Das ilegalidades da metodologia de reajuste adotada pela ANEEL desde 2002

Demonstrará o Ministério Público Federal, neste tópico, que ao contrário do que têm sustentado a Superintendência de Regulação Econômica (por exemplo, na Nota Técnica n.65/2010 – anexo 1) e a Procuradoria Federal da ANEEL (por exemplo, nos pareceres n. 1059/2009 e 1161/2009-anexo 1), a correção da metodologia do reajuste tarifário não era uma faculdade orientada por uma conveniência regulatória nem dependia de alteração contratual, configurando, na verdade, uma imposição decorrente da ilegalidade da metodologia adotada desde 2002. Havia, sim, o dever da Agência de criar, implementar e monitorar uma metodologia que evitasse a falta de neutralidade da Parcela A (ou outro meio de permitir ganhos indevidos na Parcela B), fazendo uso dos diversos instrumentos legais, contratuais e regulatórios ao seu dispor.

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A ilegalidade central da metodologia adotada pela ANEEL, contra a qual se insurge o Ministério Público Federal nesta ação civil pública, está em permitir a apropriação, pela concessionária-ré, de excedente no cálculo anual dos reajustes tarifários que nenhuma relação guardava com a remuneração própria (pelo serviço prestado) nem decorriam de eficiência ou competitividade da empresa, dado que em relação a eles a concessionária atuava como mera arrecadadora que se apropriava do excedente decorrente exclusivamente do aumento do mercado. Ganhos esses que não encontravam nenhuma justificativa na política tarifária prevista em lei e oneravam as tarifas desnecessariamente, em prejuízo da modicidade tarifária e, por decorrência, dos consumidores. Tais ganhos são indevidos porque confrontam a política tarifária prevista nas Leis 8.987/95 e 9.427, na Medida Provisória n. 2.227/2001 e na respectiva disciplina normativa.

De forma mais específica, as ilegalidades constantes na metodologia adotada pela ANEEL desde 2002:

1) permitia a apropriação pela concessionária do excedente decorrente exclusivamente do aumento do mercado, vale dizer, do aumento da quantidade de energia distribuída, arrecadado dos consumidores nas tarifas, mas não repassado ao Poder Público ou aos destinatários legais dos chamados “encargos setoriais”, componentes da tarifa mas que nenhuma relação guardam com a prestação do serviço de distribuição de energia elétrica e para cuja (do excedente) ocorrência não influía de forma alguma a eficiência da concessionária ou sua competitividade;

2) permitia a apropriação pela concessionária do excedente decorrente exclusivamente do aumento do mercado, vale dizer, do aumento da quantidade de energia distribuída, arrecadado dos consumidores nas tarifas para custeio dos encargos de transmissão, componentes da tarifa

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devidos a outros agentes do sistema, com as quais as concessionárias contratavam sem qualquer risco (o que estimulava a contratação bem além do necessário), pelo que tal apropriação não decorria da eficiência empresarial ou sua competitividade.

Da caracterização dessa ilegalidade decorrem importantes consequências jurídicas, dentre as quais os efeitos retroativos da correção, a caracterização da apropriação dos valores pela concessionária como indevida, ensejadora de enriquecimento injustificado, e o correspondente direito dos consumidores ao ressarcimento ou alguma forma de compensação. Tal caracterização passará pela demonstração de que:

1) a apropriação dos valores questionados pelas concessionárias confrontava a política tarifária estabelecida em lei (notadamente nos arts. 14 e 15 da Lei 9.427/96 e na Medida Provisória n. 2.227/2001, regulamentada pela Portaria MF/MME n. 25/2002) e os direitos dos usuários (notadamente o da modicidade tarifária), estabelecidos, aquela e estes, pela lei por expressa disposição constitucional (art. 175, parágrafo único, II e III);

2) a “neutralidade da Parcela A” no cálculo do reajuste tarifário, que evitaria os ganhos indevidos, não dependia de alteração contratual, uma vez que decorria da disciplina normativa editada para regulamentar a MPv n. 2227/2001, em particular da Portaria MME/MF n. 25/2002. Por consequência, é incorreto concluir que tais ganhos estavam previstos no contrato ou nele encontravam seu fundamento de legitimidade;

3) o equilíbrio econômico-financeiro da concessão não se estabelece exclusivamente nos termos do respectivo contrato ou da fórmula paramétrica nele

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constante, mas resulta da conjugação do contrato de concessão com toda a disciplina normativa da política tarifária da concessão, pelo que a neutralidade da Parcela A era, também, uma imposição desse equilíbrio e deveria ter sido assegurada pela ANEEL independentemente de qualquer alteração contratual;

4) os ganhos das concessionárias ensejaram quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão em benefício daquelas e em prejuízo dos consumidores.

Quanto a este último item, demonstrará o Ministério Público Federal que a interpretação conferida pela Agência à Portaria Interministerial n. 25/2002, editada em conjunto pelos Ministérios das Minas e Energia e da Fazenda, é isolada e insustentável, pois afronta a interpretação autêntica dos próprios Ministérios e privilegia o critério topológico em detrimento dos critérios sistemático e finalístico, em circunstâncias que autorizam supor que a tese é sustentada exclusivamente para evitar o reconhecimento do próprio equívoco metodológico e para ensejar um fato jurídico novo (a alteração contratual) destinado a dificultar a pretensão retroativa (de ressarcimento) dos consumidores.

É, com efeito, pouco crível que praticamente todas as concessionárias tenham assinado tão rápido (em menos de três meses!) aditivos aos contratos de concessão que as farão perder, em conjunto, mais R$ 1 bilhão anuais, por apreço à correção e justeza da metodologia ou para se protegerem das raras situações em que seriam prejudicadas pela metodologia atual, ou seja, quando houver decréscimo da demanda, hipótese rara se considerado o acentuado crescimento econômico brasileiro e improvável no caso da concessionária-ré, que atua numa das regiões que mais cresce no país. Se, nesse contexto, for considerado que o

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termo aditivo que “corrigiu” a falta de neutralidade resultou de negociação direta entre a Agência e representantes das concessionárias, ocorrida após a audiência pública chamada especialmente para esse fim e para a qual se apresentara à sociedade outro modelo de aditivo (mais adequado à proteção dos consumidores), e, assim, sem qualquer participação dos representantes dos consumidores, facilmente chegar-se -á a conclusão que a alteração contratual, nos termos em que ocorreu, significou, de fato, considerável minoração de danos às concessionárias.

Uma tal negociação não poderá ser suprimida da apreciação do Poder Judiciário por meio de um processo pelo qual os representantes dos consumidores, o Ministério Público Federal em especial, possa defender em condição de mínimo equilíbrio os seus interesses.

Feitas essas considerações iniciais, passa o Ministério Público Federal a desenvolver cada um dos argumentos que, isoladamente ou em conjunto, caracterizam a ilegalidade da metodologia aplicada pela ANEEL desde 2002.

2.2.1 – Da afronta à política tarifária do serviço público de distribuição de energia elétrica prevista em lei, especialmente nos arts. 14 e 15 da Lei 9.427/96, e ao princípio da modicidade tarifária (art. 6º, caput e §1º, da Lei 8.987/95)

Importa deixar assente desde logo que, por expressa disposição constitucional (art. 175, parágrafo único, III), é a lei (e não o contrato de concessão) que dispõe sobre a política tarifária, bem como que a distribuição de energia elétrica é serviço público, sujeita a regime jurídico público no qual deve prevalecer o interesse público sobre o particular. Assim, quando estiver

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em causa controvérsia sobre questão tarifária, deve-se, antes de analisar o contrato de concessão, analisar-se a legislação que disciplina a política tarifária para identificar os parâmetros desta e, a partir deles, interpretar o contrato.

Note-se, que não se está a sustentar que seja desconsiderado o contrato de concessão na solução de questão tarifária, nem que se negue a ele a condição de ato jurídico perfeito, mas apenas que este deve ser interpretado à luz da lei disciplinadora da política tarifária e não o contrário. É insustentável, à luz do art. 175, par. ún., III, CF, qualquer entendimento de que o contrato, sozinho, com suas fórmulas paramétricas, define toda a estrutura tarifária, mormente quando, como nesta ação, a controvérsia respeita a componentes da tarifa que não constituem a remuneração própria da empresa pelo serviço prestado, referindo-se, ao contrário, a valores em que ela atua como mera arrecadadora e repassadora e que não são por ela gerenciáveis.

Também impende considerar que, no célebre julgamento da ADC n. 9 (que afirmou a constitucionalidade do alcunhado “seguro-apagão), o Supremo Tribunal Federal, ao mesmo tempo em que admitiu expressamente a possibilidade de se utilizar a tarifa como instrumento de política pública (daí por vezes ser tratada como preço político), dada a previsão constitucional de que a lei disporá sobre política tarifária, reconheceu igualmente a possibilidade de o Poder Judiciário apreciar a razoabilidade da política tarifária fixada em lei e sua conformidade ao interesse público. Dessarte, se admitida análise judicial da razoabilidade e da vinculação ao interesse público da própria política tarifária fixada em lei, com mais razão deve-se admitir tal análise para aferir a compatibilidade

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da metodologia tarifária definida pela agência reguladora com a lei que define tal política e com o interesse público, bem como sua razoabilidade.

Sob essa perspectiva, revelará o Ministério Público Federal que a lei não estabelecera uma política tarifária que permitisse a apropriação pelas concessionárias dos excedentes contestados nesta ação. A política tarifária legal, pelo contrário, destinava-se a assegurar a neutralidade da Parcela A e, por consequência, evitar tais excedentes, não sendo admissível que o permitisse a ANEEL com sua metodologia de reajuste.

Com efeito, a apropriação ensejada pela metodologia adotada pela ANEEL desde 2002 é ilegal e sem qualquer razoabilidade. Senão vejamos.

A lei que dispõe especificamente sobre a política tarifária das concessionárias de distribuição de energia elétrica é a mesma lei que criou a ANEEL, ou seja, a Lei n. 9.427/96, que dispõe, em seus arts. 14 e 15 nestes termos:

Art. 14. O regime econômico e financeiro da concessão de serviço público

de energia elétrica, conforme estabelecido no respectivo contrato,

compreende:

I - a contraprestação pela execução do serviço, paga pelo consumidor final

com tarifas baseadas no serviço pelo preço, nos termos da Lei no 8.987, de

13 de fevereiro de 1995 ;

II - a responsabilidade da concessionária em realizar investimentos em

obras e instalações que reverterão à União na extinção do contrato,

garantida a indenização nos casos e condições previstos na Lei no 8.987,

de 13 de fevereiro de 1995 , e nesta Lei, de modo a assegurar a qualidade

do serviço de energia elétrica;

III - a participação do consumidor no capital da concessionária, mediante

contribuição financeira para execução de obras de interesse mútuo,

conforme definido em regulamento;

IV - apropriação de ganhos de eficiência empresarial e da competitividade;

V - indisponibilidade, pela concessionária, salvo disposição contratual, dos

bens considerados reversíveis.

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Art. 15. Entende-se por serviço pelo preço o regime econômico-financeiro

mediante o qual as tarifas máximas do serviço público de energia elétrica

são fixadas:

I - no contrato de concessão ou permissão resultante de licitação pública,

nos termos da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 ;

II - no contrato que prorrogue a concessão existente, nas hipóteses

admitidas na Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995 ;

III - no contrato de concessão celebrado em decorrência de desestatização,

nos casos indicados no art. 27 da Lei n 9.074, de 7 de julho de 1995;

IV - em ato específico da ANEEL, que autorize a aplicação de novos

valores, resultantes de revisão ou de reajuste, nas condições do respectivo

contrato.

§ 1º A manifestação da ANEEL para a autorização exigida no inciso IV

deste artigo deverá ocorrer no prazo máximo de trinta dias a contar da

apresentação da proposta da concessionária ou permissionária, vedada a

formulação de exigências que não se limitem à comprovação dos fatos

alegados para a revisão ou reajuste, ou dos índices utilizados.

§ 2º A não manifestação da ANEEL, no prazo indicado, representará a

aceitação dos novos valores tarifários apresentados, para sua imediata

aplicação.

A ANEEL, instituída pela mesma lei, deve obediência a essas disposições legais, ou seja, a metodologia de cálculo da tarifa por ela fixada, nos regulamentos e nos contratos de concessão, deve conformar-se aos artigos acima transcritos. Assim, o ganho das concessionárias questionado nesta ação só será legal se em conformidade com os artigos supratranscritos.

As distorções trazidas a público pela SEFID-TCU quanto à metodologia de reajuste tarifário adotada pela ANEEL referem-se aos encargos setoriais e aos encargos de transmissão, itens de custo componentes da “Parcela A” não relacionados ao serviço de distribuição de energia elétrica, sendo o papel da empresa concessionária, em relação a eles, de mero arrecadador e repassador7. Não tratam, pois, de remuneração ou receita própria, mas de 7 Nesse sentido, a posição da SEFID-TCU, expressa na Instrução Técnica de abril de 2010 (ProcAdm5)

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remuneração ou receita transferida. Não encontram, assim, fundamento no inciso I do art. 14 nem no art. 15 supratranscritos, dado que não são “contraprestação pela execução do serviço, paga pelo consumidor final com tarifas baseadas no serviço pelo preço (também denominado price cap)”, afastando, por consequência, a disciplina pertinente da Lei 8.987/95.

A apropriação dos ganhos possibilitada pela metodologia adotada pela Agência desde 2002 também não encontra fundamento nos demais incisos do referido artigo. Não trata de “investimentos em obras e instalações que reverterão à União na extinção do contrato” (inciso II) e não corresponde à “participação do consumidor no capital da concessionária” (inciso III). Tampouco se justifica como “apropriação de eficiência empresarial ou competitividade” (inciso IV) dado que decorrem exclusivamente da condição da concessionária de arrecadadora e repassadora de valores que são devidos a outrem e por ela apropriados exclusivamente em razão do aumento do mercado, sem que contribua, de qualquer modo, a eficiência ou competitividade da empresa.

E, como a própria Procuradoria Federal da ANEEL tem afirmado, um dos três objetivos fundamentais de um regime de regulação por incentivos (adotado pela ANEEL) é:

“Garantir a transferência integral aos consumidores dos ganhos de produtividade obtidos

na gestão do setor que possam ser produzidos durante o período tarifário que se inicia em

virtude de mudanças na escala do negócio e outras razões, não associadas a uma eficiência

da concessionária maior que a definida através dos ‘custos operacionais eficientes’ fixados

no reposicionamento tarifário”.

Onde estava, na metodologia anterior do reajuste, a transferência aos consumidores dos ganhos decorrentes da mudança de escala do negócio?

Deveras, tanto o princípio da modicidade quanto o da eficiência (moduladores da regulação por incentivos) impõem o oferecimento de um serviço menos oneroso possível para o consumidor. Com efeito, se até mesmo no regime

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privado de livre concorrência há exigência legal de distribuição de benefícios com os consumidores nos atos de restrição de concorrência (art. 54, §1º, II, Lei 8.884/94), com mais razão se impõe beneficiar os consumidores com ganhos das concessionárias que atuam em regime de monopólio de serviço público essencial, especialmente quando esses ganhos decorrem exclusivamente do crescimento do mercado, sem qualquer mérito delas em eficiência ou competitividade. Sem dúvida um tal ganho também não se justifica no interesse público. Assim, seja qual for a doutrina de regulação adotada pela Agência (da substituição do mercado ou do interesse público) os ganhos das concessionárias não encontram justificativa.

Tal apropriação é, pois, absolutamente injustificada e onera a tarifa, o que afronta o princípio positivado da modicidade tarifária e o correspondente direito dos usuários ao serviço adequado.

Estabelece o art. 6º, da Lei 8.987/95:Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, conti-nuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas

Na precisa lição de Marcos Juruena Villela Souto, “a modicidade das tarifas é a própria consequência do princípio da generalidade, por força do qual as tarifas devem ser o mínimo possível onerosas para os usuários”8.

Assim, sem que encontre justificativa no regime tarifário previsto em lei (especialmente na eficiência e competitividade da empresa ou nas demais hipóteses dos arts. 14 e 15 da Lei 9.427/96) e sem que por outra razão de interesse público (como a compensação para assegurar neutralidade à Parcela A) seja necessário, é ilegal e 8 in Direito Administrativo Regulatório, Ed. Lumen Juris, 2ª Ed, p. 220.

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afronta a razoabilidade metodologia da ANEEL que enseja ganhos à concessionária tornando as tarifas mais onerosas.

A propósito, convém transcrever argumentação desenvolvida no mesmo sentido pela SEFID-TCU na Instrução Técnica do Acórdão n. 1268/2010:

47. No entanto, as distorções que remuneram indevidamente as distribuidoras de energia elétrica derivam de itens de custo relacionados à Parcela A, em outras palavras, são oriundos de custos não relacionados ao serviço de distribuição de energia elétrica, cujo papel da empresa é de mero arrecadador e repassador.

48. Coletar encargos setoriais, como a Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica (TFSEE), ou outros itens não relacionados à distribuição de energia elétrica e repassá-los a quem lhes são de direito não faz parte do serviço concedido e, portanto, da sua álea ordinária.

(...)

53. Na regulação de serviço pelo preço, há apropriação de ganhos de eficiência empresarial e de competitividade, em harmonia com o art. 14, IV, da Lei no 9.427/96:

(...)

54. Entretanto, toda a análise realizada pelo TCU recaiu sobre as alterações de receita provenientes da Parcela A, que contém itens de custo não gerenciáveis pelas concessionárias, em especial os encargos setoriais. Ou seja, não há que se falar em ganhos de eficiência quando se tratam de itens não afetos ao negócio da empresa.(...) 55. Ora, para estes itens de custo, a empresa faz o papel de mero agente arrecadador de recursos que não são inerentes à sua atividade operacional. Portanto, não faz sentido admitir que eventual excesso na arrecadação desses recursos seja absorvido pelo concessionário em detrimento do consumidor.

(...)

58. Em resumo, o entendimento desta Unidade Técnica é que os ganhos de eficiência dentro de um ciclo tarifário, como os provenientes da redução de custos operacionais, devem ser repassados para as distribuidoras, em consonância com o modelo de serviço pelo preço e com as Leis no 8.987/95 e no 9.427/96. Entretanto, ganhos de escala que não derivam do incremento de eficiência da empresa, relacionados apenas a parcelas da receita na qual atua como agente arrecadador, devem ser integralmente repassados para os consumidores.

59. De forma que não repassar para os consumidores os ganhos de escala que não derivam do incremento de eficiência da empresa é ilegítimo e ilegal, pois vai de encontro ao disposto no art. 14, IV, da Lei no 9.427/96 e os princípios da modicidade tarifária e da eficiência positivados pelo art. 6º, § 1º da Lei nº 8.987/95.

Esses argumentos são suficientes, por si só, para caracterizar a ilegalidade da metodologia da ANEEL

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combatida nesta ação, sendo, pois, equivocada a premissa da Procuradoria Federal da ANEEL quando conclui que “Não há que se

falar em ilegalidade da metodologia de reajuste tarifário prevista no contrato de

concessão, uma vez que tal metodologia foi elaborada observando todos os contornos legais

impostos pelas Leis 8.987/95 e 9.427/96” (Parecer n. 1059/09-anexo 1).

2.2.2 – Da “neutralidade da Parcela A” como imposição da disciplina normativa da

política tarifária independente de qualquer alteração contratual

Em 2001, a Medida Provisória n. 2227 complementou a política tarifária da concessão do serviço público de energia elétrica para, excepcionando as regras do Plano Real, permitir a compensação das variações ocorridas entre os reajustes tarifários anuais de valores de itens da “Parcela A”. Lê-se no art. 1º (e único com conteúdo normativo) da Medida Provisória:

Art. 1º Não se aplicam as disposições dos §§ 1º e 3º do art. 2º da Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2001, a mecanismo de compensação das variações, ocorridas entre os reajustes tarifários anuais, de valores de itens da "Parcela A" previstos nos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica, a ser regulado, por proposta da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, em ato conjunto dos Ministros de Estado de Minas e Energia e da Fazenda.

Destinava-se a lei (no caso, a medida provisória) a assegurar neutralidade à Parcela A por meio de compensações em prazo menor de um ano (o que estava proibido pela Lei do Plano Real), estabelecendo um mecanismo de “compensação das variações de valores de itens da “Parcela A” que passou a ser previsto nos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica. Com efeito, como a Parcela A é composta elementos não-gerenciáveis pelas concessionárias, que não lhe servem de remuneração própria (devida pelo serviço prestado) dado que são repassados a terceiros (encargos setoriais, de transmissão e compra de energia), não poderiam elas ter perdas (em caso

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de redução do mercado consumidor) nem ganhos (em caso de aumento), ressalvados apenas, em atenção ao que se viu no tópico anterior, aqueles ganhos decorrentes de sua eficiência ou competitividade (art. 14, IV, Lei 9.427/96), como é o caso da contratação para compra de energia. Qualquer ganho ou perda da concessionária nos encargos setoriais e nos encargos de transmissão confrontava a neutralidade que deveria ser assegurada à Parcela A por força da MP 2227/2001.

A própria Procuradoria Federal da ANEEL afirmou, em sua contestação à ação civil pública proposta em Brasília pela PROTESTE – Associação de Defesa dos Consumidores, cuja causa de pedir é parcialmente coincidente com esta ação mas com pedido bastante diverso, ser “natural do regime de ‘serviço pelo preço’ que o risco da variação do mercado (risco da

demanda) seja da distribuidora. Entretanto, quanto aos custos não-gerenciáveis, a

distribuidora é mera arrecadadora. À distribuidora cabe assumir os riscos de seu negócio:

distribuição de energia, cujos custos são computados na ‘Parcela B’ e são por ela

gerenciáveis. Aos custos da ‘Parcela A’, o regime jurídico da CVA deve mitigar o ‘serviço

pelo preço’ e aproximar-se do ‘serviço pelo custo’ para assegurar a neutralidade sobre os

custos não gerenciáveis”

Como estabeleceu a espécie legislativa, tal mecanismo deveria ser regulado por ato normativo conjunto dos Ministros de Estado de Minas e Energia e da Fazenda após proposta da Agência. De fato, no regular exercício dessa competência, os referidos ministérios editaram a Portaria Conjunta n. 296/2001 e em seguida, a Portaria n. 25/2002( anexo 1), pela qual decidiram:

Art. 1º Criar, para efeito de cálculo da revisão ou do reajuste da tarifa de

fornecimento de energia elétrica, a Conta de Compensação de Variação de Valores de Itens da "Parcela A" – CVA destinada a registrar as

variações, ocorridas no período entre reajustes tarifários, dos valores dos seguintes itens de custo da "Parcela A", de que tratam os contratos de

concessão de distribuição de energia elétrica:

(…)

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Verifica-se, portanto, que o art. 1º da portaria identifica quais itens da Parcela serão compensados em razão da variação dos seus valores no interstício entre os reajustes. Já o art. 2º, abaixo transcrito, prevê o cálculo para a definição do salvo a ser compensado.

Art. 2º. O saldo da CVA é definido como o somatório das diferenças, positivas ou negativas, entre o valor do item na data do último reajuste tarifário da concessionária de distribuição de energia elétrica e o valor do referido item na data de pagamento, acrescida da respectiva remuneração financeira.

§ 1º A concessionária de distribuição de energia elétrica deverá contabilizar

o saldo relativo a cada item da CVA mencionado no art. 1º em conta

específica, para efeito de compensação no índice de reajuste tarifário

subsequente.

§ 2º A remuneração financeira de que trata o "caput" incidirá sobre o saldo

da CVA de cada item da "Parcela A" mencionado no art. 1º desde a data da

ocorrência de diferença no valor do item até a data de reajuste tarifário

contratual subsequente, e será calculada com base na taxa de juros SELIC

em igual período.

§ 3º Para fim de apuração do saldo da CVA, o valor do item de custo da

"Parcela A" na data de pagamento não poderá incluir multa e juros de mora.

Já o art. 3º dispõe sobre a forma de compensação do saldo apurado.

Art. 3º. O saldo da CVA deverá ser compensado nas tarifas de fornecimento de energia elétrica da concessionária nos 12 (doze) meses subsequentes à data de reajuste tarifário anual, sendo eventual diferença considerada no cálculo do reajuste tarifário seguinte.§ 1º Durante o período de que trata o "caput", o saldo da CVA não

compensado será remunerado com base na taxa de juros SELIC para o

período, até a data de sua efetiva compensação.

§ 2º Para efeito de cálculo da tarifa, a remuneração futura dos saldos da

CVA será calculada utilizando-se uma taxa de juros para o período de 12

(doze) meses subsequente à data do reajuste tarifário anual.

§ 3º A taxa de juros projetada de que trata o § 1º deste artigo será dada

pela menor taxa obtida na comparação entre a taxa média ajustada dos

financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de

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Custódia - SELIC para títulos públicos federais, divulgada pelo Banco

Central do Brasil, referente aos trinta dias anteriores à data de reajuste

tarifário anual, e a projeção de variação indicada no mercado futuro, trinta

dias antes da data de reajuste tarifário anual, da taxa média de depósitos

interfinanceiros negociados na Bolsa de Mercadorias e Futuros para prazo

de doze meses.

§ 4º No final do período que trata o "caput", verificar-se-á se o saldo da CVA foi efetivamente compensado, levando-se em consideração as variações ocorridas entre o mercado de energia elétrica utilizado na definição do reajuste tarifário da concessionária e o mercado verificado nos 12 (doze) meses da compensação, bem como a diferença

entre a taxa de juros projetada e a taxa de juros SELIC verificada, sendo

eventual diferença na compensação do saldo da CVA considerada no

reajuste tarifário anual subsequente.

Depreende-se, portanto, que a o cálculo de compensação da Parcela A é composto de três estágios, quais sejam:

(I) a definição dos valores dos itens sob os quais a concessionária não possui gerência e portanto são classificados como itens de custo da Parcela A;

(II) a verificação do saldo da variação dos itens não gerenciáveis ocorrida entre as datas de reajuste anuais, por meio da fórmula descrita no art. 2º; e

(III) a compensação do saldo apurado, como determinava a MPv 2227.

Ao final, ou seja, no momento da compensação do saldo apurado, última fase apresentada na Portaria 025/2002, como forma de verificar se o saldo foi efetivamente compensado, devem ser levadas em consideração as variações do mercado de energia elétrica utilizado na definição do reajuste tarifário, bem como os indicadores econômicos como a taxa de juros projetada e a taxa de juros SELIC. É neste momento que deve o órgão regulador (no caso a ANEEL) “olhar” para trás e verificar se conta realizada

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está zerada, o que materializaria a neutralidade prevista para os itens de custo da parcela A.

Esta questão foi abordada pela Assessoria Econômica do Ministério de Minas e Energia, na Nota Técnica n. 051/2009 (anexo 1), que assim se manifestou:

Neste ponto, é interessante notar que a Portaria indica que a efetiva compensação do saldo da CVA é função das variações do mercado das concessionárias e da taxa de juros real. No entanto, para que a referência às alterações de mercado produza efeito econômico é preciso que o mesmo seja considerado no saldo da CVA definido no art. 2º, caso contrário seria necessário reconhecer que os Ministérios da Fazenda e de Minas e Energia editaram uma norma desnecessária.Sendo assim, a ASSEC defende que, uma vez que o

processo de aplicação da CVA possui três

estágios: i) definição dos valores de

referência para a definição da tarifa de

fornecimento; ii) apuração de eventuais saldos

da CVA nos 12 meses seguintes e iii)

compensação do saldo acumulado por meio de

novas tarifas, a plena eficácia do terceiro

estágio depende da consideração do efeito da

variação do mercado no momento de apuração dos

saldos, ou seja, no segundo estágio.

A mesma portaria confere à ANEEL a competência de fiscalização e aprovação dos valores contabilizados na CVA (art. 4º) e o estabelecimento de normas complementares (art. 11) para a implementação da efetiva compensação dos valores dos itens não gerenciáveis da Parcela A, de modo a garantir a sua neutralidade, nestes termos:

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Art. 4º Fica a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL responsável

pela fiscalização e aprovação dos valores contabilizados na CVA, devendo

ser considerado para efeito de repasse às tarifas de energia elétrica das

concessionárias de distribuição o valor do saldo da CVA validado pela

fiscalização da ANEEL.

(...)

Art. 11. A ANEEL estabelecerá as normas complementares ao disposto

nesta Portaria.

A despeito da disciplina normativa acima transcrita, a ANEEL negou a possibilidade de proceder ela própria, por ato normativo, a correção da metodologia destinada a assegurar neutralidade à Parcela A fundada no estreito argumento de que a consideração das variações do mercado de energia elétrica só está prevista em um parágrafo do art. 3º e que, por isso, não poderia ser considerada na compensação que é disciplinada no art. 2º!

Uma tal posição – que privilegia um critério topológico em detrimento dos critérios sistemático da própria portaria e finalístico, em atenção à finalidade da MProv 2227/2001 e da Port. 25/2002 de assegurar a neutralidade da Parcela A – só é compreensível se analisada sob a perspectiva de que interpretar o contrário equivaleria a reconhecer falha da própria agência e dar ensejo à pretensão ressarcitória dos consumidores. Não pode, contudo, ser admitida.

Para refutar tal estreita interpretação, impõe-se analisar o quadro normativo antes transcrito à luz da solidamente fundamentada interpretação autêntica que os Ministérios das Minas e Energia e da Fazenda deram à Portaria n. 25/2002, considerado o que dispõe o art. 2º da Lei 9.427/96 (“A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL tem por finalidade

regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica,

em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal”). Por meio dessa interpretação ficará evidenciado o poder-dever da ANEEL

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de, por meio de sua disciplina normativa própria, assegurar na metodologia do reajuste tarifário, a necessária neutralidade da parcela A, considerando, inclusive, as variações de mercado.

Quanto à abrangência conferida pela Portaria Interministerial MME/MF n. 25/2002 e sobre a atuação administrativa da ANEEL, merecem transcrição inicialmente as conclusões da Assessoria Econômica e da Consultoria Jurídica ambos do Ministério de Minas e Energia.

Consta da Nota Técnica n. 051/2009 da ASSEC (anexo 1):

65. A ASSEC entende que a Portaria Interministerial MF/MME n. 25/2002, com sua redação atual, possui elementos suficientes para que seja assegurada a neutralidade econômica da CVA.66. Por outro lado, a metodologia atualmente empregada pela ANEEL para aplicação do mecanismos da CVA não assegura a referida neutralidade.67. A razão da possibilidade de ausência de

neutralidade ocorre em função da não consideração nas Resoluções Normativas dos efetivos da variação do mercado na apuração do saldo da CVA e da aplicação restritiva dos referidos efeitos no momento de compensação das diferenças acumuladas.”

Conclusões do Parecer CONJUR/MME n. 514/2009 (anexo 1):

71. Com base em tudo o que foi exposto,

conclui-se que:

i) a Portaria Interministerial MF/MME n. 25, de

2002, contempla instrumentos jurídicos para

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assegurar a neutralidade dos itens que compõe a

CVA e a modicidade tarifária, possibilitando,

na compensação do saldo da referida conta,

capturar as variações de mercado (interpretação

sistemática do §4º do art. 3º com os demais

dispositivos da norma), sendo desnecessária a

alteração da Portaria, para o fim perseguido; e

ii) a ANEEL, no uso de seu poder normativo, que

compreende o aprimoramento de sua

regulamentação diante de constatações advindas

com o passar do tempo, a respeito do

comportamento do mercado, pode, por meio de

novas Resoluções, conferir eficácia à

neutralidade dos itens que compõe a CVA, de

modo que eventuais oscilações, ocorridas no

interregno de reajuste tarifários, sejam

compensadas e não prejudiquem as empresas, nem,

tampouco, os usuários do serviço, tendo em

vista a modicidade tarifária.

Baseado nestas conclusões, o Secretário-Executivo do Ministério de Minas e Energia, por meio do ofício n. 1957/2009/MME (anexo 1), manifestou o seguinte entendimento:

As disposições vigentes são suficientes para que a ANEEL assegure a neutralidade econômica da aplicação da CVA. Esta conclusão se baseia mais especificamente

na combinação da identificação do saldo,

conforme preconiza o art. 2º da Portaria

Interministerial n. 25/2002, e a sistemática

estabelecida pelo art. 3º deste diploma, cujo

§4º deixa claro que a efetiva compensação

deverá ser verificada levando-se em

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consideração as variações ocorridas entre o

mercado de energia elétrica utilizado na

definição do reajuste tarifário da

concessionária e o mercado verificado nos 12

(doze) meses da compensação, em conformidade

com a Nota Técnica n. 51/2009 – ASSEC.

Adicionalmente, cabe ressaltar que o art. 11 da

referida Portaria também dispõe que a ANEEL

estabelecerá as normas complementares de suas

disposições, estando essa Agência amparada para

a implementação dos procedimentos pertinentes

para a garantia da neutralidade dos itens da

CVA que compõe a “Parcela A”.

Pelo exposto, informo que esta Secretaria-

Executiva entende não ser necessária a

adequação ou substituição da Portaria

Interministerial para o equacionamento da

questão, conforme sugerido nos itens i e ii, do

décimo parágrafo do Ofício n. 267/2008-

DR/ANEEL, cabendo a essa Agência a

implementação dos procedimentos necessários e

adequados para a solução do problema

apresentado.

O Ministério da Fazenda, por sua assessoria jurídica prestada de forma muito qualificada pela Procuradoria da Fazenda Nacional, ao enfrentar especificamente a interpretação restritiva que a ANEEL deu à Portaria n. 25/2002 para justificar sua omissão em disciplinar por ato normativo a metodologia de reajuste tarifário de modo a assegurar a necessária neutralidade da Parcela A, desenvolveu importante raciocínio jurídico, que corrobora a argumentação do Ministério das Minas e Energia e do Ministério Público Federal nesta ação. Por meio dele,

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reproduzido parcialmente a seguir, demonstrou que não havia discricionariedade da Agência quanto a corrigir ou não a falta de neutralidade e que deveria fazê-lo por ato normativo próprio à luz da disciplina legal da política tarifária e a modicidade tarifária:

17. Em busca da eficiência, a referida Portaria não delimita nem especifica os conceitos e di-retrizes a que alude, até porque não seria ra-zoável realizá-la no plano da Portaria, haja vista a necessidade de averiguação técnica e específica do influxo das condições variáveis existentes no mercado de energia elétrica.18. Na realidade, o art. 2° da Portaria Inter-ministerial MF/MME n° 25, de 2001, faz apenas alusão a conceitos precisáveis sobre a forma de apuração do saldo da CVA que, para serem opera-cionalizados, dependem de regulação em nível administrativo da ANEEL.19. Nesse ponto, impende destacar, por oportu-no, que a fiscalização e a aprovação dos valo-res contabilizados na CVA compete à ANEEL, que possui, ainda, a responsabilidade de estabele-cer as normas complementares para a plena apli-cação das diretrizes fixadas na Portaria Inter-ministerial MF/MME n° 25, de 2004, conforme previsto em seus arts. 4° e 11 (transcreve os artigos). ...23. No que concerne à função de regulação do setor elétrico, cabe lembrar que a ANEEL foi instituída exatamente com a finalidade de regu-lar e fiscalizar a produção, transmissão, dis-tribuição e comercialização de energia elétri-ca, tendo lhe sido conferida a incumbência de implementar as políticas e diretrizes do gover-no federal para a exploração da energia elétri-ca, expedindo os atos regulamentares necessári-os ao cumprimento das normas estabelecidas para outorga e prorrogações das concessões e per-missões de serviços públicos,conforme o previs-to nos arts. 2º e 3°, inciso I, da Lei 9.427, de 1996.24. Dessa forma, o aprimoramento da metodologia do cálculo do saldo da CVA sugerido na proposta da ANEEL, com inserção da variável referente ao crescimento de mercado, prescinde de alteração da Portaria Interministerial MF/MME n° 25, de 2004, podendo ser realizada, em verdade, pela

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ANEEL, no exercício do poder de regulação que lhe foi conferido pelos arts. 30 , incisos I e XIX, da Lei n° 9.427, de 1996, c/c art. 11 da referida Portaria.25. Embora seja inquestionável a competência da ANEEL para, após o levantamento dos dados do setor elétrico que indicaram a falta de neutra-lidade da "Parcela A", expedir norma técnica que regule as diretrizes metodológicas do cál-culo do saldo da CVA, convém consignar que essa delegação está sujeita aos princípios e às re-gras jurídicas existentes acerca do objeto de sua atuação controladora.26. Em verdade, trata-se de uma delegação com parâmetros em que a discricionariedade da ANEEL limita-se aos elementos técnicos da matéria. A propósito, cabe acentuar as precisa lições de José Santos Carvalho Filho., in Manual de Di-reito Administrativo, Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 200 ed, p. 51, sobre o assunto, in verbis:

"É o que o Direito americano denomina delegação com parâmetros (delegation with standards). Daí pode-se afirmar que a delegação só pode conter discricionarie-dade técnica. Trata-se de modelo atual do exercício do poder regulamentar, cuja característica básica não é simplesmente a de complementar a lei através de normas de conteúdo organizacional, mas sim de criar normas técnicas não contidas na lei, proporcionando, em con-seqüência, inovação no ordenamento jurídico. Por esse motivo, há estudiosos que o denominam de poder regula-dor para distingui-lo do poder regulamentador tradici-onal."

27. No cálculo do reajuste tarifário, em ob-servância ao princípio da legalidade, a criação das normas regulatórias pela ANEEL deve estar em consonância com as normas que disciplinam a política tarifária, em especial com os princí-pios da modicidade tarifária e do equilíbrio econômico -financeiro previstos nos arts. 6°, § 10, e 9º, §2°, da Lei n° 8.987, de 1995.28. A rigor, à luz das reflexões técnicas fei-tas pela ANEEL e SEAE, a inserção da compensa-ção das variações do mercado no cálculo as CVA repercute tanto no valor da tarifa cobrada do usuário quanto na preservação do equilíbrio econômico-financeiro na concessão de serviço público, haja vista que evita que a tarifa pro-picie uma remuneração desproporcional ao servi-ço prestado causando prejuízo seja para o usuá-rio do serviço público, seja para o concessio-nário.

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29. Em sua atividade de regulação e fiscaliza-ção do setor elétrico, a legislação confere à ANEEL os instrumentos necessários para insti-tuir as balizas técnicas das diretrizes fixadas para a apuração do saldo da CVA na Portaria In-terministerial MF/MME n° 25, de 2004, de modo que seja assegurada a neutralidade da "Parcela A", por meio da edição de normas técnicas fun-dadas nos princípios da modicidade tarifária e do equilíbrio econômico-financeiro e nas demais normas da política tarifária.30. Assentadas tais premissas, conclui-se que não há necessidade de alteração da Portaria In-terministerial MF/MME n° 25, de 2004, para in-corporar no cálculo do saldo da CVA a variável relativa ao crescimento de mercado, haja vista que o detalhamento técnico da forma de apuração do saldo da CVA deve ser feita pela ANEEL, no exercício de sua função de regulação, por meio de edição de norma técnica sobre o assunto. É, pois, falsa a premissa em que se esteia o

Parecer n. 1059/2009, da Procuradoria Federal da ANEEL, de que “a atual legislação não prevê a possibilidade de a ANEEL, quando do cálculo do saldo

da Conta de Variação de Itens da Parcela A – CVA, capturar as variações de mercado”.

Também não é verdadeiro afirmar que a alteração dependia da alteração contratual, do contrário não teria a própria agência, inicialmente, indicado como solução a alteração, unilateral, da Portaria n. 25/2002.

Deveria a Agência ter “capturado as variações do mercado” em sua metodologia, por imposição do arcabouço normativo da matéria como mera decorrência da necessidade – reconhecida pela própria ANEEL – de, à luz do regramento legal da matéria (exposto anteriormente), assegurar neutralidade da Parcela A, especialmente nos encargos setoriais e de transmissão, componentes da tarifa de energia elétrica que não constituem receita própria (pelo serviço) mas de terceiros e cujos ganhos excedentes não se justificavam por não serem decorrentes de eficiência ou competitividade da concessionária.

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Oportuno registrar aqui que, mesmo nos raros casos em que a falta de neutralidade prejudicava a concessionária (sempre que ocorresse diminuição da energia distribuída, i.e, redução do mercado), e que muito dificilmente se aplicam à CELTINS dado o crescimento da economia tocantinense,o excedente não era, pela sistemática de transferência, apropriado pelos consumidores mas pelos destinatários dos encargos setoriais ou de transmissão. De qualquer forma, eventuais efeitos negativos dependem de informações detidas pela ANEEL e pelas concessionárias e negadas aos consumidores.

Num tal contexto, é gravemente afrontoso à política tarifária estabelecida em lei, ao regime legal pátrio das concessões de serviços públicos de energia elétrica e à própria estrutura do sistema que a ANEEL se insurja contra a interpretação dada pelos Ministérios das Minas e Energia e da Fazenda à portaria por ele expedida, tanto mais para adotar posição que restringiu direitos dos consumidores afrontando o princípio da modicidade tarifária. A ANEEL ilegalmente, porque afrontando a política tarifária estabelecida nos artigos antes transcritos da Lei 9.427/96 e na Medida Provisória n. 2.227/2001 e o princípio da modicidade tarifária, e contrariando a interpretação autêntica solidamente fundamentada da Portaria n. 25/2002, decidiu corrigir a falha apenas parcialmente por alteração contratual e, com isso, dificultou o ressarcimento dos consumidores.

Forçoso concluir, assim, que a “neutralidade da Parcela A” no cálculo do reajuste tarifário, que evitaria os ganhos indevidos da concessionária, não dependia de alteração contratual, dado que decorria da disciplina normativa editada para regulamentar a MPv n.

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2227/2001, mais especificamente da Portaria MME/MF n. 25/2002. Por consequência, é incorreto concluir que tais ganhos estavam previstos no contrato ou nele encontravam seu fundamento de legitimidade.

Prova o afirmado o fato de que a fórmula para-métrica do contrato de concessão, que será analisada no próximo tópico, não foi alterada no termo aditivo adotado pela ANEEL como padrão. Nele, a neutralidade da Parcela A foi assegurada nos seguintes termos, incluídos na cláusula Décima Oitava:

Subcláusula Décima-Oitava - Fica assegurada à CONCESSIONÁRIA, nos

processos de revisão e reajuste tarifário, a neutralidade dos Encargos

Setoriais da “Parcela A” com relação à variação de mercado que vier a

ocorrer a partir de fevereiro de 2010, correspondente aos seguintes custos:

Reserva Global de Reversão - RGR; Conta de Consumo de Combustíveis -

CCC; Conta de Desenvolvimento Energético . CDE; Programa de Incentivo

às Fontes Alternativas de Energia Elétrica PROINFA; Encargo de Serviços

do Sistema - ESS; Encargo de Energia de Reserva - EER; Taxa de

Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica - TFSEE; contribuição ao

Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS; e Compensação Financeira

pela Utilização de Recursos Hídricos — CFURH, consideradas as

diferenças mensais apuradas entre os valores faturados de cada tem no

período de referência e os respectivos valores contemplados no reajuste ou

revisão tarifária anterior, devidamente remuneradas com base no mesmo

índice utilizado na apuração do saldo da Conta de Compensação de

Variação de Valores de Itens da “Parcela A” - CVA.

Uma tal disposição, cerne da alteração contratual promovida pelo aditivo, de caráter conceitual e hermenêutico, à evidência e como afirmaram os Ministérios das Minas e Energia e da Fazenda, é própria de ato normativo e estava implícita na Portaria n. 25/2002, pelo que bastaria uma resolução da ANEEL para discipliná-la. É, de fato, imponderável a suposição de que seria necessária uma cláusula no contrato, diante de todo o arcabouço normativo antes referido, para estabelecer que “Fica

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assegurada à Concessionária, nos processos de revisão e

reajuste tarifário, a neutralidade dos Encargos Setoriais

da Parcela A com relação à variação de mercado que vier a

ocorrer a partir de fevereiro de 2010”.

Poderia depender de uma alteração contratual a modificação da fórmula paramétrica segundo a qual, no contrato de concessão, se calcula a Parcela B. Essa era a proposta original apresentada pela Nota Técnica 366/09. Mantida intocada a fórmula, contudo, só para assegurar neutralidade à Parcela A era, como demonstrado, absolutamente desnecessária a alteração contratual.

2.2.3 – Do configuração do equilíbrio econômico-financeiro da concessão a partir da necessária conjugação da fórmula paramétrica constante do contrato de concessão com o arcabouço normativo que disciplina a respectiva política tarifária, o reajuste tarifário, a revisão e a neutralidade da Parcela A

Pautando-se exclusivamente no que dispõe o art. 10 da Lei 8.987/959, a Procuradoria Federal da ANEEL e a respectiva Superintendência de Regulação Econômica têm sustentado que todo o equilíbrio econômico-financeiro da concessão estava disciplinado no respectivo contrato e, mais restritivamente ainda, na fórmula paramétrica que ele prevê, pelo que haveria quebra desse equilíbrio se a neutralidade da Parcela A fosse assegurada por outra via que não a da alteração contratual.

Esse entendimento confronta, evidentemente, com a proposta inicial da própria ANEEL de assegurar tal neutralidade por meio de alteração da Portaria MF/MME n.

9 Art. 10. Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro.

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25/2002. De outra parte, a fórmula paramétrica, como visto, restou inalterada.

Na verdade, como demonstrará o Ministério Público Federal, o equilíbrio econômico-financeiro, um valor de alta relevância no regime jurídico das concessões públicas, bem ao contrário do que sustenta a Agência, é estabelecido na combinação do contrato com o arcabouço jurídico da política tarifária, pelo que, justamente para sua preservação tinha a Agência o dever de ter adotado uma metodologia que assegurasse a necessária neutralidade à Parcela A.

Falha a agência, mais uma vez, por desconsiderar o sistema normativo que disciplina a política tarifária.

A “fórmula paramétrica” que define o Reajuste Tarifário, constante da cláusula sétima do contrato de concessão da RGE, é a seguinte10:

IRT = VPA1 + VPB0 x (IVI +-X) RA

Onde:VPA1 - Valor da Parcela A referido na Quarta Subcláusula da presente Cláusula, considerando-se as condições vigentes na data do reajuste em processamento e a energia comprada em função do Mercado de Referência, aqui entendido como mercado de energia garantida da concessionária, nos doze meses anteriores ao reajuste em processamento.RA0 - Receita Anual, calculada considerando-se as tarifas vigentes na “Data de Referência Anterior” e o “Mercado de Referência”, não incluindo o ICMS.VPB0 - Valor da Parcela B, referida na Quarta Subcláusula, considerando-se as condições vigentes na “Data de Referência Anterior”, e o “Mercado de Referência”, calculado da seguinte forma:

VPB0 = RA0 – VPA0Onde:VPA0 - Valor da Parcela A referida na Quarta Subcláusula, considerando-se as condições vigentes na “Data de Referência Anterior” e a energia comprada em função do “Mercado de Referência”.

10A explicação dessa fórmula paramétrica é mais claramente dada pela SEFID-TCU nas transcrições constantes do tópico 1.1 desta ação, especificamente nos itens 25 a 30.

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IVI - Número índice obtido pela divisão dos índices do IGPM da Fundação Getúlio Vargas, ou do índice que vier a sucedê-lo, do mês anterior à data do reajuste em processamento e o do mês anterior à “Data de Referência Anterior”. Na hipótese de não haver um índice sucedâneo, o PODER CONCEDENTE estabelecerá novo índice a ser adotado.X - Número índice definido pelo PODER CONCEDENTE, de acordo com a Sétima Subcláusula desta Cláusula, a ser subtraído ou acrescido ao IVI.

A cláusula e a fórmula, que já referiam a consideração do mercado, não foram alteradas em sua essência no termo aditivo, dado que as informações que foram acrescidas nessa cláusula, por meio do termo aditivo, ou reproduziram a prática já adotada ou explicitaram o conteúdo da Portaria n. 25/2002 já referida.

Deveras, conforme ficou demonstrado no item an-terior, a falha metodológica não se encontrava na fórmula paramétrica em si, mas na equivocada valoração dos seus componen-

tes pela Agência. A metodologia da neutralidade da “Parcela A” nunca esteve prevista apenas no contrato de concessão, ha-vendo várias resoluções da ANEEL que a disciplinam. Apenas para citar um exemplo, veja-se a Res. ANEEL n. 339/2002 (Outros5), que “Estabelece os procedimentos para registro contábil dos valores relativos a aquisição de energia elé-trica e a contratação de capacidade de geração ou potência pela Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica Emer-gencial – CBEE, a variação de valores de itens da Parcela “A” e de compra de energia no âmbito do MAE”. Na verdade, a disciplina de cálculo da CVA (Compensação de Valores da Parcela A) sempre foi dada pela Portaria n. 25/2002 e por resoluções da ANEEL justamente para se assegurar a neutra-lidade da Parcela A sem que se vislumbrasse a necessidade de alteração contratual. Mesmo a nova disposição contratual (o termo aditivo) não prescinde da disciplina normativa.

Quanto à referência da ANEEL ao art. 10 da Lei de Concessões impende atentar ao ensinamento de Toshio

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Mukai, que observa que o dispositivo “traz disposição confusa” e “só tem razão de ser na medida em que se subentenda que o contrato observa os artigos do Capítulo IV da Lei e que, por isso, haverá, sempre, de preservar-se o seu equilíbrio financeiro”11.

Com efeito, basta analisar o referido Capítulo da Lei 8.987/95 para perceber a impropriedade de se restringir o equilíbrio econômico-financeiro ao que dispõe o contrato. Lê-se no art. 9º:

Art. 9o A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.§ 1o A tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário.§ 2o Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro.

Paralelamente à disciplina da Lei 8.987/95, nos serviços públicos de energia elétrica deve-se também considerar a disciplina específica antes analisada (arts. 14 e 15 da Lei 9.427/96 e MPv n.2227/2001.

Não se trata, pois, de negar a condição ao contrato de ato jurídico perfeito, mas tão-somente de explicitar que a disciplina do regime tarifário, mesmo no que respeita ao equilíbrio econômico financeiro, não é dada exclusivamente por ele.

Nesse sentido, a sólida argumentação da SEFID-TCU em instrução técnica elaborada em novembro de 2009, no autos do Processo TC-021.975/2007-0:

32. Como já foi explicado, as distorções apontadas não são ocasionadas simplesmente pela fórmula contratual do reajuste, mas pela forma como está constituído todo o arcabouço metodológico de reposição tarifária.33. Realmente os contratos de concessão são atos jurídicos perfeitos e não há que se falar em ilegalidades destes instrumentos. A ilegalidade reside na forma como a Agência aplica os mecanismos de atualização tarifária previstos no contrato de concessão: revisão, reajuste e CVA.

11 In Concessões, permissões e privatizações de serviços públicos, 5ª Ed, revista e atualizada, Saraiva, p. 32

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34. Na fl . 20 do Anexo 3,a Aneel se apoia no art. 10 da Lei no 8.987/95 para afirmar que não existe desequilíbrio econômico-financeiro, dado que a fórmula paramétrica presente no contrato de concessão é aplicada regularmente, dizendo, assim, que as condições do contrato estão mantidas. Para analisar este ponto, vejamos o que dizem as subcláusulas da Cláusula Sétima do Contrato de Concessão da Celpe12.

"Subcláusula Segunda - A CONCESSIONÁRIA reconhece que as tarifas indicada no Anexo 11, em conjunto com as regras de reajuste e revisão a seguir descritas, são suficientes, nesta data, para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro deste Contrato.”

35. As referidas regras de reajuste e revisão, conjuntamente, mantém o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Ou seja existe um arcabouço metodológico cuja competência é executar esta tarefa. Contudo, o contrato de concessão define apenas uma das metodologias que compõem esse conjunto, nas Subcláusulas Quinta e Sexta, deixando a formação dos procedimentos de revisão a serem desenvolvidos em um segundo momento pela Aneel, como se pode depreender da Subcláusula Sétima.

"Subcláusula Sétima - A Aneel, de acordo com o cronograma apresentado nesta Subcláusula, procederá às revisões dos valores das tarifas de comercialização de enema elétrica, alterando-os para mais ou para menos, considerando as alterações na estrutura de custos e de mercado da CONCESSIONÁRIA, os níveis de tarifas observados em empresas similares no contexto nacional e internacional, os estímulos à eficiência e à modicidade das tarifas. Estas revisões obedecerão ao seguinte cronograma: a primeira revisão será procedida um ano após o quarto reajuste anual concedido, conforme previsto no Subcláusula Terceira, a partir desta primeira revisão, as subseqüentes serão realizadas a cada 4 (quatro) anos. "(grifos nossos)

36. Dessa forma, o ente regulador deve criar uma metodologia de revisão capaz de capturar as alterações nas estruturas de custo e de mercado da concessionária estimulando a eficiência e à modicidade das tarifas. Ou seja, o equilíbrio do contrato só é mantido quando as regras de reajuste e revisão, conjuntamente, atuam de forma eficiente.37. Adicionalmente, as referidas regras de revisão vão além do processo quadrianual conduzido pela Agência, podendo ser instaurada a qualquer tempo, visando manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, como é possível constatar pela leitura da Subcláusula Nona:

"Subcláusula Nona - A Aneel poderá, a qualquer tempo, proceder à revisão das tarifas, visando a manter o equilíbrio deste Contrato sem prejuízo dos reajustes e revisões a que se referem as Subcláusulas anteriores desta Cláusula, caso hajam alterações significativas nos custos da CONCESSIONÁRIA, incluindo as modificações de tarifas de compra de energia elétrica e encargos de usa das instalações de transmissão e distribuição de energia elétrica que possam ser aprovadas pela Aneel durante o período, por solicitação desta, devidamente comprovada.”

38. Soma-se ainda aos processos de revisão e de reajuste, o mecanismo de variação de valores dos itens da Parcela A. denominado CVA, previsto nos contratos de concessão e disciplinado pela Portaria Interministerial n°025/02 e n° 361/04, dos Ministros de Estado de Minas e Energia e da Fazenda, com o intuito de capturar distorções de itens da referida parcela da receita das concessionárias de distribuição de energia elétrica.39.Conclui-se que o equilíbrio econômico-financeiro não é alcançado pela mera aplicação da fórmula paramétrica de reajuste

12 Disposições idênticas às referidas na transcrição constam do contrato de concessão da RGE.

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do contrato, mas com a utilização harmônica de todos os mecanismos de reposição tarifária existentes (reajuste, revisão e CVA), mecanismos que, atualmente, revelam-se ineficientes na manutenção deste equilíbrio, como já foi demonstrado por esta Unidade Técnica e reconhecido pela Aneel.”

Cabe, ainda, outra transcrição da apreciação jurídica da matéria pela SEFID-TCU, constante da Instrução Normativa datada de 07 de abril do corrente ano:

65. Ora, se por hipótese a fórmula paramétrica do reajuste fosse, por si só, suficiente para garantir o equilíbrio do contrato, esses outros mecanismos não existiriam – nesse caso, bastaria aplicar as fórmulas matemáticas presentes no contrato para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da concessão, tornando desnecessária a atuação da agência reguladora.66. Enfim, o que está em discussão nesse processo não é a definição da metodologia ideal para resolver o problema da falta de neutralidade da Parcela A, mas a falha regulatória existente que permite transferir para a concessionária ganhos de escala não advindos de sua operação.

Demais, como a própria Procuradoria Federal da ANEEL já afirmou na contestação à ação civil pública proposta pela PROTESTE, “A fixação inicial do equilíbrio econômico-

financeiro do contrato se dá na data da sua assinatura, para que, com o

passar do tempo, situações fáticas não alterem a equação acertada

inicialmente, os contratos de concessão prevêem os mecanismos de reajuste

tarifário e de revisão tarifária (ordinária e extraordinária) que possibilitam a

fixação dos novos índices máximos que vigorarão para os próximos anos”. É esse o entendimento que se deve dar ao art. 10 da Lei 8.987/95 quando refere a manutenção das “condições do contrato”, ou seja, a manutenção da equação acertada inicialmente. Ocorre que a apropriação indevida contestada nesta ação era, na verdade, uma situação que alterava a equação acertada inicialmente no contrato e nas revisões tarifárias, distorcendo a equação econômico-financeira a favor da concessionária.

Por fim, como leciona Marcos Juruena Villela Souto tratando de assunto similar relacionado à

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configuração tarifária da energia elétrica, deve-se distinguir o tratamento da equação econômica no que respeita à receita própria, aquela destinada ao ressarcimento dos custos do concessionário na prestação do serviço, daquela da receita transferida, repassada a Eletrobrás para geração, transporte e reservas (caso dos encargos setoriais e de transmissão):

“Ao discriminar a figura da ‘receita de transferência’, a autoridade

administrativa agiu dentro do seu poder normativo e de controle do serviço

público, não invadindo — ao menos no ato geral — renda ou lucro da

concessionária, que são objeto de preservação através de equação financeira

inalterável unilateralmente (por decreto ou ato administrativo); não se criou

ou modificou a política tarifária — matéria de lei — mas tão-somente

regulamentou-se a execução tarifária, como parte do funcionamento do

serviço sistematizado, com vistas a tornar menos moroso o repasse de

custeio do mesmo. O objetivo é recuperar as tarifas públicas, reduzindo o

sacrifício do erário, que há tempos vem-nas subsidiando.

O lucro é extraído, exatamente, naquilo que se definiu como receita própria.

O restante, receita de transferência, é custeio do sistema, que era interligado

sob coordenação da ELETROBRÁS a ser transferido para o Operador — não

é lucro nem renda da concessionária, não estando, pois, abrigada na equação

econômica”13.

Sob tal perspectiva doutrinária, em se tratando dos encargos setoriais e de transmissão o único direito da concessionária seria, justamente, a neutralidade, que é, ela própria, inerente à ideia do equilíbrio econômico financeiro da concessão.

2.2.4 – Da quebra do equilíbrio econômico-financeiro da concessão em benefício da CELTINS e em detrimento dos seus usuários-consumidores

Como decorrência do quanto sustentado no tópico anterior, fica evidenciado que, na verdade, a falta de 13 Direito Administrativo das Concessões, Lumen Juris, 5ª Ed, 2004, p. 81.

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neutralidade da Parcela A ocasionada pela metodologia da ANEEL determinou a quebra do equilíbrio econômico-financeiro, fazendo-o em prejuízo dos consumidores sempre que verificado crescimento da demanda (segundo estimativas da agência, cerca de 90% dos casos) e em prejuízo das concessionárias cujo mercado encolheu no período de vigência do reajuste. O Ministério Público Federal só não conseguiu apresentar nesta inicial o real impacto dessa falta de neutralidade em relação à CELTINS em razão da disponibilização das informações por parte da agência. Considerando, contudo, a pujança da economia brasileira e o crescimento econômico do Estado do Tocantins é absolutamente improvável que tenha havido redução da energia distribuída ao longo dos últimos oito anos.

Nesse contexto, importante fixar que a metodologia de revisão tarifária tem por finalidade fixar, para os reajustes que se seguem, uma tarifa justa e a repartição dos ganhos com os consumidores, como consta do contrato e da disciplina normativa respectiva. Pois bem, com a falta de neutralidade da Parcela A, o que se verifica é, ano a ano após a revisão, um acréscimo injustificado na Parcela B que foi, progressivamente, alterando a equação inicial do contrato ou da revisão tarifária, ocasionando ganhos da concessionária que desequilibraram a equação justa calculada em cada revisão.

O equilíbrio econômico-financeiro, por decorrência de sua própria semântica, não pode beneficiar apenas um dos lados, tanto mais quando se trata do lado hipersuficiente da relação jurídica entre quem paga (o consumidor) e quem recebe (a concessionária).

2.3. Do direito dos usuários e consumidores a ressarcimento ou outra forma de compensação dos valores indevidamente

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apropriados pela concessionária desde 2002 como decorrência da ilegalidade da metodologia

Da ilegalidade da metodologia de reajuste tarifário adotada pela ANEEL desde 2002, demonstrada no tópico anterior, exsurge, pela legislação vigente, o direito dos usuários e consumidores da CELTINS ao devido ressarcimento ou compensação dos valores pagos indevidamente.

Assim, em razão do princípio geral de direito que dispõem os arts. 876 e 884 do Código Civil e 42 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a

restituir;...

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem,

será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos

valores monetários.”

“Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será

exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento

ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à

repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso,

acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano

justificável.”

2.4 – Das ilegalidades subsistentes após o termo aditivo do contrato de concessão e sua repercussão para os reajustes anuais de 2010 e 2011 e a necessária correção para o reajuste de 2012- tutela inibitória

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Sem dúvida, o termo aditivo ao contrato de concessão assinado pelas rés significou um importante avanço em direção à correção das ilegalidades apontadas referentes à falta de neutralidade da Parcela A, uma vez que assegurou essa neutralidade quanto aos encargos setoriais. Deveras, a subcláusula décima oitava, acrescida ao contrato de concessão da CELTINS por termo aditivo firmado pela concessionária Ré e pela ANEEL para corrigir o problema, assim dispõe:

Subcláusula Décima-Oitava: Fica assegurada à CONCESSIONÁRIA, nos processos de revisão e reajuste

tarifário, a neutralidade dos Encargos Setoriais da “Parcela A” com relação à variação de mercado que vier a ocorrer a

partir de fevereiro de 2010 (...)

A restrição do alcance da correção constante da parte final da subcláusula transcrita consta também da cláusula quarta das Disposições Gerais:

“Cláusula Quarta. As alterações efetuadas neste aditivo serão

implementadas a partir do primeiro reajuste ou revisão tarifária

realizado em 2010, com efeitos a partir de fevereiro de 2010,

preservando-se integralmente os efeitos da disciplina

anteriormente vigente.”

Note-se que “preservar integralmente os efeitos da disciplina anteriormente vigente” é preservar a falta de neutralidade da Parcela A que a própria ANEEL pretendeu combater.

De se destacar que a fixação de fevereiro de 2010 foi adotada para todos os contratos de concessão, tenham eles sido assinados em fevereiro ou não, de modo que não guardou qualquer relação com a data de assinatura do contrato ou com alguma preocupação quanto a sua irretroatividade. Foi, como ficará demonstrado, uma opção

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discricionária da Agência “para assegurar isonomia entre as concessionárias”. Esse motivo determinante, contudo, não se coaduna com a correção de uma ilegalidade nem se justifica ante a sistemática ordinária do reajuste tarifário.

Remanesceram no termo aditivo, assim, com efeitos no reajuste do ano de 2010 e no ano de 2011, duas ilegalidades:

1) a falta de neutralidade dos denominados encargos de transmissão, que como os encargos setoriais não constituem remuneração própria da concessionária pelo serviço, atuando esta como mera arrecadadora e repassadora, e até que a Res. ANEEL n. 399, de 23/04/2010 começasse a produzir seus efeitos(a partir de 2011,) não estavam sujeitos ao risco do negócio, não podendo a concessionária, portanto, apropriar-se de ganhos decorrentes exclusivamente do aumento do mercado, dado que não decorrentes de sua eficiência ou competitividade, como continuou acontecendo nos reajustes anuais de 2010 e 2011. Nesse ponto, destaca-se a necessidade de se afastar,definitivamente, essa ilegalidade para o o reajuste de 2012.

2) a limitação de seus efeitos temporais a fevereiro de 2010, tornando apenas parcial a correção para o reajuste tarifário de 2010.

É destas ilegalidades que tratará o Ministério Público Federal nos próximos itens.

2.4.1 – Falta de neutralidade da Parcela A quanto aos encargos de transmissão

Impunha-se à ANEEL conferir, nos últimos reajustes autorizados a CELTINS, o mesmo tratamento que foi dado aos encargos setoriais aos encargos de transmissão. Senão vejamos.

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A Resolução n. 281/1999, editada pela ANEEL(anexo 1) para disciplinar as condições gerais de contratação do uso e da conexão aos sistemas de transmissão de energia elétrica, e cujo regramento ainda disciplinou os últimos reajustes contratuais(em todo e em parte), não impunha às concessionárias os riscos econômicos do gerenciamento não eficiente de respectiva contratação, repassando para os consumidores eventuais ônus da má gestão. Essa situação só foi corrigida recentemente pela Res. 399/2010 (anexo 1) cujos efeitos, contudo, não foram aproveitados pelos últimos reajustes.

Aquela resolução instituía penalidades apenas para as concessionárias que ultrapassassem o montante contratado(art. 15), nada dispondo sobre eventual subutilização do sistema. Previa, ainda, que caberia a todos os usuários arcar com os encargos de uso do sistema de transmissão (art. 14). Dessa forma, a regulamentação existente induzia as concessionárias a contratar montante maior que o necessário.

O art. 15 da resolução, antes de sua alteração promovida em 23/04/2010, mediante a edição da Resolução n. 399/2010 (mais adiante referida), tinha a seguinte redação:

Art. 15 Será aplicada a parcela do uso dos sistemas de transmissão ou de distribuição superior ao montante contratado por ponto de conexão, a título de penalidade, uma tarifa de ultrapassagem de valor igual a três vezes a tarifa de uso estabelecida para cada período, quando se verificar ultrapassagem superior a cinco por cento do montante contratado.

Ao não prever nenhuma penalidade sobre os casos de sobrecontratação, permitindo que todo o valor seja repassado à tarifa como componente não-gerenciável(como são os “encargos de transmissão”), a ANEEL retirou das concessionárias todos os riscos relacionados ao uso do sistema de transmissão. As empresas poderiam celebrar contratos para utilização de montante muito superior que o necessário,pois não precisariam arcar com o ônus do excesso

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disponível, repassando os custos para os consumidores. Inexistindo risco gerencial para as concessionárias quanto aos encargos de transmissão, eventual ganho proveniente do crescimento do mercado nesse tópico não pode ser classificado como atribuível à eficiência ou competitividade da empresa (art. 14, IV, da Lei 9.427/96).

Foi a própria ANEEL que identificou os problemas acima narrados. Nos autos do processo administrativo n. 48500.004626/2009-27, a Superintendência de Regulação dos Serviços de Transmissão, na Nota Técnica n. 091/2009 (anexo 1), manifestou que:

93. Atualmente existe sinal econômico dado a distribuidoras quanto à questão da ultrapassagem de demanda dos pontos com contrato junto à Rede Básica. Caso exista ultrapassagem em até 5 ou 10% da demanda, não existe cobrança de ultrapassagem, e a distribuidora pode repassar o custo do serviço de transmissão ao usuário. Caso exista ultrapassagem faturada por tarifa de ultrapassagem, a distribuidora não pode repassar ao seu mercado o custo dessa ultrapassagem, arcando com a mesma. Além disso, existe a possibilidade de não se cobrar ultrapassagem quando remanejamentos de carga em situação de emergência levarem a carregamentos superiores ao previsto em regime normal de operação.94. No entanto, não existe uma regulamentação para quando a distribuidora contrata demandas excessivas em pontos junto à Rede Básica. Como resultado da ausência de sinal econômico, em alguns casos as distribuidoras podem estar contratando valores de MUST acima da demanda máxima verificada.

Esse posicionamento foi acolhido pelo Diretor da ANEEL José Guilherme Silva Menezes Senna, no voto proferido nos autos do referido processo administrativo e que resultou na Res. 399/2010( anexo 1), ressaltando que:

29. Atualmente existe sinal econômico dado a distribuidoras quanto à questão da ultrapassagem de demanda dos pontos com contrato junto à Rede Básica. No entanto, não existe regulamentação que discipline limites de contratação dos montantes de uso dos sistemas de transmissão pelas distribuidoras em pontos junto à Rede Básica, o que pode resultar na contratação de MUST acima da demanda máxima verificada, implicando no sobredimensionamento das instalações de transmissão com consequente ociosidade no seu uso.(...)31. Assim, nos casos em que a contratação de uso, por ponto de conexão, exceder 15% do valor máximo anual medido, os respectivos

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encargos excedentes não devem ser repassados para as tarifas de distribuição. Casos excepcionais deverão ser justificados e submetidos à análise e aprovação de repasse pela ANEEL.

A partir destas constatações e após a realização da Audiência Pública n. 045/2009, a ANEEL editou a Resolução n. 399, de 13 de abril de 2010, regulamentando a contratação do uso do sistema de transmissão. Aparentemente, esta resolução induzirá eficiência da empresa no item, ao prever que o ONS (Operador Nacional do Sistema) passará a contabilizar a eficiência da contração de uso do sistema de transmissão(art. 16),analisando eventuais ultrapassagens na utilização do montante contratado(inciso I) e sobrecontratação de demanda (inciso II). A concessionária terá, então, que estimar contratações próximas da sua efetiva necessidade, o que supõe eficiência e, em razão do inc. IV do art. 14 da Lei 9.427/96, autoriza que se aproprie dos eventuais ganhos auferidos por aumento do mercado, pois terá, no mínimo, o risco de prevê-lo.

Ocorre que, por disposição expressa da resolução, as parcelas de ineficiência de contratação previstas no art. 16 somente serão apuradas a partir de 1º de janeiro de 2011 (§2º do art. 21). Mesmo que produzisse efeitos antes, não impactaria o cálculo do reajuste, uma vez que a sistemática que interessa à neutralidade da Parcela A considera os doze meses anteriores ao cálculo.

Resta claro, pela leitura dos dispositivos contidos na Resolução n. 281/1999 e pela posição externada pela própria ANEEL ao fundamentar a necessidade de sua alteração, que as concessionárias não assumiam os riscos da contratação a maior dos encargos de transmissão e que a modificação proposta pela Agência Reguladora somente produzirá efeitos a partir de 2011. Assim, os critérios utilizados pela ANEEL para a homologação do reajuste tarifário da CELTINS do ano de 2010 e de 2011(uma vez que o

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cálculo da Parcela A leva em consideração os doze meses anteriores ao cálculo, abrangendo, assim, lapso temporal não acobertado pela nova regulamentação) ainda permitem que a concessionária obtenha ganhos que a própria ANEEL entende indevidos (ou “indesejáveis” no eufemismo que adota para descrever as falhas de sua metodologia).

Assim,de fácil percepção, após uma simples análise dos cálculos dos reajustes tarifários autorizados pela ANEEL para CELTINS nos anos de 2010 e 2011( doc. 01, cd na pág. 78), que não foi considerada a neutralidade dos encargos de Transmissão.

Sabe-se que a ANEEL justificou sua posição com base na natureza (rectius base) contratual dos encargos de transmissão, a exemplo do que ocorre com a compra de energia.

Nesse diapasão, importante transcrever a resposta da agência no âmbito do Inquérito Civil Público 180/2009,instaurado pela Procuradoria da República do Rio Grande do Sul, que aborda idêntica situação, por intermédio do ofício 368/2010,nestes termos:

Outro questionamento realizado por esse Órgão Ministerial refere-se

às razões técnicas que levaram a Agência a restringir, nos termos

aditivos propostos às concessionárias, a previsão de neutralidade

apenas aos encargos setoriais. Neste ponto, vale destacar a

manifestação jurídica emitida no Parecer n. 37/2010-PGE/ANEEL, da

Procuradoria Geral da ANEEL, no qual foi manifestado o entendimento

de que os encargos de conexão às redes de transmissão equiparam-

se aos encargos de uso das redes de transmissão e à compra de

energia elétrica, e não aos encargos setoriais. Explica-se:

O encargos de conexão às redes de transmissão, apesar de integrar a

parcela A da receita das concessionárias, possui natureza contratual,

contraprestacional. Nesse sentido, observe-se que a Lei n. 9.648, de 27

de maio de 1998, inaugurou a livre negociação de energia elétrica, ainda

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que sua implementação estivesse prevista para ocorrer gradualmente, e

dissocio a comercialização de energia elétrica do acesso e do uso dos

sistemas de transmissão e de distribuição.

Deste modo, dos dispositivos legais acima indicados, pode-se extrair que

o acesso e uso das instalações de transmissão e de distribuição são

serviços públicos prestados por concessionárias e são remunerados por

preços regulados, ou seja, por tarifa. A remuneração do acesso e do uso

dos sistemas de transmissão e de distribuição, portanto, tem causa

contratual e os custos variam com o aumento ou redução do mercado.

A base contratual dos encargos de transmissão foi, assim, tomada como motivo determinante para não assegurar neutralidade da Parcela A no que se refere a esses encargos, a exemplo do que acontece com a compra de energia elétrica, e vincula portanto a validade da decisão tomada pela agência. Demonstrada sua impropriedade ou inadequação, impõe-se invalidar a exclusão dos encargos de transmissão da regra de neutralidade da Parcela A antes de sentidos os efeitos da Res. 399/2010.

O parâmetro legal da política tarifária, conforme já demonstrado, reconhece legítima a apropriação pela concessionária referente a itens que não compõem sua remuneração própria apenas quando justificada por sua eficiência empresarial e da competitividade (art. 14, IV, da Lei 9.427/96). Esse é o critério reconhecido pela própria Agência, em sua política de “regulação por incentivos”.

O critério legal não é, pois, a natureza ou a base jurídica do componente da tarifa (se contratual ou de base normativa), mas se requer ou não eficiência da empresa. No que respeita a compra de energia, a disciplina normativa exige eficiência da empresa, o mesmo não se aplicando aos encargos de transmissão, como referido. Como visto, a despeito da base contratual dos encargos de

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transmissão, a regulamentação da ANEEL vigente para o reajuste de 2010 e que produzia efeitos para o reajuste de 2011 não impunha às concessionárias os riscos da contração excessiva de montantes de uso do sistema, de modo que eventual ineficiência não reverteria em prejuízo.

Nesse sentido, impossível decidir a respeito da neutralidade da parcela A quanto aos encargos setoriais, analisando apenas se T (encargos de transmissão) tem o mesmo regime jurídico jurídico de S (encargos setoriais) ou C (compra de energia), tomando-se como verdadeiro que para S (encargos setoriais) deve-se assegurar a neutralidade na Parcela A e para C (compra) não. É fundamental identificar qual a razão legal, qual o discrímen que faz com que para S (encargos setoriais) se imponha assegurar neutralidade (evitar que apropriação de excedente pela concessionária) e para C (compra de energia), não (permitindo que ela aproprie-se do excedente).

O discrímen é a exigência de eficiência e este não se aplica ao encargos de transmissão.

O Ministério Público Federal identificou que nos autos do processo administrativo acima mencionado fora determinada a realização de audiência pública (n. 045/2009) no intuito de evitar a contratação excessiva de montante de uso do sistema de transmissão. Como resultado da análise realizada pela agência reguladora e a partir das contribuições recebidas na audiência pública, foi editada, a Resolução n. 399, em 13 de abril de 2010, que passou a regulamentar a contratação do uso do sistema de transmissão. É a partir dessa resolução que se passa a exigir eficiência das concessionárias na contração de uso do sistema de transmissão, que será fiscalizada (art. 1614) analisando eventuais ultrapassagens na utilização do 14Art. 16 As distribuidoras passam a ter a eficiência da contratação de uso do sistema de transmissão contabilizada pelo ONS, apuradas pelas diferenças entre o MUST contratado e a demanda máxima medida por horário e ponto de conexão, da seguinte forma: (omissis)

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montante contratado (inciso I) e sobrecontratação de demanda (inciso II). Só a partir dessa nova disciplina a apropriação passa a se justificar.

A nova regulamentação,porém, possui efeitos prospectivos diferidos a partir de 1º de janeiro de 2011, como o reconhecem tanto a área técnica (no item 100 da Nota Técnica n. 091/2009) como a Diretoria da ANEEL. Nesse ponto, importante ressaltar que o cálculo da Parcela A(onde se encontram os encargos de transmissão), tem por base o período dos doze meses anteriores, e, assim, leva em consideração período ainda não albergado pelo novo regramento, que começa a produzir efeitos a partir de janeiro de 2011. Portanto, remanesce ilegal a apropriação no reajuste homologado para a CELTINS para os anos de 2010 e 2011.

Deve, pois, ser tomado como incontroverso (ao menos quanto à Agência, pois a argumentação do Ministério Público Federal se pauta em suas conclusões), que as concessionárias não assumiam (e ainda não assumem) os riscos da contratação a maior dos encargos de transmissão e que a modificação proposta pela Agência Reguladora somente produzirá efeitos depois de 2011. Assim, os critérios utilizados pela ANEEL para a homologação do reajuste tarifário da CELTINS do ano de 2010 e do ano de 2011 ainda permitiram que a concessionária obtivesse ganhos no que se refere aos encargos de transmissão que são indevidos à luz da própria lógica jurídica que orientou o termo aditivo.

No mais,de fácil percepção, após uma simples análise dos cálculos dos reajustes tarifários autorizados pela ANEEL para CELTINS nos anos de 2010 e 2011( doc. 01, cd na pág. 78), que não foi considerada a neutralidade dos encargos de Transmissão.

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Impõe-se, pois, impedir a apropriação desses ganhos indevidos,assegurando a indenização aos consumidores(pela não observância da neutralidade da Parcela A também quanto aos encargos de transmissão)em razão dos danos causados pelas ilegalidades que persistiram nos cálculos dos reajustes de 2010 e 2011, bem como asseverando a correção dos cálculos para o reajuste de 2012, de forma a se garantir a neutralidade da Parcela A para os encargos de transmissão.

2.4.2 – Falta de razoabilidade da limitação temporal da neutralidade em fevereiro de 2010

A Cláusula Quarta (Das Disposições Gerais) do termo aditivo ao contrato de concessão firmado entre a ANEEL e a concessionária ré para corrigir a falta de neutralidade da Parcela A prevê:

“As alterações efetuadas neste aditivo serão implementadas a partir do primeiro reajuste ou revisão tarifária realizado em 2010, com

efeitos a partir de fevereiro de 2010, preservando-se integralmente os efeitos da

disciplina anteriormente vigente.”

Restrição semelhante consta da subcláusula décima oitava da cláusula sétima, que trata da neutralidade da Parcela A.

Conforme consta da explanação inicial a respeito da metodologia do reajuste tarifário, “O índice de reajuste tarifário é dado pela razão entre a Receita na Data de Reajuste em Processamento – DRP (receita capaz de manter o poder de compra da empresa após o reajuste) e a Receita na Data de Referência Anterior - DRA (receita auferida pela empresa no período anterior). A receita em DRA refere-se à receita efetivamente arrecadada nos últimos 12 (doze) meses que antecederam o reajuste tarifário. Por outro lado,

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a receita em DRP é calculada com base na soma dos valores estimados para as parcelas A e B da concessionária”.

Pois bem, considerando que o cálculo leva em conta a receita efetivamente arrecadada nos últimos doze meses, devendo-se assegurar neutralidade à Parcela A por imposição da política tarifária prevista em lei, constatou o Ministério Público Federal que a restrição constante da cláusula quarta do termo aditivo corrige apenas parcialmente a ilegalidade no reajuste de 2010.

Ocorre que, por se tratar de correção de ilegalidade (como ficou demonstrado no item 2.2), e não mero aprimoramento da metodologia por conveniência regulatória, não tinha a Agência a liberdade de “estabelecer um termo inicial”. Sendo ilegal, justificava revisão de ofício, unilateral, pela Agência, como demonstrado, com amparo nos entendimentos originais da própria ANEEL (que entendia que a alteração unilateral deveria provir da revisão da Portaria Interministerial n. 25/2002) e dos Ministérios das Minas e Energia e da Fazenda.

É certo que, tendo optado pela via contratual, a correção providenciada com base no aditivo naturalmente teria seus efeitos restritos ao próximo reajuste tarifário, mas, neste, os efeitos deveriam decorrer da sistemática do reajuste, ou seja, assegurar a neutralidade para todo o período considerado no cálculo (os últimos doze meses). A opção pela via contratual era legítima (e tem a vantagem de evitar questionamentos das concessionárias), mas não autorizava a correção parcial, i. e., que se transija sobre a substância da correção (dispondo sobre o direito dos consumidores), tanto mais quando tal transigência deu-se sem a participação dos representantes dos consumidores na negociação, pelo que seus termos agora devem ser submetidos

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à apreciação do Poder Judiciário, com transparência e equilíbrio entre as partes.

Ademais, o critério adotado pela ANEEL atenta contra a razoabilidade.

O motivo determinante declinado foi “assegurar isonomia entre as concessionárias”, adotando um mesmo mês a partir do qual a correção produziria efeitos. Como passa a demonstrar o Ministério Público Federal, o critério não atende à razoabilidade que deveria nortear uma opção que tornou parcial a correção de uma ilegalidade em prejuízo de todos os milhões de consumidores brasileiros.

Senão vejamos. Em causa, a limitação temporal da correção de metologia ilegal, identificada em 2007 pela Agência, em 2008 pelo TCU e cuja correção a ANEEL se comprometeu a buscar desde, pelo menos, novembro de 2009. Em todo o país, todos os cento e oitenta milhões de brasileiros foram lesados pela demora da ANEEL em resolver a questão.

Diante dessas circunstâncias, o mínimo que se exigia da via contratual para ser admitida como legítima solução prospectiva para a ilegalidade, vale dizer, para que se apresentasse como meio adequado e necessário para tal fim, é que dela resultasse a correção integral do primeiro reajuste autorizado após sua assinatura, cessando imediatamente as lesões aos consumidores, uma necessidade premente já constatada pela própria agência. Não foi, contudo, o que fez a Agência.

Por outro lado, o critério adotado para fixar o termo inicial, qual seja, de “assegurar isonomia entre as concessionárias”, não é legítimo porque confronta a própria sistemática do reajuste, que ordinariamente considera todas as peculiaridades do reajuste à luz e a partir da data em que foi autorizado e retroage para os últimos doze meses. Ou seja, é da essência da metodologia de reajuste que o mês

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em que é feito o cálculo importa em consequências que devem ser aceitas como inerentes ao cálculo. Com a limitação, quer a ANEEL excepcionar essa regra para assegurar uma isonomia que retira dos consumidores da CELTINS o direito que lhes seria inerente em razão do mês do reajuste, qual seja, de que a neutralidade abrangesse os meses de julho de 2009 a junho de 2010.

Nessas circunstâncias, portanto, a limitação temporal em fevereiro de 2010 dos efeitos da correção da falta de neutralidade da Parcela A quanto aos encargos setoriais permite que, mesmo quanto a estes, em que é incontroversa a obrigatoriedade da neutralidade, a concessionária ainda se aproprie do excedente verificado antes de fevereiro de 2010. Foi o que aconteceu.

Especificamente no caso da CELTINS, mesmo assegurado-se a neutralidade da parcela no que respeita aos encargos setoriais, a restrição de efeitos a fevereiro permitiu que, no reajuste aprovado em junho de 2010, portanto, depois da correção, a empresa ainda se beneficie da falta de neutralidade da parcela entre julho de 2009 a janeiro de 2010, ou seja, com a chancela da ANEEL, a concessionária ré apropriou-se mais uma última vez indevidamente. Uma tal “concessão”, adotada como resultado de uma negociação realizada exclusivamente entre concessionárias e a agência reguladora, sem a instruída e equilibrada participação dos representantes dos consumidores, não pode ser admitida como legítima.

Nesse diapasão, além da necessária indenização aos consumidores em razão dos danos causados pelas ilegalidades persistentes no cálculo dos reajustes tarifários de 2010 e 2011, mesmo após o termo aditivo que incluiu a subcláusula décima oitava no contrato de concessão firmado pela CELTINS, imprescindível a correção dos critérios a serem utilizados para o cálculo do reajuste

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anual de 2012, à luz da argumentação expendida no presente item, mormente quanto a neutralidade dos encargos de transmissão e falta de razoabilidade da limitação temporal no tocante a neutralidade dos encargos setoriais.

Nesse sentido, tais parâmetros ilegais apresentam-se como ilicitudes que merecem ser evitadas via tutela inibitória.

Essas irregularidades, com consequente dano aos consumidores,emergem, mesmo diante da novel Resolução 399/2010, como fortes indícios da persistência da ilegalidade para o reajuste de 2012, merecendo do poder judiciário uma tutela que venha a inibir a prática e reiteração de conduta contrária ao ordenamento jurídico.

A Constituição Federal, em seu art. 5º,XXXV, autoriza e permite o manejo de ação inibitória genérica em nosso ordenamento jurídico.

3. DOS PEDIDOS E DOS REQUERIMENTOS FINAIS

3.1 – Dos pedidos liminares e de antecipação de tutela

Ao longo desta inicial foram demonstradas duas ordens de ilegalidades na metodologia de reajuste tarifário adotada pela ANEEL:

1) a falta de neutralidade da Parcela A no cálculo do reajuste tarifário no que respeita aos encargos setoriais e de transmissão (componentes da tarifa que são meras “receitas de transferência”, i.e., não constituem remuneração da empresa pelo serviço prestado) e que ensejou,desde 2002, apropriações indevidas da concessionária ré em prejuízo de seus consumidores-usuários e para a qual a ANEEL apresentou como solução o último

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termo aditivo ao contrato de concessão firmado com a CELTINS, e

2) a correção apenas parcial das ilegalidades apontadas no item anterior no referido termo aditivo, produzindo efeitos nos reajustes já autorizados para 2010 e 2011 e, possivelmente, para o reajuste a ser autorizado para 2012.

As ilegalidades que remontam a 2002 (item 1) justificam pedido de ressarcimento ou compensação em favor dos consumidores. Em caso de compensação, esta poderia vir a se viabilizar diretamente em crédito na conta dos consumidores, ser considerada nos reajustes tarifários (inclusive no último) ou na próxima revisão tarifária, havendo do Ministério Público Federal o reconhecimento de que será mais apropriado que a própria ANEEL aponte, sob o crivo do Poder Judiciário, a melhor opção.

As ilegalidades constantes do termo aditivo ao contrato de concessão (item 2) também justificam pedido de ressarcimento e compensação, bem como o pedido de correção do reajuste segundo parâmetros jurídico-legais fixados pelo juízo.

A defesa do direito dos consumidores ao ressarcimento/compensação vem sendo gravemente prejudicada, senão inviabilizada, pela postura da ANEEL, que não apresenta os cálculos e levantamentos dos valores apropriados pelas concessionárias em razão da falta de neutralidade da Parcela A na metodologia vigente desde 2002, os quais certamente já efetuou para subsidiar suas próprias decisões e a interlocução sobre o assunto com as concessionárias, que também dispõem dos números. Ademais, a própria Agência ressalva que em caso de redução do mercado, haveria, na verdade, perda das concessionárias sem, contudo, indicar quando e com que empresas isso ocorreu, tampouco indicando os pontos (e correspondentes números)

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eventualmente controvertidos pelas empresas no levantamento efetuado. Após quase dois anos do acórdão do TCU determinando a realização do levantamento, pela ANEEL, desses valores, apenas a Agência e as concessionárias continuam dispondo da informação, contando os consumidores apenas com a estimativa elaborada pelo TCU.

De se destacar que o próprio Diretor-Geral da ANEEL, no Memorando n. 221, de 05 de novembro de 2009, dirigido à Superintendência de Regulação Econômica, determinou àquela Superintendência que apurasse “o impacto das variações de mercado nos cálculos tarifários efetuados pela ANEEL, desde a edição da Portaria n. 296/2001” [que instituiu a CVA e depois foi sucedida pela Port. n. 25/2002] dado que “ainda que corretos os cálculos, importa saber qual o montante, positivo ou negativo, relativo a cada concessionária de distribuição, decorrente da não apropriação das variações de mercado pelas fórmulas constantes do contrato de concessão, de modo a subsidiar as análises técnicas e jurídicas posteriores.”

No mesmo memorando, o Diretor-Geral determina, em louvável disposição de assegurar transparência e simetria de informações, que as informações levantadas pela SRE sejam franqueadas, a “todos os interessados, em particular às entidades de defesa e proteção dos consumidores, bem como ao Ministério Público Federal”.

A disposição, contudo, mais de dois anos depois, não se concretizou! Apesar da assertividade do memorando e das requisições de informações formalizadas pelo 3º Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal nesse sentido (pág. 277), passados mais de dois anos desde a determinação, o montante apropriado por cada concessionária (no caso desta ação, pela CELTINS), ainda não foi franqueado aos representantes dos consumidores.

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Essa postura da ANEEL, como afirmado, tem prejudicado gravemente, senão inviabilizado a defesa dos direitos a que se destina esta ação.

Assim, seja para subsidiar a análise técnica e jurídica (inclusive quanto às viabilidades de ressarcimento ou compensação), assegurar simetria de informação (uma vez que a concessionária dispõe desses dados), ou para viabilizar adequada formulação dos pedidos nesta ação, inclusive liminares, dado que a magnitude da apropriação poderá justificar, inclusive, reflexos imediatos nos últimos reajustes autorizados, enfim, para assegurar, viabilizar ou facilitar a defesa dos direitos protegidos nesta ação (conteúdo cautelar), pede o Ministério Público Federal, com fundamento no art. 12 da Lei 7.347/85, liminarmente, que esse juízo determine à ANEEL que, em 30 dias:

3.1.1 – indique, em quadro comparativo, quais foram e quais teriam sido os reajustes tarifários autorizados à CELTINS desde 2002, ano a ano em que houve reajuste, por categoria de usuários, se considerada a metodologia adotada no último termo aditivo do contrato de concessão assinado entre a ANEEL e a concessionária;

3.1.2 – indique, em quadro comparativo, quais foram e quais teriam sido os reajustes tarifários autorizados à CELTINS desde 2002, ano a ano em que houve reajuste, por categoria de usuários, se na metodologia do reajuste fosse assegurada neutralidade da Parcela A não apenas quanto aos encargos setoriais (prevista no termo aditivo), mas igualmente em relação aos encargos de transmissão, inclusive com a correção da indevida limitação temporal a partir somente de fevereiro de 2010 da neutralidade dos encargos setoriais;

3.1.3 - indique qual o montante (aproximado e com indicação dos pontos eventualmente controvertidos pela

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concessionária), positivo ou negativo, relativo a CELTINS decorrente da falta de neutralidade da Parcela A quanto aos encargos setoriais, considerando a metodologia adotada no último termo aditivo ao contrato de concessão assinado;

3.1.4 - indique qual o montante (aproximado e com indicação dos pontos eventualmente controvertidos pela concessionária), positivo ou negativo, relativo a CELTINS decorrente da falta de neutralidade da Parcela A quanto aos encargos setoriais e de transmissão, considerando a metodologia adotada no último termo aditivo assinado acrescida de neutralidade igualmente em relação aos encargos de transmissão;

3.1.5 - apresente todos os cálculos referentes à CELTINS elaborados pela SRE-ANEEL em cumprimento à determinação contida no Memorando n. 221/2009.

A relevância jurídica do pedido (se reconhecido como liminar de natureza cautelar para preservação e proteção dos direitos tutelados nesta ação, fundado no art. 12 da LACP, tal como formulado) ou a verossimilhança da alegação (se adotado como pedido de antecipação de tutela) encontram-se na consistência da argumentação jurídica demonstrando a ilegalidade da metodologia (tópico 2.2), no direito dos consumidores a ter facilitada a defesa dos seus direitos (CDC, art. 6º, VIII) e no necessário equilíbrio que se deve assegurar na relação dos consumidores com as fornecedoras-concessionárias. Essas informações são de alta relevância, mas, não obstante, têm sido sonegada aos consumidores,muito embora sejam acessíveis à concessionária ré.

O risco de ineficácia do provimento final ou o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação revela-se nos prejuízos experimentados mês a mês pelos

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consumidores ante a demora na apresentação de levantamentos certamente já efetuados pela Agência, que tem prejudicado ou, no mínimo, postergado a atuação dos representantes dos consumidores para pleitear seu direito de ação ao ressarcimento/compensação de forma adequada. Ademais, dois reajustes anuais já foram autorizados pela Agência após as alterações da resolução sem que a mesma oportunizasse adequadamente aos consumidores contraporem-se a eles, dado que a magnitude da apropriação(pois são oito anos de apropriação) poderia, inclusive, justificar imediata redução do reajuste ou mesmo sua suspensão ou postergação.

Para assegurar efetividade ao provimento concedido e considerando o baixo efeito indutor que a mera aplicação de multa diária produziria na vontade da ANEEL de cumprir a ordem judicial, requer o Ministério Público Federal que esse juízo determine,para o caso de a Agência não cumprir as determinações judiciais no prazo judicialmente fixado,com fundamento no §5º do art. 84 do CDC, como tutela específica, que o ativo regulatório no valor de R$ 30.206,747,70(trinta milhões, duzentos e seis mil, setecentos e quarenta e sete reais e setenta centavos),diferido do processo tarifário de 2011, NÃO INTEGRE e não seja levado em consideração no cálculo do reajuste tarifário de 2012.Importa considerar, na apreciação desse requerimento, que a determinação do Diretor-Presidente acima referida data de mais de dois anos e que os cálculos e informações cuja apresentação pede o Ministério Público Federal que seja determinada a Agência, certamente já estão disponíveis na mesma(ao menos no que se refere aos itens 3.1.1, 3.1.3 e 3.1.5) ou são facilmente alcançáveis (3.1.2 e 3.1.4), uma vez que que devem ter subsidiado as decisões já tomadas. De se considerar, por fim, que até o presente momento somente os consumidores

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arcaram com o ônus do tempo, ou seja, com a demora na correção das ilegalidades.

3.1.6 – Outrossim, pede, com fundamento nos arts. 12 da LACP e 273 do CPC, em sede liminar, que esse juízo antecipe a tutela inibitória pretendida quanto à necessária correção para o reajuste anual de 2012, sustentada no tópico 2.4 para determinar à ANEEL que revise e modifique os índices autorizados à concessionária-ré, para fixar outros por ela calculados, porém pautados nos seguintes critérios ou parâmetros :

a) neutralidade na Parcela A também no que respeita aos encargos de transmissão;

b) neutralidade da Parcela A para todo o período considerado nos últimos reajustes, sem limitação temporal constante do termo aditivo (fevereiro de 2010).

A verossimilhança da alegação,bem como a ameaça da prática do ilícito, amparada na robusta prova documental referida no tópico 2.4 da fundamentação jurídica desta ação (baseada em grande parte em conclusões da própria Agência), decorre da demonstração da ilegalidade da limitação temporal da neutralidade da parcela A a partir de fevereiro de 2010, dado que para o reajuste autorizado foram considerados informações da referida Parcela dos últimos doze meses em razão da própria metodologia do reajuste, bem como na demonstração de que não se justifica restringir a neutralidade aos encargos setoriais. Como demonstrado, para os dados considerados nestes últimos reajustes, 2010

e 2011, (a correção operada pela Res. 399/2010 só produziris efeitos a partir de 2011), inexistia risco (a demandar atuação eficiente da empresa) na contratação dos encargos de transmissão, igualando-os, para os fins da neutralidade da Parcela A, aos encargos setoriais, em

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relação aos quais a própria Agência reconheceu a impositividade dessa neutralidade.

O risco de ineficácia do provimento final ou o

fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, encontra-se no fato de que os consumidores já sofreram( desde julho de 2010),estão sofrendo(desde julho de 2011) e estão na iminência de sofrer(com o reajuste de 2012),os efeitos do reajuste tarifário eivado das ilegalidades apontadas.

Considerando que a ANEEL tem a prerrogativa, legítima e útil à adequada instrução do juízo, de se manifestar sobre o pedido liminar (art. 2º da Lei 8.427/92), requer o Ministério Público Federal que, em sua manifestação, a Agência seja instada pelo juízo a esclarecer definitivamente os pontos que ficaram obscuros e abordados no item 2.4. Em especial, impende que a Agência explicite e fundamente:

a) se entende, justificando, que tinha discricionariedade para escolher o termo inicial dos efeitos da correção, ou seja, para restringir a neutralidade da Parcela A a alguns dos meses considerados no reajuste tarifário ao invés dos 12 meses anteriores que a sistemática ordinária determina sejam levados em consideração;

b) qual a justificativa jurídica à luz dos argumentos desenvolvidos no tópico 2.4 e da própria motivação que ensejou a neutralidade da Parcela A no que respeita aos encargos setoriais, em especial do que dispõe o art. 14 da Lei 9.427/96, para, nos últimos reajustes tarifários em favor da CELTINS(2010 e 2011), permitir que a concessionária ré, mais uma vez,aproprie-se da falta de neutralidade quanto aos encargos de transmissão.

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Alternativamente, para o caso desse Juízo não deferir o pedido liminar tal como feito no item 3.1.6, pede o Ministério Público Federal que, no interesse da instrução desta ação, a ANEEL seja determinada a apresentar qual seria o índice de reajuste se atendidas as duas condições constantes do pedido.

3.2 - Dos pedidos finais

Ante todo o exposto nesta ação, pede o Ministério Público Federal, que:

3.2.1 – confirme a antecipação de tutela inibitória para evitar e afastar a persistência das ilegalidades apontadas no item 2.4,quanto ao reajuste de 2012, ou, acaso não concedida a antecipação, que conceda em sentença a tutela judicial nos termos pedidos liminarmente, declarando a invalidade da restrição temporal dos efeitos da correção a partir de fevereiro de 2010 constante do termo aditivo e determinando que a ANEEL assegure a neutralidade da Parcela A também quanto aos encargos de transmissão enquanto a disciplina da Res. 399/2010 não alcançar todo o período considerado no reajuste tarifário;

3.2.2 - condene a concessionária ré a, nos termos do art. 95 do CDC, ressarcir os consumidores dos valores indevidamente apropriados desde 2002 em razão da adoção da metodologia ilegal então aplicada pela ANEEL, diretamente, por meio de crédito nas respectivas contas de luz ou, se tanto se mostrar impossível, de excessiva dificuldade operacional ou injustificado por outra razão identificada como legítima por esse juízo, que determine à ANEEL que viabilize a devida compensação em favor dos

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consumidores no último ou em algum reajuste tarifário futuro ou na próxima revisão tarifária da concessionária.

Para cumprimento da ordem ou obtenção de resultado equivalente, pede o Ministério Público Federal que seja cominada multa suficiente ou outra cominação ou medida necessária, nos termos dos §3º e 5º do art. 84 do CDC.

3.3 Dos requerimentos finais

Requer o Ministério Público Federal, por fim:1) a procedência dos pedidos (liminar e

definitivo); 2) a citação das rés para, querendo,

contestarem esta ação;3) a prévia intimação da ANEEL para que se

manifeste sobre o pedido liminar nos termos do art. 2º da Lei 8.437/92, sendo especificamente instada a se manifestar sobre os pontos acima levantados pelo Ministério Público Federal;

4) a condenação das demandadas ao pagamento das custas e demais consectários legais;

Protesta provar o alegado por todos os meios de aprova admitidos em direito.

4. DO VALOR DA CAUSA

Adotando como parâmetro a estimativa da SEFID-TCU de que a apropriação anual das concessionárias de todo o país alcança possivelmente R$ 1,8 bilhão, que o total considerado de energia distribuída nesse cálculo foi de

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375,6 TW/h e ainda as informações apresentadas pela 3ª Câmara de Coordenação e Revisão(pág. 280), e que desde 2002 houve nove reajustes tarifários que seguiram a metodologia combatida nesta ação(incluindo o último), o Ministério Público Federal atribui, como valor desta causa, R$ 36.834.573,84 (trinta e seis milhões, oitocentos e trinta e quatro mil,quinhentos e setenta e três reais e oitenta e quatro centavos),estimativa aproximada da apropriação indevida total da CELTINS a ser ressarcida ou compensada em favor dos seus usuários e consumidores.

Nestes termos, confia e pede deferimento.

Palmas, 05 de março de 2012.

VICTOR MANOEL MARIZProcurador da República

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Rol dos documentos juntados

Doc. Conteúdo Documentos Inquérito Civil instaurado pelo Ministério

Público Federal Inquerito Civil

Portaria de Instauração do Inquérito Civil n.612/2011.

Inquérito Civil

Principais despachos, ofícios requisitórios e informações prestadas no ICP 612/2011/2009

Inquerito Civil

Notícias do Jornal do Tocantins

Inquerito Civil

Respostas da Celtins e ANEEl, inclusive em mídia

Documentos TCUAnexo 1 e Inquérito Civil( pág. 35/53)

Instrução Técnica e Acórdão n. 2210/2008 – constatação inicial da falha metodológica

Anexo 1 Embargos de Declaração apresentados pela ANEEL face ao Acórdão n. 2.210/08

anexo1 Tomada de Contas TC 018.422/2007,TC 021.972/2007-8

Inquérito civil

Instrução Técnica da SEFID emitida em 07/04/2010, que analisa as ilegalidades da metodologia e o direito dos consumidores a ressarcimento

Inquérito Civil

Acórdão n. 2210/2010-Plenário TCU

Documentos ANEEL Anexo 1 Nota Técnica da SRE-ANEEL n. 022/2010Anexo 1 Nota Técnica da SRE-ANEEL n. 327/2008Anexo 1 Parecer n. 650/2008-PF/ANEELAnexo 1 Nota Técnica da SRE-ANEEL n. 366/2009Anexo 1 Ofício n. 267/2008 da DG/ANEELAnexo 1 Parecer n. 1.059/2009-PF/ANEELAnexo 1 Parecer n. 1.161/2009-PF/ANEEL.Anexo 1 Nota Técnica SRE-SCT n. 366/2009

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Anexo 1 Nota Técnica SRE n. 327/2008Anexo 1 Nota Técnica da SRE n. 065/2010 Anexo 1 Modelo-padrão de termo aditivo ao contrato de

concessão submetido à Audiência Pública n. 43/2009.

Anexo 1 Resolução ANEEL n. 399/2010Documentos dos Ministérios das Minas e Energia e da

FazendaAnexo 1 Parecer CONJUR/MME n. 514/2009Anexo 1 Nota Técnica n. 051/2009 – Assessoria de

Economia do MMEAnexo 1 Ofício n. 1957/2009/MMEAnexo 1 Parecer PGFN/CAF/Nº 2541/2009.Contrato de Concessão da CELTINS e quarto termo aditivo (correção da metodologia)Anexo 1 Contrato de Concessão n.54 e seus termos

aditivosAnexo 1 Extrato de Contrato de Concessão de Distribuição

nº52/99 Outros Documentos relevantes

Anexo 1 Portaria Interministerial MME/MF n. 25/2002Anexo 1 Documento da PROTESTE- Metodologia de Ajuste

Tarifário e Recomposição de Danos- dirigido ao Ministro Chefe da Casa Civil

Anexo 1 Medida Provisória 2227/01Anexo 1 Res. ANEEL n. 339/2002Anexo 1 Res. ANEEL n. 281/1999

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