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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _______ VARA CÍVEL DA COMARCA DE SÃO JOÃO DEL REI – MG

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, por intermédio da 3ª Promotora de Justiça, titular da Promotoria de Defesa do Cidadão desta Comarca, com sede na Rua Ministro Gabriel Passos, n. 232, centro, nesta Cidade, vem perante Vossa Excelência ajuizar a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS,

com amparo no art. 129, III, da CF/88, art. 25, IV, da Lei nº 8.625/93 (LONMP), e arts. 1º e 5º da Lei nº 7.347/85, em face de:

1) MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DEL REI, representado pelo Exmo. Sr. Prefeito, Nivaldo José de Andrade, através da Procuradoria Municipal, com sede na Rua Ministro Gabriel Passos, n. 199, centro, nesta Cidade;

2) SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE SÃO JOÃO DEL REI, entidade de direito privado, com personalidade jurídica própria, CNPJ 24.729.097/0001-36, com sede na Rua Comendador Bastos, n. 43, centro, nesta cidade, na pessoa de seu Provedor, Sr. Tanus Jorge Ramos Bittar, e de seu Diretor Clínico, Sr. Agostinho Simões Coelho;

3) CLÁUDIO IBRAIN COSTA, brasileiro, médico ortopedista e chefe do departamento de ortopedia da Santa Casa da Misericórdia de São João Del Rei, filho de Aníbal Costa e Silva e Djanira Ibrahim Costa, nascido aos 05/12/1931, natural de São

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Gonçalo do Sapucaí/MG, portador do D. I. M-855520, residente na Rua Nascimento Teixeira, n. 87, bairro Segredo, podendo ser encontrado na sede da Santa Casa da Misericórdia de São João Del Rei, à Rua Comendador Bastos, n. 43, centro, nesta Cidade;

4) ANTONIO TAIER, brasileiro, médico ortopedista, integrante do corpo clínico da Santa Casa da Misericórdia de São João Del Rei, filho de José Jorge Taier e Ana Hallack Taier, nascido aos 11/04/1948, natural de São João Del Rei/MG, portador do D. I. MG-435414, residente na Rua Antônio Francisco Lisboa, n. 40, bairro Bonfim, podendo ser encontrado na sede da Santa Casa da Misericórdia de São João Del Rei, à Rua Comendador Bastos, n. 43, centro, nesta Cidade; e,

5) MAURO PINTO DE MORAES FILHO, brasileiro, médico ortopedista, integrante do corpo clínico da Santa Casa da Misericórdia de São João Del Rei, filho de Mauro Pinto de Moraes e Percília de Oliveira Moraes, nascido aos 13/05/1962, natural de São João Del Rei/MG, portador do D. I. M-1156710, residente na Avenida Nossa Senhora do Pilar, n. 355, apt. 601, centro, podendo ser encontrado na sede da Santa Casa da Misericórdia de São João Del Rei, à Rua Comendador Bastos, n. 43, centro, nesta Cidade; pelos fundamentos de fato e direito a seguir expostos:

I – DOS FATOS

Conforme documentação anexa, o Município de São João Del Rei e a Santa Casa da Misericórdia de São João Del Rei firmaram entre si um convênio, para realização de serviços de saúde para atendimento pré-hospitalar, de natureza de urgência e emergência.

Nos termos da cláusula terceira, do mencionado convênio, os serviços de urgência/emergência devem ser prestados preferencialmente por profissionais do Corpo Clínico da Santa Casa.

Pois bem. Através de comunicado endereçado ao Ministério Público, cuja cópia segue anexa, esta Promotora de Justiça tomou conhecimento que os médicos ortopedistas, ora requeridos, Dr. Cláudio Ibrain Costa, Dr. Antonio Taier e Dr. Mauro Pinto de Moraes Filho, integrantes do corpo clínico da Santa Casa da Misericórdia de São João Del Rei, haviam decidido suspender o

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plantão de atendimento em casos de urgência e emergência, em face do não pagamento da remuneração ajustada com a mesma entidade.

Em data do dia 04 de abril do corrente ano, a segunda requerida encaminhou ao Ministério Público o MEMO 191/2003/ABR, cuja cópia segue anexa, por meio do qual apresentou vagas justificativas sobre o comunicado levado a efeito pelos médicos ortopedistas, ocasião em que não apontou quais as providências que seriam tomadas para a resolução da questão.

Em face da obscuridade dos fatos, o Parquet, então, requisitou ao Sr. Provedor da Santa Casa da Misericórdia informações concretas sobre o cumprimento ou não do plantão de atendimento em casos de urgência e emergência na área da ortopedia e traumatologia.

Qual não foi a surpresa deste Órgão Ministerial ao receber o MEMO 203/2003/ABR, cuja cópia segue anexa, por meio do qual a segunda requerida apenas encaminhou resposta do Setor de Ortopedia informando que o plantão de atendimento em casos de urgência e emergência estaria suspenso a partir do dia 11 de abril de 2003.

Conforme se vê pelos documentos que a esta acompanham, a discórdia entre a administração da Santa Casa da Misericórdia e os médicos ortopedistas se iniciou em meados do ano de 2002, sendo que desde o mês de outubro de 2002 estes últimos vêm comunicando a suspensão dos plantões de atendimento em casos de urgência e emergência.

Uma vez frustradas todas as chances de negociação entre a segunda requerida e os médicos ortopedistas, não restaram dúvidas de que a situação se agravou, fato este que impulsiona a atuação do Ministério Público em favor dos cidadãos usuários do Sistema Único de Saúde, os quais não devem e não podem ficar à mercê de questões secundárias.

II – DA LEGITIMIDADE ATIVA

A legitimidade do Ministério Público para a propositura da presente ação é indiscutível. Decorre do art. 129 da Constituição Federal, do art. 25 da Lei nº 8.625/93 e da Lei nº 8.080/90. Tais disposições conferem ao Ministério Público legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública para a proteção

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do meio ambiente, patrimônio cultural e dos consumidores, e ainda para a defesa de “outros interesses difusos e coletivos”, fórmula genérica que abrange, obviamente, qualquer outro interesse que vise à proteção e defesa dos direitos da cidadania, fazendo parte desses direitos a saúde.

Estabelece a Lei Magna:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

...........................................................................

....................

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância público aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

E ainda:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros, e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e

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hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

...........................................................................

....................

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;” (grifo nosso).

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei nº 8.625/93, em seu artigo 25, preceitua:

“Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

...........................................................................

....................

IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direito de valor artístico, estético, históricos, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;”

Por fim, a Resolução nº 11/97, expedida pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, Chefe do Ministério Público mineiro, disciplina o exercício da função de fiscalização do Sistema Único de Saúde pela Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão, externando e determinando:

“Art. 1º. A fiscalização do Sistema Único de Saúde constitui função institucional do Ministério Público, nos termos dos arts. 197, II, e 197 da Constituição Federal.

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.........................................................................

....................

Art. 3º. Compete ao Promotor de Justiça fiscalizar, em cada Município da Comarca:

I – o cumprimento da Lei 8.080/90”.

Olympio de Sá Souto Maior Neto, em artigo publicado na Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, n. 29, afirma que:

“O Ministério Público deve agora atuar como verdadeiro agente político, interferindo positivamente na realidade social e, através do exame do conteúdo ideológico das normas jurídicas, dar a prevalência para a efetivação daquelas que signifiquem a proposta da libertação do povo, internalizando no espaço oficial do Judiciário as reivindicações sociais na forma de conflitos coletivos, politizados e valorizados sob a ótica das classes populares”.

Arremata asseverando:

“O Ministério Público, não raras vezes implicará em cobrar das autoridades públicas uma atuação mais eficiente no fornecimento às crianças e adolescentes de educação, SAÚDE, profissionalização, lazer, etc., vez que sua tarefa obriga preferência ao interesse público primário (ou seja, o interesse do bem geral), em contraposição às vezes com o interesse público secundário (ou seja, o modo pelo qual os órgãos governamentais vêem o interesse público)”.

Destarte, conclui-se pela legitimidade do Ministério Público para propor a presente ação.

III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA

Conforme é sabido, o Município de São João Del Rei é detentor de gestão plena do Sistema Único de Saúde – SUS, cuja gerência compete à Secretaria Municipal de Saúde, na pessoa de seu Secretário Municipal.

Com o advento da Norma Operacional Básica – NOB/96 – SUS/01/96, aprovada pela Portaria MS nº 2.203/96, são estabelecidas, como forma de descentralização da gestão e execução

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dos serviços de saúde no âmbito dos municípios, duas modalidades de gestão, tendo sido o município de São João Del Rei habilitado à gestão plena de atendimento municipal.

A própria NOB/96 estabelece como sua finalidade precípua “buscar a plena responsabilidade do Poder Público Municipal”, concluindo que, “isso significa aperfeiçoar a gestão dos serviços de saúde no país e a própria organização do sistema, visto que o município passa a ser, de fato, o responsável imediato pelo atendimento das necessidades e demandas de saúde do seu povo e das exigências de intervenções saneadoras em seu território”, tendo, para tanto, o suporte financeiro-administrativo da União e do Estado, respectivamente.

Logo, quando o Município de São João Del Rei assumiu a gestão plena do SUS, isso importa dizer que a gestão de todo o sistema municipal é necessariamente da competência do Poder Público municipal e exclusiva desta esfera do Governo.

A própria Lei Orgânica da Saúde, Lei Federal nº 8.080/90, determina a competência municipal:

“Art. 18. À direção municipal do Sistema Único de Saúde (SUS) compete:

I – planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde;”.

A legitimidade passiva do primeiro requerido, desse modo, é inconteste.

No que tange à legitimação passiva da segunda requerida, a mesma decorre do disposto nos arts. 24 e 25, ambos da Lei nº 8.080/90, segundo o qual:

“Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde – SUS poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.

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Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.Art. 25. Na hipótese do artigo anterior, as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos terão preferência para participar do Sistema Único de Saúde – SUS”.

No caso que ora se apresenta, o Município de São João Del Rei firmou convênio com a Santa Casa da Misericórdia, cuja cópia segue em anexo, a fim de que esta última tivesse participação complementar na prestação dos serviços de saúde pelo SUS.

Convém distinguir, desde logo, contrato de convênio e, nesse ponto, nada mais esclarecedor que o tradicional magistério de Hely Lopes Meirelles:1

“Convênio é acordo mas não é contrato. No contrato, as partes têm interesse diversos e opostos; no convênio, os partícipes têm interesses comuns e coincidentes. Por outras palavras: no contrato há sempre duas partes (podendo ter mais de dois signatários); uma, que pretende o objeto do ajuste (a obra, o serviço etc); outra, que pretende a contraprestação correspondente (o preço, ou qualquer outra vantagem), diversamente do que ocorre no convênio em que não há partes, mas unicamente partícipes com as mesmas pretensões. Por isso mesmo, no convênio, a posição jurídica dos signatários é uma só e idêntica para todos, podendo haver, apenas, diversificação na cooperação de cada um, segundo as suas possibilidades para a consecução do objetivo comum, desejado por todos”.

Ora, se o convênio firmado entre os dois primeiros requeridos prevê o repasse de recursos públicos para a prestação de serviços de saúde, vislumbra-se que a segunda requerida não pode se abster de prestá-los sob o pretexto de divergências com os médicos integrantes de seu corpo clínico.

1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro, 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 1994.

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Lado outro, não se pode olvidar que vige entre nós o princípio da continuidade do serviço público. Neste aspecto, vale colacionar o seguinte aresto:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LIMINAR DEFERIDA PARA A CONTINUAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICO-HOSPITALARES AOS USUÁRIOS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) – AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO – Enquanto nas avencas privadas é lícito a qualquer dos contratantes fazer cessar a execução do avençado quando um deles descumpre a sua obrigação , nos ajustes de Direito Público o particular não pode usar dessa faculdade contra a administração pública. Veda-o o princípio maior da continuidade do serviço que impede a paralisação da execução do contrato, mesmo diante da omissão ou atraso da administração no cumprimento das prestações a seu encargo (Direito Administrativo Brasileiro, de Hely Lopes Meirelles)” (TJSC – AI 10.682 – Blumenau – Rel. Des. Eládio Torret Tocha – 2ª C.C. – j. 14/05/1996).

A legitimidade dos três últimos requeridos, por sua vez, deflui do fato de os mesmos integrarem o corpo clínico da Santa Casa da Misericórdia de São João Del Rei, e, desse modo, atuam em sistema de co-gestão.

Conforme previsão do art. 26 do Estatuto do Corpo Clínico da Santa Casa, ao plantonista compete “atender a todos os casos de urgência que procurarem pelo plantão do Pronto Socorro da Santa Casa da Misericórdia, preenchendo as guias apropriadas para o atendimento, e sempre que solicitados dar atendimento as emergências que ocorrer com pacientes internados na Santa Casa da Misericórdia”.

E mais, segundo o art. 27 do mesmo estatuto, “O médico Plantonista não pode faltar injustificadamente ao plantão

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para o qual foi escalado, sob pena de ser responsabilidade pelos problemas que causar com sua atitude”.

Como se não bastasse, o art. 50 desse estatuto prevê que “O Corpo Clínico é responsável pelo tratamento de todos os pacientes que procurem o hospital, cumprindo-lhes manter o mais elevado padrão técnico científico, no desempenho de atividades médicas na Instituição”.

Pois bem. Os documentos assinados pelos médicos em questão, e encaminhados ao Sr. Provedor da Santa Casa, não deixam dúvidas de que os mesmos têm conhecimento dos deveres inerentes à profissão que exercem, bem como das disposições contidas no Estatuto do Corpo Clínico, do qual fazem parte.

Ora, consoante já anunciado alhures, a iniciativa de suspender o atendimento médico em regime de urgência e emergência partiu dos três últimos requeridos, os quais são os únicos médicos ortopedistas integrantes do corpo clínico da Santa Casa.

Vislumbra-se, assim, que, ao anunciarem a interrupção dos serviços de saúde previstos no convênio celebrado com a Municipalidade, os três últimos requeridos atuaram em prejuízo de todos os usuários do Sistema Único de Saúde, bem como em contraposição à cláusula terceira do mencionado pacto.

Dada a peculiaridade de organização do SUS, em que as entidades privadas participantes, complementarmente, do sistema, são o próprio sistema prestando assistência à saúde da população, tem-se que, mais uma vez, se faz presente o princípio da continuidade do serviço público, dele decorrente a impossibilidade, para quem contrata com a Administração, de invocar a exceptio non adimpleti contractus nos contratos que tenham por objeto a execução de serviço público.

A legitimidade passiva dos três últimos requeridos é, desse modo, inconteste. Ora, ao suspenderem o atendimento pré-hospitalar, em regime de urgência e emergência em suas especialidades, tais médicos estão propiciando o verdadeiro caos no setor, uma vez que a contratação, ainda que temporária, de outros profissionais para o atendimento da população, certamente

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levará algum tempo, sendo que, enquanto isso, os usuários do sistema permanecerão à mercê de sua própria sorte.

IV – DO DIREITO

A Constituição Federal de 1988 atribuiu à saúde a condição de direito social:

“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a SAÚDE, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (grifo nosso).

Novamente os arts. 196 e 197 da Magna Carta:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros, e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

A Constituição do Estado de Minas Gerais, por sua vez, reafirma o texto constitucional federal em seus arts 186 e 187:

“Art. 186. A saúde é direito de todos e a assistência a ela é dever do Estado, assegurada mediante políticas sociais e econômicas que visem à eliminação do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

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Art. 187. As ações e serviços de saúde são de relevância pública, e cabem ao Poder Público sua regulamentação, fiscalização e controle, na forma da lei.”

Em consonância com tais dispositivos legais, a Lei nº 8.080/90, Lei Orgânica da Saúde dispõe:

“Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao pleno exercício.

§1º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Como se não bastasse, reza o Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

.........................................................................

....................

X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.”

Vê-se, portanto, que, seja na Constituição Federal, seja na Constituição Estadual, seja na legislação infraconstitucional, a saúde é considerada prioridade, sendo clara a responsabilidade do Poder Público pela saúde de todos.

V – DA NECESSIDADE DA CONCESSÃO DE LIMINAR

O art. 35-C da Lei nº 9.656 (Lei do Plano de Saúde) conceitua os termos urgência e emergência, traduzindo o significado de emergência como casos que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, e, como urgência,

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os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações nos processos gestacionais.

Diante dos fatos, não se pode deixar de detectar a presença indisfarçável dos pressupostos que autorizam a medida requerida, quais sejam, o FUMUS BONI IURIS e PERICULUM IN MORA.

É certo que o fumus boni iuris está configurado, uma vez que o atendimento aos casos de urgência e emergência é imperioso, e, de forma absolutamente clara em nossa Carta Magna, o direito à vida e à saúde são direitos fundamentais.

Compreender o fumus boni iuris na situação em tela não nos parece requisitar de grande esforço, haja vista a existência de preceito constitucional obrigando o atendimento.

Corroborando a existência da fumaça do bom direito, temos unanimidade doutrinária quanto à aplicabilidade imediata dos preceitos constitucionais sociais, encontrando-se em caráter primordial o bem vida, consubstanciado pela saúde.

Nesse sentido, os comentários de autores constitucionais a respeito dos direitos elucidados no Título II da Constituição Federal esclarecem que não há sentido uma garantia constitucional necessitar de outra norma para sua eficácia.

Sustenta o Professor José Afonso da Silva:

“A garantia das garantias consiste na eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais. Os direitos, liberdades e prerrogativas consubstanciados no Título II, caracterizados como direitos fundamentais só cumprem na finalidade se as normas que os expressem tiverem efetividade. (...)

Sua existência só por si, contudo, estabelece uma ordem aos aplicadores da Constituição no sentido de que o princípio é o da eficácia plena e aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais: individuais, coletivos, sociais (...)

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Por isso, revela-se, por seu alto sentido político, como eminente garantia política de defesa da eficácia jurídica e social da Constituição.”2

Da mesma forma, vê-se presente o periculum in mora, talvez mais gritante ainda, já que o perigo maior a um ser humano é a perda de sua vida ou prejuízo a sua saúde, o que ora estamos tentando evitar.

É certo que não se encontra no meio jurídico motivo maior que o ora citado para configuração de perigo na demora na prestação jurisdicional, qual seja, a vida humana.

Em face do absurdo retratado, o Ministério Público requer a V. Exa. sejam determinados in limine os pedidos de ordens liminares adiante, inaudita altera pars, considerando a necessidade da tutela de urgência, em prol da defesa do bem maior, que é a vida humana.

VI – DOS PEDIDOS DE ORDEM LIMINAR

Diante do exposto, o Ministério Público requer sejam deferidos os pedidos de ordem liminar, determinando-se:

a) o imediato atendimento de todos os pacientes que dele necessitem em caso de urgência e emergência, nas especialidades de ortopedia e traumatologia, com devida comprovação de laudo médico, destinados ao Sistema Único de Saúde, ou, na ausência deste, que se faça o atendimento em entidade não conveniada ao SUS, e que o Município de São João Del Rei custeie o tratamento necessário, sob pena de desobediência;

b) que o descumprimento da liminar por parte de qualquer dos requeridos, seja RETARDANDO, DIFICULTANDO ou mesmo RECUSANDO O ATENDIMENTO, importará na aplicação de multa por paciente não atendido, equivalente a R$ 2.000,00 (dois mil reais), a ser recolhida em conta judicial a ser aberta em banco oficial e administrada por esse Juízo em prol dos pacientes, devendo o descumprimento ser constatado através de auto de constatação por perito designado por esse Juízo ou ocorrência da Polícia Militar;

2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros

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c) a designação de perito para acompanhar o fiel cumprimento da liminar deferida, indicando o Sr. Air de Souza Resende, Presidente do Conselho Municipal de Saúde, para o cargo, devendo o mesmo informar a esse Juízo a respeito do descumprimento da liminar, através de auto de constatação, que deverá ser acostado aos autos;

d) a expedição de ofício ao comando local da Polícia Militar, dando ciência da liminar deferida, solicitando informar a esse Juízo, através de ocorrência policial, o descumprimento da liminar para as devidas providências e execução da multa aplicada;

e) o encaminhamento de cópia da liminar ao PROCON MUNICIPAL, DELEGACIA DA ORDEM ECONÔMICA, DEFENSORIA PÚBLICA, JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DESTA COMARCA E CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE, para ciência.

VII – DO PEDIDO DEFINITIVO

Diante do exposto, estando evidente a violação aos direitos garantidos aos cidadãos pela Carta Maior Brasileira, bem como pela Constituição Mineira e pela Lei Federal nº 8.080/90, pela demora ou, em determinados casos, recusa dos prestadores do serviço em atender os cidadãos que padecem de moléstias caracterizadas como urgência e emergência, pelo SUS, o Ministério Público REQUER:

a) a concessão de liminar, sem justificação prévia e inaudita autera pars, nos termos acima expostos;

b) a citação dos requeridos, nas pessoas de seus representantes legais, para responderem à presente no prazo legal;

c) a intimação pessoal deste órgão do Ministério Público para todos os atos processuais, na forma do art. 236 do CPC;

d) a inversão do ônus da prova, em razão da verossimilhança do direito do consumidor invocado, com fundamento no art. 6º, VIII, do CDC;

e) seja julgado procedente o pedido, no sentido de condenar os requeridos na obrigação de fazer, qual seja,

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atender todos os pacientes ligados ao SUS, que necessitarem de atendimento na especialidade de ortopedia e traumatologia, em regime de urgência e emergência;

f) fixação de multa diária para o caso de descumprimento do pedido, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), por cada paciente do SUS não atendido em tempo hábil para a boa manutenção de sua saúde, constatado através do auto de constatação do Sr. Perito ou boletim de ocorrência da Polícia Militar;

g) sejam condenados os requeridos às demais cominações legais (custas, honorários advocatícios, etc.), que reverterão em benefício do Fundo criado pela Lei n. 7.347/85.

h) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, a teor do disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/85.

Protesta provar o alegado por todos os meios de provas judicialmente permitidos, especialmente depoimentos pessoais dos requeridos, bem como oitiva de testemunhas e juntada de documentos, o que, desde já, requer.

Dado o valor inestimável da presente demanda, para efeitos meramente fiscais, dá-se à causa o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Nestes termos, pede e espera deferimento.

São João Del Rei, 15 de abril de 2003.

Eliane Fernandes do Lago Corrêa3ª Promotora de JustiçaCuradora do SUS

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