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EXCELENTISSIMO SENHOR CONSELHEIRO DO TCE-GO, REL. DOS PROCESSOS DA PASTA DA SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE, NOS TERMOS DA RN-TCE-GO 01/2008, DR. SEBASTIÃO JOAQUIM PEREIRA NETO TEJOTA. EMENTA: REFPRESENTAÇÃO MINISTERIAL. FATO GRAVE. SAÚDE. HOSPITAL DE URGÊNCIAS DE APARECIDA DE GOIÂNIA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. CONTRATO DE GESTÃO. POSSÍVEL ENVOLVIMENTO DA ENTIDADE SELECIONADA EM FRAUDES NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. INDÍCIOS DE INIDONEIDADE. SEQUESTRO E INDISPONIBILIDADE DE BENS POR MEDIDA JUDICIAL. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE ECONÔMICO-FINANCEIRA. SUBCONTRATAÇÃO DE COOPERATIVAS DE PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS NA ÁREA DA SAUDE. FALTA DA CAPACIDADE TÉCNICA NECESSÁRIA À CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DESSE VULTO. SUSPENSÃO CAUTELAR DO PROCEDIMENTO DE CONTRATAÇÃO DA ENTIDADE SALUTE SOCIALE. NECESSIDADE DE NOVO CHAMENTO PÚBLICO. O MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS, por sua PROCURADORA- GERAL - MAISA DE CASTRO SOUSA BARBOSA, no desempenho de sua missão institucional de defender a ordem jurídica, o regime democrático, a guarda da Lei e fiscalizar sua execução, no âmbito das contas do Estado de Goiás, com fundamento nos artigos 75, inciso I, da Lei Orgânica do TCE-GO (LOTCE-GO), 324 e § 1º do Regimento Interno do TCE-GO (RITCE-GO), vem oferecer a seguinte REPRESENTAÇÃO MINISTERIAL c/c PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR INAUDITA ALTERA PARTE 1

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EXCELENTISSIMO SENHOR CONSELHEIRO DO TCE-GO, REL. DOSPROCESSOS DA PASTA DA SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE, NOSTERMOS DA RN-TCE-GO 01/2008, DR. SEBASTIÃO JOAQUIM PEREIRANETO TEJOTA.

EMENTA: REFPRESENTAÇÃO MINISTERIAL. FATOGRAVE. SAÚDE. HOSPITAL DE URGÊNCIAS DEAPARECIDA DE GOIÂNIA. DISPENSA DELICITAÇÃO. CONTRATO DE GESTÃO. POSSÍVELENVOLVIMENTO DA ENTIDADE SELECIONADAEM FRAUDES NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.INDÍCIOS DE INIDONEIDADE. SEQUESTRO EINDISPONIBILIDADE DE BENS POR MEDIDAJUDICIAL. AUSÊNCIA DE CAPACIDADEECONÔMICO-FINANCEIRA. SUBCONTRATAÇÃODE COOPERATIVAS DE PROFISSIONAISESPECIALIZADOS NA ÁREA DA SAUDE. FALTA DACAPACIDADE TÉCNICA NECESSÁRIA ÀCELEBRAÇÃO DE CONTRATO DESSE VULTO.SUSPENSÃO CAUTELAR DO PROCEDIMENTO DECONTRATAÇÃO DA ENTIDADE SALUTE SOCIALE.NECESSIDADE DE NOVO CHAMENTO PÚBLICO.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS, por sua PROCURADORA-

GERAL - MAISA DE CASTRO SOUSA BARBOSA, no desempenho de sua missão

institucional de defender a ordem jurídica, o regime democrático, a guarda da Lei e

fiscalizar sua execução, no âmbito das contas do Estado de Goiás, com fundamento

nos artigos 75, inciso I, da Lei Orgânica do TCE-GO (LOTCE-GO), 324 e § 1º do

Regimento Interno do TCE-GO (RITCE-GO), vem oferecer a seguinte

REPRESENTAÇÃO MINISTERIALc/c

PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR INAUDITA ALTERA PARTE

1

em razão dos fatos e fundamentos que se seguem:

I - DOS FATOS

1. O Estado de Goiás, por meio do Instrumento de chamamento Público nº

001/2011, deflagrou processo de seleção de entidades de direito privado sem fins

lucrativos para o gerenciamento, operacionalização e execução da ações e

serviços de saúde, em regime de 24 horas/dia, nos termos do Anexo I do referido

instrumento, que assegure assistência universal e gratuita à população, no

Hospital de Urgências de Aparecida de Goiânia (HUAPA), com dispensa de

licitação, baseada no disposto no artigo 24, inciso XXIV, da Lei 8.666/93.

2. A entidade escolhida foi a Núcleo de Saúde e Ação Social – SALUTE SOCIALE,

inscrita no CNPJ com o nº 32.088.890/0001-21, já tendo sido anunciado pelo

Secretário Estadual de Saúde --- senhor Antônio Faleiros Filho ---, inclusive por

meio da imprensa local (O Popular, quinta-feira, 11/08/2011), que a celebração do

contrato ocorrerá brevemente (Documento 01).

3. Em 11 de julho de 2011, foi expedido o Decreto n° 7.399 (Documento 02), nos

seguintes termos: “Fica qualificado como Organização Social o NÚCLEO DE SAÚDE

E AÇÃO SOCIAL – SALUTE SOCIALE, inscrito no Cadastro Nacional da Pessoa

Jurídica do Ministério da Fazenda sob o nº 32.088.890/0001-21, com sede na Avenida

Amaral Peixoto, nº 306, sala 208, Rio de Janeiro, e filial na Avenida Rio Branco, nº 133,

20º andar, Centro, Rio de Janeiro, condicionada a eficácia deste Ato ao pleno atendimento

dos requisitos constantes da Lei nº 15.503, de 28 de dezembro de 2005”.

4. No entanto, a decisão de transferência da gestão de unidades hospitalares no

Estado de Goiás não passou por discussão e apreciação pelo Conselho Estadual

2

de Saúde, órgão consultivo, deliberativo, fiscalizador e controlador das ações e

dos serviços no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, nos termos do artigo

1º, inciso II e § 2º, da Lei 8.142/90 e artigo 1º e 3º, do decreto 5.727/2003. Por esse

motivo, foi expedida a Resolução 008/2011 do Plenário do Conselho Estadual de

Saúde, que em seu artigo 1º deliberou pela SUSPENSÃO dos processos de

transferência de gestão na área da saúde no âmbito do Estado de Goiás.

5. Por motivo de Representação, foi instaurado, pela Promotora de Justiça Fabiana

Lemes Zamalloa do Prado, titular da 90ª Promotoria de Justiça de Goiânia ---

especializada na Defesa do Patrimônio Público ---, Inquérito Civil Público para

apurar irregularidades relativas à escolha da entidade, dentre elas, a possível

falta de idoneidade da Núcleo de Saúde e Ação Social --- Salute Sociale --- em

razão de seu envolvimento em má utilização e desvio de recursos públicos no

Estado do Rio de Janeiro.

6. De início, restou apurado nos autos do Inquérito Civil Público que a organização

não governamental Núcleo de Saúde e Ação Social – Salute Sociale –, ao longo

dos 23 anos de sua existência, mudou sua denominação social por diversas vezes

(inicialmente denominada Centro Brasileiro de Defesa da Criança e do

Adolescente – CBDCA, já foi identificada por Centro Brasileiro de Defesa dos

Direitos da Cidadania – CBDDC, por Núcleo de Cidadania e Ação Social

-NUCAS – Instituto José Pelúcio – e mais recentemente, mudou seu nome para

Núcleo de Saúde e Ação Social – SALUTE SOCIALE) e que, de fato, esteve

envolvida em “esquemas” de desvio de verbas públicas, os quais ensejaram a

instauração de processos administrativos e judiciais, cíveis e criminais, tanto no

3

âmbito do Estado do Rio de Janeiro, quanto no âmbito federal, para a apuração

de tais desvios.

7. Dentre as irregularidades estão:

I. participação da organização quando ainda denominada Centro de Defesa dos

Direitos da Cidadania – CBDDC – em um esquema que levou ao desvio de

milhões de reais dos cofres públicos do Estado do Rio de Janeiro, envolvendo

diversas fundações e organizações não governamentais, por meio de dispensa

de licitação, o qual se encontra em apuração nos autos de nº

00073487-49.2010.8.19.0001, em tramitação na 3ª Vara de Fazenda Pública da

Comarca do Rio de Janeiro/RJ (Documento 03). Considerando a petição inicial

da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelos

Promotores de Justiça de Tutela Coletiva da Cidadania do Rio de Janeiro,

apresentamos um resumo dos fatos descritos na inicial e minuciosamente

apurados nos autos de Inquérito 3.840 (que condensou a apuração fracionada

dos fatos em outros inquéritos civis):

“Em linhas gerais, a primeira etapa do esquema consistia na

deliberação dos órgãos da Administração Pública Estadual –

seguindo orientação que viria a ser oficializada pela própria

Governadora do Estado, por ocasião do Decreto nº 38.143, de

23.08.2005 – no sentido de contratar a FESP para a execução de

“projetos” de contornos vagos e imprecisos, que habitualmente

envolviam o fornecimento de mão-de-obra terceirizada. Os dirigentes

dos órgãos estaduais contratavam a FESP, mesmo tendo

conhecimento de que a referida fundação não possuiria condições para

executar tais serviços com seu próprio quadro, precisando recorrer à4

subcontratação de ONG's para tal finalidade. Para a manutenção do

esquema, também era preciso que os dirigentes dos órgãos

contratantes se omitissem no dever de fiscalizar a execução dos

serviços, deixando de aferir se o custo dos serviços efetivamente

prestados correspondia ao valor da verba repassada à FESP.

A segunda etapa do esquema ocorrida dentro da FESP, que

subcontratava diversas ONGs para a execução dos mesmos serviços

que lhe haviam sido confiados pelos órgãos da Administração Pública

Estadual. Nesta etapa, as subcontratações eram direcionadas, através

de processos fraudulentos de dispensa de licitação, às ONG's INEP,

INAAP, IBDT e CBDDC, dentre outras, sob a invocação do artigo

24, XIII da Lei 8666/93, embora nenhuma das entidades

subcontratadas gozasse de 'inquestionável reputação

éticoprofissional'. Além disso, os contratos celebrados com as ONG's

não especificavam claramente o objeto ou os quantitativos do serviço

a ser prestado. Assim como nos órgãos contratantes, os gestores da

FESP deliberadamente omitiam-se no dever de fiscalizar a execução

dos serviços subcontratados, atestando as notas emitidas pelas

ONG's sem aferir o valor dos serviços efetivamente prestados por

intermédio das referidas entidades.

A terceira etapa do esquema ocorria dentro das ONG's INEP,

INAAP, IBDT e CBDDC, que ora foram criadas especificamente

para participar do desvio de recursos públicos, ora foram

'incorporadas' pelos operadores do esquema. Ainda que uma fração

dos recursos recebidos pelas mencionadas ONG's houvesse se

destinado ao pagamento de mão-de-obra terceirizada, dezenas de

5

milhões de reais em dinheiro público foram repassados para

empresas 'fantasmas' e pessoas físicas vinculadas ao esquema,

independentemente da prestação de qualquer serviço,

destacando-se dentre elas as empresas EMPRIM, INCOSUL e

TELDATA.

Finalmente, a quarta etapa do esquema ocorria no âmbito das

empresas 'fantasmas', como EMPRIM INCOSUL E TELDATA, que

receberam dezenas de milhões de reais em recursos públicos,

desviados pelas ONG's integrantes do esquema. A movimentação

bancária das duas primeiras empresas revelou que grande parte dos

recursos recebidos foi sacada em espécie, 'na boca do caixa', no

evidente intuito de ocultar a verdadeira destinação desse dinheiro.

Além disso, houve partilha de expressiva parcela dos recursos

desviados entre outras pessoas e empresas vinculadas ao esquema,

além da emissão de cheques em favor do PMDB, que viriam a servir

como financiamento 'oficial' da campanha da pré-candidatura de

ANTHONY GAROTINHO à Presidência da República”.

Merece destaque ainda, a participação da organização CBDDC (atual

Salute Sociale) no desvio de verbas públicas do Projeto Saúde em Movimento –

Racionalização da Rede Estadual de Saúde - da Secretaria de Estado de Saúde

do Rio de Janeiro, em apuração nos autos de Ação Civil Público por Ato de

Improbidade Administrativa, ajuizada anteriormente, com protocolo nº

0379271-02.2008.8.19.0001 (Documento 04), em tramitação na 6ª Vara de Fazenda

Pública do Rio de Janeiro/RJ. Nos referidos autos apura-se, especificamente, a

participação do CBDDC no desvio de verbas do Projeto Saúde em Movimento, o

qual, segundo a petição inicial, operou-se da forma como, em linhas gerais, foi6

descrita na petição inicial da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade

Administrativa de protocolo nº 00073487-49.2010.8.19.0001, em tramitação na 3ª

Vara de Fazenda Pública da Comarca do Rio de Janeiro/RJ. Tais fatos deram

ensejo, ainda, a um processo criminal que se encontra em tramitação na 4ª Vara

Federal do Rio de Janeiro/RJ, no qual se apura a emissão de notas frias pelo

CBDDC.

No mesmo sentido, a Auditoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, nos

autos do Processo de Tomada de Contas Especial TCE/RJ nº 04/411393

(Documento 05), instaurado por decisão do Egrégio Tribunal de Contas do

Estado do Rio de Janeiro --- processo TCE/RJ 106.100-3/2006 ---, relativo ao

contrato firmado entre a Fundação Escola de Serviço Público – FESP e o Centro

Brasileiro de Defesa dos Direitos da Cidadania – CBDDC, para o

desenvolvimento operacional do Projeto Saúde em Movimento ---

Racionalização da Rede Estadual de Saúde ---, constatou diversas

irregularidades na contratação tanto da FESP pela Secretaria de Estado da

Saúde, quanto da CBDDC pela FESP, dentre elas:

a) violação do princípio da impessoalidade, em razão do

direcionamento da escolha do CBDDC;

b) dissimulação do verdadeiro objeto do contrato, “diante das

propostas encaminhadas pelas empresas convidadas pela FESP e suas

planilhas constando os preços cobrados para composição das diversas

especialidades hospitalares” as quais evidenciaram que o trabalho dito

operacionalização do Projeto Saúde em Movimento constituiu, na

verdade, contratação dissimulada de mão-de-obra (médicos, enfermeiros,

7

técnicos de enfermagem, etc.) para o desenvolvimento das atividades

essenciais das diversas unidades de atendimento, com violação ao

disposto no artigo 37, inciso I e II da Constituição Federal de 1988

(princípio do acesso aos cargos públicos por meio de concurso público);

c) irregularidades na dispensa de licitação com base no inciso XIII do

artigo 24 da Lei 8.666/93, por não dispor o CBDDC de “inquestionável

reputação ético-profissional”, além de não ter comprovado capacidade

técnica para a execução de serviços de saúde; e,

d) apropriação indevida de recursos públicos, por parte do CBDDC,

por meio da cobrança de “taxa de administração”, incompatível com sua

natureza de entidade sem fins lucrativos, bem como de parcelas

contratuais, a título de antecipação de receita, sem a devida

contraprestação.

Em arremate, a Auditoria asseverou:

“Temos ainda que o CBDDC representa uma empresa que, por

razões que não se buscou aqui identificar, vem mudando com

frequência sua denominação social. Imediatamente antes do contrato

em questão chamava se Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos da

Criança e do Adolescente – CEDIC e após passou-se para Núcleo de

Cidadania e Ação Social – NUCAS, possuindo inclusive

desenvoltura na formulação de contratos suspeitos com o

Estado (grifo do original).”

8

A propósito, selecionamos a seguinte informação extraída do próprio site

do TCE:

“Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro está realizando

uma inspeção especial no Instituto Vital Brazil para verificar todos os

contratos celebrados nos exercícios de 2007 e 2008 com a empresa

Núcleo de Cidadania e Ação Social (NUCAS), atual denominação do

Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos de Cidadania (CBDDC). A

inspeção foi instaurada por determinação do presidente do TCE, José

Maurício Nolasco, e conta com uma equipe multidisciplinar formada

por técnicos especializados em licitações, contratos e pessoal. O

antigo CBDDC, atual NUCAS, esteve envolvido no escândalo das

terceirizações ocorrido no governo do estado. Na época, o CBCCD foi

contratado pela FESP, sem licitação, pelo valor de R$ 133.650.000,00

para prestar serviços na área de saúde, no projeto 'Saúde em

Movimento. O contrato previa a prestação de serviços na área da

saúde envolvendo tanto atividades-meio quanto atividades-fim

mediante emprego de pessoal subcontratado de diversas categorias

profissionais, a denominada terceirização. Na ocasião o TCE

instaurou inspeção especial por meio da qual julgou ilegal a forma de

contratação dos serviços relacionados ao projeto 'Saúde em

Movimento'.”

II. irregularidades em contratos celebrados pelo Núcleo de Cidadania e Ação

Social – NUCAS (nome anterior da Salute Sociale) e o Instituto Vital Brazil,

objeto inclusive de apuração pelo TCE (conforme mencionado no parecer de

Auditoria anteriormente transcrito), nos autos do processo TCE/RJ

103.149-2/08, onde já resultou verificada, segundo relatório de inspeção

9

especial, a admissão de pessoal por meio de interposta pessoa (o Núcleo de

Cidadania e Ação Social – NUCAS), inclusive com cobrança de taxa de

Administração e em desrespeito às premissas da legítima prestação de

serviços e ao Princípio Constitucional do Concurso Público, ocorrência de

acumulação ilícita de funções públicas dentre os funcionários contratados, em

desacordo com o disposto no inciso XVI e XVII, do artigo 37 da CF/88 e

determinada a suspensão do contrato 25/07;

III. envolvimento em irregularidades na subcontratação de pessoal, relativo a

contrato celebrado com o Município de Campos dos Goytacazes, por

intermédio da Fundação José Pelúcio, quando utilizava a denominação social

Núcleo de Cidadania e Ação Social – NUCAS (Instituto José Pelúcio), as quais

se encontram em apuração nos autos da Ação Civil Pública

00011900-89.2007.8.19.0014 (2007.01401169-5) em tramitação na 4ª Vara Cível

de Campos dos Goytacazes;

IV. envolvimento em irregularidades na utilização de recursos do PETI

(Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), quando a entidade era

denominada Núcleo de Cidadania e Ação Social – NUCAS - as quais se

encontram em apuração nos autos de nº 2008.51.03.0022599-8 (Documento 06)

em tramitação na 2ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Na decisão que

concedeu a liminar para o sequestro e indisponibilidade dos bens do

NUCAS, a magistrada pontuou:

“Analisando-se o Inquérito Civil em apenso, verifica-se que de

fato, existem vários indícios de irregularidades relacionados ao PETI,

inclusive em relação à Fundação José Pelúcio e NUCAS – Núcleo de

10

Cidadania e Ação Social, que administram a terceirização de

monitores ao referido programa.

[…]

Desse modo, considerando a contundência das investigações

levadas a efeito no Inquérito Civil Público nº

1.3000.000012/2008-95, restando demonstradas as irregularidades

apontadas pelo Parquet na exordial, relativamente ao PETI, o que

evidencia a fumaça do bom direito, e, tendo em vista o

resplandescente interesse público na questão em tela, sendo certo que

a demora na solução da lide intensifica o desvio de finalidade

caracterizado nos autos, configurando o periculum in mora, entendo

presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida

requerida.

[…]

Isto posto, defiro parcialmente a liminar requerida, determinando

aos réus, nos seguintes termos:

[…]

Fundação José Pelúcio Ferreira e NUCAS: Sejam deferidas

medidas de sequestro de bens e valores em espécie, acima de R$

5.000,00 (cinco mil reais), do bloqueio das contas bancárias e

aplicações financeiras tituladas pelos demandados nas instituições

que fazem parte do sistema financeiro nacional e da decretação de

indisponibilidade de seus bens.”

11

A decisão foi exarada aos 09 de março de 2010 e, embora tenha havido

recurso da decisão, não foi julgado procedente, razão por que permanece a

restrição imposta ao patrimônio da organização que ora pretende contratar

com o Estado de Goiás;

V. envolvimento em irregularidades outras, em apuração dos seguintes autos:

3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca do Rio de JaneiroAutos de protocolo nº 0078892-32.2001.8.19.0001Autor: Ministério Público do Estado do Rio de JaneiroRéu: Núcleo de Cidadania e Ação Social – NUCASDistribuição: 17/03/2011Natureza; Ação de Improbidade Administrativa

2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca do Rio de JaneiroAutos de protocolo nº: 0119089-68.20078.19.0001Autor: Paulo Pires de OliveiraRéus: Núcleo de Cidadania e Ação Social – NUCAS e IVBNatureza: Ação Popular

14ª Vara da Fazenda Pública da Comarca do Rio de JaneiroAutos de protocolo nº 0153436-6420068.19.0001Autor: Município do Rio de JaneiroRéu: Centro Brasileiro de Defesa da Criança e do Adolescente –CBDCANatureza: Obrigação de fazer

8. Como consequência das investigações realizadas no inquérito civil público

instaurado para apurar as denúncias retro mencionadas, o Ministério Público de

Goiás, representado pela promotora Fabiana Lemes Zamalloa do Prado, também

encaminhou ofícios ao Governador Marconi Perillo e ao Secretário Estadual de

Saúde, Antônio Faleiros Filho, com recomendações relativas à terceirização da

gestão de hospitais do Estado (documento 07).

12

9. No documento enviado a Antônio Faleiros, a promotora recomendou que não

fosse celebrado o contrato de gestão com a Salute, tendo em vista a ofensa o

princípio da moralidade administrativa, previsto no artigo 37 da Constituição

Federal. Já em relação ao governador, foi recomendada a revogação do decreto

que qualificou a Salute como organização social do Estado de Goiás (Decreto nº

7.399/2011).

10. As orientações do MP/GO tiveram como base a existência de fortes indícios de

que a organização não governamental Núcleo de Saúde e Ação Social – Salute

Sociale:

a) não possui idoneidade necessária para a celebração de contratos com a

Administração Pública do Estado de Goiás, porquanto envolvida em diversas

irregularidades na gestão de dinheiro público, objeto de processos judiciais civis

e criminais e reconhecidas já, inclusive, pelo Tribunal de Contas do Estado do

Rio de Janeiro;

b) não possui capacidade técnica para a prestação de serviços de saúde, uma

vez que, ao longo de sua existência, dedicou-se quase que exclusivamente à

subcontratação de mão-de-obra, conforme já reconhecido, inclusive, pelo

Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, cumprindo salientar que somente

recentemente mudou sua denominação social para Núcleo de Saúde e Ação

Social – Salute Sociale; e,

c) não possui capacidade financeira e econômica que garanta o efetivo

cumprimento do contrato, nos termos do artigo 7º, § 1º da Lei 15.503/2005,

13

porquanto encontra-se com seus bens sequestrados e indisponíveis, por

determinação judicial.

11. No entanto, o Secretário Estadual de Saúde noticiou em diversos meios de

comunicação (Documento 08) que o processo de escolha da Salute Sociale "foi

limpo e transparente", e que a OS correspondeu a todas as expectativas jurídicas

do Estado, considerando ainda a contratação praticamente certa. No mesmo

sentido, o Procurador-Geral do Estado (PGE), Ronald Bicca, ressaltou a

inexistência de ação transitada em julgado contra a OS e que ações como essas

são comuns contra instituições que lidam com serviços públicos.

II - DA FUNDAMENTAÇÃO

12.A Constituição Federal de 1988 --- e de forma similar a Constituição do Estado de

Goiás, em seu art. 25, caput --- define ser competência do Controle Externo, a

cargo do Poder Legislativo, com o auxílio dos Tribunais de Contas, a fiscalização

contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, quanto à

legalidade, legitimidade e economicidade de despesas, bem como, a aplicação de

sanções aos respectivos responsáveis, in verbis:

“Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária,operacional e patrimonial da União e das entidades daadministração direta e indireta, quanto à legalidade,legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções erenúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional,mediante controle externo, e pelo sistema de controle internode cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa físicaou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade,guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valorespúblicos ou pelos quais a União responda, ou que, em

14

nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional,será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, aoqual compete:...VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade dedespesa ou irregularidade de contas, as sançõesprevistas em lei, que estabelecerá, entre outrascominações, multa proporcional ao dano causado aoerário.” (Grifo nosso)

13. O exercício do Controle Externo pelos Tribunais de Contas pode ser realizado

por meio de diferentes instrumentos de fiscalização e iniciado tanto de ofício

(iniciativa de membro da própria Corte), quanto por provocação (iniciativa de

agentes externos). Nesse sentido, o art. 74, § 2º da Constituição Federal e, da

mesma forma, o art. 29, §2º, da Constituição do Estado de Goiás, asseguram a

qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato, o direito de

denunciar atos ilegais, ilegítimos e antieconômicos praticados por

administradores públicos perante o Tribunal de Contas.

14. No caso de ocorrência de ilegalidades/irregularidades constatadas em virtude do

exercício de cargo ou função pública, estas podem ser comunicadas às Cortes de

Contas sob a forma de Representação.

15. A função de representar/denunciar é implícita ao papel do Ministério Público de

Contas --- guarda da lei e fiscal de sua execução --- e, por tal motivo, a Instituição

figura no inciso V do art. 91 da Lei Estadual 16.168/07 (Lei Orgânica do TCE/GO)

como um dos legitimados para representar sobre os assuntos de competência do

TCE.

15

16.Desta forma, quando do conhecimento sobre irregularidades ou abusos

praticados por agentes públicos ou privados, a despeito do interesse e do

patrimônio público, este parquet, no exercício de sua missão constitucional, faz

uso das Representações com o fito de promover a defesa da ordem jurídica,

requerendo perante o Tribunal de Contas as medidas de interesse da Justiça, da

Administração e do Erário.

17.Quanto à abrangência do controle externo, a Constituição estabelece que

“qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde,

gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União

responda” estará submetida à jurisdição desta Corte de Contas, previsão que se

amolda à hipótese das organizações sociais (arts. 70, caput, e parágrafo único, e

72, II).

18. Mediante a Lei 9.637/1998 e, posteriormente, Lei Estadual 15.503/2005, o Poder

Executivo foi autorizado a qualificar como organizações sociais (OS) pessoas

jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades correspondam

ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e

preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos

previstos na referida lei, sendo as atribuições, responsabilidades e obrigações da

entidade qualificada e do Poder Público discriminadas no respectivo contrato de

gestão elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade supervisora e a

OS.

19. Assim, esses organismos são declarados, de interesse social e utilidade pública,

podendo-lhes ser destinados recursos orçamentários e bens públicos necessários

aos contratos de gestão, que deverão prever o cronograma de desembolso e as

16

liberações financeiras.

20. Em relação à natureza jurídica do contrato de gestão, a Emenda Constitucional nº

19, de 04/06/98, denominada Emenda da Reforma do Estado, dentre outras

alterações que trouxe ao texto da Carta Maior, fez inserir, ao artigo 37, o

parágrafo 8º, cuja dicção é:

“§ 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dosórgãos e entidades da administração direta e indireta poderáser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seusadministradores e o poder público, que tenha por objeto afixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade,cabendo à lei dispor sobre: I - o prazo de duração do contrato;II - os controles e critérios de avaliação de desempenho,direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes;III - a remuneração do pessoal.”

21. Essa é a matriz constitucional dos Contratos de Gestão. Não obstante, normas

específicas foram editadas para regulamentar o Contrato de Gestão celebrado

com Organizações Sociais. No âmbito Estadual, a Lei 15.503/2005 trás as

seguintes disposições:

“Art. 6º Para os efeitos desta Lei, entende-se por contrato degestão o instrumento firmado entre o Poder Público e aentidade qualificada como organização social, com vistas àformação de parceria entre as partes para fomento e execuçãode atividades relativas às áreas relacionadas no art. 2º, inciso I,desta Lei.

Art. 7º O Contrato de Gestão, elaborado de comum acordoentre o órgão ou entidade supervisora e a organização social,discriminará as atribuições, responsabilidades eobrigações do Poder Público e da organização social....Art. 8º Na elaboração do Contrato de Gestão devem ser

17

observados os princípios da legalidade, impessoalidade,moralidade, publicidade, eficiência, economicidade e,também, os seguintes preceitos:I - especificação do programa de trabalho proposto pelaorganização social, a estipulação das metas a serematingidas e os respectivos prazos de execução, bem comoprevisão expressa dos critérios objetivos de avaliação dedesempenho a serem utilizados, mediante indicadores dequalidade e produtividade;II - a estipulação dos limites e critérios para despesa comremuneração e vantagens de qualquer natureza a serempercebidas pelos dirigentes e empregados das organizaçõessociais, no exercício de suas funções.... Art. 10 A execução do Contrato de Gestão celebrado pororganização social será fiscalizada pelo órgão ou entidadesupervisora da área de atuação correspondente à atividadefomentada.

Art. 11 Os responsáveis pela fiscalização da execução doContrato de Gestão, ao tomarem conhecimento de qualquerirregularidade ou ilegalidade na utilização de recursospúblicos por organização social, dela darão ciência aoTribunal de Contas do Estado e à Assembleia Legislativa,sob pena de responsabilidade solidária.” (Grifo nosso)

22.Com efeito, ainda que as Organizações Sociais não tenham natureza de entidade

pública, o fato é que sua criação importa na extinção de equivalente órgão

público, passando elas a prestar serviços públicos típicos, sendo às mesmas

destinados bens, servidores públicos, dotações orçamentárias específicas e

benesses, tais como contratar diretamente com a Administração Pública, tudo

para o atendimento de seus objetivos com eficiência e celeridade; razões porque

não podem permanecer à margem da Administração Pública sem submeter-se

aos princípios de direito público. Seu regime é híbrido, mas não é impermeável a

algumas regras publicistas típicas.

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23.Em decorrência de sua qualificação como OS, da celebração de contrato de gestão

com o Poder Público e do recebimento de recursos públicos estaduais pela

entidade qualificada, esta se sujeita aos princípios constitucionais que regem a

Administração Pública e ao Controle Externo, exercido por esta Corte de

Contas.

24.Deve-se ter por premissa que a submissão aos princípios de direito público, tais

como os da impessoalidade, moralidade e licitação pública já constitui uma

forma de controle. O simples fato de receberem recursos financeiros de entes da

federação em forma de dotação orçamentária, que por vezes representam parcela

significativa de seus orçamentos, já é razão bastante para justificar sua submissão

à jurisdição especial do Tribunal de Contas, seja no exame da respectiva

prestação de contas, seja na observância das determinações desta Corte.

25.A fim de concretizar o alcance jurisdicional desta Corte de Contas relativamente

as OS foi elaborada a Resolução Normativa TCE/GO n° 007/2011, que dispõe

sobre a fiscalização da qualificação de entidades como Organizações Sociais, da

formalização e da execução dos Contratos de Gestão firmados pelo Estado de

Goiás, regulamentando as prestações de contas e dando outras providências.

26.Passamos agora a arrolar as irregularidades verificadas em relação à

Organização Social Salute Sociale, levadas ao conhecimento deste parquet: a)

ausência de idoneidade necessária para a celebração de contratos com a

Administração Pública do Estado de Goiás, porquanto envolvida em diversas

irregularidades na gestão de dinheiro público, objeto de processos judiciais

civis e criminais e já reconhecidas, inclusive, pelo Tribunal de Contas do Estado

do Rio de Janeiro; b) falta de capacidade técnica para a prestação de serviços de

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saúde, uma vez que, ao longo de sua existência, dedicou-se quase que

exclusivamente à subcontratação de mão-de-obra, conforme já reconhecido,

inclusive, pelo TCE/RJ, cumprindo salientar a recentemente alteração de sua

denominação social para Núcleo de Saúde e Ação Social – Salute Sociale; c) falta

de capacidade financeira e econômica que garanta o efetivo cumprimento do

contrato, nos termos do artigo 7º, § 1º da Lei 15.503/2005, porquanto se encontra

com seus bens sequestrados e indisponíveis, por determinação judicial.

27.Como já dito, entidades sem fins lucrativos, qualificadas como Organizações

Social – OS para a celebração de contratos de gestão com a Administração

Pública, pela importância e atuação na promoção e defesa do interesse público,

principalmente quando da prestação de serviços públicos essenciais, garantidos

constitucionalmente --- como é o caso dos serviços de saúde ---, sujeitam-se aos

princípios fundamentais da administração pública.

28.Desta feita, ao se questionar a ausência de idoneidade de uma entidade para a

celebração de Contrato de Gestão com o poder público, na realidade, está-se a

questionar se tal entidade, no exercício anterior de funções públicas e em suas

relações com a Administração, teve suas ações pautadas pelos ditames do

Princípio da Moralidade.

29.Este princípio evidencia que o ato e a atividade da Administração Pública --- e

daqueles que atuam como se ela o fossem --- devem obedecer não só à lei, mas à

própria moral, porque, como cediço, nem tudo que é legal é honesto. A

moralidade administrativa constitui o pressuposto de validade de todo ato

administrativo, que não terá de obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei

ética. Assim, a moralidade administrativa é composta por regras de boa

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administração, pelo conjunto de regras suscitadas não só pela distinção entre o

bem e o mal, mas também pela ideia geral de administração e função

administrativa.

30.Mesmo no âmbito do direito privado, no seio das OS e, portanto, das entidades

de interesse social, o próprio da moralidade é condição sine qua non da validade

dos atos de seus integrantes, administradores e dirigentes. Estes todos devem,

como já dito anteriormente, obedecer à Lei e ao estatuto da entidade e também à

ética, e ética no sentido de que o comportamento praticado deve ser um

comportamento justo e correto, mesmo em situações, como afirmou Celso

Ribeiro Bastos, em que o homem ou, no caso, o administrador não esteja

tangido pelo Direito. Honestidade, integridade e justiça são valores que

transcendem ao Direito1.

31.No caso concreto, diante de tantos indícios de envolvimento em fraudes e

desvios de recursos públicos e, portanto, de possível e grave afronta ao Princípio

da Moralidade (bem como a outros princípios administrativos) cabe ao gestor, no

exercício da prudência que lhe é devida, uma avaliação mais criteriosa da decisão

de celebrar ou não a contrato com tal entidade. O ideal é que, considerando todos

os processos judiciais em que a entidade figura como ré, a autoridade

responsável se abstenha de contratar com entidades de reputação tão

questionável.

32.Não se trata de pré-julgamento quanto à responsabilidade da OS Salute Sociale

nos crimes e nas irregularidades pelos quais foi e está sendo acusada, mesmo por

que, as ações judiciais em comento ainda não transitaram em julgado --- segundo

pesquisa realizada por este Parquet.

1 BASTOS, Celso Ribeiro. Ética no Direito. Revista dos Tribunais, ano 7, n. 29, out./dez. 1999, p. 20.21

33.Trata-se claramente de um caso em que se faz necessária a aplicação do Princípio

da Precaução: “O fenômeno social traduzido no princípio de precaução levou,

igualmente, ao desenvolvimento de uma filosofia da precaução construída com base em

uma história da prudência, que revela, a princípio, o domínio do paradigma da

responsabilidade, substituído na passagem para o século XX pelo da solidariedade.... Com

efeito, a idéia moderna de responsabilidade buscava tornar o homem prudente, pois

sancionava o comportamento contrário àquele que deveria e poderia ser previsto”2.

34.Como se nota, o princípio de precaução pode ser invocado sempre que seja

necessária uma intervenção prudente em face de um possível risco para a

sociedade em geral (envolve aqui os recursos públicos oriundos dos tributos

de todos os contribuintes) que não permitam uma avaliação completa do risco.

35.Há também que lembrar que este princípio --- da cautela antecipada e preventiva

--- tem sua origem na política visando evitar ou minimizar o risco, tanto real

como antecipado.

36.É bom lembrar que não se trata de risco somente à sociedade (como titular dos

bens e dos recursos públicos), mas também de risco direto às figuras dos

gestores, das autoridades responsáveis pela contratação. Prova disso, são as

Ações Civis Públicas por Ato de Improbidade Administrativa que tramitam no

Estado do Rio de Janeiro contra os, à época, titulares dos cargos de Secretário da

Saúde e Governador do Estado (Documento 03, 04 e 06).

37.Além disso, há que se considerar o fato concreto de falta de capacidade

financeira e econômica que garanta o efetivo cumprimento do contrato, nos

termos do art. 7º, § 1º da Lei 15.503/2005, em razão dos bens da entidade --- todos

2 Princípio da Precaução – Dever do Estado ou Protecionismo Disfarçado, Sueli Gandolfi Dallari eDeisy de Freitas Lima Ventura, Scielo, vol.16, nº2, São Paulo. April/June/2002.

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os de valores superiores a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) --- estarem sequestrados e

indisponíveis, por determinação judicial.

38.Sabendo-se que a capacidade econômico-financeira corresponde à

disponibilidade de recursos para a satisfatória execução do objeto da

contratação, só será titular de direito de contratar com a Administração Publica

aquele que comprovar, em termos efetivos, as condições mínimas exigidas

satisfazer tal requisito. Num caso como esse, pode (poder-dever) a

Administração exigir da entidade relação dos compromissos assumidos ou

potencialmente exigíveis que importem diminuição da capacidade operativa ou

absorção da disponibilidade financeira da empresa, calculada diante da

rotatividade e do patrimônio líquido atualizado.

39.Provavelmente, ao se exigir tal relação de compromissos, a entidade não

conseguirá comprovar capacidade econômica e financeira para fazer frente ao

contrato a ser celebrado, devendo perder inclusive a qualificação como

Organização Social, nos termos do art. 7°, § 1º, e art. 15, § 1º, 2º e 3º da Lei

15.503/2005.

40.Noutro ponto, há fortes indícios de falta de capacidade técnica para a prestação

de serviços de saúde, uma vez que, ao longo de sua existência, a entidade Salute

Sociale (mesmo que com várias outras denominações) dedicou-se quase que

exclusivamente à subcontratação de mão-de-obra, conforme já reconhecido,

inclusive, pelo TCE/RJ.

41.De acordo com a Auditoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, nos autos do

Processo de Tomada de Contas Especial TCE/RJ nº 04/411393 (Documento 05),

durante a execução de contrato celebrado com o Estado do Rio de Janeiro os

23

trabalhos não foram conduzidos diretamente pela CBDDC (atual Salute Sociale),

onde se comprovou a prestação de serviços por “cooperativas de profissionais

especializados na área de saúde”, tendo sido possível inclusive identificá-las

nominalmente.

42.A terceirização dos serviços contratados ou a subcontratação generalizada

pressupõe que a entidade não possui condições e muito menos estrutura

suficiente para atender ao compromisso, significando, portanto, a negação da

capacidade técnica necessária para um contrato desse vulto.

43.Observe que na qualificação das Organizações Sociais, a Lei Estadual 15.503/2005

prescreve como requisito básico que a entidade interessada seja pessoa jurídica

de direito privado, sem fins lucrativos, e que atue essencialmente nas áreas de

ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação

do meio ambiente, cultura, saúde e assistência social. Esse desenho dá ao

processo da qualificação características aparentemente personalistas, o que

limita a aspectos subjetivos essa primeira avaliação do candidato a parceiro do

Setor Público.

44.No entanto, no momento da escolha da entidade qualificada para assumir o

gerenciamento pretendido, em qualquer circunstância cabe ao Administrador

Público a verificação do regular funcionamento da entidade interessada na

gestão. Portanto, a qualificação como OS não pode ser considerada, em si,

como atestado de idoneidade para a entidade que a recebe, como também, não

pode ser considerada certificado de qualificação técnica ou comprovação de

capacidade econômico-financeira.

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DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR INAUDITA ALTERA

PARTE

45.Diante de indícios de violação ao art. 27, II e III, e 124 da Lei 8.666/93, aos art. 7°,

§ 1º, e art. 15, § 1º, 2º e 3º da Lei 15.503/2005, ao art. 8º, § 3º da RN TCE/GO nº

09/2001, bem como, da violação aos princípios da legalidade, da eficiência, da

moralidade e da precaução, a fumaça do bom direito está caracterizada, pois

inexiste qualquer sinal de que o bom direito esteja na proteção à situação jurídica

ora questionada.

46.O perigo da demora reside na possibilidade de celebração de contrato de gestão e

repasse de recursos públicos à entidade inidônea e desqualificada técnica e

economicamente para a execução dos serviços contratados, por meio de grave

violação a regras e princípios constitucionais e legais, notadamente em momento

de delicada situação das finanças públicas do Estado.

47.A combinação da fumaça do bom direito com o perigo da demora, em virtude da

possibilidade suspender o procedimento de contratação (assinatura do termo de

contrato de gestão) e eventuais repasses de recursos públicos, diante da

necessidade de investigação quanto a idoneidade e da existência dos requisitos

de qualificação como OS da entidade Salute Sociale (nos termos da Lei

15.503/2005), demanda a atuação imediata e enérgica da Corte de Contas, mais

notadamente do Conselheiro-relator do processo, no sentido de coarctar essa

prática e determinar, com fundamento no artigo 324 e § 1º do RITTCE-GO, a

suspensão imediata do procedimento de contratação (impedimento temporário

à assinatura do Termo de Contrato de Gestão) e de possíveis repasses de

recursos públicos à Salute Sociale, até que o Tribunal decida sobre o mérito da

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matéria.

III - DO PEDIDO

48. Assim, diante dos fatos apontados, é este o pedido no sentido de que essa Corte

de Contas conheça da presente Representação e:

1) Defira o pedido de medida cautelar inaudita altera parte, para

determinar a imediata e urgente sustação do procedimento de

contratação da entidade Salute Sociale para a gestão do Hospital de

Urgências de Aparecida de Goiânia (HUAPA), até que se possa

avaliar idoneidade da OS e o efetivo cumprimento dos requisitos

da Lei 15.530/2005;

2) Determine a citação/intimação do Secretário de Estado da Saúde,

senhor Antônio Faleiros Filho, para que tenha ciência da presente

representação, bem como, encaminhe, no prazo regimental, o

processo de contratação de Organização Social para a gestão do

HUAPA, devidamente instruído nos termos da RN 07/2011 desta

Corte de Contas, da Lei Estadual 15.503/05 e da Lei Federal

8.666/93, relativos aos seguintes instrumentos em especial: a)

documentos comprobatórios dos requisitos de qualificação da

Salute Sociale como Organização Social de acordo com a Lei

15.503/05; b) proposta apresentada pela entidade; e, c) cópia do

edital de chamamento público e da minuta do Contrato de Gestão,

comprovadamente publicados nos termos da RN 07/2011 TCE/GO

– tudo, para avaliação de sua legalidade por parte do TCE/GO;

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3) Recomende ao Secretário de Estado da Saúde, senhor Antônio

Faleiros Filho, a realização de novo chamamento público, com a

maior publicidade possível, caso a urgência e a necessidade da

contratação de uma entidade para gestão do Hospital de

Urgências de Aparecida de Goiânia assim o determinem; e,

4) Determine a citação do Governador do Estado de Goiás, senhor

Marconi Ferreira Perillo Júnior, para que tenha ciência da

presente representação.

Dê-se tratamento prioritário no andamento do feito, respeitando-se a

tramitação prevista no artigo 102 do RITCE-GO.

Nestes Termos, pede e espera deferimento.

Goiânia, 22 de agosto de 2011.

Maisa de Castro Sousa BarbosaProcuradora-Geral do Ministério Público de Contas

ANEXOS:

Documento 1 – Notícia de O Popular: “Muda a Regra para Administrar Hospital”.

Documento 2 – Decreto n° 7.399/2011: “Qualifica como organização social a entidade queespecifica.”

Documento 3 – Cópia de decisão: Processo nº 00073487-49.2010.8.19.0001, em tramitação na3ª Vara de Fazenda Pública da Comarca do Rio de Janeiro/RJ.

Documento 4 – Cópia de decisão: Processo nº 0379271-02.2008.8.19.0001, em tramitação na6ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro/RJ.

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Documento 5 – Relatório da Auditoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, nos autos doProcesso de Tomada de Contas Especial TCE/RJ nº 04/411393.

Documento 6 – Cópia de decisão: Processo nº 2008.51.03.0022599-8 em tramitação na 2ª VaraFederal de Campos dos Goytacazes.

Documento 7 – Notícia retirada do site do MP/GO: “MP recomenda que Estado suspendaterceirização da gestão de unidades de saúde.”

Documento 8 – Notícia de O Popular: “MP questiona idoneidade de OS.”

Documento 9 – informações do Processo nº 00078892-32.2011.8.19.0001, em tramitação na 3ªVara de Fazenda Pública da Comarca do Rio de Janeiro/RJ.

Documento 10 – cópia de email com a lista de processos do TCE/RJ envolvendo a entidadeSalute Sociale em suas mais diversas denominações.

Documento 11 – Notícia do site Agência Brasil: “MP aciona Centro Brasileiro de Defesa dosDireitos da Criança e do Adolescente por improbidade.”

Documento 12 – Notícia do site Terra: “ONG condenada foi beneficiada por Garotinho”.

Documento 13 – Notícia da Revista Época: “Empresas com sócios ‘laranjas’ que doaram R$ 650mil para Garotinho têm conexões com governo do Rio.”

Documento 14 – Notícia do site Sindifisco Nacional: “ STJ mantém quebra de sigilo da ONGenvolvida em suposto desvio de verbas da Previdência.”

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