estudos estratégicos do pcdob

Upload: fabio-w-sousa

Post on 13-Feb-2018

243 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    1/137

    ESTUDOSESTRATGICOS

    Dossi I.9

    A Amaznia

    Curador: Eron BezerraSecretrio Nacional da Questo Amaznica e Indgena do Comit Central do PCdoB; Se-

    cretario Estadual de Produo Rural do Amazonas; Professor da Universidade Federal doAmazonas e Doutorando em Cincias do Ambiente e Sustentabilidade na Amaznia.

    Julho/2013

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    2/137

    ESTUDOS ESTRATGICOS DOPARTIDO COMUNISTA DO BRASIL

    DEPARTAMENTO NACIONAL DE QUADROSDA SECRETARIA NACIONAL DE ORGANIZAO

    Editores

    Editor responsvel: Walter Sorrenno

    Editores: Bernardo Joly, Fabiana Costa, Jos Carlos Ruy e Nereide Saviani.

    Corpo editorial

    Augusto Buonicore

    Dilermando Toni

    Elias Jabbour

    Fabio Palacio

    Felipe Maia

    Olival Freire

    Quarm de Moraes

    Renildo SouzaRonaldo Carmona

    Sergio Barroso

    Secretaria

    Eliana Ada Gasparini

    Servios Editoriais

    Fausto Gasparini

    Apoio

    Fundao Mauricio Grabois

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    3/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 3

    Estudos Estratgicos do PCdoB

    APRESENTAO

    instrumento do Departamento Nacional de Quadros Joo Amazonas, da Secretaria Nacional deOrganizao, um produto com formato eletrnico e regularidade em uxo, com o objevo maior de orga-nizar e comparlhar contedos relevantes que subsidiam o estudo, reexo e elaborao dos quadros deatuao nacional, em primeiro lugar os integrantes do atual Comit Central.

    Lidar com temas polcos, econmicos, sociais, diplomcos, militares, ciencos, tecnolgicos,tericos, loscos, culturais, cos, etc. ademais dos temas tericos socialistas. F-lo- mediante indi-cao e disponibilizao de textos, ensaios, livros e outros documentos destacados para a formulao eelaborao terica, polca e ideolgica do PCdoB, socializando-os.

    Sua necessidade est ligada s formulaes da polca de quadros contempornea, parcularmentequanto ao foco de formar conscientemente nova gerao dirigente nacional para as prximas dcadas.Fazem-se grandes as exigncias de renovao da teoria avanada, em ligao com o quadro estratgicode foras em confronto no Brasil e no mundo na perspecva de luta pelo Programa Socialista do PCdoB e,ainda, de fortalecimento de convices e compromissos pardistas programcos, elevando a conanaideolgica na luta transformadora. Como conclumos enfacamente no 12 Congresso, isso deve ser en-frentado, sobretudo com os quadros pardrios.

    Dever propiciar a todos, formao marxista e leninista viva e cienca, compromeda ideologica-mente, sem dogmasmo, em ligao profunda com os problemas da poca e os desaos programcosbrasileiros, certamente a maior das responsabilidades dos integrantes do Comit Central no sendo

    de autoformao e o maior desao para o futuro do PCdoB. a condio para cumprir de fato o alvo dapolca de quadros, a de forjar nova gerao dirigente do pardo, com ampla bagagem marxista, para osprximos 10-15 anos.

    Por outro lado, visa-se a permir superar a grande disperso e cacofonia do regime de (in) forma -o de hoje, que combina s vezes supersaturao com falta de ateno qualicada ao que realmente importante; ou seja, a falta de foco, que torna o esforo abstrato e disperso, ou o excesso de foco, que otorna imediasta. O pardo polco se estrutura para a polca, a ao polca, e no propriamente paraa elaborao de conhecimento. Mas a teoria, o conhecimento, a conscincia polca avanada, basilar luta dos comunistas e cada vez mais fundamento indispensvel para uma polca programca. Donde

    o esforo pessoal em alcanar e produzir conhecimento, que no advm diretamente da informao, masde elaborao individual, a parr da informao qualicada. A iniciava proposta serve a esses propsitos.

    Walter SorrennoPelo Conselho Editorial

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    4/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB4

    PLANO EDITORIAL

    Estudos Estratgicos

    O Plano editorial composto de 3 sries:

    1. O novo projeto nacional de desenvolvimento temas programcos

    2. Formao histrica do Brasil3. Temas tericos

    I. O novo projeto nacional de desenvolvimento temas programcosI.1. Polca externa na perspecva do desenvolvimento soberano

    I.2. O comrcio internacional e uma abordagem da questo nacional e da transio(Elias Jabbour)

    I.3. A questo ambiental e a biodiversidade (Aldo Arantes e Luciano Rezende)

    I.4. Mdia, democrazao, contedo nacional

    I.5. A questo energca(Haroldo Lima)

    I.6. A Cultura, idendade e projeto nacional

    I.7. A questo agrria e agrcola (Luciano Rezende Moreira)

    I.8. Questo urbana e a reforma urbana brasileira (Rosana Helena Miranda)

    I.9. A Amaznia (Eron Bezerra)

    I.10. Questo indgena no Brasil

    I.11. A defesa nacional

    I.12. Polca nacional de Cincia & Tecnologia & Inovao

    I.13. A questo tributria e scalI.14. Estado indutor do desenvolvimento

    I.15. Polca macroeconmica juros e cmbio

    I.16. Polca macroeconmica inao e vulnerabilidade externa

    I.17. Defesa da economia nacional

    I.18. Polca industrial, Industrializao/desindustrializao

    II. A Formao histrica do BrasilII.1. Povo uno a formao do povo brasileiro(Jos Carlos Ruy)

    II.2. Formao histrica da nao e suas contradies(Jos Carlos Ruy)

    II.3. Formao e situao atual das classes sociais no Brasil

    II.4. Formao do Estado brasileiro

    III. Temas tericosSub Srie A questo nacional

    III.1. A Questo nacional

    III.2. A questo democrca

    III.3. A questo socialIII.4. O Papel do Estado

    III.5. Desenvolvimento, globalizao neoliberal e dependncia imperialista

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    5/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 5

    Sub Srie Capitalismo contemporneo

    III.6. Caracterscas e tendncias do capitalismo contemporneo

    III.7. As tendncias geopolcas e econmicas do mundo

    III.8. A crise capitalista e perspecvas do ps-crise

    III.9. Imperialismo contemporneo, neoliberalismo, globalizao

    Sub Srie Cincias

    III.10. Fronteiras da cincia, implicaes produvas e loscas (Olival Freire)

    Sub Srie Socialismo e Marxismo

    III.11. O conceito de transio capitalismo-socialismo

    III.12. O papel do mercado no socialismo

    III.13. A transio na experincia socialista na China

    III.14. A transio na experincia socialista no Vietn

    III.15. A transio na experincia socialista em Cuba

    III.16. O conceito do trabalho, o proletariado moderno

    III.17. Pardo comunista: fora decisiva na luta pelo socialismo (Walter Sorrenno)

    III.18. A questo de gnero: uma perspecva atualizadora (Ana Rocha)

    III.19. O pensamento de Lnin

    III.20. Gramsci, a polca e a democracia (Felipe Maia)

    III.21. Marxismo na America lana(Joo Quarm de Moraes e Francisco Quarm de Moraes)

    III.22. Marxismo e PCdoB

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    6/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB6

    NDICE

    ndice

    Biograa do Curador

    Introduo: A Amaznia (Eron Bezerra)

    Textos Histricos1- Frei Gaspar de Carvajal, Relatrio sobre o novo descobrimento do famoso RioGrande. Introduo e notas de Guilhermo Giucci. Traduo de Adja Balbino BarbieriDuro e Maria Salete Cicaroni. So Paulo: Braslia, DF: Consejaria de Educacin de laEmbajada de Espaa, 1992.

    2- Charles-Marie de La Condamine, Viajem na Amrica Meridional descendo o rio dasAmazonas - Braslia: Senado Federal, 2000.

    3- Padre Joo Daniel, Tesouro descoberto no mximo rio amazonas Vol. 1 e 2. Rio deJaneiro: Contraponto, 2004.

    4- Principe Adalberto da Prussia, Brasil: Amaznia-Xingu. Traduo de Eduardo deLima e Castro. Brasilia: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002.

    5- Alfred Russel Wallace, Viagens pelo Amozonas e Rio Negro. Notas de Baslio deMagalhes, vol. 17. Braslia: Senado Federal. Edies do Senado Federal, 2004.

    6- Jean Louis Rodolph Agassiz e Elizabeth Cary Agassiz, Viagem ao Brasil 1865-1866.Traduo e notas de Edgar Sssekind de Mendona. Braslia: Senado Federal, Con -selho Editorial, 2000.

    7- Euclides da Cunha, margem da histria. So Paulo: Marn Claret, 2006.

    Textos contemporneos - Geopolca, economia e formao socioeconmica:

    8- Arthur Cezar Ferreira Reis, Histria do Amazonas. 3 ed. Belo Horizonte: Itaaia;Manaus: Superintendncia Cultural do Amazonas, 1998.

    9- Djalma Basta, O complexo da Amaznia: anlise do processo de desenvolvimento

    . 2 edio, Manaus: Editora Valer, Edua e Inpa, 2007.

    10- Eron Bezerra, Amaznia, esse mundo parte. So Paulo: Anita Garibaldi, 2010.

    11- Eron Bezerra e Vanessa Grazzion, Amaznia: uma regio estratgica que a polcaocial teima em desconhecer. So Paulo: Anita Garibaldi, 2010.

    12- Samuel Benchimol, Romanceiro da borracha. Manaus, AM: Imprensa Ocial, 1992.

    Textos contemporneos - Biopirataria e a polemica ambiental contempornea:13 Eron Bezerra & Therezinha Fraxe, Consequncias da RIO+20 no desenvolvimento

    sustentvel da Amaznia. So Paulo: Revista Princpios 118 (14:19), 2012.

    Pg 6

    Pg 7

    Pg 8

    Pg 16

    Pg 30

    Pg 42

    Pg 45

    Pg 48

    Pg 61

    Pg 69

    Pg 73

    Pg 99

    Pg 101

    Pg 109

    Pg 127

    Pg 129

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    7/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 7

    BIOGRAFIA DO CURADOR

    Eron Bezerra Engenheiro Agrnomo e Professor da Universidade Fe-deral do Amazonas (UFAM). Foi Deputado Estadual por 05 mandatos con-secuvos (1991 a 2010) e Secretrio de Estado da Produo Rural (SEPROR)por dois perodos (2007-2010; 2011-2013). No dia 10.01.2013 tomou posse

    como Deputado Federal e se licenciou em seguida para, novamente, assumiro comando da SEPROR.

    fundador do Pardo Comunista do Brasil (PCdoB) no Amazonas eMembro de seu Comit Central (CC), onde responsvel pela Secretaria Na

    cional para a Questo da Amaznia e Indgena. Sua militncia polca, iniciada aos 14 anos de idade, jalcanou o movimento estudanl, sindical, comunitrio, ambiental e principalmente de resistncia dita -dura militar, o que lhe valeu duas demisses sob a acusao de subverso, quando trabalhava no angoServio Especial de Sade Pblica (SESP) e no Instuto Nacional de Pesquisas da Amaznia (INPA). Nuncase rendeu!

    autor do livro Amaznia esse mundo a parte e coautor dos livros Polcas Pblicas para um novoprojeto nacional de desenvolvimento - a experincia dos comunistas, com o captulo Meio Ambiente eSustentabilidade: o desao de produzir com sustentabilidade na Amaznia, de I Antologia Amaznica,com o captulo A Amaznia e o projeto nacional de desenvolvimento sustentado e de A nova conjunturanacional, regional e internacional - desaos para o modelo Zona Franca de Manaus, com o captulo Avan -os e limites do projeto Zona Franca de Manaus. colaborador da Revista Princpios, arculista semanaldo Portal Vermelho e autor de inmeras publicaes e conferncias em nvel nacional e internacional.

    Atualmente Doutorando em Cincias do Ambiente e Sustentabilidade na Amaznia, onde elabo-ra uma tese sobre a transformao do pirarucu (Arapaima gigas) em bacalhau da Amaznia como umexemplo prco de desenvolvimento sustentvel.

    Chega a Cmara dos Deputados, como ele prprio diz, graas generosidade de 80.545 eleitoresamazonenses que me honraram com seus votos em 2010.

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    8/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB8

    O censo comum geralmente retrata a Amaznia de forma mca, pitoresca ou caricata. Esse equvo-

    co, infelizmente, tambm foi comedo por alguns dos primeiros naturalistas que lhe resenharam, muitos

    dos quais com densa formao acadmica, e no raro se repete na atualidade por parte de escritores

    contemporneos e at mesmo por pesquisadores ociais.

    Esse equvoco decorre, a nosso modo de ver, por limitao terica e polca.

    A limitao de natureza terica impede o analista apressado de perceber os mlplos aspectos

    amaznicos, tamanha a sua complexidade, o que faz com que essa extraordinria complexidade amaz -

    nica seja reduzida, por esses intrpretes limitados, a meros fenmenos mcos.

    E a limitao polca, que tende a reduzir todos os fenmenos ao caricato, sem importncia e valor,

    expressa a disputa surda em torno da regio, seja pela sua apropriao ou pela tentava de lhe negar o

    necessrio espao no cenrio nacional. A hipotca fragilidade do bioma amaznico serve para juscar

    a pregao de intocabilidade da regio, na qual ela seria converda num grande santurio desnado

    apenas a visitao exterior, tal qual se faz nos museus e zoolgicos; e a tentava de reduzi-la a terra de

    ndios, cheia de animais ferozes e de molsas tropicais, expressa o posicionamento que visa juscar a

    falta de invesmentos pblicos numa regio inabitvel e assim mant-la margem do desenvolvimento

    nacional. O contedo o mesmo.

    A superao dessa limitao terica e polca, portanto, um desao de natureza estratgica, sem

    o que a integrao plena da regio jamais ocorrer e, conseqentemente, servir de base objeva para

    alimentar a eterna pretenso imperialista de internacionalizao da Amaznia.

    Na atualidade, para viabilizar essa tese, o imperialismo age de forma intensa pela via ambiental

    atravs de medidas extremamente restrivas de uso dos recursos naturais, expressas no que se pode

    sintezar como teoria do bloqueio. E quando eventualmente h descumprimento dessas normas draco-

    nianas (esperado e desejado pelo imperialismo), os defensores dessa tese erguem a bandeira da gesto

    comparlhada da Amaznia, sob o pretexto de que os brasileiros e em parcular os amaznidas no

    estariam aptos para gerir esse enorme patrimnio. Desconhecem (ou negam) que todos os fenmenos

    esto interligados, interconectados e interdependentes, sendo impossvel, portanto, ao antrpica ou

    natural que no provoque algum po de impacto. Filosocamente so conhecidos como santuaristas ou

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    9/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 9

    biocentristas.

    A posio antagnica ao santuarismo o produvismo (ou cornucopianos) que, em essncia, sus-

    tenta a tese de que os recursos naturais so innitos e que, no extremo, podem ser substudos por

    outros recursos, o que juscaria tanto o uso indiscriminado desses recursos quanto o seu manejo sem

    qualquer preocupao de racionalidade. uma concepo igualmente reacionria.

    O contraponto a estas duas concepes losocamente reacionrias o sustentabilismo (ou eco-

    desenvolvimensmo). Considerando os fundamentos da dialca, especialmente quanto ao fato de que

    todos os fenmenos esto interligados, interconectados e interdependentes, essa corrente tem presente

    que todos os recursos naturais so nitos, a inclusos o planeta Terra e o prprio Sol, o que nos impe a

    necessidade de manejar esses recursos da melhor forma possvel, tanto para omizar o seu uso quanto

    para buscar elevar o padro de vida daqueles que o manejam.

    No uma questo simples e tampouco de domnio geral mesmo na academia, o que facilita prega-

    es reacionrias de parte a parte. S aos poucos a teoria da sustentabilidade vai sendo melhor compre-

    endida, o que sugere um cenrio mais promissor de uso racional dos recursos naturais.

    Por essa razo o saque s riquezas amaznicas tem sido recorrente e o descompromisso com a re-

    gio uma constante. Os exemplos so fartos.

    A violncia despropositada com que foram tratados os integrantes do levante popular conhecido

    como Cabanagem (1835-1840) apenas um exemplo, mas no o nico do que se pode catalogar nessa

    categoria. As movaes da cabanagem eram variadas, como em qualquer movimento de cunho essen-

    cialmente popular, mas um ponto unia a todos: o descaso do imprio para com a regio amaznica, ento

    conhecida como Gro-Par.

    O ciclo da borracha, que no incio do sculo 20 representava algo como 40% das exportaes brasi -

    leiras, deixou alguns poucos monumentos na regio, fez a fortuna de alguns aventureiros e ajudou a cons-truir a infraestrutura da regio sudeste-sul que desde sempre tem sido a grande receptadora de recursos

    pblicos federais.

    O Acre teve que lutar sozinho, com uma modesta ajuda do governo do Amazonas, para ser brasilei-

    ro, na medida em que o governo central j nha aberto mo desse espao que o imprio americano h

    muito cobiava, inclusive criando o Bolivian Syndicate para lhe fazer a gesto.

    A populao do Amap viu a gigantesca Serra do Navio desaparecer com seus bilhes de metros c-

    bicos de minrios sem que qualquer coisa de importncia real casse no estado, alm da enorme cratera

    de onde as dragas do explorador estrangeiro sugou cada gro at a plena exausto.

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    10/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB10

    A enorme provncia mineral do Par connua sendo exportada fundamentalmente como matria

    prima bruta, sem qualquer vercalizao e agregao de valor. Manda as condies atuais apenas re-

    per o macabro fenmeno j ocorrido no Amap, com o agravante que no governo FHC a chamada Lei

    Kandir desonerou a exportao de recursos minerais e empobreceu ainda mais o Par.

    Numa regio onde os rios poderiam ser hidrovias e facilitar o escoamento da produo regional e

    nacional a um custo bem menor do que dos demais meios de transporte (areo, ferrovirio e rodovirio),

    elas simplesmente no existem, com exceo de Madeira e Tocanns.

    As ferrovias, que representam a 2 opo economicamente mais racional para o transporte de car-

    gas numa regio de dimenses connentais como a Amaznia, tem no simbolismo histrico da Madeira-

    -Mamor, em Rondnia, um exemplo acabado desse descompromisso. Essa ferrovia, conforme registra a

    saga de sua construo, custou uma vida humana por cada palmo de lingote lanado ao cho. Aps esse

    enorme dispndio de vidas humanas e no menos de recursos materiais, ela simplesmente foi abandona-

    da para ser tragada pela selva amaznica.

    A BR 319 que liga o estado do Amazonas a Rondnia e, consequentemente, ao restante do pas foi

    construda e inaugurada na dcada de 70. No auge da polca neoliberal de desmonte dos servios pbli-

    cos a sua manuteno foi abandonada e hoje em torno de 400 km no centro da rodovia de 800 km esto

    intrafegveis. E por disputas no seio do prprio governo, que envolve presso internacional (Santuarismo

    ecolgico), incompetncia e policagem, at o presente o Ministrio dos Transportes no foi capaz de

    superar os obstculos para a simples recuperao de uma rodovia j existente. A consequncia imediata

    que o Amazonas connua de costas para o restante do Brasil.

    Fenmeno semelhante ocorre na Transamaznica (BR 230), construda para levar homens sem

    terra a uma terra de poucos homens, segundo o jargo ocial do governo militar de ento. Connua sem

    pavimentao na sua maior parte, por presso internacional que assim alimenta a expectava de que os

    bravos brasileiros que ali residem abandonem seus postos de sennela e deixem a regio seguir o seu

    desno de santurio. O objevo talvez at fosse alcanado se no fosse por uma singela parcularidade:

    os brasileiros que ali esto simplesmente no tm para onde ir. Resisro, se no por convico polica

    ou ideolgica, por necessidade de sobrevivncia da espcie.

    Como se pode ver a questo amaznica complexa. Envolve mlplos aspectos e exige enfrenta-

    mento de igual forma mullateral, seja de natureza polca, terica ou econmica. H exemplos e expe -

    rincias exitosas nessa direo, mas ainda limitado a experincias pontuais e de alcance restrito, como

    o caso da Zona Franca de Manaus (ZFM), que no prioriza a industrializao da matria prima regional.

    Na frente terica, a criao de agncias de fomento pesquisa, como a Fundao de Amparo a

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    11/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 11

    Pesquisa do Amazonas (FAPEAM) - projeto, alis, de nossa autoria legislava - possibilitou em apenas 10

    anos a produo de centenas de dissertaes e teses, bem como a formao de centenas de mestres e

    doutores, o que em condies normais levaria um sculo.

    So exemplos importantes, mas ainda limitados pela importncia estratgica da regio. E a Amaz-

    nia no importante porque assim alguns a proclamam. Ela importante por razes bastante objevas,como fcil perceber, tanto a Amaznia Connental quanto a Amaznia Legal brasileira, subdividida em

    poro ocidental e oriental.

    A Amaznia Connental tem 7.584.421 km2 espalhados por nada menos do que 09 pases (Bolvia,

    Brasil, Colmbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela). Apenas essa enorme

    extenso territorial, equivalente aos maiores pases do mundo, j lhe tornaria uma regio de carter

    estratgico. Mas ela no tem apenas tamanho. Concentra a maior reserva de gua doce do planeta, um

    potencial hidroeltrico to importante quanto controverso, a maior oresta tropical, a maior biodiversi -

    dade e, como se no fosse suciente, tambm uma enorme e diversicada plancie mineral (ferro, gs,

    petrleo, nibio, potssio, ouro, dentre tantos outros minerais).

    E a Amaznia legal brasileira tem cerca de 5,2 milhes de km2, ou seja, em torno de 69% da Ama -

    znia Connental e um pouco mais de 60% de todo o territrio nacional. Mas fundamental ter presente

    que Amaznia legal um termo geopolco e no geogrco ou ecolgico. Atualmente abrange os es -

    tados do Acre, Amazonas, Amap, Maranho (oeste do meridiano 44), Mato Grosso, Par, Rondnia,

    Roraima e Tocanns. Os principais atos legais sobre a Amaznia Legal so: lei 1.806, de 1953; lei 5.173, de

    1966; lei complementar 31, de 1977 e o decreto lei 356, de 1968. Essa legislao, no essencial, dene o

    espao legal da Amaznia, sua subdiviso em Ocidental (Acre, Amazonas, Rondnia e Roraima) e Oriental

    (Amap, Maranho, Mato Grosso, Para e Tocanns), bem como cria a Superintendncia de Desenvolvi-

    mento da Amaznia (SUDAM) como instrumento de execuo dessas polcas.

    Esse espao legal, portanto, foi denido para efeito de planejamento central e execuo de polcas

    comum de desenvolvimento em decorrncia do histrico abandono da regio pelo governo central, o que

    levou a uma enorme assimetria econmica em relao s demais regies do pas, especialmente sudeste

    e sul, nas quais, sistemacamente, o governo federal concentrou a aplicao de recursos pblicos, tanto

    na construo da infraestrutura quanto nas polcas de subveno.

    Por essa razo imperioso que o governo central, alm dos governos estaduais, desenvolva pol-

    cas pblicas inclusivas e de desenvolvimento geral da regio, com o objevo de elevar o padro socioeco-

    nmico de seus habitantes, assegurar o controle do uso sustentvel de seus recursos naturais, estabelecer

    a necessria harmonia entre as dezenas de etnias que reclamam seus legmos direitos, rearmar a sobe-

    rania nacional sobre a nossa poro amaznica e enfrentar a presso internacional pela sua internaciona -

    lizao que, historicamente, no apenas no diminui como se intensica.

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    12/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB12

    O imperialismo tem mudado de tca, mas mando o mesmo contedo. Ao longo dos tempos j

    recorreu a vrios expedientes, que vo da simples ocupao militar a presente teoria do bloqueio.

    A construo do dossi no tem maiores pretenses, salvo procurar sistemazar e organizar um

    conjunto de informaes que possa facilitar uma melhor compreenso do assunto, o qual, muita das ve-

    zes, por ser tratado de forma parcularista diculta uma viso panormica do fato.

    Nesse parcular merece destaque e ateno compreender como uma causa justa - o manejo ade -

    quado dos recursos naturais - se transformou na atual tca do imperialismo para alimentar seu eterno

    objevo estratgico de internacionalizao da Amaznia, inclusive recorrendo ao neomalthusianismo, ou

    seja, procurando reeditar a velha e ultrapassada teoria de Malthus.

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    13/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 13

    APRESENTAO DOS TEXTOS

    Adotamos, por opo metodolgica, agrupar os textos aqui resenhados e ou sugeridos como fonte

    adicional de informao sobre a Amaznia em histricos e contemporneos.

    Por texto histrico aqui se entende os trabalhos que vo do 1 relato ocial sobre a regio, o Rela -

    trio escrito pelo Frei Gaspar de Carvajal, da expedio Orellana (1539-42), at os trabalhos do incio do

    sculo 20, dentre os quais a obra A margem da histria, e Um Paraso Perdido, de Euclides da Cunha.

    E por textos contemporneos os trabalhos ciencos, relatrios e literatura de maneira geral produ-

    zido a parr desse perodo, salientando que a esto agrupados os mais variados assuntos, sejam sobre a

    sua formao, sua economia e, principalmente, sobre geopolca.

    Os textos aqui elencados no tm, necessariamente, uma viso marxista como o autor do dossi

    procura imprimir nos textos de sua prpria autoria. So textos com informaes que ajudam a compreen -

    der a complexidade amaznica sob os seus mlplos aspectos.

    Detalhamento dos textos ulizados com a fonte bibliogrca.

    1 - Textos histricos

    Os textos de natureza histrica tem, aps o nome do autor, a data inicial em que o mesmo esteve naAmaznia ou sobre ela escreveu, dentre os quais destacamos:

    Frei Gaspar de Carvajal (1539)

    Charles-Marie de La Condamine (1735)

    Padre Joo Daniel (1741)

    Prncipe Adalberto da Prssia (1842)

    Alfred Russel Wallace (1848)

    Lus Agassiz e Elizabeth Cary Agassiz (1865)

    Euclides da Cunha (1904).

    Esses trabalhos foram por ns resumidos e/ou transcritos captulos integrais diretamente relacio -nados Amaznia.

    A importncia desses verdadeiros tratados, alguns com muita informao cienca, outros apenasrelatos despretensiosos, mas igualmente denso de informao, so essenciais para quem efevamentebusca compreender melhor a Amaznia, cujo desconhecimento no privilgio apenas do visitante. Mui-tos amaznidas tambm possuem raso conhecimento sobre a regio.

    Sugerimos, igualmente, a leitura das seguintes obras, que aqui no foram resenhadas:

    Cosmos (Alexander von Humboldt, 1799);

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    14/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB14

    Viagem pelo Brasil 1817-1820 (Karl Friedrich Philipp von Marus, 1817)

    Um Naturalista no Rio Amazonas (Henry Walter Bates, 1848).

    2 - Textos contemporneos

    Os textos contemporneos, sempre que possvel, foi transcrito na verso original do autor. Os ori-ginais muito longos foram resenhado e indicado a fonte bibliogrca para quem eventualmente desejarconsultar o original.

    Para facilitar consulta complementar, e mesmo busca, a citao dos autores contemporneos noseguem ordem cronolgica e sim alfabca. Dentre os autores que serviram de base essencial para aconstruo desse dossi, destacamos os seguintes:

    a) Geopolca, economia e formao socioeconmica:

    Arthur Cezar Ferreira Reis,

    Aziz AbSber,

    Berta Becker,

    Djalma Basta

    Eron Bezerra,

    Samuel Benchimol

    Magda Ricci (sobre a Cabanagem);

    b) Biopirataria e a polemica ambiental contempornea:

    Donella Meadows,Eron Bezerra & Terezinha Fraxe,

    Gro Brundtland,

    Joe Jackson,

    Rachel Carson

    Wayne Viser, que faz uma resenha dos 50 livros mais importantes em sustentabilidade.

    Sugerimos, igualmente, a leitura de outros autores que aqui no foram resenhados, dentre elesAgnello Biencourt (Aspectos Sociais e Polcos do Desenvolvimento Regional), Armando Mendes (Ama-

    znia), Leandro Tocanns (Formao Histrica do Acre).

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    15/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 15

    SUGESTO DE LEITURA

    ABSABER, A. Problemas da Amaznia Brasileira. Estudos Avanados, n 19 (53), 2005.

    BECKER, Berta. Reviso das polcas de ocupao da Amaznia: possvel idencar modelos para

    projetar cenrios? Parcerias Estratgicas - N 12, setembro de 2001.

    BRUNDTLAND, G. H. Nosso futuro comum. Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvi-

    mento. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundao Getlio Vargas, 2001.

    CARSON, R.Primavera silenciosa. Traduzido por Claudia SantAnna Marns. 1 ed. So Paulo: Gaia,

    2010.

    CUNHA, Euclides.Um paraso perdido: reunio de ensaios amaznicos. Seleo e coordenao de

    Hildon Rocha. Braslia: Senado Federal, Conselho Editorial, 2000.

    FERREIRA, A. R.Viagem losca. 2 ed. Manaus: Editora Valer, 2008.

    JACKSON, J.O ladro do m do mundo: como um ingls roubou 70 mil sementes de seringueira eacabou com o monoplio do Brasil sobre a borracha. Traduo Saulo Adriano. Rio de Janeiro: Obje -

    va, 2011.

    MEADOWS, D. H;RANDERS, J. MEADOWS, D. L. Limites do crescimento: a atualizao de 30 anos.

    Rio de Janeiro: Qualitymark, 2007.

    RICCI, Magda.Cabanagem, cidadania e idendade revolucionria: o problema do patriosmo na

    Amaznia entre 1835 e 1840. Rio de Janeiro: Tempo (London), 2006.

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    16/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB16

    Frei Gaspar de Carvajal. A 1 descrio ocial da Amaznia (1539).

    Introduo de Guilhermo Giucci

    Cristvo Colombo desembarcou na ilha de Guanahani em 12 de outubro de 1492. Idencou as

    ilhas anlhanas com o extremo oriental da sia e tomou posse das terras em nome dos reis catlicos,

    Isabel de Caslha e Fernando de Arago. Mas as promessas de riquezas de Colombo aos reis, nancistas e

    tripulantes, consequentemente, caram em descrdito, e a gura do almirante perdia paulanamente sua

    autoridade ante monarcas e subalternos.

    O mecanismo da denominao traduz para uma lngua reconhecvel, o estranho. Guanahani, nome

    indgena, transformado pelos viajantes europeus em San Salvador. De modo anlogo, as demais ilhas

    caribenhas passam a chamar-se Maria de la Comcepcin, Fernandina, Isabela, Juana, etc. Um terceiro

    elemento constudo pela relao de desigualdade instuda entre o viajante e o navo, uma vez que

    este ulmo ca reduzido (com frequncia sem seu conhecimento) categoria de sdito dos reis catlicos,

    e ao servio de seus agentes imperiais. Por outro lado, embora a esperana do achado de riquezas tenha

    presidido o expansionismo hispnico na Amrica, a essa esperana material logo se incorporou um car-

    ter espiritual, a crisanizao dos navos.

    No dia 22 de abril de 1500 uma armada portuguesa que se dirigia ndia sob o comando de Pedro

    Alvares Cabral, ancorou nas costas do futuro Brasil. O capital Cabral denominou o territrio encontrado

    Terra de Vera Cruz.

    A empresa espanhola e a portuguesa comparlham vrios elementos centrais comuns. Em ambos

    os casos se cumpre o ritual da tomada de posse o ato magico da denominao. Fica tambm bastante

    clara a relao de desigualdade entre o viajante e o navo: tanto Colombo como Caminha refere-se ne -

    cessidade converter os amerndios Santa F, ao que julgam poder executar sem maiores diculdades.

    Enquanto a coroa lusitana concentrou-se fundamentalmente no comercio com a frica e a sia, a coroa

    espanhola dirigiu sua ateno em direo s ndias Ocidentais.

    O nome Amrica emerge somente no ano de 1507. Aparece pela primeira vez no livro Cosmogra-

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    17/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 17

    phie Introduco de Marn Waldseemller, que celebra o advento de um Novo Mundo proclamado por

    Amrico Vespcio em suas cartas a Francesco de Medici.

    Se o processo de descobrimento consisu basicamente em tomar posse simblica das terras ame -

    ricanas, a conquista sups a dominao efeva das culturas autctones.

    Por volta de 1522, a dominao de Amrica iniciava seu ciclo mco com a derrota do imprio azteca

    (Mxico) pelo grupo castelhano de Hernn Corts e por um conngente de ndios tlaxtaltecas. Dez anos

    mais tarde, em ns de 1532, Francisco Pizarro capturou em Cajamarca (Peru) o imperador Atahualpa, e se

    apoderou do imprio inca. Nenhuma das duas conquistas foi uma empresa fcil, mas foi a parr desses

    triunfos espetaculares que se consolidou a mitologia gloricadora da gura do conquistador e que gera -

    es de crcos apreciaram a chamada civilizao da Amrica em termos de uma histria pica.

    Que a conquista da Amrica contou com o sustento da religio crist para juscar o expansionismo

    ibrico, inegvel. Os ndios aparecem aos olhos europeus como brbaros que deviam ser subjugados,

    como feras a serem domadas, como inumanos carentes da verdadeira religio que deveriam ser redimidos

    ou exterminados. O que lhes sobejava, era a idolatria, o canibalismo, a sodomia, preguia, irracionalidade.

    O domnio do Mxico e do Peru, como tambm a captura de tesouros magncos, esmulou a incur-

    so dos guerreiros espanhis pelos territrios americanos inexplorados. Idealmente, o processo do des-

    cobrimento e o da conquista confundia-se num mesmo evento. Descobria-se para conquistar e saquear

    os tesouros indgenas.

    Antes de encontrar as riquezas, escreve Oviedo, se enchem de choro e de pranto; e para algum que

    tenha voltado a Caslha com fortuna, deixaram aqui cem a pele e ainda caram, uns sepultados no mar e

    servindo de manjar aos peixes e animais marinhos; outros, nas areias e nas costas sem serem enterrados;

    e outros dentro da terra insepultos, transformados em comida para as aves e animais ferozes, ou comidos

    por ndios caribes ou drages e crocodilos.

    No dia 3 de setembro de 1542, do povoado de Tomebamba (Equador), Gonzalo Pizarro, irmo do

    conquistador Francisco Pizarro, enviou uma carta ao imperador Carlos V, narrando os eventos de sua ex-

    pedio aos pais da Canela. Diz Gonzalo Pizarro que baseado nas informaes de riqueza recebidas tanto

    de chefes indgenas como de espanhis, organizou uma expedio de explorao e de conquista a regio

    da Canela e a lagoa dourada.

    Gonzalo Pizarro entregou a Orellana grande parte da tecnologia mbil e de defesa: um bertganm,

    uma canoa, 60 homens, arcabuzes e balestras. Estabeleceu, ao mesmo tempo, uma srie de condiesque deviam ser observadas por um lugar tenente. A sub-expedio no deveria ir alem de um limite

    geogrco xado de comum acordo, de maneira nenhuma deveria exceder sal funo de tentar obter

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    18/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB18

    provises, e deveria voltar ao lugar de encontro previamente marcado por Pizarro. Mas Orellana e seus

    companheiros violaram o acordo, descendo o rio e abandonando consequentemente a parte restante do

    grupo, que permanecia rio acima esperando os alimentos.

    Para Gonzalo Pizarro, como tambm para a Coroa espanhola, Orellana convera-se num rebelde.

    Na carta que Pizarro enviou ao Rei em 1542, Orellana aparece retratado como um rebelde desalmado,que concrezou a maior crueldade que nunca homens sem f tenham demonstrado. Conhecida na his-

    toriograa como a a traio do zarolho Orellana, a verso se caracteriza por colocar a ambio pessoal

    acima da solidariedade grupal, e a iluso de riquezas ou fama acima da promessa de honra.

    O relato de Frei Gaspar de Carvajal desmente esta verso da histria, e substui-a por outra na qual

    a necessidade prima acima da iluso aurfera, a solidariedade e a promessa so vencidas pelo meio am-

    biente, a informao ocupa o lugar da conquista, e o descobrimento da nova terra redime os sofrimentos

    e penrias da travessia amaznica. E Orellana aparece em seu relato no s inocentado da responsabili-

    dade, da transgresso s ordens do capito Pizarro, mas retratado como homem digno, virtuoso e previ-

    dente. Mas tanto na narrao de Gonzalo Pizarro como na de Carvajal, expressa-se a substuio - mesmo

    que temporria - da iluso de riquezas pela necessidade da sobrevivncia.

    Os expedicionrios sobrevivem comendo couros, cintos e solas de sapatos cozidos com ervas... ao

    relato de sobrevivncia e ao dos tesouros imaginrios, se lhe acopla nalmente uma voz narrava arcu-

    lada em torno da perdio do ser: assim, estvamos todos, sem entendermos muitas coisas, de modo

    que nhamos guerra por terra e fortuna por gua; quis nosso senhor Jesus Cristo ajudar-nos e favorecer-

    -nos como sempre fez em todas esta viagem, e que nos guiou como gente perdida, sem saber onde est-

    vamos nem para onde fomos, nem o que haveria de ser de ns.

    Relatrio de Frei Gaspar de Carvajal (pg. 29 a 101)

    Para que entendam melhor todos os acontecimentos desta jornada, devemos salientar que o capi-

    to Francisco de Orelhana ocupava o posto de Capito-Tenente, na cidade de Sanago1 cuja costa povoou

    e conquistou em nome de sua majestade e da vila Nueva de Puerto Viejo, que est nas terras do Peru.

    O que eu contar daqui para frente sobre o homem a quem Deus quis dar a conhecer esse novo e

    nunca visto descobrimento vai ter sido testemunhado por mim.

    Dirigiu-se ao governador, dizendo que deixaria o pouco que lhe restava com eles e que seguiria rio

    abaixo. Se fosse favorecido pela sorte e encontrasse alguma aldeia e comida para remediar sua situao,

    encontraria meios de informa-los. Se percebesse que demorava muito para retornar, deveria esquecer--se dele e voltar com o objevo de encontrar alimentos e permanecer ali durante trs ou quatro dias, ou

    1 Sanago de Guayaquil, no atual Equador.

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    19/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 19

    durante o tempo que achasse conveniente. Caso no voltasse logo, que no se preocupasse mais. Gonzalo

    Pizarro concordou... e disse que agisse como havia decidido.

    No encontramos comida num percurso de duzentas lguas, no encontramos nada nem mesmo

    para ns; viajamos durante trs dias sem avistar povoamento algum..; notamos que havamos nos afas -

    tado muito do lugar onde nossos companheiros nham cado e que o pouco que nhamos trazido paranosso sustento, havia acabado. Nosso desno era incerto. Estvamos correndo risco de vida por causa da

    terrvel fome que nos oprimia, e assim, tentando encontrar uma sada para nossa aio, combinamos

    escolher entre dois males, o que o capito e a todos ns parecesse ser o menor e decidimos seguir o rio ou

    morrer, ou ver o que havia nele, conando que nosso senhor acharia por bem conservar as nossas vidas

    at remediar ou migar a nossa angusa. Como no nhamos mais provises, passvamos por necessi-

    dades to cruis que chegamos a comer couro, cintos e solas de sapatos cozidos com algumas ervas, de

    modo que a nossa fraqueza era tanta que no nos aguentvamos sobre nossos ps;... na noite de segunda

    feira, oito de janeiro, enquanto comamos certas ervas da montanha, ouvimos muito claramente o som detambores, vindo de longe do lugar onde estvamos.

    Mal raiou o dia, o capito mandou que aprontssemos plvora, arcabuzes e arcos e que todos nos

    armssemos, porque at ento estvamos descuidados e no fazamos o que deveramos fazer. O capito

    organizou suas coisas e dos outros. Aps navegar por duas lguas rio abaixo, avistamos, no sendo con-

    trrio, quatro canoas cheias de ndios que vinham explorar a terra. Logo que nos avistaram, deram meia

    volta rapidamente, dando alarme de tal maneira que em menos de um quatro de hora, ouvimos muitos

    tambores nos arredores que tocavam intensamente, e eram ouvidos apesar da distncia, porque ana-dos, acompanhados por baixo, tenor e soprano.Os ndios, assustados, abandonaram o povoado, deixando

    ali toda a comida que havia; esta serviu de alimento e ampara para todos ns.

    No dialogo com os ndios o capito respondeu que necessitava apenas de comida, no lhes faltava

    mais nada. O cacique mandou que seus ndios buscassem comida. Com muita presteza, trouxeram, em

    abundncia, o que achavam ser suciente de carnes, perdizes, perus e peixes de vrias qualidades; o ca-

    pito agradeceu sinceramente o cacique; e tomou posse da terra em nome de sua majestade diante de

    todos. Quando notou que todas as pessoas e senhores das terras estavam em paz e sasfeitos com o bomtratamento, rearmou suas palavras diante deles, em nome de sua majestade.

    Durante esse perodo, os ndios no deixaram de nos ajudar. Traziam farta comida e agiam com tan-

    ta amabilidade que parecia at que nos haviam servido durante toda a vida. Vinham cheios de joias, pre-

    nhadas de ouro, mas o capito jamais permiu que rssemos nada deles; no nos deixava, nem sequer

    olhar, porque os ndios poderiam interpretar mal e desconar de algo. Como no prestvamos ateno

    neles, voltavam mais forrados de ouro ainda.

    Foi aqui que ouvimos falar das amazonas e da riqueza que havia l. Um velho ndio chamado Apria

    comentou sobre esse lugar. Contou que nha estado nessas terras e disse que eram de um senhor que

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    20/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB20

    vivia afastado do rio, embrenhado no meio da terra. Ele dizia possuir uma enorme riqueza em ouro, esse

    homem se chamava Ica. Nunca o vimos, porque como falei vivia longo do rio;...com muito esforo, nos li-

    vramos desse perigo sem poder chegar aldeia; e seguimos viagem para outro povoado, que diziam estar

    a duzentas lguas dali; todo o resto era deserto.

    Quando chegamos, os ndios no resisram. Ao contrrio. Ficaram tranquilos, permanecemos alitrs dias e os ndios os ofereciam comida constantemente, em plena harmonia ...serviram-nos muita co -

    mida feita de tartarugas e papagaios.

    O capito conclamou os ndios e disse que no temessem e desembarcassem. Eles concordaram e,

    aproximando-se, mostraram em seus semblantes que se alegraram com nossa chegada. Seu senhor de-

    sembarcou, e com ele, muitos dos principais servos que o acompanhavam. Pediu licena ao capito para

    sentar-se e sentou-se, todos os outros permaneceram de p; mandou que rerassem grande quandade

    de comida das canoas, tanto tartarugas, como peixe-boi e outros peixes, perdizes, gatos e macacos assa-

    dos;...os ndios estavam muito atentos e escutavam com xao o que o capito dizia e recomendaram

    que fssemos ver as amazonas, que na sua lngua era CONIUPUIARA2, o que signica grandes senhoras,

    mas que prestssemos ateno no que fazamos, porque ramos poucos e elas muitas, para que no nos

    matassem.

    O cacique perguntou quem era o tal rei (espanhol)... o capito repeu o que havia dito, e disse ainda

    mais, que ramos lhos do Sol e que viajvamos naquele rio como j falara. Os ndios se admiraram muito

    com isso e mostraram muita alegria, considerando-nos santo ou pessoas celesais, porque eles adoravam

    o sol e o consideravam deus, o qual chamavam de Chise;...este voltou a reper, diante de todos, o que j

    havia dito ao cacique principal, que tomava posse de todos em nome de sua majestade. Os senhores eram

    vinte e seis e em sinal de posse, mandou colocar uma cruz bem no alto. Isso alegrou muito aos ndios, e

    da em diante todos os dias vinham trazendo comida e conversar com o capito, senndo muita sasfao

    nisso.

    Quando o capito percebeu a boa aparelhagem e ferlidade da terra e a boa vontade dos ndios,

    mandou reunir a todos os seus companheiros e disse: j que h bons apetrechos e muita disposio por

    parte dos ndios, chegado o momento de retornar a feitura da embarcao. Assim, acho que deus re -

    almente inspirou ao capito, para que zesse o barco nessa aldeia, pois dali para frente seria impossvel.

    Quando nossos companheiros concluram sua tarefa, senram uma imensa alegria. Havia tantos mosqui-

    tos naquele lugar que nos atormentavam de dia e de noite, sem que soubssemos o que fazer, embora

    isso tambm nos animasse a prosseguir com o trabalho e chegar ao m de nossa jornada. Nesse meio

    tempo, quatro ndios vieram ver o capito. Quando chegaram, vimos que cada um nha um palmo a mais

    do que o mais alto de ns, e eram muitos brancos3. Seus cabelos chegavam at a cintura. Usavam muitas

    joias e muitas roupas. Trouxeram muita comida e chegaram com tanta humildade que todos camos es-2 Carvajal no menciona a lngua desse grupo, cando prejudicado a sua traduo.

    3 pouco provvel que fossem ndios. O mais provvel que zessem parte de uma expedio europeia desgarrada ou deliberadamenteestabelecida.

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    21/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 21

    pantados com sua atude e boa educao; foram-se e nunca mais soubemos de onde eram, nem de que

    terra nham vindo.

    Parmos do povoado de Apria com o novo barco, o qual fazia dezenove ns, suciente para nave -

    gar pelo mar, na vspera do dia do Evangelista So Marcos, a 24 de abril daquele ano.

    ...ele no foi maltratado porque a inteno e desejo do capito era, na medida do possvel, fazer

    com que aquela terra e pessoas brbaras senssem o respeito daqueles que a conheceram e no vessem

    descontentamento algum, porque isto equivaleria a servir a deus nosso senhor e ao rei nosso senhor, para

    depois, quando sua majestade pudesse estender com mais facilidade nossa sagrada repblica, a f crist

    e a bandeira de Castela e a terra se encontrasse mais domescada e pacicada, p-la debaixo da obedi-

    ncia de seu real servio, como convinha, porque, ao mesmo tempo em que se deveria fazer isso com

    boa inteno e caridade, era tambm necessrio conservar o bom tratamento para com os ndios e poder

    passar adiante sem precisar usar o recurso das armas, a no ser quando fosse indispensvel defesa;...

    connuando com nossa vida normal e passando muita fome, um dia por volta do meio dia, chegamos a

    um lugar alto que parecia ter sido povoado e mostrava sinais de que podamos encontrar comida e peixe.

    Ao completar doze dias de maio, chegamos s provncias de Machiparo, que so terras grandes e

    populosas, que fazem fronteiras com outra regio muito grande chamada Omaga, e so amigos que se

    juntam para a guerra com outras regies que cam terra adentro, e que atacam diariamente as suas ca-

    sas. Machiparo est localizada em um planalto no rio, e tem uma grande populao de cerca de cinquen-

    ta mil homens para a guerra, cuja idade varia de trinta a setenta anos, porque os jovens no vo para a

    guerra e em todas as batalhas que travamos com eles, nunca os vimos, a no ser velhos muito dispostos,

    com bigodes, mas sem barba.

    Quando chegamos a umas duas lguas da regio, vimos que estava repleta de aldeias, e no anda -

    mos muito e avistamos, rio acima, grande quandade de canoas, em posio de combate, garbosas e com

    escudos, formados por carapaas de lagartos e couro de peixe-boi e uma espcie de anta, to altos como

    um homem, cobrindo a todos. Vinham aos gritos, tocando tambores e trombetas de pau, ameaando nos

    comer;...os ndios chegaram e comearam a atacar. O capito, ento, mandou preparar os arcabuzes e os

    arcos. Mas aconteceu um grande imprevisto na situao em que nos encontrvamos, pois os aradores

    descobriram que a plvora estava mida e que no podiam aproveitar nada, e vemos que suprir com os

    arcos, a falta dos arcabuzes; nossos arqueiros comearam, ento, a angir os inimigos, que estavam prxi-

    mos, ao mesmo tempo que estamos temerosos; quando os ndios perceberam suas perdas, comearam a

    desisr, sem mostrar, contudo covardia; ao contrrio, seu nimo parecia crescer, e novos homens vinham

    em seu socorro.

    Quando o alferes viu o tamanho da aldeia e sua grande populao, resolveu no ir em frente, mas

    voltar e relatar ao capito o que vira, o que fez sem que fosse incomodado pelos ndios; contou-lhe tudo

    o que havia visto e como havia grande quandade de alimentos, como tartarugas, que estavam pelos

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    22/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB22

    pos e nos tanques, como muita carne, peixe e biscoitos4, tudo em abundancia, tanto que daria para

    sustentar um batalho de mil homens durante um ano; Cristovo Maldonado correu e tratou de recolher

    o possvel. Quando j havia recolhido mais de mil tartarugas, os ndios voltaram pela segunda vez, com

    uma grande quandade pessoas e vieram determinados a mat-los e atacar o posto onde estvamos com

    o capito. Cristovo Maldonado, ao ver a revolta dos ndios, chamou a seus companheiros e os atacaram,

    o que foi duro, porque eram mais de dois mil ndios e os homens que estavam com ele no mais do quedez. Tiveram que lutar muito para defender-se. No nal da batalha, saram-se muito bem e voltaram a

    recolher a comida, mas dessa luta, restaram dois feridos. A terra era muito povoada e quando os ndios se

    recuperaram voltaram a atacar5.

    Colocamo-nos no meio do rio e nem nos havamos afastado quando vem mais de quatrocentos

    ndios pela gua e por terra, e como os da terra no podiam enfrentar-nos limitavam-se a dar ordens e

    gritos: e os da gua no deixavam de atacar, como homens que estavam ofendidos; mas nossos com -

    panheiros com as bestas e arcabuzes defendiam to bem os barcos que afastavam aquela gente m;...mandou que fssemos para uma ilha povoada que estava no meio do rio, e quando comearam a cozi-

    nhar a comida, chegaram inmeros ndios em canoas e nos atacaram trs vezes, de tal maneira que nos

    encontrvamos num grande aperto. Quando os ndios perceberam que no poderiam nos angir pelo

    rio, comearam a atacar pela terra e pelo rio, porque eles eram muitos;...no meio da tarde essa gente

    toda embarcou em canoas de guerra. Havia quatro ou cinco feiceiros, todos pintados com cal e com as

    bocas cheias de fumaa, que lanavam no ar;...zeram-nos passar por um grande aperto, foi to grande

    que no sei como pudemos escapar, uma vez que nham preparado uma emboscada em terra e ali nos

    esperavam;...porm, ainda nos seguiram durante dois dias e duas noites, sem que pudssemos repousar,

    e demoramos tanto para sair desse lugar e desse senhor, chamado Machiparo, que, pelo que notamos,

    constava de mais de oitenta lguas, todas povoadas, e de aldeia em aldeia, havia enorme proximidade.

    Algumas dessas aldeias se estendiam por mais de cinco lguas6, sem separao entre uma casa e outra e

    isso era coisa maravilhosa de se ver; desse modo e com essas diculdades, samos das terras e do grande

    senhorio de Machiparo e chegamos a outro nada menor, que era o comeo de Oniguayal (Omgua), e no

    comeo, logo a entrada dessas terras, havia uma aldeia a modo de guarnio, no muito grande e estava

    num monte sobre o rio. Havia muitos guerreiros...; quando os ndios perceberam que queria tomar a

    aldeia, resolveram resisr; aconteceu que chegando junto ao porto, os ndios comearam a usar o seu

    arsenal, a ponto de nos deter; no momento em que o capito percebeu a resistncia dos ndios ordenou

    rapidamente o uso dos arcos e arcabuzes bem como remssemos na direo, companheiros saltaram e

    lutaram com tanto empenho que zeram com que os ndios fugissem, e assim conquistamos a aldeia e

    camos com sua comida.

    Por causa da deciso do capito, todos comearam a se organizar para parr quando fosse ordena-

    do. Tnhamos percorrido entre o de Apria e esse povoado, 340 lguas, das quais, duzentas estavam des-

    povoadas. Nesta aldeia achamos grande quandade de um biscoito mo, que os ndios fazem de milho

    4 Esses biscoitos so adiante explicados: eram feitos de milho, o que razovel.

    5 A passagem parece extremamente fantasioso. Dez vencendo 2 mil? Mil tartarugas recolhidas?

    6 Se Carvajal usou o padro de lgua regular essa aldeia nha algo entre 25 e 27 kilmetros.

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    23/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 23

    e mandioca, alem de vrios de pos de fruta;...viemos a encontrar com outro rio mais caudaloso e maior,

    pelo brao direito; era to grande que na entrada havia trs ilhas, razo pela qual o denominamos rio da

    Trindade (tudo indica ser o Purus); alem disso, na juno dos dois rios, havia muitos e populosos povoados

    na bela terra de Omgua, e por serem muitas as aldeias e to grande e com muita gente, o capito no

    quis aportar;...ao cair da tarde, chegamos a um lugarejo que estava sobre uma barranca, e porque parecia

    pequeno, o capito mandou que o tomssemos. Alem disso, era to bonito que parecia ser o lugar dedescanso de algum senhor dessa terra de dentro. Rumamos para a conquista que os ndios conseguiram

    defender por mais de uma hora, mas acabaram vencidos e nos apossamos da aldeia, na qual achamos

    grande quandade de comida, da qual nos provimos; ...encontramos tambm ouro e prata; mas como

    nossa inteno era a de encontrar somente o que comer, tentando salvar as nossas vidas e narrar essa

    grande aventura, no nos importvamos em nada com riqueza; desta aldeia saiam muitos caminhos am -

    plos para o interior. O capito quis explora-los, para isso levou consigo Cristovo Maldonado, o alferes e

    outros soldados. Quando comeou a entrar, sem que vesse andado meia lgua, viu que as estradas eram

    maiores e mais amplas. Por esse movo, o capito resolveu voltar, pois no seria prudente connuar,

    regressando para os barcos. Chegou ao por do sol e disse aos companheiros que convinha parr logo dali

    e evitar passar a noite em terra to povoada, ordenando que embarcssemos;...durante toda essa noite

    passamos por enormes aldeias at o amanhecer do dia, andando mais de vinte lguas, remando sem pa-

    rar para fugir daquela regio. Enquanto navegvamos, a terra se apresentava melhor e percebamos que

    era mais povoada, por isso evitvamos navegar junto as margens, para no dar oportunidade aos ataques

    indgenas; navegamos pela regio de Omgua mais de cem lguas, nalmente chegamos outra regio

    chamada Paguana, tambm muito habitada, mas amigvel, porque no inicio de suas terras uma aldeia

    de duas lguas de extenso onde os ndios nos esperavam em suas casas, sem que zessem nenhum mal

    ao contrario, nos davam o que nham;...o chefe desta terra tem muitas ovelhas, com as do Peru, e muito

    rico em prata, como todos os ndios nos diziam. A terra muito alegre, bonita e farta de comidas e frutas,

    tais como pinhas e peras, que na lngua da Nova Espanha, se chamam abacates, ameixas, guanas e muitas

    outras frutas deliciosas. Parmos deste lugar e navegamos sempre por um grande povoamento; houve

    um dia em que passamos por mais de vinte aldeias; e isto, pelo lado direito por onde amos porque pelo

    tamanho do rio atravessvamos e amos pelo lado esquerdo e no conseguamos ver o outro lado.

    Na segunda-feira de pscoa do esprito santo, pela manh, avistamos uma aldeia grande e populo-

    sa, com muitos bairros, em cada um deles havia um porto no rio. Em cada porto, havia uma muldo de

    ndios. Esta aldeia se estendia por mais de duas lguas e meia;...neste mesmo dia tomamos uma pequena

    aldeia, onde achamos comida. Quando acabou a provncia do chefe que se chamava Paguana e comeou

    outra mais beligerante, cheia de gente, vemos muito trabalho. No soubemos como se chamava o chefe

    desta provncia; mas eram pessoas de estatura mdia e bem tratados, que possuam escudos de madeira

    e que defendiam suas vidas com bravuras.

    No sbado, vspera da sanssima trindade, o capito mandou aportar em uma aldeia onde os n-

    dios se prepararam para defender-se; apesar disso, os expulsamos de suas casas. Provimo-nos de comida

    achando at galinhas. Neste mesmo dia, saindo dali, prosseguimos a viagem, vimos a boca de outro gran-

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    24/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB24

    de rio que entrava pelo que navegvamos, pela margem esquerda, cuja gua era negra como nta e, por

    isso, o denominamos rio Negro: suas guas corriam tanto e com tanta ferocidade que por mais de vinte

    lguas faziam uma faixa na outra gua, sem com misturar-se7. Neste mesmo dia, vimos outras aldeias no

    muito grandes;...eles se defenderam com vigor, mas como estvamos passando fome, manvemos nossa

    determinao de conquista-la, e por causa desta determinao, derrubaram a porta e entraram sem pen-

    sar nos riscos. Atacaram e lutaram com os ndios at desbarat-los, recolhendo uma imensa quandadede comida; na segunda-feira parmos de l, passando sempre por grandes povoados e provncias obten -

    do comida, a melhor possvel quando faltava. Nesse dia, paramos em uma aldeia mdia, onde as pessoas

    nos receberam, nesta aldeia havia uma praa enorme e no meio dela um grande painel de dez ps lavrado

    em relevo; o desenho era de cidade com sua cerca e uma porta.

    ...enm, o edico era coisa digna de ser vista e o capito, e todos ns, espantados com aquilo per-

    guntou a um ndio capturado, o que era ou por que razo mannham aquilo na praa, ao que o ndio

    disse que eles eram sditos e tributrios das amazonas, e que forneciam penas de papagaios e gacamaiospara o forro do teto das casas de seu templo, e que as aldeias que elas nham, eram daquele jeito, e para

    recordao cavam ali, como forma de adorao do smbolo de sua senhora, que domina toda a terra

    dessas mulheres; connuamos passando por aldeias em constante conito com os ndios extremamente

    beligerantes com suas armas e escudos nas mos, com gritos de guerra, perguntando por que fugamos,

    pois estavam esperando-nos;...e assim, sucessivamente, entre a terra e a gua, vivamos em guerra; entre-

    tanto, como os ndios eram muitos, bloqueavam a passagem que abramos com nossos arcos e arcabuzes.

    Os ndios colocaram esses peixes para secar, leva-los para dentro da terra e vend-los; vendo todosos companheiros que a aldeia era pequena, rogaram ao capital que descansassem ali, uma vez que era

    vspera de to grande fesvidade;...quando foram percebidos, nham ferido os sennelas e estavam

    entre ns. Dado o alarme, o capito saiu gritando coragem, coragem, cavalheiros, pois no so ningum;

    em frente;...quando o dia chegou, o capito mandou que embarcssemos e parssemos e mandou en-

    forcar alguns prisioneiros que nhamos conosco para que os ndios, da para frente nos temessem e no

    nos atacassem.

    No nhamos navegado nem quatro lguas, quando vimos pela margem direita aparecer um gran -de e poderoso rio maior ainda do que aquele em ns estvamos, e por ser to grande, o denominamo-lo

    rio Grande (seria o Madeira); seguimos adiante e vimos do lado esquerdo umas aldeias muito grandes

    sobre uma pequena colina que chegava at o rio e, ao v-las, o capito ordenou que nos dirigssemos

    para l, o que zemos;...fomos em frente e, a cerca de meia lgua, encontramos outra aldeia, mas aqui

    passamos ao largo. Nesta terra temperada e de boa disposio, no soubemos do seu tratamento por-

    que no houve chance para isso. E nisso acabou esta provncia e entramos em outra que nos deu menos

    trabalho. Prosseguimos passando por povoaes, e numa manh, por volta das oito horas, avistamos no

    alto uma bela povoao, que pareceu ser a capital de algum grande chefe; ao v-la, quisemos, apesar dorisco, chegar at l;...nesta aldeia havia sete pelourinhos, que vimos ao longo da aldeia. Em cada pelouri-

    7 a descrio do famoso e indescrivel encontro das guas entre o Negro e o Solimes.

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    25/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 25

    nho estavam cravados muitas cabeas de mortos e por isso, demos a esta provncia o nome de provncia

    das picotas, que se estendia por setenta lguas rio abaixo. Desciam da aldeia para o rio alguns caminhos

    abertos a mo e dos lados dos caminhos, arvores fruferas, o que nos deu a entender que o senhor dessas

    terras deveria ser poderoso.

    Connuamos a viagem e no dia seguinte encontramos outro povoado do mesmo po, e como nha-mos necessidade de nos alimentar, fomos forados a conquista-lo, mas os ndios se esconderam e quando

    retornamos terra, estavam tocaiados, esperando que saltssemos e saram de seu esconderijo com

    grande fria. O seu capito ou chefe vinha na frente animando-os com enorme gritaria. Um dos nossos

    arqueiros mirou nesse lder, arou e matou-o. No momento em que os ndios viram aquilo, resolveram

    no esperar mais e fugiram, resisndo dentro de suas casas, as quais defendiam como ces danados. O

    capito entendeu que no queriam se render e que j nham ferido alguns dos nossos, por isso, mandou

    por fogo na casa onde estavam, eles, ento, saram dela e fugiram, permindo que recolhssemos a co-

    mida, que nesta aldeia, graas a nosso senhor, no faltou, uma vez que havia muitas tartarugas, perus epapagaios em abundancia geral; de po e milho ento nem se fala;...capturamos na aldeia, uma ndia mui-

    to esperta, que disse que perto dali, no interior, estavam alguns cristo como ns que nham um chefe

    que os trouxera rio abaixo. Disse tambm, que havia entre eles duas mulheres brancas, enquanto outros

    viviam com ndias e nham lhos com elas: estes so os que se perderam de Diogo de Ords, pareceu-me,

    pelos sinais que davam; eles estavam do lado norte.

    Dormimos esta noite prximos desta aldeia, dentro dos nossos barcos. Ao amanhecer, comeamos

    a navegar, foi quando saiu da ladeia uma muldo. Os ndios embarcaram e nos atacaram no meio dorio, por onde ns amos. Estes ndios nham echas e as ulizavam na luta. Seguimos nosso rumo sem

    esperar por eles. Fomos caminhando tomando alimentos onde percebamos que podiam defender-se

    e ao nal de quatro ou cinco dias, ocupamos uma aldeia, onde os ndios no se defenderam. Achamos

    muito milho (e tambm muita aveia), da qual os ndios fazem po, e muito bom vinho parecido com cer-

    veja. Achou-se na aldeia uma adega deste vinho, o que alegrou os nossos companheiros e tambm muito

    boa roupa de algodo. Encontramos, tambm nessa aldeia, um templo, dentro do qual havia armas pre-

    parada para a guerra, e sobre elas, no alto, estavam dois cocares muito bem feitos, semelhantes a duas

    mitras de bispos. Eram de um tecido que no conhecamos, porque no era feito de algodo, nem de le nham muitas cores;...tera-feira, vinte e dois de junho, vimos muitas pessoas na margem esquerda do

    rio, porque estavam repletas de canoas, por isso, amos no meio do rio. Queramos nos aproximar, mas

    no pudemos por causa da fora da correnteza e das ondas, mais turbulentas que as do mar. Quarta-feira

    tomamos uma aldeia que estava no meio de um arroio pequeno, em um enorme plano de mais de quatro

    lguas. Esta aldeia estava toda organizada em uma rua, com uma praa no meio, com casas dos dois lados,

    a achamos muita comida. Chamamos esta aldeia, por causa da sua forma, de aldeia da Rua.

    Aqui nos deparamos com uma boa terra e domnio das amazonas. Estas aldeias j estavam avisa -das; sabiam da nossa chegada, saram, portanto, para nos receber no caminho, pelas guas, mas sem boa

    inteno. Se aproximaram do capito, que pretendia manter a paz e comeou a conversar e a chama-los,

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    26/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB26

    entretanto eles viram e se burlaram de ns e nos cercaram dizendo para connuarmos, pois nos aguarda -

    vam mais abaixo. L nos capturariam e nos levariam para as amazonas;...no momento em que estvamos

    chegando terra, os ndios comearam a defender a sua aldeia e a arar com echas. Como havia vrias

    pessoas parecia chover echas. Mas nossos arqueiros e aradores no estavam parados, eles s faziam

    arar e mesmo matando muitos, eles no senam, pois com todas as baixas que sofriam connuavam

    uns lutando outros danando;...esvemos nesta luta mais de uma hora, sem que os ndios recuassem,pareciam ao contrrio mais dispostos mesmo que muitos dos seus fossem mortos, mas passavam por

    cima deles e quando muito, recuavam para voltar a atacar. Quero que saibam a razo porque os ndios

    lutavam para voltar a atacar. Quero que saibam a razo porque os ndios lutavam dessa maneira. Acon-

    tece que eles so sditos e tributrios das amazonas e sabendo de nossa vinda, pediram socorro a elas

    que mandaram de dez a doze, pois ns as vimos. Elas estavam lutando como lideres na frente dos ndios

    e lutavam to decididamente que os ndios no usavam nos dar as costas, pois aqueles que fugissem de

    ns elas matavam a pauladas. Sendo esta razo porque os ndios se defendiam tanto. Estas mulheres so

    muito brancas e altas e tem longos cabelos traados e enrolados na cabea, so musculosas e andam nuas

    em pelo, cobrindo sua vergonha com os arcos e as echas nas mos lutando como dez ndios. Na verdade

    uma dessas mulheres meteu um palmo de echa num dos barcos e outra um pouco menos, cando nos-

    sos barcos parecendo porco-espinho.

    Ns andamos de onde samos e deixamos Gonzalo Pizarro a mil e quatrocentas lguas, ou talvez

    um pouco mais e no sabamos o que faltava at o mar;...e nesta aldeia somente eu sa ferido, uma vez

    que levei uma echada no olho que o atravessou, e desta ferida, e desta forma eu perdi o olho e no me

    encontro sem fadiga e sem dor, mas nosso senhor, sem que eu merea quis me poupar a vida para que

    me emende e o sirva melhor do que z at aqui;...o capito temia perder alguns deles e no queria ar-

    riscar ningum na aventura porque sabia da necessidade que nha de ajuda, pois a terra era povoada e

    convinha conservar a vida de todos. Alem disso, a distncia entre uma aldeia e outra no chegava meia

    lgua ainda naquela margem direita do rio, o seu lado sul. Mais ou menos a umas duas lguas no interior,

    apareciam grandes cidades que branqueavam, apesar disso, a terra to boa e frl e to natural como

    a nossa Espanha. Mas foi s entrarmos nela, no so Joo e os ndios comearam a queimar os campos.

    terra temperada de onde se colher muito trigo e dar todas as frutas; est aparelhada para criar o gado,

    porque nela h muitas ervas como em nossa Espanha, como organo e cardos pintados e rajados ervas

    muito boa. Os montes desta Terra tm ozinheiros e sorcreiros com bolotas, porque ns os vimos, e car-

    valhos. A terra alta e tem morros cobertos de savanas, com ervas que apenas chegam aos joelhos e h

    caas de todo po.

    Retomando nosso caminho, o capito mandou que navegssemos no meio do rio, para fugir dos

    povoados, que eram tantos que causava espanto. Chamamos essa provncia de so Joo...

    Fomos para o meio do rio enquanto os ndios nos seguiam pela gua. O capito, ento, mandouatravessar para uma ilha que estava despovoada sem que os ndios nos deixassem at noite...

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    27/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 27

    Passamos a noite no barco e quando chegou manh, o capito mandou navegar com cuidado at

    sairmos da provncia de so Joo, que tem mais de 150 lguas de costa, povoada conforme descrevi. No

    dia 25 de junho passamos por dentro de umas ilhas que pensvamos estarem despovoadas. Mas quando

    entramos no meio delas avistamos tantas aldeias que camos assustados. Ao nos verem, os ndios saram

    em cerca de 200 canoas, cada uma com 20 ou 30 ndios e muitas at com 40. Estavam muito conantes,

    com diversos ornamentos e traziam trombetas, tambores e autas que tocavam com boca e a arrals detrs cordas;...fomos costeando esta ilha maior. Deve ter seis lguas de largura e ca no meio do rio. O

    comprimento no sabemos dizer, pois os ndios foram nos seguindo at deixarmos a provncia de so

    Joo, a qual como disse tem 150 lguas. Toda essa distncia passamos com muito trabalho, fome, deixan-

    do a guerra de lado, porque como era muito povoada, no houve lugar pra atracarmos.

    Dialogo com um navo sobre as guerreiras amazonas

    O capito interrogou o ndio que capturou, pois o entendia mediante um vocabulrio que fez e

    perguntou de onde era natural. O ndio disse que do povoado onde o prendemos. O capito perguntou

    como se chamava o chefe dessa terra e o ndio respondeu que se chamava Couynco, que era um grande

    chefe, que reinava at onde estvamos, que como eu disse nham centro e cinquenta lguas. O capito

    perguntou que mulheres eram aquelas que nham lhes ajudado anos atacar. O ndio disse que eram mu-

    lheres que residiam a sete jornadas da costa. O capito perguntou de que modo vivem; o ndio respondeu

    que como disse, viviam no interior e que ele fora muitas vezes l e viu seus costumes e moradias, o qual

    na condio de vassalo ia levar tributos quando seu chefe mandava. O capito perguntou se havia muitas

    mulheres; o ndio disse que sim e que ele conhecia o nome de setenta aldeias e enumerou-as diante dosque ali estavam e que em algumas havia estado. O capito lhe disse se estas aldeias eram de palhas, o

    ndio respondeu que no, mas eram de pedra e com portas, e que de uma aldeia a outra havia estradas

    cercadas em certos pontos com guardas, porque ningum podia passar sem pagar impostos. O capito

    perguntou, como no sendo casadas nem morando homem com elas podiam engravidar; o ndio disse

    que essas ndias se encontravam s vezes com ndios. Quando nham vontade se reuniam para guerra

    contra um grande chefe que reside e tem sua terra prxima dessas mulheres e os trazem a fora para

    suas terras cando com eles o tempo que desejam. Depois de carem grvidas os enviam de volta sem

    lhes fazer mal. Mais tarde quando chega o tempo de parir se forem meninos, matam e enviam ao pai ese forem meninas as criam com muito orgulho e ensinam a arte da guerra. Disse ainda que entre essas

    mulheres h uma da qual as outras so sditas cando sob sua jurisdio e que ela se chama CONHORI.

    Disse que possuem grande riqueza em ouro e prata dos quais so constudos os pertences das chefas

    principais, enquanto as mulheres plebeias possuem vasilhas de madeira, a no ser as que vo ao fogo, que

    so de barro. Contou que na capital e principal cidade na qual reside a chefa, h cinco casas muito grandes

    que so templos dedicados ao sol, chamadas por elas de Coronais. No interior desses templos existem

    assoalhos que vo at o meio enquanto os tetos espessos so repletos de pinturas coloridas havendo

    tambm muitos dolos de ouro e prata com guras de mulheres alem de objetos de ouro e prata para servi

    o sol. Elas se vestem de roupa de l na, provindas de ovelhas oriundas do Peru. Essa roupa formada por

    mantas apertadas dos peitos para baixo, com o busto descoberto, tendo ainda um pano na frente preso

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    28/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB28

    por cordes. O cabelo solto at o cho e tem coroas de ouro na cabea da largura de dois dedos, disse

    ainda que nessa terra, segundo entendemos h camelos que as carregam, disse que h outros animais,

    mas no conseguimos entender, eles so do tamanho de cavalos com pelos enormes e pata fendida, cam

    presos e so poucos. Contou que na terra h duas lagoas de gua salgada, da qual reram sal. Elas tm

    uma ordem que no permite ndio macho car nas suas cidades e nas suas terras depois do por do sol.

    Elas dominam muitas provncias prximas obrigando-as a pagar tributos e prestar servios se esto emguerra com outras, em parcular a que j descrevemos, da qual trazem os ndios para ter relaes. Disse

    que esses ndios so grandes e brancos e suas aldeias populosas. Tudo o que contou ele viu muitas vezes

    em suas idas vindas. O que o ndio nos contou j nhamos ouvido falar h seis lguas de Quito, pois todos

    sabiam da existncia dessas mulheres e os ndios desciam 1.400 lguas rio abaixo s para v-las. Eles fa-

    laram tambm que os que resolvessem procurar a terra dessas mulheres saiam moos e voltavam velhos.

    Contou que a terra era fria e que havia pouca lenha, mas muita comida, alem de outras coisas as quais

    vo se descobrindo a cada dia, porque um ndio sbio e inteligente, como so os outros daquela terra.

    ...mas no nhamos andado muito, quando avistamos na margem esquerda grandes provncias e

    aldeias, localizadas na terra mais vistosa e alegre vimos e descobrimos em todo o rio. Era uma terra alta

    com morros e vales populosos. Um grande nmero de pirogas veio nos atacar no meio do rio vindas das

    aldeias. So homens enormes, mais altos que nossos maiores homens, eram tosquiados e estavam pinta-

    dos de negro e por isso a chamamos de provncia dos negros.

    1 registro de antropofagia...

    ...o capito perguntou ao ndio que gente era aquela e quem a governava. Ele respondeu que aquela

    terra e aldeia que se parecia com outras que no vimos, eram de um grande chefe, chamado Arripuna,

    que era senhor de muitas terras, que se estendiam 80 lguas rio acima, at uma lagoa que estava do lado

    norte, onde governava outro chefe, chamado Tinamostn. Disse que ele grande guerreiro e que come

    carne humana, o que no fazem os ndios da terra que estvamos percorrendo; ...os ndios lutaram por

    meia hora, to bem e com tanta coragem que, antes que descssemos na terra, mataram dentro do barco

    mais um companheiro chamado Antonio de Corronza, natural de Burgos. Nessa aldeia os ndios usavam

    uma erva venenosa, como observamos na ferida dele, que ao nal de 24 horas entregou sua alma adeus;...no nal das contas escapamos quase sem problemas, ainda que tenha sido morto outro compa-

    nheiro nosso chamado Garcia Soria, natural de Logronho;...j que estvamos numa terra muito povoada

    de um grande senhor que se chamava Nurandaluguaburabara. Havia sobre a barranca uma verdadeira

    muldo olhando a guabara;...o alferes matou dois ndios com um ro, pelo medo do estrondo, muitos

    entraram na gua, dos quais nenhum escapou, porque todos se mataram, jogando-se das canoas; outro

    foi disparado por um biscaio chamado Perucho. Esse fato foi digno de se ver, uma vez que por causa disso,

    os ndios nos deixaram tranquilos escaparam sem socorrer os que estavam na gua: nenhum deles, como

    j disse, conseguiu se livrar;...fomos assim costeando: vimos aldeias das quais no pudemos rar proveito,pois pareciam mais fortalezas no alto dos morros, a umas duas ou trs lguas do rio.

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    29/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 29

    Comeamos aqui a deixar a terra frl e as terras altas e comeamos a nos aproximar das terras

    baixas com muitas ilhas, ainda que fossem tambm povoadas, no eram como as de cima; ...caminhamos

    lguas, havia trezentas lguas de mar e mil e quinhentas sem mar, de modo foi fcil demarcar o que

    percorremos, desde o ponto onde samos at o mar mil e oitocentas lguas, muito mais para esse nmero

    que para menos;...quando os nossos companheiros saltaram na terra, bateram nos ndios e os zeram

    fugir, e pensando que estavam seguros, comearam a recolher a comida. Os ndios, que eram muitos, vol-taram com muita fria de tal modo que os atacaram e os zeram recuar para onde os barcos estavam com

    os ndios;...no dia de so salvador, que a transgurao de nosso redentor Jesus cristo, encontramos

    a praia que procurvamos, e a reformamos os dois barcos. Fizeram-se cabos com ervas e as velas eram

    as mantas em que dormamos, sendo colocadas nos mastros. Tardamos quatorze dias para realizar essa

    obra, de connua e ordinria penitncia, passamos muita fome e a pouca comida que nhamos, eram os

    mariscos que vinham beira da gua, que eram uns caracis e uns caranguejos vermelhinhos, do tama-

    nho de rs. Metade dos companheiros lutava nesse af e a outra metade, connuava trabalhando. Desse

    modo e com essas diculdades, conclumos a obra, contando com a alegria de todos os companheiros.

    ...fomos caminhando connuamente por sos povoados, onde nos provimos de alguma comida,

    embora pouca, porque os ndios a nham redo, mas encontramos algumas razes chamadas inhames,

    que caso no encontrssemos todos morreramos de fome. Em todas estas aldeias nos esperavam os

    ndios sem armas, porque so pessoas mansas e nos davam sinais de que nham visto cristos;...todas

    as pessoas que viviam naquela parte do rio eram pessoas de grande sabedoria engenhosidade, pelo que

    vimos atravs das coisas que faziam, tanto em relao a suas esculturas, como os desenhos e as pinturas

    em todas as cores, dos tons mais vivos, eram realmente uma coisa maravilhosa para admirar;...samos da

    margem deste rio entre duas ilhas, separadas uma da outra por quatro lguas de largura do rio, e o con -

    junto, como dissemos acima, nha de ponta a ponta, mais de cinquenta lguas, entrando na gua doce

    pelo mar mais de vinte e cinco lguas, que cresce e mngua em seis ou sete braos;...no dia da degolao

    de so Joo Basta, noite, um barco se afastou do outro, de tal maneira que nunca mais conseguimos

    nos ver e pensamos que nos havamos perdido.

    ...livramo-nos desse crcere e levamos dois dias caminhando adiante pela costa, ao cabo dos quais

    sem saber onde estvamos, nem para onde amos, nem o que havia de ser de ns, aportamos na ilha deCubgua e cidade de Nova Cadiz, onde encontramos nossos companheiros e o pequeno barco, que che-

    gara dois dias antes, uma vez que eles chegaram a nove de setembro e ns, a onze, na embarcao maior

    onde estava o capito. A alegria foi to intensa que ns nos recebemos de uma maneira to entusiasta

    que no tenho como descrever, pois eles nham nos perdido e ns a eles.

    O capito resolveu informar a sua majestade sobre essa ilha, que era um grande e novo descobri-

    mento, o qual denominamos Maran, porque desde a sua foz at a linha (ou ilha?) de Cubgua, h qua-

    trocentas e cinquenta lguas, ns conrmamos este dado depois que chegamos, h muitos rios por todaa costa, embora sejam pequenos.

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    30/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB30

    Charles-Marie de La Condamine. Medindo os meridianos, mas de olho na borracha (1735).

    RESUMO

    Ocialmente o objevo de La Condamine ao vir ao Brasil e a Amaznia em parcular era calcular o

    valor exato dos meridianos para denir, ciencamente, o achatamento da terra, incumbncia que rece-

    bera da Academia de Cincias da Frana.

    Fez isso, naturalmente, mas no descuidou de anotar com olhar criterioso de ciensta tudo que viu

    e ouviu das riquezas minerais, animais e vegetais.

    Foi precisamente La Condamine quem descreveu a borracha (por ele chamada de caucho8que

    mais tarde faria a fortuna de alguns, a morte de muitos e a iluso de fausto de que tantos falaram. Fez adescrio na regio do alto Solimes, ressaltando sua abundncia em toda a regio: a resina chamada

    caucho nos pases da provncia de Quito vizinhos do mar tambm comunssima nas margens do Ma-

    ranho, e tem a mesma ulidade. Quando ela est fresca, d-se lhe com moldes a forma que se quer; ela

    impenetrvel chuva, mas o que a torna digna de nota a sua grande elascidade. Fazem-se com elas

    garrafas que no so friveis, e botas, e bolas ocas, que se achatam quando se apertam, mas que retor-

    nam a sua primiva forma desde que livres.

    Para uma melhor compreenso transcrevemos os captulos II, VIII e X.

    Captulo II

    Para mulplicar as ocasies de observar, combinramos desde muito tempo M. Godin, M. Bouguer

    e eu, voltar por caminhos diferentes. Determinei escolher um quase ignorado, e estava seguro de que nin-

    gum mo invejaria; era o do rio das Amazonas, que atravessa todo o connente da Amrica meridional,

    do Ocidente ao Levante, e passa com razo por ser o maior curso do mundo. Eu me propunha a tornar

    l essa viagem, com levantar uma carta desse rio, e recolher observaes de todo gnero que vesseocasio de fazer num pas to pouco conhecido. As que respeitam os hbitos e costumes singulares das

    8 Pronunciar cahut-chu.

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    31/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 31

    diversas naes que lhe habitam as margens seriam muito mais prprias a excitar a curiosidade de um

    grande nmero de leitores; porm eu acreditei que em presena de um pblico ao qual familiar a lingua-

    gem dos sicos e gemetras, no me era permido versar matrias estranhas ao objevo desta Academia.

    Entretanto, para ser melhor entendido, no posso deixar de dar algumas noes preliminares a propsito

    do rio de que vamos tratar, e ainda de seus primeiros navegadores.

    Comumente se cr que o primeiro europeu que fez o reconhecimento do rio das Amazonas foi Fran -

    cisco dOrellana. Ele embarcou bem perto de Quito, em 1539, no rio Coca, que mais abaixo toma o nome

    de Napo; deste ele veio ter a um outro maior, e, deixando-se derivar sem outro guia mais que a corren-

    teza, chegou ao cabo Norte, na costa da Guiana, aps uma viagem de 1.800 lguas (10.000 km) segundo

    seus clculos.

    Esse mesmo Orellana pereceu dez anos depois, com trs navios que lhe nham sido conados em

    Espanha, sem ter podido achar a verdadeira foz do seu rio9.

    O encontro que ele diz ter feito quando descia, de algumas mulheres armadas, das quais um caci-

    que ndio lhe nha dito que desconasse, foi a origem do nome rio das Amazonas. Alguns lhe chamaram

    Orellana; mas antes j ele se chamava Maran10, do nome de um outro capito espanhol.

    Os gegrafos que zeram do Amazonas e do Maranho dois rios diferentes, enganados como Laet

    pela autoridade de Garcilaso e de Herrera, ignoravam sem dvida que no somente os mais angos auto-

    res espanhis11 originais o designam por Maran, desde 1513, seno que o prprio Orellana diz no seu

    relato que foi descendo o Maranho que descobriu as Amazonas, o que decisivo. De fato, este nome lhe

    foi sempre conservado at hoje, h mais de dois sculos, pelos espanhis, para todo o seu curso, e desde

    as cabeceiras do alto Peru. Contudo, os portugueses estabelecidos desde 1616 no Par, cidade episcopal

    situada prximo da boca mais oriental desse rio, no o conheciam a seno pelo nome de rio das Ama-

    zonas, e mais acima pelo de Solimes, e transferiram o apelido de Maran, ou de Maranho em seu

    idioma, a uma cidade e a uma provncia inteira, ou capitania, vizinha do Par. Usarei indisntamente o

    nome de Maranho, ou de rio das Amazonas.

    Em 1560, Pedro de rsua12 enviado pelo vice-rei do Peru a procurar o famoso lago de Ouro de Pa-

    9 No exata a assero de La Condamine, quanto data da parda de Orellana, nem verdade que haja este morrido foz do Amazo-nas, como tambm no certo que o descobrimento do rio-mar tenha sido efetuado em 1541. Francisco de Orellana saiu de Quito em ns defevereiro de 1541; mas a expedio que realizou por sua prpria conta s se iniciou cerca de um ano depois. Com efeito, parndo da aldeiaindgena de Aparia, a 2 de fevereiro de 1542, chegou foz do Amazonas quase seis meses mais tarde, isto , a 24 de agosto. Quatro anosdepois, o seu esprito aventureiro compeliu-o a uma nova viagem parte meridional do connente colombiano, tendo expirado na ilha Mar-garida, pelos ns de novembro de 1546. Tudo isto se encontra minuciosamente no volume Descubrimiento del ro de las Amazonas Segnla relacin, hasta ahora indita, de fr. Gaspar de Carvajal, com outros documentos referentes a Francisco de Orellana y sus conpaeros Comuna introduccin histrica y algunas ilustraciones por Jos Toribio Medina (Sevilha, 1894), ragem limitada a 200 exemplares, da qual oautor desta nota possui o no 40. (Nota B M.)

    10 Pronunciar maranhn.

    11 Ver Pierre Martyr, Fernndez de Enciso, Fernndez de Oviedo, Pedro Cieza, Augusn Zarate.

    12 La Condamine grafou Ursoa o nome do clebre conquistador, que se chamava Pedro de rsua (1526-1561). Veja-se a respeito deleo trabalho atribudo a Francisco Vsquez, Relacin de todo lo que sucedi em la jornada de Omagua y Dorado, hecha por el gobernador

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    32/137

    Estudos Estratgicos - PCdoB32

    rima, e a cidade de El Dorado, que se criam vizinhos das margens do Amazonas, chegou a este rio por um

    auente que vem do lado do sul, de que falarei a seu tempo. O m de rsua foi ainda mais trgico do que

    o de Orellana, seu predecessor. rsua pereceu s mos de Aguirre, soldado rebelde que se fez proclamar

    um rei. Este desceu a seguir o rio, e depois de longa rota que no est ainda bem esclarecida, tendo leva -

    do a toda parte a morte e a pilhagem, acabou esquartejado na ilha da Trindade.

    Semelhantes viagens no faziam grandes luzes quanto ao curso do rio. Alguns governadores parcu-

    lares zeram depois, com to pequenos resultados, diversas tentavas. Os portugueses foram mais felizes

    do que os espanhis.

    Em 1638, um sculo depois de Orellana, Pedro Teixeira13, enviado pelo governador do Par frente

    de um numeroso destacamento de portugueses e ndios, subiu o Amazonas at a conuncia do Napo,

    por terra, com alguns portugueses de sua tropa. Foi bem recebido pelos espanhis, pois que ambas as

    naes obedeciam ento ao mesmo senhor. Ele volveu, um ano decorrido, ao Par, pelo mesmo caminho,

    acompanhado dos padres dAcua14 e dAreda, jesutas, nomeados para prestarem contas junto corte

    de Madri das parcularidades da viagem. Eles calcularam o caminho a parr da aldeia de Napo, lugar do

    embarque, at o Par, em 1.356 lguas espanholas, o que vale mais de 1.500 lguas marmas, e mais de

    l.900 das nossas lguas comuns (cerca de 10.600km). A relao de tal viagem foi impressa em Madri em

    1640. A traduo francesa feita em 1682, por M. De Gomberville, est em todas mos.

    O mapa muito defeituoso do curso desse rio, devido a Sanson, calcado em relato puramente hist-

    rico, foi depois copiado por todos os gegrafos, por falta de novas memrias, e no vemos melhor at

    1717.

    Ento apareceu pela primeira vez em Frana, no duodcimo tomo das Cartas Edicantes, uma cpia

    de cada carta gravada em Quito em 1707, e dirigida desde 1690 pelo padre Samuel Fritz, jesuta alemo,

    missionrio nas margens do Maranho, rio que ele percorrera em toda a extenso15. Por essa carta se

    soube que o rio Napo, que era ainda considerado a verdadeira fonte do Amazonas ao tempo da viagem

    do padre dAcua, no passava de um rio subalterno, que engrossava com suas guas as do Amazonas;

    soube-se outrossim que este, sob o nome de Maran, saa dum lago perto de Guanuco, a trinta lguas

    Pedro de Ursua (Madri, 1881), publicada pela Sociedad de Biblilos Espaoles, numa ragem limitada a 300 exemplares, trazendo o no 9pertencente ao autor desta nota. (Nota B. de M.)

    13 A expedio de Pedro Teixeira verdadeira conquista da hilia amaznica para a coroa portuguesa efetuou-se de 17 de outubrode 1637 a 12 de dezembro de 1639. O melhor trabalho que existe sobre ela de lavra espanhola, pois foi escrito por D. Marn Saavedra yGuzmn e publicado por Marcos Jimnez de la Espada: Viaje del capitn Pedro Teixeira aguas arriba del ro de las amazonas (Madri, 1889).(BM.)

    14 O padre Cristobal de Acua (1597-1675), pertencente Companhia de Jesus desde 1612, foi missionrio na Amrica do Sul, onde le-cionou teologia moral em Quito, havendo ainda sido ali reitor do colgio de Cuenca. Tendo sido, em 1639, um dos companheiros do regressoda expedio de Pedro Teixeira, pde lucubrar o seu precioso trabalho Nuevo descobrimiento del gran ro de las Amazonas (Madri, 1641),

    aproveitado, pouco depois, em verdadeiro plgio, por um seu colega de roupeta. (Nota de BM.).15 Para que se possa bem avaliar a meritria capacidade do inaciano alemo, cumpre ler o excelente trabalho que lhe consagrou Rodol-

    fo Garcia e que foi inserto no tomo LXXXI da Rev. do Inst. Hist. e Geogr. Bras., sob a epgrafe seguinte: O Dirio do padre Samuel Fritz (Comintroduo. e notas, 1917). O benemrito jesuta expirou a 20 de maro de 1725, aos 71 anos de idade, dos quais passou 40 na Amaznia.(Nota de B. de M.)

  • 7/23/2019 Estudos Estratgicos do PCdoB

    33/137

    Dossi I.9 - A Amaznia 33

    de Lima16. De resto, o padre Fritz, sem pndulo e sem luneta, no pde determinar nenhum ponto em

    longitude. Ele no dispunha seno de um pequeno semicrculo de madeira, de trs polegadas de raio,

    para as latudes; enm, ele estava doente quando desceu o rio at o Par. Basta ler o seu jornal manus-

    crito, do qual possuo uma cpia17, 16 para ver que vrios obstculos, ento e por ocasio de sua volta

    misso, no lhe permiram fazer as observaes necessrias para tornar exata a carta, principalmente na

    parte inferior do rio. Esse mapa no foi acompanhado