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216 Arq Bras Endocrinol Metab vol 50 nº 2 Abril 2006 RESUMO Os avanços da pesquisa sobre as propriedades metabólicas do tecido adiposo e as recentes descobertas sobre sua capacidade em produzir hormônios atuantes em processos fisiológicos e fisiopatológicos, estão revolucionando conceitos sobre a sua biologia. O seu envolvimento em processos como obesidade, diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arteri- al, arteriosclerose, dislipidemias, processos inflamatórios agudos e crôni- cos, entre outros, indicam que a compreensão das suas propriedades funcionais contribuirão para melhorar o prognóstico daquelas doenças, cuja prevalência vem crescendo de forma preocupante. Nesta revisão, abordamos aspectos funcionais dos adipócitos, como o metabolismo, a participação na homeostase energética, a sua habilidade endócrina e a adipogênese, entendida como a capacidade de pré-adipócitos, pre- sentes no parênquima do tecido, de se diferenciarem em novos adipó- citos e reconstituírem o tecido. Além disso, estamos incluindo estudos sobre as relações entre o tecido adiposo e a glândula pineal, aspecto novo e pouco conhecido, mas, como será visto, muito promissor da fisi- ologia do adipócito com possíveis repercussões favoráveis para a te- rapêutica das moléstias relacionadas com a obesidade. (Arq Bras Endocrinol Metab 2006;50/2:216-229) Descritores: Adipócito; Lipogênese; Lipólise; Adipocinas; Adipogênese ABSTRACT The Adipose Tissue as a Regulatory Center of the Metabolism. The recent progress in the research about the metabolic properties of the adipose tissue and the discovery of its ability to produce hormones that are very active in pathophysiologic as well as physiologic processes is rebuilding the concepts about its biology. Its involvement in conditions like obesity, type 2 diabetes mellitus, arterial hypertension, arteriosclero- sis, dislipidemias and chronic and acute inflammatory processes indicate that the understanding of its functional capacities may contribute to improve the prognosis of those diseases whose prevalence increased in a preoccupying manner. Here we review some functional aspects of adipocytes, such as the metabolism, its influence on energy homeosta- sis, its endocrine ability and the adipogenesis, i.e., the potential of pre- adipocytes present in adipose tissue stroma to differentiate into new adipocytes and regenerate the tissue. In addition, we are including some studies on the relationship between the adipose tissue and the pineal gland, a new and poorly known, although, as will be seen, very promising aspect of adipocyte physiology together with its possible favorable repercussions to the therapy of the obesity related diseases. (Arq Bras Endocrinol Metab 2006;50/2:216-229) Keywords: Adipocyte; Lipogenesis; Lipolysis; Adipokines; Adipogenesis revisão O Tecido Adiposo Como Centro Regulador do Metabolismo Miriam H. Fonseca-Alaniz Julie Takada Maria Isabel C. Alonso-Vale Fabio Bessa Lima Departamento de Fisiologia e Biofísica, Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Recebido em 30/10/05 Aceito em 17/01/06

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216 Arq Bras Endocrinol Metab vol 50 nº 2 Abril 2006

RESUMO

Os avanços da pesquisa sobre as propriedades metabólicas do tecidoadiposo e as recentes descobertas sobre sua capacidade em produzirhormônios atuantes em processos fisiológicos e fisiopatológicos, estãorevolucionando conceitos sobre a sua biologia. O seu envolvimento emprocessos como obesidade, diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arteri-al, arteriosclerose, dislipidemias, processos inflamatórios agudos e crôni-cos, entre outros, indicam que a compreensão das suas propriedadesfuncionais contribuirão para melhorar o prognóstico daquelas doenças,cuja prevalência vem crescendo de forma preocupante. Nesta revisão,abordamos aspectos funcionais dos adipócitos, como o metabolismo, aparticipação na homeostase energética, a sua habilidade endócrina ea adipogênese, entendida como a capacidade de pré-adipócitos, pre-sentes no parênquima do tecido, de se diferenciarem em novos adipó-citos e reconstituírem o tecido. Além disso, estamos incluindo estudossobre as relações entre o tecido adiposo e a glândula pineal, aspectonovo e pouco conhecido, mas, como será visto, muito promissor da fisi-ologia do adipócito com possíveis repercussões favoráveis para a te-rapêutica das moléstias relacionadas com a obesidade. (Arq BrasEndocrinol Metab 2006;50/2:216-229)

Descritores: Adipócito; Lipogênese; Lipólise; Adipocinas; Adipogênese

ABSTRACT

The Adipose Tissue as a Regulatory Center of the Metabolism.The recent progress in the research about the metabolic properties ofthe adipose tissue and the discovery of its ability to produce hormonesthat are very active in pathophysiologic as well as physiologic processesis rebuilding the concepts about its biology. Its involvement in conditionslike obesity, type 2 diabetes mellitus, arterial hypertension, arteriosclero-sis, dislipidemias and chronic and acute inflammatory processes indicatethat the understanding of its functional capacities may contribute toimprove the prognosis of those diseases whose prevalence increased ina preoccupying manner. Here we review some functional aspects ofadipocytes, such as the metabolism, its influence on energy homeosta-sis, its endocrine ability and the adipogenesis, i.e., the potential of pre-adipocytes present in adipose tissue stroma to differentiate into newadipocytes and regenerate the tissue. In addition, we are includingsome studies on the relationship between the adipose tissue and thepineal gland, a new and poorly known, although, as will be seen, verypromising aspect of adipocyte physiology together with its possiblefavorable repercussions to the therapy of the obesity related diseases.(Arq Bras Endocrinol Metab 2006;50/2:216-229)

Keywords: Adipocyte; Lipogenesis; Lipolysis; Adipokines; Adipogenesis

revisãoO Tecido Adiposo Como Centro Reguladordo Metabolismo

Miriam H. Fonseca-AlanizJulie TakadaMaria Isabel C. Alonso-ValeFabio Bessa Lima

Departamento de Fisiologia eBiofísica, Instituto de CiênciasBiomédicas, Universidade de SãoPaulo, São Paulo, SP.

Recebido em 30/10/05Aceito em 17/01/06

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PARA GARANTIR A SOBREVIVÊNCIA de todas as espé-cies, mesmo em condições de escassez de nutri-

entes no meio ambiente, os mamíferos são capazes deestocar o excesso de calorias consumidas e não requi-sitadas para suprir suas necessidades metabólicas ime-diatas, como lipídios (triacilgliceróis), proteínas e car-boidratos (glicogênio). Os lipídeos, por serem hidro-fóbicos, podem ser armazenados em grandes quanti-dades dispensando a participação da água como sol-vente, e contêm, por unidade de massa, mais do que odobro de energia armazenada que os outros dois com-ponentes, fornecendo mais energia metabólica quandooxidados.

O tecido adiposo é o principal reservatórioenergético do organismo. Os adipócitos são as únicascélulas especializadas no armazenamento de lipídios naforma de triacilglicerol (TAG) em seu citoplasma, semque isto seja nocivo para sua integridade funcional.Essas células possuem todas as enzimas e proteínas re-guladoras necessárias para sintetizar ácidos graxos(lipogênese) e estocar TAG em períodos em que a ofer-ta de energia é abundante, e para mobilizá-los pelalipólise quando há déficit calórico. A regulação dessesprocessos ocorre por meio de nutrientes e sinais afe-rentes dos tradicionais sistemas neurais e hormonais, edepende das necessidades energéticas do indivíduo (1).

O sistema nervoso autônomo tem controledireto sobre o tecido adiposo através de seus compo-nentes simpático e parassimpático. A inervação sim-pática relaciona-se principalmente com as açõescatabólicas, tais como a lipólise mediada pelos recep-tores β-adrenérgicos e dependente da atividade daenzima lipase hormônio-sensível (LHS) (2). Por outrolado, o sistema nervoso parassimpático está envolvidona execução de efeitos anabólicos sobre os depósitosadiposos, como a captação de glicose e de ácidos gra-xos estimulada pela insulina (3).

Nos mamíferos, existem dois tipos de tecidoadiposo: o branco (TAB) e o marrom (TAM). Oadipócito branco maduro armazena os TAG em umaúnica e grande gota lipídica que ocupa de 85-90% docitoplasma e empurra o núcleo e uma fina camada decitosol para a periferia da célula. É interessante ressaltarque, durante seu desenvolvimento, a célula jovem con-tém múltiplas gotículas de lipídios, que coalescem paraformar uma inclusão lipídica unitária com o amadure-cimento celular. Os adipócitos brancos maduros sãocélulas grandes, muitas vezes maiores que hemáceas,fibroblastos e células do sistema imune, e podem alte-rar acentuadamente seu tamanho (volume e diâmetro)conforme a quantidade de TAG acumulada. A pro-porção de lipídios no TAB pode ocupar até 85% da

massa total do tecido, sendo o restante da massa re-presentado por água e proteínas (4).

O TAM é especializado na produção de calor(termogênese) e, portanto, participa ativamente naregulação da temperatura corporal. Os depósitos deTAM estão praticamente ausentes em humanos adul-tos, mas são encontrados em fetos e recém-nascidos. Oadipócito marrom pode atingir 60 µm de diâmetro,sendo, geralmente, muito menor que o adipócitobranco que tem um tamanho médio de 90–100 µm. Éuma célula caracterizada pela presença de váriasgotículas lipídicas citoplasmáticas de diferentes tama-nhos, citoplasma relativamente abundante e núcleo es-férico e ligeiramente excêntrico. Apresenta um grandenúmero de mitocôndrias que, por não possuírem ocomplexo enzimático necessário para a síntese de ATP,utilizam a energia liberada pela oxidação de metabóli-tos, principalmente ácidos graxos, para gerar calor (5).Esse processo ocorre porque a proteína desacopladora-1 (UCP-1, termogenina), uma proteína da membranamitocondrial interna do adipócito marrom, atua comoum canal de próton que descarrega a energia geradapelo acúmulo de prótons no espaço intermembranosodas mitocôndrias durante as reações oxidativas do ciclode Krebs, desviando esses prótons do complexo F1F0(ATP sintase) e impedindo a síntese de ATP, per-mitindo que se dissipe em calor a energia estocada namitocôndria (5). A alta concentração de citocromooxidase dessas mitocôndrias contribui para a coloraçãomais escurecida das células e do tecido (6).

Além dos adipócitos, o tecido adiposo contémuma matriz de tecido conjuntivo (fibras colágenas ereticulares), tecido nervoso, células do estroma vascu-lar, nódulos linfáticos, células imunes (leucócitos,macrófagos), fibroblastos e pré-adipócitos (células adi-posas indiferenciadas) (1).

TECIDO ADIPOSO BRANCO

Este tecido, ao contrário do TAM, apresenta funçõesmais abrangentes. Por constituir depósitos localizadosem diversas regiões do organismo envolvendo, oumesmo se infiltrando em, órgãos e estruturas internas,o TAB oferece proteção mecânica contra choques etraumatismos externos, permite um adequado desliza-mento entre vísceras e feixes musculares, sem compro-meter a integridade e funcionalidade dos mesmos.Além disso, pela distribuição mais abrangente, incluin-do derme e tecido subcutâneo, e por ser um excelenteisolante térmico, tem papel importante na manutençãoda temperatura corporal. Outra função, mencionada

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anteriormente, refere-se a sua capacidade de arma-zenar energia com necessidade de pouca água, for-necendo mais calorias por grama em comparação aocarboidrato (9 kcal.g-1 vs. 4 kcal.g-1), o que dá ao TABo status de importante sistema tamponante para o ba-lanço energético.

Em decorrência de estudos mais recentes (últi-mos 10–15 anos), com a descoberta da propriedade doTAB de secretar substâncias com importantes efeitosbiológicos, grande importância foi atribuída ao seupapel endócrino. Com a descoberta de uma amplagama de proteínas secretadas pelo TAB, denominadasadipocinas, um novo conceito sobre a função biológi-ca deste tecido vem surgindo, consolidando a idéia deeste tecido ser não apenas um fornecedor earmazenador de energia, mas sim, um órgão dinâmicoenvolvido em uma variedade de processos metabólicose fisiológicos.

A estrutura protéica, assim como a função fisi-ológica das adipocinas identificadas até o momento, éaltamente variada e compreende proteínas relacionadasao sistema imune, como as citocinas clássicas – fator denecrose tumoral-α (TNF-α) e interleucina-6 (IL-6),fatores de crescimento (fator transformador de cresci-mento β – TGF-β) e proteínas da via complementoalternativa (adipsina). Outras adipocinas estão envolvi-das na regulação da pressão sanguínea (angiotensi-nogênio), homeostase vascular (inibidor do ativadorde plasminogênio 1 – PAI-1), homeostase glicêmica(adiponectina) e angiogênese (fator de crescimentoendotelial vascular – VEGF) (7) (tabela 1).

Entretanto, a adipocina que tem chamadoatenção em especial é a leptina, um hormônio descober-to em 1994, produto do gene ob do camundongoobeso (ob/ob) (8). Este camundongo apresenta com-portamento e fisiologia de animais em um estado cons-tante de jejum, com níveis séricos de corticosterona ele-vados, incapazes de se manterem aquecidos, com com-prometimento no crescimento, reprodução e alteradolimiar de apetite, o que gera a obesidade característicacom distúrbios metabólicos similares àqueles de animaisdiabéticos resistentes à insulina.

A leptina é codificada por um gene que tem trêsexons e dois introns. A região promotora tem sítios deligação como TATA Box, e elementos responsivos aC/EBPs (proteínas ligadoras ao amplificador CCAAT –CCAAT/enhancer binding protein), GRE (elementoresponsivo a glicocorticóides) e CREB (proteína li-gadora ao elemento responsivo ao AMPc). A transcriçãoe tradução ocorrem no tecido adiposo, placenta e tratogastrintestinal, onde a razão de produção é diretamenterelacionada à massa de tecido adiposo. Os níveis de lep-

tina circulantes parecem estar diretamente relacionadoscom a quantidade de seu RNAm no tecido adiposo.Outros fatores metabólicos e endócrinos também con-tribuem para a regulação de sua transcrição. A insulinaapresenta relação diretamente proporcional com os ní-veis de leptina. Glicocorticóides, estrógenos, citocinasinflamatórias e quadros de infecção aguda aumentam,enquanto baixas temperaturas, estimulação adrenérgica,hormônio do crescimento, hormônios tireoidianos,esteróides androgênicos, melatonina e fumo parecemdiminuir os seus níveis (9).

Os receptores da leptina, OB-R, pertencem àfamília de receptores das citocinas I, que inclui osreceptores para as interleucinas 2 a 7, LIF, GM-CSF,GRH, prolactina e eritropoetina. Na presença de lepti-na, seus receptores dimerizam e são ativados por alte-rações conformacionais, levando à ativação de proteínasJAK (Janus cinase) e STAT (Signal Transduction andActivation of Transcription) (7). Os monômeros doreceptor são então fosforilados em resíduo tirosina dodomínio intracelular por uma Janus cinase (JAK2), pas-sando a ancorar três proteínas transdutoras do sinal eativadoras da transcrição (STATs 3, 5 e 6). As STATsancoradas são então fosforiladas em resíduos tirosinapela JAK, dissociando-se do receptor e formando homoou heterodímeros que se movimentam no núcleo, ondese ligam a seqüências específicas de DNA, estimulandoassim a expressão de genes-alvos específicos. Outrasvias de sinalização já foram demonstradas, tais comoJNK (NH2-TERMINAL C-Jun cinase), p38 (p38MAP cinase), cinase regulada extracelularmente(ERK), fosfolipase C (PLC), prostaglandinas E2/F2(PGE2/PGF2) entre outros (10).

A leptina, proteína pequena com 167 resíduosde aminoácidos e 16 kDa, possui um importante papelna regulação do balanço energético, apresentandoduas ações: a primeira, em neurônios do núcleoarqueado hipotalâmico, onde estimula a expressão deneuropeptídeos ligados aos mecanismos de inibição daingestão alimentar (pro-ópio-melanocortina – POMCe transcrito relacionado à cocaína e anfetamina –CART) e aumento do gasto energético total, via iner-vação simpática; e a segunda, em outros neurônios domesmo núcleo, inibindo a expressão do neuropeptídeoY (NPY) e peptídio agouti (AgRP), envolvidos nosmecanismos de aumento da ingestão alimentar e naredução do gasto energético. Seus efeitos também seestendem ao metabolismo lipídico, com a ativação daadenil-ciclase e aumento da oxidação lipídica no mús-culo esquelético e, no fígado, suprimindo a atividadeda esterol-CoA dessaturase e reduzindo a síntese deTAG a partir de ácidos graxos monoinsaturados.

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Além de importante lipostato (mensurador dedepósitos lipídicos do organismo), a leptina exerceoutros efeitos na reprodução, angiogênese, na respos-ta imune, controle da pressão sangüínea e osteogênese(7). A habilidade da leptina em restaurar a puberdadee fertilidade foi evidenciada em ratos ob/ob, demons-trando que este hormônio é necessário para a matu-ração do eixo reprodutivo, uma vez que a sua defi-ciência ou insensibilidade está associada a hipogo-nadismo hipotalâmico.

No sistema imune, a leptina parece ser capaz deaumentar a produção de citocinas em macrófagos,aumentar a adesão e mediar o processo de fagocitose,a partir de uma supra-regulação dos receptores demacrófagos ou pelo aumento da atividade fagocitária.Também exerce efeito direto na proliferação das célu-las T, mostrando uma resposta adaptativa desse hor-mônio ao aumento da competência imune do organis-mo contra a imunossupressão associada à falta de ener-gia (7).

O efeito angiogênico da leptina foi constatadopela formação de tubos capilares in vitro, a partir daestimulação de células endoteliais, causando um aumen-to na sobrevivência e/ou proliferação celular (11).

Seu efeito regulador da pressão sanguínea envolveuma resposta pressora atribuída à ativação do sistemasimpático e uma resposta depressora atribuída à síntesede NO, indicando que a leptina atua de forma dual, pro-duzindo simultaneamente uma ação pressora neurogêni-ca e uma resposta depressora mediada por NO.

O TNF-α é uma citocina imunomodulatória epró-inflamatória que age diretamente no adipócitoregulando acúmulo de gordura e interferindo direta-mente em diversos processos dependentes de insulina,como a homeostase glicêmica e o metabolismo de lipí-dios (12). Seu efeito mais intenso é a inibição dalipogênese (via inibição da expressão da lipase delipoproteína – LLP, GLUT-4 e da acetil Coa sintetase)e aumento da lipólise. Também tem recebido particu-lar interesse seu efeito na regulação da massa de tecido

Tabela 1. Fatores protéicos e não-protéicos produzidos e secretados pelo TAB.

Substância Efeitos biológicos

Leptina Sinaliza o SNC sobre os estoques corporais de energia.Adiponectina Aumenta a sensibilidade à insulina, é anti-inflamatório e atenua a progressão da

aterosclerose.

Resistina Aumenta a resistência à insulina.TNF-α Lipolítico, aumenta o consumo energético e reduz a sensibilidade à insulina.Interleucina 6 Pró-inflamatório, lipolítico, reduz a sensibilidade à insulina.Adipsina Ativa a via alternativa de complemento.ASP Estimula a síntese de triacilgliceróis no TAB.Angiotensinogênio Precursor da angiotensina II, envolvido na regulação da pressão arterial.PAI-1 Inibe a ativação do plasminogênio, bloqueando a fibrinólise.Fator Tecidual Iniciador da cascata de coagulação.VEGF Estimula a proliferação vascular (angiogênese) no TAB.Visfatina Insulinomimético produzido predominantemente pela gordura visceral.Monobutirina* Vasodilatador e indutor de neoformação vascularTGFβ Regula uma série de processos no TAB, entre os quais proliferação de pré-adipócitos,

diferenciação, desenvolvimento e apoptose de adipócitos.

IGF1 Estimula proliferação e diferenciação de adipócitos.HGF Estimula diferenciação e desenvolvimento de adipócitos.MIF Imuno-regulador com atuação parácrina no TAB.LLP# Enzima estimuladora da hidrólise de TAG de lipoproteínas (quilomícrons e VLDL).CETP# Transfere ésteres de colesterol entre lipoproteínas.Apo-E# Componente protéico das lipoproteínas, especialmente das VLDL.Prostaglandinas* Reguladores de diversos processos celulares, atuam na inflamação, coagulação

sangüínea, ovulação e secreção ácida gástrica.

Estrógenos* Produzido pela ação da aromatase, sendo a principal fonte estrogênica em homense em mulheres após a menopausa.

Glicocorticóides* Gerado pela ação da 11-hidroxiesteróide desidrogenase, tipo II, que transforma corti-sona em cortisol no TAB.

Apelina Ações biológicas ainda não muito claras, relacionadas ao controle dos estoquesenergéticos corporais.

(*) substâncias não protéicas; (#) proteínas sem ação hormonal.

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adiposo, que parece estar associada com mudanças nonúmero ou volume de adipócitos (13).

A expressão e a secreção de TNF-α estão au-mentadas em animais e humanos obesos, correlacio-nando positivamente com aumento do volume deadipócitos. Um estudo comparando indivíduos compeso ideal (IMC 19–24kg/m2) e obesos (IMC 32–54kg/m2) demonstrou correlação positiva entre RNAmde TNF-α e IMC, sugerindo que altos níveis de TNF-α se correlacionam com acúmulo de tecido adiposo,principalmente em obesos (14). Em ratos obesos, aneutralização do TNF-α causou melhora significativana captação de glicose em resposta à insulina, reve-lando sua relação com resistência insulínica na obesi-dade (15). Em humanos obesos, existe uma forte cor-relação inversa entre TNF-α e metabolismo de glicose,devido à supressão pelo TNF-α da sinalização da insu-lina, reduzindo a fosforilação do substrato do receptorde insulina-1 (IRS-1) e da atividade da PI3K (fosfa-tidil-inositol-3-cinase), com redução da síntese e datranslocação do transportador de glicose (GLUT-4)para a membrana, e conseqüente diminuição na cap-tação de glicose mediada pela insulina (16).

Esta citocina também está envolvida no processoinflamatório indutor de aterogênese, participando damigração de monócitos e sua conversão em macrófagosna parede endotelial, por meio da transcrição do fatornuclear κ-B (NFκB), que modula uma série demudanças inflamatórias na parede vascular (17).

Um outro produto de secreção pelos adipóci-tos, a proteína estimulante de acilação (ASP), temimportante efeito na lipogênese por meio do aumentona translocação de GLUT-4, na produção de glicerol-3-fosfato e na atividade da diacil-glicerol aciltransferase(DGAT), enzima catalisadora da síntese de TAG. Aomesmo tempo, inibe a lipólise por meio da inibição daLHS (18,19).

Outra citocina com efeito pró-inflamatório eação no metabolismo de carboidratos e lipídios é a IL-6. A sua infusão em doses próximas à fisiológica emhumanos saudáveis promove a lipólise, independente-mente da modulação de catecolaminas, glucagon einsulina. Esse efeito se dá a partir da inibição da LLP eaumento na liberação de ácidos graxos livres e glicerol.A IL-6 é secretada por macrófagos e adipócitos e suaexpressão pode ser estimulada pelas catecolaminas viareceptores adrenérgicos β2 e β3 do TAB, quando emconcentrações elevadas.

Assim como o TNF-α e a IL-6, a resistina é umaproteína com propriedades pró-inflamatórias secretadapor monócitos e adipócitos. Apesar de expressa e se-cretada em indivíduos magros, seus níveis estão comu-

mente mais elevados na obesidade. Efeitos da adminis-tração e neutralização de resistina na tolerância à gli-cose nos tecidos – muscular esquelético e adiposo –indicam que a sua ação se dá por meio da modulaçãonegativa de uma ou mais etapas da sinalização dainsulina voltadas para aumentar a captação de glicose(20,21). Além disso, ela promove resistência à insulinapor meio de aumento da gliconeogênese hepática(18). Também foi observado que a sua expressão écerca de 3 vezes maior em pré-adipócitos quandocomparada com adipócitos maduros, indicando seruma potencial reguladora da adipogênese (21,22).

PAI-1 promove a formação de trombos e rup-tura de placas aterogênicas instáveis e, através dainibição da produção de plasmina, é capaz de alterar obalanço entre fibrinólise e fibrinogênese, contribuindopara a remodelação da arquitetura vascular e processoaterosclerótico. Uma forte correlação, encontrada emindivíduos obesos, entre elevados níveis de PAI-1 eoutras condições relacionadas à síndrome metabólica(hiperglicemia, hiperinsulinemia e hipertrigliceridemiade jejum, e altas concentrações de LDL-colesterol)vem sendo demonstrada por vários estudos (17,23).

A associação entre adiposidade e sistema renina-angiotensina tem sido sugerida em alguns modelospatogênicos. O TAB é capaz de secretar angioten-sinogênio, renina, receptores 1 e 2 de angiotensina II(AT1 e AT2) e enzima conversora de angiotensina(ECA), proteínas que participam da diferenciação deadipócitos e da lipogênese, indicando o seu envolvi-mento com o processo de acúmulo de gordura corpo-ral. Além disso, o forte papel aterogênico daangiotensina II, estimulando diretamente a produçãode molécula de adesão-1 e fator estimulador de colô-nia de macrófagos na parede endotelial, que aumen-tam a geração de óxido nítrico e radicais livres, a ativi-dade plaquetária e a expressão de PAI-1, indica umintenso elo entre obesidade, hipertensão e doençascardiovasculares.

A adiponectina, ao contrário da demais adipoci-nas, age como fator protetor para doenças cardiovas-culares e aumenta a sensibilidade insulínica. Tambémconhecida como Acrp-30 (30-kDa adipocyte comple-ment-related protein), apM1 ou adipoQ, é uma proteí-na expressa exclusivamente em adipócitos diferencia-dos. Suas concentrações circulantes são elevadas(500–30.000 µg/L), representando 0,01% da proteínatotal plasmática (24).

O seu efeito antiinflamatório e anti-aterogênicoé promovido pela diminuição da expressão da molécu-la de adesão-1 (a partir da redução da expressão deTNF-α e atividade da resistina), pela diminuição da

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quimiotaxia ao macrófago com redução da formaçãode células espumosas e inibição da sinalização infla-matória no endotélio (16).

Uma correlação negativa entre o grau de obesi-dade e níveis circulantes de adiponectina já foi bemdemonstrada, bem como um aumento na sua concen-tração com a redução de peso, assim como a associaçãoentre baixos níveis desta proteína com resistência à insuli-na e hiperinsulinemia. O aumento na sensibilidade àinsulina se dá por meio de aumento da oxidação de áci-dos graxos, da captação e utilização da glicose no tecidoadiposo e no músculo esquelético e de redução da pro-dução hepática de glicose, levando a um melhor controledos níveis séricos de glicose, de ácidos graxos livres e deTAG (18,22). Em adipócitos de ratos, in vitro, umaredução de 60% na expressão de adiponectina resultouem um aumento significativo da resistência insulínica.

Recentemente, outras adipocinas foram desco-bertas: 1) visfatina, adipocina predominante no tecidoadiposo visceral, parece desempenhar um papel impor-tante na regulação da homeostase glicêmica, ao se ligarao receptor de insulina, “mimetizando” a sua sinaliza-ção intracelular (25), e 2) apelina, cuja função pareceestar relacionada à regulação da ingestão alimentar (26).

Frente a grande diversidade de proteínas secre-tadas pelo TAB, assim como de seus efeitos queatingem desde os próprios adipócitos até outros teci-dos do organismo, constata-se cada vez mais que oTAB tem uma ligação direta com patologias associadasà obesidade, em especial a resistência à insulina e a sín-drome metabólica.

O TAB se distribui em diversos depósitos noorganismo, anatomicamente classificados como tecidoadiposo subcutâneo (TAS) e tecido adiposo visceral(TAV). O TAS é principalmente representado pelosdepósitos abaixo da pele nas regiões abdominal,gluteal e femoral. O TAV refere-se ao tecido deposita-do próximo ou mesmo no interior das vísceras da cavi-dade abdominal, sendo bem exemplificado pelas gor-duras mesentérica, omental e retroperitoneal. Há umdimorfismo sexual na distribuição regional do TAB,com as mulheres usualmente tendo maior grau de adi-posidade do que os homens e apresentando maiorrazão TAS/TAV do que esses (27).

Além das diferenças quanto à localizaçãoanatômica, também a funcionalidade e o metabolismodo TAV e do TAS variam de região para região, apre-sentando uma certa especificidade e, possivelmente,especialização. Nos adipócitos viscerais, o efeito lipo-lítico das catecolaminas é mais intenso e o efeito anti-lipolítico da insulina é mais fraco, o que acarreta maiormobilização de ácidos graxos livres pela lipólise a partir

dos depósitos gordurosos intra-abdominais do que apartir dos depósitos subcutâneos glúteo-femorais. Aacentuada resposta às catecolaminas no TAV pode estarrelacionada à presença de maior quantidade de recep-tores β1 e β2 adrenérgicos na superfície celular e aoaumento na expressão de seus RNAm nos adipócitosabdominais e omentais em relação aos subcutâneos.

A produção e a secreção de proteínas são ativi-dades metabólicas do TAB que também estão sujeitasa variações regionais. Assim, enquanto a proteínaestimulante da acilação (ASP) é predominantementeexpressa no TAS, a adiponectina, o angiotensinogênio,a interleucina-6 (IL-6), o inibidor de ativação do plas-minogênio-1 (PAI-1) e a proteína de transferência deésteres de colesterol (CETP) são fatores principal-mente secretados pelos adipócitos viscerais (28,29).Um outro exemplo dessas diferenças refere-se à ativi-dade da enzima 11b-hidroxiesteróide desidrogenasetipo 1 responsável por gerar cortisol ativo a partir decortisona, que está aumentada nos adipócitos visceraisquando comparada aos subcutâneos (23,29).

Em um estudo no qual se determinaram osníveis de RNAm da leptina através do método quanti-tativo da reação em cadeia da polimerase após trans-crição reversa (RT-PCR) em adipócitos isolados deindivíduos obesos, relatou-se maior quantidade deRNAm nos adipócitos subcutâneos do que nos omen-tais (30). A secreção e a expressão gênica de leptinaforam avaliadas no TAS e no TAV de mulheres obesase não-obesas, e os resultados demonstraram que a taxade secreção e os níveis de seu RNAm foram aproxi-madamente duas a três vezes maiores no depósito sub-cutâneo do que no omental nos dois grupos de mu-lheres (31). Esses estudos indicam que a expressãogênica e a secreção de leptina são maiores no tecidoadiposo subcutâneo do que no visceral.

METABOLISMO DOS ADIPÓCITOS

Como foi mencionado, o TAB possui intensa ativi-dade metabólica, que contribui notavelmente para ocontrole da homeostase energética do organismo. Emvirtude da sua destacada atuação na regulaçãometabólica, aliada à importância que adquiriu nosúltimos tempos, o tecido adiposo passou a ser consi-derado um órgão central do controle metabólico.Reforça essa impressão o fato de que este tecido sofrea atuação de uma imensa lista de outros hormôniosque promovem efeitos diversos, não só sobre o seumetabolismo como sobre a sua função endócrina, esobre a regulação da adipogênese (tabela 2).

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As principais ações metabólicas do TAB podemser divididas em atividades lipogênicas e atividadeslipolíticas. Entende-se sobre atividade lipogênica todosos processos metabólicos que resultam em biossíntese,incorporação e armazenamento de TAG na gotícula degordura intracitoplasmática, ao passo que atividadelipolítica se refere às ações que resultam na hidrólise doTAG armazenado e na liberação de ácidos graxos livres(AGL) e glicerol.

Para a biossíntese de TAG, o adipócito necessitade uma fonte de glicerol-3-fosfato (glicerol-3-P) e deAGL complexado com coenzima A (CoA), constituin-do o composto acilCoA. O primeiro é obtido como umproduto da via glicolítica, e o segundo provem dabiossíntese a partir de acetilCoA ou da captação de AGLproveniente de lipoproteínas (quilomícrons e VLDL)circulatórias que no TAB sofrem a ação da LPL, quehidrolisa o TAG nelas contido, liberando os AGL, quesão transportados para o citoplasma dos adipócitos.

A produção de glicerol-3-P requer a captaçãode glicose, o que envolve proteínas transportadorasespecíficas, os GLUTs (GLUT1 e GLUT4), e esteprocesso é controlado pela insulina. Assim, a insulinasecretada durante o período prandial, estimula atranslocação de GLUT4 para a membrana celular,

aumentando o transporte de glicose. Além disso, oritmo de metabolização da hexose é acelerado pelainsulina, gerando mais glicerol-3-P.

Parte do fluxo de metabólitos da via glicolíticasegue em direção à formação de piruvato que, trans-portado para o interior da mitocôndria, é transforma-do em acetilCoA pela ação da piruvato desidrogenase(PDH). Este é acoplado a oxalacetato pela ação da ci-trato sintase (CS), gerando citrato. Parte do citrato étransportado de volta ao citoplasma, onde sofre a açãoda enzima ATP-citrato liase (ATP-CL), gerando nova-mente acetilCoA. Esta sofre a ação da enzima acetil-CoA carboxilase (ACC) transformando-se em malonil-CoA. Este último produto entra em uma complexa viade síntese de ácidos graxos, catalisada pela enzimaácido graxo sintase (FAS), que culmina na formação deacilCoA, que é utilizado para a esterificação comglicerol-3-P, completando a biossíntese de TAG, queé finalmente incorporado à gotícula citoplasmática degordura. A FAS necessita, para a sua ação, da presençado co-fator NADPH2, que é fornecido pela via doshunt das pentoses (uma via metabólica menor da gli-cose paralela à via glicolítica) e pela ação da enzimamálica (EM).

Tabela 2. Receptores hormonais identificados em adipócitos.

Receptor Hormonal Principais efeitos biológicos

Leptina (+) Lipólise e oxidação lipídicaInsulina (+) Lipogênese e captação de glicose e (-) lipóliseGlicocorticóides (+) LipóliseGlucagon (+) LipóliseCatecolaminas (+) LipóliseT3 e T4 (+) LipóliseEsteróides sexuais Regulam desenvolvimento do adipócitoIGF 1 (fator de crescimento insulina-simile) (+) AdipogêneseGH (hormônio de crescimento) (+) LipóliseProstaglnadinas (-) LipóliseTNF-α (Fator de necrose tumoral α) (+) Lipólise e aumenta resistência à insulinaIL-6 (interleucina – 6) (-) LPL, (+) LipóliseAdenosina (-) Lipólise e (+) captação de glicoseAdiponectina (+) sensibilidade à insulinaGastrina Regula a expressão de leptinaCCK (Colecistocinina) Regula a expressão de leptinaGIP (Peptídeo gastro-inibidor) (+) síntese de AGL e TAGGLP1 (Peptídeo glucagon-símile 1) (+) síntese de ácidos graxosASP (Proteína estimuladora de acilação) (+) síntese de TAGANP (Peptídeo natriurético atrial) Modula o metabolismo de glicoseAngiotensina II (+) Lipogênese, induz resistência à insulinaBradicinina Aumenta a sensibilidade à insulinaEGF (Fator de crescimento epidermal) Regula a diferenciação de adipócitosTGFβ (Fator transformador de crescimento β) Bloqueia a diferenciação de adipócitosMelatonina Sinergiza a ação da insulina

Observação: A lista acima é parcial, pois várias outras substâncias com ação biológica foram testadas e apresen-taram efeitos sobre os adipócitos ou sobre a adipogênese. Assim, esta lista procura demonstrar que o TAB é alvode uma ampla gama de hormônios que participam da regulação da sua atividade metabólica e endócrina e re-vela a importância que este tecido tem para a homeostase energética do organismo.

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Embora o TAB seja capaz de sintetizar AGL,este é fornecido ao tecido em maior quantidade pelaslipoproteínas já mencionadas anteriormente. Estas sãosubmetidas à ação da LPL por ocasião da passagemdesse material pela microcirculação do tecido adiposo.Assim, os AGL são liberados das partículas e são cap-tados pelos adipócitos. Devido à presença da carboxi-la, que é uma estrutura polar, a difusão dos AGL pelasmembranas dos adipócitos não é um processo simples,do ponto de vista termodinâmico, pois este compostoteria que atravessar a região hidrofóbica apolar da bica-mada lipídica da membrana celular. Desta forma, aproporção maior da captação se dá por difusão facilita-da através de transportadores. Foram descritas proteí-nas que facilitam o transporte de AGL, entre as quaisa CD36, presente em inúmeras membranas biológicas,onde atua como aceptor de vários tipos de moléculas,tendo um papel de cooperar com o processo de cap-tação. A CD36 apresenta a molécula de AGL para umaoutra proteína, FATP (proteína transportadora deAGL), que, como a CD36, é uma proteína integral damembrana e atua como um facilitador da difusão parao interior da célula. Uma vez no citosol, que é ummeio aquoso, o AGL se liga a outra proteína ligadora,FABP, que transporta o produto para ser acilado comcoenzima A. Este processo é executado por uma outraproteína integral da membrana, a acilCoA sintase(ACS). Finda esta etapa, a acilCoA é levada por outraproteína, a ACBP (proteína ligadora de acilCoA), paraos locais de esterificação com glicerol-3-P. Uma vezconcluída a síntese dos TAG, estes são transferidospara a gotícula de óleo citoplasmática.

A síntese de TAG, tal como descrita acima, nãoocorre exclusivamente em adipócitos. Estes processosforam descritos em vários outros tecidos, nos quais oacúmulo de TAG também leva à formação de gotícu-las intracitoplasmáticas de óleo. A ocorrência destasinclusões oleosas em outros tecidos, entretanto, é umsinal de irregularidade. O acúmulo de TAG no cito-plasma de outras células que não adipócitos permiteque estes substratos sejam metabolizados, levando àformação produtos como ceramidas, que propiciam aativação de sintase de óxido nítrico induzida (iNOS),com conseqüente formação de NO e indução deprocesso de apoptose através da ativação de fatornuclear κB (NFκB) (32). Isto é descrito como umfenômeno de lipotoxicidade. Entre as manifestações delipotoxicidade citam-se a esteatose hepática e muscu-lar, comuns em uma série de entidades patológicas. Oadipócito está aparentemente imune a este processo.Uma das causas disto é o fato de que as gotículas deóleo, nos adipócitos, estão completamente envoltas

por uma capa protéica de perilipinas, o que impede osTAG de serem metabolizados de forma semelhante aodescrito em outras células.

A outra habilidade importante do adipócito é ade realizar a lipólise dos TAG, liberando AGL eglicerol. Este processo depende da ativação da enzimalipase hormônio-sensível (HSL). A sua ativação se dápor meio de fosforilação em serina, pela ação da cinaseprotéica A (PKA). Este processo é estimulado princi-palmente por catecolaminas, e ocorre durante o jejumou em condições de grande demanda de energiametabólica, como o exercício físico e certas situaçõesde estresse, nas quais há uma intensa solicitação sim-pática. Durante a ativação da lipólise, aumentam osníveis intracelulares de AMP cíclico (AMPc) com aconseqüente ativação da PKA. Esta atua tambémsobre as perilipinas de forma semelhante à HSL. Asperilipinas fosforiladas se deslocam da superfície dasgotículas de óleo, se dispersam pelo citosol e abremespaços para o acesso da HSL ao seu substrato, oTAG. Os AGL formados se ligam à FABP e são leva-dos à membrana celular, onde são liberados para omeio extracelular mediante o transporte através daFATP. O glicerol é transportado para o exterior celu-lar através de transportadores específicos, que sãoproteínas pertencentes à família das aquagliceropori-nas (33) (figura 1).

ADIPOGÊNESE

Os estudos sobre o processo de diferenciação do teci-do adiposo, fenômeno denominado de adipogênese,têm sido extensivamente realizados in vitro, com ointuito de desvendar a base molecular e celular dodesenvolvimento do tecido adiposo e o seu compro-metimento em estados fisiológicos e patológicos, demodo a permitir a formulação de estratégias terapêu-ticas e preventivas do excesso de tecido adiposo(obesidade) e de sua escassez (lipodistrofias e lipoa-trofias).

A partir de estudos morfológicos realizados emembriões humanos, porcinos e murinos, ficou com-provado que a adipogênese se inicia antes do nasci-mento. A cronologia do aparecimento do tecido adi-poso é estritamente dependente da espécie e dodepósito adiposo sob consideração (34).

Após o nascimento ocorre uma expansão rápidado tecido adiposo, como resultado do aumento dotamanho e do número celular. O potencial de gerarnovas células de gordura persiste mesmo na fase adul-ta. O número de células adiposas pode aumentar

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quando ratos são alimentados com dieta rica em car-boidratos ou lipídios. Mudanças no número deadipócitos ocorrem mediante um complexo arranjo deeventos que envolvem proliferação e diferenciação depré-adipócitos. A diferenciação do pré-adipócito emadipócito é um processo altamente controlado. Fatoresde transcrição adipogênicos, incluindo o receptor gamaativado por proliferadores de peroxissomas (PPARγ), aproteína 1c ligadora do elemento regulado por esteróis(SREBP-1c) e as proteínas ligantes ao amplificadorCCAAT (CCAAT/enhancer binding protein –C/EBPs) desempenham um papel-chave na complexacascata transcricional que ocorre durante a adipogê-nese. Sinais hormonais e nutricionais afetam a diferen-ciação do adipócito de maneira positiva e negativa, ecomponentes envolvidos na interação célula-célula ouna matriz celular também são importantes na regu-lação do processo de diferenciação.

Os pré-adipócitos são linhagens celularesderivadas de células-tronco embrionárias multipo-tentes de origem mesodérmica, com capacidade de sediferenciar em adipócitos, condrócitos, osteoblastos emiócitos (35) (figura 2).

A proteína SREBP é um fator de transcriçãoclonado originalmente do tecido adiposo de rato, queguarda as seguintes características: é do tipo hélice-

alça-hélice básico (bHLH), contém uma região queforma um zipper de leucina com importante papel naadipogênese, na sensibilidade insulínica e na home-ostase dos ácidos graxos (36). A família do SREBP écomposta de dois membros: o SREBP-1 e o SREBP-2. Contudo, existem duas isoformas do SREBP-1(SREBP-1a e SREBP-1c), derivadas a partir de splicingalternativo do primeiro éxon dentro do mesmo trans-crito primário. Os SREBPs 1a e 1c são controladosindependentemente por regiões regulatórias que pare-cem responder diferentemente a fatores orgânicos emetabólicos específicos.

O fator de determinação e diferenciação depen-dente do adipócito (ADD1) é homólogo à isoformaSREBP-1c de humanos (37). O SREBP-1c/ADD1 épredominantemente expresso em fígado, glândulaadrenal, tecido adiposo e músculo esquelético,enquanto o SREBP-1a, no baço. O principal papel doSREBP-2 é controlar a biossíntese de colesterol. Invitro, o ADD1/SREBP-1c aumenta a atividade trans-cricional do PPARγ, elevando a proporção de célulassubmetidas ao processo de diferenciação.

O PPARγ é um membro de uma superfamília dereceptores nucleares. É altamente expresso no tecidoadiposo e estimula a transcrição de muitos genesespecíficos do adipócito, assim como os passos iniciais

Figura 1. Captação de ácidos graxos livres pelos adipócitos. Esquema mostrando as várias pas-sagens do processo de captação de ácidos graxos livres pelos adipócitos, bem como abiossíntese de TAG. Maiores detalhes no texto. QM= quilomícron, VLDL= lipoproteína de densidade muito baixa, AGL= ácido graxo livre, LPL=lipase de sipoproteínas, TAG= triacilglicerol, MP= membrana plasmática, FATP= proteína trans-portadora de ácidos graxos, FABP= proteína ligadora de ácidos graxos, ACBP= proteína li-gadora de acilCoA, HSL= lipase hormônio-sensível.

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da adipogênese, tendo um papel crítico na regulaçãoda diferenciação do adipócito (38). Existem duas iso-formas de PPARγ (PPARγ-1 e -2) gerados por promo-tores distintos e mecanismos alternativos de splicing. OPPARγ-1 é altamente expresso no tecido adiposo e emmenor proporção em uma variedade de outros tiposcelulares (macrófagos, pneumócitos e epitélio docólon etc.). O PPARγ-2 é uma isoforma exclusiva dotecido adiposo, e tem uma região amino terminal comtrinta aminoácidos a mais do que a isoforma 1. OPPARγ pode ser ativado por compostos sintéticosdenominados tiazolidinedionas (TZD), os quais sãousados clinicamente como agentes antidiabéticos (39).

Os C/EBPs são membros da família b-zip(domínio básico de ligação do DNA), que contém umdomínio zipper de leucina necessário para a dimerização.As isoformas do C/EBP (α, β e δ) são altamente expres-sas no adipócito e são induzidas durante a adipogênese.O C/EBPα tem um papel importante na diferenciaçãode pré-adipócitos em adipócitos e atua na conversão defibroblastos em adipócitos. O C/EBPβ também induzadipogênese, possivelmente por estimular a expressão

do PPARγ, cujo gene contém sítios C/EBP na suaregião promotora. Foi demonstrado que o PPARγ é umpotente estimulante da cascata de diferenciação celulardo adipócito e atua sinergisticamente com C/EBPαpara promovê-la (40) ou para induzir a diferenciação defibroblastos em adipócitos (41). C/EBPα e PPARγ seligam à região promotora e ativam genes específicos doTAB, tais como a proteína ligadora de ácidos graxos(conhecida como aP2) e a fosfo-enol-piruvato carboxi-cinase (PEPCK).

Sabe-se que o envelhecimento é um processocaracterizado pelo declínio funcional de muitos sis-temas, incluindo o TAB, que se reduz em indivíduosidosos. Kirkland e cols. (42) identificaram que acapacidade de pré-adipócitos em se diferenciar e acu-mular lipídeos diminui com a idade.

Em estudos moleculares, verificou-se que aexpressão da C/EBPα diminuiu substancialmente emcultura de pré-adipócitos em processo de diferenciaçãocom o avançar da idade (43). Esta queda em função daidade atingiu vários grupamentos adiposos, como asgorduras periepididimal, inguinal e perirrenal.

Figura 2. Visão esquemática do processo de diferenciação do adipócito. O atual entendi-mento da diferenciação do adipócito indica que precursores de células tronco pluripotentesdão origem a células precursoras mesenquimais com um potencial de se diferenciarem emmioblastos, condroblastos, osteoblatos e adipócitos. Seletivas moléculas acompanham esteprocesso de diferenciação como indicado acima, com sua duração aproximada representa-da pela linha sólida. (Adaptado de ref. 58)PPAR-γ= receptor γ ativado por proliferadores de peroxissomas; C/EBP= proteína amplificado-ra ligante ao CCAAT; Pref-1= fator pré-adipócito 1; MEC= matriz extracelular; AG= ácido graxo.

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Essas mudanças na expressão dos fatores detranscrição não influenciaram apenas a diferenciação,mas também a função metabólica da célula adiposa.Com efeito, uma redução do tamanho do adipócito euma menor expressão de C/EBPs prejudicaram a to-lerância à glicose através do comprometimento daexpressão da isoforma 4 do transportador de glicose(GLUT4), entre outros mecanismos.

INFLUÊNCIA DA GLÂNDULA PINEAL SOBRE ABIOLOGIA DO ADIPÓCITO

O “órgão” adiposo, como já foi mencionado, produzvários hormônios e peptídeos ativos, tais como leptina,adiponectina, adipsina, inibidor do ativador de plas-minogênio 1 (PAI-1), proteína estimulante de acilação(ASP), angiotensinogênio e fator de necrose tumoral-α (TNF-α), e esta lista vem sendo constantementeampliada com a descoberta de novas substâncias bio-logicamente ativas. Adicionalmente, para o seu desen-volvimento (determinação e diferenciação) como parao seu funcionamento, o tecido adiposo está sob con-trole de uma ampla gama de hormônios, alguns comatividade predominantemente catabólica (como ascatecolaminas) e outros com atividade predominante-mente anabólica (como a insulina). Outros ainda,como os glicocorticóides, possuem um papel permissi-vo e outros, como os hormônios tireoidianos, sãoimportantes nas primeiras etapas da embriogênese dotecido adiposo; também à esta lista, mais hormôniosvêm sendo acrescentados por desempenharem açõesimportantes sobre este tecido, como é o caso do TNF-α e da melatonina.

Com relação à melatonina, produto hormonal daglândula pineal, esta tem sido recentemente implicadacom a função do tecido adiposo. Um elo funcionalentre a glândula pineal e o tecido adiposo se tornoumais evidente após estudos pioneiros envolvendoadipócitos isolados de tecido adiposo branco incubadoscom a melatonina, mostrando que este hormônioaumenta a sensibilidade à insulina medida através detestes de captação de glicose (44), e que a pinealectomialeva ao desenvolvimento de resistência à insulina, comredução do conteúdo e da expressão gênica de GLUT4neste tecido (45). Em estudos mais recentes (46), cons-tatou-se que a pinealectomia provocou resistênciainsulínica e hipercorticosteronemia em todos oshorários estudados ao longo das 24 h do dia e, ainda,provocou uma alteração diária nos parâmetros metabóli-cos dos adipócitos de forma a resultar num quadro deinadequação entre os requerimentos energéticos e a

capacidade de mobilizá-los de acordo com o ciclo diáriode atividade-repouso. Esse mesmo efeito de desorgani-zação rítmica metabólica provocada pela pinealectomiafoi constatado quando se estudou resposta secretória deinsulina em ilhotas pancreáticas isoladas frente a um estí-mulo glicêmico (47).

A partir destes dados, estudaram-se os mecanis-mos desse quadro de resistência insulínica e de inca-pacidade de ajuste metabólico de animais pinealec-tomizados frente a várias exigências ambientais, taiscomo o jejum e o exercício físico. Os resultados obti-dos após o treinamento físico de ratos por 8 semanasmostraram que animais pinealectomizados não con-seguiram melhorar o seu desempenho metabólicofrente ao exercício, persistindo a resistência à insulinae uma piora geral do quadro metabólico. Adicional-mente, o conteúdo plasmático de leptina nestes ani-mais mostrou-se significativamente reduzido emdecorrência da pinealectomia (48). Em outro trabalho(49), investigaram-se as respostas adaptativas ao jejumde 36 h em animais pinealectomizados. A pinealecto-mia intensificou a atividade do eixo hipotálamo-hipó-fise-adrenal de forma a elevar consideravelmente a cor-ticosteronemia, além de induzir queda importante daleptina plasmática. Com efeito, a pinealectomia acen-tuou a resistência insulínica ao longo do jejum, aomesmo tempo em que reduziu a atividade anabólica deadipócitos determinada por testes biológicos in vitro,isto é, intensificou a oxidação de glicose e reduziu asíntese de lipídios. Portanto, a deficiência da melato-nina prejudicou a adaptação metabólica e impediu oanimal de enfrentar condições estressantes (como exer-cício e jejum, por exemplo) e de se ajustar metabolica-mente a elas. Em adição, a produção hormonal de lep-tina pelo TAB de ratos pinealectomizados se mostroumais reduzida que a de animais intactos durante ojejum e após um programa de treinamento físico, aomesmo tempo em que aos níveis plasmáticos de corti-costerona estavam mais elevados. Estes dados reve-laram que ratos pinealectomizados apresentavam umquadro de hipercorticosteronemia persistente (níveisdo glicocorticóide elevados em cerca de 2 vezes o valorencontrado em ratos intactos). Como se pode ver, aglândula pineal, por atuar como um sincronizadorinterno do metabolismo energético e como um elo deconexão entre o meio ambiente e o organismo animal,parece funcionar em conjunto com o tecido adiposocomo um grande sistema da adaptação metabólica aosdesafios ambientais e ao estresse.

As questões levantadas por estes estudos comanimais pinealectomizados a respeito do controle dasecreção de leptina por insulina, glicocorticóides e pela

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melatonina foram abordadas em outros estudos sobreos mecanismos de regulação da expressão gênica esecreção de leptina em adipócitos isolados mantidosem cultura primária, tratados com ou sem melatoninae combinações com os hormônios insulina e dexa-metasona. Em resumo, a melatonina exerceu aguda-mente (6 h de incubação) um efeito permissivo, fun-damental para a ação da insulina sobre a expressãogênica de leptina. Este efeito foi bloqueado por toxinapertussis e forskolin. Convém mencionar que a mela-tonina exerce seus efeitos biológicos por interação comreceptores de membrana e intracelulares. São conheci-dos dois subtipos de receptores de membrana paramelatonina (MT1 e MT2). A interação da melatoninacom esses receptores de membrana desencadeia a ati-vação de proteína G inibitórias (Gi), resultando naredução da atividade da Adenil-ciclase e queda da ge-ração de AMPc. Pelo uso de dois antagonistas destesreceptores: 1) 4P-PDOT, que é seletivo para o subtipoMT2, e 2) Luzindol, antagonista não seletivo (interagecom receptores MT1 e MT2) (50), demonstrou-se queo efeito da melatonina sobre a síntese e secreção daleptina se dá pela sua ação em receptores do subtipoMT1 (51). Estes dados revelam uma participaçãoimportante da melatonina sobre a regulação deexpressão gênica de leptina, bem como o seu papelmodulador sobre a ação de outros hormônios.

Deste modo, a resposta à insulina é moduladapela melatonina, e esta interação não está limitada aosaspectos metabólicos, mas abrange outras funções doadipócito, interferindo com a sua habilidade de fun-cionar como um órgão endócrino.

Para o esclarecimento do mecanismo básicodeste sinergismo melatonina/insulina são necessáriasainda mais investigações. É sabido que a insulina mo-dula eventos intracelulares por reduzir concentraçõescitoplasmáticas de AMPc (52,53), e, portanto, estepoderia ser, por exemplo, o mecanismo pelo qual ainsulina regula a expressão da leptina (uma vez que umaumento do conteúdo intracelular de AMPc leva àdiminuição da produção desta adipocina). Dessa forma,considerando-se que a propagação intracelular do sinalbiológico da insulina, envolvendo fosfatidil-inositol-3’-cinase (PI3K)/Cinase protéica B (PKB/AKT)/Fos-fodiesterases (PDE3B, PDE4D), leva à metabolizaçãoe degradação de AMPc, pode-se postular que a insuli-na cause decréscimo da concentração destenucleotídeo, reforçando o efeito da melatonina.

Para esclarecer estes mecanismos, as etapas inici-ais de sinalização da insulina após incubações commelatonina foram investigadas. Os resultados mostra-ram que a melatonina aumentou o grau de fosforilação

em tirosina da sub-unidade β do receptor de insulina(IRβ), sem modificar o seu conteúdo protéico. Esteefeito se propagou pela cascata de sinalização da insuli-na, já que um aumento de fosforilação em serina daproteína AKT de intensidade semelhante também foievidenciado. A habilidade da melatonina em ativar asinalização da insulina (envolvendo a ativação de seureceptor de membrana) também foi demonstradarecentemente em hipotálamo de ratos (54). Tao e cols.(55) demonstraram recentemente que a ativação daproteína Gia2 melhora a sinalização da insulina porsupressão da atividade da fosfotirosina fosfatase 1B(PTP1B, enzima que causa desfosforilação do IRβ ereduz a sua atividade) e, ainda, que a supressão daexpressão da proteína Gia2 provoca resistência à insuli-na. Considerando-se que a ação da melatonina ocorrepreferencialmente através do receptor de membranaacoplado à proteína Gi (56), estes dados reforçam ahipótese de sinergismo entre melatonina e insulina.Uma hipótese para explicar o mecanismo do sinergis-mo melatonina/insulina propõe que a melatonina(agindo sobre MT1 e ativando proteína Gi) modulariaa capacidade tirosil-cinase do IRβ mediante a ativaçãode fosfotirosinas fosfatases específicas, que são regu-ladas por variações do conteúdo de AMPc. Estahipótese, entretanto, requer investigações futuras.

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Endereço para correspondência:

Fabio B. LimaDepto. de Fisiologia e BiofísicaInstituto de Ciências BiomédicasUniversidade de São PauloAv. Prof. Lineu Prestes 152405508-900 São Paulo, SPFax: (11) 3091-7248E-mail: [email protected]