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Faculdade de São Bento Licenciatura em Filosofia Maria Isabel Gonçalves de Souza Nogueira da Silva A indeterminação da essência em O ente e a essência de São Tomás de Aquino São Paulo Junho/2018

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Faculdade de São Bento

Licenciatura em Filosofia

Maria Isabel Gonçalves de Souza Nogueira da Silva

A indeterminação da essência

em O ente e a essência de São Tomás de Aquino

São Paulo

Junho/2018

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Faculdade de São Bento

Licenciatura em Filosofia

Maria Isabel Gonçalves de Souza Nogueira da Silva

A indeterminação da essência

em O ente e a essência de São Tomás de Aquino

Monografia apresentada no Curso de Filosofia da Faculdade de São Bento de São Paulo como exigência para obtenção do título de Licenciada em Filosofia.

Orientador: Prof. Dr. Pedro Monticelli

São Paulo

Junho/2018

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FACULDADE DE SÃO BENTO

Maria Isabel Gonçalves de Souza Nogueira da Silva

A indeterminação da essência

em O ente e a essência de São Tomás de Aquino

Monografia apresentada à Faculdade de São Bento, como parte dos requisitos para obtenção do título de licenciada em Filosofia.

Aprovada com média: 10

São Paulo, 27 de junho de 2018.

Banca examinadora:

Prof. Dr. Pedro Monticelli

Prof. Ms. D. João Evangelista Kovas

Profa. Dra. Elaine Camunha

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Aos meus pais, Fátima e Gilmar.

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Agradecimentos

Agradeço aos meus pais, familiares, amigos e colegas, que me acompanharam nessa

jornada e que tantas coisas me ensinaram.

Agradeço à Faculdade de São Bento, ao corpo diretivo, aos coordenadores e

funcionários, que, sempre com grande diligência e competência, possibilitaram o máximo

aproveitamento do curso.

Agradeço ao corpo docente da Faculdade, e, particularmente, ao Prof. Pedro

Monticelli, por sua grande dedicação e exemplo de mestre.

Agradeço à editora Cultor de Livros, e de maneira especial, a Luiz Eduardo e

Vanessa, pelo indispensável apoio.

Agradeço também à amiga Landy, que gentilmente leu a primeira versão deste

trabalho.

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Resumo

Na abstração das essências, o intelecto separa os princípios essenciais dos princípios

individuais, e, segundo o que é “comum a muitos”, reúne indivíduos em uma mesma espécie e

em um mesmo gênero. O indivíduo pode então ser predicado, essencialmente, segundo as

intenções lógicas. Em O ente e a essência, São Tomás faz notar que, ainda que a predicação

pelas intenções lógicas determine os princípios essenciais, os princípios individuais

permanecem na essência, porém, indeterminadamente. Essa indeterminação pode ser maior ou

menor, segundo a precisão da definição. Este trabalho procurará estudar como a predicação se

dá por meio das intenções lógicas, tomando as diferentes acepções de essência, e destacando o

elemento da indeterminação em cada um dos predicáveis. A seguir, tomando a essência a

modo de todo, relativamente considerada, adentraremos o problema dos universais, para,

enfim, vermos de que maneira essa indeterminação pode garantir a adequação da predicação

universal.

PALAVRAS-CHAVE: intenções lógicas; indeterminação; predicação; essência; individuação.

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Abstract

In the abstraction of the essence, the intellect separates the essential principles from

the individual principles, and according to what is “common to many”, gather individuals into

the same species and in the same genus. Then, through logical intentions, the individual can

be predicated essentially. In On Being and Essence, St. Thomas Aquinas points out that,

although predication through logical intentions determinates the essential principles, all

individual principles remain in essence, but indeterminately. According to the precision of the

definition, the indeterminacy can be more or less extensive. This paper aims to study how

predication occurs through logical intentions, taking the different meanings of essence,

distinguishing the element of indeterminacy in the logical intentions. Afterward, taking the

essence signified as a whole, it will achieve the problem of universals, in order to understand

how the indeterminacy is able to guarantee the adequacy of universal predication.

KEYWORDS: logical intentions; indeterminacy; predication; essence; individuation.

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Lista de abreviações e siglas

CG Suma contra os gentios

De ente O ente e a essência

ST Suma Teológica

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Sumário

Folha de aprovação ......................................................................................................3

Dedicatória ...................................................................................................................4

Agradecimentos ...........................................................................................................5

Resumo ........................................................................................................................6

Abstract ........................................................................................................................7

Lista de abreviações e siglas ........................................................................................8

Sumário ........................................................................................................................9

1. Introdução: O opúsculo O ente e a essência .............................................................11

1.1. Contexto histórico: o opúsculo em seu tempo .............................................11

1.2. O conteúdo de O ente e a essência ..............................................................14

1.3. A essência e a indeterminação .....................................................................15

2. Noções introdutórias .................................................................................................18

2.1. As noções de ente, essência e ser .................................................................18

2.2. As substâncias compostas e a matéria assinalada

como princípio de individuação ...................................................................19

2.3. A essência e as intenções lógicas .................................................................21

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3. A essência como todo e como parte .......................................................................23

3.1. A essência tomada como todo .....................................................................23

3.2. A essência tomada como parte .....................................................................28

4. A essência absoluta e relativamente considerada ..................................................31

4.1. A essência absolutamente considerada ........................................................31

4.2. A essência relativamente considerada

e a predicação universal ...............................................................................33

Considerações finais .................................................................................................37

Bibliografia ...............................................................................................................39

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1. Introdução

O opúsculo O ente e a essência

1.1. Contexto histórico: o opúsculo em seu tempo

O opúsculo O ente e a essência de São Tomás de Aquino foi escrito para seus irmãos

e companheiros em sua juventude, quando não era ainda Mestre-regente em exercício,

provavelmente entre 1252 e 1256.1 Nessa época, São Tomás de Aquino começava a exercer

seu magistério no Studium Generale dos Dominicanos, na Universidade de Paris, e era

discípulo de Alberto Magno.

A obra foi concebida em um ambiente de redescoberta das obras de Aristóteles pelos

ocidentais, as quais já vinham sendo estudadas e traduzidas pelos árabes desde o século XII.

Aristóteles fora então recebido pelos cristãos com curiosidade e, até certo ponto, com

desconfiança. Essa desconfiança deve-se, provavelmente, porque o corpus aristotelicum

provinha de fontes não-cristãs: sua recepção nos ambientes cristãos fora mediada, em

primeiro lugar, pelas traduções e comentários dos árabes e, o que é mais relevante, o próprio

Aristóteles era pagão e não havia conhecido a Revelação.

Até então, a filosofia no meio cristão procedia quase exclusivamente da ciência

sagrada, arraigava-se na filosofia agostiniana e subordinava-se inteiramente à fé. Com a

chegada do aristotelismo à Universidade de Paris, faz notar Forment2, a relação de

dependência mútua entre a filosofia e a teologia pareceu ficar ameaçada. Acrescenta-se a isso

a tradução para o latim das obras de Averróis, que lucraram notável prestígio naquele

ambiente, e que traziam consigo alguns elementos opostos à fé cristã. Em reação a essa

mudança de direção da filosofia cristã, as obras do estagirita foram expressamente proibidas

por autoridades eclesiásticas sucessivas vezes.3

1 Cf. TORRELL, J.-P., OP. Iniciação a Santo Tomás de Aquino – Sua pessoa e sua obra. Trad.: Luiz Paulo Rouanet. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2004, p. 57. 2 FORMENT, E., “La síntesis Filosófico-Teológica de Santo Tomás” em AQUINO, T. El ente y la

esencia. Traducción, estudio preliminar y notas de Eudaldo Forment. 2. ed. Pamplona: EUNSA, 2006, p. 10. 3 Em 1210, deu-se a primeira proibição das obras de Aristóteles, no Sínodo da Província Eclesiástica de Sens, nos seguintes termos: “E não se leiam [ou seja, não haja lectio, não se expliquem aos alunos] os livros de Aristóteles de Filosofia natural, nem seus comentários [provavelmente árabes, de sabor neoplatônico], nem em público [nas aulas], nem em segredo [privadamente], sob pena de incorrer em

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Tomou força então o movimento do agostinianismo, em frontal oposição ao

aristotelismo, ao averroísmo e, mais tarde, ao avicenismo. As doutrinas erigidas por esse

movimento, contudo, não são estrita e rigorosamente agostinianas – tal como a interpretação

da doutrina da iluminação atrelada à teoria do intelecto agente separado4 –, mas o nome de

Santo Agostinho fornecia um argumento de autoridade aos seus representantes.

Cabe destacar, contudo, que o próprio São Tomás enfrentou a doutrina de Avicena

no que diz respeito aos elementos opostos à fé cristã, mas não deixou de concordar com as

teses filosóficas compatíveis com seu sistema. A influência de Avicena sobre Tomás pode ser

notada pelo abundante número de citações no opúsculo, e abrangem teses como a doutrina dos

universais, a distinção real entre essência e ser e o princípio de individuação.

No entanto, apesar de seguir Avicena em muitos pontos, não deixa de divergir em

outros, sobretudo no que se refere ao fundamento metafísico. Um exemplo disso é a acima

mencionada distinção real entre essência e ser. Para Avicena, há distinção realmente, porque

se pode pensar a essência independentemente do que a representamos como existente em um

indivíduo. No entanto, o ser seria um acidente necessário, porque dependeria de outro. Para o

Doutor Angélico, por outro lado, o esse (ser) não é algo acidental.5

São Tomás dialoga com diferentes autores, não-cristãos e pagãos, porém, não por

uma “postura eclética”, como destaca Forment6, mas por seu compromisso com a verdade.

Isso é o que se nota quando toma argumentos e teses de diferentes pensadores, muitos deles já

citados, e examina-os à luz da razão. Não é outra sua intenção e método ao tomar as teses do

“Filósofo” – como chama Aristóteles –, gerando um aristotelismo que, nas palavras de Fraile,

excomunhão” (CUP, I, 11 apud SARANYANA, 2006, p. 291). Em 1215, essa proibição foi renovada por Robert de Courçon no Legado Pontifício, na aprovação dos Estatutos da Universidade de Paris. Em 1231, o Papa Gregório IX reafirmou a proibição, com ressalvas: “Não se empreguem em Paris [os livros de Aristóteles], antes de serem examinados e expurgados de toda suspeita de erro” (CUP I, 79 apud ibidem, p. 292). Em 1245 e em 1263, os Papas Inocêncio IV e Urbano IV fizeram o mesmo. 4 Cf. FORMENT, 2006, p. 11. Para mais sobre as doutrinas de Avicena, Averróis e Avicebron, cf. GILSON, E. A filosofia da Idade Média. Trad.: Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 466-510. 5 Cf. SARANYANA, J-I. A filosofia medieval. Das origens patrísticas à escolástica barroca. Trad.:

F. Salles. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), 2006, p. 229. 6 FORMENT, 2006, p. 11.

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“não é puro, mas depurado”7. São Tomás contribui para a exposição de um aristotelismo

autêntico, e, ao mesmo tempo, sem conflitos com a Revelação, porque tem em vista o

conhecimento verdadeiro. Nas palavras de Gilson:

Aristóteles conhecia apenas uma teologia: a que faz parte da metafísica. São Tomás, por sua vez, conhecia duas: a que faz parte da metafísica e a que a transcende [...]. Portanto, era inevitável que, nesse ponto, como em tantos outros, a teologia de São Tomás exercesse sobre seu aristotelismo uma influência que alguns qualificariam de perturbadora, mas na qual devemos ver, antes, a fonte do pensamento filosófico o mais pessoal e o mais autenticamente criador.8

Talvez por isso a recepção das obras tomistas viesse tão acompanhada de críticas e

dissenso. Por um lado, conceituados mestres, como Alberto Magno, Siger de Brabante e

Roger Bacon, dialogavam e indicavam a doutrina tomista. Por outro, o estranhamento dirigido

à doutrina aristotélica arrastava consigo algumas teses (por vezes, mal compreendidas) do

Aquinate. É conhecida, por exemplo, a condenação de 7 de março de 1277, erigida por

Étienne Tempier. No entanto, os pontos criticados pouco se referiam diretamente a São

Tomás, e deviam-se principalmente ao afastamento do agostinianismo-neoplatonismo.

Parte da condenação foi anulada após a canonização de São Tomás, que se deu em

1323. Paulatinamente, os escritos do Doutor Angélico passaram a ser cada vez mais

estudados, e tomados como referência de filosofia cristã. Ao final do século XIX, sobretudo

após a encíclica Aeterni Patris de Leão XIII, em 1879, o prestígio pareceu atingir seu cume.

E, ainda hoje, descobrem-se tesouros nos escritos de São Tomás de Aquino, que muito

contribuem para o desenvolvimento da atividade filosófica.

7 FRAILE, G., OP. Historia de la Filosofia II, Madri: BAC, 1966, p. 642s, citado por MOURA, O., OSB. “Introdução” em AQUINO, O ente e a Essência – texto latino e português. Introdução, tradução e notas de D. Odilão Moura, OSB. Rio de Janeiro: Presença, 1981, p. 20, nota 22. 8 GILSON, E. O ser e a essência. Vários tradutores. São Paulo: Paulus, 2016, p. 98.

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1.2. O conteúdo de O ente e a essência

A obra O ente e a essência veio a lume como um esforço para sistematizar e explanar

importantes teses metafísicas, muitas delas inspiradas no estagirita, mas elaboradas e

transmitidas com tal autenticidade por São Tomás, que, além de inserir-se em discussões

filosóficas então vigentes, entram definitivamente para a História da Filosofia como um

tratado de Metafísica.9

São Tomás abre o opúsculo com uma citação do livro I de De caelo et mundo,

afirmando que “um pequeno erro no princípio é grande no fim”, servindo de alerta para a

dimensão do estudo que será empreendido. O objeto desse estudo é anunciado logo a seguir,

em palavras de Avicena: “o ente e a essência são o que é concebido primeiro pelo intelecto”.

Manifesta que serão expostos “o que é significado pelo nome de essência e de ente, como se

encontra em diversos e como está para as intenções lógicas”, passando à significação da

essência, “de modo que, começando pelo mais fácil [a significação de ente], o aprendizado se

dê de maneira mais adequada”10.

Dom Odilão Moura, na Introdução à sua tradução do opúsculo, compendia o

conteúdo tratado da seguinte maneira:

Dá-nos o Opúsculo a noção de ente e as suas diversas divisões: ente real e ente de razão; o ente real dividindo-se em substância e acidente; a substância dividindo-se em substância simples e composta; a substância simples dividindo-se em ato puro, inteligências separadas e alma humana. [...] Da substância e dos acidentes, explicita qual seja o princípio de individuação e a razão da multiplicação (ou não).11

O Capítulo I de O ente e a essência dedica-se à noção de ente (n. 3), e, tomando a

noção de ente real, afirma poder dividi-lo nas dez categorias, isto é, pode ser substância ou um

9 Caetano (1468-1534), um de seus mais conhecidos intérpretes, considerou o opúsculo um resumo do pensamento filosófico de São Tomás, e, em razão disso, elaborou seu Comentário a fim de auxiliar seus alunos na Universidade de Pádua a compreenderem o sistema do Aquinate. Posteriormente, encontramos diversos autores que se dedicaram ao estudo da obra e que reafirmaram sua importância. Alguns dos mais conhecidos são Rafael Ripa, José Pecci, Boyer, Abelardo Lobato, Roland-Gosselin, Baur e Perrier. 10 De ente, nn. 1-2. Neste trabalho, as citações e a numeração de O ente e a essência serão tiradas da tradução de Carlos Arthur do Nascimento (Petrópolis: Vozes, 1995). 11 MOURA, 1981, p. 23.

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15

dos nove acidentes. O ente como acidente será analisado ao final do opúsculo, mas não neste

trabalho.

É introduzida também nesse capítulo a noção de essência, que é relevante para esta

pesquisa e que será retomada diversas vezes: “é preciso que a essência signifique algo comum

a todas as naturezas, pelas quais os diversos entes são colocados em diversos gêneros e

espécies”12.

As substâncias podem ser simples ou compostas. Há uma anterioridade das

substâncias simples sobre as substâncias compostas, dado que a primeira substância simples,

que é Deus, é causa das outras, e que nas outras substâncias simples “há essência [...] de um

modo mais verdadeiro e nobre”13.

No entanto, na ordem do conhecimento, as substâncias compostas são-nos mais

manifestas, fazendo com que, também na ordem de exposição da obra, estas tenham

prioridade sobre aquelas.

A substância pode ainda ser tomada de outro modo: como substância primeira ou

substância segunda. Substância primeira é aquela cuja essência é encontrada nos singulares,

individual e sem definição, e a substância segunda é aquela encontrada nas intenções lógicas,

apta a ser predicada de muitos e expressa na definição dos entes da mesma espécie.

A discussão a respeito das substâncias é para nós de grande interesse, porque traz

consigo algumas precisões terminológicas14, e abre campo para a abordagem do problema da

indeterminação.

1.3. A essência e a indeterminação

O ente pode ser predicado segundo as intenções lógicas. As intenções lógicas gênero,

espécie e diferença específica significam a essência e expressam o todo do ente. Contudo,

para que isso seja possível, é preciso determinar o que é comum a vários singulares:

O que é comum a muitas coisas não é algo fora delas, a não ser por distinção de razão, como, por exemplo, animal não é algo extrínseco a Sócrates, a

12 De ente, n. 4. 13 Ibid., n. 8. 14 Algumas delas serão enumeradas no Capítulo 2, a fim de esclarecer seu uso neste trabalho.

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16

Platão, ou aos demais tipos de animais, senão a apreensão intelectiva, a qual apreende a forma animal, destituída das notas individualizantes e especificantes.15

O intelecto, distinguindo o que é comum a vários, abstrai uma noção uniforme a

todos aqueles indivíduos, prescindindo daquilo que é próprio apenas daquele indivíduo.16 Por

isso, animal pode ser atribuído a Sócrates e a Platão, porque ambos possuem a essência de

animal.

É patente, contudo, que entes da mesma espécie possuem em comum os princípios

essenciais, mas possuem muitas outras notas que não são expressas explicitamente na

predicação essencial. Em outras palavras, os indivíduos distinguem-se uns dos outros não

somente pelo número, mas também pelas características que lhe são próprias, às quais damos

o nome de diferenças individuais ou notas individualizantes. A elas opõem-se as notas

essenciais, que são aquelas comuns a todos os indivíduos da mesma espécie, e que

possibilitam a definição. São, portanto, abstraídas as notas individualizantes para que se

obtenha tão-somente a essência.

Para que uma mesma noção universal possa ser atribuída a muitos particulares, tendo

em conta que esses particulares diferem entre si por suas diferenças individuais, é preciso que

essa noção, em primeiro lugar, prescinda das diferenças particulares para expressar

determinadamente apenas o que é essencial, e que, em segundo lugar, possa conter,

indeterminadamente, todas as diferenças individuais que possam existir realmente naqueles

particulares.

Não há indeterminação apenas na referência da noção universal ao particular, como

também nas próprias intenções lógicas, que são usadas na predicação, porque contêm em si

um maior ou menor grau de indeterminação. São Tomás refere-se a esse problema de diversas

maneiras e em diferentes partes do opúsculo.17 Diz, por exemplo, que “se o animal [gênero]

15 CG I, XXVI, 4. 16 “[...] conhecer consistirá, pois, em desprender das coisas o universal que nelas está contido. Será esse o papel da operação mais característica do intelecto humano, que designamos pelo nome de abstração.” (GILSON, 1995, p. 668) 17 No Capítulo II, isso se dá sobretudo após a enunciação do princípio de individuação (n. 17), em que afirma que “a designação do indivíduo a respeito da espécie é pela matéria determinada pelas dimensões” (n. 18). A indeterminação da espécie com respeito ao gênero aparece a seguir: “é pela diferença constitutiva, que é tomada da forma da coisa”; e ainda: “tudo o que está na espécie, está também no gênero como não determinado” (n. 19). Outras ocorrências do problema, conforme expostas pelo filósofo, serão apresentadas ao longo do trabalho.

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17

não fosse tudo o que é homem [espécie], mas uma parte dele, não seria predicado dele, visto

que nenhuma parte integral se predica do seu todo”18. Assim, a definição se dá, em primeiro

lugar, e menos determinadamente, no gênero; acrescentada a diferença específica, tem-se a

espécie como definição mais determinada.

[...] nas coisas cujas definições conhecemos, primeiramente as colocamos

em um gênero, e isso nos leva a saber o que cada uma tem de comum com as

outras; depois, acrescentamos as diferenças pelas quais se distinguem das

demais.19

A indeterminação, portanto, consiste precisamente na abstração das diferenças. Há

uma maior determinação quanto mais diferenças são designadas na predicação, ao passo que,

no indivíduo, há tão-somente a determinação.

Este trabalho procurará estudar, em primeiro lugar, como a predicação se dá por

meio das intenções lógicas, como exposto no Capítulo II de O ente e a essência, tendo em

vista as diferentes acepções de essência e destacando o elemento da indeterminação em cada

um dos predicáveis. A seguir, tomando a essência a modo de todo e relativamente

considerada, adentraremos o problema dos universais, para, enfim, ao analisar o Capítulo III

do opúsculo, vermos de que maneira essa indeterminação pode garantir a adequação da

predicação universal.20

Para isso, usaremos principalmente os comentários ao opúsculo de Eudaldo Forment,

Dom Odilão Moura e Dom João Evangelista Kovas.21 Para as citações, usaremos a tradução e

numeração usadas por Carlos Arthur do Nascimento.

18 De ente, n. 19. 19 CG I, I, 1. 20 Cf. KOVAS, D. J. E. Comentário parágrafo por parágrafo de O ente e a essência de São Tomás

de Aquino, capítulos 1-3. São Paulo: Faculdade de São Bento, p. 44. 21 Todas as obras estão citadas nas notas anteriores, bem como nas referências bibliográficas. Cabe ressaltar que as citações da obra de Eudaldo Forment são traduções livres de nossa autoria, e que o texto original está publicado em espanhol. O mesmo é válido para as outras obras citadas, publicadas originalmente em inglês ou em espanhol.

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2. Noções introdutórias

Para dar início ao trabalho, cabe distinguir e explicitar alguns termos, como são aqui

empregados.

2.1. As noções de ente, essência e ser

O ente (ens), objeto da Metafísica, é “aquilo que é” (id quod est). No Capítulo I, ao

referir-se ao ente, São Tomás faz notar duas acepções. A primeira é a do ente real, segundo os

dez gêneros22, no qual “não pode ser dito ente senão aquilo que põe algo na coisa”23. A

segunda acepção é a do ente de razão, que diz respeito à verdade das proposições, modo em

que as privações e negações são ditas entes. Esse ente não tem modo de ser real, e, por isso,

não será abordado com mais detalhes neste trabalho.

A essência (essentia) é o que faz com que uma coisa seja o que é: “por ela e nela o

ente tem ser”. Ela tem, portanto, uma dupla função: a de diferenciar o ser (“por ela”) e a de

sustentar o ser (“nela”). Na primeira, a essência determina o ser. “É preciso que a essência

signifique algo comum a todas as naturezas, pelas quais os diversos entes são colocados em

diversos gêneros e espécies”24 e, ainda, “a coisa não é inteligível senão pela sua definição e

sua essência”25. Na segunda, a essência é o sujeito ou “recipiente” do ato de ser.

A essência pode ser tomada como forma, mas no sentido de forma totius, como o

abstrato do concreto ou individual. Assim, expressa os princípios essenciais, sem incluir o que

não pertence à essência. Por outro lado, a forma partis, forma enquanto parte da essência das

substâncias compostas, determina a matéria, dando-lhe atualidade; é parte das essências, tanto

abstratas quanto concretas.

A essência abstrata inclui os mesmos elementos essenciais que a essência concreta,

comum e singular, mas não são o mesmo. A essência abstrata é aquilo segundo o qual algo é,

aquilo pelo qual algo é de determinada espécie, com exclusão dos princípios individuantes. A

22 O conceito de ente não é ele mesmo um gênero, como são as categorias. Aponta Forment (2006, p. 69) que “o ente se divide em dez gêneros, não como um gênero em outros subgêneros, mas como um conceito análogo se divide em seus analogados”. 23 De ente, n. 3. 24 Ibid., n. 4. 25 Ibid., n. 5.

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essência concreta, por sua vez, inclui os princípios individuantes, não apenas os essenciais. “A

essência abstrata é um todo que se significa como parte.”26

O ser (esse) é o ato do ente. É o ato constitutivo e mais radical; aquilo pelo qual as

coisas são. O ato de ser atualiza a essência. É perfeição comum a todos os entes, e, neles, está

limitado pela essência.

A essência, que enquanto tal é ato, ato essencial, comporta-se com respeito ao ser como potência ou capacidade sustentante. O ser, ato do ente, é a atualidade de todos os atos essenciais. É o ato dos atos. [...] É a primeira atualidade, o ato primeiro ou fundamental.27

Potência (potentia) é a capacidade de ter uma perfeição. Ato (actus) é a perfeição que

um sujeito possui. O ser é a “atualidade de todos os atos essenciais”, e é o que atualiza o ente.

A essência, com respeito ao ser, possui a capacidade de ser atualizada, constituindo assim o

ente.

2.2. As substâncias compostas e a matéria assinalada como princípio de individuação

A substância (substantia) é o substrato permanente e estável. Substância é aquela

cuja essência ou natureza compete ser em si, não em outro sujeito. Por outro lado, o acidente

(accidens) é aquele a cuja essência convém ser em outro.

A substância é substrato do acidente, não apenas enquanto “suporte”, mas também

porque lhe confere o ser. É também causa dos acidentes que derivam dela mesma. Ela pode

ainda ser aperfeiçoada por seus acidentes. Segundo Dom Odilão Moura, a “razão formal da

substância é a subsistência”. Portanto, o “constitutivo formal da substância não é negação de

ser em outro, nem sustentar os acidentes, mas subsistir em si mesma.”28

As substâncias compostas são constituídas por forma e matéria, e por essência e ato

de ser. A forma substancial é princípio determinante da essência, é a que limita ou restringe o

ato de ser. A matéria é princípio passivo, pois é potência com relação à forma, que é ato. A

forma é princípio do ser do ente e tem prioridade sobre a matéria (é principium essendi). A

26 FORMENT, 2003, p. 71. 27 Ibid., p. 75. 28 CG I, 25 apud MOURA, 1981, p. 121.

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matéria é pela forma, e não o contrário.29 A forma determina a matéria; o ser não determina a

forma, mas é determinado por ela. A forma determina o ser, limitando sua atualidade e, de

outra maneira, determina também a matéria, conferindo-lhe atualidade.

A matéria é princípio de individuação das substâncias compostas.30 A essência dos

entes existe apenas individualizada. “A multiplicação do ato se deve (...) à potência, e por isso

cabe adiantar que, dentro da essência das realidades corpóreas, a matéria é o princípio

multiplicador das formas.”31 A matéria é o que faz possível que, num mesmo grau de ser, haja

pluralidade de indivíduos. Os indivíduos de uma mesma espécie não apenas são muitos, como

também são distintos entre si. Essa multiplicação se mantém dentro dos limites postos pela

espécie. Por isso, é possível que um homem tenha cabelo loiro ou castanho, por exemplo, mas

não é possível que tenha a pele verde ou azul.

A matéria, além de multiplicar a forma, também a individualiza. É princípio passivo,

o que permite a multiplicidade dos indivíduos em uma mesma espécie. É também por ela que

há a individuação da essência.

[...] individuação não significa somente diversidade individual no modo de possuir uma perfeição comum, mas o fato de que alguma propriedade participável por muitos se encontre em situação de ‘singularidade’, sendo esta e não aquela. [...] É preciso notar que ‘o que se individualiza’ não é propriamente o ente (este é já individual), mas a forma comum, a propriedade participável por muitos.32

A matéria é princípio de individuação; “não tomada de qualquer maneira, mas apenas

a matéria assinalada”33. A matéria individua a essência, enquanto ela mesma é singular,

afetada pelo acidente quantidade. Cabe ressaltar que a individuação requer que intervenham

também a forma substancial e a quantidade. A matéria, uma vez atualizada pela forma, passa

a ter o acidente quantidade; esse acidente dá dimensões à matéria, fazendo-a “esta” matéria,

distinta das outras; a matéria, singularizada pela quantidade, individualiza a forma

29 Cf. ALVIRA, T.; CLAVELL, L; MELENDO, T. Metafisica. 5. ed. Pamplona: EUNSA, 1993, p. 99. 30 Cf. FAITANIN, P. “Identificación del Principio de Individuación en Tomás de Aquino”, Aquinate, n. 14, 2011, p. 3-19. Segundo este autor, ainda que São Tomás tenha formulado o princípio de individuação de diferentes maneiras, é sempre o mesmo o que expressa. 31 ALVIRA et al, 1993, p. 102. 32 Ibid., p. 103. 33 De ente, n. 17. São Tomás usa “materia signata” e “materia designata”. Aqui, usaremos “matéria assinalada” para ambas as ocorrências.

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específica.34 O individual contrapõe-se ao universal ou abstrato. Os acidentes também se

individuam, porém, não pela matéria, mas pelo próprio sujeito, que já é em ato.

O que se coloca na definição é a matéria não-assinalada, presente na formulação das

intenções lógicas, que expressam o ente universal e essencialmente.

2.3. A essência e as intenções lógicas

A essência pode ser expressa segundo as intenções lógicas: gênero, espécie e

diferença específica. A diferença é princípio determinante em cada intenção lógica. A

diferença genérica determina o gênero. Por exemplo, “sensitivo” é diferença genérica que

determina “animal” em “vivente”. A diferença específica é a que determina a espécie dentro

do gênero, como “racional” é a diferença específica de “homem”. A diferença individual é a

que determina este ou aquele indivíduo, dentro de uma mesma espécie: é o que faz com que

Pedro seja Pedro, e João seja João.

Intenção (intentio) é utilizada aqui como “o ato do entendimento a que se refere a

realidade entendida”35. São chamadas “intenções lógicas” por serem resultado de uma

reflexão intelectual pela qual o entendimento conhece seus próprios atos e as relações que

adquirem os conteúdos.36 As intenções lógicas são chamadas também “predicáveis”, porque

são as diversas maneiras de predicar ou atribuir o inteligido à realidade. “Tudo o que se

predica univocamente de muitos não pode ser mais que gênero, diferença, acidente ou

próprio.”37 Aqui, interessam-nos os três primeiros, pois são os que expressam o ente por sua

essência.

A diferença cumpre a função de determinação, ou, ainda, de assinalação.38 Implica

referência a outro, e se dá entre coisas que têm algo em comum. Duas espécies podem ter em

34 Cf. ALVIRA et al, 1993, p. 104. 35 FORMENT, 2006, p. 65. 36 Cf. idem. As intenções podem ser de primeira ou de segunda intenção. A primeira é resultado de um ato intelectual direto, e a segunda, de uma reflexão intelectual. As segundas intenções são as chamadas intenções lógicas. 37 CG, I, XXXII, 3. 38 “Nas substâncias compostas, a diferença existente entre essência genérica e essência específica provém da assinalação (ou determinação) feita pela diferença específica; a diferença existente entre a essência específica e a essência no indivíduo é feita pela assinalação da matéria pela quantidade.” (MOURA, 1981, p. 129)

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comum o gênero, e distinguirem-se pela diferença. Cabe notar que há uma maior

determinação na espécie, pois lhe é assinalada a diferença.

A essência genérica, considerada como um todo, contém de modo indeterminado todas as perfeições das essências específicas a elas subordinadas, e delas se pode predicar.39

O universal pode ser expresso pelos predicáveis40, ao passo que o indivíduo é o

sujeito último da predicação. O indivíduo não é, portanto, um predicável. Não conhecemos a

natureza do indivíduo enquanto indivíduo, mas por suas notas, que não se repetem em

nenhum outro indivíduo.

39 MOURA, 1981, p. 130. 40 “[...] se o predicado significa a própria essência, pode significá-la totalmente, e temos a espécie (in

quid complete); se a significa parcialmente, temos o gênero (in quid incomplete); ou pode significá-la qualitativamente e temos a diferença (in quale quid).” (MOURA, 1981, p. 132)

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3. A essência como todo e como parte

O Capítulo II do opúsculo trata da essência das substâncias compostas, entendida

como parte e como todo. Neste capítulo, afirma Moura, “considera-se a essência das

substâncias compostas, não mais na sua realidade física concreta, mas enquanto pensada em

conceitos abstraídos desta realidade, que são os predicáveis” 41.

Os predicáveis, como foi dito acima, são as intenções lógicas. Distinguem-se em

cinco modos na mente; para este estudo, interessam apenas três, que expressam o ente

essencialmente: gênero, espécie e diferença. Para compreender a predicação pelas intenções

lógicas, é preciso, em primeiro lugar, compreender o que abarca a essência das substâncias

compostas.

3.1. A essência tomada como todo

As substâncias compostas são constituídas de matéria e forma. O primeiro problema

tratado nesse capítulo de O ente e a essência (nn. 10-15), portanto, é se a essência das

substâncias compostas se dá apenas pela forma ou apenas pela matéria, pela relação entre

matéria e forma, ou pela matéria e forma.

É patente que a matéria por si só não seja a essência, pois ela mesma não é princípio

de conhecimento, e não é devido a ela que algo pode ser fixado em um gênero ou espécie.

Contudo, a forma sozinha também não é a essência da substância composta, pois a “definição

das substâncias naturais contém, não apenas a forma, mas também a matéria”42. Também não

se pode dizer que a essência signifique a relação entre matéria e forma, pois, assim, seria um

acidente.

Resta apenas que “o nome de essência nas substâncias compostas significa aquilo

que é composto de matéria e forma”43. Nas substâncias compostas, portanto, são princípios

constitutivos, essenciais, a matéria e a forma: não apenas uma, nem apenas outra, nem sua

41 MOURA, 1981, p. 131. 42 De ente, n. 12. 43 De ente, n. 15.

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relação. A forma é ato na matéria, e a matéria, que é princípio potencial, é tornada ente, e o

ente, algo. A forma confere à matéria uma determinação conforme a espécie.

Já que a matéria é princípio de individuação, poder-se-ia pensar que, se a essência

abarca tanto a matéria quanto a forma, diria respeito apenas ao particular, e não ao universal,

de maneira que os universais não teriam definição. São Tomás enuncia então a famigerada

fórmula do princípio de individuação: “a matéria é princípio de individuação, não tomada de

qualquer maneira, mas apenas a matéria assinalada”44. A matéria que é posta na definição do

universal, portanto, não é a matéria assinalada (determinada), mas a matéria não-assinalada,

considerada de maneira absoluta.

Portanto, a essência da espécie (homem) e a essência do indivíduo (Sócrates) diferem

tão-somente pelo assinalado e pelo não-assinalado. Vemos aparecer, pela primeira vez, o

elemento da indeterminação. A essência da espécie pode ser predicada do indivíduo, porque

expressa tudo o que há de essencial nele, e contém, indeterminadamente, tudo o que no

indivíduo está determinado, mas que não diz respeito aos princípios essenciais.

A essência da espécie e do gênero também diferem pelo assinalado (mais

determinado) e pelo não-assinalado (menos determinado), mas de outro modo.

A designação do indivíduo a respeito da espécie é pela matéria determinada pelas dimensões; a designação, porém, da espécie a respeito do gênero é pela diferença constitutiva [differentiam constitutiuam], que é tomada da forma da coisa.45

A essência da espécie contém o gênero e a diferença constitutiva (também chamada

diferença específica). O gênero inclui, indeterminadamente, todas as espécies, e

implicitamente, todas as diferenças específicas. Tudo o que a espécie expressa é expresso

também pelo gênero, porém não determinadamente.

Esta determinação ou designação, porém, que está na espécie a respeito do gênero, não é através de algo existente na essência da espécie, que não esteja de modo nenhum na essência do gênero; até mesmo, tudo o que está na espécie, está também no gênero como não determinado.46

Para explicitá-lo, São Tomás toma o exemplo do termo “corpo”. O nome “corpo”

pode ser tomado em duas acepções: pode significar o gênero da substância, no qual são

44 Ibid., n. 17. 45 Ibid., n. 18. 46 Ibid., n. 19.

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designadas as três dimensões, ou enquanto o gênero da quantidade, significando as próprias

três dimensões.

A primeira acepção do nome “corpo” pode significar algo que tem alguma forma da

qual três dimensões podem ser designadas. “Corpo” é aqui entendido como a parte material,

como matéria corpórea; a parte formal fica a cargo de perfeições ulteriores. Por isso, pode-se

dizer que o animal é constituído por alma (princípio formal) e corpo (princípio material).

A segunda acepção de “corpo” é a do predicamento como quantidade. “Corpo”,

nesse sentido, é aquilo que tem uma forma substancial, da qual provêm três dimensões. É,

então, tomado como gênero, sendo “animal” uma de suas espécies (bem como “vegetal”, por

exemplo). Assim, estão implicitamente contidas na forma de corpo as formas de animal,

vegetal, pedra, e todas as que têm “corpo” como gênero.

O exemplo trata de elucidar que o todo que está na espécie está também no gênero

como não determinado. É preciso que o gênero contenha tudo o que há na espécie para que

possa ser predicado dela. Foi dito acima que a indeterminação da essência da espécie com

respeito ao gênero difere da indeterminação do indivíduo com respeito à espécie, ainda que

ambos se deem como o assinalado e o não-assinalado.

O gênero inclui, implicitamente, todas as espécies.47 Implicitamente, esclarece

Forment48, quer dizer estar contido em algo de modo extrínseco, não como parte. Assim, a

espécie não implica a diferença, pois esta é uma de suas partes.49 O gênero, por sua vez, não

“é” a diferença, mas “tem” a diferença. Portanto, a diferença está implicada no gênero, e

contida na espécie a modo de parte.

O gênero, portanto, significa indeterminadamente não apenas os princípios

individuantes, como também a diferença específica. A espécie, por sua vez, significa

determinadamente a diferença específica, mas indeterminadamente os princípios

individuantes. Pode ser predicada, portanto, dos particulares.

47 “A forma do animal está contida implicitamente na forma do corpo, na medida em que corpo é seu gênero.” (De ente, n. 21) 48 FORMENT, 2006, p. 99-100, comentando CAPREOLO, J. Defensiones Theologiae Divi Thomae

Aquinatis, Ceslai Paban; Thomas Pègues, Turonibus, Alfred Cattier, Bibliopolaea Editoris, 1908-1909, vol. I, p. 238b. 49 “A espécie ‘é’ a diferença, ainda que não totalmente, mas parcialmente.” (FORMENT, 2006, p. 99)

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O segundo exemplo disso é o do gênero “animal” com respeito à espécie “homem”.

Se animal designasse apenas uma coisa que possa sentir e mover-se, isto é, que possui a

perfeição da vida sensitiva, então qualquer perfeição ulterior seria para ele uma parte, e não

como algo implicitamente contido nessa noção. “Animal”, recebendo essa perfeição, será a

parte que é matéria ou sujeito dessa perfeição. Numa segunda acepção, “animal” pode ser

tomado como gênero, se seu sentido é o que tem vida sensitiva, mas que contém implícita e

indeterminadamente outras perfeições ulteriores.

Em ambos os exemplos, a essência é expressa, em primeiro lugar, a modo de parte, e,

em segundo, a modo de todo. A predicação a modo de todo é a que expressa o todo da

espécie, significando indeterminadamente o que, nela, está determinado.

Ao passo que o primeiro exemplo lança luz sobre o gênero, o segundo se volta para a

diferença específica. De “animal” a “homem”, designa-se a diferença “racional”, que não é

determinada no gênero “animal”, mas nele implicada. A espécie “homem” é um composto de

“animal” e “racional”, e tanto o primeiro quanto o segundo podem ser predicados do todo.50

Assim, portanto, o gênero significa indeterminadamente o todo que está na espécie, pois não significa apenas a matéria. Semelhantemente, também a diferença significa o todo e não significa apenas a forma; e também a definição significa o todo ou ainda a espécie.51

Portanto, as três intenções lógicas expressam o todo, e contêm em si alguma

indeterminação. O gênero significa o todo, determinando o que é material na coisa, e

contendo em si, indeterminadamente, a forma.

Ora, o gênero é caracterizado justamente por conter uma comunidade de formas, possibilitada por sua indeterminação conceitual a respeito do princípio formal em questão. Por isso, a predicação da diferença com relação ao gênero só pode ser acidental [...].52

A diferença específica, por sua vez, determina a forma da coisa, sem determinar a

matéria. A definição ou espécie compreende ambos, isto é, tanto a matéria determinada pelo

gênero, quanto a forma determinada pela diferença.

50 Esse composto é diferente do significado por “O homem é corpo e alma”, como faz notar São Tomás em De ente, n. 24. “Corpo” e “alma” são constitutivos intrínsecos do composto real “homem”, e, portanto, partes reais que não podem ser predicadas do todo. 51 De ente, n. 23. 52 KOVAS, 2006, p. 35.

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27

Há uma proporcionalidade entre gênero, diferença e espécie com matéria, forma e

composto. Na definição, o gênero é o elemento indeterminado, e a diferença específica é o

elemento determinante; nas substâncias, há uma proporcionalidade da matéria para com o

primeiro, e da forma para com a segunda, mas não identidade.53

[...] nas substâncias materiais, gênero e diferença, como elementos da definição, pode-se dizer que correspondem à matéria e forma da substância concreta somente indiretamente, ou melhor, “proporcionalmente”: isto é, o gênero, que é o elemento indeterminado da definição, corresponde à matéria, que é princípio puramente potencial, e a diferença, que é elemento

especificante, corresponde à forma, que é princípio causal. 54

O gênero não é matéria, mas é tomado dela como significando o todo; a diferença

específica não é a forma, mas é tomada dela como significando o todo; a espécie expressa o

todo mais determinadamente do que as outras intenções lógicas, e contém em si as diferenças

individuais, indeterminadamente.

A unidade do gênero, afirma São Tomás no parágrafo 25, “procede da própria

indeterminação ou indiferença”, porque “o gênero significa alguma forma, não porém

determinadamente esta ou aquela, que a diferença exprime determinadamente, a qual não é

outra senão aquela que era significada indeterminadamente pelo gênero”. O gênero não é,

portanto, como a matéria-prima, que é denominada una pela “remoção de todas as formas”, e

à qual se acrescenta a forma, determinando-a. O gênero não é desprovido de forma, mas

contém em si todas as formas das espécies, indeterminadamente.55 Pela adição da diferença

específica, é removida a indeterminação.

O fato de que o gênero contenha indeterminadamente a forma e determinadamente a

matéria, e que a diferença específica determine a forma, significando implicitamente a

matéria, porém indeterminadamente, é o que permite que sejam predicáveis.

[...] é preciso que aquilo que é espécie, na medida em que se predica do indivíduo, signifique o todo que está essencialmente no indivíduo, embora

53 Sobretudo se pensamos nas substâncias puramente espirituais, nas quais o gênero não poderia

corresponder à matéria. 54

Cf. FABRO, Cornelio. Introduccion al tomismo. Trad.: María Francisca de Castro Gil. Madri: Rialp, 1967, p. 61. Tradução livre do espanhol para o português de nossa autoria. 55 A unidade do gênero não é como a unidade da matéria-prima. A unidade da matéria-prima se dá pela exclusão de toda e qualquer forma. Por isso se diz que a matéria-prima é “pura potência”. A unidade do gênero, como foi dito, não se dá pela exclusão das formas, mas por sua indeterminação.

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indistintamente; é deste modo que a essência da espécie é significada pelo nome de homem; donde, homem predicar-se de Sócrates.”56

A espécie, portanto, significa o todo que está no indivíduo, e contém em si as

diferenças individuais, como foi dito. É possível predicar “homem” de Sócrates porque tudo o

que está determinado no indivíduo, e que não é princípio essencial, encontra-se indeterminado

na espécie. No entanto, não é possível definir “Sócrates”, porque o indivíduo não pode ser

essencialmente conhecido em sua individualidade.

Não é possível definir essencialmente o indivíduo, porque obrigaria o intelecto a abstrair uma diferença formal entre indivíduos da mesma espécie, o que é impossível, visto que formalmente os indivíduos da mesma espécie são idênticos, ou seja, partilham do mesmo princípio formal.57

Não se diz que “Sócrates” tenha definição, porque a essência do indivíduo só pode

ser inteligida como espécie, ainda que se possa reconhecer sua individualidade. O indivíduo

pode ser, porém, universalmente conhecido por sua espécie. A matéria, portanto, “é o suporte

a partir do qual o intelecto humano apreende o princípio formal, por um processo ativo sobre

as notas sensoriais apreendidas do ente em sua materialidade”58.

3.2. A essência tomada como parte

Até agora tratamos da essência a modo de todo. Passaremos à essência a modo de

parte, que se dá com exclusão da matéria assinalada.

Em “homem”, ao excluir-se a matéria assinalada, tem-se a “humanidade”, que é a

essência de homem a modo de parte, ou, ainda, a quididade: “de fato, humanidade significa

aquilo donde procede que o homem seja homem”59. A matéria assinalada “não é aquilo donde

procede que o homem seja homem, e assim, não está contida de modo nenhum naquilo a

partir do que o homem tem o ser homem”. Isto é, a matéria assinalada apenas individualiza a

essência, mas não pertence a ela. Excluindo-se a matéria assinalada, resta a essência abstrata

ou quididade, aquilo pelo qual algo é o que é.

56 De ente, n. 26. 57 KOVAS, 2006, p. 27. 58 Idem. 59 “Humanitas enim significat id unde homo est homo” (n. 26).

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A quididade é “uma forma que é um todo”. Abarca matéria e forma, mas exclui

aquilo que na matéria seria assinalado. Quididade e matéria assinalada são dois constitutivos

de um composto, e, portanto, partes do todo. Ela mesma expressa um todo, isto é, contém por

completo os princípios essenciais, mas, por não abarcar os princípios individuantes (a matéria

assinalada), significa a essência a modo de parte.

A exclusão da matéria assinalada difere da indeterminação da espécie em relação ao

indivíduo, e do gênero em relação à espécie. No primeiro caso, a matéria assinalada é parte

constitutiva do composto; ao ser suprimida, resta a outra parte: a essência abstrata, isto é,

apenas os princípios essenciais. Não se obtém a espécie – esta inclui os princípios

individuantes, mas indeterminadamente –, e sim a essência a modo de parte. No segundo

caso, a determinação está contida implicitamente no gênero, e por isso significa a essência a

modo de todo e é predicável. Não há exclusão da diferença, e sim indeterminação.

Para usar o mesmo exemplo de São Tomás: o nome “homem” e o nome

“humanidade” expressam a essência de homem, mas diversamente. O nome “homem” a

significa como um todo, sem prescindir da assinalação da matéria, mas a contendo

indeterminadamente. O nome “humanidade” a significa a modo de parte, pois contém apenas

o que pertence ao homem enquanto homem, e prescinde de toda matéria assinalada. No

primeiro, poder-se-ia afirmar que “Sócrates é uma certa essência”; no segundo, que “a

essência de Sócrates não é Sócrates”60. “Humanidade” não se predica nem de homem nem de

Sócrates, uma vez que as partes não se predicam do todo.

***

Ficam assim expostos os modos de expressar a essência, a modo de todo e de parte,

considerando que a essência a modo de todo pode ser predicada do concreto comum

(“homem”) e do indivíduo (“Sócrates”).

A essência como todo “não prescinde da designação da matéria, mas a contém

implícita e indistintamente”. Está determinado nela o que há de essencial, e indeterminado o

que não é essencial; no caso do gênero, também está indeterminada a diferença específica. Por

isso, “é impossível que a noção de universal, isto é, de gênero ou de espécie, caiba à essência

na medida em que é significada a modo de parte”61.

60 De ente, n. 29. 61 Ibid., n. 31.

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30

O capítulo III de O ente e a essência tratará da essência como todo, considerada

absoluta e relativamente. A indeterminação presente na essência, como foi abordada até

agora, cumprirá importante papel na compreensão dos universais, uma vez que a essência,

expressa pelas intenções lógicas, não é algo que exista fora nos singulares, mas significa algo

que é comum a muitos.

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31

4. A essência absoluta e relativamente considerada

4.1. A essência absolutamente considerada

No Capítulo III, São Tomás fica com a essência a modo de todo, porque “é

impossível que a noção de universal, isto é, de gênero ou de espécie, caiba à essência na

medida em que é significada a modo de parte”62. A essência abstrata, considerada como parte,

não pode ser predicada do indivíduo, nem pode ser expressa como gênero ou espécie, ou ser

determinada por uma diferença específica. Logo, é posta de lado na discussão que se segue.

São Tomás rejeita a visão platônica, segundo a qual a noção de espécie cabe à

essência como algo existente fora dos singulares. Na concepção platônica, a “ideia”, ou

“eidos” é constituinte do ente e causa de seu ser. “É como se as coisas do mundo sob o

mesmo predicado universal gozassem todas de uma semelhança comum com um ente

existente por si e exterior a elas, uma espécie de modelo comum”.63 Assim, gênero e espécie

não poderiam ser predicados do indivíduo, porque sua essência seria algo separado.

A essência, porém, não pode existir como algo extrínseco aos concretos singulares.

Uma essência que existisse fora dos indivíduos existiria por si só, e de modo determinado.

Ora, foi dito que a predicação pelos predicáveis se utiliza da indeterminação, que permite que

muitos sejam predicados pelo mesmo nome, ainda que possuam diferenças individuais. É o

que afirma Kovas:

Trata-se de uma forma de predicação, fundamentada na noção de indeterminação, a qual escapa a todas as tentativas de substancialização, uma vez que a indeterminação é, por definição, algo que não pode ter uma existência por si, pois o que existe por si só existe de modo determinado.64

Os predicáveis só podem convir à essência significada como todo, porque ela contém

implícita e indeterminadamente tudo o que há no indivíduo, e expressa, determinadamente, o

que constituem as notas essenciais.

62 De ente, n. 31. 63 KOVAS, 2006, p. 43. 64 Ibid., p. 44.

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[...] resta que a noção de gênero ou de espécie caiba à essência, na medida em que é significada a modo de todo, como pelo nome de homem ou de animal, na medida em que contém implícita e indistintamente este todo que está no indivíduo.65

Essa totalidade a que nos referimos pode ser tomada de dois modos. O primeiro é o

modo absoluto, segundo sua noção própria ou em si mesma. O segundo modo é o relativo,

segundo o ser que tem nos indivíduos.

O primeiro modo é dito de acordo com a noção própria da essência; consideração em

que “nada é verdadeiro dela, senão o que lhe cabe enquanto tal”66. Por exemplo, ao homem,

enquanto homem, cabe-lhe o racional, o animal e o que entra em sua definição. No entanto, o

branco, o preto, etc., não cabem ao homem enquanto homem.

Além disso, nesse modo, não cabe perguntar-se se a essência nesse modo é una ou

múltipla, porque nem a unidade nem a multiplicidade são intrínsecas à essência enquanto tal.

Se fosse una, a natureza de dois indivíduos seria a mesma, e não poderia plurificar-se em

vários. Se fosse múltipla, não poderia individualizar-se em um indivíduo. Elas é em muitos,

mas não é una nem múltipla.

Não se diz que a essência do homem, enquanto tal, isto é, absolutamente

considerada, tenha o ser “neste” singular, pois, se assim fosse, a essência de homem enquanto

homem seria restrita a “este” singular. Se a essência absolutamente considerada incluísse o ser

“deste” indivíduo, necessariamente só poderia estar nele, e não em outros.67

A essência absolutamente considerada também não guarda relação com o ser, porque

este não está incluído na essência.

Portanto, é claro que a natureza do homem, absolutamente considerada, abstrai de qualquer ser, de tal modo, porém, que não haja exclusão de nenhum deles. E é esta natureza, assim considerada, que se predica de todos os indivíduos.68

65 De ente, n. 33. 66 Ibid., n. 24. 67 “Pois, aquilo em razão do que Sócrates é homem pode ser comunicado a muitos; mas aquilo em razão do que ele é este homem não pode ser comunicado a não ser a um. Logo, se Sócrates fosse homem em razão daquilo que faz dele este homem, assim como não pode haver vários Sócrates, não poderia haver vários homens.” (ST 1, q. 11, a. 3) 68 De ente, n. 36.

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Por isso, não se pergunta se essa essência existe ou não. Não se afirma nem se nega o

ser, mas se prescinde dele. Não se pode dizer, por exemplo, que a essência de homem,

enquanto tal, tenha ser neste ou naquele singular.

4.2. A essência relativamente considerada e a predicação universal

No segundo modo, o relativo, a essência é considerada segundo o ser nisto ou

naquilo. Algo é predicado dela em razão daquilo que é, como dizer que “homem é branco”,

porque “Sócrates é branco”. Portanto, o que dela é predicado é algo acidental.

O ser da essência assim considerada pode dar-se nos singulares ou na alma daquele

que conhece: “o homem, não na medida em que é homem, obtém o ser neste singular ou

naquele, ou na alma”69. Haverá, assim, dois tipos de acidentes advindos da essência: os

adquiridos por estar na realidade objetiva e os que se obtém por estar no intelecto. Assim, a

depender do ser (objetivo ou pensado), essa essência pode ser real ou pensada, isto é, ter ser

na coisa ou na mente. Nos singulares, a essência tem tantos tipos de ser (“um ser múltiplo”)

quantos são os indivíduos.

A essência absoluta é a que se predica ou atribui aos indivíduos em toda predicação,

o que não é o mesmo que dizer que os predicáveis devam também convir a ela. A essência

absoluta diz respeito ao conteúdo da predicação (nesse exemplo, o que faz com que homem

seja homem), ao passo que os predicáveis são o modo de predicar esse conteúdo.

A natureza absolutamente considerada, portanto, não cabe à noção de universal,

porque nela estão a unidade e a comunidade. Foi dito acima que a natureza absolutamente

considerada não é una nem múltipla, assim como não é da essência de homem ser um ou ser

muitos. Unidade e comunidade não cabem à natureza de homem, pois, caso contrário, ao se

encontrar a humanidade, encontrar-se-ia a comunidade; no entanto, tudo o que está “neste”

homem encontra-se nele individualizado.

A essência absolutamente considerada não é universal, porque não é uma essência

capaz de possuir diferentes tipos de ser, e que possa por isso existir em uma pluralidade de

indivíduos. A essência assim considerada não possui a extensão de gênero ou espécie.

69 De ente, n. 36.

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Qual essência cabe então à noção de universal? Se a essência absolutamente

considerada foi já descartada por sua extensão, resta a essência relativamente considerada.

Nos indivíduos, a essência pode apenas ser uma. No entanto, é próprio do universal conter

tanto a unidade quanto a pluralidade. Fica descartada também a essência relativa segundo o

ser que tem nas coisas.

A essência que cabe à noção de universal só pode ser, portanto, a que está na alma,

abstraída da essência individualizada, que se encontra nas coisas:

De fato, a própria natureza humana tem no intelecto um ser abstraído de tudo

que individua e, assim, tem uma noção uniforme para com todos os

indivíduos que há fora da alma, na medida em que é igualmente semelhança

de todos e leva ao conhecimento de todos na medida em que são homens.70

Essa natureza inteligida é “semelhança una de todas” [as coisas fora da alma], isto é,

o intelecto estabelece uma comparação entre a natureza presente no intelecto e os singulares

considerados em sua individualidade. A isso dá-se o nome de intenção predicativa. O

universal apto a ser predicado do singular depende tanto da indeterminação das diferenças

individuais implícitas nele, quanto da semelhança, verificada por essa comparação do

intelecto, da semelhança daquilo que foi inteligido à coisa, que é particular.

Enquanto conhecida, a essência é denominada universal. A essência se dá sempre nas

coisas singulares, mas o intelecto abstrai as notas individualizantes e considera aquilo que é

predicável de muitos indivíduos. Daí dizer-se que “O que é abstraído da matéria individual é o

universal.”71

Ao abstrair-se a essência individual real, desconsidera-se a matéria assinalada, que

não é inteligível. Essa essência perde, portanto, suas notas individualizantes, e permanecem as

notas essenciais. A abstração da essência é causa de sua universalidade, e guarda uma relação

uniforme com todos os indivíduos a que se referem tal essência.72

O intelecto entende que a essência, por ser abstrata, também é universal. Em

primeiro lugar, porque compreende todas as notas essenciais que a constituem; em segundo

lugar, por sua extensão, isto é, essa essência guarda uma relação com todos os indivíduos dos

70 De ente, n. 39. 71 ST I, 86, 1 apud MOURA, 1981, p. 128. 72 Cf. FORMENT, 2006, p. 110.

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quais foi abstraída, o que permite conhecê-los naquilo que têm de essencial. Essa essência é,

portanto, a que convém às intenções lógicas.

A universalidade dessa essência, que é expressa no conceito, tem fundamento na

realidade, e assemelha-se aos indivíduos concretos. Comparada aos indivíduos concretos, às

“coisas fora da alma”, essa essência tem caráter universal, pois é atribuída a muitos. No

entanto, apesar de que seu objeto seja universal, o intelecto que a representa é sempre

particular; logo, no intelecto, a espécie inteligida é particular. “A universalidade desta forma

não se dá de acordo com este ser que tem no intelecto, mas na medida em que se refere às

coisas como semelhança das coisas.”73

Não se poderia inferir, portanto, como o faz Averróis, da universalidade da forma

inteligida, uma unidade do intelecto de todos os homens. É o que se dá, por exemplo, em uma

representação em estátua. Se houvesse uma estátua para representar muitos homens, ela seria

singular nesta matéria, mas teria a noção de comunidade, como a representação comum de

vários. Assim também, a espécie inteligida é singular no intelecto, mas, por referir-se a

muitos, tem a noção de comunidade.

Como foi dito, cabe à natureza humana, considerada absolutamente, ser predicada de

Sócrates. A noção de espécie, porém, não pode ser predicada de Sócrates. Pode-se dizer:

“Sócrates [indivíduo] é homem”, pois tudo o que cabe ao homem enquanto homem pode ser

predicado de Sócrates. Se a essência considerada absolutamente correspondesse às intenções

lógicas, deveria ser possível predicá-las dos indivíduos, pois tudo o que se predica da essência

absoluta se predica do indivíduo. Por isso, não se pode dizer “Sócrates [indivíduo] é espécie”.

Os universais predicam os indivíduos segundo a natureza que está no intelecto. A

predicação é resultado de um ato do intelecto que compõe e divide, que julga com

fundamento na realidade, a unidade daquilo que se atribui aos indivíduos.74 “A predicação é

73 De ente, n. 40. 74

É no intelecto que se estabelece a adequação à coisa. Essa adequação é uma adequação real; logo, pode se dar por outros intelectos, referindo-se às mesmas coisas. É o ser das coisas, e não o intelecto, que causa a verdade no intelecto. Por outro lado, a razão da verdade não se encontra nas coisas, mas no intelecto. O intelecto conhece sua conformidade com a coisa inteligível. Diz São Tomás que “não é pelo fato de conhecer a essência da coisa que ele [o intelecto] apreende essa conformidade, mas quando julga que a coisa assim é, como é a forma que dela apreendeu; é então que começa a conhecer e a dizer o verdadeiro. E isto faz compondo e dividindo, pois, em qualquer proposição, a forma significada pelo predicado, ou é afirmada da coisa significada pelo sujeito, ou então é dela negada.” (ST I, q. 16, a. 2).

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algo que se completa pela ação do intelecto que compõe e divide, tendo fundamento na

própria coisa, a unidade daqueles dos quais um é dito do outro.”75

Isso se dá a partir de uma comparação correta, que expressa determinadamente o que

é semelhante neles, ao mesmo tempo que preserva o que não é, por meio da indeterminação

presente no gênero que é atribuído ao singular. A predicabilidade encerra-se na noção do

gênero; o intelecto completa a predicabilidade, atribuindo-lhe a intenção de gênero.

75 De ente, n. 42.

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Considerações finais

O opúsculo segue em frente, passa à consideração das substâncias simples e, por

último, à essência dos acidentes. No entanto, para o fim aqui proposto, ficam contemplados

apenas os três primeiros capítulos de O ente e a essência.

Ao longo do trabalho, percorremos o seguinte caminho. Vimos, em primeiro lugar,

de que modo as intenções lógicas podem predicar o indivíduo. Destacamos que os predicáveis

expressam o todo do indivíduo, determinando algo da essência, com maior ou menor precisão.

O gênero significa o todo, determinando o que é material na coisa, e contendo em si,

indeterminadamente, a forma. A diferença específica determina a forma e significa implícita e

indeterminadamente a matéria. A espécie significa o composto, e contém em si,

indeterminadamente, as diferenças individuais.

Em poucas palavras, o gênero significa indeterminadamente tudo o que está nas

espécies; as espécies significam indeterminadamente tudo o que está no indivíduo. Dessa

forma, é possível predicar uma espécie de um indivíduo, porque tudo o que nele está

determinado, e que não é princípio essencial, encontra-se nela indeterminado.

Se as intenções lógicas significam a essência e expressam o todo do indivíduo, seria

preciso compreender os modos da essência. Por isso, analisamos a essência segundo os

diferentes modos como pode ser tomada. Vimos a essência como parte (abstratamente

considerada) e como todo (concretamente considerada). Tomando a essência como todo,

pudemos considerá-la de modo absoluto ou relativo. O modo relativo pode ter ser real (e ser,

portanto, uma res, uma coisa) ou ser intencional objetivo. Sendo intencional objetivo, pode

ser na mente divina ou na alma: na potência sensitiva, como objeto dos sentidos, ou na

potência intelectiva, como objeto do intelecto.

Chegamos, então, à consideração dos universais. A essência está, na realidade, nas

coisas singulares. Mas, na alma, a essência é chamada “universal”, pois o intelecto abstrai

aquilo que é comum a muitos, separando os princípios essenciais dos princípios individuais.

A universalidade da essência expressa no conceito tem fundamento na realidade, e assemelha-

se aos indivíduos concretos. Essa essência, ao ser comparada aos indivíduos concretos, às

coisas, tem caráter universal.

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Podemos afirmar que a indeterminação presente na essência, seja nas intenções

lógicas, seja na espécie com respeito ao indivíduo, permite que uma essência seja

adequadamente atribuída ao ente a que se refere. Isso porque, se a intenção lógica não

abarcasse o que nela não está determinado, não poderia abarcar o todo. Ao mesmo tempo, se

fosse preciso determinar tudo o que está no indivíduo (algo que o próprio intelecto humano

não é capaz de empreender), não seria poderia falar em uma “definição”, nem de uma

essência que signifique algo que é comum a muitos.

O intelecto compara a essência inteligida aos singulares considerados em sua

individualidade, e verifica uma semelhança do inteligido (universal) à coisa (particular). Para

que a predicação seja correta, é preciso que essa semelhança se dê entre os dois termos da

comparação segundo o que lhes é comum, e que as diferenças individuais estejam no

universal de modo indeterminado.

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