teoria do estado regulador

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TEORIA DO ESTADO REGULADOR

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Page 1: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Teoria do Estado Regulador 1

TEORIA DO ESTADO REGULADOR

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Sérgio Guerra (Org.) 2

Visite nossos sites na Internet

www.jurua.com.br e

www.editorialjurua.com

e-mail: [email protected]

ISBN: 978-85-362-5288-9

Brasil – Av. Munhoz da Rocha, 143 – Juvevê – Fone: (41) 4009-3900 Fax: (41) 3252-1311 – CEP: 80.030-475 – Curitiba – Paraná – Brasil

Europa – Rua General Torres, 1.220 – Lojas 15 e 16 – Fone: (351) 223 710 600 – Centro Comercial D’Ouro – 4400-096 – Vila Nova de Gaia/Porto – Portugal

Editor: José Ernani de Carvalho Pacheco

Guerra, Sérgio (org.). G934 Teoria do estado regulador./ organização de Sérgio

Guerra./ Curitiba: Juruá, 2015. 460p.

Vários colaboradores

1. Direito administrativo. 2. Agências reguladoras. I. Título.

CDD 342 (22.ed.) CDU 342

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Teoria do Estado Regulador 3

Sérgio Guerra Organizador

TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Colaboradores:

Álvaro Palma de Jorge André Uryn

Francisco Antunes Maciel Müssnich Gabriel Cozendey Pereira Silva

Gustavo da Rocha Schmidt Leonardo Gomes Ribeiro Gonçalves

Luis Lopes Martins

Maíra Ayres Torres Paulo Wunder Rafael Véras de Freitas Ricardo Dutra Nunes Romilson de Almeida Volotão Sérgio Guerra Viviane Damato Otto Kloss

Curitiba Juruá Editora

2015

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Sérgio Guerra (Org.) 4

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Teoria do Estado Regulador 5

APRESENTAÇÃO

A presente obra traz o produto de parte dos estudos e discus-sões ocorridas no Programa de Mestrado em Direito da Regulação, da Escola de Direito do Rio da Fundação Getulio Vargas, idealizado para

oferecer uma experiência acadêmica de excelência e pioneira nesse tema no país. Seu objetivo é formar lideranças para pensar o aperfeiçoamento dos arranjos institucionais brasileiros e contribuir com o desenvolvimen-to e avanço do Brasil como Estado Regulador.

Busca-se oferecer uma perspectiva crítica das principais temá-ticas relacionadas ao poder estatal de intervenção regulatória econômi-

ca e social, e seus impactos, sendo examinadas experiências regulatórias bem-sucedidas no Brasil e no exterior com estímulo ao raciocínio analí-tico, crítico e propositivo, voltados para a prevenção e solução de pro-blemas reais.

Os artigos decorreram da participação na disciplina intitulada Teoria do Estado Regulador, cujo foco principal é investigar, do ponto

de vista jurídico: (i) a evolução da atuação do Estado brasileiro até al-cançar o atual viés regulador, evidenciando seus fundamentos, caracte-rísticas e funções (intervenção direta, fomento, serviço público, poder de polícia e regulação); (ii) as escolhas administrativas vis-à-vis a forte complexidade e tecnicidade na regulação de serviços públicos e ativida-des econômicas (livres à iniciativa privada e/ou monopolizadas), inclusi-

ve sob a ótica da imperatividade versus consensualidade; (iii) os impac-tos decorrentes da mudança da governança estatal do tipo hierarquizado weberiano para um modelo policêntrico (entidades reguladoras indepen-dentes; organizações paraestatais e entidades não estatais autorregula-doras de interesses públicos).

O primeiro artigo, com o estudo de Álvaro Palma de Jorge,

aborda as formas de revisão judicial dos atos das agências reguladoras no direito norte-americano. A apresentação se faz em contraposição e

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Sérgio Guerra (Org.) 6

complementação, no sentido teórico, da jurisprudência que vem sendo desenvolvida pelos tribunais brasileiros. A razão desta comparação con-

centra-se no fato de que a experiência americana, embora não deva ser meramente importada, pode servir como importante inspiração para uma sistematização pelas cortes nacionais dos limites de suas respectivas intervenções em relação aos atos das agências.

O artigo de André Uryn versa sobre o limite de alterações con-tratuais de obras públicas pelo Tribunal de Contas da União, algo que

passou a basear-se no cálculo individualizado dos acréscimos e supres-sões efetivados através de aditivos, respaldado pelo art. 65, § 2º, da Lei 8.666/93. Uryn observa que o aludido dispositivo legal não se presta a verificar violação da regra da licitação no que se refere à alteração do objeto licitado, já que se voltaria ao controle do volume financeiro do contrato.

Leonardo Gomes Ribeiro Gonçalves apresenta, em seu traba-lho, a delimitação da função da regulação em contraste com a função regulamentar. Em seguida, o artigo aborda os problemas atuais do mo-delo de Estado regulador e da função estatal de regulação.

Luis Lopes Martins procura analisar as razões pelas quais mui-tos cidadãos optam por não aderir a planos de benefícios de previdência

complementar, bem como, se é possível que a regulação do setor atue com o objetivo de mitigar tais vícios comportamentais. Neste sentido, propõe que os órgãos reguladores de setores que lidam com tais assuntos tenham em vista a enorme relevância das opções padrão da normatiza-ção do setor para a promoção dos objetivos regulatórios.

Maíra Ayres Torres examina o problema da reconfiguração do

modelo estatal vigente, como decorrência da adequação do velho protó-tipo da máquina pública ao atendimento das demandas coletivas. Em outras palavras, procura pensar a Administração Pública sob uma ótica mais ampla, trazendo como exemplo que a meta de eficiência e a noção de uma Administração Pública de resultados implicariam em remodelar a disposição de sua estrutura interna, por meio de seus órgãos e apêndi-

ces.

O objetivo do estudo de Rafael Véras de Freitas está em traçar parâmetros, embasado nos conceitos do Direito Administrativo Econô-mico, para a interpretação dos títulos habilitantes que foram discipli- nados na Lei 12.815/13 e por seu ato regulamentar (Decreto 8.033/13), investigando a regularização nos portos do Brasil a partir da seguinte

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Teoria do Estado Regulador 7

ordem de ideias: (i) apresentar o histórico da normatização da explora-ção portuária brasileira; (ii) delinear a assimetria regulatória instituída

no setor, considerando a sistemática prevista na Lei 8.630/93 e seus re-flexos na interpretação da Lei 12.815/13; (iii) abordar a assimetria regu-latória prevista no Novo Marco Regulatório baseada na poligonal do “Porto Organizado”; (iv) investigar os títulos habilitantes previstos na Lei 12.815/13 para delegação da exploração da infraestrutura portuária; e (v) apresentar algumas conclusões e proposições objetivas sobre o tema.

O artigo de Romilson de Almeida Volotão trata de um dos te-

mas mais instigantes do Direito Público: o fenômeno da discricionarie-

dade. Tal estudo acadêmico tem por foco abordar especialmente as mo-

dalidades da discricionariedade, analisando seus contornos e caracterís-

ticas, na tentativa de se estabelecer um início de sistematização. Ao final,

é efetuada uma breve abordagem da discricionariedade na regulação de

alguns setores específicos, realizada no Brasil por agências reguladoras.

Diante da introdução, no ordenamento jurídico brasileiro, de

normas de proteção e defesa do torcedor, consolidadas na Lei Federal

10.671/03, reconheceu-se a necessidade de tutelar tal papel social e atri-

buir-lhe certos direitos e garantias quanto à fruição do espetáculo des-

portivo. O trabalho de Francisco Antunes Maciel Müssnich dedica-se a

examinar, de forma pioneira na academia, a figura do torcedor no cená-

rio jurídico brasileiro, especialmente por meio da análise de algumas das

principais manifestações da jurisprudência acerca do assunto. Pretende-

-se, com isso, verificar se seria possível falar em uma nova categoria, ou,

antes, investigar as peculiaridades de tal figura perante o regime jurídico

geral de proteção do consumidor.

Gabriel Cozendey Pereira Silva, em seu trabalho, defende que

a participação dos usuários de serviços públicos delegados na Adminis-

tração seria uma condição da legitimidade das decisões administrativas

que resolvem conflitos de interesse público. De acordo com o autor, tais

decisões seriam tomadas em âmbito de discricionariedade administrati-

va, devendo fundamentar-se em princípios, em vez de regras, sendo ne-

cessário que o procedimento de ponderação de princípios ocorra conjun-

tamente à participação dos usuários-consumidores, em atenção às ga-

rantias de justiça procedimental e à necessidade de se instruir com ar-

gumentos fáticos a decisão do conflito, que só pode estabelecer a preva-

lência de um interesse público sobre outro com referência a uma situa-

ção concreta.

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Sérgio Guerra (Org.) 8

O artigo de Gustavo da Rocha Schmidt possui duas tônicas. A primeira delas está em demonstrar que, muito embora tenha o Consti-

tuinte promovido relevante mudança no capítulo concernente à Ordem Econômica, na Carta Cidadã de 1988, atribuindo ao princípio da livre iniciativa um papel destacado, sem precedentes na história constitucional brasileira, a doutrina mais relevante sobre o tema, associada à jurispru-dência predominante do Supremo Tribunal Federal, relegou ao referido princípio um papel secundário, prestigiando, na maior parte das vezes, a

indevida intervenção estatal na esfera econômica privada, em detrimento da liberdade empresarial. A segunda, consiste em procurar traçar os limites e possibilidades da atuação estatal no domínio econômico, a par-tir da releitura do capítulo condizente à Ordem Econômica, na Constitui-ção Federal de 1988.

O estudo de Paulo Wunder objetiva apresentar um panorama

atual sobre a legitimidade do exercício do poder de polícia. Após contex-tualização, concentra-se em abordar a mudança do perfil de atuação do Estado na regulação das atividades de interesse dos particulares, estabe-lecendo-se uma conexão com a evolução do poder de polícia. A partir desse ponto, analisa-se como a transformação do poder de polícia afeta a legitimidade para o seu exercício, tendo em vista demandas modernas

pela descentralização do Poder Público, eficiência na sua atuação e consensualidade na solução de seus conflitos com os administrados.

Ricardo Dutra Nunes investiga os limites do controle relativo às interpretações legais adotadas pelos reguladores e, assim, contribuir para uma melhor compreensão da jurisprudência norte-americana, no intuito de enriquecer, pela perspectiva de direito comparado, a análise da

temática no Brasil.

Agências reguladoras como a Agência Nacional das Águas fo-ram criadas no Brasil, assim como outras instituições do gênero, no intui-to de satisfazer a orientação de políticas públicas provenientes da refor-ma de Estado ocorrida na década de 1990. Nesta configuração, Viviane Damato Otto Kloss analisa algumas distorções do modelo brasileiro de

agência reguladora, instigando algumas interessantes reflexões sobre o tema.

Por fim, começamos este livro com um artigo de minha autoria intitulado “Aperfeiçoando a regulação brasileira por agências: quais lições podem ser extraídas do sesquicentenário modelo norte-ameri- cano?” elaborado durante o segundo semestre de 2014 quando estive, na

qualidade de Visiting Researcher, na Escola de Direito de Yale. Este

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artigo analisa, sob a ótica comparada, os Poderes Executivos, estaduni-dense e brasileiro, notadamente sobre o desenvolvimento do Estado Ad-

ministrativo e a função de regulação exercida por agências independen-tes. O objetivo é trazer elementos que possam contribuir nos debates sobre o padrão regulatório local, visando aperfeiçoá-lo, seja apontando providências que merecem ser investigadas com maior profundidade – e, eventualmente, replicadas no modelo nacional – seja para buscar a ante-cipação de deficiências do modelo original dos Estados Unidos, de modo

a evitá-las. A investigação aborda aspectos que se relacionam nos siste-mas regulatórios estadunidense e brasileiro, objetivando verificar o nível de similitude de ambos e identificar quais temas e pautas são relevantes para o desenvolvimento de pesquisas jurídicas voltadas ao desenvolvi-mento da governança regulatória, seja pela comunidade acadêmica, seja por instituições públicas e privadas.

A publicação deste livro só foi possível porque seus colabora-dores cumpriram com suas agendas, concluíram as extensas pesquisas e entregaram os artigos de excelência aqui apresentados, fazendo desta coletânea uma contribuição que se propõe trazer ao debate acadêmico novos paradigmas do direito administrativo no Estado Regulador brasi-leiro.

Sérgio Guerra

Professor Titular de Direito Administrativo

FGV Direito Rio.

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Teoria do Estado Regulador 11

SUMÁRIO

Aperfeiçoando a Regulação Brasileira Por Agências: Quais Lições Podem

Ser Extraídas do Sesquicentenário Modelo Norte-Americano? .................... 13

Sérgio Guerra

Revisão Judicial dos Atos das Agências Reguladoras: Os Parâmetros do

Direito Americano ........................................................................................... 107

Álvaro Palma de Jorge

Os Limites de Alteração do Contrato de Obra Pública e o Atual En-

tendimento do Tribunal de Contas da União ................................................ 135

André Uryn

O Que É o Que É? O Conceito Jurídico de Torcedor à Luz da Juris-

prudência Brasileira ........................................................................................ 155

Francisco Antunes Maciel Müssnich

Limites Teóricos da Participação do Usuário-Consumidor na Resolução

Administrativa de Conflitos Entre Interesses Públicos ................................ 195

Gabriel Cozendey Pereira Silva

Uma Proposta de Releitura da Ordem Econômica na Constituição de

1988 ................................................................................................................... 215

Gustavo da Rocha Schmidt

A Função Estatal de Regulação e os Problemas Atuais do Direito Regu-

latório Brasileiro .............................................................................................. 237

Leonardo Gomes Ribeiro Gonçalves

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Sérgio Guerra (Org.) 12

“Então Sou Só Eu Que é Vil e Errôneo Nesta Terra?” – A Tutela Regu-

latória da Facultatividade nos Planos de Previdência Complementar

Fechada ............................................................................................................255

Luis Lopes Martins

Serviço Público Líquido – A Lógica Residual no Estado Regulador ..........273

Maíra Ayres Torres

Legitimidade Para o Exercício do Poder de Polícia ......................................303

Paulo Wunder

Portos Brasileiros e a Nova Assimetria Regulatória: Os Títulos Habili-

tantes Para a Exploração da Infraestrutura Portuária ................................333

Rafael Véras de Freitas

A Jurisprudência Norte-Americana Sobre o Controle Judicial dos Atos

Regulatórios e o Princípio da Deferência ......................................................383

Ricardo Dutra Nunes

A Discricionariedade Administrativa e Suas Modalidades no Estado

Regulador .........................................................................................................407

Romilson de Almeida Volotão

Agência Nacional de Águas: As Peculiaridades de Um Sistema em Des-

compasso Com o Modelo de Administração Policêntrica ............................431

Viviane Damato Otto Kloss

Índice Alfabético ..............................................................................................447

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Teoria do Estado Regulador 13

APERFEIÇOANDO A REGULAÇÃO BRASILEIRA POR AGÊNCIAS: QUAIS LIÇÕES PODEM SER EXTRAÍDAS DO

SESQUICENTENÁRIO MODELO NORTE-AMERICANO?1

Sérgio Guerra

2

Sumário: 1. Introdução. 2. Poder Executivo dos Estados Unidos da América. 3. Evolução da Burocracia Norte-Americana no Período Progressista; 3.1. Escritório executivo da presidência; 3.2. Gabinete e departamentos executi-vos; 3.3. Agências nos Estados Unidos da América; 3.3.1. Separação de po-deres e a nova função administrativa; 3.3.2. Críticas contrárias à função ad-ministrativa; 3.3.3. Argumentos a favor da função administrativa; 3.4. Mode-lo de agencificação: executivas e reguladoras, subordinadas ou independen-tes; 3.5. Agências Corporativas. 4. Surgimento e Evolução das Agências nos

1 Este artigo foi elaborado durante o segundo semestre de 2014 quando o autor esteve,

na qualidade de Visiting Researcher, na Escola de Direito de Yale. Nesse período acompanhou as aulas da Professora Christine Jolls (Administrative Law) e do Profes-sor E. Donald Elliot (Conservative Critique of Administrative State). O projeto de pesquisa, em nível pós-doutoral, teve por objetivo uma análise comparada dos Pode-res Executivos estadunidense e brasileiro, notadamente sobre o desenvolvimento do Estado Administrativo e a função de regulação exercida por agências independentes. O acolhimento do projeto de pesquisa naquela prestigiosa Escola de Direito foi super-visionado pela Professora Susan Rose-Ackerman, coordenadora do núcleo de pesqui-sas denominado Comparative Administrative Law Program.

2 Pós-Doutor em Administração Pública (FGV/EBAPE). Doutor e Mestre em Direito (UGF/UCAM). Professor Titular da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas – RJ (Graduação e Mestrado), na qual ocupa o cargo de Vice-Diretor de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação. Embaixador da Yale University no Brasil onde foi Visiting Researcher na Yale Law School em 2014. Editor da Revista de Direito Admi-nistrativo – RDA. Coordenador do Mestrado em Direito da Regulação da FGV DIREI-TO RIO. Coordenador Geral do Curso International Business Law (FGV/Uni- versity of California Irvine). Consultor Jurídico da Comissão de Direito Administrativo da OAB/RJ.

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Sérgio Guerra 14

Estados Unidos. 5. Análise dos Debates sobre a Constitucionalidade do Mo-delo das Agências nos Estados Unidos da América; 5.1. Separação de pode-res; 5.2. Delegação de poderes normativos; 5.3. Função judicante; 5.4. Fun-ção executiva; 5.5. Enquadramento das agências em um dos três poderes; 5.6. Mandato fixo dos dirigentes (Tenure). 6. Poder Executivo do Brasil; 6.1. Evo-lução da burocracia brasileira no período intervencionista; 6.2. Evolução da burocracia no Governo Militar; 6.3. Presidência da República; 6.4. Ministé-rios; 6.5. Surgimento e evolução das agências no Brasil; 6.5.1. Agências re-guladoras brasileiras; 6.5.2. Agências executivas; 6.5.3. Outras agências; 6.6. Analisando a constitucionalidade do modelo das agências no Brasil; 6.6.1. Constitucionalidade do modelo de agencificação brasileiro; 6.6.2. As decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o modelo de agências brasileiro. 7. Conclusão. 8. Referências.

1 INTRODUÇÃO

O modelo de agências reguladoras, no Brasil, é recente e não é genuíno. Surgiu na década de 90 do século passado, sendo implantado em um momento de reestruturação do papel do Estado em relação à sua atua-ção na economia. Ocorreu durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, sob a direção de Luiz Carlos Bresser Pereira

3.

Naquela fase, a segregação de competências entre a Adminis-tração Pública direta e a indireta para a regulação autônoma de utilidades públicas estratégicas (telefonia, energia elétrica etc.), apresentou-se como sendo fundamental para: (i) criar um ambiente propício à segurança jurí-dica dos contratos com o Estado e atração de capital privado (notadamen-te estrangeiro); e (ii) descentralizar a governança estatal sob temas com-plexos e preponderantemente técnicos, emprestando-lhes certa previsibi-lidade e tornando-as menos suscetíveis aos embates e interesses políti-cos/partidários típicos das rotinas do Congresso Nacional

4.

Trazendo novidade aos direitos constitucional e administrativo brasileiro, as agências nacionais foram criadas sob a natureza autárquica

3 O desenvolvimento do modelo brasileiro de agências, desenvolvido pela equipe chefiada

pelo então Ministro Bresser Pereira, do Governo Fernando Henrique Cardoso, pode ser conferido em suas obras BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da Administração Pública burocrática à gerencial. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter Kevin (Org.). Reforma do estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 1998; BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o estado republicano. Rio de Janeiro: FGV, 2009.

4 Conforme já tivemos oportunidade de expor com maior profundidade em GUERRA, Sérgio. Agências reguladoras: da organização administrativa piramidal à governança em rede. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

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Teoria do Estado Regulador 15

especial, com as seguintes características: órgão colegiado, mandato fixo e em prazos escalonados para seus dirigentes, autonomia administrativa e

decisória, congregando funções executivas, normativas e judicantes.

A introdução dessas agências, na estrutura burocrática nacional de viés weberiano

5, gerou – e ainda gera – polêmicas. Há questionamento

na esfera política, notadamente, quanto à sua legitimidade democrática. O mesmo ocorre na seara jurídica, envolvendo vários questionamentos so-bre a sua juridicidade.

Em linhas gerais, discute-se a constitucionalidade da implanta-ção do modelo quanto: (i) à ofensa ao princípio tripartite da separação de poderes; (ii) à ausência de juridicidade na delegação de funções normati-vas, sob o argumento de serem privativas do Poder Legislativo, e, (iii) o malferimento do princípio da hierarquia e da unidade governamental, relativamente à função do Chefe do Poder Executivo.

O modelo de agencificação nacional é uma reprodução (parcial) do padrão existente nos Estados Unidos da América. Enquanto, no Brasil, a primeira agência teve sua lei de criação editada em 1996

6, o modelo

norte-americano surgiu em 1887, com a Interstate Commerce Commission – ICC)

7. Para efeitos históricos, a ICC marca o início da implantação

desse padrão burocrático na regulação de atividades econômicas, envol-vendo o complexo sistema ferroviário que ultrapassava as fronteiras dos estados da federação.

Em que pese a ICC marcar o início dessa fase, vale registrar que já havia, nos Estados Unidos da América, intervenção estatal indireta sobre atividades econômicas desde meados do século XIX, com a regula-ção do transporte por barcos a vapor (steamboat inspectors)

8.

5 Burocracia, no sentido estruturado por Max Weber, contrapondo-se à ideia de patri-

monialismo. WEBER, Max. Economia e sociedade. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. v. 2, p. 199. Título original: Wirtschaft und Gesellschaft: Grundriss der verstehenden Soziologie. Sobre o debate norteamericano acerca das características atuais da burocracia federal, ver SCHUCK, Peter. Why government fails so often: and how it can do better. New Jer-sey: Princeton University Press, 2014. p. 307 e ss.

6 Lei 9.427, de 26.12.1996, que institui a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL.

7 Para compreender o contexto em que foi criada a ICC, recomendam-se as seguintes obras: KOLKO, Gabriel. Railroads and regulations: 1877 – 1916. New York: The Norton Library, 1965. p. 45 e ss.; FELLMETH, Robert. The interstate commerce omission. New York: Grossman Publishers, 1970.

8 Conforme amplo levantamento histórico elaborado pelo Professor da Yale Law School, Jerry Mashaw, e constante da sua obra Creating the administrative consti-

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Sérgio Guerra 16

Diante das características dessas novas autarquias brasileiras, e

se não há dúvidas de que o modelo de agencificação nacional está próxi-

mo ao sistema de agências reguladoras independentes dos Estados Unidos

da América9, justifica-se a realização de pesquisas sobre o sesquicentená-

rio modelo norte-americano, de viés progressista10

, sob a ótica compara-

da. Tendo passado por diversas fases durante a sua história republicana, o

longevo modelo de agencificação estadunidense é muito rico, contendo

elementos que podem contribuir no aclaramentto de certas incompreen-

sões sobre o padrão regulatório brasileiro.

Assim, o presente estudo tem por objetivo trazer elementos que

possam contribuir nos debates sobre o padrão regulatório local, visando

aperfeiçoá-lo, seja apontando providências que merecem ser investigadas

com maior profundidade – e, eventualmente, replicadas no modelo nacio-

nal – seja para buscar a antecipação de deficiências do modelo original

dos Estados Unidos, de modo a evitá-las.

Com pretensões propedêuticas, pretende-se investigar os se-

guintes aspectos que se relacionam nos dois sistemas regulatórios: pri-

meiro, identificar o contexto, as fases e quais foram os motivos que

levaram à adoção, nos Estados Unidos da América, do modelo de inter-

venção reguladora de atividades econômicas e sociais; segundo, perqui-

tution: the lost one hundred years of American administrative law. New Haven: Yale University Press, 2012, p. 314.

9 A estrutura detalhada do sistema regulatório norte-americano pode ser conferida em

CASS, Ronald A. et al. Administrative law. 6. ed. New York: Wolters Klumer Law

& Business, 2011. 10 Susan Rose-Ackerman adverte que, para os progressistas, o moderno sistema estatal

regulatório é o eixo do direito norte-americano: “For progressives, the modern regu-

latory-welfare state is at the heart of American Law”. ROSE-ACKERMAN, Susan.

Rethinking the progressive agenda: the reform of the American regulatory state.

New York: The Free Press, 1992. p. 3. O movimento progressista ocorreu basicamen-te pela atuação da classe média e cidadãos localizados em áreas urbanas chocados

com a corrupção e fraudes no campo político da virada do século XIX. A solução para

esses problemas seria a criação de agências de modo que as decisões sobre o controle

de determinadas atividades industriais fossem decididas por experts, de forma racional

e livres das pressões partidárias. Cf. BERNSTEIN, Marver H. Regulating business

by independent commission. 2. tir. New Jersey: Princeton University Press, 1955. p. 35. Sobre as críticas ao movimento progressista, ver a obra: EPSTEIN, Richard A.

How progressives rewrote the constitution. Cato Institute: Washington, 2001. p. 52 e

ss. Esse autor é um dos maiores defensores da tese de retorno do papel estatal ao viés

liberal clássico sobre a economia. Ver, ainda, do mesmo autor, EPSTEIN, Richard A.

Why the modern administrative state is inconsistent with the rule of law. NYU Jornal

of Law & Liberty, v. 3, p. 491-515, 2006.

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Teoria do Estado Regulador 17

rir em que termos o modelo de agencificação se engastou no sistema

constitucional norte-americano, que, formalmente, se estrutura em três

poderes: legislativo, executivo e judiciário; terceiro, verificar como e

em que bases o modelo de agencificação, implantado em um momento

econômico, com características agrárias (pré-industrialização), conse-

guiu sustentar-se diante das transformações da sociedade norte-ameri-

cana e permanecer íntegro neste século XXI; quarto, identificar o con-

texto, as propostas e as características do sistema de agencificação efe-

tivamente implantado no Brasil; quinto, cotejar os dois modelos de

agencificação, estadunidense e brasileiro, para verificar o nível de simi-

litude de ambos e identificar quais temas e pautas são relevantes para o

desenvolvimento de pesquisas jurídicas voltadas ao desenvolvimento da

governança regulatória, seja pela comunidade acadêmica, seja por insti-

tuições públicas e privadas.

O método de pesquisa comparativa entre os sistemas institucio-

nais e jurídicos do Brasil e dos Estados Unidos da América foi – e ainda é

– relevante em questões constitucionais. Têm-se, como exemplo, estudos

sobre a federação, a separação de poderes, o regime presidencialista e o

sistema de freios e contrapesos entre os três poderes (checks and balan-

ces). Com efeito, os casos julgados pela Suprema Corte estadunidense,

costumeiramente, são utilizados pelos ministros do Supremo Tribunal

Federal como fundamentação para seus votos.

O mesmo passou a ocorrer no direito administrativo. Com o re-

cente movimento para a difusão das pesquisas de direito administrativo

comparado ou global, liderado pela Escola de Direito da Universidade de

Yale, nos Estados Unidos da América, abre-se uma nova e importante

linha de estudos acadêmicos envolvendo análises sobre temas comuns

favoráveis à democracia, tais como: regulação estatal, transparência ad-

ministrativa, procedimentalização e accountability11

.

11 O programa denominado comparative administrative law foi iniciado pela professora

Susan Rose-Ackerman e é apoiado pelo Fundo Ruebhausen M. Oscar, da Yale Law

School. O programa estuda os princípios e as práticas do direito administrativo sob a

perspectiva comparada, abrangendo democracias e regimes não democráticos emer-gentes. Diversas abordagens sobre o tema podem ser conferidas no livro organizado

pelos Professores Susan ROSE-ACKERMAN e Peter L. LINDSETH, intitulado

Comparative administrative law. Cheltenhan, UK: Edward Elgar, 2010. Para com-

preender o estudo do direito administrativo comparado, ver: ROSE-ACKERMAN,

Susan; LINDSETH, Peter L. Comparative administrative law: outlining a field of study.

Windsor Y.B., v. 201, p. 435-449, 2010.

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Sérgio Guerra 18

2 PODER EXECUTIVO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Com status de lei maior, a Constituição norte-americana foi

estruturada para disciplinar a forma do Estado e governo (federação,

presidencialismo etc.), os órgãos legitimados para o exercício do poder

e as suas competências. O poder estatal foi distribuído entre três estrutu-

ras: o Poder Legislativo (Legislative branch), que cria as leis, o Poder

Executivo (Executive branch), que executa as leis, e o Poder Judiciário

(Judiciary branch), que interpreta e faz cumprir as leis. Esta é a estrutu-

ra posta no texto constitucional e seguida por vários países, inclusive o

Brasil12

.

O Poder Executivo norte-americano passou por grandes mudan-

ças ao longo dos anos, tornando-se muito diferente do que era no período

de George Washington, primeiro presidente. Hoje é muito maior, mais

complexo e, logicamente, mais poderoso do que era quando a Constitui-

ção foi criada em 1787.

Quando os Framers, que desenharam o modelo constitucional

estadunidense no final do século XVIII, foram decidir quais seriam os

poderes e as responsabilidades que caberiam ao Executivo, certamente

houve influência (negativa) do relacionamento das antigas colônias com o

governo britânico, então sob o poder do Rei George William Frederick

(George III).

Considerando os abusos perpetrados pelo monarca inglês, que

governou por quase sessenta anos, os Founding fathers da Constituição

americana decidiram que os poderes detidos pelo presidente da nova re-

pública deveriam ser restritos13

.

Seria o “governo das leis”, e não o “governo dos homens”.

De outro lado, os Framers também tinham a compreensão de

que esses poderes deveriam ser suficientes para que o Chefe do Poder

Executivo pudesse conduzir a política externa, governar de forma eficien-

te, visando a conter as disputas entre os estados da nova federação.

12 Logo no início do texto da Constituição Federal de 1988, está posto: “Art. 2º. São

Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

13 MOSHER. Frederick C. Basic documents of American public administration: 1776 – 1950. New York: Holmes & Meier Publishers, Inc. 1976. p. 5.

Page 19: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Teoria do Estado Regulador 19

O desafio envolvia ter um Poder Executivo dotado de ferramen-

tas que favorecessem a governabilidade, e, de outro lado, que não permi-

tisse o arbítrio e a tirania tão repudiados pelos colonizados. Assim é que

os pais fundadores da ordem constitucional norte-americana estruturam o

poder executivo no artigo II da Constituição, na qual pode-se constatar

que os poderes são específicos, relativamente limitados, e descritos sob

uma linguagem extremamente vaga.

Basicamente, o Presidente da República exerce a posição de

comandante-em-chefe (Commander in Chief) das forças armadas, e de-

tém competência para conceder perdões, firmar tratados, nomear embai-

xadores, juízes da Suprema Corte e outros oficiais do governo14

.

Em termos gerais, e ainda que não claramente definido no texto

constitucional sobre como deveria fazer, nem, tampouco, com que estru-

tura deveria contar para alcançar esse objetivo, o Presidente da República

é competente para garantir que as leis, criadas pelo Poder Legislativo

(Legislative branch), sejam fielmente executadas15

.

Na estrutura pensada pelos Framers, quanto ao poder e aos

mecanismos de seu exercício, destaque-se aquele que passou a ser uma

das pedras angulares do sistema de garantias constitucionais: o princí-

pio da separação tripartite de poderes (separation of powers). Mas, a

14 1: The President shall be Commander in Chief of the Army and Navy of the United

States, and of the Militia of the several States, when called into the actual Service of the United States; he may require the Opinion, in writing, of the principal Officer in each of the executive Departments, upon any Subject relating to the Duties of their respective Offices, and he shall have Power to grant Reprieves and Pardons for Offences against the United States, except in Cases of Impeachment. 2: He shall have Power, by and with the Advice and Consent of the Senate, to make Treaties, provided two thirds of the Senators present concur; and he shall nominate, and by and with the Advice and Consent of the Senate, shall appoint Ambassadors, other public Ministers and Consuls, Judges of the supreme Court, and all other Officers of the United States, whose Appointments are not herein otherwise provided for, and which shall be established by Law: but the Congress may by Law vest the Appointment of such inferior Officers, as they think proper, in the President alone, in the Courts of Law, or in the Heads of Departments.

15 Section 3 – He shall from time to time give to the Congress Information of the State of the Union, and recommend to their Consideration such Measures as he shall judge necessary and expedient; he may, on extraordinary Occasions, convene both Houses, or either of them, and in Case of Disagreement between them, with Respect to the Time of Adjournment, he may adjourn them to such Time as he shall think proper; he shall receive Ambassadors and other public Ministers; he shall take Care that the Laws be faithfully executed, and shall Commission all the Officers of the United States.

Page 20: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 20

ideia que norteou os fathers não constituía uma separação absoluta, em

que cada um dos três poderes exercesse a sua fatia de forma individual

e isolada. Com efeito, os autores do texto constitucional criaram um

sistema de freios e contrapesos (checks and balances) que buscava

impedir que qualquer um dos poderes se sobressaísse em relação ao

outro.

De fato, a Constituição norte-americana procurou trazer algu-

mas contenções das funções detidas pelo Poder Executivo. Algumas das

escolhas do Presidente, para serem validadas, dependem de aprovação

pelos membros do Poder Legislativo (The United States Congress), for-

mado pelo Senado Federal (Senate) e pela Câmara dos Representantes

(House of Representatives).

Do mesmo modo, e também visando trazer certa limitação ao

Poder Legislativo, o Presidente é chamado a participar de diversos atos

de competência legiferante. Compete a ele, nesse mesmo sentido de con-

tenção do poder, indicar membros do Poder Judiciário mediante o aconse-

lhamento e a aprovação do Senado.

No que se refere à principal atribuição do Congresso, que é de

criar leis, nota-se, no texto constitucional, que essa função é dependente

da aprovação e sanção do Presidente, sendo certo que se o Presidente

recusar-se a promulgar a lei por meio de veto (veto), o Congresso pode

anular esse ato desde que por maioria de dois terços dos congressistas16

.

16 2: Every Bill which shall have passed the House of Representatives and the Senate,

shall, before it become a Law, be presented to the President of the United States; If he

approve he shall sign it, but if not he shall return it, with his Objections to that House

in which it shall have originated, who shall enter the Objections at large on their

Journal, and proceed to reconsider it. If after such Reconsideration two thirds of that

House shall agree to pass the Bill, it shall be sent, together with the Objections, to the

other House, by which it shall likewise be reconsidered, and if approved by two thirds of that House, it shall become a Law. But in all such Cases the Votes of both Houses

shall be determined by yeas and Nays, and the Names of the Persons voting for and

against the Bill shall be entered on the Journal of each House respectively. If any Bill

shall not be returned by the President within ten Days (Sundays excepted) after it

shall have been presented to him, the same shall be a Law, in like Manner as if he had

signed it, unless the Congress by their Adjournment prevent its Return, in which Case it shall not be a Law. 3: Every Order, Resolution, or Vote to which the Concurrence

of the Senate and House of Representatives may be necessary (except on a question of

Adjournment) shall be presented to the President of the United States; and before the

Same shall take Effect, shall be approved by him, or being disapproved by him, shall

be repassed by two thirds of the Senate and House of Representatives, according to

the Rules and Limitations prescribed in the Case of a Bill.

Page 21: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Teoria do Estado Regulador 21

3 EVOLUÇÃO DA BUROCRACIA NORTE-AMERICANA NO PERÍODO PROGRESSISTA

Considerando que a Constituição norte-americana não trouxe

qualquer detalhamento sobre a estrutura que daria suporte ao Chefe do

Poder Executivo, fazendo menção a esse poder de forma absolutamente

breve e vaga, a interpretação de suas cláusulas vem permitindo certa fle-

xibilidade na criação de agências que compõem a burocracia estatal esta-

dunidense.

No começo da nova república, os primeiros presidentes ameri-

canos contavam com poucos órgãos ou agentes para assessorá-los, haja

vista que a Constituição não continha – nem contém até hoje – disposição

específica quanto à estrutura de apoio presidencial.

Esse cenário foi sendo alterado, passo a passo, por meio de vá-

rios fatos que marcaram a transformação dos Estados Unidos17

. No século

XIX, começaram a surgir os monopólios naturais18

, isto é, aqueles setores

de utilidade pública que não suportam, de forma eficiente, a participação

de mais de uma indústria19

. Registre-se, ainda, a forte industrialização, os

trusts,20

os cartéis, a forte concentração de riquezas, a corrupção na má-

quina estatal e os problemas sociais daí decorrentes.

Em 1887, por meio do Interstate Commerce Act, o Congresso

criou a primeira agência reguladora para regular o transporte ferroviário

interestadual, de pessoas ou bens21

. Em 1890, foi editada uma nova lei

17 Uma detalhada pesquisa sobre essas transformações estão em: SKOWRONEK,

Stephen. Bulding a new American state: the expansion of national administrative capacities 1877 – 1920. New York: Cambridge University Press, 1982.

18 Nesse sentido, BREYER, Stephen. Regulation and its reform. Cambridge: Massa-chusetts, 1982. p. 15.

19 Cf. PRIEST, George L. The origins of utility regulation and the “theories of regula-tion” debate. J.L. & Econ, v. 36, p. 289-323, 1993.

20 Trusts eram as empresas que possuiam as seguintes características: larga escala e gestão centralizada. Exemplos: Standard Oil, American Tobacco e United States Steel. Cf. Cf. MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Cf. Charles Francis, Adams Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 65. Segundo o autor: “The trust movement – that is, the powerful tendency of businessmen to combine with their competitors in association. This was the problem of periodic industrial overcapacity, tied to the boom-and-bust cycles of the late nineteenth century”. Idem.

21 Esse aspecto será detalhado quando abordarmos a evolução do sistema de agências reguladoras estadunidense.

Page 22: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 22

contra os cartéis (the Sherman Act), que formalizava a hostilidade da

common law contra essa prática e forçava o Departamento de Justiça a

agir, ativamente, contra essas associações22

. Por meio dessa lei, os contra-

tos ou qualquer outra forma de combinação em forma de trust, ou conspi-

ração para restringir o comércio entre os diversos estados ou com nações

estrangeiras, foi declarada ilegal. Do mesmo modo, qualquer pessoa que

monopolizasse, ou tentasse monopolizar, qualquer ramo da indústria ou

do comércio entre os diversos estados ou com nações estrangeiras, seria

considerada culpada.

Para a implementação dessas disposições legais, registrem-se

dois fatos. Em primeiro lugar, não foi criada uma agência para a fiscali-

zação/regulação, e, em segundo, ocorridos cinco anos após a edição do

Sherman Act, a Suprema Corte acabou por enfraquecer esse novo institu-

to. Numa decisão histórica, o tribunal estabeleceu um novo standard in-

terpretativo denominado the rule of reason. Foi no caso United States v.

E. C. Knight Company (1895)23

, no qual o Tribunal decidiu que a Ameri-

can Sugar Refining Company, um dos outros réus no caso, não havia

violado a lei apesar de controlar cerca de 98% de todo o refino de açúcar

nos Estados Unidos:

The apparent clarity of the statutory language became lost in verbal

uncertainties. Courts struggled with the meaning of such terms as

“restraint of trade’ and ‘monopolization’; and judge’s opinions

created a semantic confusion that persisted for years afterward. Soon

the obvious ineffectiveness of early antitrust policy began to stimulate

a new movement to do something more”24

.

Esses fatos da história norte-americana contribuíram para a ex-

pansão da burocracia25

e a forma de atuação governamental denominada “estado administrativo” (administrative state), também representado na

22 Cf. MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams

Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 68.

23 United States v. E. C. Knight Co., 156 U.S. 1 (1895). 24 MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis

D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 79. 25 Cf. SKOWRONEK, Stephen. Bulding a new American state: the expansion of

national administrative capacities 1877 – 1920. New York: Cambridge University Press, 1982. p. 4.

Page 23: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Teoria do Estado Regulador 23

doutrina pelas expressões: bureaucratic state, capitalist state, corporate state, posindustrial state, regulatory state e welfare state

26.

Em seu principal livro, James Landis apresenta comentários so-bre o surgimento do estado administrativo, estruturado por meio de agên-cias. Segundo ele, a nomenclatura (administrative state) deveu-se ao di-reito administrativo francês pela aproximação da nova categoria proces-sual das agências com o sistema de trâmite de litígios entre o governo e os cidadãos

27:

The insistence upon the compartmentalization of power along triadic

line gave way in the nineteenth century to the exigencies of governance.

Without too much political theory but with a keen sense of the

practicalities of the situation, agencies were created whose functions

embraced the three aspects of government. Rule-making, enforcement,

and the disposition of competing claims made by contendies parties,

were all intrusted to them. As the years passed, the process grew.

These agencies, tribunals, and reule-making boards were for the

sake of convenience distinguished from the existing governmental

bureaucracies by terming them “administrative”. The law the courts

permitted them to make was named “administrative law”, so that now

the process in all its component parts can be appropriately termed the

“administrative process”. The terminology, like the formulation of the

doctrine of the separation of the powers, seems to have had a Garllic

origin. […] Because droit administrative concerned the disposition of

claims between the government and individual, and because the major

emphasis of our newer administrative agencies appeared to concern the

same category of claims, a superficial similarity was present.

No que se refere à política antitruste, passou a ser consenso28

de que seria necessário criar uma agência reguladora para interpretar e ad-

26 Cf. SKOWRONEK, Stephen. Bulding a new American state: the expansion of

national administrative capacities 1877 – 1920. New York: Cambridge University Press, 1982. p. 3.

27 LANDIS, James. The administrative process. New Haven: Yale Univesity Press, 1938. p. 2-3.

28 Em que pese o fato de a maioria dos reguladores serem advogados, a classe jurídica (advogados e juizes) se apresentou como opositora ao modelo de agências indepen-dentes, pois caminhava em sentido contrário à estrutura judicial então existente. Cf. MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p.130 e 136.

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Sérgio Guerra 24

ministrar os aspectos técnicos inerentes a esses temas, evitando-se espasmó-dicos caprichos dos juízes: “[...] experts administrative regulation would be

more stable and predictable than hit-on-miss antitrust litigation”29

.

Nas palavras de James Landis, um dos seus arquitetos30

, o mo-delo de estado administrativo surgiu pela inadequação da forma tripartite clássica de exercício do poder do Estado (Legislativo, Executivo e Judi-ciário), para lidar com os complexos problemas modernos

31, a exemplo,

como visto, do sistema de trusts. Ademais, as cidades ficaram superpovoa-

das, as condições sanitárias e de trabalho dos operários eram péssimas, aumentando o número de doentes.

Diversos fatores, portanto, levaram os Estados Unidos da Amé-rica ao implemento dessa nova modalidade de atuação governamental (reguladora):

Public regulation of business affairs developed as a reaction to the

process of industrial and economic change that has drastically altered

the shape of American society. Techonological advances increased the

rate of industrialization, as well as the urbanization of the population.

While have immigration in the latter part of the nineteenth century

was absorbed throughout the country, the cities and the new industrial

areas were the principal points of immigrants settlement32

.

No início do século XX, Theodore Roosevelt, que assumiu a presidência da república após a morte do Presidente McKinley, iniciou os

29 Cf. MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams

Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 80 e 116. Em 1914, durante a Presidência de Woodrow Wilson, o Congresso apro-vou o Clayton Antitrust Act enumerando as práticas ilegais e que configuravam mo-nopólio, e criou a Federal Trade Commission – FTC por meio do the Convington Tra-de Commission bill.

30 MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984.

31 LANDIS, James. The administrative process. New Haven: Yale Univesity Press, 1938. p. 1. Nesse sentido, decidiu a Suprema Corte norte-americana no caso Mistretta v. United States, 488 U.S. 361 (1989): “Applying this ‘intelligible principle’ test to congressional delegations, our jurisprudence has been driven by a practical understanding that, in our increasingly complex society, replete with ever-changing and more technical problems, Congress simply cannot do its job absent an ability to delegate power under broad general directives”.

32 BERNSTEIN, Marver H. Regulating business by independent commission. 2. tir. New Jersey: Princeton University Press, 1955. p. 16.

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Teoria do Estado Regulador 25

movimentos visando lograr mudanças sociais, adotando uma estratégia conhecida como Square Deal. O programa desenvolvido por Roosevelt

consistia em três ideias básicas: a proteção de recursos naturais, o contro-le sobre as empresas e a proteção dos consumidores. Esse programa ficou conhecido como os “três Cs” (corporations, consumer protection, and conservation).

Nesse período, houve um forte combate à plutocracia e, ao

mesmo tempo, à proteção dos negócios privados contra os movimentos

sindicais. A república progressista de Roosevelt seguia a linha de que a

ação governamental deveria ser dirigida para mitigar os conflitos sociais,

enfrentar cartéis, e atuar contra as grandes empresas que adotavam práti-

cas predatórias em relação ao mercado.

Em 1902, houve uma grande greve dos trabalhadores de minas

de carvão no estado da Pennsylvania, que pleiteavam aumento salarial,

redução dos dias de trabalho e o reconhecimento do próprio sindicato.

Roosevelt convocou o sindicato e os empresários para tentar mediar um

acordo; contudo, os empresários se recusaram a participar. Roosevelt

pretendia intervir usando a força do Estado, mas foi aconselhado pelo

Procurador Geral Philander Knox a não fazê-lo, pois não possuia autori-

dade (competência) para tal.

A aproximação do inverno, e a redução do fornecimento de car-

vão trouxe grande preocupação ao país. Roosevelt ficou a favor do sindicato

e ameaçou usar o seu big stick33

, colocando o exército nas minas de modo a

promover a operação diretamente pelas tropas federais. Mesmo insatisfeitos,

os empresários concordaram em participar da mediação com os trabalhado-

res. Com esse gesto, compreendido pelos grevistas como uma forma de

reconhecimento dos pleitos, eles passaram a adotar um tom conciliador.

A postura do presidente Roosevelt ficou muito popular levan-

do-o a ser reconhecido pelos trabalhadores como um político realmente

preocupado com as questões sociais. A partir daí, o Presidente Theodore

Roosevelt foi reeleito em 1904, sendo aprovadas inúmeras leis para criar

mecanismos de regulação de questões sociais, tais como: relações de

trabalho, saúde (remédios e alimentos), vigilância sanitária, educação,

áreas rurais, bem como regulação de negócios e de áreas de proteção de

recursos naturais.

33 Slogan usado por Theodore Roosevelt para descrever a sua forma de diplomacia nas

negociações de paz com outras nações. De um lado, a estratégia era buscar uma solu-ção amigável e, ao mesmo tempo, exibir seu poderio militar.

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Sérgio Guerra 26

No campo da regulação de utilidades públicas, foi aprovada uma lei, em 1906, aumentando a competência da Interstate Commerce Commission (ICC) para controlar as tarifas do sistema ferroviário.

Roosevelt não quis concorrer a mais uma eleição, apoiando o candidato Howard Taft, que havia prometido continuar com o modelo progressista. Com o respaldo de Roosevelt, Taft foi eleito e promoveu algumas reformas regulatórias, como, por exemplo, a que aumentou os poderes da ICC para fiscalizar a telefonia e o telégrafo.

Em que pese algumas ações progressistas, Taft era mais conser-vador do que Theodore Roosevelt, de modo que não promoveu o avanço esperado na proteção de recursos naturais. Roosevelt, revoltado com a postura de Taft, voltou a se candidatar à presidência pelo novo Partido Progressista, disputando com o republicano Taft e com o democrata Woodrow Wilson. Na divisão de votos dos republicanos entre Roosevelt e Taft, Wilson acabou vitorioso.

O Presidente Wilson apresentou uma nova compreensão sobre o papel do governo, com uma visão própria sobre a evolução dos conceitos previstos na Constituição. Wilson sustentava que o mecanismo rígido de interpretação da Constituição, de viés newtoniano advindo do velho libe-ralismo, deveria ser reformulado sob uma perspectiva darwiniana, ajus-tando-se, a Constituição, como uma entidade orgânica adaptável às ne-cessidades cotidianas.

Wilson também culpou a teoria de separação de poderes para o que ele acreditava ser a inflexibilidade do governo nacional e da sua in-capacidade de lidar com as tarefas demandadas pelas novidades dos tem-pos modernos:

The trouble with the theory is that government is not a machine, but a living thing. It falls, not under the theory of the universe, but under the theory of organic life. It is accountable to Darwin, not to Newton. It is modified by its environment, necessitated by its tasks, shaped to its functions by the sheer pressure of life. No living thing can have its organs offset against each other, as checks, and live

34.

Em termos regulatórios, Wilson criou o Banco Central, agên-cia com poderes para fiscalizar os bancos (Federal Reserve system) e

34 WILSON, Woodrow. The new freedom. New York: Doubleday, Page and Company,

1913. p. 47. O tema pode ser conferido no capítulo 2, intitulado “the bicentennial myth”, da obra de ACKERMAN, Bruce. We the people: foundations. v. 1. Massa-chussets: First Harvard University Press paperback edition, 1993. p. 34.

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Teoria do Estado Regulador 27

regular a inflação, além da Federal Trade Commission – FTC, agência com a função de regular o mercado atuando por meio de medidas anti-truste.

Com a lei antitruste, (Clayton Antitrust Act), de 1914, Wilson reforçou os poderes estatais para promover regulações visando proteger o direito da livre concorrência. Atuou fortemente na redução de impostos, além de apoiar, no Congresso, uma completa reforma da legislação tribu-

tária. Alterou o sistema de eleição dos membros do Senado e aumentou os canais democráticos para a participação popular.

Outro fato é relevante no processo de expansão do Estado Ad-ministrativo (administrative state) no período progressista. Em março de 1911, houve um incêndio em uma fábrica da Triangle Shirtwaist, no edi-fício Asch em Nova Iorque. Para manter as mulheres trabalhando, o pro-

prietário da fábrica trancava a porta de acesso. Nessa tragédia, morreram dezenas de pessoas, a maioria mulheres – que se atiraram pelas janelas –, e jovens imigrantes, que trabalhavam cerca de quatorze horas por dia. A partir desse incêndio, reformas progressistas foram realizadas e o Estado passou a regular as condições de segurança do trabalho.

Outro movimento que provocou grande impacto na intervenção

estatal foi a proibição de comercialização, fabricação e transporte de be-bida alcoólica (The Noble Experiment), entre 1920 a 1933, por força da 18ª Emenda Constitucional.

O país experimentou forte prosperidade nesse período. Desta-que-se o desenvolvimento da aviação, indústria automobilística, rádios, filmes, energia elétrica e telefonia, alterando o perfil econômico nos Es-

tados Unidos.

A entrada dos Estados Unidos na primeira guerra mundial pro-vocou mudanças e marcou o fim da era progressista. Grandes desafios surgiram para o Estado com os problemas decorrentes da forte expansão do crédito, inclusive o mercado de ações, alcançando grandes altas poste-riormente afetadas pela queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque em

1929.

A crise decorrente da Grande Depressão (Great Depression), ocorrida na década de 1930, acabou por levar à criação de mais agências governamentais. Com efeito, em que pese a existência de entes regula-dores desde o século XVIII, foi no Governo do Presidente Franklin D. Roosevelt, primo de Theodore Roosevelt, sob a forma de um programa

conhecido como New Deal, em que o Poder Executivo e o Congresso

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Sérgio Guerra 28

estruturaram a máquina estatal para enfrentar os enormes e complexos problemas sociais e econômicos que o país enfrentava

35.

O programa resultou na estruturação de uma burocracia federal, bem diferente do antigo modelo denominado spoil system, em que os cargos públicos eram preenchidos pelos partidos políticos vencedores das eleições. Roosevelt criou uma Comissão (Committe on Administrative Management), que ficou popularmente conhecida como Brownlow Committee, por ter sido comandada por Louis Brownlow.

O trabalho consistia em analisar a organização do poder execu-tivo e sugerir soluções para grandes problemas que afetavam a governan-ça estatal. O relatório Brownlow, concluído em 1937, fez diversas reco-mendações, incluindo a criação de um órgão (The Executive Office of the President – EOP), que reunisse as atividades do poder executivo, tais como orçamento, eficiência, pessoal e planejamento.

O Congresso rejeitou algumas propostas contidas no relatório Brownlow, mas aprovou a criação do EOP, por meio do Reorganization Act de abril de 1939. O principal benefício dessa inovação, trazida pelo relatório Brownlow, consistiu na estruturação de um órgão de apoio dire-to da presidência da república. Lançou as bases para a estrutura adminis-trativa básica, que permitiria o gerenciamento das inúmeras e diversas

atividades afetas ao poder executivo.

Com esse histórico, pode-se melhor compreender o estágio atual da burocracia estadunidense e identificar a estrutura em que se inserem as agências reguladoras. Atualmente, diante da grande complexidade na ges-tão dos encaminhamentos políticos de competência do presidente da repú-blica, o poder executivo estadunidense divide-se em três esferas: EOP, o

gabinete (cabinet) e departamentos executivos (executive departments) e uma série de agências responsáveis por áreas específicas do governo.

3.1 Escritório Executivo da Presidência

O EOP não é um único escritório ou departamento. Compreen-

de um conjunto de agências que são diretamente responsáveis por asses-sorar o chefe do poder executivo no relacionamento com o Congresso e gerenciar a máquina estatal.

35 Cf. MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams

Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p.152.

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Teoria do Estado Regulador 29

Atualmente, o EOP é estruturado por meio de divisões, a saber: a Casa Branca (The White House Office), o Escritório da Vice-Presidência (The Office of the Vice President), o Escritório de Administração e Orça-mento (The Office of Management and Budget – OMB), o Conselho de Assessores Econômicos (The Counseil of Economic Advisers), o Conse-lho de Segurança Nacional (The National Security Staff), o Escritório de Representação Comercial (The Office of The U.S. Trade Representative), o Conselho de Qualidade Ambiental (The Counseil on Environmental Quality), o Escritório de Política de Ciência e Tecnologia (The Office of Science anda Tecnology Policy), o Escritório de Administração (The Office of Administration) e o Escritório Nacional de Política de Controle de Drogas (The Office of National Drug Control Policy)

36.

Por sua vez, no The White House Office estão inseridos: Domes-tic Policy Council, que conta com o Office of National AIDS Policy, o Office of Faith-based and Neighborhood Partnerships, o Office of Social Innovation and Civic Participation, o White House Rural Council; o National Security Advisor; o National Economic Council; o Office of Cabinet Affairs; o Office of the Chief of Staff; o Office of Communica-tions, no qual estão inseridos o Office of the Press Secretary, o Media Affairs, o Research e o Speechwriting; o Office of Digital Strategy; o Office of the First Lady, contando com o Office of the Social Secretary; o Office of Legislative Affairs; o Office of Management and Administration, sendo integrado pelo White House Personnel, o White House Operations, o Telephone Office e o Visitors Office; o Oval Office Operations; o Office of Presidential Personnel; o Office of Public Engagement and Inter- governmental Affairs, do qual fazem parte o Office of Public Engage-ment, o Council on Women and Girls, o Office of Intergovernmental Affairs e o Office of Urban Affairs; o Office of Scheduling and Advance; o Office of the Staff Secretary, sendo integrado pelo Presidential Corres- pondence, o Executive Clerk, o Records Management e o Office of the White House Counsel.

3.2 Gabinete e Departamentos Executivos

O gabinete executivo é composto pelo presidente, vice-presi- dente, os chefes dos departamentos executivos (executive departments),

36 Disponível em: <http://www.whitehouse.gov/administration/eop>. Acesso em: 10

dez. 2014. O site menciona, ainda, o Executive Residence como sendo uma dessas di-visões.

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Sérgio Guerra 30

além de quaisquer outros funcionários do governo que o presidente queira incluir. Durante o século XIX, as nomeações para participar do gabinete

eram, muitas das vezes, realizadas por razões meramente políticas, e não por questões de confiança. Como resultado, alguns presidentes tiveram proble-mas para gerir o seu próprio gabinete ou, ainda que composto por colabora-dores com esse perfil, acabavam por se reunir com pouca frequência.

Desde o século XX, o gabinete executivo tem servido como um fórum no qual o presidente discute algumas questões e recolhe as opi- niões; raramente tem servido como um órgão de decisão. De fato, isso tem ocorrido com os membros da equipe da Casa Branca que, frequente-mente, funcionam como os principais assessores do Presidente.

As maiores unidades organizacionais dentro do Poder Executi-vo são os Departamentos Executivos: agricultura (Department of Agricul-ture – USDA); comércio (Department of Commerce – DOC); defesa (Department of Defense – DOD); educação (Department of Education – ED); energia (Department of Energy – DOE); saúde e serviços humanos (Department of Health and Human Services – HHS); Segurança Interna (Department of Homeland Security – DHS); Habitação e Desenvolvimen-to Urbano (Department of Housing and Urban Development – HUD); Interior (Department of the Interior – DOI); Justiça (Department of Justi-ce – DOJ); Trabalho (Department of Labor – DOL); Estado (Department of State – DOS); Transporte (Department of Transportation – DOT); Tesouro (Department of the Treasury); e Assuntos de Veteranos Militares (Department of Veterans Affairs – VA).

Esses departamentos, que variam muito em tamanho e função, são responsáveis por administrar a grande maioria das atividades e pro-gramas do governo federal.

3.3 Agências nos Estados Unidos da América

Um ponto complexo, e que, em parte, dificulta a compreensão dos brasileiros nas pesquisas comparadas quanto à estruturação de órgãos e entidades dos Estados Unidos da América, deve-se ao sistema burocrá-tico de agencificação. A grande maioria das ações estatais, nos Estados Unidos, é conduzida por uma agência administrativa. Pelos padrões jurí-

dicos brasileiros, que, geralmente, têm por característica promover classi-ficações influenciadas pelo modelo centralizado francês

37, há certa difi-

37 Mesmo sendo conhecida como detentora de estrutura estatal centralizada (napoleôni-

ca), a França adotou um modelo de agencificação. Sobre as agências independentes

Page 31: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Teoria do Estado Regulador 31

culdade de compreender o formato de agencificação do sistema burocrá-tico norte-americano

38.

Agência, nos Estados Unidos da América, nos termos da lei39

, é

uma entidade governamental com autoridade para dirigir e supervisionar

a implementação de determinados objetivos aprovados em lei.

Além da categorização como “agência”, as entidades governa-

mentais norte-americanas são estruturadas sob a forma de “comissões”,

“empresas”, “conselhos”, “departamentos” ou “divisões”40

. Contudo,

continuam sendo agências para efeitos do estudo do direito administrativo

(administrative law) e, consequentemente, a incidência das regras judiciais

(judicial rules) e a aplicação dos dispositivos do Administrative Procedure

Act.

Independentemente da nomenclatura adotada, as agências são

criadas pelo Congresso, quando federais, ou pelos legislativos dos Esta-

dos e dos governos locais. As agências são criadas por meio de lei para

gerenciar crises, disciplinar questões cotidianas, corrigir graves proble-

mas sociais ou para acompanhar matérias complexas de preocupação

governamental. Algumas agências foram criadas por Decreto do Presi-

no modelo francês sob uma ótica comparada com os Estados Unidos da América, su-gere-se o artigo de ROSE-ACKERMAN, Susan; PERROUD, Thomas. Policymaking and Public Law in France: public participation, agency independence, and impact as-sessment. The Columbia Journal of European Law, v. 19, n. 2, Spring 2013.

38 Poucos autores promoveram pesquisas no Brasil sobre o tema e compreenderam essas peculiaridades, merecendo destaque os livros de Maria Paula Dallari BUCCI (Direito

administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002); Paulo Todescan LESSA Mattos (O novo estado regulador no Brasil: eficiência e legitimidade. São Paulo: Singular, 2006).

39 Administrative Procedure Act – APA: SEC. 2. As used in this Act – (a) AGENCY. – “Agency” means each authority (whether or not within or subject to review by another agency) or the Government of the United States other than Congress, the courts, or the governments of the possessions, Territories, or the District of Columbia. Nothing in this Act shall be construed to repeal delegations of authority as provided by law. Except as to the requirements of section 3, there shall be excluded from the operation of this Act (1) agencies composed of representatives of the parties or of representatives of organizations of the parties to the disputes determined by them, (2) courts martial and military commissions, (3) military or naval authority exercised in the field in time of war or in occupied territory, or (4) functions which by law expire on the termination of present hostilities, within any fixed period thereafter, or before July 1,1947, and the functions conferred by the following statutes: Selective Training and Service Act of 1940; Contract Settlement Act of 1944; Surplus Property Act of 1944.

40 Nesse sentido, ver LAWSON, Gary. Federal administrative law. 6. ed. ST. Paul: West, 2013. Capítulo I.

Page 32: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 32

dente da República (executive order), recebendo a competência, posterior-

mente, por lei41

.

No nível federal, os mais variados assuntos, sejam eles relaciona-

dos a negócios comerciais, ou a interesses diretos da sociedade em geral,

são tratados por agências: Farm Credit Administration, Small Business

Administration, Commodity Futures Trading Commission, Federal Trade

Commission, Federal Deposit Insurance Corporation, Office of Thrift Su-

pervision, Internal Revenue Service, Department of Commerce e Securities

and Exchange Commission.

Assuntos relativos a recursos financeiros também são administra-

dos por agências: General Accounting Office, Office of Management and

Budget, Office of the Comptroller of the Currency, Treasury Department,

General Services Administration, Congressional Budget Office, e Federal

Reserve Board.

Serviços públicos, prestados por agências, incluem, por exemplo:

Department of Education, Department of Transportation, Environmental

Protection Agency, Food and Drug Administration, Department of health

and human services, Department of housing and urban development, De-

partment of Interior, Immigration and Naturalization Service, e National

Highway Traffic Safety Administration.

Assuntos relacionados aos trabalhadores e à segurança laboral

abrangem várias agências, a exemplo do Office of Technology Assessment,

Occupational Safety and Health Administration, Occupational Safety and

Health Review Commission, National Labor Relations Board, Mine Safety

and Health Administration, Mine Safety and Health Review Commission,

Merit Systems Protection Board, Department of labor, Equal Employment

Opportunity Commission, e Office of Personnel Management.

A atividade de policiamento e funções militares são reguladas

por: Central Intelligence Agency, Department of Defense, Department of

Justice, Department of Veterans Affairs, Federal Bureau of Investigation,

e National Security Council.

Uma das agências mais conhecidas, e que afeta diretamente a

maioria dos cidadãos norte-americanos, é a Social Security Administra-

tion. Tem como função recolher as contribuições previdenciárias dos

41 Casos da Environmental Protection Agency e do Department of Homeland Security.

Cf. BRESSMAN, Lisa Schultz et al. The regulatory state. New York: Aspen Pu-

blishers, 2010. p. 1.

Page 33: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Teoria do Estado Regulador 33

trabalhadores e pagar os benefícios quando das aposentadorias, invalidez

ou morte.

Portanto, as agências norte-americanas estão em quase todas as

áreas, setores e atividades governamentais. Surgindo algum interesse da

sociedade a ser disciplinado ou atendido, na interpretação do Congresso,

este cria novas agências, incorpora atividades ou mesmo extingue-as.

Um exemplo que ficou bem acentuado no mundo ocorreu em

2002 quando atos terroristas, ocorridos em Nova Iorque, – e que provoca-

ram a queda do World Trade Center, conhecido como September 11 –

geraram a criação da agência Homeland Security Department, com a

missão de prever ataques terroristas e reduzir a vulnerabilidade do país42

.

O modelo das agências estaduais e locais, na maioria das vezes,

espelham as agências federais. Assim, os estados da federação têm agên-

cias que controlam o transporte, a saúde pública, a assistência social, a

educação, o meio ambiente, o trabalho, a agricultura, o comércio e os

impostos.

3.3.1 Separação de poderes e a nova função administrativa

No desenho institucional federativo e tripartite norte-americano,

idealizado pelos Framers, as atividades das agências não se confundem com os três poderes estabelecidos (legislativo, executivo e judiciário), transcendendo os conceitos clássicos da teoria da separação de poderes.

Não há, no texto constitucional, previsão expressa para a cria-ção de agências

43. Não estão previstas, naquele documento, as regras para

o desenvolvimento das funções burocráticas, diferentemente do que ocor-

re nas três funções estatais materializadas nos poderes tradicionais. Por isso não há um padrão, como ocorre no Brasil, de divisão da Administra-ção Pública direta e indireta.

A doutrina de separação de poderes não era clara sobre quem deveria administrar programas públicos, se o legislativo ou o executivo:

The doctrine was not clear – and is still not clear – as to the powers

and responsibilities of the executive and the legislative branches with

42 DUDLEY, Susan E.; BRITO, Jerry. Regulation: a primer. 2. ed. Washington: The

George Washington University, 2012. p. 106. 43 BRESSMAN, Lisa Schultz et al. The regulatory state. New York: Aspen Publishers,

2010. p. 5.

Page 34: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 34

respect to the administration of public programs. During much of

the nineteenth century, and with the exceptions to the Jackson

administration and in wartime, the balanced tended in direction of the

legislative and away from the executive in both the nation and the

states, thus inhibiting the development of integrated, coordinated, and

unified administrations44

.

Sob uma interpretação mais literal, o fundamento constitucional

para a criação dessas agências seria o artigo I, seção 8 (The necessary-and-proper clause)

45. Esse dispositivo constitucional estabelece que o

Congresso é detentor de competência para editar todas as leis que sejam necessárias e adequadas para executar os poderes a ele assegurados pela Constituição Federal, e todos os outros poderes em qualquer departamento.

Mesmo com a linguagem ampla e vaga da Constituição, argu-

menta-se que os Framers, ao optar por consignar a denominada neces-sary-and-proper clause, já identificavam a futura necessidade da criação de alguma entidade, como as agências

46. Seria uma nova função estatal,

denominada “administrativa” ou “regulatória”, diferente das demais fun-ções previstas no texto constitucional (legislativa, executiva e judicial).

Levantamentos históricos indicam que não teria havido uma

discussão mais profunda nos debates47

, ocorridos no Congresso, para a criação da ICC, sobre a necessidade de se identificar, ou rotular, essa nova função como sendo pertencente a um dos poderes: legislativo, exe-cutivo ou jurisdicional. Se, de um lado, não seria uma tarefa fácil enqua-drar essa nova função em um dos três poderes, de outro, a tentativa de classificação seria desinfluente: “From the perspective suggested here,

44 MOSHER. Frederick C. Basic documents of American public administration: 1776

– 1950. New York: Holmes & Meier Publishers, Inc. 1976. p. 44. 45 18: To make all Laws which shall be necessary and proper for carrying into Execu-

tion the foregoing Powers, and all other Powers vested by this Constitution in the Government of the United States, or in any Department or Officer thereof. Nesse sen-tido, CUSHMAN, Robert E. The independent regulatory commissions. New York: Octagonn Books, 1972. p. 425. Em sentido contrário, LAWSON, Gary S. Limited go- vernment, unlimited administration: is it possible to restore constitution? First Princi-ples Series. The Heritage Foundation, n. 23. p. 1-16, Jan. 27, 2009.

46 CUSHMAN, Robert E. The independent regulatory commissions. New York: Octagonn Books, 1972. p. 422-426. Ver posicionamento próximo em MOSHER. Frederick C. Basic documents of American public administration: 1776 – 1950. New York: Holmes & Meier Publishers, Inc. 1976. p. 5.

47 Alguns desses debates podem ser conferidos em CUSHMAN, Robert E. The inde-pendent regulatory commissions. New York: Octagonn Books, 1972. p. 420.

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Teoria do Estado Regulador 35

the important fact is that an agency is neither Congress nor President nor Court, but an inferior part of government”

48.

Os debates públicos, sobre esse aspecto, indicam, apenas, que as referências sempre eram dirigidas à “agência administrativa”, visando evitar-se qualquer questionamento sobre a constitucionalidade do modelo:

Those sponsoring the new legislation were under heavy fire over the

alleged delegation of legislative and judicial powers to the commission.

It was agreed on all sides that legislative and judicial powers could not

constitutionally be delegated and it was accordingly of the first

importance to show that the powers given to the commission were

neither legislative nor judicial but administrative49

.

A criação e a evolução do padrão de agências ocorreram por um

processo de erros e acertos, sendo redesenhados a cada fase por que pas-sou a administração norte-americana

50. A nova função administrativa ou

regulatória, desde a regulação das ferrovias e sob uma visão progressista, seria um esforço para, politicamente, criar racionalidade, eficiência e estabilidade na economia:

Progressivism in operational reality becomes a political capitalism

whereby important economic interests utilize the power of the federal

government to solve internal economic problems which could not

otherwise be solved by voluntary or non-political means. […] In this

respect, federal railroad regulation was the first of many successful

efforts to create rationalization and stability in the economy by

political means51

.

Apesar de polêmica52

, essa visão vem prevalecendo nos tribu-nais, de modo que não há, nos Estados Unidos da América, obstáculos

48 STRAUSS, Peter L. The place of agencies in government: separation of powers and

the fourth branch. Columbia Law Review, v. 84, n. 3, p. 573-66, Apr., 1984. 49 CUSHMAN, Robert E. The independent regulatory commissions. New York:

Octagonn Books, 1972. p. 82. 50 Essas fases serão abordadas neste artigo, item 3. 51 KOLKO, Gabriel. Railroads and regulations: 1877 – 1916. New York: The Norton

Library, 1965. p 239. 52 Nesse sentido, ver LAWSON, Gary. Federal administrative law. 6. ed. ST. Paul:

West, 2013. p. 5-6. Lawson aponta os fatores que levam ao debate quanto a inconstitu-

Page 36: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 36

jurídicos que impeçam o Congresso de criar agências independentes, atribuindo-as competências denominadas quase-legislativas (quasi-legis-

lative), quase-executivas (quasi-executive) e quase-judiciais (quasi-judi- cial)

53.

A função administrativa, não prevista na Constituição Federal e caracterizada como sendo diretamente decorrente de mutação constitucio-nal (working in progress)

54, acolhedora dessa nova atribuição do Estado

(the Administrative Constitution)55

, ainda que provoque certa “confu-

são”56

, é admitida por atores políticos, magistrados e instituições da ad-vocacia pública e privada.

Nesse sentido, o principal argumento interpretativo é de que a função administrativa não se confunde com aquelas três estruturadas pe-los Federalistas e devidamente positivadas (função legislativa, função executiva e função jurisdicional)

57:

cionalidade do modelo de agências: “Given the care with which the Constitution divides and subdivides power among its various institutions, the most absurd abomination under our Constitution would be a putatively executive institution that exercises sweeping authority over subjects that are far beyond the enumerations of legislative power in the Constitution; does so under a statutory mandate so vague that the executive institution is effectively making rather than enforcing or interpreting law when it acts; is not subject to the plenary control of the President in its executive functions; conducts adjudications that usurp some of the business of the federal courts without having the tenure during good behavior and protections against diminishments in salary while in office that are constitutionally required for those who exercise the federal judicial power; circumvents the Seventh Amendment right to a civil jury in the bargain; and, to add the final insult, combines legislative, executive, and judicial functions in the same people at the same time”. LAWSON, Gary S. Limited government, unlimited administration: is it possible to restore constitution? First Principles Series. The Heritage Foundation, n. 23, p. 1-16, Jan. 27, 2009.

53 LAWSON, Gary. The rise and rise of the administrative state, Harvard Law Review, v. 107. n. 6, p. 1231-1254, 1994: “The post-New Deal Supreme Court has never se- riously questioned the constitutionality of this combination of functions in agencies”.

54 MASHAW, Jerry L. Creating the administrative constitution: the lost of hundred years of American administrative law. New Haven: Yale University Press, 2012. p. 314.

55 Idem, p. 285 e ss. Segundo o autor, a Constituição Administrativa continua sendo um contínuo experimento em termos de desenho institucional, que evolui por meio de vá-rias técnicas para acomodar a eficácia administrativa nos mais variados conceitos de democracia e Estado de Direito. Idem, p. 312.

56 Cf. STRAUSS, Peter L. The place of agencies in government: separation of powers and the fourth branch. Columbia Law Review, v. 84, n. 3, p. 573-66, Apr., 1984.

57 Um detalhamento sobre os argumentos, contra e a favor da constitucionalidade do modelo de Estado Administraivo, pode ser encontrado em VERMEULE, Adrian. The administrative state: law, democracy and knowledge. Oxford Handbook of the United

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Teoria do Estado Regulador 37

The Supreme Court, the bar, Congress, and the executive branch

have contributed to public confusion by using slogans to describe

and analyze the work of the independent regulatory commission.

The labeling of independent commission as quasi-judicial and/or

quasi-legislative to distinghish then from executive or administrative

agency produced unworkable and undefinable concepts. These labels

have proved meaningless for purposes of analysis but not for purposes

of political persuasion58

.

3.3.2 Críticas contrárias à função administrativa

O acolhimento da função administrativa, sob o argumento de que sua adaptação ao sistema constitucional decorre de mutação (working in progress), não é pacífico nos Estados Unidos da América. Houve, e ainda há críticas em sentido contrário ao modelo adotado no final do sé-culo XIX e incrementado no início do século XX. Adrian Vermeule

59

resume esse e outros conflitos constitucionais surgidos com a criação de agências, notadamente, as independentes:

On this view, the administrative state has at least five features that

cannot be squared with the original constitution: (1) the vastly

increased scope of federal governmental powers under Article I,

particularly the Commerce Clause; (2) massive delegation from

Congress to the President and bureaucracy, amounting to a de facto

transfer of legislative power to nonlegislative officials; (3) the

creation of independent agencies, which is said to be inconsistent with

the “unitary executive” created by Article II; (4) the vesting of

adjudicative power in executive agencies, subject only to deferential

review by Article III judges; (5) and the combination of legislative

States Constitution, 2013. Harvard Public Law Working Paper No. 13-28, 2013. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2329818>. Acesso em 13 de dezembro de 2014.

58 BERNSTEIN, Marver H. Regulating business by independent commission. 2. tir. New Jersey: Princeton University Press, 1955. p. 14.

59 VERMEULE, Adrian. The administrative state: law, democracy and knowledge. Oxford Handbook of the United States Constitution, 2013. Harvard Public Law Working Paper No. 13-28, 2013. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers. cfm?abstract_id=2329818>. Acesso em 13 de dezembro de 2014. As críticas também podem ser conferidas em BERNSTEIN, Marver H. Regulating business by inde-

pendent commission. 2. tir. New Jersey: Princeton University Press, 1955. p. 3-5; BRESSMAN, Lisa Schultz et al. The regulatory state. New York: Aspen Publishers, 2010. p. 8-10.

Page 38: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 38

(rulemaking), executive and adjudicative functions in administrative

agencies. Jointly and severally, the consequence of these violations

is that the original scheme of separated legislative, executive and

judicial powers has fallen by the wayside.

Por essa linha crítica, a Carta Magna determina que as leis só podem ser elaboradas pelos agentes eleitos pelo povo (legislative branch) e que as agências, ao criarem regras, usurpam competência legiferante. Argumenta-se, ainda, que as agências independentes ferem o princípio da unidade do Poder Executivo (unitary executive). Ademais, as agências

estariam julgando casos, exercendo função típica do poder judiciário, assegurada pelo texto constitucional. Por esse viés argumentativo, a ale-gada rapidez e facilidade na decisão de casos concretos (adjudication), em detrimento da lentidão do poder judiciário, não seriam virtudes; seriam riscos à proteção da sociedade.

De acordo com a crítica desfavorável ao modelo, as agências

acabaram por constituir um quarto poder (headless fourth branch), con-gregando, em uma única entidade, as três funções estatais que, concentra-das, superam aquelas constitucionalmente atribuídas isoladamente aos três poderes tradicionais.

3.3.3 Argumentos a favor da função administrativa

A favor das agências, argumenta-se que elas são criadas e su-pervisionadas por autoridades eleitas, isto é, o Congresso e o Presidente da República. Argumenta-se, ainda, que as agências são criadas por lei, que atribui competências e descreve os procedimentos necessários para a tomada de decisão. Além disso, as agências editam normas com a partici-

pação da sociedade (rule-making process), dando legitimidade a suas decisões.

Partidários do modelo de agências sustentam, ainda, que elas são capazes de solucionar disputas, simples ou complexas, de forma mais célere do que o Presidente e seus assessores (preocupados com questões políticas da federação) ou os tribunais (preocupados com as garantias

decorrentes do devido processo legal). Quanto a este aspecto, sustenta-se que as agências contribuem, inclusive, na liberação de mais tempo e es-trutura aos tribunais para analisar e julgar os casos que requeiram a sua atuação na proteção dos direitos fundamentais.

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Teoria do Estado Regulador 39

O fato é que a Suprema Corte dos Estados Unidos da América não invalidou as leis que criaram as agências independentes, leis estas

que concentram, em uma única entidade, funções executivas, normativas e judicantes

60. Para os justices, as agências são necessárias (essential to

the successful handling of the dificult tasks involved in the government regulation of business) e não são inconstitucionais, haja vista que suas funções não são idênticas àquelas previstas na Constituição e exercidas pelo poder legislativo, poder executivo e poder judiciário:

If the commissions do not posses the legislative and judicial power

separated by the distributing clauses of the Constitution, then clearly

those powers have not been unconstitutionally merged in creating the

commissions. The powers exercised by the commissions may be mixed,

but they are not the powers which it is constitutionally improper to

mix61

.

O que, de fato, a Constituição proíbe é que sejam acumuladas funções nas mãos dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Na vi-são da Suprema Corte, isso não ocorre na criação das agências, cujas decisões são potencialmente submetidas ao controle judicial (judicial

review). Por essa linha argumentativa, perderam importância, no sistema estadunidense, tentativas de perpetuar o debate sobre a inconstitucionali-dade da concentração de funções nas mãos de apenas uma entidade de natureza híbrida

62.

3.4 Modelo de Agencificação: Executivas e Reguladoras, Subordinadas ou Independentes

Sob a premissa, validada pela Suprema Corte, de que o modelo burocrático por agências não ofende o princípio da separação tripartite de poderes, esses organismos estão atuando há quase um século e meio.

60 Ver, nesse sentido, a decisão proferida em United States v. Rock Royal Co-op, Inc.,

307 U.S. 533, 574 (1939), cf. BRESSMAN, Lisa Schultz et al. The regulatory state. New York: Aspen Publishers, 2010. p. 7.

61 CUSHMAN, Robert E. The independent regulatory commissions. New York: Octagonn Books, 1972. p. 425.

62 Defendendo a inconstitucionalidade do Estado Administrativo decorrente das medidas progressistas do New Deal, LAWSON, Gary. The rise and rise of the administrative state. Harvard Law Review, v. 107. n. 6, p. 1231-1254, 1994.

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Sérgio Guerra 40

Mesmo não sendo uma classificação uniforme na doutrina63

, mas para efeitos de facilitar a compreensão, as agências podem ser divididas em

três categorias: agências executivas (independentes ou não), corporações e agências reguladoras (independentes ou não):

1. The federal agencies are placed in the structure of federal

government – as cabinet agencies, independent executive agencies, or

independent regulatory commissions – without apparent regard for the

functions they are to perform. Their internal and public procedures do

not vary with their placement. The functions they perform belie simple

classification as “legislative,” “executive,” or “judicial,” but partake

of all three characteristics. 2. All agencies, whether denominated

executive or independent, have relationships with the President in which

he is neither dominant nor powerless. They are all subject to

presidential direction in significant aspects of their functioning, and

able to resist presidential direction in others (generally concerning

substantive decisions). 3. All agencies have oversight relationships with

Congress and the federal judiciary, and these relationships generally do

not vary with the type of agency used. 4. The characteristics of the

oversight relations of President and Congress with “executive” and

“independent” agencies owe as much (or more) to politics as to law64

.

Salvo as entidades expressamente excluídas da APA, as unidades

governamentais são consideradas agências sob diversas formas e nomen-

claturas: “There was no prototype in the industrial world after which such

agencies could be modeled”65

. Mesmo os Departamentos Executivos, que

se reportam ao Presidente66

, e os seus próprios departamentos, são agên-

cias administrativas, com procedimentos e regras próprias.

63 Por exemplo, o número de commissioners varia de agência para agência. Nem todos

tem mandato (tenure), de modo que não são independentes (removal power discre- tionary), conforme BERNSTEIN, Marver H. Regulating business by independent commission. 2. tir. New Jersey: Princeton University Press, 1955. p. 11.

64 STRAUSS, Peter L. The place of agencies in government: separation of powers and the fourth branch. Columbia Law Review, v. 84, n. 3, p. 573-66, Apr., 1984.

65 LANDIS, James. The administrative process. New Haven: Yale Univesity Press, 1938. p. 16-17. No mesmo sentido, STRAUSS, Peter L. The place of agencies in government: separation of powers and the fourth branch. Columbia Law Review, v. 84, n. 3, p. 573-66, Apr., 1984.

66 Já houve dúvidas se os atos do Presidente da República se enquadrariam nas dis- posições da APA. O caso foi decidido pela Suprema Corte em 1992, em Franklin v. Massachusetts, 505 U.S. 788: “The President’s actions are not reviewable under

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Teoria do Estado Regulador 41

Uma agência administrativa, sob a supervisão do poder executi-vo, é identificada na categoria de agência executiva (serves at the pleasu-

re of the President) e seus dirigentes podem ser demitidos sem justa cau-sa. A lei também pode criar uma agência executiva que seja independen-te, ainda que denominada de comissão ou conselho, e, nesse caso, não atuará sob a supervisão do presidente da república.

Com efeito, quando uma lei determina que uma agência, ainda que com outra denominação, é independente, ela prevê que o presidente

da república não poderá demitir o dirigente (Commissioner) sem motivo (without cause). Frequentemente, o Congresso cria agências independen-tes para que possam operar sem o peso dos regulamentos burocráticos ou a influência de determinados departamentos executivos. Ser independen-te, portanto, significa que a agência não está sujeita ao controle do presi-dente dos Estados Unidos da América

67.

Por exemplo, a NASA (The National Aeronautics and Space Administration) foi criada sob a forma de agência executiva independente para funcionar com maior autonomia e evitar a influência do Departa-mento de Defesa. Portanto, ela tem independência; contudo, não é uma agência reguladora.

Ainda para efeito de classificação, só é considerada agência re-

guladora quando exercer o poder de polícia68

. Sua independência, portan-to, não está relacionada no fato de ser reguladora de um subsistema. O que identifica a sua independência é a garantia de mandato (tenure) para os seus Commissioners.

A Suprema Corte, em algumas ocasiões, considerou que as agências independentes (cujos dirigentes são detentores de tenure) são

constitucionais, sendo que o caso mais emblemático (remarkable case) foi julgado em 1935 (Humphrey v. Unites States)

69. O Tribunal conside-

the APA. He is not specifically included in the APA’s purview, and respect for the separation of powers and the President’s unique constitutional position makes textual silence insufficient to subject him to its provisions”.

67 “What lawmakers meant concretely when they talked about an independent commis-sion? In the first place, it seems clear that Congress intend the new commission to be free from the pressure and control of the President”. CUSHMAN, Robert. The inde-pendent regulatory commissions. New York: Octagon Books, 1972. p. 193. Origi-nalmente, a obra foi escrita em 1941 e publicada pela Oxford University Press.

68 CUSHMAN, Robert. The independent regulatory commissions. New York: Octa-gon Books, 1972. p. 1.

69 Humphrey’s Executor v. United States 295 U.S. 602 (1935).

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Sérgio Guerra 42

rou que o Presidente Franklin D. Roosevelt não poderia demitir o Comis-sário da Federal Trade Commission (FTC), haja vista que a lei que criou

a FTC somente permitia a demissão do Comissário por justa causa (for cause) nos casos de ineficiência, negligência, ou má-fé

70.

Roosevelt pretendia remover o Comissário William E. Hum-phrey, que havia sido nomeado pelo Presidente Herbert Hoover para um mandato de sete anos. O Tribunal decidiu que, como Humphrey era um servidor com tenure, o presidente não poderia removê-lo do cargo, exceto

nos casos expressos previstos na lei (for cause).

Entre a numerosa lista de agências independentes, cumpre des- tacar algumas responsáveis pelas mais variadas atividades: Commodity Futures Trading Commission; Consumer Financial Protection Bureau; Consumer Product Safety Commission; Equal Employment Opportunity Commission; Farm Credit Administration; Federal Communications

Commission; Federal Deposit Insurance Commission; Federal Election Commission; Federal Energy Regulatory Commission; Federal Housing Finance Agency; Federal Maritime Commission; Federal Mine Safety and Health Review Commission; Federal Reserve System; Federal Trade Commission; Merit Systems Protection Board; National Credit Union Administration; National Indian Gaming Commission; National Labor

Relations Board; Nuclear Regulatory Commission; Occupational Safety and Health Review Commission; Postal Regulatory Commission; Reco- very Accountability and Transparency Board; Securities and Exchange Commission; Surface Transportation Board; International Trade Com-mission.

Enquanto a maioria das agências tem um único dirigente, no-

meado pelo Presidente dos Estados Unidos, as agências qualificadas co-mo “independentes” têm, na maioria das vezes

71, um órgão colegiado de

cinco a sete membros (commission/board type).

Os dirigentes (Commissioners) são escolhidos pelo Presidente e seus nomes são submetidos ao Senado. Os mandatos (tenure) são, em muitos casos, não coincidentes, de modo que alguns dirigentes ultrapas-

70 Sobre essa importante decisão da Suprema Corte, ver STRAUSS, Peter L. The place

of agencies in government: separation of powers and the fourth branch. Columbia Law Review, v. 84, n. 3, p. 573-66, Apr., 1984.

71 Veja-se que não há um padrão predefinido. A partir da década de 60, foram criadas agências com apenas um diretor. É o caso da Environmental Protection Agengy – EPA, reguladora na área ambiental. Cf. DELEO. John D. Administrative law. New York: Delmar Gengage Learning, 2008. p. 31.

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Teoria do Estado Regulador 43

sam o prazo do mandato presidencial. Desse modo, o Presidente eleito não tem a indesejada possibilidade de nomear todos os dirigentes, salvo

se ele for reeleito. Regra geral, o Presidente da República escolhe o diri-gente que presidirá a agência (Chairperson).

Além dessas características, a maioria das agências indepen-dentes tem previsão legal no sentido de que os seus dirigentes pertençam, necessariamente, aos dois principais partidos políticos (bipartidária). Desse modo, o Presidente não pode, simplesmente, preencher as vagas com os

membros de seu próprio partido político.

3.5 Agências Corporativas

As government corporations são agências que, na verdade, fun-cionam como empresas. Produzem bens ou prestam serviços de interesse público, nos casos em que eles demandem muitos investimentos ou não sejam atrativos para as empresas privadas. Trata-se de uma agência seme-lhante a uma “empresa estatal”, criada pelo Congresso para prestar um serviço de interesse público, orientado para o mercado e para a produção de receitas que atendem ou se aproximem de seus custos.

Nessa categoria de agência incluem-se o serviço postal dos Es-tados Unidos da América (The U.S. Postal Service); a Autoridade do Vale do Tennessee (The Tennessee Valley Authority), que foi criada para de-senvolver a energia elétrica na região do Vale do Tennessee, e a empresa ferroviária AMTRAK (The National Railroad Passenger Corporation)

72.

Essas agências têm mais independência do que as outras espé-cies de agências. Elas podem, por exemplo, comprar e vender imóveis, processar e serem processadas em juízo. Também, como regra, essas agências não são dependentes de dotações orçamentárias do Congresso, sendo geridas com base em suas próprias receitas.

O modelo de corporação estadunidense tem sido utilizado pelo governo federal há mais de um século. Existem grandes agências, como, 72 A AMTRAK foi criada pelo Congresso (Rail Passenger Service Act) em 1970 e

incorporada ao Distrito de Columbia em 1971. A AMTRAK é uma corporação com fins lucrativos que opera serviços de transporte ferroviário de passageiros intermuni-cipais em 46 estados americanos e no Distrito de Columbia, além de ser contratada (Contractor) para atuar em várias outras agências de trens urbanos. O Conselho de Administração da Amtrak define a política corporativa e supervisiona a gestão da empresa. É composto por sete membros votantes, nomeados pelo Presidente da Re-pública para exercer mandatos de cinco anos com o aconselhamento e consentimento (advice and consent) do Senado.

Page 44: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 44

por exemplo, a COMSAT (Communication Sattelite Corporation), com base nos Estados Unidos da América e filiais no Brasil, Argentina, Co-

lômbia, México, Peru, Venezuela e outros países do continente america-no. A empresa opera por meio de várias modalidades de comunicação de dados, tendo como atividade preponderante a comunicação via satélite.

Existem agências responsáveis por atividades menos comple-xas, como, por exemplo, o Banco Federal de Financiamento e a Federal Prison Industries, que administra o trabalho dos prisioneiros para produ-

zir bens e prestar serviços.

O governo federal não possui uma lei geral sobre agências cor-porativas. Cada corporação tem a sua própria estrutura, nos termos da lei de criação. Isso representa uma grande variedade de modelos, tanto à estrutura legal, quanto à organizacional. O que encontra-se disciplinado de forma geral, aplicável às agências corporativas, está contido em uma

lei de controle das corporações, de 1945, que dispõe sobre orçamento, auditoria etc.

Na estrutura do Poder Executivo nenhuma agência é responsá-vel pela supervisão e fiscalização das agências consideradas “empresas estatais”. A Câmara e o Senado também não têm comitês individuais com a responsabilidade de supervisionar essas agências. Cada entidade é su-

pervisionada por um comitê específico.

Curiosamente, algumas das agências corporativas, a exemplo da Autoridade do Vale do Tennesee, são criadas sem tempo de duração; outras, como, por exemplo, a US Enrichment Corporation, que é contra-tada pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos para produzir urânio enriquecido para usinas nucleares, são criadas para servir como

veículo de transição, passando ao setor privado logo que determinadas fases tenham sido alcançadas. E, regra geral, as agências corporativas não precisam de dotações orçamentárias do governo, auferindo suas re-ceitas diretamente dos bens produzidos e serviços prestados.

4 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DAS AGÊNCIAS NOS ESTADOS UNIDOS

As agências norte-americanas atuam em diversos setores, sob diversas formas e funções, abrangendo a regulação do comportamento dos indivíduos, regulando o comércio, distribuindo subsídios e benefí-

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Teoria do Estado Regulador 45

cios, provendo serviços, cobrando impostos, gerenciando recursos, pro-movendo pesquisas, prestando informações e esclarecimentos à socieda-

de, produzindo guias e manuais etc73

.

A evolução do sistema de agencificação norte-americano pode ser dividida em algumas fases

74: entre 1837 a 1887, marcada pelos expe-

rimentos da regulação do comércio pelos governos estaduais; entre 1887 e 1906, compreende o período entre a reforma agrária e a criação da In-terstate Commerce Commission; 1906 à 1917 identifica-se como sendo a

era progressista, com destaque para a criação da Federal Trade Commis-sion; 1920 a 1929, período após a primeira guerra mundial, em que foram criadas outras agências, com destaque para a Federal Power Commission e a Federal Radio Commission; década de 30, com a grande depressão e a recuperação econômica, destacando-se a criação da Security and Exchan-ge Commission, a Federal Comunication Commission, o National Labor

Relations Board, a National Maritime Commission, e o Civil Aeronautics Board; década de 40, marcada pela mobilização para a guerra e defesa nacional com destaque para a forte procedimentalização da regulação, por meio da aprovação do Administrative Procedure Act, em 1946; a partir da década de 60, até os dias atuais, é considerada a era moderna, em que se destaca o tema da desregulação

75. Vale ressaltar o evento ocorrido no dia

11 de Setembro de 2001 (especialmente os ataques ao World Trade Cen-ter), que trouxe um novo debate sobre o movimento de desregulação

76.

73 BRESSMAN, Lisa Schultz et al. The regulatory state. New York: Aspen Publishers,

2010. p. 2. 74 Cf. BERNSTEIN, Marver H. Regulating business by independent commission. 2. tir.

New Jersey: Princeton University Press, 1955, p. 18-19. Essa classificação varia de autor a autor. Outra forma de divisão do fatos na linha do tempo pode ser encontrada em DELEO. John D. Administrative law. New York: Delmar Gengage Learning, 2008. p. 25.

75 Nesse sentido, ver todo o desenvolvimento do movimento de desregulação em MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. As críti-cas surgidas na década de 60 sobre a regulação, e que, em parte, levaram ao movimento de desregulação, podem ser conferidas em BREYER, Stephen. Regulation and its re-form. Cambridge: Massachusetts, 1982. p. 4. Críticas mais recentes sobre a crise de con-fiança no sistema regulatório estadunidense estão resumidas em CARRIGAN, Chris-topher; CAGLIANESE, Cary. Oversight in hindsight: assessing the U.S. Regulatory System in the wake of calamity. In: Regulatory breakdown: the crisis of confidence in U.S. regulation. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2012. p. 1-20.

76 Quanto ao debate sobre desregulação após o evento de 11 de Setembro, ver Andrew Syrios, The Financial Crisis – Part 1: Is Deregulation to Blame? Well, Kinda…, May 25, 2009. SwiftEconomics.com. Disponível em: <http://nakedliberty.com/2010/12/the-

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Sérgio Guerra 46

No período de criação dos Estados Unidos da América (século XVIII), adotava-se a premissa de que a sociedade não deveria ser regula-

da, cabendo ao estado garantir a propriedade privada e a liberdade contra-tual (laissez-faire):

The laissez-faire approach in popular economics is supported by the

political view that the scope of governmental power should be limited

to the protection of life and property and the maintenance of certain

essential services77

.

Com essa premissa, não foi delineada, no texto constitucional,

qualquer função estatal que objetivasse a intervenção estatal sobre as

atividades da vida privada. A regulação foi paulatinamente sendo cons-

truída com a industrialização e consequente complexidade das relações

comerciais78

. O fundamento estava associado à eficiência econômica por

meio de decisões racionais proferidas por experts79

.

Há dúvidas se o modelo estadunidense sofreu alguma influência

de agências criadas na Inglaterra durante o século XIX80

, haja vista que

antes mesmo da criação da primeira agência federal (Interstate Commer-

ce Commission – ICC), alguns Estados possuíam agências no formato

financial-crisis-%E2%80%93-part-1-is-deregulation-to-blame-well-kinda%E2%80%A6/>. Acesso em: 13 dez. 2014.

77 BERNSTEIN, Marver H. Regulating business by independent commission. 2. tir.

New Jersey: Princeton University Press, 1955. p.13. 78 O fundamento institucional para a criação de agências, basicamente, divide-se em

teoria do interesse público (public interest) e teoria da escolha pública (public choice).

Essas teorias podem ser conferidas, de forma objetiva, em CASS, Ronald A. et al.

Administrative law. 6a. ed. New York: Wolters Klumer Law & Business, 2011, p. 6.

Uma nova linha teórica, denominada de choice architecture, pode ser conferida em THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R.; BALZ, John P. Choice Architecture,

April 2, 2010. Disponível em at SSRN: <http://ssrn.com/abstract=1583509>. Acesso

em: 13 dez. 2014. 79 Cf. SKOWRONEK, Stephen. Bulding a new American state: the expansion of

national administrative capacities 1877 – 1920. New York: Cambridge University

Press, 1982. p. 177. 80 Em 1840 e 1842, o British Board of Trade tinha limitado poderes sobre as ferrovias

inglesas e em 1846 o Parlamento inglês criou uma agência composta de 5 membros

para regular o setor, sendo extinta em 1851. Com a nova lei, aprovada em 1873, foi

criada uma agência para regular os serviços ferroviários, com poderes limitados. Cf.

CUSHMAN, Robert E. The independent regulatory commissions. New York: Oc-

tagonn Books, 1972. p. 34-35.

Page 47: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Teoria do Estado Regulador 47

próximo à ICC81

. Ademais, há quem sustente que o governo federal esta-

dunidense já havia criado entidades reguladoras, a exemplo do modelo

implantado no sistema de controle das embarcações a vapor (the Board of

Supervising Inspectors of Steamships) em 185282

.

As agências estaduais, no primeiro momento, foram criadas pa-

ra auxiliar o Poder Legislativo, seja disponibilizando informações técni-cas, seja para colaborar em algum assunto específico. Em 1832, o Estado de Connecticut criou uma comissão especial, tornando-a permanente em 1849 e Rhode Island criou uma modesta agência, que visava encorajar empresas rivais a trabalhar de forma conjunta

83. Outros estados também

criaram agências, a exemplo dos Estados de New Hampshire e Rhode

Island, em 1844; Estado de New York, em 1850 e Estado de Vermont, em 1855

84:

Viewed generally, therefor, these earliest commissions were occasional,

and created for the randling of special or ad hoc situations. They had

a variety of functions, but mainly they were to serve as fact-finding

agencies for the legislature and to handle tasks which that body had

undertaken and in which it had failed. They were looked upon as

agents of the legislature and not in any sense as part of the executive

branch85

.

Depois dessa fase, entre 1869 e 1887, surgiram as agências estaduais para regular o serviço ferroviário, a mais importante ativida-de econômica naquele momento da história estadunidense. As primei-

ras agências, nesse formato, foram criadas nos estados da Nova Ingla-terra, com a chegada da primeira agência no Estado de Massachusetts em 1869 e, depois, Colorado, Connecticut, Iowa, Kentucky, Maine,

81 Sobre a discussão sobre a possível inspiração do modelo de agências no sistema britâ-

nico, indica-se: CUSHMAN, Robert E. The independent regulatory commissions. New York: Octagonn Books, 1972. Essa obra foi originalmente publicada em 1941.

82 MASHAW, Jerry L. Creating the administrative constitution: the lost one hundred years of American administrative law. New Haven: Yale University Press, 2012. p. 187 e ss.

83 Cf. MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis, D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 17.

84 Cf. CUSHMAN, Robert E. The independent regulatory commissions. New York: Octagonn Books, 1972. p. 23.

85 Idem.

Page 48: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 48

Michigan, Nebraska, New York, Ohio, Rhode Island, Vermont, Virginia e Wisconsin

86.

Em 1871, o estado de Illinois criou uma agência dotada de vas-tos poderes, de modo que a agência poderia exercer intenso controle so-bre as atividades ferroviárias. Esse modelo, seguido por outros Estados (Alabama, California, Georgia, Kansas, Minnesota, Mississippi, New Hampshire e South Caroline), é considerado pela doutrina como sendo um importante avanço na técnica de regulação do sistema ferroviário

estadual, formando a base da futura regulação no âmbito nacional.

A modalidade de regulação estatal forte (strong commission), com seus poderes, foi muito questionada, sendo a sua constitucionalidade submetida em vários casos à Suprema Corte norte-americana. Merece destaque o caso julgado pela Suprema Corte, em 1877, denominado Munn v. Illinois

87, que apreciou o questionamento sobre as tarifas que

impactavam as atividades agrícolas.

Esse caso é citado como o remarkable case que permitiu, aos estados da federação, regular certos negócios dentro de suas fronteiras, incluindo as ferrovias. Por isso, é considerado um importante precedente após a guerra civil americana a favor da corrente progressista defensora da função estatal de regulação das atividades privadas.

Nesse julgamento o Chef Justice Waite decidiu que os estados eram detentores de competência para regular o uso da propriedade priva-da quando tal regulamentação tornava-se necessária para o bem público. Waite buscou fundamento na doutrina do direito romano ao sustentar que “quando a propriedade é afetada com um interesse público, deixa de ser apenas privati juris”. É assinalável que Munn foi um dos seis casos, os

chamados casos Granger88

, decididos pela Suprema Corte dos Estados Unidos a favor dos Estados, todos ao mesmo tempo e no mesmo sentido.

86 Os detalhes sobre essas agências estaduais podem ser conferidos em CUSHMAN,

Robert E. The independent regulatory commissions. New York: Octagonn Books, 1972. p. 25. Em nossas pesquisas, não encontramos certa precisão na ordem cronoló-gica de criação das agências estaduais.

87 94 US 113. 88 Conhecido como Granger Movement, e que levou a Suprema Corte a proferir impor-

tantes decisões sobre a intervenção estatal, tratava-se de uma associação de pecuaris-tas fundada em 1867 para promover métodos de agricultura, bem como para promover o desenvolvimento das necessidades sociais e econômicas dos agricultores nos Esta-dos Unidos. Começou em 1886 com Oliver Hudson Kelley, funcionário do Departa-mento de Agricultura. A princípio, apenas o estado natal de Kelley, Minnesota, pare-cia sensível aos movimentos Granger, mas em 1870 nove estados aderiram. Em mea-

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Teoria do Estado Regulador 49

Releva destacar, ainda, o Peik case89

, julgado pela Suprema Corte em 1877, em que decidiu-se que os Estados só poderiam regular o

sistema ferroviário interestadual dentro das suas fronteiras, prejudicando a efetividade da regulação estadual. Assim decidiu a Suprema Corte:

(1) This Court follows the Supreme Court of Illinois in holding that the statute of Illinois must be construed to include a transportation of

goods under one contract and by one voyage from the interior of the State of Illinois to New York.

(2) This Court holds further that such a transportation is “commerce among the states” even as to that part of the voyage which lies within the State of Illinois, while it is not denied that there may be a transportation of goods which is begun and ended within its limits, and disconnected with any carriage outside of the state, which is not commerce among the states.

(3) The latter is subject to regulation by the state, and the statute of Illinois is valid as applied to it. But the former is national in its

character, and its regulation is confided to Congress exclusively, by that clause of the Constitution which empowers it to regulate commerce among the states.

(4) The cases of Munn v. Illinois, 94 U. S. 113; Chicago v. Burlington & Quincy Railroad Co. v. Iowa, 94 U. S. 155, and Peik v. Chicago & Northwestern Railway, 94 U. S. 164, examined in regard to this question, and held, in view of other cases decided near the same time, not to establish a contrary doctrine.

(5) Notwithstanding what is there said, this Court holds now, and has never consciously held otherwise, that a statute of a state, intended to

regulate or to tax or to impose any other restriction upon the transmission of persons or property or telegraphic messages from one state to another, is not within that class of legislation which the states may enact in the absence of legislation by Congress, and that such statutes are void even as to that part of such transmission which may be within the state.

dos da década de 1870 quase todos os estados tinham pelo menos um Grange, e a as-sociação nacional chegou perto de 800.000 membros. O que atraiu a maioria dos agri-cultores ao movimento Granger foi a necessidade de uma ação unificada contra as fer-rovias monopolistas e elevadores de grãos (muitas vezes de propriedade das ferrovias) que cobravam taxas exorbitantes para manusear e transportar as colheitas dos agricul-tores e outros produtos agrícolas. Sobre o tema, ver SKOWRONEK, Stephen. Buld-ing a new American state: the expansion of national administrative capacities 1877 – 1920. New York: Cambridge University Press, 1982. p. 125.

89 Peik v. Chicago & Northwestern Railway Company, 94 U.S. 164 (1876).

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Sérgio Guerra 50

(6) It follows that the statute of Illinois, as construed by the supreme

court of the state and as applied to the transaction under consideration,

is forbidden by the Constitution of the United States, and the judgment

of that court is reversed.

Outro caso de aguda relevância sobre a evolução tema, deci-dido pela Suprema Corte em 1886, ficou conhecido como Wabash ca-se

90. Também, referindo-se aos limites da intervenção no nível estadual,

foi decidido que os estados passariam a ser impedidos de regular o comércio interestadual, de modo que somente o governo federal poderia

fazê-lo91

:

The Wabash decision injected into the picture what someone has called

the categorial imperative. Its precise and immediate effect upon

Congressional leaders remains in doubt; but it made federal regulation

clearly imperative, and the Interstate Commerce Act of 1887 was

passed within a few months.

Nesse contexto, e com a decisão no caso Wabash dando suporte ao projeto de lei em tramitação (Cullom’s bill),

92 em 1887, por meio do

Interstate Commerce Act, o Congresso criou, no âmbito federal, a primei-ra agência reguladora “moderna”

93, inaugurando uma nova era. Essa lei

foi promulgada pelo Congresso para regular o transporte ferroviário inte-restadual, de pessoas ou bens.

A estrutura da ICC estava ancorada no órgão colegiado, com-posto de cinco membros, escolhidos pelo Presidente da República e con-

firmados pelo Senado, para um mandato de seis anos. Não mais do que três comissários poderiam pertencer a um dos partidos políticos.

Há doutrina que sustenta que, nos conceitos norteadores da cria-ção da ICC, estaria a proteção do setor ferroviário e dos proprietários das

90 Wabash, St. Louis & Pacific Railway Company v. Illinois, 118 U.S. 557 (1886). 91 Cf. MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams

Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 61.

92 Cf. MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 61.

93 CASS, Ronald A. et al. Administrative law. 6. ed. New York: Wolters Klumer Law & Business, 2011. p. 3.

Page 51: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Teoria do Estado Regulador 51

empresas94

. O Congresso teria agradado os empresários das estradas de ferro, que estavam submetidos a regulações mais restritivas nos Estados.

Posteriormente, a ICC teria adotado um papel mais ativo, de modo a ga-rantir que as empresas ferroviárias prestassem um serviço com tarifas justas e razoáveis.

Durante a administração do Presidente William H. Taft, o go-

verno federal reforçou o seu controle regulatório sobre o setor ferroviá-

rio, por meio da aprovação da lei conhecida como Mann-Elkins Act, de

191095

.

Com efeito, com essa lei federal promoveu-se uma das reformas

da era progressista, estendendo a autoridade da ICC para regular o setor

de telecomunicações (telefone e telégrafo), ampliando os poderes conce-

didos à ICC advindos do Hepburn Act de 1906. Releva destacar que essa

mesma lei criou um tribunal denominado United States Commerce Court,

para o julgamento de disputas ocorridas no transporte ferroviário, extinto

pelo Congresso em 1913.

Com a experiência da ICC, o Congresso criou inúmeras agên-

cias para administrar e/ou regular alimentos e drogas (1906); o Federal

Bureau of Investigation – FBI (1908) para investigar as violações de leis

federais; sistema financeiro, com o Federal Reserve Board (1914); livre

concorrência (1914); navegação (1916); hidrelétricas (1920); comércio

(1922) e rádio (1927).

Após a queda da Bolsa de Valores, ocorrida em outubro de

1929, e a Great Depression, da década de 1930, o Congresso aprovou

inúmeras leis aumentando o número de agências, em um esforço para

regular a produção e comercialização de bens: em 1933, the Securities Act

e the Glass-Steagall Banking Act; em 1934, the Securities Exchange Act;

em 1935, the Public Utility Holding Act96

e, em 1938, the Maloney Act97

.

94 Essa é a conclusão contida em um dos mais respeitados trabalhos sobre essa fase:

KOLKO, Gabriel. Railroads and regulations: 1877 – 1916. New York: The Norton Library, 1965.

95 A atuação da ICC foi sendo paulatinamente ajustada de acordo com novas leis: Elkins Act (1903), Hepburn Act (1906), Mann-Elkins (1910), Esch-Cummins (1920), Motor Carrier Act (1935), Transportation Act (1940). Cf. MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis D. Brandeis, James M. Lan-dis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 62-63.

96 Essa lei dispunha que as empresas de utilidade pública deveriam reorganizar as suas estruturas corporativas e que a Security and Exchange Commission (SEC) seria com-petente para supervisionar e aprovar os planos de reestruturação.

Page 52: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 52

Nessa fase, conhecida como The New Deal era, foram criadas várias agências federais, para regular, por exemplo, valores mobiliários

(1934), energia (1935), relações de trabalho (1935), transporte de cargas (1935), carvão (1937), aviação (1938) e gás natural (1938):

The explosion of regulatory legislation during the 1930s reflected

something besides the economic crisis of that decade. It also represented

a widespread popular conviction that the free market was hopeless

flawed. The same premises that underlay the Keynesian revolution in

macroeconomics during the 1930s – that government should take a

hand, that expert public servants were more likely than business

executives to choose the wise course – also applied to microeconomic

regulation98

.

Com a proliferação das agências durante o New Deal, surgiu o primeiro estudo sistematizado visando propor regras para uniformizar o exercício de suas funções (President’s Committee on Administrative Ma-nagement). O Brownlow Committee

99, criado pelo Presidente Roosevelt

em 1937, chegou a afirmar que as agências reguladoras constituíam um quarto poder, e que deveriam ser extintas com a transferência de suas funções para as agências executivas.

Ainda em suas recomendações, o Brownlow Committee sugeriu que as funções judicantes fossem transferidas para um novo tribunal ad-ministrativo, nos moldes do Conselho de Estado francês (Counseil

d’État) ou do Conselho de Estado Italiano (Consiglo di Stato).

O Presidente Roosevelt não concordou com as conclusões do Brownlow Committee; contudo, o Congresso, com receio da concentração de poderes nas mãos das agências, aprovou um projeto de lei (the Walter-Logan bill) implementando uma série de recomendações do Brownlow Committee. O Presidente Roosevelt vetou o projeto de lei, alegando que

poderia haver uma hiperjudicialização das questões administrativas.

97 Cf. MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams

Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 169-170.

98 MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 210.

99 Sobre a formação e estrutura desse Comitê, ver MOSHER. Frederick C. Basic docu-ments of American public administration: 1776 – 1950. New York: Holmes & Meier Publishers, Inc. 1976. p. 105 ss.

Page 53: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Teoria do Estado Regulador 53

Outro comitê foi organizado por Roosevelt em 1939, tendo

apresentado seu final report em 1941100

. As conclusões foram posterior-

mente transformadas na lei de processos administrativos das agências,

denominado Administrative Procedure Act, aprovado em 1946.

Naquele mesmo ano, os Estados também aprovaram legislação

similar, durante a National Conference of Commissioners on Uniform

State Laws, baseando-se numa proposta da American Bar Association,

denominada de Model Act101

.

Depois da aprovação da APA, em 1946,102

o Congresso promo-

veu alterações nesse act por meio de novas leis, criando procedimentos

específicos para a atuação das agências103

.

Quando os Estados Unidos ingressaram na Segunda Guerra

Mundial, mais agências foram criadas ou ampliadas para controlar a pro-

dução de bens, inclusive preços e racionamento. Em 1955 foi lançado

mais um relatório (Hoover Commission) recomendando a reestruturação

100 Attorney General’s Committee on Administrative Procedure, Final Report: Adminis-

trative Procedure in Government Agencies, S. Doc., No. 8, 77th Cong., 1st Sess.++-

(1941). 101 Cf. CASS, Ronald A. et al. Administrative law. 6. ed. New York: Wolters Klumer

Law & Business, 2011. p. 5-6. 102 Sobre os procedimento de aprovação da APA, ver STRAUSS, Peter L. Changing

Times: The APA at fifty. 63 University of Chicago Law Review, p. 1389-1432, 1996;

GELLHORN, Walter. The Administrative Procedure Act: the beginnings. Virginia

Law Review, v. 72, n. 2. The Administrative Procedure Act: A Fortieth Anniversary

Symposium, Mar., 1986, p. 219-233. 103 Merece destacar a promulgação do Freedom of Information Act (1967), determinando

a ampla divulgação das informações das agências colhidas em processos de normati-

zação (rulemaking), o National Environmental Policy Act (1969), determinando que

as agências levassem em consideração os impactos de suas ações no meio ambiente; o

Federal Advisory Committe Act (1972), para que os comitês criados para aconselhar as agências realizassem suas reuniões em público; o Government in the Sunshine Act

(1976), para que as reuniões realizadas entre as agências fossem públicas; o Regula-

tory Flexibility Act (1980), para que as agências procurassem reduzir os impactos das

suas regulações sobre pequenos negócios; o Administrative Dispute Resolution Act

(1990), criando mecanismos de solução alternativa de disputas; o Regulatory Negotia-

tion Act (1990), estabelecendo um processo de produção de normas regulatórias quando estas afetassem negócios realizados por partes privadas; o Unfanded Mandate

Reform Act (1995), determinando que as agências levassem em conta os custos que as

suas regulações causariam para Estados e governos locais; e o Congressional Review

Act (1996), que permitia um célere procedimento para que o Congresso pudesse anu-

lar uma norma regulatória mediante a expedição de uma resolução conjunta das duas

casas (Senado e Casa dos Representantes).

Page 54: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 54

de muitas agências regulatórias, que, em 1956, mereceu propostas de

ajuste pela American Bar Association104

.

Nas décadas de 60 e 70 o Congresso norte-americano envere-

dou por uma nova fase denominada social regulation,105

visando comba-ter a discriminação, fraudes ao consumidor, saúde, segurança e proteção ao meio ambiente

106. A ideia era oferecer oportunidades para as pessoas

que, historicamente, foram desfavorecidas e marginalizadas107

, sob a jus-tificativa de “externalidades ou informações assimétricas”

108. Essa fase é

explicada por Stephen Breyer:109

Beginning in the mid-1960s the number of federal regulatory agencies

and the scope of regulatory activities vastly expanded. The federal

government began to regulate oil prices and other aspects of energy

production; to impose significant controls upon environmental

pollution; and to regulate the safety of the workplace, of the highway,

and of consumer products. It increased regulatory protection of

investors, including pension holders and commodities traders.

Uma outra importante fase é identificada na história das agên-cias dos Estados Unidos da América como rulemaking era

110. A partir

dos anos 70, e diante da crise econômica mundial, esse período se destaca pelo excessivo número de regras regulatórias, altamente complexas e detalhadas (microregulation) provocando um grande movimento contra

os custos decorrentes da regulação.

104 Idem, p. 219. 105 Sobre um grande questionamento sobre essa fase, e que acabou por criar muita com-

plexidade e microrregulações que engessam a administração estatal, ver a obra HO-WARD, Philip K. The rule of nobody: saving america from dead laws and broken government. New York: W.W. Norton & Company, 2014.

106 Cf. SKOWRONEK, Stephen. Bulding a new American state: the expansion of national administrative capacities 1877 – 1920. New York: Cambridge University Press, 1982. p. 17.

107 Várias críticas contra a atuação das agências foram apresentadas nessa fase por um dos “pais” da regulação estadunidense. Ver LANDIS, James M. Report on regulato-

ry agencies to the president-elect: a report submitted to Sen. John F. Kennedy – De-cember 21, 1960. New Orleans: Quid Pro Books, 2014.

108 DUDLEY, Susan E.; BRITO, Jerry. Regulation: a primer. 2. ed. Washington: The George Washington University, 2012. p. 78.

109 BREYER, Stephen. Regulation and its reform. Cambridge: Massachusetts, 1982. p. 1. 110 SCALIA, Antonin. Back to basics: making law without making rules. Regulation,

July/August, 1981. p. 25-28.

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Teoria do Estado Regulador 55

Merecem destaque os estudos desenvolvidos pela Escola de Chicago, notadamente o artigo escrito por George Stigler, publicado em

1971, sustentando, com evidências empíricas, que a regulação é “conquis-tada” pela empresa, visando a seu próprio benefício (controle do ingresso de rivais no setor, subsídios, fixação de preços etc.). Segundo Stigler, essa forma de atuação representa uma captura da agência pelos regulados, além de incrementar demasiadamente os custos para a sociedade

111.

Releva destacar, ainda quanto à década de 70, que houve uma

forte crise, com grande impacto na economia norte-americana. Em 1973, o preço do petróleo disparou, houve uma queda no desenvolvimento tec-nológico, constatou-se incremento das taxas de juros e a inflação acele-rou. As empresas, que dependiam de aprovação regulatória para aumentar seus preços, começaram a sentir as perdas pela demora decorrente do complexo processo regulatório (regulatory lag)

112. Também nesse mo-

mento houve grande popularidade das questões ambientais, sendo criada a Environmental Protection Agency – EPA, afetando as plantas industriais com o aumento de custos para a instalação de novos equipamentos de controle da poluição.

A partir de então, e diante de muitas pressões, a regulação per-deu importância fazendo com que o Congresso iniciasse um processo de

redução do nível de atividade das agências. Esse movimento ficou conhe-cido como desregulação (deregulation), período em que foi desmobiliza-da parte do aparato calcado no modelo de agencificação setorial.

Houve, nessa fase, grande influência dos trabalhos publicados por Alfred Kahn, que se baseavam na teoria dos custos marginais (margi-nal-cost pricing)

113. Os setores mais atingidos com o movimento de des-

regulação foram a aviação, o transporte de cargas e rodovias. Ironicamen-te, a ICC – primeira agência da nova era de regulação estatal federal – foi desativada em 1996.

111 STIGLER, George J. The theory of economic regulation. v. 2. The Bell Journal of

Economics and Management Science. v. 3, 1971. As críticas a essa abordagem po-dem ser conferidas em POSNER, Richard A. Theories of economic regulation. The Bell Journal of Economics and Management Science, v. 5, n. 2. (Autumn, 1974). p. 335-358.

112 Cf. MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 239.

113 Cf. MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 228.

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Sérgio Guerra 56

5 ANÁLISE DOS DEBATES SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO MODELO DAS AGÊNCIAS NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Com os dados antes coligidos sobre o surgimento e evolução do estado administrativo norte-americano, e, passados quase cento e cin-quenta anos, ricos em experiências do modelo regulatório, é possível chegar-se a algumas constatações que espera-se sejam úteis à análise comparativa entre o sistema estadunidense e o brasileiro.

Uma primeira verificação, digna de nota, é de que o debate ju-dicial ocorrido nos Estados Unidos da América não foi tão intenso e pro-fundo, como se esperava encontrar, haja vista a implantação do modelo de Estado Administrativo há mais um século. Com efeito, a Suprema Corte não julgou e normatizou (ruled) a questão de forma direta, clara e absoluta.

Quanto à análise sobre a criação das agências independentes, consiste em extrair os principais aspectos colacionados na doutrina e nas regras da Suprema Corte norte-americana (judicial rules), começando sobre a constitucionalidade do modelo à luz do princípio da separação de poderes.

5.1 Separação de Poderes

De início, quando dos primeiros questionamentos sobre a cons-titucionalidade do modelo adotado, especialmente no âmbito do Poder Legislativo, parecia ser um paradoxo a Constituição determinar, expres-samente, a separação de poderes em três branches (Legislativo, Executi-vo e Judiciário), justamente para evitar a tirania e, passo seguinte, o Poder Legislativo criar uma entidade dotada dessas mesmas três funções

114.

Essa tríplice função faria daquele que a exercesse um “superpo-der”; o quarto e mais forte dentre todos (headless forth branch). A con-clusão que pode ser extraída, tanto da literatura jurídica norte-americana quanto dos principais julgamentos ocorridos na Suprema Corte, é de que o debate sobre a possível violação da cláusula de separação de poderes ocorreu, apenas, em questões envolvendo os três poderes (branches) em si, de modo a não haver qualquer usurpação ou delegação, entre eles:

114 Sobre as justificativas para a criação das agências, ver BREYER, Stephen. Regula-

tion and its reform. Cambridge: Harvard University Press, 1982. p. 15 e ss.

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Teoria do Estado Regulador 57

Three differing approaches have been used in the effort to understand

issues such as these. The first, “separation of powers,” supposes that

what government does can be characterized in terms of the kind of act

performed – legislating, enforcing, and determining the particular

application of law – and that for the safety of the citizenry from

tyrannous government these three functions must be kept in distinct

places. Congress legislates, and it only legislates; the President sees to

the faithful execution of those laws and, in the domestic context at least,

that is all he does; the courts decide specific cases of law-application,

and that is their sole function. These three powers of government are

kept radically separate, because if the same body exercised all three of

them, or even two, it might no longer be possible to keep it within the

constraints of law115

.

Com efeito, as funções outorgadas às agências não foram consi-

deradas pela Suprema Corte como sendo idênticas àquelas detidas pelos

três poderes estruturados pelos Framers na Constituição. Sob essa pre-

missa, a nova função administrativa – não prevista no texto constitucional

–, e que abrange certa dose de função normativa, função executiva e fun-

ção judicante, pode ser concentrada em apenas uma entidade (agency) a

critério do Congresso, titular das escolhas políticas garantidas pela Cons-

tituição (the necessary and proper clause).

As conclusões que foram se consolidando nos Estados Unidos

da América, ao longo das décadas, desde o final do século XIX, tanto

doutrinariamente quanto no âmbito do controle judicial de constituciona-

lidade das leis, indicam que apenas aparentemente as funções detidas

pelas agências se confundem com aquelas três alcançadas pela cláusula

da separação de poderes.

Destarte, ao invés de o debate centrar a discussão – como ocorre

no Brasil e adiante examinado – quanto à possível afronta ao princípio da

separação de poderes, argumenta-se ser mais importante para a sociedade

estadunidense o debate sobre a garantia do devido processo legal (due

process of law).

Por essa linha argumentativa, e de forma pragmática,116

o que a

Constituição visa garantir, acima de tudo, é a proteção dos direitos fun-

115 STRAUSS, Peter L. The place of agencies in government: separation of powers and

the fourth branch. Columbia Law Review, v. 84, n. 3, p. 573-66, Apr., 1984. 116 Cf. BERNSTEIN, Marver H. Regulating business by independent commission. 2. tir.

New Jersey: Princeton University Press, 1955, p. 14. Sobre o debate quanto a consti-

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Sérgio Guerra 58

damentais, de modo que qualquer eventual risco de tiraria pode ser ani-

quilado pelo controle judicial (judicial review).

5.2 Delegação de Poderes Normativos

No que se refere, diretamente, ao risco de inconstitucional

transferência (delegation) das funções do Poder Legislativo para as agên-cias, constata-se ter prevalecido o entendimento de que a outorga de competência, para expedir regras regulatórias, não tem o condão de con-figurar agressão ao texto constitucional. Essa questão foi apreciada ao longo de décadas pela Suprema Corte

117.

O fundamento argumentativo para essa interpretação consiste

no fato de que as regras emanadas do Congresso (statutes) são genéricas e abstratas, e, por isso, são expedidas em seu sentido estrito. Por outro lado, as regras expedidas pelas agências são “subleis”, que interpretam e dão concretude às leis aprovadas pelo Congresso.

Por esse entendimento, as normas regulatórias não têm a mesma dimensão que as leis, de competência exclusiva do Congresso, não ferin-

do o texto constitucional. É outra categoria normativa, que não foi desen-volvida pelos Framers

118.

Na prática, entende-se que o Congresso deve outorgar certas funções normativas para a agência, de modo que ela possa densificar os conceitos propositadamente vagos e imprecisos previstos em lei. A norma regulatória parte de uma ótica técnica (expertise) e com visão “prospectiva”

(advance advise looked to the future and sought to be preventive)119

.

tucionalidade das agências, Adrian Vermeule, Professor de Harvard, é objetivo: “Is the administrative state constitutional? Remarkably enough, people discuss the ques-tion and opinion differ. What makes the very question remarkable is that the adminis-trative state is here to stay, as surely as death and taxes”. VERMEULE, Adrian. The administrative state: law, democracy and knowledge. Oxford Handbook of the United

States Constitution, 2013. Harvard Public Law Working Paper No. 13-28, 2013. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2329818>. Acesso em: 13 dez. 2014.

117 Destaque-se o caso Field v. Clark, em 1982, e, posteriormente ao New Deal, o caso N.L.R.B v. Jones Laughlin Steel Corp., em 1937.

118 CUSHMAN, Robert E. The independent regulatory commissions. New York: Octagonn Books, 1972. p. 430 e ss.

119 Expressão contida em MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 129.

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Teoria do Estado Regulador 59

Assim, conclui-se sobre o debate norte-americano que, realisti-camente, essas funções não são puramente legislativas. Se fossem estri-tamente legislativas, inovando no mundo jurídico, seriam de competência do Congresso.

Essa categoria de função do administrative state, “nova” em relação à Constituição, não foi pensada e, logicamente, detalhada pelos Framers no estágio de desenvolvimento do século XVIII. Como argu-menta Bruce Ackerman, “at the time they were writing the Constitution in 1787, the Founders did not have the slightest idea that the American government would one day employ millions of officials exercising a bewildering variety of functions”

120.

Portanto, chegou-se ao entendimento de que, na ausência de de-finição constitucional, o Congresso é o palco político onde ocorre o am-plo debate sobre questões substantivas que regem a vida em sociedade. A sociedade é pluralista, e o Congresso tem legitimidade ampliada com representação distribuída por duas casas (Senate, House of Representati-ves), e complexo processo para aprovação das leis.

Argumenta-se que as agências são fundamentais para a solução dos problemas de uma sociedade complexa e pluralista, haja vista que o Legislativo (poder político) não tem condições, nos tempos modernos, de legislar a todo instante e em detalhes. Se quiser fazê-lo, em determinado assunto, deve exercer seu poder. Nada pode impedi-lo, cabendo a ele decidir o momento.

Gary Lawson121

comenta o abandono da teoria da nondelega- tion, perante os tribunais, afirmando que até a chefia do Poder Executivo, 120 Ackerman apresenta ainda suas críticas sobre aqueles que sustentam que o silêncio

dos Framers, quanto ao estado administrativo, seria, por si só, uma negativa do quarto poder: a burocracia. Por suas palavras: “Granted, the Framers put a high value on the separation of powers conceived as a doctrine of democratic responsibility. But it hardly follows that they would have ignored the virtues of the separation of powers conceived as a doctrine of functional specialization if they had thought that they were writing a constitution for a bureaucratic state. Their failure explicitly to address this matter (except as it concerned the courts) is merely a consequence of their failure to take the bureaucratic state seriously. But this silence should not be used as an excuse for modern constitutional lawyers to ignore the problem or, worse yet, to imagine that the Founders resolved a problem that they did not know they had. Constitutionalists should, therefore, extend their thinking to embrace the distinctive structural problems involved in controlling the fourth branch of government: the bureaucracy”. ACKERMAN, Bruce. The new separation of powers. Harvard Law Review, v. 113, n. 3, p. 634-725, January 2000.

121 LAWSON, Gary. The Rise and Rise of the Administrative State. Harvard Law Re-view, v. 107, n. 6, p. 1231-1254, Apr., 1994.

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Sérgio Guerra 60

que eventualmente, poderia questionar essa delegação, não apresenta qualquer objeção:

The rationale for this virtually complete abandonment of the

nondelegation principle is simple: the Court believes – possibly

correctly – that the modern administrative state could not function

if Congress were actually required to make a significant percentage

of the fundamental policy decisions. Judicial opinions candidly

acknowledge this rationale for permitting delegations. For example,

the majority in Mistretta v. United States declared that “our

jurisprudence has been driven by a practical understanding that in

our increasingly complex society, replete with ever changing and

more technical problems, Congress simply cannot do its job absent an

ability to delegate power under broad general directives.” When

faced with a choice between the Constitution and the structure of

modern governance, the Court has had no difficulty making the

choice. Contrary to conventional wisdom, neither did the Reagan and

Bush administrations. Neither President Reagan nor President Bush

ever vetoed or opposed legislation on the express ground that

it violated the nondelegation doctrine. Nor, to my knowledge, did

the Reagan-Bush Justice Departments ever formally make such an

objection to proposed or actual legislation.

Nesse contexto, argumenta-se que o Congresso, muito prova-velmente, possuía condições de editar normas sobre praticamente todas as demandas da sociedade agrária e monista pós-independência (século XVIII); contudo, a partir do momento que passou a não ter condições materiais de atender as demandas de uma sociedade industrializada e

complexa, outra solução teve que ser encontrada para a proteção da socie-dade: as agências

122.

Segundo Landis: “the dominant theme in the administrative structure is thus determined not primarily by political conceptualism but rather by concern for an industry whose economic health has become a responsability of government”

123.

122 Sobre um amplo debate sobre a delegação de poderes para as agências pelo Congresso

norteamericano, ver SCHOENBROD, David. Power without responsability: how congress abuses the people through delegation. New Haven: Yale University Press, 1993. Parte IV.

123 LANDIS, James. The administrative process. New Haven: Yale Univesity Press, 1938. p. 12.

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Teoria do Estado Regulador 61

A Suprema Corte vem deixando bem vincado, ao longo dos

tempos, que as leis ao conferir função normativa às agências não podem,

simplesmente, representar um cheque em branco (too vague); devem

conter standards e princípios claros (intelligible principle)124

que guiem

as ações das agências. A inobservância dessa judicial rule representaria

que o Congresso teria abdicado suas funções constitucionais125

.

Para evitar qualquer questionamento sobre a constitucionalidade

dessa outorga de função à agência, a competência para edição de normas

regulatórias recebeu o nome de função quasi-legislative, sub-legislative

ou administrative126

.

Quanto aos limites da capacidade normativa atribuída pelo Po-

der Legislativo às agências, em muitos julgados o Poder Judiciário tem

aplicado, caso a caso, um duplo teste conhecido como Chevron case,

estruturado em duas etapas. A primeira etapa consiste em examinar se a

lei trouxe os parâmetros mínimos necessários para que a agência a inter-

prete e a densifique tecnicamente (step 1) sob o olhar do tribunal (the

standard must be clear enough to be visible to the naked eye of the

Court)127

.

Caso seja ultrapassada essa fase, e não tendo o Tribunal concluí-

do que houve delegação de função normativa, passa-se para a segunda

fase. No segundo passo (step 2), os tribunais têm adotado, na maioria dos

casos, o denominado princípio da deferência128

. Por meio dessa visão, os

tribunais seguem o entendimento de que não devem substituir as escolhas

regulatórias substantivas, por não terem a necessária expertise.

124 Intelligible principles são os princípios presentes na lei, em que o Congresso delega

poderes à agência para editar normas, contendo standards para que a agência exerça as suas funções de acordo com as premissas constitucionais previstas em alguns casos submetidos à Suprema Corte. Um esclarecido objetivo sobre essa doutrina e a lista dos casos podem ser encontrados em: DELEO. John D. Administrative law. New York: Delmar Gengage Learning, 2008. p. 17.

125 Sobre críticas e propostas sobre as leis vagas, ver DIVER, Colin. The Optimal preci-sion of administrative rules. The Yale Law Journal, v. 93, n. 1, p. 65-109, nov. 1983.

126 CUSHMAN, Robert E. The independent regulatory commissions. New York: Octagonn Books, 1972. p. 8.

127 Chevron U.S.A., Inc. v. Natural Resources Defense Council, Inc., 467 U.S. 837 (1984). O Chevron case e suas consequências podem ser conferidos em MASHAW, Jerry L. Creating the administrative constitution: the lost one hundred years of American administrative law. New Haven: Yale University Press, 2012. p. 303.

128 CUSHMAN, Robert E. The independent regulatory commissions. New York: Octagonn Books, 1972. p. 448 e ss.

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Sérgio Guerra 62

5.3 Função Judicante

No que se refere ao exercício de funções judicantes pelas agên-cias, a Suprema Corte vem adotando o argumento de que, nos Estados Unidos da América, existem duas categorias de funções voltadas à inter-pretação e aplicação das leis.

A primeira dessas funções, o poder jurisdicional (the judicial power of the United States), somente pode ser exercida, nos termos da Constituição, pelos Tribunais ali previstos. O poder jurisdicional não pode ser transferido, ainda que parcialmente, por lei.

A outra categoria, denominada de judicante (quasi-judicial), pode ser outorgada pelo Poder Legislativo às agências. Essa função seria diversa do poder detido pelo Poder Judiciário; este julga um litígio entre partes, voltado para os fatos passados e com soluções puramente puniti-vas (litigation looked to past acts and toward punitive resolutions)

129.

Portanto, argumenta-se que, somente sob um olhar superficial, a função judicante outorgada às agências poderia ser confundida por aquela exer-cida pelo Judiciário. As duas funções (jurisdicional e judicante) funcio-nam em campos diferentes.

De modo mais prático, e se são funções diferentes, argumenta- -se que a outorga de função quasi-judicial às agências não fere a doutrina da separação de poderes porque não está disciplinada na Constituição Federal

130. A exemplo da discussão sobre a delegação de função legife-

rante, a real preocupação no exercício da função quase-judicial pelas agências – não disciplinada pelo texto constitucional – atém-se à garantia do devido processo legal

131.

Se os instrumentos constitucionais, visando proteger o cidadão contra possíveis arbitrariedades, estão preservados nos termos constitucio-nais, não haveria motivo para questionar as funções das agências vis-à-vis a oitocentista teoria da separação tripartite de poderes

132.

129 Idem. 130 Por exemplo, nos casos NLBR v. Jones & Laughlin Steel Corp., 301 US 1 (1937) e

Atlas Roofing Co. v. Occupational Safety & Health Review Commn., 430 U.S. 442 (1977).

131 CUSHMAN, Robert E. The independent regulatory commissions. New York: Octagonn Books, 1972. p.448 e ss

132 LAWSON, Gary. The rise and rise of the administrative state, Harvard Law Review, v. 107. n. 6, p. 1231-1254, 1994: “Some scholars believe that administrative adjudica-tion is constitutionally permissible as long as the administrative decisions are subject to Article III appellate court review that is ‘adequately searching’ and ‘meaningful’”.

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Teoria do Estado Regulador 63

É importante destacar que há dois regimes de decisões judican-tes pelas agências (adjudication): o formal e o informal. Também, identi-

ficam-se duas categorias: na primeira, a agência decide sobre um interesse do cidadão (claim for benefit) e, no segundo, a agência julga se a parte interessada ou afetada (indivíduo ou empresa) violou uma norma regula-tória (has violated an agency regulation).

A função judicante das agências norte-americanas envolve des-de questões simples, do dia a dia, até as mais complexas. No primeiro

caso, pode representar desde a aplicação de uma multa de trânsito por um agente, no estacionamento de veículo em local proibido, até a determina-ção, por um bombeiro (fire marshal), para que se apague um cigarro em determinado local.

Nas decisões complexas são realizadas audiências (hearings), testemunhas são inquiridas e acareadas, colhem-se evidências (evidence),

além de outras formalidades (on the record), perante um juiz admi- nistrativo (Administrative Law Judge – ALJ)

133 que seja neutro (neutral

decisionmaker)134

.

Com efeito, a lei de procedimento administrativo dos Estados Unidos (Administrative Procedure Act), de 1946, dispõe que os ALJs federais são nomeados com base nos resultados obtidos em processo

seletivo formal (qualified candidates), incluindo um exame escrito e um exame oral perante uma banca realizada numa sessão federal. Nesse pro-cedimento inclui-se a participação de um representante do Gabinete de Gestão de Pessoas (Office of Personnel Management representative) e de um representante da Ordem dos Advogados (American Bar Association). Os juízes ALJs são independentes dos quadros da agência, e, geralmente,

compõem o único corpo judicial dos Estados Unidos baseado no sistema de meritocracia.

Os ALJs, geralmente, fazem parte da estrutura do Poder Execu-tivo, sem relação formal com o Poder Judiciário. Esses juízes têm garan-tias de independência decisória e só podem ser demitidos por justa causa (tenure).

133 DELEO. John D. Administrative law. New York: Delmar Gengage Learning, 2008.

p. 111-113. 134 Sobre os procedimentos de adjudication, recomenda-se: DAVIS, Frederick. Judiciali-

zation of administrative law: the trial-type hearing and changing status of the hearing officer. Duke Law Jornal, 1977. p. 389-408; FREEDMAN, James O. Boards in the administrative process. University of Pennsylvania Law Review, v. 117, p. 546-577, 1969.

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Sérgio Guerra 64

O procedimento de revisão da decisão de um juiz administrativo varia de acordo com a lei de criação de cada agência. Geralmente, a

agência tem na sua estrutura um órgão recursal interno, cabendo apelação (appeal), contra suas deliberações finais, a um tribunal jurisdicional

135.

Algumas leis dispõem que devem ser esgotados os recursos administrati-vos antes de submeter o caso aos tribunais jurisdicionais.

5.4 Função Executiva

Ainda sobre a outorga de poderes para as agências, outra ques-tão aparece como sendo relevante no debate travado nos Estados Unidos da América. Trata-se do exercício de funções de “execução das leis”, de forma independente da chefia do poder executivo. A indagação consiste em saber se essas funções, que poderiam em tese ser exercidas por órgão subordinados diretamente ao Presidente da República, não usurpam a competência constitucional daquele que está no vértice da pirâmide da burocracia (unitary executive).

Landis136

ponderou que a função executiva, detida pelas agên-cias, não é uma simples extensão das atividades do Poder Executivo. Difere-se tanto da natureza das funções quanto da responsabilidade detida para o seu exercício. Assim, um primeiro argumento favorável ao modelo regulatório por agências independentes foi apresentado no sentido de que essas entidades congregam diferentes funções (executiva, normativa e judicante), que, somente agregadas (powers are merged), conseguirão atingir os efeitos pretendidos.

Essas entidades precisariam ter, simultânea e cumulativamente, funções quase-legislativas, quase-executivas e quase-jurisdicionais para promover o equilíbrio do sistema, diferenciando-se do comando constitu-cional de simples “execução da lei”.

Por essa linha de pensamento, o Poder Executivo, por definição constitucional, já é detentor da função executiva plena. Desse modo, se o Chefe do Poder Executivo – ou seus subordinados diretos – acumulassem funções quase-legislativas e quase-judiciais, configuraria frontal violação do princípio constitucional da separação de poderes.

135 Cf. MERRILL, Thomas W. Article III, agency adjudication, and the origins of the

appellate review model of administrative law. Columbia Law Review, v. 111, n. 5, p. 939-1003, June 2011.

136 LANDIS, James. The administrative process. New Haven: Yale Univesity Press, 1938. p. 15.

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Teoria do Estado Regulador 65

Com efeito, haveria a concentração de parte do poder legislativo e jurisdicional nas mãos de um agente politicamente eleito e dotado de legitimidade oriunda do sufrágio. Esse fato poderia levá-lo a tomar posi-ções predominantemente legislativas ou jurisdicionais e, assim, chegar à tirania tão repudiada pelos Framers.

Desse modo, o debate quanto ao Poder Executivo unitário vem sendo conduzido não sob a ótica da possível afronta ao princípio da sepa-ração de poderes e, sim, do risco de a concentração de poderes nas mãos do Presidente da República. Havendo essa concentração, fere-se a Consti-tuição que, expressamente, foi estruturada para combater o arbítrio e o comprometimento com o devido processo legal. Argumenta-se, assim, que as agências seriam facilmente controláveis pelos três Poderes (ac-countability), não havendo risco de tirania.

Os argumentos a favor da outorga de função executiva não são unânimes na doutrina e, também, não foram objeto de normatização judi-cial (ruled) pela Suprema Corte, que se limitou a decidir a favor do man-dato (tenure) dos comissários das agências, conforme Gary Lawson

137

adverte:

Congress and the President have fought hard in recent years over

control of the federal administrative machinery, and the courts have

adjudicated such disputes in some high-profile cases. Significantly,

however, neither of the two possible constitutional mechanisms of

presidential control has played a role in those battles. No modern

judicial decision specifically addresses the President's power either

directly to make all discretionary decisions within the executive

department or to nullify the actions of insubordinate subordinates.

Instead, debate has focused almost exclusively on whether and when

the President must have unlimited power to remove subordinate

executive officials.

5.5 Enquadramento das Agências em Um dos Três Poderes

Outro aspecto que pautou os debates acerca do modelo de agen-

cificação estadunidense refere-se ao enquadramento da agência em uma das três funções estatais. Deve estar vinculada ao Poder Legislativo, ao

137 LAWSON, Gary. The rise and rise of the administrative state. Harvard Law Review,

v. 107. n. 6, p. 1231-1254, 1994.

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Sérgio Guerra 66

Poder Executivo ou ao Poder Judiciário? Não estando vinculada a um poder, poderia ser caracterizada como um “quarto poder” e, assim, ferir o

texto constitucional?

A conclusão que vem prevalecendo nos tribunais é no sentido de que a Constituição norte-americana não exige esse enquadramento. A agência não precisa, necessariamente, estar em “uma das caixinhas” da tricotômica divisão das funções estatais.

A decisão, quanto a essa vinculação, até estaria na competência

discricionária do Poder Legislativo (legislative branch), que poderia alo-car, funcionalmente, as agências em duas ou até mesmo três “caixinhas” do organograma republicano

138.

Contudo, o legislativo assim não procedeu; até então, não en-quadrou as agências em um dos três poderes clássicos nem, tampouco, em dois ou três. O argumento que vem prevalecendo é no sentido de que

essa providência não é necessária sob a ótica constitucional estadunidense.

Para alguns, essa questão parece não ter relevância. Ainda que sob uma análise residual a lei de criação disponha que determinada agên-cia é uma entidade vinculada ao Poder Executivo, o que importa é o grau de autonomia dos seus dirigentes (tenure) e o nível de controle que os demais poderes têm sobre essa entidade.

Objetivamente, as agências vêm sendo consideradas entidades híbridas (hybrid governamental agencies) e não ferem o texto constitu-cional.

5.6 Mandato Fixo dos Dirigentes (Tenure)

Quanto à estrutura propriamente dita das agências, o Congresso pode especificar as qualificações mínimas necessárias aos Conselheiros escolhidos pelo Presidente da República. Verifica-se que os Commissio-ners devem ser pessoas absolutamente experientes no setor regulado, e, assim, com funções de auxiliar tanto o Poder Legislativo, quando este for editar novas leis sobre o setor afeto à agência, quanto o Poder Judiciário,

diante dos casos difíceis (hard cases) que a cada dia são a ele submetidos.

138 “The task allocating governmental agencies to a single department is completely futile.

The important thing about an agency is the character of its job, not its geographical location in the governmental system. That location has no necessary bearing upon the powers, relations, or constitutional status of the agency”. CUSHMAN, Robert E. The independent regulatory commissions. New York: Octagonn Books, 1972. p. 444.

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Teoria do Estado Regulador 67

A independência de algumas agências foi detectada como sendo uma questão complexa, que, principalmente, se materializa no mandato

fixo (tenure), e no balanceamento nas indicações dos membros entre os dois maiores partidos políticos (Republicano e Democrata). Isso se deve à necessidade de evitar as pressões políticas,

139 notadamente do Chefe do

Poder Executivo que, na maioria das vezes, pertence a um desses dois partidos

140.

Os dirigentes das agências reguladoras são indicados (appoint-

ments) pelo Presidente da República e confirmados ou não pelo Senado Federal, conforme Artigo II da Constituição americana. Cabe ao Senado a função de consentimento e aprovação (advice and consent), salvo nas nomeações dos inferior officers diretamente pelo Chefe do Executivo.

Examinou-se, nesta pesquisa, o caso julgado pela Suprema Cor-te e que garantiu a constitucionalidade do mandato e a impossibilidade

de demissão ad nutum pelo Presidente da República. Ocorreu no caso denominado Humphrey’s Executor v. United States

141, no episódio em

que o Presidente Roosevelt demitiu um Commissioner da Federal Trade Commission, uma agência reguladora independente.

Em que pese muitas críticas à Humphrey rule, conforme se apu-rou nessa stare decisis o Legislativo tem o direito de proteger os conse-

lheiros de agências reguladoras independentes contra pressões políticas. É lícito ao Presidente da República promover o processo de demissão ape-nas em havendo justa causa (for cause), tais como ineficiência, negligên-cia no cumprimento de normas, desonestidade ou prevaricação.

Os argumentos para garantir o mandato dos dirigentes das agências reguladoras independentes, diferentemente do que ocorreu no

139 Segundo Landis, “in order to provide some safeguard against political pressures, the

so-called independent commission form has frequently been adopted as the basis for their organization”. LANDIS, James. The administrative process. New Haven: Yale Univesity Press, 1938. p. 21. Esse livro é considerado o mais importante estudo so-bre a regulação por agências, desde a publicação do livro de autoria de Charles Francis Adams, em 1878. Um outro trabalho de Landis também foi publicado e marcou a sua época: LANDIS, James M. Report on regulatory agencies to the president-elect: a report submitted to Sen. John F. Kennedy – December 21, 1960. New Orleans: Quid Pro Books, 2014, que apresentou críticas sobre no sistema regu-latório na década de 60.

140 Cf. MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachussets: Harvard, 1984. p. 153 e 206.

141 Humphrey’s Executor v. United States, 295 U.S. 602 (1935).

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Sérgio Guerra 68

caso Myers v. United States142

, que também tratou da demissão de um Officer, chefe dos correios pelo Presidente da República, podem ser as-

sim resumidos: a agência não é um órgão subordinado ao Poder Executi-vo; além da função quase-executiva, suas competências englobam fun-ções quase-legislativa e quase-judicial, sendo que a associação dessas competências representa uma das principais justificativas para a outorga de mandato (tenure).

Com efeito, se a agência fosse estruturada com funções exclusi-

vamente executivas (purely executive) o Presidente da República teria competência para demitir (full power or removal), como ocorreu no Myers case.

Na prática, argumenta-se que, mesmo com a Humphrey rule, o Presidente da República continua com poder de demitir o conselheiro de agências independentes (removal power), por exemplo, se houver des-

respeito aos decretos presidenciais (Executive Orders) que traçam de-terminadas linhas de execução das políticas públicas. Caso a agência não cumpra essas determinações, em tese, o Chefe do Poder Executivo poderia instaurar procedimento (notice and hearing) sob o argumento de negligência no cumprimento de normas por ele expedidas por força constitucional.

6 PODER EXECUTIVO DO BRASIL

Após a análise da evolução da burocracia norte-americana, e sua estruturação por meio de agências, passa-se a examinar a burocracia brasileira a partir do período republicano.

A República Federativa brasileira surgiu com a promulgação da Constituição Federal de 1891. Sua elaboração começou em 1889, um ano

após a libertação dos escravos, destacando-se, como principais autores, Prudente de Morais e Rui Barbosa.

Interessante destacar que a Constituição Federal de 1891 foi fortemente influenciada pelo modelo estadunidense, federalista, e que também teve estruturados os seus poderes de Estado em um sistema tri-partite: o Legislativo (com duas casas), o Executivo e o Judiciário, ado-

tando-se, também, o presidencialismo.

142 Myers v. United States, 272 U.S. 52 (1926).

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Teoria do Estado Regulador 69

O país teve ainda as seguintes Constituições Federais: 1934, 1937, 1946, 1967, 1969

143 e 1988, que está vigorando. A Constituição

Federal de 1988 manteve o princípio da separação entre os poderes legis-lativo, executivo e jurisdicional, criando três outras entidades indepen-dentes: o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil

144.

O regime de governo é presidencialista, e as competências do Presidente da República estão expressas em vinte e sete incisos do art. 84

da Constituição Federal de 1988145

.

6.1 Evolução da Burocracia Brasileira no Período Intervencionista

O Brasil nunca foi um país liberal. Pode-se afirmar que, diferen-temente dos Estados Unidos da América, sempre houve intervencionismo estatal no Brasil, modelo esse que impactou a organização administrativa e burocrática da república formada em 1891.

Com a denominada economia de guerra, entre 1914 e 1918 houve uma relevante alteração do papel do Estado em todo o mundo.

Várias nações tiveram que se preparar para o esforço bélico, fazendo com que esse movimento atípico e inesperado, em grande parte, tenha provo-cado o alargamento das atividades estatais

146. Verificou-se, neste artigo,

que esse fato ocorreu nos Estados Unidos da América, tendo se repetido também no Brasil.

Os efeitos da grande depressão nos Estados Unidos da América

foram devastadores para a economia brasileira, que se sustentava por meio das atividades primárias. A estrutura do Poder Executivo federal foi bastante impactada, sendo criadas, na década de 30, inúmeras entidades estatais que controlavam a produção e o comércio de alguns produtos, bem como estruturaram programas visando direcionar atividades econô-micas.

143 Na verdade, foi uma emenda constitucional (n. 1) à Constituição federal de 1967. 144 A Ordem dos Advogados do Brasil, por construção pretoriana (STF) em julgamento

na ADI 3.026/DF, em que foi Relator o Ministro Eros Grau, ocorrido em 08.06.2006, passou a ser considerada uma entidade prestadora de serviço público independente, com natureza jurídica sui generis.

145 As competências serão adiante examinadas neste artigo. 146 Essas considerações estão postas em detalhes em GUERRA, Sérgio. Agências regu-

ladoras. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 48-60.

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Sérgio Guerra 70

Em 1933, no exercício da Chefia do Governo Provisório, Getúlio Vargas criou o Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA, para regular a

agricultura canavieira, controlando a produção, o comércio, a exportação e os preços do açúcar e do álcool de cana. Ainda em 1933 foi criado o Departamento Nacional do Café (posteriormente, transformado no IBC). Em 1938, criou-se o Instituto Nacional do Mate – INM, e avançou-se no controle estatal das atividades ligadas ao petróleo e combustíveis, por meio da criação do Conselho Nacional do Petróleo. Em 1940, criou o

Instituto Nacional do Sal – INS e o Instituto de Resseguros do Brasil – IRB. Em 1941, foi criado o Instituto Nacional do Pinho – INP e, no ano seguinte, foram instituídas as Comissões Executivas de Frutas, do Leite, de Produtos da Mandioca e da Pesca.

Em 1934, Getúlio Vargas foi eleito Presidente da República e visando burocratizar a administração pública, criou o Departamento de

Administração e Serviço Público – DASP, que, por sua vez, comandou mudanças significativas no funcionalismo estatal. Foi com Maurício Na-buco e Luiz Simões Lopes que a racionalização foi instituída na máquina pública, estruturada por meio de carreiras burocráticas na tentativa de serem preenchidas por concurso público. A ideia era a de modernizar a burocracia no âmbito da política e do aparato administrativo do Estado

Novo147

.

Diante das novas atividades assumidas pelo governo, a missão do DASP era formar quadros técnicos que deveriam ser capazes de dina-mizar a máquina pública. O DASP foi efetivamente organizado em 1938, com a missão de definir e executar a política para o pessoal civil, inclusi-ve a admissão mediante concurso público e a capacitação técnica do fun-

cionalismo. Também era missão do DASP promover a racionalização de métodos no serviço público e elaborar o orçamento da União. Essa pri-meira experiência, de reformar a máquina estatal, inspirou-se no modelo weberiano de burocracia tomando-se como principal referência a organi-zação do serviço estadunidense

148.

Acompanhando os movimentos de reforma da máquina estatal,

em 1941, Bilac Pinto lançou o seu livro intitulado Regulamentação efe-

tiva dos serviços de utilidade pública, em que já pugnava em demons-

147 Conforme já tivemos oportunidade de examinar, em detalhes, em GUERRA, Sérgio.

Agências reguladoras. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 57. 148 COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de Administra-

ção Pública; 200 anos de reformas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, v. 42, n. 5, p. 848, set./out. 2008.

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Teoria do Estado Regulador 71

trar a importância da regulação por meio de Comissões autônomas, simi-lar ao modelo norte-americano: “A Comissão Federal de Serviços de

Utilidade Pública deverá ser um órgão autárquico, com plena autonomia administrativa e financeira, e superiormente orientado pelo Chefe da Nação”

149.

Destaque-se ainda, nesse contexto histórico, a criação da Fun-dação Getulio Vargas, sob a inspiração de Luís Simões Lopes, então pre-sidente do DASP. A premissa era criar uma fundação dedicada ao estudo e ao ensino dos problemas de administração. Sua criação data de 20 de dezembro de 1944, com recursos financeiros de órgãos públicos e de empresas privadas.

Entre 1946 e 1950, o governo do General Eurico Gaspar Dutra buscou reduzir a intervenção do Estado na economia, com vistas à adoção de uma política econômica liberalizante, facilitando o acúmulo de capital à custa de baixos salários e expansão das empresas estrangeiras.

Adveio o denominado Plano SALTE, que significava a ideia de forte intervenção nas áreas de saúde, alimentação, transporte e energia. Esse plano foi apresentado ao Congresso Nacional em maio de 1948, tendo durado dois anos para a sua aprovação. Envolvia investimentos da ordem de vinte e sete bilhões de cruzeiros, dos quais cerca de dez bilhões viriam de capital estrangeiro

150.

Vale ressaltar, nessa fase, que a Comissão Técnica Mista Brasil-EUA (missão John Abbink), estabeleceu diretrizes para os investimentos internacionais no Brasil, destacando-se o Plano Nacional de Reaparelha-mento Econômico, cujas obras de maior vulto dependiam de financia-mento externo superior a trezentos milhões de dólares norte-americanos.

A liberação desses recursos condicionava o Brasil a adotar pro-vidências de ordem econômica e financeira, nos mesmos termos preconi-zados pelo Fundo Monetário Internacional – FMI para os países subde-

149 PINTO, Bilac. Regulamentação efetiva dos serviços públicos. 2. ed. atualizada por

Alexandre Santos de Aragão, Rio de Janeiro, Forense, 2002. p. 96. 150 “Em maio de 1948 o presidente Dutra enviou ao Congresso Nacional uma mensagem

(n. 196) indicando os objetivos gerais de um plano para o desenvolvimento nacional. O plano, elaborado sob a coordenação do DASP, tinha como objetivo coordenar os planos federais e regionais existentes, melhorando a situação no que diz a Saúde, Alimentação, Transporte e Energia (SALTE). Essa proposta foi analisada por uma Comissão interpartidária do Congresso e aprovada definitivamente em maio de 1950, último ano do governo Dutra. Em 1951 o presidente Vargas criticou o Plano SALTE, que foi totalmente esvaziado a partir de 1953”. TEIXEIRA, Alberto. Planejamento público: de Getulio a JK (1930-1960). Fortaleza: IPLANCE, 1997. p. 73.

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Sérgio Guerra 72

senvolvidos (estabilização monetária, liquidez internacional, congelamen-to salarial, fortalecimento da livre-empresa e garantias de estímulo ao capital estrangeiro)

151.

Com o seu retorno à Presidência da República, em janeiro de 1951, Vargas não deu sequência ao Plano SALTE e retomou a sua política desenvolvimentista, mais voltada para o setor industrial. Nessa fase, o Pre-sidente Vargas criou uma séria de entes autárquicos. Em 1952, criou o

Instituto Brasileiro do Café – IBC, entidade autárquica com personalidade jurídica e patrimônio próprio, a quem conferiu as funções de regulação da política econômica do café brasileiro no país e no estrangeiro. Em 1953, foi criada a Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRAS), com o slogan “o petróleo é nosso”, recebendo o monopólio da exploração e refino do petróleo.

Após o fim do segundo governo Vargas (que se suicidou em

1954), e com a eleição do ex-governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek para a Presidência da República (1955), o país viveu uma nova postura frente ao capital estrangeiro. Na verdade, houve a partir dessa data um forte crescimento econômico, com a instalação de vários grupos multinacionais.

Foi elaborado um Plano de Metas para os anos de 56 e 61, perío-

do em que o capital estrangeiro foi atraído com a indústria de construção naval, material elétrico pesado e, especialmente, automobilística, a exem-plo da Willis-Overland (americana), Volkswagen (Alemã) e Simca-Chambor (francesa).

Foram criadas diversas companhias, tais como: Companhia Ur-banizadora da Nova Capital do Brasil – NOVACAP (1956), Centrais

Elétricas Furnas (1957), Rede Ferroviária Federal S/A (1957), Serviço de Transporte da Bahia de Guanabara – STBG (1959), Companhia Hidroelé-trica do Vale do Paraíba (1960), Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais – USIMINAS (1956), Companhia Siderúrgica Vatú (1960) e foram transfe-ridas para a União Federal a Companhia Ferro e Aço Vitória – COFAVI (1959), fundada em 1942, Companhia Siderúrgica Paulista – COSIPA

(1960) e a Centrais Elétricas Brasileiras – ELETROBRAS, em 1961.

Em 1962, foram criadas a Companhia Brasileira de Alimentos – COBAL e a Companhia Brasileira de Armazéns – CIBRAZEM e, no ano seguinte, a Companhia de Navegação DOCENAVE, empresa subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce.

151 MACHADO, Luiz Toledo. Formação do Brasil e unidade nacional. São Paulo:

IBRASA, 1980. p. 223

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Teoria do Estado Regulador 73

6.2 Evolução da Burocracia no Governo Militar

O regime militar foi instituído com o golpe de 1964, durando longos vinte e um anos. Nesse período, definiu-se um novo marco legal da organização administrativa brasileira pelo Decreto-Lei 200/67. Cogita- -se que essa norma constituiu um marco na tentativa de superação da rigidez burocrática brasileira, podendo, até mesmo, ser considerada como

um primeiro momento da Administração Gerencial no Brasil:

Tendo em vista as inadequações do modelo, a administração burocrá-

tica implantada a partir de 30 sofreu sucessivas tentativas de reforma.

Não obstante, as experiências se caracterizaram, em alguns casos, pe-

la ênfase na extinção e criação de órgãos, e, em outros, pela consti-

tuição de estruturas paralelas visando alterar a rigidez burocrática.

Na própria área da reforma administrativa esta última prática foi

adotada, por exemplo, no Governo JK, com a criação de comissões

especiais, como a Comissão de Estudos e Projetos Administrativos,

objetivando a realização de estudos para simplificação dos processos

administrativos e reformas ministeriais, e a Comissão de Simplifica-

ção Burocrática, que visava à elaboração de projetos direcionados

para reformas globais e descentralização de serviços. A reforma ope-

rada em 1967 pelo Decreto-Lei 200, entretanto, constitui um marco

na tentativa de superação da rigidez burocrática, podendo ser consi-

derada como um primeiro momento da Administração Gerencial no

Brasil. Mediante o referido decreto-lei, realizou-se a transferência de

atividades para autarquias, fundações, empresas públicas e socieda-

des de economia mista, a fim de obter-se maior dinamismo operacio-

nal por meio da descentralização funcional. Instituíram-se, como

princípios de racionalidade administrativa, o planejamento e o orça-

mento, o descongestionamento das chefias executivas superiores (des-

concentração/descentralização), a tentativa de reunir competência e

informação no processo decisório, a sistematização, a coordenação e

o controle. O paradigma gerencial da época, compatível com o mo-

nopólio estatal na área produtiva de bens e serviços, orientou a ex-

pansão da administração indireta, numa tentativa de “flexibilizar a

administração” com o objetivo de atribuir maior operacionalidade às

atividades econômicas do Estado. Entretanto, as reformas operadas

pelo Decreto-Lei 200/67 não desencadearam mudanças no âmbito da

administração burocrática central, permitindo a coexistência de nú-

cleos de eficiência e competência na administração indireta e formas

arcaicas e ineficientes no plano da administração direta ou central. O

núcleo burocrático foi, na verdade, enfraquecido indevidamente atra-

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Sérgio Guerra 74

vés de uma estratégia oportunista do regime militar, que não desen-

volveu carreiras de administradores públicos de alto nível, preferin-

do, ao invés, contratar os escalões superiores da Administração atra-

vés das empresas estatais. Em meados dos anos 70, uma nova inicia-

tiva modernizadora da Administração Pública teve início, com a cria-

ção da SEMOR – Secretaria da Modernização. Reuniu-se em torno

dela um grupo de jovens administradores públicos, muitos deles com

formação em nível de pós-graduação no exterior, que buscou implan-

tar novas técnicas de gestão, e particularmente de administração de

recursos humanos, na Administração Pública Federal. No início dos

anos 80 registrou-se uma nova tentativa de reformar a burocracia e

orientá-la na direção da Administração Pública Gerencial, com a cria-

ção do Ministério da Desburocratização e do Programa Nacional de

Desburocratização – PrND, cujos objetivos eram a revitalização e

agilização das organizações do Estado, a descentralização da autori-

dade, a melhoria e simplificação dos processos administrativos e a

promoção da eficiência. As ações do PrND voltaram-se inicialmente

para o combate à burocratização dos procedimentos. Posteriormente,

foram dirigidas para o desenvolvimento do Programa Nacional de De-

sestatização, num esforço para conter os excessos da expansão da ad-

ministração descentralizada, estimulada pelo Decreto-Lei 200/67152

.

No Decreto-Lei 200/67, a Administração Pública aparece como centralizada ou direta, isto é, aquela exercida diretamente pela União, Estados e Municípios que, para tal fim, utilizam-se de ministérios, depar-tamentos etc. Por outro lado, essa mesma normativa disciplina que a Ad-ministração Pública descentralizada ou indireta é aquela exercida por outras pessoas jurídicas que não os entes federados, criadas por estes, a saber: autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de econo-mia mista

153.

Segundo Bresser Pereira, a ênfase da norma foi concentrada na descentralização mediante a autonomia da administração indireta, com base no pressuposto da rigidez da administração direta e da maior eficiên-cia da administração descentralizada

154. Contudo, e ainda que as entida-

des da administração indireta tenham sido dotadas de personalidade jurí-

152 BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/PLANDI3.HTM>. 153 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da Administração Pública burocrática à gerencial.

In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter Kevin (Org.). Reforma do Estado e Administração Pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 273.

154 Idem, ibid.

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Teoria do Estado Regulador 75

dica pelo Decreto-Lei 200/67, e que a subordinação tenha sido substituí-da pela vinculação, na prática permaneceram – e ainda permanecem – sob exclusiva dependência da autoridade do Chefe do Poder Executivo. O Presidente da República nomeia e destitui o dirigente da entidade da ad-ministração indireta de acordo com seus interesses políticos e partidários.

O último governo brasileiro comandado por um militar foi o do General João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1984). Foi nesse momento que se iniciou um aceno à desinstalação do Estado Empresário, com o Programa Nacional de Desburocratização iniciando o processo de privatizações

155.

Por meio desse Programa, foram preconizadas algumas ações visando “dinamizar e simplificar o funcionamento da Administração Pú-blica Federal”: substituir, sempre que praticável, o controle prévio pelo eficiente acompanhamento da execução e pelo reforço da fiscalização dirigida, para a identificação e correção dos eventuais desvios, fraudes e abusos; intensificar a execução dos trabalhos da Reforma Administrativa do Decreto-Lei 200/67; impedir o crescimento desnecessário da máquina administrativa federal, mediante o estímulo à execução indireta, utilizan-do-se, sempre que praticável, o contrato com empresas privadas capacita-das e o convênio com órgãos estaduais e municipais; velar pelo cumpri-mento da política de contenção da criação indiscriminada de empresas públicas, promovendo o equacionamento dos casos em que for possível e recomendável a transferência do controle para o setor privado, respeitada a orientação do Governo na matéria.

Mesmo com essas medidas que direcionaram a burocracia para certa autonomia, a Administração Pública brasileira como um todo (direta e indireta), na prática continuou sendo dirigida de forma centralizada e hierarquizada pelo Presidente da República.

6.3 Presidência da República

Diferentemente da Constituição norte-americana, a Constituição Federal de 1988 traz uma lista de competências do Presidente da Repú-blica, na qualidade de Chefe do Poder Executivo.

Compete ao Presidente, nomear e exonerar os Ministros de Es-tado; exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal, que, na prática, alcança todos os órgãos da Ad-

155 Decreto 83.740, de 18.07.1979.

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ministração Direta, e todas as entidades da Administração Indireta (autar-quias, fundações e empresas estatais); iniciar o processo legislativo; san-

cionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; vetar projetos de lei, total ou parcial-mente; dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na forma da lei; dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; extinguir funções

ou cargos públicos, quando vagos; manter relações com Estados estran-geiros e acreditar seus representantes diplomáticos; celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Na-cional; decretar o estado de defesa e o estado de sítio; decretar e executar a intervenção federal; remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situa-

ção do País e solicitando as providências que julgar necessárias; conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituí-dos em lei; exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos.

Compete, ainda, ao Chefe do Poder Executivo, nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Fede-ral e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procu-rador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei; nomear os Ministros do Tribunal de Contas da União; nomear magistrados e o Advogado-Geral da União; nomear membros do Conselho da República; convocar e presi-dir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional; declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Na- cional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional; celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional; conferir condecorações e distinções honoríficas; permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangei-ras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporaria-mente; enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição; prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de ses-senta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior; prover e extinguir os cargos públicos federais, na for-ma da lei; editar medidas provisórias com força de lei.

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Para atuar nas diversas áreas de sua competência, a Presidência da República conta com uma grande estrutura, que já foi alterada inúme-ras vezes desde que foi organizada pela Lei 10.683, de 28.05.2003.

Atualmente, é constituída pelos seguintes órgãos: Casa Civil; Secretaria-Geral; Secretaria de Relações Institucionais; Secretaria de Comunicação Social; Gabinete Pessoal; Gabinete de Segurança Institu-cional; Secretaria de Assuntos Estratégicos; Secretaria de Políticas para as Mulheres; Secretaria de Direitos Humanos; Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; Secretaria de Portos; Secretaria de Avia-ção Civil; Secretaria da Micro e Pequena Empresa.

A mesma lei dispõe que integram a Presidência da República, como órgãos de assessoramento imediato ao Presidente da República, o Conselho de Governo; o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social; o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; o Conselho Nacional de Política Energética; o Conselho Nacional de Inte-gração de Políticas de Transporte; o Advogado-Geral da União; a Asses-soria Especial do Presidente da República; o Conselho de Aviação Civil.

Além da estrutura acima, funcionam junto à Presidência da Re-pública, como órgãos de consulta do Presidente da República: o Conselho da República; o Conselho de Defesa Nacional, além da Controladoria- -Geral da União.

6.4 Ministérios

O Presidente da República conta com o apoio de Ministros de Estado, escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no

exercício dos direitos políticos. Os Ministros devem exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República.

Os Ministros têm competência para expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos, nas suas respectivas áreas que

assim são divididas: Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Desenvolvi-mento Social e Combate à Fome; Cidades; Ciência, Tecnologia e Inovação; Comunicações; Cultura; Defesa; Desenvolvimento Agrário; Desenvolvi-mento, Indústria e Comércio Exterior; Educação; Esporte; Fazenda; Inte-gração Nacional; Justiça; Meio Ambiente; Minas e Energia; Planejamento, Orçamento e Gestão; Previdência Social; Relações Exteriores; Saúde; Tra-

balho e Emprego; Transportes; Turismo; Pesca e Aquicultura.

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Atualmente, com o denominado “governo de coalizão” os 39 ministérios, quase que na totalidade, são “fatiados” e distribuídos aos

partidos que fazem parte da base de sustentação do governo.

6.5 Surgimento e Evolução das Agências no Brasil

Após a edição do Decreto-Lei 200/67, surgiram outras formas e categorias de entidades integrantes do Poder Executivo, seja por meio de

normas legais, seja por decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Fede-ral em ações diretas sobre a constitucionalidade de leis federais e estaduais. A situação acaba por criar certa confusão acerca da atual estrutura do Poder Executivo brasileiro.

Além das formas jurídicas tradicionais (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), surgiram “novas”

categorias jurídicas de entes, modelos de governança e regimes de funcio-namento de entes estatais.

Quanto às empresas estatais, dividiram-se em empresas depen-dentes e independentes. As dependentes recebem, do ente controlador, recursos financeiros para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de

aumento de participação acionária.

As universidades, inseridas no modelo autárquico, possuem au-tonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patri-monial (art. 207, CF). Gozam, ainda, de sistema de governança diferencia-do por força da Súmula 47, do Supremo Tribunal Federal que dispõe que “Reitor de universidade não é livremente demissível pelo presidente da

República durante o prazo de sua investidura”.

As Fundações Públicas, com as decisões do Supremo Tribunal Federal, passaram a ser equiparadas às autarquias e a Ordem dos Advo-gados do Brasil, também por construção pretoriana do Supremo Tribunal Federal em 2006 (ADI 3026/DF), passou a ser considerada uma entidade prestadora de serviço público independente (natureza jurídica sui generis).

Ademais disso, existe a figura do consórcio público, previsto no art. 241 da Constituição Federal, disciplinado na Lei 11.107/05 e regula-mentado com a edição do Decreto 6.017/07. Trata-se de pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação e tem, por finalidade, estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum. Os consórcios públicos podem ser consti-

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Teoria do Estado Regulador 79

tuídos como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica (e, assim, integram a administração pública

indireta), ou como pessoa jurídica de direito privado, sem fins econômicos.

E, por fim, as autarquias passaram a ser examinadas sob outras formas: além das autarquias comuns, surgiram, como espécies, a autar-quia executiva (agência executiva) e a autarquia especial (agência regula-dora, Comissão de Valores Mobiliários e Conselho Administrativo de Defesa Econômica), adiante examinadas.

Essas novas autarquias surgiram a partir da eleição do Presiden-te Fernando Henrique Cardoso, em 1995, quando houve uma intensifica-ção nas privatizações, sendo o programa de desestatizações apontado como sendo um dos principais instrumentos do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.

Esse plano previu, dentre outras questões, a criação de agências

autônomas, vinculadas às atividades de Estado. Essas agências autônomas surgiriam da análise das missões dos órgãos e entidades governamentais, identificando superposições, inadequação de funções e possibilidades de descentralização visando, segundo o plano, dotar o Estado de uma estrutura organizacional moderna, ágil e permeável à participação popular.

Ao se referir às agências autônomas, o Plano Diretor da Refor-

ma do Aparelho do Estado estabeleceu que a responsabilização por resul-tados e a consequente autonomia de gestão inspiraram a formulação desse projeto. O objetivo era a transformação de autarquias e de fundações que exerciam atividades exclusivas do Estado, em agências autônomas, com foco na modernização da gestão.

O Plano previa que o projeto das agências autônomas desenvol-

ver-se-ia em duas dimensões. Em primeiro lugar, seriam elaborados os instrumentos legais necessários à viabilização das transformações preten-didas, e um levantamento visando superar os obstáculos na legislação, normas e regulações existentes. Em paralelo, seriam aplicadas as novas abordagens em algumas autarquias selecionadas, que se transformariam em laboratórios de experimentação.

Essa transformação de entidades estatais em agências, no for-mato apresentando pelo Plano Diretor, de fato não ocorreu. Ao que pare-ce, o modelo de “Administração Gerencial” que o Plano Diretor apresen-tou, previsto para ser aplicado em praticamente todas as áreas da Admi-nistração Pública federal, pretendia seguir modelo próximo ao sistema norte-americano de agências:

Page 80: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 80

Na administração pública gerencial a estratégia volta-se (1) para a

definição precisa dos objetivos que o administrador público deverá

atingir em sua unidade, (2) para a garantia de autonomia do adminis-

trador na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros que

lhe forem colocados à disposição para que possa atingir os objetivos

contratados, e (3) para o controle ou cobrança a posteriori dos resul-

tados. [...] Em suma, afirma- se que a administração pública deve ser

permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das orga-

nizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos

(meios) para os resultados (fins).

Quando o Plano Diretor trata dos objetivos para as denominadas “atividades exclusivas” do Estado, propõe, inclusive, a transformação das autarquias e fundações em agências, e que os seus dirigentes sejam indi-cados por critérios rigorosamente profissionais:

Transformar as autarquias e fundações que possuem poder de Estado

em agências autônomas, administradas segundo um contrato de ges-

tão; o dirigente escolhido pelo Ministro segundo critérios rigorosa-

mente profissionais, mas não necessariamente de dentro do Estado,

terá ampla liberdade para administrar os recursos humanos, materiais

e financeiros colocados à sua disposição, desde que atinja os objeti-

vos qualitativos e quantitativos (indicadores de desempenho) previa-

mente acordados.

Quanto à criação das agências autônomas, o Plano Diretor pre-

viu que haveria obstáculos na legislação para a criação desse novo mode-lo burocrático:

A responsabilização por resultados e a consequente autonomia de

gestão inspiraram a formulação deste projeto, que tem como objetivo

a transformação de autarquias e de fundações que exerçam atividades

exclusivas do Estado, em agências autônomas, com foco na moderni-

zação da gestão. O Projeto das Agências Autônomas desenvolver-se-á

em duas dimensões. Em primeiro lugar, serão elaborados os instru-

mentos legais necessários à viabilização das transformações preten-

didas, e um levantamento visando superar os obstáculos na legisla-

ção, normas e regulações existentes. Em paralelo, serão aplicadas as

novas abordagens em algumas autarquias selecionadas, que se trans-

formarão em laboratórios de experimentação.

Page 81: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Teoria do Estado Regulador 81

Pelo que pode-se depreender da análise do modelo de agên-

cias norte-americano e do Plano Diretor da Reforma do Estado brasilei-

ro, de 1995, o objetivo da administração do Presidente Fernando Hen-

rique Cardoso, sob o comando do Ministro Bresser Pereira, era trans-

formar as autarquias e fundações, isto é, a administração pública indi-

reta em agências próximas ao sistema estadunidense, de certa forma

“esvaziando” a forte centralização de poder nas mãos da Administração

Direta.

Cumpre destacar que o projeto aprovado consistia em que fosse

firmado um contrato de gestão pelo qual o dirigente escolhido pelo Mi-

nistro, segundo critérios rigorosamente profissionais, teria ampla liberda-

de para administrar os recursos humanos, materiais e financeiros da agên-

cia. As agências teriam objetivos qualitativos e quantitativos que seriam

medidos por indicadores de desempenho.

Se esse projeto fosse realmente implementado haveria, de fato,

uma grande transformação da máquina estatal brasileira, aproximando-se

do modelo de agencificação norte-americano. O sistema atual, salvo pou-

cas situações, ainda segue e está vinculado ao velho modelo clientelista,

em que prevalece o interesse político ou partidário em detrimento das

decisões planejadas, tomadas com base técnica, ausência de suporte em-

pírico e transparência na demonstração dos custos e benefícios das medi-

das burocráticas.

O atual sistema presidencialista brasileiro propicia uma forte

concentração de poderes nas mãos do Chefe do Poder Executivo, com

atuação voltada, em grande parte, para as alianças políticas, para os resul-

tados das urnas, o que contribui fortemente para a corrupção.

Constata-se que apenas uma pequena – e modesta – fração do

modelo de agencificação norte-americano chegou à Administração Públi-

ca brasileira. Foram criadas dez autarquias especiais que, diferenciando-

-se das demais autarquias “comuns”, têm órgão colegiado, recursos orça-

mentários decorrentes de taxas de regulação156

, função quase-normativa,

quase-judicial e independência decisória. Os dirigentes receberam man-

dato fixo, que, formalmente, os protegem quanto à demissão imotivada

pelo Presidente da República.

156 Em que pese o contingenciamento de recursos (retardamento ou inexecução de parte

da programação de despesa prevista na Lei Orçamentária) que essas autarquias vêm experimentando nos últimos anos.

Page 82: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 82

6.5.1 Agências reguladoras brasileiras

Tradicionalmente, as entidades da administração pública indire-

ta (autarquias e empresas estatais) vêm atuando de acordo com os interes-

ses políticos do Chefe do Poder Executivo. Isto é, na melhor das hipóte-

ses, de quatro em quatro anos – ou, de oito em oito anos com a reeleição

do presidente, como vem ocorrendo desde o governo Fernando Henrique

Cardoso –, os objetivos e a forma de atuação dessas entidades são altera-

dos de acordo com a corrente ideológica do Presidente da República e de

seu partido político.

Diz-se que é “na melhor das hipóteses”, pois a cada substituição

de ministros, ao qual cada uma das entidades da administração indireta

está vinculada, seja para atender acordos partidários157

ou diante de afas-

tamentos por outros motivos (posse em cargos eletivos, afastamento por

suspeitas de corrupção etc.), altera-se o rumo dos programas desses entes

estatais criados, nos termos da lei, para serem autônomos158

.

Como dito acima, o Plano Diretor da Reforma do Estado, apro-

vado em 1995, anunciou o desejo, desde que superados os “obstáculos na

legislação”, de criar agências a partir da transformação das autarquias,

aproximando-se do modelo de agencificação estadunidense. A mudança

seria radical para os padrões de centralização, adotado no Brasil, na figu-

ra do Chefe do Poder Executivo.

Pode-se inferir, do teor do Plano de Reforma do Aparelho do

Estado, de 1995, que a ideia era dar real autonomia e ter um contrato de

gestão com o dirigente da agência, comandada por um profissional,

escolhido pelo Ministro, segundo critérios técnicos rigorosos. Esse pro-

fissional teria ampla liberdade para administrar os recursos humanos,

materiais e financeiros da agência. Nesse modo, as agências teriam ob-

jetivos medidos por indicadores de desempenho, próximos ao sistema

privado.

Na prática, isso não ocorreu, configurando a não adoção do pa-drão de agencificação estadunidense. Apenas duas características do am-plo e complexo sistema de agencificação norte-americano foram adotadas

157 Atualmente, o Brasil conta com 32 partidos políticos. Disponível em: <http://www.

tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/registrados-no-tse>. Acesso em: 28 set. 2014. 158 Decreto-Lei 200/67: “Art. 5º. Para os fins desta lei, considera-se: I – Autarquia – o

serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”.

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Teoria do Estado Regulador 83

no sistema brasileiro, trazendo consigo inúmeras polêmicas: (i) mandato fixo (tenure) para os dirigentes das agências, com prazos não coinciden-

tes entre os membros do colegiado e (ii) independência decisória, com relação ao Chefe do Poder Executivo.

No que se refere à função judicante, o modelo brasileiro é bem diferente do norte-americano. O que, no Brasil, a doutrina qualifica como sendo “função regulatória judicante” relaciona-se a uma decisão adminis-trativa, decorrente de um processo administrativo normal e passível de

pleno controle jurisdicional como qualquer outra decisão proferida pelas autoridades públicas. Com efeito, nos Estados Unidos da América a fun-ção judicante (adjudication) aproxima-se do sistema jurisdicional, con-tando com uma série de procedimentos formais:

In each instance, the agency, through one or more of its officials, takes

evidencie, hears arguments, and renders a disposition that, unless

overturned on appeal, is legally binding on the parties involved,

including the agency itself159

.

Quanto à administração colegiada, outra característica das agências reguladoras, não pode ser configurada como novidade. O Conse-lho Diretor das agências reguladoras brasileiras é composto, em regra, pelo Diretor-Presidente e mais quatro Diretores, com quórum deliberativo

por maioria absoluta. As nomeações desses dirigentes pelo Presidente da República, com a aprovação pelo Senado Federal, são feitas por manda-tos com prazos certos e não coincidentes, havendo impossibilidade de exoneração ad nutum. Já havia, no Brasil, órgãos com essa característica, a exemplo dos conselhos ambientais.

No que se refere às taxas de regulação que, de algum modo, tra-

riam autonomia orçamentária às agências, tiveram seu significado anula-do pela regra do caixa único, cuja “chave” está nas mãos do Presidente da República.

Nesse formato específico, foram criadas nove agências regula-doras federais durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, e, a déci-ma, no Governo Luis Inácio Lula da Silva: ANA – Agência Nacional e

Águas, ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, ANATEL – Agên-cia Nacional de Telecomunicações, ANCINE – Agência Nacional de

159 CASS, Ronald A. et al. Administrative law. 6. ed. New York: Wolters Klumer Law

& Business, 2011. p. 569. O tema foi apresentado no item 4.3.

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Sérgio Guerra 84

Cinema, ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, ANP – Agên-cia Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, ANS – Agência Nacio-

nal de Saúde Suplementar, ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários, ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, AN-VISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Além disso, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, sofreram al-guns ajustes visando conferir maior autonomia aos seus dirigentes.

6.5.2 Agências executivas

O modelo das agências executivas prevê que essa categoria se constitui de autarquias ou fundações já existentes, que podem passar a ter, nos termos da Lei 9.649, de 27.05.1998, um plano estratégico de reestru-

turação e desenvolvimento institucional, bem como ter celebrado contrato de gestão com o respectivo Ministério supervisor.

Nos termos da lei, caso fosse do interesse do Presidente da Re-pública, ele poderia criar agências executivas por Decreto, e deveria ter como fim realizar políticas estabelecidas pelo próprio Executivo, devendo atuar segundo as bases ajustadas no contrato de gestão. Ainda de acordo

com aquela normativa, o Chefe do Poder Executivo poderia editar medi-das de organização administrativa específicas para as agências executi-vas, visando assegurar a sua autonomia de gestão, bem como a disponibi-lidade de recursos orçamentários e financeiros para o cumprimento dos objetivos e metas predefinidos.

Pela lei, os contratos de gestão deveriam ser celebrados com pe-

riodicidade mínima de um ano e devem estabelecer os objetivos, metas e respectivos indicadores de desempenho da entidade, bem como os recur-sos necessários e os critérios e instrumentos para a avaliação do seu cum-primento. Ademais disso, planos estratégicos de reestruturação e de de-senvolvimento institucional deveriam definir as diretrizes, políticas e medidas voltadas para a racionalização de estruturas e do quadro de ser-

vidores, a revisão dos processos de trabalho, o desenvolvimento dos re-cursos humanos e o fortalecimento da identidade institucional da Agência executiva.

Esse modelo é próximo ao dos Estados Unidos da América. Contudo, não avançou no Brasil, haja vista que só uma entidade foi trans-formada em agência executiva, durante o governo do Presidente Fernan-

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Teoria do Estado Regulador 85

do Henrique Cardoso160

. Até o momento, só foi implantado na reestrutu-ração do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade

Industrial – INMETRO.

Autarquia federal, vinculada ao Ministério do Desenvolvimen-

to, Indústria e Comércio Exterior, o INMETRO atua como Secretaria

Executiva do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Quali-

dade Industrial – CONMETRO, colegiado interministerial que é o órgão

normativo do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualida-

de Industrial – SINMETRO.

A teor do que dispõe a Lei 5.966, de 11.12.1973, o INMETRO

é dirigido por um Presidente, nomeado em comissão pelo Presidente da

República; isto é, não tem mandato nem garantia de permanência no car-

go. Pode ser demitido a qualquer tempo e sem motivo.

Com a edição da Lei 9.933, de 20.12.1999, o CONMETRO, ór-

gão colegiado da estrutura do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Comércio Exterior, recebeu competência para expedir atos normativos e

regulamentos técnicos, nos campos da Metrologia e da Avaliação da Con-

formidade de produtos, de processos e de serviços.

Por sua vez, o INMETRO teve sua competência indicada nor-

mativamente para: elaborar e expedir regulamentos técnicos nas áreas que

lhe forem determinadas pelo CONMETRO; elaborar e expedir, com ex-

clusividade, regulamentos técnicos na área de Metrologia, abrangendo o

controle das quantidades com que os produtos, previamente medidos sem

a presença do consumidor, são comercializados, cabendo-lhe determinar

a forma de indicação das referidas quantidades, bem assim os desvios

tolerados; exercer, com exclusividade, o poder de polícia administrativa

na área de Metrologia Legal; exercer o poder de polícia administrativa na

área de Avaliação da Conformidade, em relação aos produtos por ele regu-

lamentados ou por competência que lhe seja delegada; executar, coordenar

e supervisionar as atividades de Metrologia Legal em todo o território bra-

sileiro, podendo celebrar convênios com órgãos e entidades congêneres dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para esse fim.

Em decorrência da qualificação como agência executiva, o IN-METRO firmou diversos contratos de gestão, pelo qual, ainda de forma

160 A qualificação do INMETRO, como agência executiva, decorre do Decreto s/nº, de

29.07.1998, que, em seu art. 1º, dispõe: “Fica qualificado como Agência Executiva o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, Autarquia Federal criada pela Lei 5.966, de 11 de dezembro de 1973”.

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Sérgio Guerra 86

tímida, teve ampliada sua autonomia de gestão comparativamente às de-mais autarquias comuns.

6.5.3 Outras agências

Leis, editadas pelo Congresso Nacional e Medidas Provisórias, editadas pelo Presidente da República, criaram outras agências, com características de autarquias comuns. A primeira foi criada pela Lei

8.854, de 10.02.1994, antes, portanto, do Plano Diretor da Reforma do Estado em 1995. Naquela lei constou que a agência Espacial Brasileira (AEB), autarquia federal vinculada à Presidência da República, foi cria-da com a finalidade de promover o desenvolvimento das atividades espaciais de interesse nacional, respondendo, de modo direto, ao Presi-dente da República.

A Lei 9.883, de 07.12.1999 criou a Agência Brasileira de Inte-ligência – ABIN, com funções de planejar, executar, coordenar, super-visionar e controlar as atividades de inteligência do País. A lei dispõe que a ABIN é dirigida por um Diretor-Geral e por um Diretor-Adjunto, “de natureza especial”, sendo a escolha e a nomeação do Diretor-Geral pelo Presidente da República após aprovação de seu nome pelo Senado

Federal.

Outra Agência, criada pela Medida Provisória 2.157-5, em 24.08.2001, foi a Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA. De natureza autárquica, vinculada ao Ministério da Integração Nacional, tinha o objetivo de implementar políticas e viabilizar instrumentos de desenvolvimento da Amazônia. Essa Agência foi extinta pela Lei Com-

plementar 124/07.

O desenho institucional da ADA previa a direção em regime de colegiado por uma diretoria composta de um Diretor-Geral e três Direto-res. A nomeação do Diretor-Geral e dos demais Diretores estava inserida na competência do Presidente da República, sendo pelo menos um deles escolhido dentre servidores públicos federais. Os Diretores só seriam

nomeados após aprovação pelo Senado Federal. Havia previsão de que a ADA seria regida por contrato de gestão, firmado pelo Ministro de Esta-do da Integração Nacional e pelo Diretor-Geral, previamente aprovado pelo Conselho Deliberativo para o Desenvolvimento da Amazônia. Nesse contrato seriam estabelecidos os parâmetros para a administração interna da ADA, bem assim os indicadores que permitiriam avaliar, objetivamente,

a sua atuação administrativa e o seu desempenho.

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Teoria do Estado Regulador 87

Outra agência foi criada pela Medida Provisória 2.156-5, de 24.08.2001: Agência de Desenvolvimento do Nordeste – ADENE. Essa

agência teve programada a mesma estrutura da ADA, com natureza au-tárquica vinculada ao Ministério da Integração Nacional, com o objetivo de implementar políticas e viabilizar instrumentos de desenvolvimento do Nordeste. A Lei Complementar 125/07, revogou a norma de criação.

Em que pese a denominação “agência”, também não encontra- -se similitude ao modelo norte-americano.

6.6 Analisando a Constitucionalidade do Modelo das Agências no Brasil

O primeiro aspecto acerca da criação de agências reguladoras

consiste em verificar o texto constitucional de 1988. A Constituição de-

termina que o modelo de intervenção estatal seja o regulatório? A Consti-

tuição autoriza ou determina a criação de órgãos reguladores? A Consti-

tuição detalhou as características desses órgãos? E, por último, impõe

saber: o modelo de agencificação adotado no Brasil (mandato fixo, auto-

nomia decisória etc.) é constitucional?

A reposta à primeira indagação é positiva, isto é, o regime cons-

titucional brasileiro previsto na ordem econômica é o capitalista, em que

qualquer cidadão tem o direito de exercer, livremente, atividades econô-

micas161

. A Constituição Federal de 1988 determina, nesse mesmo capítu-

lo, que a atuação estatal deve ser reguladora162

, indicando o vetor inter-

pretativo para essa função.

Com efeito, como agente normativo e regulador da atividade

econômica o Estado exercerá as funções de fiscalização, incentivo e pla-

nejamento, na forma de lei aprovada pelo Congresso Nacional. O plane-

jamento, a que se refere o dispositivo constitucional, é determinante para

o setor público e apenas indicativo para o setor privado.

Passa-se à segunda questão. A Constituição impõe ou permite a

criação de agências reguladoras? Sendo positiva a resposta a essa indaga-

161 “Art. 170. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer ativida-

de econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

162 “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exer-cerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

Page 88: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 88

ção, direciona esse modelo a toda a administração ou para determinados

setores?

Em resposta, pode-se constatar que a Constituição não faz men-ção expressa a qualquer processo de agencificação. Na origem, a Consti-tuição Federal não previu órgão ou entidade reguladora. Atualmente, a Constituição faz menção apenas a dois órgãos de regulação nas áreas de telecomunicações e indústria do petróleo.

Em relação à primeira, nos termos do art. 21163

, prevê que no âmbito da competência da União compete explorar, diretamente ou me-diante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunica-ções, nos termos da lei. A Constituição dispõe que essa “lei disporá sobre a organização dos serviços e a criação de um órgão regulador”. Esse dispositivo não constava do texto original; tendo sido incluído pela reda-ção dada pela Emenda Constitucional 8, de 15.08.1995.

No que se refere à indústria do petróleo, o art. 177 da Consti-tuição Federal de 1988 dispõe que a lei definirá a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União. Esse texto também não cons-tava do original e foi incluído pela redação dada pela Emenda Constitucio-nal 9, de 15.08.1995

164.

Quanto à criação de órgãos reguladores no sistema financeiro, a Constituição já fez menção a outros dois órgãos sobre o sistema fede-ral

165. Esse dispositivo foi incluído ao texto constitucional por força da

emenda constitucional 13, de 21.08.1996 e, posteriormente, revogado pela emenda constitucional 40, de 29.05.2003.

Em que pese a previsão expressa quanto à criação de dois órgãos reguladores (telecomunicações e indústria do petróleo), a Carta de 1988 deixou a sua estruturação à discricionariedade legislativa. Ao contrário das autarquias, fundações e empresas estatais, expressamente previstas no

163 “Art. 21. Compete à União: [...]XI – explorar, diretamente ou mediante autorização,

concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que dis-porá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros as-pectos institucionais”.

164 “Art. 177. Constituem monopólio da União: [...] § 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: III – a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União;”.

165 “Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desen-volvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regula-do em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: [...] II – autorização e funcio-namento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador e do órgão oficial ressegurador”.

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Teoria do Estado Regulador 89

texto constitucional166

, a Constituição Federal de 1988 não fez menção ou definiu um modelo de agências a ser implantando pelos Poderes Legisla-tivo e Executivo.

6.6.1 Constitucionalidade do modelo de agencificação brasileiro

Nos debates ocorridos na Assembleia Constituinte, não houve emendas para a criação de agências para regular atividades econômicas ou serviços públicos. Apenas registre-se uma tentativa frustrada de criar

um tribunal administrativo para regular a concorrência, mais próximo ao Conseil D’Etat francês do que nos moldes da Federal Trade Commission – FTC. Esse Tribunal Administrativo de Defesa Econômica seria com-posto por cinco membros, eleitos pelo Congresso Nacional.

O debate ocorreu no Destaque 0581.87, Emenda ES-32032-7, proposta por Brandão Monteiro, “que modifica o art. 228, § 3º, do Substi-

tutivo 1 (art. 194, § 3º, do Substitutivo 2)”. (415ª votação), sendo ao final rejeitada:

O SR. PRESIDENTE (Brandão Monteiro): – Em votação o Destaque

nº 0581, requerido pelo Constituinte Brandão Monteiro, referente à

Emenda nº 32032. É uma emenda aditiva que pretende acrescentar ao

§ 3º do art. 194 seguinte texto: ‘...e criará um Tribunal Administrativo

de Defesa Econômica, com 5 membros, eleitos pelo Congresso Nacio-

nal, que se incumbirá de reprimir os abusos do Poder Econômico e

promover a concretização dos princípios constitucionais da ordem

econômica, definidos na Constituição.’ Tem a palavra o Constituinte

César Maia para encaminhar a proposição.

O SR. CONSTITUINTE CÉSAR MAIA: – Sr. Presidente, Sras. e Srs.

Constituintes, a emenda do Constituinte Brandão Monteiro é aditiva

ao § 3º do art. 194. O § 3º diz o seguinte: ‘A lei reprimirá a formação

de monopólios, oligopólios, cartéis e toda e qualquer forma de abuso

do poder econômico que tenha por fim dominar o mercado, eliminar a

livre concorrência ou aumentar arbitrariamente o lucro.’ Em seguida,

o Constituinte Brandão Monteiro acrescenta: ‘e criará o Tribunal

166 Como, por exemplo, no art. 39: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municí-

pios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas”.

Page 90: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Sérgio Guerra 90

Administrativo de Defesa Econômica’, como já leu o nobre Consti-

tuinte. Na verdade, o que se procura é dar consequência ao princípio

descrito no texto constitucional. A experiência brasileira de lei anti-

truste e de criação de mecanismos de repressão ao abuso do poder

econômico e à ação de monopólios e oligopólios que distorcem a prá-

tica de mercado vem de 1946. Ela só foi regulamentada em 1962, no

gabinete parlamentarista Brochado da Rocha. No entanto, nos últi-

mos anos, o CADE – o tribunal administrativo que tinha a responsa-

bilidade de executar essas atribuições – foi praticamente extinto. Ho-

je, ele se encontra parado, subordinado ao Ministério da Justiça, in-

chado e sem realizar as tarefas que lhe competem por lei. Esse tribu-

nal administrativo, proposto para combater reprimir, como prevê a

Constituição, o abuso do poder econômico e os crimes de monopólio e

oligopólio, será definido nesta Casa legislativa. Poder Legislativo,

através desse tribunal administrativo, poderá, efetivamente, por fora

de cumplicidades que possam ocorrer no Poder Executivo, realizar

essa tarefa de repressão e de fiscalização. Queremos, com a criação

desse tribunal administrativo, não deixar que o texto constitucional

seja apenas letra morta. Desejamos dar continuidade, consistência e

aplicabilidade a esse princípio constitucional, para o qual pedimos o

apoiamento dos Srs. Constituintes.

O SR. PRESIDENTE (Brandão Monteiro): – Concedo a palavra ao

nobre Constituinte José Jorge, que encaminhará contrariamente à

proposição.

O SR. CONSTITUINTE JOSÉ JORGE: – Sr. Presidente, Srs. Consti-

tuintes, o § 3º, do art. 194, do Substitutivo Bernardo Cabral, está re-

digido da seguinte forma: ‘A lei reprimirá a formação de monopólio,

oligopólios, cartéis e toda e qualquer forma de abuso do poder eco-

nômico que tenha por fim dominar o mercado, eliminar a livre con-

corrência ou aumentar arbitrariamente o lucro.’ Portanto, são as

mesmas preocupações contidas na emenda de autoria do nobre Cons-

tituinte e Presidente em exercício Brandão Monteiro. No entanto, S.

Ex.ª acrescenta a esse artigo a criação de um tribunal administrativo

de defesa nacional, que se incumbirá de reprimir os abusos do poder

econômico e promover a concretização dos princípios constitucionais

de ordem econômica, defendidos na Constituição – este tribunal terá

cinco membros. Acredito, Srs. Constituintes que toda a estrutura do

Poder Judiciário, existente no País, já é suficiente para que possa-

mos, efetivamente, pôr em prática o que está previsto na nova Consti-

tuição. Temos uma nova estrutura judiciária bastante ampla, de certa

Page 91: TEORIA DO ESTADO REGULADOR

Teoria do Estado Regulador 91

forma modernizada, a partir desta nova Constituição. O Executivo

também dispõe de instrumentos, a partir do CADE e dessa nova polí-

tica, que podem ser adotados. Então, teríamos um tribunal com mais

cinco funcionários públicos e estrutura para realizar um trabalho

que, acredito, os tribunais atuais, pelo Judiciário, e o Executivo, atra-

vés de sua própria estrutura, podem realizar. Encaminho a votação

contra essa emenda, do nobre Deputado Brandão Monteiro, apesar

de reconhecer a importância de sua iniciativa. Tenho certeza de que,

com o novo Judiciário e com a nova Constituição, teremos mecanis-

mos para realizar esse trabalho, através do Executivo. E também, em

caso de se recorrer ao Judiciário, através de sua própria estrutura,

sem necessidade de se criar mais um órgão público, para aumentar a

estrutura do Governo. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Brandão Monteiro): – Com a palavra o Rela-

tor, Constituinte Virgílio Távora.

O SR. RELATOR (Virgílio Távora): – Sr. Presidente, Srs. Consti-

tuintes, desejo dizer a V. Exa. como Relator, que se nos afigura ab-

solutamente justa a proposição do eminente Constituinte Brandão

Monteiro. E ficaria ainda mais entusiasmado se, em vez de se referir

a um tribunal administrativo, ela falasse em corte administrativa.

Mas há necessidade absoluta, com a extinção do CADE, que não

funciona, da criação de um órgão eleito pelo Legislativo, tendo a

apoiá-lo o prestígio deste Poder, para realmente reprimir os abusos

e, ao mesmo tempo, garantir a concretização dos princípios consti-

tucionais de ordem econômica que estamos definindo nesta Carta.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Constituintes, ainda há pouco tivemos

um exemplo evidente de empresa que desrespeita o Governo e se

acoberta na Justiça. A existência desse órgão, não tenho a menor

dúvida, tornaria menos afoita a empresa, por mais importante que

fosse. Nosso voto é, portanto, favorável à proposição do Constituin-

te Brandão Monteiro.

A SRA. CONSTITUINTE CRISTINA TAVARES: – Sr. Presidente, peço

a palavra para esclarecer a votação, uma vez que o Constituinte José

Jorge, ao encaminhar, falou sobre a criação de uma estrutura, com

juízes. Gostaria que V. Ex.ª lesse pausadamente a emenda, a fim de

mostrar que ela é bem mais simples. Mas, se V. Exa. me permite eu a

leio: ‘...um tribunal administrativo, em defesa da economia, com cin-

co membros eleitos pelo Congresso Nacional.’ Portanto não procede

o encaminhamento do Constituinte José Jorge.

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Sérgio Guerra 92

O SR. CONSTITUINTE FRANCISCO DORNELLES: – Pela ordem,

Sr. Presidente. V. Exa. concedeu a palavra à ilustre constituinte Cris-

tina Tavares. Gostaria de me manifestar também.

O SR. PRESIDENTE (Brandão Monteiro): – Nobre Constituinte

Francisco Dornelles, V. Ex.ª me deixa numa situação muito difícil,

porque a Constituinte Cristina Tavares pediu a palavra apenas para

ler. Aliás, a emenda é de minha autoria. A ilustre Constituinte leu o

dispositivo e fez quase que um encaminhamento a favor, o que não é

permitido.

O SR. CONSTITUINTE FRANCISCO DORNELLES: – Gostaria de

ter o mesmo direito.

O SR. PRESIDENTE (Brandão Monteiro): – V. Ex.ª dispõe de trinta

segundos.

O SR. CONSTITUINTE FRANCISCO DORNELLES: – Sr. Presidente,

quero simplesmente dizer que a criação desse tribunal agride o Poder

Judiciário. Não tem sentido criar-se um Tribunal Administrativo para

exercer atividades típicas do Poder Judiciário.

Posto em votação, o resultado final foi assim proclamado: vota-ram a favor 43 Constituintes; votaram contra 45 Constituintes; absteve-se

de votar 1 Constituinte. Total: 89 votos. O destaque foi prejudicado por falta de quórum qualificado. A proposta de constitucionalizar um tribunal Administrativo foi rejeitada, em suma, sob o argumento de que o Poder Judiciário seria afrontado e que, pela estrutura, esse Poder teria condições de solucionar conflitos nessa área.

Assim, a Constituição faz menção ao papel regulador do Esta-

do, com algumas diretrizes (fiscalização, incentivo e planejamento) e, após emendas constitucionais, dispôs, apenas, sobre a criação de dois órgãos reguladores nas áreas de telecomunicações e indústria do petróleo.

6.6.2 As decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o modelo de agências brasileiro

A constitucionalidade sobre alguns aspectos do modelo de agências reguladoras foi submetida ao Supremo Tribunal Federal. Uma

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delas refere-se ao setor de telecomunicações, que mereceu previsão cons-titucional (via emenda) quanto à existência de um órgão regulador.

A Constituição Federal de 1988 dispõe que compete ao Supre-mo Tribunal Federal julgar as ações diretas de inconstitucionalidade con-tra leis ou atos normativos, federal e estadual. São legitimados, para pro-por a ação direta de inconstitucionalidade, o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o

Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; par-tido político com representação no Congresso Nacional; ou confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei de criação da ANATEL foi ajuizada pelos seguintes partidos: o Partido Comunista

da Brasil, o Partido dos Trabalhadores, o Partido Democrático Trabalhista e o Partido Socialista Brasileiro, questionando o modelo adotado pela gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, pertencente ao Partido Social Democrata – PSDB. Atacaram a constitucionalidade da Lei 9.472, de 16 de julho de 1997, que disciplinou os serviços de telecomunicações e criou a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL.

A ANATEL, estruturada sob o novo modelo de agencificação independente, é uma autarquia especial, entidade integrante da Adminis-tração Pública Federal indireta, vinculada ao Ministério das Comunica-ções, com a função de “órgão regulador” das telecomunicações.

A ANATEL foi estruturada tendo como órgão máximo o Con-selho Diretor, além de contar com um Conselho Consultivo, uma Procu-

radoria, uma Corregedoria, uma Biblioteca e uma Ouvidoria, além das unidades especializadas incumbidas de diferentes funções.

Nos termos da lei, a natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por quatro características: (i) independência ad-ministrativa, (ii) ausência de subordinação hierárquica, (iii) mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e (v) autonomia financeira.

A ADI buscou a declaração de inconstitucionalidade de alguns dispositivos da lei, sendo destacados a seguir apenas os referentes à agên-cia reguladora:

a) independência administrativa: o argumento contrário à lei baseou-se na suposta afronta ao art. 37, inciso XIX da Constituição Federal, que, segundo os autores, não contem-

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pla a possibilidade de autarquias virem a ter regimes espe-ciais (independência administrativa, ausência de subordina-

ção hierárquica, autonomia financeira, bem como mandato fixo e estabilidade aos dirigentes). Esse dispositivo legal atentaria contra a competência privativa do Presidente da República e do Ministro do Estado a que o órgão está vin-culado, a quem compete, de forma exclusiva, a direção su-perior da Administração Pública. Essa previsão legal teria

ferido o princípio tripartite da separação de poderes, previs-to no art. 2º da Constituição Federal.

b) competência normativa: questionou-se dispositivo da lei que outorgou competência à ANATEL para expedir normas sobre a outorga, a prestação e a fruição de serviços de tele-comunicações. Haveria, nos argumentos dos autores, inde-

vida delegação de poder normativo do Poder Legislativo para a agência. Ponderou-se que a Constituição Federal só admite a delegação normativa nos termos do art. 68 (dele-gação nominada) e que a lei não trouxe parâmetros nortea-dores para que houvesse regulamentação.

c) poder de polícia: questionou-se a competência da ANATEL

para realizar busca e apreensão de bens.

Sobre essas questões, o Ministro Marco Aurélio, que funcionou como relator, afirmou que a independência administrativa não afasta em si o controle por parte da Administração Pública Federal, exercido, no caso da ANATEL, de maneira direta pelo Ministro das Comunicações e, de maneira indireta, pelo Presidente da República. O regime autárquico

especial, segundo aquele julgador, não revela a existência de uma entida-de soberana, afastada dos controles estatais.

No que se refere à competência da ANATEL para expedir nor-mas, o Relator votou no sentido de que “se presume que os preceitos a serem expedidos observem o que já se contém no arcabouço normativo, sob pena, aí sim, de extravasamento, a resolver-se no campo da legali-

dade”.

Finalmente, acerca do poder de polícia para promover busca e apreensão de bens, o Relator decidiu que tal dispositivo legal feriria o princípio do devido processo legal.

O Ministro Sepúlveda Pertence, acompanhando integralmente o voto relator quanto ao poder de polícia, votou pela atribuição de interpre-

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tação conforme à Constituição no que se refere à função normativa outor-gada à ANATEL, para afirmar que as “normas regulatórias são absolu-

tamente subordinadas à legislação e, eventualmente, às normas de se-gundo grau, de caráter regulamentar, que o Presidente da República entenda baixar”.

O julgamento final, quanto aos pontos acima, pode ser assim consolidado: quanto à independência administrativa, a Suprema Corte não conheceu da ação direta por unanimidade, validando o modelo de

agência reguladora autônoma, criado por lei. No que se refere à expedi-ção de normas, o Supremo Tribunal Federal decidiu que tal dispositivo legal não é inconstitucional; contudo, deixou claro, por atuação do Minis-tro Sepúlveda Pertence, que essas normas subordinam-se às leis e, even-tualmente, regulamentos. Por fim, com relação ao poder de polícia, para realizar busca e apreensão, a Corte decidiu, por maioria de votos, suspen-

der essa atribuição.

Releva examinar, ainda, a ADI 1949-0/RS que julgou questão relevante sobre o modelo de agencificação independente no Brasil. Esta ação direta examinou a constitucionalidade de dispositivos da legislação gaúcha (Leis Estaduais 10.931/97 e 11.292/98) que criou a Agência Re-guladora de Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul –

AGERGS, pioneira na esfera estadual. O STF fez interpretação sobre o termo “mandato” dos dirigentes, trazendo, pela primeira e única vez, algum direcionamento sobre a juridicidade do estabelecimento de tenure para os dirigentes das Agências Reguladoras.

O Governador do Rio Grande do Sul havia se insurgido contra dois dispositivos legais, das normas antes citadas. O primeiro previa que

a nomeação de dirigente da Agência Reguladora pelo Governador do Estado, com mandato de quatro anos, dependeria de prévia aprovação pelo Poder Legislativo. O segundo, a demissão desse mesmo dirigente seria da competência exclusiva do Poder Legislativo.

O argumento contrário àqueles dispositivos baseava-se no prin-cípio da separação de poderes; isto é, haveria indevida usurpação de fun-

ção privativa do Poder Executivo pelo Poder Legislativo.

Nesse caso, o Relator Ministro Sepúlveda Pertence alterou seu voto diante dos argumentos trazidos pelo Ministro Nelson Jobim. Note-se que parte dos argumentos trazidos pelo Ministro Jobim faz referência às decisões da Suprema Corte norte-americana, citadas pelo Ministro Victor Nunes Leal em outro julgado.

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O fundamento do voto do Ministro Victor Nunes Leal, sob a égide da Constituição Federal de 1946, baseava-se na ideia de que o Po-

der Legislativo poderia condicionar o exercício do Presidente da Repúbli-ca de prover os cargos públicos federais em termos compatíveis com os dispositivos da própria Constituição. No que se refere às entidades autô-nomas, Victor Nunes Leal fez menção expressa ao modelo de agências estadunidenses:

No sistema polítivo vigente em nosso país é, realmente, ao Legislativo

que cabe traçar a orientação geral da política econômica e adminis-

trativa do país, pois dele depende a votação do orçamento, a conces-

são de créditos especiais, a aprovação de tratados com nações es-

trangeiras e o poder de votar leis em toda a extensa área da compe-

tência legislativa da União. Não é, aliás, a investidura de prazo certo

uma invenção brasileira. Ela tem uso frequente em outras nações, e

frequentíssimo nos Estados Unidos, cujo regime copiamos. Numero-

sos são os cargos, especialmente nas independent regulatory commis-

sions, cuja investidura se faz a prazo certo167

.

Victor Nunes Leal faz expressa menção ao Myers Case, julgado em 1926, e ao caso Humkphrey (1935), antes citados neste artigo, além do caso Wiener

168:

Tais entidades [comissão independente] são equivalentes das nossas

autarquias econômicas e administrativas, cuja criação depende de lei.

E a lei que lhe dá autonomia, nos limites que o legislador considere

conveniente, tem por objetivo, não só facilitar a administração dos ser-

viços respectivos, pela adoção de normas diferentes das quais vigoram

para a administração direta, mas também, tornar os seus dirigentes,

nos termos da lei, independentes da miúda e cotidiana interferência do

Chefe da administração federal. A doutrina dos casos Humphrey e

Wiener tem, como se vê, inteira aplicação ao processo em exame, quer

pela semelhança do regime (ao tempo da impetração), quer por se tra-

tar de entidades administrativas de atribuições congêneres, do ponto de

vista do direito, e cuja continuidade e independência de ação o legisla-

dor quis proteger com a investidura do prazo certo de alguns ou de

quase todos os seus dirigentes. (RTJ 25/63 a 67)

167 ADI 1949-0-RJ, p. 210-211. 168 Wiener v. United States 357 U.S. 349 (1958).

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Nesse contexto, note-se ao primeiro dispositivo normativo im-pugnado na lei de criação da AGERGS, o Supremo Tribunal Federal

decidiu ser constitucional a forma de ato complexo de nomeação, nos termos do art. 52, III, “f” da Constituição Federal. Quanto ao segundo, a Corte acolheu o pedido de declaração de inconstitucionalidade; contudo, decidiu que o Governador não poderia demitir o Diretor da AGERGS sem justa causa em consequência da investidura a termo.

7 CONCLUSÃO

No modelo norte-americano, o surgimento do direito adminis-trativo (administrative law) está relacionado às agências, sejam elas exe-cutivas, regulatórias ou empresariais, independentes ou não. Levando-se em conta o ambiente em que surgiu, o desenvolvimento dos modelos ado- tados que formataram o sistema de agencificação, os conflitos, questio-namentos e teses, nos Estados Unidos da América e no Brasil, verifica-se que os desenhos burocráticos são diferentes.

As agências surgiram, nos Estados Unidos da América, no sécu-lo XIX e apenas em alguns estados da federação. O objetivo era regular o transporte ferroviário por meio de experts, então a mais importante e complexa atividade econômica na fase agrária. Com a proibição da regu-lação do setor ferroviário por agências estaduais surgiu a primeira agên-cia reguladora federal, em 1887.

O movimento progressista ergueu a bandeira da agencificação contra o cenário caótico por que passava o governo no final do século XIXI e início do século XX. O movimento se propagou pela classe média localizada em áreas urbanas chocados com a corrupção e fraudes no cam-po político. A solução para esses problemas seria a criação de agências, de modo que as decisões sobre o controle de determinadas atividades industriais fossem decididas por experts, de forma racional e livres das pressões partidárias no formato conhecido como spoil system.

Considerando o impacto das decisões das agências sobre a vida dos cidadãos e empresas, foi editada, em 1946, uma lei que procedimen-talizou as suas ações visando trazer transparência e mais garantias aos direitos fundamentais (devido processo legal).

Com a crise econômica da década de 70, os custos regulatórios foram contestados, surgindo um movimento denominado desregulação (deregulation), que provocou a extinção ou fusão de algumas agências

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reguladoras. Esse movimento foi amortecido pela crise do mercado fi-nanceiro, ocorrido em 2008, envolvendo o sistema de hipotecas. O argu-mento, que de certa forma, desencoraja o Congresso e o Presidente da República de propor a desregulação está no fato de que a ausência, ou diminuição, do nível de regulação estatal financeira teria sido o responsá-vel pelo colapso sistêmico.

Com esses antecedentes, opositores e defensores, o modelo de

regulação estatal norte-americano vem sendo mantido desde o século XIX até os dias atuais com o respaldo da Suprema Corte.

No modelo estadunidense, as agências representam o que de-nominamos, no Brasil, Administração Pública descentralizada, dotadas de efetiva autonomia gerencial. Pode-se enquadrar uma parte das agências como sendo “subordinada” ao Presidente da República, apenas diante do

fato de ser possível que o agente seja demitido sem justa causa, a qual-quer tempo. Na outra parte, considerada “independente”, os dirigentes são detentores de mandato (tenure), ressaltando-se que essa segunda ca-tegoria não está vinculada a qualquer dos três poderes (Legislativo, Exe-cutivo ou Judiciário).

As atribuições das agências estadunidenses variam, alcançando

diversos setores e áreas, sob diversas formas e funções, abrangendo deta-lhada regulação (microregulation, overregulation) do comportamento dos indivíduos, do comércio, na distribuição de subsídios e benefícios, no fornecimento de serviços, na cobrança de impostos, no gerenciamento de recursos etc., sendo, como dito, dotadas de autonomia na gestão.

Passados mais de cento e vinte anos desde a criação da primeira

agência reguladora federal, com as características que identificam esse modelo (ICC, de 1887), constataram-se fases favoráveis e períodos con-trários a esse modelo. A Suprema Corte norte-americana, em termos ge-rais, validou a previsão do mandato (tenure), chancelou a delegação de poderes (delegation doctrine), e reconheceu a juridicidade na cumulação de funções quase-legislativas, quase-executivas e quase-judiciais.

O modelo estadunidense de agências, no estágio atual, privilegia a ocupação de cargos por experts, a participação popular (public participa-tion), a transparência nos procedimentos e nas decisões (transparency of government action) e com sistema de garantias processuais, próximo ao mo-delo jurisdicional (judicialized procedures for individual determinations)

169.

169 MASHAW, Jerry L. Creating the administrative constitution: the lost one hundred

years of American administrative law. New Haven: Yale University Press, 2012. p. 288.

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As ações de uma agência devem estar de acordo com o deta-lhamento contido na lei de criação

170. Quando há um questionamento

sobre os seus atos, os tribunais examinam os dados em recurso de apela-ção (appeal) de acordo com standards previstos na lei que outorgou competência à agência, geralmente, mantendo a escolha regulatória (prin-cípio da deferência).

A maioria das leis de criação das agências possui termos vagos e abertos (intelligle principles), permitindo à agência certa flexibilidade e,

até mesmo, discrição171

para criar as suas próprias regras e procedimentos.

Para balizar a atuação das agências foi editada uma lei de Pro-cedimento Administrativo (Administrative Procedure Act)

172, em 1946,

detalhando os mecanismos de atuação. Com efeito, a APA fornece dire-trizes para a edição de normas regulatórias, realização de audiências e participação da sociedade, julgamento de casos concretos, e, além disso,

parâmetros para o controle judicial dos atos das agências pelos Tribunais (judicial review). Pode-se dizer que a APA representa verdadeira “consti-tuição” do direito administrativo no âmbito federal

173.

No Brasil, quando da edição do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, em 1995, apresentou-se um desenho próximo ao sistema norte-americano para reestruturar a Administração Pública, orga-

nizada pelo Decreto-Lei 200/67 aprovado durante o regime militar.

Na prática, esse plano não foi adotado. Apenas, inicialmente em nove entidades autárquicas, às quais se juntou a Agência Nacional de Aviação – ANAC, em 2005, durante o Governo do Presidente Lula, ado-tou-se parte do esquema norte-americano (mandato, outorga de compe-tência normativa a partir de expressões vagas e amplas, além de autono-

mia decisória).

No que se refere às funções executivas e normativas, verificou-se certa similitude, seja no modelo em si, seja nos questionamentos quanto a sua constitucionalidade. Constatou-se, em sentido contrário, que a função judicante é completamente diferente entre os dois modelos.

170 Cf. CROLEY. Steven P. Regulation and public interest: the possibility of good

regulatory government. New Jersey: Princeton University Press, 2008. p. 81. 171 Para conferir críticas à discrição das agências, ver EPSTEIN, Richard A. Simple rules

for a complex world. Cambridge: Harvard University Press, 1995. p. 37 e ss. 172 Para um detalhamento sobre a APA, ver LAWSON, Gary. Federal administrative

law. 6. ed. ST. Paul: West, 2013. p. 256 e ss. 173 Nesse sentido, CASS, Ronald A. et al. Administrative law. 6. ed. New York: Wolters

Klumer Law & Business, 2011. p. 6.

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Quanto às agências executivas brasileiras, foi editada uma lei geral disciplinando sua criação. Na prática, o modelo só chegou ao setor

de metrologia e qualidade industrial, um dos mais técnicos e que, prati-camente, tem menor risco de sujeitar-se a pressões político-partidárias.

Quanto à constitucionalidade do modelo brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, em dois casos, validou o sistema de mandato (tenure), as funções normativas (com menção ao seu caráter secundário e subordi-nado à lei), bem como a autonomia decisória. Os argumentos adotados

pelos ministros enfrentaram as polêmicas surgidas com o modelo apenas em parte e sem profundidade.

O questionamento ocorrido no Brasil foi – e continua sendo – próximo àqueles temas questionados nos Estados Unidos da América, em que destaca-se o princípio da separação tripartite de poderes, a indelega-bilidade do poder normativo, o mandato fixo e a unidade do Poder Execu-

tivo.

Após examinar o texto constitucional e as duas decisões profe-ridas pelo Supremo Tribunal Federal, e consideradas remarkable cases, pode-se inferir que o modelo de agências reguladoras, com a atribuição de função normativa, subordinada à lei, função executiva (poder de polí-cia) e judicante (puramente administrativa), é constitucional. O mandato

(tenure) também foi confirmado pela Corte, inaugurando esse precedente sobre a matéria.

Desse modo, diante de um termo vago e aberto, previsto no art. 174 da Carta de 1988 – o Estado como “agente regulador” —, parece ser plausível considerar constitucional, como decidiu o Supremo em dois casos, a interpretação eleita pelo Parlamento para a estruturação do mode-

lo regulatório. Ao criar entidades reguladoras o Parlamento atuou discri-cionariamente com vistas ao alcance dos fins democráticos garantidos na Carta Política.

Os arts. 173 e 174 da Constituição Federal definiram, expres-samente, os princípios a serem observados pelo Poder Legiferante, cujos vetores são a fiscalização, o incentivo e o planejamento não obrigatório

para o setor privado. Ao Estado, permitiu-se, contudo, atuar diretamente mediante a exploração de atividade econômica quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo, con-forme definidos em lei.

Em suma, a burocracia brasileira, mesmo com o advento das agências reguladoras (autarquias especiais), é diferente do sistema buro-

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crático estadunidense. Os dois modelos partem de estruturas de governa-bilidade e de governança completamente diferentes

174. Apenas uma pe-

quena parte do desenho institucional, que atribui mandato aos dirigentes e autonomia decisória à agência reguladora, foi copiado do modelo ameri-cano pelo Brasil.

Sendo uma reprodução, ainda que parcial, somado ao fato de que (i) o modelo nacional – federativo e presidencialista – também se espelhou no sistema estadunidense, e (ii) o Brasil vem adotando o sistema de regulação de algumas atividades privadas de interesse público, tam-bém próximo ao modelo das public utilities, confirma-se a premissa pro-blematizada neste artigo.

Com efeito, por esses fatores, devem ser produzidas análises sobre o que ocorreu e vem ocorrendo no modelo norte-americano, nas diversas fases ao longo dos mais de cento e cinquenta anos de história. Na busca pelo aperfeiçoamento do modelo brasileiro deve-se identificar o que foi positivo e, também, o que provou ser ineficiente.

Conclusivamente, e além dos temas aqui examinados, alguns assuntos afetos ao sistema norte-americano de agências reguladoras po-dem contribuir para o desenvolvimento das agências nacionais:

1. Será conveniente examinar a pauta do debate norte-ameri- cano quanto à ausência de legitimidade dos dirigentes das agências independentes (não eleitos por sufrágio), detento-res de mandato fixo (tenure).

2. Deve-se verificar os motivos que levaram à criação de um procedimento administrativo especial para as agências (Administrative Procedure Act, 1946), e quais são os resul-tados alcançados com essa procedimentalização.

3. Será produtivo avaliar como os norte-americanos enfrentam a discrição regulatória e, notadamente, os limites da atribuição

174 Para Enrique Saravia, o conceito de governança é o conjunto de instrumentos técnicos

de gestão que asseguram a eficiência da ação pública, o que nos conduz à necessidade de reformular a administração mediante a elaboração de novas ferramentas gerenciais, jurí-dicas, financeiras e técnicas. Esse conceito não se confunde com o de governabilidade, que é a necessidade de dotar de condições adequadas o ambiente político em que se efe-tivam as ações da administração, o que requer legitimidade dos governos, credibilidade e imagem pública dos governantes e dos servidores públicos, além da redefinição das fun-ções do Estado, do seu padrão de intervenção econômica e social, de suas relações com a sociedade civil e o mercado e entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário SA-RAVIA, Enrique J. Governança social no Brasil contemporâneo. Revista Governança Social – IGS. Belo Horizonte, a. 3, edição 7, p. 21-23, dez. 2009 a mar. 2010.

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Sérgio Guerra 102

de função normativa, seja ela implícita ou explícita. Releva, ainda, perscrutar os mecanismos de revisão das normas regula-

tórias, além da análise de custo e benefício das decisões delas decorrentes (cost–benefit analysis – CBA), atualmente coman-dada por órgão integrante da Presidência da República (Office of Information and Regulatory Affairs – OIRA), vinculado ao Office of Management and Budget – OMB

175.

4. É recomendável examinar como se desenvolvem os relató-

rios de análise de impacto regulatório (regulatory impact

analysis – RIA), produzidos pelas agências. Deve-se exami-

nar o formato estruturado para o apoio, produzido pelas

agências, às instituições da sociedade civil, visando ampliar

a participação popular e privilegiar a transparência nos pro-

cessos, análises, manuais (guidelines) e decisões (formal,

informal, negotiated rulemaking and adjudication). Será

produtivo compreender as bases que justificam os meca-

nismos de controle judicial (judicial review)176

que, de um

lado, é profundo (hard look)177

, e, de outro, aplica um duplo

teste que preserva decisões substantivas (deference) desde

que respeitado o devido processo legal (due process of law).

5. Outro instituto em prática na América do Norte é o Lead

agency, sistema pelo qual uma das agências é identificada

para ser a líder de um grupo de agências que atuam, em

conjunto, em projetos complexos (exemplo, a construção de

uma hidrelétrica). A agência líder coordena a ação intera-

gência, conduzindo os trabalhos diários com a função de

organizar a agenda e promover a coesão das decisões pro-

venientes das diversas áreas. Sabemos que, no Brasil, esse é

um dos maiores gargalos da administração pública. É co-

mum que projetos sejam desenvolvidos por uma agência e,

quando da sua implantação pela iniciativa privada, são para-

lisados e, em muitos casos, rejeitados.

175 Ver detalhamento em DUDLEY, Susan E.; BRITO, Jerry. Regulation: a primer. 2. ed.

Washington: The George Washington University, 2012. p. 40-42. 176 Conforme já tive oportunidade de propor há mais de uma década, e constante da obra

GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: Lumen Ju-ris, 2004.

177 Sobre o tema, ver GARRY, Patrick M. Judicial review and the “hard look” doctrine. v.7. Nevada Law Journal. 2006-2007. p. 151-170.

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6. Por fim, deve-se analisar o atual debate sobre o excesso de microrregulação, contestada com grande ênfase nos Estados

Unidos da América, assim como as características dos mo-vimentos de desregulação (deregulation), rerregulação (rer-regulation) e falha regulatória (misregulation), notadamente após a crise ocorrida em 2008 no mercado financeiro esta-dunidense.

Sabe-se que os Estados Unidos da América tem uma cultura di-

ferente da brasileira. Com a adoção de apenas uma Constituição Federal durante toda a sua história, os valores de liberdade, propriedade privada, garantias (Bill of rights) e alta litigiosidade pautam os debates estaduni-denses sobre o papel do Estado, especialmente quando se referem às agências e à regulação. Alcançando aspectos políticos, jurídicos e cultu-rais, naquele sistema há um trade-off entre esses valores e a regulação

econômica, social e ambiental.

O Brasil, ao contrário, após diversas Constituições Federais e recente ingresso na democracia, tem uma cultura de forte intervencionis-mo e centralização na figura do Chefe do Poder Executivo. Não obstante essas características, pode-se inferir ser de aguda relevância o aprofun-damento das pesquisas sobre os dois modelos burocráticos, sob a ótica

comparada.

Como ocorre no direito constitucional brasileiro, é conveniente que sejam examinados, no âmbito do direito constitucional e administra-tivo, debates acadêmicos, artigos, livros, decisões dos tribunais, leis, de-cretos, instrumentos e procedimentos produzidos nos Estados Unidos da América ao longo de mais de um século de agencificação. Todo esse

acervo contribuirá para a efetiva construção de uma nova função regula-tória brasileira, que, de um lado, leve em conta a sua própria história, se acople aos seus costumes, observe as suas peculiaridades jurídico-consti- tucionais, e que, sobretudo, seja um instrumento que contribua para o ajuste do curso da governança estatal nos campos econômicos e sociais, de forma mais republicana e democrática.

8 REFERÊNCIAS

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